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MEMBRO PERMANENTE DO CONSELHO EUROPEU DOS SINDICATOS DE POLÍCIA • CESP
ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS PROFISSIONAIS DA POLÍCIA • ASPP / PSP
ORGÃO DE INFORMAÇÃO DA ASPP/PSP // JUNHO 2016
38
SEGURANÇA E SAÚDE
NO TRABALHO
MAIS RESPONSABILIDADE
MELHORES CONDIÇÕES
junho 2016  |  o crachá  |  1
O Crachá n.o
38
Junho 2016
Ano XV
Órgão de Informação da Associação Sindical
dos Profissionais da Polícia – ASPP/PSP
Diretor
Paulo Rodrigues
Coordenação
Gabinete de Comunicação ASPP/PSP
gcom.formacao@aspp-psp.pt
Morada
Avenida Santa Joana Princesa, N.o
2
1700-357 Lisboa
Tel.: 213 475 394/5
Tlm.: 962 076 140 / 917 767 024
Fax: 213 475 493
Website: http://www.aspp-psp.pt
E-mail: aspp-psp@aspp-psp.pt
Design, paginação e produção
Factorgénio - Design e Produção Gráfica, Unip, Lda
factorgenio@factorgenio.pt
Distribuição gratuita aos associados ASPP/PSP
Inscrito na DGCI com o n.o
115 869/91
Depósito legal n.o
74 228/94
2.000 exemplares
Conselho Europeu dos Sindicatos da Polícia
Conseil Europeen des Syndicats de Police
ÍNDICE
02	EDITORIAL
03	 GABINETE DE COMUNICAÇÃO
04	 PLANO DE ATIVIDADES
05	 MINISTRA DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
06	MANIFESTAÇÕES
08	 ORÇAMENTO DO ESTADO
09	 LANÇAMENTO “FIZEMOS OS DIAS ASSIM”
10	 GABINETE JURÍDICO
11	 GABINETE DE AÇÃO SOCIAL
12	 SEGURANÇA E SAÚDE NA ATIVIDADE POLICIAL
14	 SEGURANÇA E SAÚDE NO TRBALHO: UM DIREITO DE TODOS
16	 ENTREVISTA - "É PRECISO UM OLHAR ATENTO SOBRE 	
	 A SAÚDE DOS PROFISSIONAIS DA POLÍCIA"
18	 CONFERÊNCIA “OS POLÍCIAS PORTUGUESES NO CENTRO 	
	 DOS NOVOS DESAFIOS EUROPEUS”
21	 SECOS E MOLHADOS - 27 ANOS
22	 PROTEÇÃO DA PARENTALIDADE NA PSP
24	 A RESPOSTA EUROPEIA AO TERRORISMO JIHADISTA
26	 DIREITOS HUMANOS VS CONTRATERRORISMO
27	 MISSÃO DO SINDICATO À AMEAÇA TERRORISTA NA TUNÍSIA
28	 TERRORISMO EM QUATRO EQUÍVOCOS
30	SINDICALISMO
32	CIBERCRIME
34	 SINDICALISMO NA PSP
MEMBRO PERMANENTE DO CONSELHO EUROPEU DOS SINDICATOS DE POLÍCIA • CESP
ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS PROFISSIONAIS DA POLÍCIA • ASPP / PSP
2  |  o crachá  |  junho 2016
EDITORIAL
Numa sociedade globalizada, a segu-
rança é cada vez mais um bem público
imprescindível à vida das instituições e
da população.
Quando nos confrontamos com a gran-
de criminalidade, onde se inclui o terro-
rismo, gerador de insegurança e mal-
-estar social que coloca em causa os
pilares do Estado de Direito, os nossos
direitos constitucionais ficam limitados.
Mas, para combater a criminalidade e
o seu expoente máximo, o terrorismo,
é necessário termos consciência da
necessidade da adequação dos meios,
legislação, formação e condições de
trabalho dos atores envolvidos e atri-
buir-lhes os instrumentos que garan-
tam a eficácia no seu resultado.
Na anterior legislatura, no seguimento
dos atentados ao Charlie Hebdo, em
Paris, enviámos um ofício ao Primei-
ro-Ministro, que não tornámos público
pela importância da reserva e por tra-
tar matérias delicadas de segurança
interna, onde mencionávamos a ne-
cessidade de serem tomadas decisões
importantes sobre alguns aspetos que
podem determinar a eficácia no com-
bate ao crime mais violento.
Hoje, temos Profissionais de Polícia à
altura das exigências, que fazem os im-
possíveis para cumprir a missão com
brio e profissionalismo, que abdicam do
tempo com a família e amigos para es-
tarem presentes sempre que necessário.
Que muitas vezes investem o seu di-
nheiro para criarem condições de traba-
lho em prol do cidadão. Que pagam do
seu próprio bolso arranjos em viaturas
para poderem atender às ocorrências ou
para garantirem a sua própria segurança.
Todos conhecemos bem esta realida-
de e muito mais; uma realidade que os
governos, por vezes, ignoram e alguma
hierarquia desvaloriza.
Como pode um Polícia estar motivado
quando a Instituição, em vez de criar
oportunidades cria entraves; em vez de
apoiar, castiga? Como pode um Polícia
continuar motivado, quando a Institui-
ção o obriga a estar 16 anos no mesmo
posto?
Como é possível que um Polícia mante-
nha a dedicação quando, por exemplo,
no seguimento de um acidente em servi-
ço pode estar meses à espera que a PSP
autorize o seu tratamento, obrigando-o
a pagar os tratamentos do seu bolso ou a
ficar com mazelas para toda a vida?
Que sentido de Justiça pode existir num
País, quando Profissionais nas mesmas
condições são tratados de forma dife-
rente, como acontece com a não atri-
buição do subsídio de insularidade aos
Polícias em serviço nas Regiões Autó-
nomas? Quem consegue perceber que
aos Profissionais da PSP não lhes seja
atribuído um subsídio de risco, como
acontece com outras polícias?
Como se pode aceitar que se continue
a colocar em causa a aposentação aos
60 anos, sem cortes, que, apesar de
estar vincado no Estatuto, pretendem
confundir, ou a pré-aposentação, sobre
a qual tudo já foi tentado para alterar o
seu sentido?
Como aceitar interpretações dúbias,
com o intuito da não colocação no índi-
ce correto os Agentes ou Subcomissá-
rios que se encontram ainda no primei-
ro índice da tabela?
Os polícias merecem mais
Não queremos ser olhados como os
coitadinhos da sociedade, nem temos
de descer ao nível mais baixo do la-
mentável para chamar a atenção. Mas
os problemas existem, as carências são
visíveis e esta é a realidade palpável.
A hierarquia não pode olhar para o lado,
não pode limitar a sua preocupação na
sua ascensão na carreira.
Não pode cingir-se a fazer uma gestão
com prepotência, não pode exigir tudo
e não ter sensibilidade para nada. Sa-
bemos dos obstáculos, também das di-
ficuldades da hierarquia em dirigir uma
estrutura com a dimensão da PSP, mas
não podemos deixar que aqueles que
todos os dias enfrentam a população,
no seu melhor ou pior aspeto, que dão
o peito às balas, se sintam ignorados
ou deixem que os tiques da velha Polí-
cia ressaltem para os dias de hoje.
Se queremos bons Profissionais, tem
de haver investimento nos homens e
mulheres que compõem a PSP, tem de
lhes ser garantida uma carreira, criar
um futuro em que todos conheçam as
regras e exista estabilidade e justiça.
Onde a sua dignidade nunca seja posta
em causa.
Porque, quer se queira ou não, a Polícia
que criarmos será a Polícia que teremos.
Paulo Rodrigues
Presidente da Direção da ASPP/PSP
junho 2016  |  o crachá  |  3
A
ssim, a ASPP/PSP, enquanto
precursora do movimento sindi-
cal policial em Portugal, tem na
revista “O Crachá” o seu registo
de referência, que acompanhou e foi retra-
tando um percurso de luta. Com naturais
avanços e recuos, feito de amarguras, mas
também de venturas e conquistas… De igual
modo, este facilitador de memória, permite
(re)lembrar aquilo que poderia ficar esqueci-
do, podendo-se assim transmitir o significa-
do das experiências passadas aos vindouros.
Referência para outros importantes escritos,
mas de publicação única, como são os livros:
“Sindicalismo na PSP - Medos e fantasmas
em regime democrático” e “Fizemos os dias
assim”. Um mais profundo, já lançado em
2001, e o outro, mais recente e mais sucinto,
respetivamente. Ainda assim, retratam am-
bos, de formaprofícua, o movimento sindical
policial em Portugal e na PSP em particular.
A primeira edição
Em abril de 1984, numa fase ainda muito conturbada, mas de
crescente afirmação do movimento sindical policial, a ainda
Comissão Pró-Associação Sindical da PSP (ASP/PSP), afirma-
va já o anseio de editar a revista “O Crachá”, dotando assim de
maior expressão e visibilidade os legítimos anseios dos polícias.
A primeira edição, de 12 páginas, com um cariz eminente-
mente reivindicativo e de luta, retratou aquilo que surtiu do I
Encontro Nacional de Polícias, realizado no dia 10 de março,
do mesmo ano, em Lisboa, no Pavilhão do BESCL. Reunião
que teve como fito discutir e aprovar propostas a apresen-
tar ao MAI: legalização do sindicato, outros problemas que
afetavam a vida policial (ex.: vencimentos, folgas), tendo sido
aprovada e entregue uma moção no MAI.
O VALOR DA
A memória tem um capital próprio
e difícil de avaliar. Não existe povo,
sociedade ou organização sem memória.
Mitos, lendas, meros relatos, escritos ou
imagens, contribuem para a preservação
do passado de cada organização.
GABINETE DE COMUNICAÇÃO
REVISTA “O CRACHÁ”
MEMÓRIAContudo, decorrente de várias vicissitudes, intransigência do
governo e perseguições, materializadas em processos dis-
ciplinares aos líderes sindicais, a sua publicação verificou-se
somente a 20 de abril de 1989, curiosamente, véspera do II
Encontro Nacional de Polícias, dia em que se consumou o cé-
lebre episódio dos “Secos e Molhados”, que marcou de forma
indelével a história do sindicalismo policial em Portugal, com
expressão mesmo a nível internacional.
Assim, o início deste projeto, com um espírito eminentemente
reivindicativo, contribuiu para a afirmação da ASPP/PSP e, de
igual modo, para o desenvolvimento do sindicalismo policial
em Portugal. As suas posteriores publicações, até ao presente,
materializaram-se assim num forte instrumento de opinião e
de luta, fazendo eco, tanto no seio policial, com noutras esferas.
Com efeito, recentemente, em abril, mês particularmente es-
pecial para nós Polícias, as memórias do nosso percurso são
ainda mais vivas. Contribuímos, em boa medida, para a cres-
cente afirmação de valores e direitos como democracia, liber-
dade, segurança, igualdade e cidadania. Contudo, importa
agora bem refletir acerca do caminho traçado, em busca de
um melhor futuro; ver nos problemas atuais e prementes, de-
safios e (novas) oportunidades. Pois foi essa mesma coragem e
perseverança que nos diferenciou e fez aqui chegar!
Menção última para a Direção da ASPP/PSP pela aposta na
continuidade deste referencial no seio policial. Contudo, futu-
ramente, respeitando sempre o seu cariz reivindicativo, preten-
der-se-á dotar esta publicação de uma renovada versatilidade
e abrangência de conteúdos, isto através de uma periodicida-
de mais regular e efetiva. Assim, continuará “O Crachá”, pela
valorização da Nossa Memória, Para Nossa Defesa!
Cristiano Correia
4  |  o crachá  |  junho 2016
PLANO DE ATIVIDADES PARA 2016
Mesmos princípios renovada ambição
Os desafios que enfrentámos no passado recente deixam-
-nos seguros da justeza dos nossos objetivos e da nossa
forma de fazer sindicalismo. Não nos deixamos enganar por
frases feitas nem embarcamos em populismos fáceis, que
até podem ter algum acolhimento imediato mas que acabam
por não trazer qualquer vantagem prática. Permanecemos no
caminho do sindicalismo responsável, coerente e combativo,
com a ajuda de todos aqueles que constituem o enorme co-
letivo que é a ASPP/PSP.
