Evolução do Trabalho de Enfermagem em Saúde Mental no Brasil
1. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A EVOLUÇÃO DO
TRABALHO DA ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL
NO BRASIL
Prof. Me. Aroldo Gavioli
2. Obra: o manto do juízo final de Arthur Bispo do
Rosário
3. O TRABALHO DE ENFERMAGEM NA SOCIEDADE
CAPITALISTA
Marco inicial: 9 de julho de 1860 - emergência do
sistema capitalista europeu
Divisão social e técnica do trabalho.
Relações de compra e venda de força de trabalho.
Em seu DNA: divisão do trabalho e a utilização de
mulheres.
Trabalho doméstico e mal remunerado.
4. CARACTERÍSTICAS DA DIVISÃO SOCIAL E TÉCNICA
DO TRABALHO DE ENFERMAGEM
Padrão
curricular
hegemônico com
duas categorias:
as lady-nurses e
as nurses.
As primeiras,
oriundas da
burguesia → o
ensino e
supervisão.
As nurses,
oriundas da
classe baixa →
execução do
cuidado direto
dos doentes.
5. TREINAMENTO DISCIPLINAR X SABER DE ENFERMAGEM
Transformação do
espaço hospitalar em
local de cura.
Disciplinamento dos
trabalhadores e das
tarefas.
Direção médica.
Espaço geográfico
imediato – limpeza,
luz, calor e outros – e
não aos cuidados dos
doentes diretamente.
O objeto de trabalho
de enfermagem vem
se transformando, não
é estático.
6. ENFERMAGEM: PRÁTICA HISTORICAMENTE
ESTRUTURADA
Práticas
determinadas
pelas relações
sociais de
cada momento
histórico.
• Especializada, dividida e hierarquizada de
acordo com a complexidade de concepção
e execução.
Autônoma: • porém subordina-se aos “atos médicos”
O processo de
trabalho:
• Finalidade – a ação terapêutica de saúde
• Objeto – o indivíduo ou grupos
• Instrumental de trabalho – nível técnico do
conhecimento que é o saber de saúde.
• Produto final - prestação da assistência de
saúde.
7. O TRABALHO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL NO PROCESSO DE
EMERGÊNCIA DA ENFERMAGEM MODERNA
Nascimento
da
psiquiatria:
Primeira
especialidade
médica
Medicina moderna → interesse no corpo
individual → Perspectiva totalizante.
Estratégia de
controle social
na
modernidade.
Projeto de
conhecimento e
transformação
da sociedade,
característico
da Europa do
século XVIII.
No Brasil, se
fez presente a
partir do século
XIX.
8. CRIAÇÃO DO HOSPÍCIO
Inserção do "louco" em normas de
higiene.
A loucura adquiriu o "estatuto
de doença mental” Doença
adjetivada → saber médico
específico, técnica e métodos
também específicos.
Encontro entre uma prática social
sistemática de reclusão de
incapazes e um pensar médico
positivo.
9. O HOSPÍCIO MODERNO:
Substitui enfermarias em Santa Casas e Misericórdias.
Visa reordenação do espaço de exclusão dos considerados
loucos.
Busca interferir na sociedade "sadia" com o objetivo de reduzir as
causas de alienação.
Aplicação de princípios científicos à vida social e política.
Higiene social, além da higiene física.
10. A ENFERMAGEM
Participante desse processo.
Papel importante relacionado ao conhecimento e
organização interna do espaço asilar/hospitalar.
"Enfermeiro" Pussin:
• Importante ideólogo e colaborador de Pinel nas intervenções
reformistas nos asilos franceses de Bicêtre e Salpetrière.
11. NO BRASIL:
1890:
• Criação de uma primeira escola de enfermagem
ligada ao Hospital Nacional de Alienados, a
Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras,
inspirada no modelo francês.
Objetivava a preparação de pessoal
para o trabalho de cuidar dos alienados
num espaço medicamente concebido e,
portanto, necessitado de mão-de-obra
também médico-cientificamente
orientada.
12. A PSIQUIATRIA E A ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA
SURGIRAM NO HOSPÍCIO.
Hospício:
• Instituição disciplinar
para reeducação do
louco/alienado.
Médico/alienista:
• Figura de
autoridade a ser
respeitada e imitada
nesse projeto
pedagógico.
