Palavras e frases de efeito são despejadas sem nenhum nexo, como instrumento de pseudoerudição ou de certo descolamento, de quem está em dia com as últimas práticas de gestão, própria dos vorazes leitores da Harvard Business Review. Aqui vai um pequeno dicionário de corporativês para iniciantes (é bom lembrar que, assim como ocorre na moda, os termos seguem as últimas tendências da estação).
2. Approach – poderia ser uma simples abordagem, mas, no
português, talvez essa aproximação não tivesse tanto
impacto. É melhor sondar o ambiente antes de empregá-la.
Alavancar – sempre que escuto esse verbo, lembro-me de
reuniões sem fim, em que passei, ano após ano, ouvindo:
“temos de alavancar esse projeto”, “vamos alavancar essa
rede...”, e a discussão ia rolando, rolando... Mas o “como”
ninguém falava. Minha vontade era pegar uma catapulta e
lançar esse indivíduo a uma longa distância. Isso, sim, iria
alavancar o projeto.
3. Business Intelligence (BI) – já ganhou até apelido: biai!
É biai pra cá, biai pra lá... A queridinha tecnológica, de quem
acha que com essa fantástica ferramenta vai conseguir
resolver tudo na gestão: do cafezinho ao financeiro... mas,
se esquecem de que a inteligência humana é anterior à do
sistema.
Basilar – desencavar palavras pouco utilizadas e inseri-las
em um novo contexto também é um must no corporativês.
Fui a três reuniões num só dia e a ouvi mais de vinte vezes.
O corporativês é uma praga. Espalha-se rapidamente.
Budget – o que eles têm contra “orçamento”? Será que há
uma conversão automática da moeda em dólar? Uma forma
de valorização linguística do dindim?
4. Compliance – sempre utilizada quando algo é tão
complicado, mas tão complicado, que pra não precisar
explicar, o expositor tira da manga. “Nossa política de
compliance...” E tenho dito!
Cenário lato sensu – ouvi essa expressão recentemente,
quando a expositora queria acentuar um quadro de crise
econômica, e fiquei quebrando a cuca... Acho que é um
sentido tão amplo que não consegui captar sua amplitude!
Coaching – se o sapo cururu na beira do rio coaxava, o
coach coaches... Quando as estratégias de RH passaram a
ganhar lugar na gestão moderna, o “ser humaninho” passou
a ser percebido como uma peça a ser lapidada por essa
figura que seria um misto de treinador de futebol americano
com guru transcendental.
5. Descontinuar – um eufemismo (o mundo corporativo adora
eufemismos). Em vez de dizer “Deu tudo errado! O projeto
foi uma bomba!”, é mais elegante dizer “O projeto será
descontinuado”.
Design thinking – mais um modismo. Alguém já viu alguém
desenhar pensamento? Então, desenha pra mim?
Deadline – qual o problema de se falar “prazo”? Será que
com deadline ganharemos mais alguns dias para executar a
tarefa? Ou será que vale a associação entre morte e prazo?
Disruptivo – essa palavra é a última moda no ambiente
corporativo. Veio na onda da inovação. Acho que só de
torcer a língua para falá-la, já revoluciona alguma coisa no
mundo!
6. Empowerment – não sei o que é pior: o empowerment ou o
aportuguesado emponderamento. Parece uma espécie de
He-Man corporativo que levantaria sua espada e gritaria: eu
tenho a forçaaaa!
Expertise – os espertinhos do mundo corporativo a-do-ram
dizer que têm expertise nisso, expertise naquilo. Mas,
cuidado. Tem muito espertalhão que esconde sua falta de
conhecimento por trás da tal da expertise.
Favorabilidade – faça-me o favor: nunca use esse sufixo
“bilidade” com a pretensão de estar sendo intenso ou hábil
em algo. É um daqueles indicadores que não indicam nada...
Feedback – já ouvi alguns trocadilhos infames, que não
cabem no mundo corporativo elegante. Tudo bem que
retroalimentação é feia pra chuchu, mas um retorno,
quando bem dado, é sempre o melhor
feedback.
7. Gathering – se fala “gédering”. É mais um termo que vem na
onda do RH estratégico: “fulano tem um gathering...”. Oi?