Eixos reivindicativos
Com efeito, o Plano de Atividades para o presente ano de
2016, devidamente aprovado em Assembleia-geral, coadu-
na-se e dá enfoque aos eixos reivindicativos e de intervenção
desta estrutura:
(1) Profissão de Risco e Desgaste Rápido – Reconhecimento
(2) Segurança e Saúde no Trabalho – Criação de mecanismos
de fiscalização
(3) Lei Sindical – Revisão sob o princípio da representatividade
Ao mesmo tempo, pretende-se, afincadamente, lutar pela
plena concretização do ora aprovado Estatuto Profissional
e inerente regulamentação, constituindo-se tal como nosso
desígnio permanente.
NOVASob o lema “Lutar rumo
a um futuro de plenos
direitos” e com as linhas
orientadoras para o
presente mandato bem
definidas, a presente
Direção da ASPP/PSP
aposta na continuidade do
seu trabalho, alicerçado
na responsabilidade,
experiência e no seu
legado, predicados
construídos ao longo deste
já marcante período, sendo
referência no panorama
sindical policial.
DIREÇÃO
junho 2016  |  o crachá  |  5
Experiência no ISCPSI
Os assuntos relacionados com a Admi-
nistração Interna e a Polícia de Segurança
Pública não são estranhos à nova ministra,
que, desde 1998, dava aulas no Instituto
Superior de Ciências Policiais e Segurança
Interna, ajudando a formar a atual hierar-
quia da Polícia durante esse período. Entre
2006 e 2012, foi Coordenadora do Núcleo
Justiça e Assuntos Internos na Represen-
tação Permanente de Portugal junto da
União Europeia (REPER).
Carreira no Direito
Tendo já experiência governativa, após
desempenhar as funções de assessora de
António Costa, Constança Urbano de Sou-
sa, de 48 anos, licenciou-se em Coimbra,
Após as eleições de 5 de Novembro de 2014, e do Governo então saído,
tomou posse a nova ministra da Administração Interna, que sucedeu a
Miguel Macedo, Anabela Rodrigues e Calvão da Silva, que ocuparam o
cargo na anterior legislatura.
tendo sido doutorada em Direito Comunitário na Alemanha,
na Universidade de Saarland, passando a coordenar o Depar-
tamento de Direito da Universidade Autónoma de Lisboa. As
suas principais áreas de investigação são o Direito da União
Europeia, o Direito de Imigração e Asilo, a Cooperação Poli-
cial e Judiciária, a Segurança Interna e o Espaço Europeu de
Liberdade, Segurança e Justiça.
Várias reuniões
Desde que tomou posse, foram várias as reuniões manti-
das com a ASPP/PSP em torno dos mais diversos assuntos.
Desde questões relacionadas com o Estatuto Profissional,
passando pelo Regulamento Disciplinar e a divulgação do
Orçamento do Estado, a comunicação entre este Sindicato
e o Ministério da Administração Interna tem decorrido com
normalidade e sempre com abertura por parte da tutela para
receber os nossos representantes.
NOVA MINISTRA DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
CONSTANÇA URBANO DE SOUSA
NA TUTELA DA PSP
6  |  o crachá  |  junho 2016
FIZEMOS HISTÓRIA
O final do ano de 2014 e o início de 2015 acabaram por
ser marcantes para os Profissionais da Polícia. Através
da Comissão Coordenadora Permanente dos Sindicatos
e Associações dos Profissionais das Forças e Serviços de
Segurança, num esforço de união entre vários sindicatos
da PSP levado a cabo pela ASPP/PSP, milhares saíram
à rua para, no caso da PSP, exigir a saída da PSP da Lei
12-A e a aprovação de um novo Estatuto Profissional.
MANIFESTAÇÕES DE 21 DE NOVEMBRO DE 2014
E 6 DE MARÇO DE 2015
junho 2016  |  o crachá  |  7
Milhares de todo o país
Foram milhares os Profissionais que, vindos de todo o país,
quiseram marcar presença nas jornadas de luta, que viriam
a ser essenciais para a saída da PSP da Lei 12-A, que com-
parava os Polícias à restante Função Pública, esquecendo a
especificidade da missão que está inerente a estes homens e
mulheres. Um objetivo conseguido que, muito provavelmen-
te, não teria o mesmo desfecho sem a enorme pressão que
saiu das ruas.
Por um Estatuto Profissional digno
A luta por um Estatuto Profissional que correspondesse aos
anseios dos Profissionais da Polícia foi constante ao longo da
anterior legislatura. Sem nunca baixar os braços, a ASPP/PSP
encabeçou esta exigência, como forma de corrigir alguns er-
ros constantes no diploma que então vigorava.
Negociações em contra-relógio
Após as manifestações, o governo de então dispôs-se a ne-
gociar um novo documento, o que não aconteceu de imedia-
to. A demissão do ministro Miguel Macedo acabou por atra-
sar o processo, que foi empurrado para o fim da legislatura e
negociado com Anabela Rodrigues, a sua sucessora. As reu-
niões foram longas e sucessivas, tendo em vista as eleições
que viriam a realizar-se em Novembro de 2015.
Estatuto aprovado
Apesar de todos os contratempos, foi possível aprovar um
Estatuto que, longe de ser perfeito e responder a todos os
anseios da ASPP/PSP, corrigiu algumas das grandes injusti-
ças que constavam no documento anterior. As questões re-
lacionadas com a avaliação e a colocação nas posições remu-
neratórias devidas, bem como a compensação pelo trabalho
em dias feriado, são alguns dos aspetos positivos a realçar.
8  |  o crachá  |  junho 2016
Polémica dos combustíveis
Um dos principais pontos que foi destacado pela ASPP/PSP e acabou por ter eco
na imprensa, foi o facto de a verba destinada aos combustíveis cair cerca de 50 por
cento, de 5 para 2,5 milhões de euros. Também por este facto, a ASPP/PSP contac-
tou o Ministério daAdministração Interna, que acabou por reconhecer a diminuição
da verba, mas ressalvou que houve um aumento de 13 milhões de euros na rubrica
de aquisição de serviços, que pode ser canalizada para os combustíveis.
Formação preocupa
A diminuição das verbas para munições foi outra das questões que mereceu repa-
ros da ASPP/PSP, dado essencial para a formação. Já na audição da ministra no
âmbito da discussão do Orçamento do Estado, Constança Urbano de Sousa reve-
lou que, dos 200 mil euros previstos nesta rubrica do orçamento da PSP para 2015,
apenas foram utilizados 22 mil euros. Esta explicação acaba por ser preocupante,
uma vez que a formação de tiro é uma das questões fundamentais na formação de
todos os Polícias.
Novos programas
A ministra defendeu ainda a necessidade da criação de uma lei de programação
para investimento nas instalações das Forças de Segurança, tendo em conta o es-
tado em que se encontram algumas esquadras. A conclusão da transferência da
Divisão de Trânsito da PSP do Porto, a Esquadra da Ribeira Grande e a Bela Vista
foram alguns dos pontos apontados que necessitam de ser solucionados. Ao nível
do fardamento, revelou que será criado um programa único online para que os
profissionais de todo o país possam efetuar as compras através desta plataforma.
ANÁLISE CAUTELOSA
ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2016
A divulgação do Orçamento
do Estado para 2016
mereceu uma análise da
ASPP/PSP, que considera
positivo o aumento da
verba destinada à PSP,
desde que esta venha a
ser aplicada nas áreas de
maior necessidade.
O aumento em relação
ao ano passado é de 24
milhões de euros, passando
para um montante global
de 689 milhões de euros
em 2015 para 713 milhões
em 2016.
junho 2016  |  o crachá  |  9
UM DOCUMENTO HISTÓRICO
HISTÓRIA DA ASPP/PSP NO LIVRO “FIZEMOS OS DIAS ASSIM”
Prefácio de D. Januário
D. Januário Torgal Ferreira, Bispo Emérito das Forças Ar-
madas e de Segurança, concedeu-nos a honra não só de
escrever o prefácio da obra, mas também de marcar pre-
sença na sessão de apresentação do livro, com uma alo-
cução contundente e repleta de apelos e alertas ao poder
político, que se encontrava entre o público que marcou
presença no evento.
Um juiz de causas
Bernardo Colaço é um veterano nas andanças do sindi-
calismo. Tendo pertencido ao Sindicato dos Magistrados
A 5 de Maio de 2015 foi lançado, na Biblioteca
da Assembleia da República, o livro
“Fizemos os dias assim”, da autoria de Pedro
Prostes, com a importante contribuição
de Bernardo Colaço, Juiz-Conselheiro do
Supremo Tribunal de Justiça, jubilado,
que desde há muitos anos acompanha a
atividade da ASPP/PSP.
do Ministério Público, deu um contributo inestimável para a causa do direito
ao sindicalismo na PSP, desde os tempos da clandestinidade até aos dias
de hoje, em que nos brinda com o seu sempre valioso contributo, tendo as
palavras que proferiu servido, mais uma vez, para que os presentes possam
ter absorvido mais um pouco da sua sabedoria e da história deste Sindicato.
Uma obra obrigatória
No livro aborda-se, de forma sucinta, a história do sindicalismo na PSP, que
se confunde com a história da ASPP/PSP. Desde os primórdios da sua cria-
ção, da necessidade de democratizar a Instituição PSP e limpar a imagem re-
pressiva das Polícia perante os cidadãos, fruto dos longos anos do fascismo,
até às grandes manifestações de 2013 e 2014. O livro pode ser adquirido
nas sedes da ASPP/PSP.
10  |  o crachá  |  junho 2016
Os dados referentes ao ano de 2015
apontam para 693 processos (disci-
plinares, criminais e/ou sanidade) de
acompanhamento a sócios e apoio à
Direção da ASPP/PSP. Números que
por si só são expressivos do volume de
trabalho, mas igualmente da capacida-
de que a ASPP/PSP tem vindo a de-
monstrar no apoio aos seus Associados
e que a torna cada vez mais uma orga-
nização diferenciada.
O ano de 2016 aponta para grandes
desafios que o Gabinete Jurídico será
chamado a dar resposta, essencial-
mente pelas revisões legislativas que
se avizinham.
Já fomos chamados a pronunciar-nos
sobre o anteprojeto do Regulamento
Disciplinar da PSP, que, após análise,
remetemos parecer à Direção da ASPP/
PSP com nota predominantemente ne-
gativadado tratar-se de um documento
que não reflete o mínimo de legalidade,
proporcionalidade e justiça, pretenden-
do a ASPP/PSP defender os direitos e
interesses dos seus associados.
GABINETE JURÍDICO
Rui Silva
O Gabinete Jurídico da
ASPP/PSP constitui um dos
pilares de investimento
do sindicato. Os serviços
que é chamado a prestar
aos Associados e à Direção
da ASPP/PSP são um dos
espelhos da organização,
mas são igualmente um
claro sinal da importância
deste gabinete.
Na calha, está também a revisão da
Portaria que regulamenta a admissão
ao curso de Chefes de Polícia. Prevê-se
ainda que sejam objeto de revisão a Lei
Orgânica da PSP e a Lei de Organiza-
ção da Investigação Criminal, diplomas
que revestem especial importância no
funcionamento das forças e serviços de
segurança.
Numa atitude proativa, o Gabinete Ju-
rídico aponta como objetivo para 2016,
contribuir para uma regulamentação e
clarificação da situação profissional dos
Polícias com deficiência.
A par deste objetivo, não perderemos a
linha da defesa dos nossos Associados,
mas igualmente de uma ação presti-
giante da ASPP/PSP e da própria Po-
lícia de Segurança Pública.
junho 2016  |  o crachá  |  11
GABINETE DE AÇÃO SOCIAL
Nesse sentido, a ASPP/PSP apostou em criar um Gabinete de
Ação Social, para dar apoio aos Profissionais da PSP e às suas
famílias, em diversas áreas. Como todos os processos que nas-
cem de raiz, foram necessários vários ajustes iniciais, sendo o
programa de troca de livros escolares e a ajuda na renegocia-
ção de dívidas particulares os pontos fulcrais para o seu lan-
çamento. Foram programas que deram um impulso essencial
para a divulgação do Gabinete entre todos os Associados e o
efetivo policial em geral.