Trabalhadores de
enfermagem:
• Atores coadjuvantes
nesse processo, os
executores da ordem
disciplinar emanada
dos médicos.
13. OS LOUCOS NÃO FORAM OBJETO DE INTERESSE
EXPLÍCITO PARA A ENFERMAGEM MODERNA
Os cursos eram orientados por médicos.
Acompanhou o processo de medicalização dos asilos.
A Escola Anna Nery, fundada em 1923, não incluiu em seu currículo, até o
ano de 1949, nenhuma matéria relacionada às doenças mentais.
A formação existente na época tinha o objetivo de formar profissionais
para os hospitais psiquiátricos e militares existentes no país.
Instrução e profissionalização de mulheres pobres = subordinação
garantida dessas aos médicos.
14. MOTIVAÇÕES PARA TRABALHAR NOS
ESTABELECIMENTOS PSIQUIÁTRICOS:
A enfermagem passou a ser profissão e adquiriu certa valorização social.
Alternativa de profissionalização principalmente para as mulheres pobres.
Possibilidade de ascensão social.
Formação relacionada com o processo de transformação dos asilos em espaço terapêutico
da loucura e às necessidades de disciplinarização de um determinado segmento social.
15. A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL
Após II Guerra Mundial
• Emergência dos movimentos de contestação do saber e práticas psiquiátricas.
• Psiquiatria de Setor na França
• Comunidades Terapêuticas na Inglaterra
• Psiquiatria Preventiva nos EUA
Movimentos de "reforma" da assistência psiquiátrica no sentido de apontarem para
um rearranjo técnico-científico e administrativo da Psiquiatria, sem a radicalidade
da desisntitucionalização, proposta pelo movimento italiano, a partir de 1960.
16. REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL
1º momento: Trajetória alternativa: As ideias de Foucault, Goffman, Castel,
Szaz, Basaglia e outros tiveram forte influência na psiquiatria brasiliera.
2º momento: trajetória institucionalizante: ideia de que uma nova
administração estatal resolveria os problemas de saúde/saúde mental da
população.
3º momento: desisntitucionalização – “Por uma sociedade sem manicômios” –
Influência de Franco Basaglia.
17. REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL
Desisntitucionalização foi o processo crítico-prático para a reorientação
de todos os elementos constitutivos da instituição para este objeto
bastante diferente do anterior:
• [...] Mas, se o objeto ao invés de ser "a doença" torna-se a "existência-sofrimento dos
pacientes".
Como processo histórico, insere-se numa totalidade complexa e
dinâmica, portanto, também determinado nacionalmente pelo processo
de redemocratização em curso no País a partir daquela época.
18. TRABALHO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL ATUALMENTE CARACTERIZA-SE:
Transição entre uma prática de cuidado hospitalar que visava a contenção do
comportamento dos "doentes mentais".
Incorporação de princípios novos e desconhecidos.
Adequação a uma prática interdisciplinar, aberta às contingências dos sujeitos
envolvidos em cada momento e em cada contexto.
Superação da perspectiva disciplinar das ações.
Período crítico para a profissão e favorável para o conhecimento e análise do
processo de trabalho nessa área.
19. ENFERMAGEM COMO UM INSTRUMENTO DO SEU
PROCESSO DE TRABALHO
Historicamente
Hospício – compreendido como a
reclusão, os métodos físicos, a figura de
autoridade do médico/alienista e a
disciplina e higiene impostas pelos
enfermeiros.
Instrumento adequado para a finalidade
- cura/reeducação do "louco" - nesse
momento considerado "alienado".
atualmente
Instrumentos materiais - CAPS (Centros
de Atendimento Psicossocial); hospitais-
dia, enfermarias e ambulatórios em
hospitais gerais.
Instrumentos não materiais do
Enfermeiro: ????
20. TRABALHO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL
Várias tendências teóricas influenciando a prática psiquiátrica
atualmente.
• Deficiências no processo de formação de enfermeiros que atuam em psiquiatria.
• Indefinição dos profissionais de enfermagem psiquiátrica sobre o seu papel na
assistência.
"Fuga" e indefinição de seu papéis.
• "agente terapêutico”
• Auxiliar o paciente a aceitar a si próprio e a melhorar as suas relações pessoais"
• O trabalho centra-se no desenvolvimento de atividades burocrático-administrativas.