Traduzindo: é o cara com carisma, poder de liderança, de
reunir gente em torno de uma ideia. Se ele tem tudo isso,
nem precisa de gathering, não é mesmo?
Gap – além da marca de moleton que as adolescentes
adoram é também um termo que funciona super bem
quando algo não funciona, se alguma coisa está atrasada.
Houve um “gap”... pode relaxar. Ninguém vai ousar
perguntar o que aconteceu...
8. Headhunter – Madame Yeyevna Blavatska me confessou
que, ao escutar essa expressão pela primeira vez, recolheu
seu pescocinho na reunião de diretoria. Achou que
caçadores de cabeças adentrariam a sala. Uma versão
corporativa de ghostbusters.
Happy hour – no mundo corporativo, cuidado com convites
para viver “horas felizes” após o expediente. Após o
expediente, no relógio corporativo, o que existe é hora extra,
mas o bom e velho chopinho com os amigos da “firma” tem
o seu valor. É hora de rir e falar bobagem. As melhores
ideias podem surgir na mesa de um bar.
9. Input – mais um termo que veio do tecnologês para o
corporativês. O que tem de gente inputando, mas não
imputando a responsabilidade pelo projeto. A melhor que
ouvi foi: “Vamos dar um input, depois um output.” Pois é.
Tudo o que entra, sai... Tem gente que dá o input, tem gente
que aguarda. Bom, dar o input é direito de cada um...
Insight – aqui, o corporativês metafísico se manifesta. Ter
um insight é como se baixasse um santo do Peter Drucker
no cidadão, que o torna capaz de antecipar situações de
modo intuitivo. É mais corporativo que “Feelings”, que como
diria certo consultor, está mais para música do Morris Albert
do que tomada de decisão na gestão.
10. Job – nada a ver com o Jobs, aquele lá, o Steve, que falou
que simplicidade é um alto nível de sofisticação. Aqui, é o
contrário, se usa “job” para sofisticar algo simples. Por
exemplo, o chefe pede “Beltrano, tenho um job para você:
preciso que realize um tratamento de caráter imagético, a
fim de viabilizar a reprodução documental do projeto”, em
lugar de: “Beltrano, tira uma xerox do projeto pra mim!”
Know-how – um dos mais antigos termos do corporativês
arcaico. Utilizado quando o cidadão quer dizer que sabe
como fazer, que tem o tal do conhecimento. Mas se a
competência falar mais alto, ela vai conseguir dar conta do
recado em qualquer idioma: sânscrito, libras...
Kick-off – este termo representa bem o que a grande
maioria dos embromators do corporativês fazem: dar chutes.
Dão aquele chutão para começar o projeto e seja o que
Deus quiser. Mas, cuidado, tem alguns kicks-off em que as
tarefas chegam quicando na sua área e você
é que pode acabar virando a bola da vez.
11. Learning organization – o conceito do Peter Senge é
algumas vezes utilizado no corporativês para “sofisticar”
propostas de educação corporativa em algumas
organizações. Mas, muitas vezes, são propostas enfiadas
goelas abaixo, em que o empregado finge que aprende e a
empresa finge que educa. O que importa é dizer que faz.
Mas, se faz diferença? Que diferença faz?
Líder – Ah, o líder... Aquele que lidera o grupo. O senhor é o
meu pastor e nada me faltará... A grande maioria ainda é
nada mais que um chefe. Manda quem pode, obedece
quem tem juízo. Mas isso não é moderno. Moderno é ser
gestor, líder, facilitador... Ah, o discurso e a prática... Quando
se encontrarão?
12. Mentoring – primo pobre do coach. O mentoring é o
mentor. O célebre “ouça a voz da experiência”. Um Karatê
Kid, um Kung Fu corporativo, gafanhoto.
Mind setting (mudar o) – não sei vocês, mas eu e madame
Blavatska quando ouvimos que precisávamos mudar nosso
mind setting, achamos que seríamos hipnotizadas,
sofreríamos uma lobotomia... Por que não o bom e velho
“mente aberta para mudanças”?
Metodologia – esse termo veio direto do mundo acadêmico
para o corporativês, quando o intuito é dar profundidade a
algo raso. Uma vez, explanava sobre os resultados de um
evento, quando fui inquerida sobre a metodologia aplicada
no estande. Oi? Deu vontade de responder: fundamentado
em estudo de caso da Octanorm Foundation, by Banners
and Sons.