Novos projetos
A necessidade de aumentar o leque de respostas a dar por
este Gabinete foi sendo ajustada, pelo que, através de con-
tactos efetuados com diversas entidades, foi possível avançar
com a preparação de alguns estudos que abordam a temática
dos suicídios, em parcerias com diversas entidades externas.
Ano negro
O ano de 2015 ficou marcado pelo acentuar de um drama que
vem assolando a instituição PSP. No ano passado, o suicídio
voltou a assumir proporções dramáticas, que fez soar as cam-
painhas de alarme tanto na Direção Nacional da Polícia, como
no Ministério daAdministração Interna. Foi nesse sentido que a
ASPP/PSP, através do Gabinete deAção Social, contribuiu para
a elaboração do Plano de Prevenção dos Suicídios nas Forças
de Segurança, como forma de adequar o plano elaborado em
2008, que mereceu fortes críticas do nosso Sindicato, por ter
sido considerado insuficiente para a dimensão do drama.
AO SERVIÇO DE TODOS
A deficiência na PSP
A forma como se aborda a questão
dos Profissionais da PSP com defi-
ciência ou incapacidade está também
a merecer a atenção da ASPP/PSP,
através do Gabinete de Ação Social. A
ASPP/PSP considera que há ainda um
longo caminho a percorrer para a in-
tegração destes Profissionais na vida
da Polícia.
111 Polícias com deficiência ou
incapacidade
De acordo com um inquérito levado a
cabo pela ASPP/PSP há, atualmente,
111 Polícias com deficiência ou incapa-
cidade no ativo. Destes, 14 possuem
um grau de incapacidade superior a
60 por cento.
Identificar necessidades
O inquérito efetuado permitiu ainda
identificar uma série de necessidades
para estes homens e mulheres, que
todos os dias se deparam com barrei-
ras para o exercício da sua atividade
profissional, muitas vezes, questões
que, por lei, não deveriam representar
quaisquer entraves. No entanto, há
aindavazios legais que importa preen-
cher com medidas que permitam a
completa integração destes Profissio-
nais na profissão que abraçaram.
Rumo definido
É com este tipo de iniciativas que a
ASPP/PSP pretende chegar a to-
dos os Profissionais, sem exceção, de
modo a que todos possam, em pé de
igualdade e de acordo com a suas
possibilidades, desempenhar a mis-
são que decidiram abraçar. Quando
o projeto estiver concluído, será apre-
sentado às entidades competentes
para que sejam tomadas as medidas
necessárias de elementar justiça para
estes Polícias.
O Gabinete de Ação Social da ASPP/PSP surgiu em 2013, numa
altura particularmente grave para os Profissionais da Polícia.
Os cortes salariais, o agravamento das condições de vida e
a dura crise que se abateu sobre o país, arrastando consigo
milhões de portugueses, foi particularmente sentida entre os
Profissionais da Polícia.
5
2005
5
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
2
4
5
3
7
1
2
5
7
3*
Suicídios na PSP
* Dados até à data de publicação da revista
12  |  o crachá  |  junho 2016
N
o entanto, apesar de todo o progresso e evolução
verificados, a verdade é que um grande número
de trabalhadores permanece ainda exposto a ní-
veis inaceitáveis de fatores de risco profissional,
sendo vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissio-
nais, que acarretam perda da capacidade de trabalho e enor-
mes custos humanos e financeiros.
De facto, os acidentes de trabalho e as doenças profissio-
nais têm um forte impacto, não apenas na economia nacional
mas, também, no desempenho das organizações, com efei-
tos económicos e sociais extremamente negativos.
Ora, a prevenção de riscos profissionais e a promoção de condi-
ções seguras e saudáveis nos locais de trabalho são fatores es-
senciais para a sustentabilidade das empresas e organizações.
Na verdade, potenciam o bem-estar físico e psíquico dos tra-
balhadores, a motivação, a redução dos acidentes de trabalho
e doenças profissionais, assim como a redução do absentismo.
Integrar a prevenção de riscos profissionais na gestão e tornar
a segurança e saúde no trabalho uma prioridade, constitui,
pois, pressuposto do aumento da produtividade e da compe-
titividade das organizações, contribuindo para o aumento da
qualidade dos serviços prestados, com reflexos na imagem
das organizações, assim como na satisfação dos utentes.
E porque a qualidade de vida no trabalho constitui um im-
portante e imprescindível fator de desenvolvimento, o orde-
namento jurídico português reservou à matéria de segurança
e saúde no trabalho um relevo particularmente significativo.
Trabalhar em condições de segurança e saúde constitui, de
facto, um direito fundamental de todos os trabalhadores.
Para efetivar tal direito é essencial promover a informação, for-
mação e o envolvimento ativo de todos os atores laborais e
sociais – empregadores, trabalhadores, suas organizações re-
presentativas, assim como a sociedade em geral -, por forma a
criar competências e interiorizar comportamentos adequados.
Grande parte da nossavida ativa é passada no trabalho. Daí ser
imprescindível que o nosso local de trabalho seja um ambiente
seguro e saudável. E todos somos responsáveis por isso.
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) é um ser-
viço central da administração direta do Estado, dotado de
autonomia administrativa. Tem por missão a promoção da
melhoria das condições de trabalho, através da fiscalização
do cumprimento das normas em matéria laboral e do contro-
lo do cumprimento da legislação relativa à segurança e saúde
no trabalho, bem como a promoção de políticas de preven-
ção dos riscos profissionais.
A ACT, por força da missão e atribuições que lhe estão legal-
mente cometidas, cultiva um conjunto de valores associados à
promoção da segurança, saúde e bem-estar no trabalho e da
garantia de elevados padrões de cumprimento dos normativos
SEGURANÇA
E SAÚDE NO TRABALHO:
UM DIREITO DE TODOS
A Segurança e Saúde no Trabalho representa uma matéria fundamental no sucesso de
qualquer empresa ou organização. Trata-se de uma área determinante na vida de uma
organização e da sua principal fonte de energia que são, afinal, as pessoas.
junho 2016  |  o crachá  | 13
em matéria laboral, no quadro de uma globalização justa e de
desenvolvimento sustentável e de igualdade de oportunidades.
Com a entrada em vigor, em 1 de agosto de 2014, da Lei Geral
do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) – Lei n.º 35/2014,
de 20 de junho -, é aplicável ao vínculo de emprego público o
disposto no Código do Trabalho e respetiva legislação com-
plementar com as exceções legalmente previstas, nomeada-
mente em matéria de promoção da segurança e saúde no
trabalho, incluindo a prevenção.
Na sequência da entrada em vigor do referido diploma legal,
a competência para a fiscalização e controlo da segurança e
saúde no trabalho dos serviços e organismos públicos, in-
cluindo a prevenção, que se encontrava cometida à ACT na
sua função de inspeção do trabalho, transitou para as ins-
peções-gerais dos ministérios das tutelas respetivas e, em
qualquer caso, para a Inspeção-Geral de Finanças.
Essa transferência das competências de natureza inspetiva
e fiscalizadora não atingiu, no entanto, as demais compe-
tências da ACT de promoção de políticas de prevenção dos
riscos profissionais em todos os setores de atividade econó-
mica, incluindo a Administração Pública.
Refira-se que a LGTFP não é aplicável, entre outros, aos mi-
litares das Forças Armadas, aos militares da Guarda Nacional
Republicana e ao pessoal com funções policiais da Polícia de
Segurança Pública, cujos regimes constam de lei especial.
Ora, a fiscalização e controlo do cumprimento da legislação é
uma componente indispensável de qualquer sistema nacio-
nal de segurança e saúde no trabalho.
Na realidade, de nada serve dispor de uma panóplia de polí-
ticas, sistemas ou programas bem concebidos, bem como de
legislação, e mesmo de sanções para o seu incumprimento,
se não existir uma aplicação efetiva dessa legislação.
Daí a necessidade de um exercício eficaz da ação inspetiva
tendo em vista o controlo e verificação das normas relativas
à segurança e saúde no trabalho.
É essencial a sensibilização com o fim de motivar para um
melhor e mais eficaz cumprimento das normas legais e asse-
gurar uma cultura de segurança nos locais de trabalho.
Promover níveis de segurança e saúde no trabalho elevados
deve continuar a ser o trilho por onde caminhar para melhorar
a qualidade de vida dos cidadãos no trabalho e da sociedade
como um todo.
A prevenção constrói-se com a participação de todos. Todos
têm direito a prestar trabalho em condições que respeitem a
sua segurança e saúde. E há que garantir a efetividade desse
direito.
Paula Sousa
Técnica Superior da Autoridade para as Condições do Trabalho
14  |  o crachá  |  junho 2016
E
fetivamente, não podemos negar que, as especifi-
cidades próprias da atividade policial afastam, em
certa medida, determinadas disposições legais em
matéria de SST, como prevê a própria diretiva Qua-
dro 89/391/CEE, diretiva comunitária que enquadra a legis-
lação nacional em matéria de SST. Nesta medida, a Diretiva
Quadro prevê a sua não aplicação “sempre que se lhe opo-
nham de forma vinculativa determinadas particularidades
inerentes a certas atividades específicas da função pública,
nomeadamente das forças armadas ou da polícia, ou a ou-
tras atividades específicas dos serviços de protecção civil”.
No entanto, é a própria diretiva quadro que refere a necessi-
dade de se “zelar por que sejam asseguradas, na medida do
possível, a segurança e a saúde dos trabalhadores, tendo
em conta os objetivos da presente diretiva”.
Ou seja, a Diretiva não afasta completamente o Regime da
Segurança e Saúde no Trabalho no que concerne à atividade
policial. Antes, exige uma adequação da mesma, tendo em
conta a natureza específica da atividade. Nem poderia ser
de outra forma! A não aplicação de medidas de segurança e
saúde no trabalho, no âmbito da atividade policial, faz incor-
rer os seus responsáveis em violações tão graves como:
1.	A violação do Principio da Igualdade previsto no ar-
tigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa –
ou seja, porque razão, aos agentes policiais teria de
ser dado um tratamento diferente daquele que é
garantido a todos os outros trabalhadores, sempre
que tal tratamento não coloque em causa a presta-
ção do trabalho policial?
2.	A violação dos Direitos dos Trabalhadores previstos
no artigo 59.º/1 da Constituição da Republica Por-
tuguesa – ou seja, a Constituição não prevê qual-
quer derrogação nesta matéria, porque razão não
deveria este artigo abranger o trabalhador da Insti-
tuição Policial?
É, contudo, nesta situação que nos encontramos. De facto, a
realidade é que, tal como sucede um pouco por toda a Admi-
nistração Pública, também nas polícias, e em especial na PSP,
encontramos múltiplas violações dos direitos dos trabalhadores
à prestação do trabalho em condições de Segurança e Saúde.
SEGURANÇA E SAÚDE
NA ATIVIDADE POLICIAL
O contexto atual da PSP e das
Polícias, em geral, no que respeita
às condições de trabalho e, mais
especificamente, às condições de
Segurança e Saúde no Trabalho,
estende-se a toda a Administração
Pública, não constituindo,
por isso mesmo, uma exceção.
Contudo, quando adicionadas
as especificidades próprias da
actividade policial, o contexto
geral, a que nos referimos, ganha
contornos ainda mais graves e
inaceitáveis face ao que é exigível
num estado de direito democrático,
regido por princípios humanistas,
como o Princípio da Proteção
Dignidade da Pessoa Humana,
o Princípio da Igualdade de
Tratamento, ou as várias dimensões
que integram os Direitos dos
Trabalhadores na Constituição da
República Portuguesa.
junho 2016  |  o crachá  |  15
Esta situação é, já de si, suficientemente grave, quando abor-
dada numa perspetiva geral. Mas quando adicionamos os ris-
cos próprios de uma atividade tão exigente como a ativida-
de policial, devemos questionar-nos se a forma como estão
garantidas, na prática, as condições de trabalho dos agentes
policiais, são aptas a garantir, por sua vez, que estas pessoas
estejam na melhor da sua condição física, psíquica ou social
para poderem proteger o cidadão comum de todas as amea-
ças que incidem sobre a sua segurança.