21. SERVIÇOS EXTRA HOSPITALARES
CAPS:
• os enfermeiros são aqueles que menos realizam atendimentos diretos à clientela
• Gerenciamento intermediário que organiza e facilita o trabalho de toda a
equipe.
“A maioria dos enfermeiros não se sente preparada para atuar
em Enfermagem Psiquiátrica ou Saúde Mental”
• “Não está adequadamente informada sobre as mudanças políticas que vêm
ocorrendo na área” → Práticas tradicionais: ocupam-se da "doença mental"
pautado pelo modelo organicista - não se percebem como agentes de
transformação dessa realidade.
22. DISTÂNCIA ENTRE O DISCURSO E O TRABALHO DE
ENFERMAGEM ÁREA:
"doente mental” → "portador de transtornos mentais" →
características psicossociais.
• Grande parte do tempo: atividades administrativo-burocráticas e não de
administração da assistência, que é uma atividade de enfermagem.
Meio/instrumento do trabalho médico e psicológico, com escassa
ou nenhuma atuação técnico-assistencial específica.
• Falta incorporação de trabalhadores "atípicos" na equipe.
• Admite a noção de "cura" ao invés da reabilitação, reinserção social.
• Falta a escuta e a valorização do sujeito-cidadão que sofre mentalmente.
23. RELAÇÕES DE PODER
Pressuposto:
• Coexistência de ações técnicas privativas dos profissionais e a execução de
algumas ações comuns com tendência à horizontalização das relações de poder.
O que se observa?
• Tensão no aspecto dos valores dos diferentes trabalhos
• Relações hierárquicas são mantidas e reproduzidas, principalmente entre os
profissionais médicos e não-médicos
• Salário.
• Médico é o responsável pela atenção ao usuário.
24. AUTONOMIA PROFISSIONAL
Falta de autonomia.
• Ingerência do médico na assistência de enfermagem.
• Submissão do trabalho de enfermagem ao trabalho médico.
Porque os enfermeiros permanecem comodamente nessa
situação?
• Enfermeiros: dificuldade na definição do objeto de trabalho no paradigma da
Reforma Psiquiátrica.
• Pouca visibilidade do trabalho do enfermeiro em saúde mental.
25. REFORMA PSIQUIÁTRICA:
• Potencialidade implícita de autonomia profissional dos
enfermeiros.
• Utilização de mecanismos de resistência velada, difusa e até
explícita aos saberes e práticas médico-psiquiátricas dominantes.
• Apensar da sujeição à ideologia dominante → possibilidade de
ruptura com essa ideologia.
• Superação das práticas custodiais e burocráticas do trabalho de
enfermagem em saúde mental.
Resgate os atores envolvidos (trabalhadores e
usuários) como sujeitos sociais.
26. CONCLUSÃO:
Trabalho de enfermagem em saúde
mental, marcado historicamente pelo
modelo médico disciplinador de sujeitos e
de comunidades, onde as práticas de
enfermagem eram subordinadas e
coadjuvantes do processo médico-político
disciplinador.
27. CONCLUSÃO:
O enfermeiro é, potencialmente,
importante agente de mudança.
A potencialidade estará diretamente
relacionada ao grau de consciência desses
trabalhadores.
28. CONCLUSÃO:
Quanto mais consciente de sua condição pessoal e social, de seu
papel de trabalhador inserido num contexto social e de cidadão num
sistema político, mais apto estará para eleger instrumentos de
trabalho que visem o resgate dessa mesma condição de sujeito-
cidadão às pessoas com transtornos mentais.
Quanto menos consciente de sua condição de sujeito social e de
cidadão, mais aderido estará ao antigo modelo médico-disciplinar e
mais subordinada e coadjuvante será a sua atuação nas intervenções
desse modelo.
29. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Oliveira Alice G. Bottaro de, Alessi Neiry Primo. O trabalho de enfermagem em
saúde mental: contradições e potencialidades atuais. Rev. Latino-Am. Enfermagem.
2003; 11( 3 ): 333-340.
Silveira, Renato Diniz. (2008). A correspondência entre Juliano Moreira e Hermelino
Lopes Rodrigues: as relações de um mestre e seu discípulo na constituição do campo
psiquiátrico em Minas Gerais. Revista Latinoamericana de Psicopatologia
Fundamental, 11(2), 315-328.