13. Motivation power – essa expressão foi ouvida durante uma
apresentação de projeto. Eu e meus colegas nos
entreolhamos. Essa é nova: a força da motivação! Parece um
suplemento energético, um anabolizante corporativo, que
dará a sua apresentação aquele plus!
Networking – outro termo de origem tecnologia que invade
o corporativês: vem de trabalhar em rede. Atualmente,
abrange a sua rede de relacionamentos. Mas atenção, ao
lançar a sua tarrafa, com o que vai vir. Lembre-se que a
sardinha de hoje pode ser o tubarão de amanhã.
14. Oxigenar (deixar no oxigênio) – outra do corporativês
elegante. Quando o projeto está na UTI, mas você ainda tem
esperança de ressuscitá-lo em determinado momento, diga
que vai mantê-lo no oxigênio.
Output – Ver definição de input. Quando um entra, o outro
sai...
Performar – Há uma amiga, a miss PPT, que adora o verbo,
por mais que madame Blavatska insista em lhe dizer que
não existe na língua portuguesa. Vem de performance, que
significa desempenho. Mas, cá pra nós, miss PPT, é muito
performático esse performar...
Player – na tradução literal, pode ser ator, jogador... No jogo
corporativo, o que não falta são atores. Os que blefam a
toda hora para ganhar o jogo. Fique atento àqueles que
escondem uma carta na manga.
15. Quebra de paradigma – Essa expressão é ótima, muito
usada quando alguém quer estabelecer novos padrões e
apresentar uma ideia velha como se fosse nova. “Vamos
quebrar paradigmas! Agora, a gestão é compartilhada”.
Top 10 no corporativês.
Resiliência – seria a capacidade de superar obstáculos sem
surtar e ainda contribuir para a mudança. Ou melhor: aceita
que dói menos!
Stakeholder – não, não é um bife do Outback. São os
players, o público estratégico. Reveja Networking.
Sinergia – Muito em voga. Seria algo como trabalhar em
conjunto. Madame Blavatska diz que não aguenta mais
ouvi-la. Em geral, quem usa não tem nada a ver com isso.
16. Turnover – os gestores adoram dizer “estamos com alto
turnover”. Significa esconder a taxa de rotatividade. Hoje em
dia, ninguém é demitido. É desligado. Como se as pessoas
fossem botões “on” e “off”.
To do – essa expressão, ouvi outro dia e quer dizer
simplesmente a lista de afazeres do indivíduo. Mas, aí,
quando lança um “to do”, tudo fica mais trabalhoso e
valorizado.
U.A.I – se você está gastando o seu inglês, lance um “why”
de vez em quando, para fazer a linha questionador
(Ultimamente Ando Inteligente). Se o seu chefe for mineiro,
então, vai ganhar mais uma estrelinha, uai!
17. Workflow – outra que veio do tecnologês direto para o
corporativês. Um fluxo de trabalho. O sonho de consumo de
todo gestor: processos automatizados. Mas, assim como
ocorre com o BI, o que adianta ferramenta se nunca se
mapeou processo na organização?
Variáveis – esse termo é ótimo para usar quando você não
tem a mínima ideia como vai rolar o seu projeto “São muitas
as variáveis”. Ou melhor, use de forma exata, matemática,
que causa melhor impressão: “São ‘n’ variáveis”
X da questão - assim como explicado no termo anterior –
variáveis –, a matemática, as ciências exatas, também são
apropriadas pelo corporativês, que adora demonstrar
projetos por meio de gráficos, planilhas – tudo muito exato
(só que não). Este é o “X” da questão: lidamos com gente.
18. Y (Generation) – O corporativês adora uma análise
sociológica também para fundamentar seus projetos.
A geração Y, ou geração internet, é objeto de estudos
intensos, que definem, pós definem, acham que entendem,
mas que no fundo é mais uma letra: A E I O U ypsilone.
Z (Generation) – veio depois da Y. Acabou o alfabeto, acho
que será preciso reinventar novas expressões. Mas, isso
nunca é problema, acabei de ser informada que já temos a
geração Alfa!. Pois é. Vamos partir para o alfabeto grego!
Nem o céu é o limite em se tratando do mundo
corporativo...