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nos olhos vermelhos de marta
as frases do seu discurso sem nexo,
a lembrança de que a vida é breve,
seu querer não querendo, seu sexo.
no riso histérico e romântico
de marta a dor, a revolta e a coragem.
a certeza de que suave é a noite
e nos espelhos a sua imagem.
nas mãos geladas de marta
o tempo de que já não dispomos,
a urgência de que um deus venha
e que não lembremos mais de quem somos.
MARTA
* * *
já é tarde, dorme a loura
seu sono sereno; sonham as mães
com seus pequenos, pedem a deus
que cresçam livres de todo mal.
NEMBUTAL! NEMBUTAL!
os médicos nada sabem, nada sabe a cia.
só as tias, que bebem gim nesta hora:
silenciam as americanas senhoras
coast to coast, em cada capital.
NEMBUTAL! NEMBUTAL!
depois de mortos os kennedys
e do adeus aos soldados nos portos,
quem lembrará? quem,
depois de Cuba, Vietnã, Napalm?
NEMBUTAL! NEMBUTAL!
quem guardará o nome
de todas as louras tristes?
não serão Hollywood, a América e a vida
uma fantasia heavy metal?
NEMBUTAL! NEMBUTAL!
MARILYN
* * *
o amor acaba.
como um castelo
de cartas, um viaduto
que desaba.
só se percebe
no sábado ao se acordar.
quando tudo silencia,
na praia ao fim
da tarde
ou durante o jantar
quando se repara
o brilho do anel
que já não brilha,
o vinco na memória
que falha, o canto
de Morgana que anuncia:
todo ser que se move
é uma ilha.
* * *
um dia
e mais outro dia.
a mesa posta,
os copos, talheres, o amor
de antes agora em algum
canto da casa escondido,
quem sabe talvez
em algum hotel
nas últimas férias
esquecido.
um dia,
outro dia.
os filhos que crescem,
novas intrigas;
o mesmo canal,
uma outra novela;
o carro novo,
os mesmos caminhos.
um dia
e depois
outro dia.
a data esquecida,
novas dívidas,
os mesmos compromissos.
novos comprimidos
e os pratos
sobre a pia.
outro dia,
o relógio, de manhã,
implacável
em sua sentença:
somente um banheiro,
o café, a manteiga fria, o cigarro,
a porta que bate
e a água que cai do chuveiro.
um dia
e mais outro dia.
comprar presentes,
escolher verduras,
escolher um vestido.
visitar parentes
que há algum tempo
não se via.
em suas vidas
um espelho,
uma estranha simetria.
antigas mágoas
não movem,
emperram moinhos.
mudar os móveis de lugar,
mudar a cor do cabelo.
a menstruação que não vem,
a tabelinha
e as camisinhas
dos filhos.
e as roupas sujas
de mais um dia.
o amanhã parecia tão distante,
muito adiante
da próxima esquina.
* * *
se quem ama perde o passo,
renuncia, se amar é desgoverno,
descompasso, é perder a vergonha
e o medo no escuro de um quarto,
é perder com um homem, tarde
ou muito cedo o hímen e a virgindade;
não será desamar readquirir
ritmo, reaprender a santidade
que não mais existia?
eu me entregava, você me comia.
se quem ama se entrega, se amar
é sorrir para quem no colo
nos carrega, é perder a voz enquanto
nos dilaceram numa luta fria
ou no calor de um abraço, é ver
significado em palavras vazias;
não será desamar recobrar
a consciência, romper a camisa de
força que suprimia e amordaçava?
eu te seduzia, você me currava.
COMUNHÃO DE BENS
* * *
o que vivemos, o que sonhamos
estão agora tão embaralhados
que já não sei em que acreditar.
nomes, lugares, datas se confundem:
o que lembro, se realmente
aconteceu não posso afirmar.
o antes, o durante e o depois
estão agora tão trançados
que já não tenho como datar.
do amargo adeus que bebi,
de tua secreção que engoli,
resta aquilo que não provei.
da tua voz que cala,
do meu silêncio que fala,
resta aquilo que não escutei.
entre o tempo que vivemos
e o futuro que não prevemos
resta, imponderável, o que esperei.
* * *
levo comigo uma sílaba
por onde quer que ande,
new york, pequim, chernobyl,
em qualquer canção que cante.
levo comigo uma sílaba
veloz, precisa, fugaz,
na guerra eterna de todos os dias
ou na quietude de um cais.
levo comigo uma sílaba,
um signo, um nó, um segredo,
um ideograma: a mensagem
clara do último beijo.
* * *
qualquer coisa arranha
(as paredes neutras, o re-
lógio que corre), qualquer
coisa desanda.
já me atiro em pêlo contra a calma
dos moinhos de holanda.
percebi meus passos muito tarde.
agora é tarde, todo abraço
já espanta,
já não importa.
agora é selva!
o aço dos moinhos
me abraça.
guardo comigo dos beijos
o ranço
e os inumeráveis espaços
de holanda.
guardo comigo o desencanto
e dalgum úmido sexo
a lembrança.