Não tenhamos dúvidas. A obrigatoriedade de garantir condi-
ções de segurança e saúde no trabalho encontra a sua natu-
reza profunda no facto de “o trabalho” ser prestado por “um
ser humano”. Nesse sentido, toda a lógica de implementação
de medidas de segurança e saúde no trabalho encontra fun-
damento, entre outros, nos seguintes fatores:
1.	É fundamental garantir que os efeitos materiais do
trabalho (fatores de insegurança, equipamentos de
trabalho, processos de trabalho, etc.) não compor-
tam efeito nocivo para o trabalhador;
2.	É fundamental garantir que o ambiente e espaço de
trabalho assegura as condições de habitabilidade
necessárias à integração de “um ser humano” com
todas as exigências decorrentes da necessidade de
assegurar a proteção da sua dignidade humana;
3.	É fundamental garantir que o trabalhador se en-
contra na plenitude da sua capacidade física, men-
tal e social (a tripla aceção do conceito de saúde
da OMS), de forma a poder corresponder de for-
ma adequada às solicitações próprias da atividade
profissional que desenvolve.
Ora, estes e outros fatores, por si só, reconduzem-nos a difíceis
questões, principalmente, quando se trata da atividade policial.
Conhecendo como se conhecem as instalações policiais um
pouco por todo o país, o seu estado de degradação evidente,
o estado obsoleto de muitos dos veículos à disposição dos
agentes, as dificuldades colocadas na disponibilização de
equipamentos de proteção e de trabalho, em geral, será que
estas condições materiais são as mais aptas a assegurar que
o trabalho policial é realizado com a melhor das eficácias?
Ou, melhor, será que estas condições materiais garantem
uma habitabilidade e integração saudável do “ser humano”
que está por detrás de um agente policial?
Será que o ambiente de conflito permanente entre as hie-
rarquias, a insegurança provocada pelo ambiente psicosso-
cial caraterístico de uma instituição como a policial, a incom-
preensão de muitos dos cidadãos em relação às dificuldades
com que se debatem os profissionais de polícia, asseguram
o melhor dos ambientes psicossociais com vista à prestação
do trabalho policial?
Será que a inexistência ou a precária existência de técnicos ade-
quados ao estudo, avaliação, inspeção, prevenção e integração
de medidas de segurança e saúde no trabalho, garantem o efi-
caz acompanhamento, promoção e vigilância da saúde física,
mental e social dos agentes policiais, dotando-os das melho-
res condições possíveis à prestação da sua atividade?
Não nos enganemos! O número de suicídios verificados por en-
tre agentes policiais no ano de 2015 constitui apenas a ponta
de um icebergue. Um icebergue que esconde uma instituição
policial pouco humanizada e pouco humanizadora. Uma insti-
tuição policial que cada vez tem mais dificuldade em corres-
ponder às exigências próprias do trabalho policial no século XXI.
Os desafios que se colocam, atualmente, à atividade policial,
com a integração de novas valências e novas funções, exi-
gidas pelos condicionalismos atuais da (in)segurança global,
como o combate ao terrorismo, ao crime organizado, etc.,
exigem respostas cada vez mais eficazes no que respeita à
garantia de que os nossos agentes policiais usufruem das
melhores condições possíveis.
Só com as melhores condições de trabalho teremos as me-
lhores condições de segurança pública. A exigência de con-
dições adequadas de segurança e saúde na atividade policial
não deve ser apenas uma reivindicação de todos os polícias,
mas sim, de todos os Portugueses!
Proteja-se primeiro, quem tem de nos proteger!
Hugo Dionísio
Jurista, Técnico Superior de SST
PROTEGER PRIMEIRO
QUEM TEM DE NOS
PROTEGER!
16  |  o crachá  |  junho 2016
Lei protege trabalhadores
“Os cuidados de saúde no trabalho são prestados pela es-
pecialidade de Medicina no Trabalho e estão, nos termos do
nosso sistema de saúde, enquadrados nos cuidados de saúde
primários, isto é, devem ser de primeira linha, de proximidade,
de elevada qualidade e capazes de coordenar de respostas
integradas” afirmou o médico. De acordo com a lei, todos os
trabalhadores têm direito à prestação de cuidados de saúde
no seu local de trabalho, asseguradas pelo empregador. “Nas
empresas com mais de dez trabalhadores, a prestação deste
tipo de cuidados de saúde é da responsabilidade do empre-
gador”, o que, no entanto, não se verifica numa instituição
como a PSP, com mais de 20.000 profissionais.
Tentativa de desvalorizar a medicina laboral
Para este clínico, a tentativa do anterior governo de colocar
os cuidados de saúde no âmbito da Medicina do Trabalho a
serem prestados pelos médicos de Medicina Geral e Familiar
(através de publicação de portaria em que os médicos não
foram tidos nem achados) representava, ao mesmo tempo,
uma desconsideração pelas competências próprias da Medi-
cina do Trabalho, a sobrecarga laboral dos Médicos de Família
e um desrespeito pela saúde ocupacional dos trabalhadores
portugueses. Uma medida que contou com a frontal oposi-
ção de todas as organizações médicas – sindicatos e Ordem
- que consideraram que esta inqualificável postura do Mi-
nistério da Saúde apenas prejudicava os Cuidados de Saúde
Primários e os Doentes/Utentes.
“A SAÚDE FÍSICA E PSICOLÓGICA DOS
PROFISSIONAIS DA POLÍCIA DEVE SER
ENCARADA COMO UMA PRIORIDADE”
O Crachá esteve à conversa com Miguel Jeri,
médico interno de Medicina Geral e Familiar,
sobre a especificidade da missão da PSP e as
consequências na saúde dos Polícias. Ficamos
com a noção de que os Profissionais da PSP,
fruto da sua missão, estão expostos não
apenas a um risco aumentado de acidentes
profissionais, mas também a fatores de risco
que podem degenerar em patologias de vários
tipos – osteoarticulares, cardiovasculares,
metabólicas e psicológicas
Abordagem específica para a PSP
“Sendo a PSP um corpo com esta dimensão, e com particula-
ridades próprias – falamos de trabalho por turnos, o peso do
equipamento que não é menosprezável, os picos de adrena-
lina; risco aumentado de acidentes de viação; risco aumen-
tado de conflitos/agressões, trabalho à intempérie; etc., pa-
rece-me que deveria haver uma abordagem específica para
a PSP”, considerou Miguel Jeri. E continuou: “Se, por um lado,
muitas das patologias decorrentes deste tipo de atividades
não estão tipificadas como doenças profissionais pela Lei, tal
não significa que estas doenças não existam e não possam
assumir formas graves. A mesma abordagem diferenciada
deve assistir à avaliação dos acidentes de trabalho, cujo risco
é aumentado entre os polícias. A título de exemplo, num es-
tudo recente entre profissionais do Comando Metropolitano
de Lisboa, cerca de metade da amostra admitiu ter sofrido
pelo menos um acidente de trabalho” (Andrea Passeira, 2011).
Doenças clássicas
Há várias patologias que podem ser consideradas clássicas
entre os Profissionais da Polícia, devido ao facto de estarem
muito tempo na mesma posição, seja em serviços em pé ou
sentados. O caso agrava-se devido ao peso do equipamento,
que pode atingir os 5kg, particularmente, com a utilização do
colete anti-balístico exterior: “As lombalgias, mialgias, tendi-
nites dos membros superiores, lesões dos meniscos (joelhos)
e hérnias discais (na coluna) estão claramente mais associadas
às profissões que implicam mais carga física, seja pelo movi-
mento em esforço, seja por posições de trabalho em posição
de tensão por períodos prolongados”, afirmou Miguel Jeri.
Menos horas
“Dos polícias que pude ver em contexto de consulta de me-
dicina familiar, as principais queixas são ao nível do sono e da
ansiedade, embora por vezes os sintomas depressivos pas-
sem despercebidos. Ou dormem pouco, ou dormem tarde, ou
têm os sonos desregulados devido ao trabalho por turnos”. O
clínico advoga ainda que “deveria haver uma carga menor de
trabalho à medida que vão progredindo na carreira. A aten-
ção não é a mesma à medida que se envelhece. Os reflexos, a
forma física, a própria tolerância ao conflito não é a mesma…
Infelizmente, nestas e em muitas outras profissões, os salários
são baixos e levam a que os próprios profissionais se sobre-
carreguem com horas extra, agravando os seus próprios pro-
blemas. A solução deve passar por medidas legais que mante-
nham a remuneração diminuindo as horas de trabalho”, referiu.
junho 2016  |  o crachá  |  17
Stress e ansiedade são catalisadores
de outras doenças
A ansiedade, os distúrbios do sono e a depressão, que levam,
no limite, ao suicídio, são preocupantes para este médico,
não só pelo quadro já de si grave, mas também pelas portas
que abrem a outras doenças. “O stress constante, os picos
de adrenalina e a ausência de um sono reparador estão en-
tre os fatores de risco de desenvolver hipertensão. Esta, por
sua vez está implicada em várias patologias cardiovasculares,
destacando-se o enfarte agudo de miocárdio e o AVC como
aquelas de maior mortalidade, mas a hipertensão também
está associada a insuficiência cardíaca, a doença renal hiper-
tensiva ou a retinopatia”. No entanto, ressalva, “o stress não
provém apenas do ‘trabalho de campo’, mas também por
parte da hierarquia, da burocracia, conflitos ou incertezas
dentro da estrutura”.
Depressão e risco de suicídio
A questão da depressão merece ser analisada com todo o cui-
dado, visto que o seu mais dramático desfecho é o suicídio.
“São profundamente preocupantes os dados de um estudo de
2010 que revelou o suicídio como a principal causa de morte
não natural entre os profissionais da PSP, sendo que 2/3 cor-
respondiam a profissionais no ativo, revelando ainda que a ida-
de média dos polícias é mais baixa que a da população em geral
– apenas 69 anos (Caçador, 2010). Num outro estudo, de 2009,
no âmbito da preparação do Plano de Prevenção do Suicídio
nas Forças de Segurança, concluiu-se que ataxa de suicídio en-
tre 2000 e 2005 se situou nos 11,3/100.000, e que em rigoro-
samente todos haviam sido utilizadas armas de fogo. Estes são
números que nos devem fazer reflectir sobre a prioridade que a
saúde psicológica deve ter neste grupo profissional.”
Atenção à medicação
O consumo de ansiolíticos e antidepressivos tem de ser ad-
ministrado com especial atenção quando estamos a falar de
Profissionais da Polícia: “Há várias contra-indicações quando
falamos deste tipo de medicamentos, que incluem, nalguns
casos, a condução de veículos ou de máquinas. Aliás, os dis-
túrbios ansiosos e depressivos são por si só capazes de di-
minuir a atenção, a rapidez de resposta física e psicológica,
a resiliência psicológica e capacidade de gestão de conflitos,
e nos casos mais graves, até na cognição”, disse, alertando
para as limitações que quer os distúrbios psicológicos, quer
os efeitos laterais da terapêutica podem comportar também
na qualidade do serviço prestado à população.
Distúrbios metabólicos
A alimentação desregrada nos horários e uma dieta desequi-
librada, fruto dos horários por turnos, influem no risco de dia-
betes, pelo que as medidas preventivas e sensibilizadores, mas
também medidas que concernem à organização do tempo de
trabalho, são importantes. De facto, no trabalho por turnos,
“as refeições não têm a ordem padronizada. Com a desregula-
ção do regime alimentar, o corpo é exposto ora a picos glicé-
micos, ora a períodos prolongados de jejum, que combinados
com outros fatores de risco (obesidade, sedentarismo, gené-
tica) aumentam o risco de desenvolvimento de diabetes. De
facto, numa meta-análise publicada em 2014 pela Occupatio-
nal and Environmental Medicine e que combinava os dados de
226.500 doentes, foi encontrado um risco aumentado entre o
trabalho por turnos e o desenvolvimento da diabetes”, referiu.
Acompanhamento médico
O acompanhamento médico regular deveria ser instituído,
dadas as especificidades da profissão. “O foco deve ser, antes
de mais, a prevenção primária – isto é, antes da doença estar
instituída. Mais do que a mera prescrição de exames de roti-
na, é necessária uma consulta regular, que permita ao médico,
com toda a autonomia, decidir quais os exames pertinentes
a fazer no superior interesse do doente/trabalhador, dentro
das competências da especialidade respetiva”, afirmou.