QUIXOTE
* * *
a ruidosa avenida siqueira campos
não incomoda a quietude do quarto
onde se amam as duas.
línguas, cabelos, pernas no escuro
se entrelaçam; vermelhos os lábios,
os beijos e ambas nuas.
lá fora há uma declarada caça
às bruxas que o calor desse abraço
e dessas palavras não tarda silencia.
a vida as transforma de novo
em pessoas normais que estudam, trabalham
e em silêncio se amam no dia a dia.
* * *
vejo o pequeno corpo:
nenhuma nudez será como antes.
doce provocação, um desafio, o cruel
convite dos teus olhos infantes.
sob meu peso, vejo tua febre urgente.
com o que sonhas, quase menina?
o que te traz este sorriso
que em teu rosto se ilumina?
na leitura de teu corpo bravio,
encontro nos seios seus delicados botões.
quase intocados, ao tocá-los,
descubro a harmonia de suas formas e
canções.
logo me conduzes ao úmido território.
da gentil fenda que me recebe
transborda o mel com que me liberto:
tudo o que eu sei de nada mais me serve.
ainda que eu conheça muitos caminhos
decifro, desvendo, desvelo, imagino;
ainda que sejas somente anjo e aprendiz
contigo mais aprendo do que ensino.
PUPILA
* * *
o anjo que pego em meu colo
tem um pouco mais na memória
do que a sua infância e me conta
na vastidão do seu tempo
a sua breve história.
um anjo em um corpo de mulher,
as asas das horas nos informam
a transgressão e o tempo
que em desejos alados
logo se transformam.
o anjo que ponho em minha cama
é uma parte aventura e outra romance,
prevê na tarde quieta a noite
e o destino que voa além
dos nossos olhos e do nosso alcance.
um anjo que menstrua,
que tem sexo e vagina que me provoca,
entreaberta ela desvenda
o clitóris que a ponta dos meus
dedos e da minha língua toca.
faço de seu corpo o meu endereço
e no meu colo ela me embala,
revela nos espelhos e no esperma
sua santidade e as roupas
que ficaram no chão da sala.
o anjo que beijo a testa
nem parece a mesma pessoa
que estuda, canta, dança, namora.
com suas asas inquietas
antes que anoiteça voa.
* * *
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Filhas do segundo sexo

  • 1.
  • 2. nos olhos vermelhos de marta as frases do seu discurso sem nexo, a lembrança de que a vida é breve, seu querer não querendo, seu sexo. no riso histérico e romântico de marta a dor, a revolta e a coragem. a certeza de que suave é a noite e nos espelhos a sua imagem. nas mãos geladas de marta o tempo de que já não dispomos, a urgência de que um deus venha e que não lembremos mais de quem somos. MARTA
  • 3. * * * já é tarde, dorme a loura seu sono sereno; sonham as mães com seus pequenos, pedem a deus que cresçam livres de todo mal. NEMBUTAL! NEMBUTAL! os médicos nada sabem, nada sabe a cia. só as tias, que bebem gim nesta hora: silenciam as americanas senhoras coast to coast, em cada capital. NEMBUTAL! NEMBUTAL! depois de mortos os kennedys e do adeus aos soldados nos portos,
  • 4. quem lembrará? quem, depois de Cuba, Vietnã, Napalm? NEMBUTAL! NEMBUTAL! quem guardará o nome de todas as louras tristes? não serão Hollywood, a América e a vida uma fantasia heavy metal? NEMBUTAL! NEMBUTAL! MARILYN * * * o amor acaba. como um castelo de cartas, um viaduto
  • 5. que desaba. só se percebe no sábado ao se acordar. quando tudo silencia, na praia ao fim da tarde ou durante o jantar quando se repara o brilho do anel que já não brilha, o vinco na memória que falha, o canto de Morgana que anuncia: todo ser que se move é uma ilha.
  • 6. * * * um dia e mais outro dia. a mesa posta, os copos, talheres, o amor de antes agora em algum canto da casa escondido, quem sabe talvez em algum hotel nas últimas férias esquecido. um dia, outro dia. os filhos que crescem, novas intrigas;
  • 7. o mesmo canal, uma outra novela; o carro novo, os mesmos caminhos. um dia e depois outro dia. a data esquecida, novas dívidas, os mesmos compromissos. novos comprimidos e os pratos sobre a pia. outro dia, o relógio, de manhã,
  • 8. implacável em sua sentença: somente um banheiro, o café, a manteiga fria, o cigarro, a porta que bate e a água que cai do chuveiro. um dia e mais outro dia. comprar presentes, escolher verduras, escolher um vestido. visitar parentes que há algum tempo não se via. em suas vidas um espelho,
  • 9. uma estranha simetria. antigas mágoas não movem, emperram moinhos. mudar os móveis de lugar, mudar a cor do cabelo. a menstruação que não vem, a tabelinha e as camisinhas dos filhos. e as roupas sujas de mais um dia. o amanhã parecia tão distante, muito adiante da próxima esquina.
  • 10. * * * se quem ama perde o passo, renuncia, se amar é desgoverno, descompasso, é perder a vergonha e o medo no escuro de um quarto, é perder com um homem, tarde ou muito cedo o hímen e a virgindade; não será desamar readquirir ritmo, reaprender a santidade que não mais existia? eu me entregava, você me comia. se quem ama se entrega, se amar é sorrir para quem no colo nos carrega, é perder a voz enquanto
  • 11. nos dilaceram numa luta fria ou no calor de um abraço, é ver significado em palavras vazias; não será desamar recobrar a consciência, romper a camisa de força que suprimia e amordaçava? eu te seduzia, você me currava. COMUNHÃO DE BENS * * * o que vivemos, o que sonhamos estão agora tão embaralhados que já não sei em que acreditar.
  • 12. nomes, lugares, datas se confundem: o que lembro, se realmente aconteceu não posso afirmar. o antes, o durante e o depois estão agora tão trançados que já não tenho como datar. do amargo adeus que bebi, de tua secreção que engoli, resta aquilo que não provei. da tua voz que cala, do meu silêncio que fala, resta aquilo que não escutei. entre o tempo que vivemos
  • 13. e o futuro que não prevemos resta, imponderável, o que esperei. * * * levo comigo uma sílaba por onde quer que ande, new york, pequim, chernobyl, em qualquer canção que cante. levo comigo uma sílaba veloz, precisa, fugaz, na guerra eterna de todos os dias ou na quietude de um cais. levo comigo uma sílaba,
  • 14. um signo, um nó, um segredo, um ideograma: a mensagem clara do último beijo. * * * qualquer coisa arranha (as paredes neutras, o re- lógio que corre), qualquer coisa desanda. já me atiro em pêlo contra a calma dos moinhos de holanda. percebi meus passos muito tarde. agora é tarde, todo abraço já espanta,
  • 15. já não importa. agora é selva! o aço dos moinhos me abraça. guardo comigo dos beijos o ranço e os inumeráveis espaços de holanda. guardo comigo o desencanto e dalgum úmido sexo a lembrança. QUIXOTE * * *
  • 16. a ruidosa avenida siqueira campos não incomoda a quietude do quarto onde se amam as duas. línguas, cabelos, pernas no escuro se entrelaçam; vermelhos os lábios, os beijos e ambas nuas. lá fora há uma declarada caça às bruxas que o calor desse abraço e dessas palavras não tarda silencia. a vida as transforma de novo em pessoas normais que estudam, trabalham e em silêncio se amam no dia a dia. * * * vejo o pequeno corpo:
  • 17. nenhuma nudez será como antes. doce provocação, um desafio, o cruel convite dos teus olhos infantes. sob meu peso, vejo tua febre urgente. com o que sonhas, quase menina? o que te traz este sorriso que em teu rosto se ilumina? na leitura de teu corpo bravio, encontro nos seios seus delicados botões. quase intocados, ao tocá-los, descubro a harmonia de suas formas e canções. logo me conduzes ao úmido território. da gentil fenda que me recebe
  • 18. transborda o mel com que me liberto: tudo o que eu sei de nada mais me serve. ainda que eu conheça muitos caminhos decifro, desvendo, desvelo, imagino; ainda que sejas somente anjo e aprendiz contigo mais aprendo do que ensino. PUPILA * * * o anjo que pego em meu colo tem um pouco mais na memória do que a sua infância e me conta na vastidão do seu tempo
  • 19. a sua breve história. um anjo em um corpo de mulher, as asas das horas nos informam a transgressão e o tempo que em desejos alados logo se transformam. o anjo que ponho em minha cama é uma parte aventura e outra romance, prevê na tarde quieta a noite e o destino que voa além dos nossos olhos e do nosso alcance. um anjo que menstrua, que tem sexo e vagina que me provoca, entreaberta ela desvenda
  • 20. o clitóris que a ponta dos meus dedos e da minha língua toca. faço de seu corpo o meu endereço e no meu colo ela me embala, revela nos espelhos e no esperma sua santidade e as roupas que ficaram no chão da sala. o anjo que beijo a testa nem parece a mesma pessoa que estuda, canta, dança, namora. com suas asas inquietas antes que anoiteça voa. * * *
  • 21. Este livro está a venda em: http://sergioprof.wordpress.com Contato: blog: http://sergioprof.wordpress.com/ facebook: http://www.facebook.com/sergio.almeida.jar dim twitter: http://twitter.com/SERGI0_ALMEIDA linkedin: http://br.linkedin.com/pub/jardim/2b/22/a7b google +: https://plus.google.com/+sergioalmeidaJardi m skoob: http://www.skoob.com.br/autor/7181-jardim