PERFIL
Miguel Luciano Jeri Correia de Sá, 29 anos
Médico Interno a frequentar o 3.o
ano do internato em
Medicina Geral e Familiar na USF S. João do Porto
Mestre em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas
Abel Salazar - 2012
“Dos polícias que pude ver em contexto de
consulta de medicina familiar, as principais
queixas são ao nível do sono e da ansiedade,
embora por vezes os sintomas depressivos
passem despercebidos. Ou dormem pouco, ou
dormem tarde, ou têm os sonos desregulados
devido ao trabalho por turnos”.
18  |  o crachá  |  junho 2016
A
ameaça terrorista centrou grande parte das inter-
venções, mas as condições de trabalho dos Profis-
sionais da Polícia, para que possa haver um combate
efetivo a esse perigo, não foi esquecida. O painel de orado-
res foi riquíssimo, com intervenções da ministra da Adminis-
tração Interna, dra. Constança Urbano de Sousa; dr. Simas
Santos, juiz conselheiro; dr. Bernardo Colaço, juiz conselheiro;
dr. Hugo Dionísio, técnico superior de Saúde e Segurança no
Trabalho; professor Manuel Loff, historiador; dr. Vasco San-
tos, investigador, e Gerard Greneron, Presidente Honorário
do Conselho Europeu de Sindicatos da Polícia. Entre os con-
vidados estavam o Diretor Nacional da PSP, Superintenden-
te-Chefe Luís Farinha, Maria Margarida Blasco, Inspetora-
-Geral da Administração Interna e muitos outros convidados
de diversas entidades.
Paulo Rodrigues deixa alertas
Na intervenção de apresentação do evento, o Presidente
da ASPP/PSP deixou vários apontamentos críticos em rela-
ção ao comportamento do poder político e da hierarquia da
Instituição. E apontou questões concretas: “Como pode um
polícia estar motivado quando a própria Instituição, em vez
de criar oportunidades, cria entraves? Como pode um polí-
cia lutar pela sua valorização, quando a Instituição o obriga a
estar 16 anos no mesmo posto? Como pode um Polícia con-
fiar na hierarquia quando, no seguimento de um pedido de
transferência excecional perante um problema de saúde gra-
ve, comprovado clinicamente e reconhecido pelos serviços
da instituição, a resposta que os Recursos Humanos da PSP
encontraram foi que comprasse casa junto do local de servi-
“OS POLÍCIAS PORTUGUESES
NO CENTRO DOS NOVOS
DESAFIOS EUROPEUS”
Teve lugar no dia 22
de Abril, em Lisboa, no
auditório do Instituto
Superior de Engenharia
de Lisboa, a conferência
subordinada ao tema
“Os polícias portugueses
no centro dos novos
desafios europeus”, em
que a ASPP/PSP se propôs
a analisar o momento
que vivemos no velho
continente.
CONFERÊNCIA 2016
junho 2016  |  o crachá  |  19
ço? Situação que acontece com um colega, a trabalhar num
Comando de Polícia e a viver num mais distante, e a quem as
viagens estão proibidas clinicamente”.
Desafio lançado
Sobre as penalização que estão a ser aplicadas aos Profis-
sionais que passam à situação de aposentado, um tema que
tem feito correr muita tinta, Paulo Rodrigues foi peremptório:
“De facto, se o problema está na complexidade da redação ou
do seu entendimento, lançamos um desafio ao Governo: rea-
justem-na para que não sirva simplesmente para que o justo
e o legal não seja cumprido em, prejuízo dos Profissionais.
Ministra da Administração Interna na abertura
Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração In-
terna, efetuou a Sessão de Abertura da Conferência, numa
intervenção em que começou por manifestar abertura para
“trabalhar com a ASPP/PSP no sentido de resolver uma sé-
rie de problemas que são estruturais”. Para a ministra, há a
“necessidade de melhorar a partilha de informação a vários
níveis, através de mecanismos de cooperação”, mas realçou
que “os polícias portugueses integram iniciativas ao mais alto
nível, juntando o seu esforço aos polícias dos outros países”.
A fechar, reconheceu ainda que “há muito a fazer para dotar
a polícia de mais meios”, tendo manifestado o seu orgulho
por estes “homens e mulheres que cumprem a sua missão,
com meios e equipamentos desatualizados”, deixando cla-
ro que, apesar do momento complicado que vivemos, há a
“necessidade de criar um quadro legislativo e financeiro para
colmatar falhas e é necessário valorizar a profissão através da
formação”.
Agilizar processos
Para o juiz conselheiro Simas Santos, que centrou a sua in-
tervenção no terrorismo, é essencial que haja uma efetiva
partilha de informações a nível internacional e nacional, em
articulação com a intervenção de todos os atores no plano da
segurança. Para o juiz conselheiro, um dos principais focos de
combate ao terrorismo à escala europeia tem de ser o com-
bate à burocracia, como forma de agilizar processos que se
eternizam e, muitas vezes, quando são aprovados, perderam
o efeito desejado.
Visão abrangente e mais meios
Já o juiz conselheiro Bernardo Colaço optou por uma aborda-
gem de reflexão sobre o terrorismo e as suas consequências:
“A instabilidade gerada com a violência jamais pode ter um
efeito positivo. Ânimos exaltados, medos e ódios incontidos,
a ferocidade de vinganças e respostas opressivas, correm o
risco de dar lugar a contra violências, fustigando e eliminando
o que de mais belo existe na consciência social – uma vivência
produtiva e não destrutiva”. Também ao nível dos Profissio-
nais da PSP, e sobre esta mesma matéria, referiu ainda que
o poder político tem “a obrigação fundamental de preparar
a instituição policial, dotando-a de necessários e adequados
meios materiais de atuação, com vista a assegurar neste caso
uma tripla defesa: a da sociedade em geral, a do cidadão em
especial e a do agente policial em particular. Nada pior para
20  |  o crachá  |  junho 2016
a eficácia operativa que um Agente de Polícia desmotivado.
Impõe-se pois investir, através de uma formação de qualida-
de e especializada, com condições de trabalho dignificantes e
sobretudo por um estatuto remunerativo compensatório da
sua atividade como de alto risco”.
Especialista em SST critica ausência de
fiscalização
Hugo Dionísio, especialista em Segurança e Saúde no Trabalho
do Gabinete de Estudos da CGTP, elencou várias questões
que necessitam de ser revistas, nesta área. No que respeita
à Polícia de Segurança Pública, foi referida a necessidade ur-
gente da criação de legislação que permita haver fiscalização
das condições laborais dos Polícias, para além do acompa-
nhamento dos Profissionais a nível médico.
Historiador apresenta perspetiva abrangente
Para o historiador Manuel Loff, há a necessidade de evitar cair
numa deriva securitária e apresentou uma perspetiva histó-
rica do terrorismo, com uma análise factual e cuidada em re-
lação ao momento que vivemos. Com exemplos de aconte-
cimentos ao longo da história, tratou de desmontar algumas
questões que nos são apresentadas como dados adquiridos
e atraiu a atenção da audiência.
Vasco Martins Santos defende cooperação
O investigador Vasco Martins Santos considerou que é es-
sencial, no caso do terrorismo, haver “interoperabilidade en-
tre as Forças Armadas e os Serviços de Segurança”, com uma
coordenação que permita articular os serviços, sempre que
necessário, dentro das competências de cada organismo,
conforme previsto na lei. Avisa ainda para a necessidade de
vigilância na internet, com o controlo e o bloqueio de sites
que façam a apologia do terrorismo. Para o investigador do
ISCTE, o tratado europeu com a Turquia, que prevê o envio
de refugiados para aquele país, a troco de dinheiro, é, tam-
bém, condenável: “Há responsabilidade europeia nas guerras
e, agora, fechamos as fronteiras e pagamos à Turquia para
ficar com os refugiados”.
Pelo Estado de Direito
O Presidente Honorário do CESP, Gerard Greneron, consi-
derou que o Estado de Direito tem de prevalecer, havendo
ainda necessidade de encontrar um equilíbrio entre Direitos
Humanos e segurança, o que ainda não foi conseguido pelas
instituições europeias: “Os Estados têm pela frente o desa-
fio de desenvolverem meios adequados para lutar contra o
terrorismo garantindo, simultaneamente, que as medidas to-
madas estão em conformidade com as regras em matéria de
Direitos Humanos”.
Audiência atenta
As intervenções foram acompanhadas com bastante interes-
se, suscitando várias questões parte de quem assistia à Con-
ferência, confirmando a necessidade que havia de colocar
estas questões em cima da mesa perante aqueles que, todos
os dias, são a primeira face do combate ao crime.
junho 2016  |  o crachá  |  21
Intervenção de Paulo
Rodrigues
O Presidente da ASPP/PSP, Paulo
Rodrigues, realçou a necessidade de
aprendizagem com o que foi todo o
processo que levou aos acontecimen-
tos da Praça do Comércio, mas também
a luta que se seguiu pelo direito ao as-
sociativismo e, mais tarde, ao sindicalis-
mo na Instituição.
Histórico do sindicalismo
Bernardo Colaço, Juiz Conselheiro, uma
das personalidades que não só acom-
panhou o caminho para a constituição
da ASPP/PSP como a conhecemos
hoje, como teve também participação
constante durante os anos da ativivi-
dade clandestina, na década de 1980.
Para este histórico do sindicalismo, é
essencial prestar reconhecimento a esta
Direção, mas também aos antigos pre-
sidentes que assumiram os destinos
do Sindicato, Joaquim Santinhos, José
Carreira e Alberto Torres. O Juiz Con-
selheiro considerou ainda preocupante
o número cada vez maior de sindicatos
que surge no seio da PSP, que pode
afetar a credibilidade de um movimento
NOS 27 ANOS DOS “SECOS E MOLHADOS”
21 DE ABRIL É FUTURO!
criado com o sacrifício de muitos ho-
mens e mulheres e corre agora o risco
de ser desbaratado.
Intervenções emotivas
Vários Associados usaram da palavra
para recordar os momentos vividos na-
quele dia histórico, realçando sempre
o trabalho realizado pela ASPP/PSP
desde então. Uma das alocuções mais
aplaudidas, acabou por ser a de José
Fialho, sócio número três da ASPP/PSP,
que marcou presença na cerimónia.
Confiança e reconhecimento
A ASPP/PSP pretende desta forma
continuar a celebrar o 21 de Abril com
toda a dignidade que merece, reconhe-
cendo todos aqueles que, ao longo dos
anos, vão acrescentando páginas ao
historial riquíssimo que engrandecem,
cada vez mais, este Sindicato.
O dia 21 Abril foi mais
uma vez assinalado
pela ASPP/PSP, com
o reconhecimento aos
Associados que contaram
15, 20 e 25 anos de ligação
ininterrupta a este
Sindicato. Este é sempre
um momento alto nas
comemorações, mas, neste
ano, contou com a presença
de um Associado muito
especial, José Fialho, sócio
número três.
22  |  o crachá  |  junho 2016
A
conformação da malha normativa que regula a pro-
teção à paternidade e maternidade encontra, des-
de logo, acervo constitucional, o que verdadei-
ramente não surpreende se não ignorarmos
que estes direitos «constituem valores sociais eminentes»
(art.68.o
da Constituição da República Portuguesa [CRP]).
O regime jurídico de proteção da parentalidade encon-
tra amparo em vários diplomas legais designadamente,
no Código do Trabalho (revisto pela Lei n.o
7/90, de 12 de
Fevereiro com as consequentes alterações, sendo a mais
recente a operada pela Lei n.o
120/2015, de 1 de Setembro)
que, preenche toda a subsecção IV (artigos 33.º a 65.º), com a
proteção da parentalidade e os Decretos-lei n.o
89/2009, de
9 de Abril (“regulamenta a protecção na parentalidade,
no âmbito da eventualidade maternidade, paternidade
e adopção, no regime de protecção social convergen-
te”) e n.o
91/2009, de 9 de Abril (“define e regulamenta
a proteção na parentalidade no âmbito da eventuali-
dade maternidade, paternidade e adoção do sistema
previdencial e do subsistema de solidariedade”). Deli-
mitado, ainda que não exaustivamente, o quadro nor-
mativo onde se insere a proteção à parentalidade, mas
suficiente para a situação que nos convidaram a expor
e que passamos de seguida à sua descrição enunciativa.
Decorria o ano de 2009, quando, no dia 15 de Junho, foi pu-
blicado no Diário da República, 2.a
Série, n.o
113, o Parecer n.o
92/2005, resultante do Conselho Consultivo da Procurado-
ria-Geral da República (PGR) sobre os suplementos remune-
ratórios a abonar ao pessoal da PSP e da GNR nos períodos
de licença por maternidade ou paternidade, de amamentação
e de assistência. Conforme se alcança desse Parecer, o Conselho
Consultivo da PGR é claro ao defender que «As normas aplicáveis
no âmbito da função pública sobre proteção da maternidade e da
paternidade, que também regulam as faltas e licenças para assistência
a familiares, são aplicáveis ao pessoal com funções policiais da Polícia de
Segurança Pública (PSP) e ao pessoal militar da Guarda Nacional Republica-
na (GNR)». O Parecer sustenta, por isso, que os suplementos de comando e de
patrulha, de turno (abonado ao pessoal da PSP) e de escala (pago à GNR) e de
piquete, «são atribuídos não só quando ocorre prestação efectiva de serviço
nessas condições, mas também em situações legalmente equiparadas a pres-
tação de serviço por diplomas que disponham sobre férias, faltas e licenças».
(artigo 68. o
, n.o
3, da Constituição da República Portuguesa)
A PROTEÇÃO
DA PARENTALIDADE NA PSP
“As mulheres têm direito a especial proteção
durante a gravidez e após o parto, tendo as
mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa
do trabalho por período adequado, sem perda da
retribuição ou de quaisquer regalias.”
junho 2016  |  o crachá  |  23
Esse Parecer reflete aquilo que há muito é prática na função
pública e responde a um recurso hierárquico apresentado por
uma profissional da PSP que exercia funções operacionais e
que, em moldes simples, requereu à DN/PSP que fossem pa-
gos os suplementos de turno, relativo ao período em que se
encontrou de licença por maternidade e de patrulha, respeitan-
te ao período em que esteve de dispensa para amamentação.
Porém, apesar de esta situação ter sido objeto de uma orien-
tação por parte da Conselho Consultivo da PGR, na qual
também teve intervenção a Comissão para a Igualdade no
Trabalho, que deliberou à luz do Código do Trabalho, que não
deve haver cortes de direitos em casos de licença por gravi-
dez de risco ou de maternidade e ainda do Parecer vindo de
citar ter sido homologado pelo órgão da tutela, o certo é que
volvidos estes anos todos, não existe ainda um procedimen-
to uniforme na PSP. E, tanto quanto nos é dado a saber este
comportamento da DN/PSP tem sido suportado no entendi-
mento de que a atribuição daqueles suplementos (comando,
patrulha, turno e piquete) tem como pressuposto o “exercício
efetivo de funções”, o que, segundo o mesmo entendimen-
to, não ocorre em relação ao período em que as profissionais
se encontram nas situações atrás referidas. Porém, quanto a
nós, este entendimento da DN/PSP claudica porque traduz
errada interpretação e aplicação do direito.
O Gabinete Jurídico da ASPP/PSP teve conhecimento de
duas situações concretas, nas quais a PSP não tem assumido
um procedimento uniforme quanto ao pagamento dos su-
plementos e são elas: 1) quando a trabalhadora com uma gra-
videz de risco tem que alterar as suas funções por estes mo-
tivos e, 2) quando, com atestado médico a entidade patronal
coloca a trabalhadora em funções adaptadas à sua condição,
com dispensa do serviço noturno. Nestes dois concretos ca-
sos há comandos da PSP onde as profissionais da PSP não
recebem os suplementos acima mencionados e noutros re-
cebem. Esta posição por parte da DN/PSP revela extrema
desigualdade e injustiça no tratamento da mesma situação
e, consequentemente, acarreta para as profissionais da PSP
prejuízos de ordem financeira uma vez que, deixam de auferir
os suplementos que auferiam antes de se encontrarem nas
situações de gravidez de risco, com alteração das suas fun-
ções e de dispensa do serviço nocturno, conforme acima re-
ferido . Na generalidade das situações elencadas no Parecer
n.º 92/2005, considerou-se nas conclusões 4.a
, 5.a
6.a
e 7.a
, que
devem ser atribuídos os suplementos remuneratórios duran-
te o tempo de duração das correspondentes licenças. Por seu
turno o art. 65.º do Código do Trabalho refere no n.o
1 que
«Não determina perda de quaisquer direitos, salvo quanto
à retribuição, e são consideradas como prestação efetiva
de trabalho as ausências ao trabalho resultantes nomea-
damente de licença em situação de risco clínico dispensa
de prestação de trabalho no período noturno». Este regime
aplica-se aos trabalhadores que exercem funções públicas,
nas modalidades de contrato de trabalho em funções públi-
cas ou de nomeação, por força do art. 22.º da Lei n.o
59/2008,
de 11 de Setembro. Em relação aos trabalhadores que exer-
cem funções públicas em regime de nomeação, como suce-
de com o pessoal da PSP aplicam-se ainda as disposições
dos art.85.º e 86.º, do mesmo diploma. Nos termos do art. 5.º
do Estatuto do Pessoal com funções Policiais, aprovado pelo
Decreto-Lei n.o
243/2015, de 19 de Outubro, «Os polícias es-
tão sujeitos aos deveres e gozam dos direitos previstos no
presente decreto lei e demais legislação aplicável» e «Nas
matérias não reguladas pelo presente decreto-lei, é aplicá-
vel aos polícias o regime previsto para os demais trabalha-
dores em funções públicas com vínculo de nomeação», Ora,
se assim é, entendemos que, fora dos casos previstos no art.
35.º do C.T. (protecção na parentalidade através da atribuição
de licenças, dispensas e faltas justificadas, situações que de-
terminam a perda de retribuição e que são regulados nos ter-
mos previstos na Lei n.o
4/2009, com as alterações operadas
pela Lei n.o
10/2009, de 10 de Março, e ainda nos Decretos-lei
n.o
89/2009 e n.o
91/2009, ambos de 9 de Abril), considera-
-se que, perante o quadro legal que acima se referiu e face à
imposição de o interpretar de acordo com as normas consti-
tucionais sobre proteção da parentalidade, o teor do Parecer
n.o
92/2005 e demais legislação acima invocada, entende-se
que nas situações concretas que aqui nos referimos, a DN/
PSP não deve recusar o pagamento dos suplementos de co-
mando, patrulha, turno (e piquete) às profissionais da PSP,
que antes de uma gravidez de risco tem que alterar as suas
funções por estes motivos e às profissionais da PSP que, com
atestado médico, são colocadas pela entidade empregado-
ra em funções adaptadas à sua condição de dispensada de
serviço noturno, vinham auferindo os respetivos suplemen-
tos até então, e sobre os quais efetuavam descontos para a
Caixa Geral de Aposentações ou Segurança Social.
Estas situações aqui relatadas acontecem na PSP e as resis-
tências à sua superação acentuam uma tendência inaceitá-
vel para a negação dos mais elementares direitos de quem
exerce a função pública.
São situações graves e sintomáticas do estado da nossa
democracia. E, porque assim é, a DN/PSP deve adotar um
procedimento uniforme com vista à igualdade de tratamen-
to destas profissionais da PSP, estando a ASPP/PSP e o seu
gabinete jurídico, como sempre, disponíveis para defender as
suas associadas que, nestas situações não podem ser pena-
lizadas pelo facto de serem mulheres sujeitas a gravidez e
mais tarde mães que, têm o direito constitucional de educar
os seus filhos em todas as suas vertentes, nomeadamente
amamentação, aleitação e acompanhamento direto dos fi-
lhos quando tenham de frequentar infantários.
Sílvia Casteloa
Advogada
Coordenadora do Gabinete Jurídico da ASPP/PSP
1	Matéria que deve ser articulada com os aspetos específicos dos suplemen-
tos em causa, mas que aqui não temos tempo para tratar.
2	De acordo com o que nos foi transmitido, apenas são indicadas estas duas
situações porque em relação à dispensa para amamentação ou aleitamen-
to, dispensa para consulta pré-natal, dispensa para avaliação para adopção
o procedimento da DN/PSP tem sido uniforme.
24  |  o crachá  |  junho 2016
O
terrorismo que ensombra a Europa, não constitui
uma nova ameaça, limitando-se a inovar apenas
ao nível tático, com utilização dos novos meios
disponíveis. Deixou de ter um caráter interna-
cional alinhado e centralizado, para usar como veículo redes
autónomas mais difusas e descentralizadas, compostas por
células de indivíduos descontentes, muitas vezes pertencen-
tes às comunidades-alvo, conhecedores do modo de vida
ocidental. Fazem um intenso uso da Internet e das tecno-
logias de informação, não só para difundirem o seu discurso
de ódio, mas sobretudo para promoverem a radicalização de
indivíduos descontentes ou revoltados com as suas próprias
condições de vida, vindo a ser facilmente recrutados como
combatentes de organizações terroristas, como o Daesh, os
vários ramos da rede Al-Qaeda, ou a Frente Al Nusra na Síria.
A Resolução do Parlamento Europeu sobre medidas de com-
bate ao terrorismo indica que “mais de 15.000 homens e mu-
lheres provenientes de mais de 80 países de todo o mundo,
incluindo um número estimado entre 3.500 e 5.000 cida-
dãos da UE que abandonaram as suas casas para se con-
verterem em combatentes estrangeiros com a eclosão da
guerra e da violência na Síria, Iraque e Líbia, o que coloca um
enorme desafio à segurança dos cidadãos da UE”.
A Europa procura combater as três principais formas de atua-
ção atualmente empregues pelas organizações terroristas:
I.	O aproveitamento das comunidades locais islâ-
micas, através da infiltração de doutrinadores nos
estabelecimentos de ensino, estabelecimentos pri-
sionais, centros religiosos e comunitários, visando a
disseminação da mensagem de ódio extremista e o
recrutamento.
II.	A utilização das tecnologias de informação dispo-
níveis, principalmente das redes sociais da internet,
como veículo de comunicação e propagação do
seu discurso extremista de incentivo ao ódio e à
violência, potenciando o recrutamento.
III.	A utilização dos chamados “combatentes estrangei-
ros”, muitas vezes cidadãos europeus que se deslo-
cam do seu país de residência ou de nacionalidade
para integrarem as fileiras das organizações terroris-
tas e que poderão eventualmente regressar à Europa.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Setembro
de 2014, aprovou a resolução 2178 que prevê a transposição
para a legislação nacional de medidas de criminalização de
tentativas de viajar ou de organizar viagens para o estran-
geiro, com o propósito de juntar a uma organização terroris-
ta. Prevê também que os Estados exijam às transportadoras
aéreas, a operar no seu território, que concedam o acesso às
listas de passageiros e que os países partilhem informações.
Com a Resolução do Parlamento Europeu sobre medidas de
combate ao terrorismo aprovada a 4 de Fevereiro de 2015,
a UE procura responder àquelas questões, estabelecendo
um “pacto de luta antiterrorismo”, que abranja de forma glo-
bal a desradicalização, o desenvolvimento da coesão social
e a inclusão, procurando facilitar a reintegração, promover
a tolerância religiosa e política, a mitigação do incitamen-
to à prática de atos terroristas, prevenindo as deslocações
com vista ao ingresso em organizações terroristas, o recru-
tamento e a participação em conflitos armados, fazer cessar
o apoio financeiro àquelas organizações e dotar as autorida-
des judiciais das ferramentas necessárias para aplicar a Lei,
no estrito respeito pelos Direitos Fundamentais. Este pla-
no reparte-se por 4 linhas de acção: campanhas, controlo,
coordenação, cooperação.
Nas relações com a comunidade propõe-se o fomento de
campanhas de desradicalização, com vista a reforçar os laços
com as comunidades locais impedindo a disseminação de
mensagens radicais, implementando estruturas e processos
de desradicalização, contraditando diretamente as mensa-
gens de incitamento ao ódio, opondo-lhes alternativas posi-
tivas. Em simultâneo promover o diálogo com a comunidade
muçulmana, de modo a combater a propaganda fundamen-
talista e identificar terroristas que aí se encontrem infiltrados.
Também se propõem medidas de isolamento geral dos is-
lamitas radicais nos estabelecimentos prisionais e a melho-
ria dos seus sistemas administrativos, com vista a facilitar a
detecção de reclusos que possam estar envolvidos na pre-
paração de atos terroristas. Para isso os Estados-Membros
deverão cooperar diretamente ou através das agências com-
petentes, partilhando as melhores práticas nesta matéria.
Afirma-se a necessidade de uma coordenação eficaz na res-
posta imediata à ameaça dos designados “combatentes es-
trangeiros”, pela adoção de medidas comuns como “retirar
os passaportes europeus em caso de dupla nacionalidade,
confiscar os passaportes por determinado período, sinalizar
os documentos dos terroristas, reintroduzir as autorizações
de viagem para menores, reforçar os procedimentos penais,
criar uma lista negra de terroristas europeus e de suspeitos
de terrorismo”, combater o tráfico de armamento e a utiliza-
ção fraudulenta de identidade e identificar zonas de risco. A
luta contra o tráfico de seres humanos é considerada prio-
ritária, devendo prosseguir as investigações dessa atividade
como fonte de financiamento das organizações terroristas.
A Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assun-
tos Internos, competente nesta matéria, deve iniciar rapida-
mente os trâmites legislativos e de aprovação da Diretiva da
UE relativa ao Registo Europeu de Identificação de Passagei-
ros, proposta pela Comissão em 2011.
AO TERRORISMO JIHADISTA
A RESPOSTA EUROPEIA
junho 2016  |  o crachá  |  25
Verificamos aqui um esforço no sentido de preservar a liber-
dade de circulação no espaço Schengen, considerado um
dos legados mais importantes da construção europeia; e em
simultâneo prevenir a circulação de terroristas, reforçando
o controlo de fronteiras e dos documentos de viagem. Mas
estas medidas não resolvem o problema dos terroristas que
regressem de forma clandestina ou que já se encontrem em
solo europeu, algo que só parcialmente será colmatado atra-
vés do reforço das relações com as comunidades locais.
Quanto à cooperação internacional, propõe-se implementar
“todos os instrumentos adequados para um maior intercâm-
bio de informações e uma cooperação mais estreita entre as
diversas agências com os nossos aliados mais importantes,
como os EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia”, reforçar
a cooperação na luta contra o terrorismo com os países de
origem, de trânsito e de destino, dos “combatentes estran-
geiros” e dos recursos para os apoiar, como os Balcãs ociden-
tais, a Turquia, os países do Golfo e do Magrebe, através de
uma partilha reforçada das informações e dos ensinamentos
adquiridos, para combater o tráfico de armamento, rastrear
o financiamento ao terrorismo e desenvolver uma nova es-
tratégia para combater o extremismo radical. A UE deverá
também promover uma parceria global contra o terrorismo
que envolva os actores regionais, como a União Africana, o
Conselho de Cooperação do Golfo e a Liga Árabe, em espe-
cial com os países vizinhos da Síria e do Iraque, bem como
com o comité de combate ao terrorismo das Nações Unidas.
É declarada a necessidade de reforçar a eficácia e coorde-
nação da resposta da justiça penal através do EUROJUST,
de harmonizar a criminalização dos delitos respeitantes aos
combatentes estrangeiros na UE, de fornecer um quadro ju-
rídico que facilite a cooperação transfronteiras, evite lacunas
na ação penal e resolva questões de ordem prática e jurídi-
ca na recolha e admissibilidade dos elementos de prova nos
processos relacionados com terrorismo, através da atualiza-
ção da Decisão-Quadro 2008/919/JAI.
A EUROPOL deverá ter a competência de identificação e
promoção da remoção de conteúdos ilícitos de natureza ex-
tremista ou terrorista. Deve ser criada de uma plataforma
europeia de luta contra o terrorismo, no âmbito da EURO-
POL, a fim de potenciar o intercâmbio operacional, técnico
e de informações e criar um sistema europeu de deteção de
financiamento ao terrorismo.
Em Portugal, o anterior Governo Português aprovou a desig-
nada “Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo”. Defi-
nida como um “compromisso de mobilização, coordenação e
cooperação de todas as estruturas nacionais, com responsa-
bilidade direta e indireta na luta contra esta ameaça”.
Esta estratégia está estruturada em cinco chamados “objec-
tivos estratégicos”: detectar, prevenir, proteger, perseguir e
responder. A estratégia apresentada acentua a importância
da cooperação e coordenação em todas as linhas de ação
propostas.
Em síntese, propõe-se o reforço das estruturas responsáveis
pela produção, coordenação e partilha de informações; pro-
curando garantir uma partilha eficiente de informações en-
tre as forças e serviços de segurança ou outras entidades,
no âmbito das respetivas competências, a nível nacional,
europeu e internacional; assegurar uma efetiva cooperação
entre o Sistema de Informações da República Portuguesa e
o Sistema de Segurança Interna; o aprofundamento da coo-
peração, coordenação e interoperabilidade entre as Forças
Armadas e as forças e serviços de segurança e emergência.
Estabelece-se o estreitamento das relações com as comuni-
dades, combatendo a exclusão social e monitorizando situa-
ções propensas ao recrutamento no seio dessas mesmas co-
munidades; promover a remoção ou bloqueio de conteúdos
extremistas na internet.
Prevê-se o aperfeiçoamento do sistema de controlo de fron-
teiras e deslocações, permanência e saídas do território na-
cional e reafirma a necessidade do estreitamento da coope-
ração internacional.
Deverão ser reforçados os procedimentos de recolha de prova,
fortalecer o Sistema Integrado de Informação Criminal e esta-
belecer a articulação entre as autoridades judiciárias, as enti-
dades bancárias e financeiras e as forças e serviços de segu-
rança, envolvidas no combate ao financiamento do terrorismo.
A par destes objetivos, referem-se planos de ação especí-
ficos: o Plano de Ação de Prevenção da Radicalização e do
Recrutamento para o Terrorismo; a manutenção do Plano de
Ação Nacional contra Ataques Nucleares, Biológicos, Quími-
cos e Radiológicos; o Plano de Ação para a Proteção e Au-
mento da Resiliência das Infraestruturas Críticas, nacionais
e europeias; implementar o Plano de Ação Nacional para a
Proteção contra as Ciberameaças, integrado numa estraté-
gia nacional de cibersegurança; e dar cumprimento ao Plano
de Articulação Operacional, com vista à coordenação e inte-
roperabilidade de sistemas e de equipamentos, serviços de
proteção civil, emergência médica e Forças Armadas.
A “Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo” transpôs
para o ordenamento jurídico nacional as orientações propos-
tas na Resolução do Parlamento Europeu sobre medidas de
combate ao terrorismo. Mas os recentes ataques terroristas
de Paris e Bruxelas evidenciaram que na realidade as medi-
das propostas pela Resolução, não foram implementadas e a
Europa é surpreendida pela sua própria ineficácia, revelando
uma enorme falta de capacidade política de implementação
de medidas de Segurança e Defesa entre os seus membros.
Acresce que estas medidas visam apenas combater os efei-
tos e as causas da ameaça só poderão ser combatidas atra-
vés de uma “comprehensive approach” consequente e eficaz.
E só será eficaz com o empenhamento da generalidade da
comunidade internacional.
Vasco Martins dos Santos
Investigador
26  |  o crachá  |  junho 2016
Os dois ataques de 22 março de 2016, em Bruxelas, e os de
novembro e janeiro de 2015, em Paris ou em Copenhaga,
lembram-nos que o perigo é real e que nenhum país pode
considerar-se um santuário para esta ameaça.
África também pagou um preço elevado pelos ataques em
Bamako, Mali, Ouagadougou, no Burkina Faso, ou Grand-
-Bassam, no Senegal, para não mencionar as muitas vítimas
contadas no Iraque, Síria e Líbia.
Apesar dos níveis de segurança terem sido especialmente re-
forçados (estado de emergência ou Plano Vigipirate, etc.) ob-
servamos, lamentavelmente, que é difícil combater os ataques
perpetrados por indivíduos extremamente determinados e
prontos para morrer, que se transformam em “bomba humana”,
que resistem até à morte quando a polícia chega para os deter.
Face a estes atos que semeiam terror e fazem subir o sen-
timento de desconfiança e medo que, por via da violência,
coloca “uns” contra “outros”, é importante analisar, através do
prisma dos Direitos Humanos, as medidas que deverão ser to-
madas para contrariar este fenómeno.
A comunidade internacional ainda está à procura de uma defi-
nição política unânime contra o terrorismo. As Nações Unidas
qualificam, commumente, como terroristas os atos violentos
contra civis e que têm objetivos políticos ou ideológicos.
Os Direitos Humanos são definidos como valores universais e
garantias legais que visam proteger indivíduos e grupos con-
tra ações e omissões de ataques a liberdades fundamentais,
direitos e dignidade do ser humano.
Notamos que os atos terroristas têm uma influência impor-
tante sobre os Direitos Humanos. São uma violação de mui-
tos direitos, incluindo aquele que é considerado a fonte de
todos os direitos: o direito à vida, o direito humano mais fun-
damental de todos e aquele que condiciona o exercício de
todos os outros.
DIREITOS HUMANOS
Os ataques sangrentos cometidos recentemente em várias capitais europeias e africanas,
foram todos reivindicados pelo movimento islâmico radical, que se identificam sob os nomes
de Estado Islâmico (Daesh), Al-Qaeda no Magrebe e Boko Haram.
Assim, essas ações terroristas violam o direito à liberdade e
à integridade física, o Estado de direito, as regras que regem
os conflitos armados, proteção de civis, a tolerância entre os
povos e nações, bem como a liberdade de consciência e de
pensamento.
Assim, os Estados têm pela frente o desafio de desenvolverem
meios adequados para lutar contra o terrorismo, garantindo,
simultaneamente, que as medidas tomadas estão em confor-
midade com as regras em matéria de Direitos Humanos.
O Estado deve também avaliar o custo político destas deci-
sões. Algumas medidas podem ser consideradas, por alguns,
como demasiado restritiva das liberdades individuais, como
por exemplo, relacionadas com as liberdades de movimento,
reunião ou de manifestação.
Por outro lado, se essas restrições não são estabelecidas e
ocorrem outros ataques, o Estado será responsabilizado pela
opinião pública por falta de antecipação, ou seja, pela sua ir-
responsabilidade.
É por isso que o ponto de equilíbrio se torna difícil de encon-
trar e é ainda muito frágil comparado com a essência do ter-
rorismo, que é a de semear medo e dúvida usando as falhas
das sociedades democráticas.
São as nossas sociedades que devemos proteger e preservar
os seus valores. Valores que se opõem ao controlo absoluto e
ao pensamento único, valores que dão a todos os cidadãos o
gozo de amplas liberdades que só um verdadeiro Estado de
Direito pode proporcionar e preservar.
Uma única palavra de ordem: Resistir!
Gérard Greneron
Presidente Honorário da Conselho Europeu
de Sindicatos de Polícia
CONTRA-TERRORISMO
junho 2016  |  o crachá  |  27
A ASPP/PSP decorrente da sua dimensão e ligações
internacionais e atenta ao flagelo terrorista noutras
latitudes, através do seu órgão de informação - O
Crachá - contactou Lassad Kchaou, Presidente do
Sindicato da Tunísia - SFDGUI. Este alto dirigente
registou um breve, mas elucidativo, retrato, tanto do
impacto doterrorismo naquelaregião, bem como su-
blinhou as preocupações daquela estrutura sindical.
Segundo a ideologia jihadista dos terroristas do
DAESH, a vida é um teste com duração limitada, em
que eles devem praticar ações que lhes garantam
lugar no paraíso eterno. Contudo, estão convenci-
dos de que morrer como mártires numa missão “di-
vina” lhes permitirá encurtar essa primeira etapa.
Na Tunísia, estes terroristas têm como objetivo consti-
tuir à força um Estado próprio, atacando os quartéis e
postos de polícia; os agentes das forças de segurança
e os seus familiares são os únicos aserem considerados
alvos (ataques direcionados). Neste clima de ameaça, a
intervenção sindical do SFDGUI deve prevalecer, a fim
de assegurar-se um clima mais seguro e estável.
Como se manifesta, então, esta ação sindical a fim de
lutarcontraoterrorismo naTunísia? Protegero agen-
te policial, desenvolver a administração e reforçar o
Estado são os fundamentos sindicais do SFDGUI.
Proteção do agente policial
–› Melhorar a situação financeira dos agentes, espe-
cialmente dos que estão mais expostos às amea-
ças terroristas (agente de informação geral, in-
tervenção anti-terrorismo e agentes de proteção
fronteiriça terrestre e marítima), com a assinatura
entre sindicato e governo, em janeiro de 2016
–› Dar apoio e assistência aos agentes numa crise
terrorista (Bardo, Ben Guerden)
MISSÃO DO
SINDICATO
DE POLÍCIA FACE
ÀAMEAÇA
TERRORISTA
NA TUNÍSIA
–› Garantir assistência às famílias dos polícias mortos através da im-
plementação de medidas do Estado para as proteger (ex. contratar
um dos membros da família, garantir habitação para os filhos, dar
apoio psicológico)
–› Apoio aos agentes feridos
–› Levar a cabo atividades culturais, desportivas e de recreio para as
famílias dos agentes
Desenvolvimento da administração
–› O sindicato participou em projetos de reformas judiciais, regula-
mentares e de procedimentos de trabalho
–› Utilizou a sua influência para modificar a lei anti-terrorista, a fim de
poder combater este flagelo
–› Pressionou a administração no sentido de ser fornecido material de
intervenção adequado (ex. coletes, capacetes à prova de bala, veí-
culos blindados)
–› O sindicato conseguiu, além disso, melhorar a imagem do aparelho
de segurança, pela abertura ao ambiente externo
Reforço do Estado
Neste quadro, o sindicato pôde reforçar o seu posicionamento no seio
da sociedade civil e dos partidos políticos através de uma boa estra-
tégia de comunicação (seminários, fóruns, mesas redondas, etc.), a fim
de unir o povo tunisino sob a bandeira da pátria e combater o terroris-
mo que ameaça a soberania do Estado.
É neste quadro que o nosso papel de sindicato de forças de segu-
rança contribuiu fortemente para a guerra contra o inimigo terrorista
DAESH. O nosso sindicato apela ao cerrar de fileiras para combater
este flagelo que ameaça a segurança do país.
Prestar homenagem aos nossos valorosos heróis mortos no campo
de batalha, continuar a cuidar dos seus como uma família unida, eis o
nosso compromisso, com os nossos humildes recursos.
Lassad Kchaou
Presidente do SFDGUI
28  |  o crachá  |  junho 2016
A
leitura histórica (e política
e cultural) deste fenóme-
no está tão carregada de
preconceitos, de pontos de
partida tão condicionados por grossas
lentes de observação da realidade, que,
em alguns contextos, se torna muito
difícil argumentar. Expô-los a um grupo
socioprofissional tão específico quanto
é o daqueles que trabalham num setor
tão sensível a estas questões quanto
o da segurança pública, é um desafio
complexo, mas para o qual agradeço
sinceramente a oportunidade que se
me oferece. Este é um problema polí-
tico e de segurança que mobiliza ideias
de tal forma feitas que, desde o ponto
de vista da História e das Ciências So-
ciais, é muito importante começar por
desfazer algumas delas.
1.
É um enorme erro julgar que o
terrorismo começou quando os
ocidentais passaram a ser víti-
mas dele, e que a sua motivação cen-
tral é de ordem religiosa/cultural, pro-
duto de um “ódio ao Ocidente”. Quem
na Europa e nas Américas imagina que
os fenómenos começam quando afe-
tam ocidentais cai num dos equívocos
mais permanentes da nossa cultura: o
ocidentocentrismo, ou seja, a leitura de
todos os fenómenos sociais e culturais,
e de toda a história, a partir da realidade
ocidental que conhecemos e que julga-
mos (arrogantemente) ser um padrão
superior de organização social e política.
Ao contrário do que se tem tornado co-
mum ouvir dizer, o terrorismo (inclusive a
sua versão suicida que, não sendo novi-
dade histórica, é hoje mais comum que
no passado) (i) não nasceu nem é exclu-
sivo do mundo árabe e muçulmano, (ii)
não atinge prioritariamente o Ocidente
porque mata incomparavelmente mais
na Ásia, no Médio Oriente e em África, e
(iii) não é alheio, muito pelo contrário, à
cultura social e política do Ocidente, ao
longo da história (e especialmente nos
sécs. XIX e XX), que esteve muito mais
povoada de violência (expansão colo-
nial, duas guerras mundiais, genocídio
industrialmente organizado) que a do resto do mundo. Para
estes equívocos contribui o muito comum erro presentista
(sobrevalorizar o presente relativamente ao passado) que faz
com que se julgue que tudo começa no momento em que nos
damos conta de um fenómeno pela primeira vez.
2.
Aquilo a que temos chamado terrorismo, e que se
poderia definir como o recurso (por princípio consi-
derado juridicamente ilegítimo e criminoso em cada
momento e cada contexto nacional) à luta armada com uma
finalidade política por parte de organizações não estatais
(isto é, que não representam nem emanam de Estados re-
conhecidos pela comunidade internacional) é um fenómeno
tão velho quanto a existência de sistemas políticos, aos quais
se deu ou não o nome de Estado numa qualquer época da
história. A natureza terrorista das ações violentas não se de-
duz do facto de os seus alvos serem civis, porque é também
considerado terrorista o ataque a agentes da autoridade e a
militares. De facto, é apenas a natureza não estatal da organi-
zação (ou simplesmente do executor) que prepara e perpetra
os atos violentos que faz com que a lei (e a grande maioria da
opinião pública) entenda como terrorista esses mesmos atos.
Este entendimento, que se sustenta na convicção que a úni-
ca violência legítima é a praticada em nome do Estado e por
um agente da sua autoridade no estrito cumprimento da lei,
é um obstáculo muito forte ao exercício da análise crítica de
muitas das ações violentas perpetradas pelos Estados, so-
bretudo quando delas são vítimas civis não combatentes aos
quais nas últimas décadas se tem chamado, eufemística e
cinicamente, “danos colaterais”. Os vencedores quase nunca
aceitam prestar contas sobre crimes de guerra. É que é jus-
tamente sobre esse princípio da legitimidade da violência do
Estado que se funda o Estado de Direito tal qual foi estabe-
lecido pelas revoluções liberais de finais do séc. XVIII e inícios
de XIX. E é curioso que assim seja, porque os regimes políticos
e jurídicos que reivindicam ser Estados de Direito foram, ao
longo de toda a época contemporânea, fundados no recurso
a formas de luta e/ou ação armada que, no momento em que
O TERRORISMO
EM QUATRO EQUÍVOCOS
Manuel Loff
Historiador
Estamos em “guerra contra o Terrorismo” - é o que
nos dizem. Habituados que estamos a viver com uma
memória superficial do passado, tratada/moldada pelos
media, quase sem recuo temporal, funcionamos como se
o terrorismo fosse um fenómeno que começou com o 11 de
Setembro de 2001, há quase 15 anos, e como se,
em geral, fossem extremistas árabes ou muçulmanos
aqueles que o praticam.
junho 2016  |  o crachá  |  29
foram desencadeadas, violaram leis que, também então, fixa-
vam os limites da violência considerada legítima. Entre muitos
exemplos possíveis, os EUA fundaram-se na rebelião armada
dos colonos americanos que, em 1775, se lançaram contra a
soberania britânica; a Revolução Francesa de 1789 fez-se com
violência contra a lei monárquica, e contra a lei revolucionária
levantaram-se em armas, logo a seguir, os antigos privilegia-
dos; com armas revoltaram-se nacionalistas democráticos
italianos como Garibaldi que queriam unificar a Itália contra
a vontade do Papa e dos príncipes e aristocratas que gover-
navam os muitos pequenos Estados em que aquele território
estava dividido; os liberais e os absolutistas portugueses e es-
panhóis que, ao longo do séc. XIX, recorreram à força armada
contra governos no poder, provocando várias guerras civis em
que cada um dos lados reivindicava a legitimidade do poder e
acusava o outro de subversão; anarquistas assassinaram che-
fes políticos e patrões da indústria nos finais do séc. XIX, da
mesma forma que líderes operários e camponeses foram, por
sua vez, mortos por assassinos a soldo dos últimos (para além
daqueles que o Estado matou por via judicial, em processos
que hoje seriam considerados sem garantias). Terroristas foi o
que os nazis chamaram a todos os resistentes franceses, ita-
lianos, polacos, soviéticos, noruegueses, gregos, jugoslavos e
tantos outros, que se levantaram em armas para se defende-
rem da ocupação e expulsar o ocupante; todas as potências
coloniais chamaram terroristas a quem lutava pela libertação
dos povos colonizados pelos europeus na Ásia e em África;
terrorismo praticaram organizações independentistas e/ou
da extrema-esquerda nos anos 1960 e 70, em vários países
europeus e americanos, mas os Estados contra os quais eles
se levantaram responderam quase sempre na mesma moeda,
fazendo a chamada guerra suja, para tal recorrendo a merce-
nários da extrema-direita mas também a agentes encober-
tos das próprias forças de segurança do Estado. Israel, que se
apresenta como paladino na luta contra o terrorismo árabe e
muçulmano, ainda hoje homenageia organizações terroristas
judaicas que atacaram árabes e britânicos nos anos 30 e 40,
e recorre (como os EUA, a Rússia e uma infinidade de outros
Estados) ao que se tem chamado eufemisticamente “execu-
ções extra-judiciais” para eliminar inimigos políticos e étnicos.
Muitos dos nossos Estados democráticos ocidentais têm,
portanto, a sua origem em ações armadas não convencionais
que podem ser consideradas, e no seu tempo o foram, como
tendo uma natureza terrorista. Não pretendo, com isto, jus-
tificar/legitimar o recurso à luta armada para a obtenção de
fins políticos, por mais justos e democráticos que eles pos-
sam parecer a quem os pratica - nada disso! O que quero é
recordar que a violência política não é exclusiva de nenhu-
ma cultura nem de nenhum tipo de sociedade, e que muitos
dos Estados que consideramos legítimos orgulham-se dessa
violência, a comemoram sob a forma de feriados cívicos e a
elogiam em textos constitucionais.
3.
É inevitável que haja alguma especificidade histórica
e política no terrorismo jihadista perpetrado nos úl-
timos 15 anos pela Al-Qaeda e pelo Estado Islâmico
(EI), mas ela não resulta da sua natureza (só aparentemente)
religiosa e étnica. Como bem recorda Olivier Roy, os “jovens [is-
lamistas] radicalizados”, responsáveis pelos massacres de Paris
e Bruxelas, “não são a vanguarda ou os porta-vozes das frus-
trações da população muçulmana”. Pelo contrário, eles estão
“em rutura deliberada tanto com o Islão dos seus pais como
com a cultura das sociedades muçulmanas. Eles inventam um
Islão que opõem ao Ocidente, [mas] vêm da periferia do mun-
do muçulmano - e, em especial, [vêm] do [próprio] Ocidente”.
Porque se “movem numa cultura ocidental da comunicação, da
encenação da violência (…), praticam a auto-radicalização na
Internet, procuram uma Jihad global”, eles são, acima de tudo,
um produto das contradições e dos conflitos das sociedades
ocidentais em que nasceram e/ou cresceram - e esta é a espe-
cificidade histórica e cultural deles. 25% dos voluntários do Es-
tado Islâmico converteram-se ao Islão. Depois de anos de po-
breza, desemprego e precariedade que, em muitos dos casos
individuais conhecidos, conviveu com a pequena criminalidade,
adotaram um integrismo islâmico que partilha os valores es-
senciais da vaga de reacionarismo moral, político e cultural que
propugnam católicos tradicionalistas, evangélicos das Améri-
cas, judeus ortodoxos: o horror à liberdade (política e cultural),
o ódio às minorias religiosas, às mulheres e aos homossexuais
emancipados, ao outro que, de tão diferente lhes parece, que é
declarado como inassimilável e, portanto, indesejável. Ou seja,
a mesma xenofobia de que está presente na islamofobia, no
antissemistismo e on ódio aos ciganos, por exemplo.
Estes jovens jihadistas, prossegue Roy, “não se interessam
pelas lutas concretas do mundo muçulmano (Palestina)” (Le
Monde, 10.1.2015). É por isso que nada têm a ver com a luta
armada anticolonial da FLN argelina contra a França, ou da
OLP contra Israel, e nem mesmo com organizações mais re-
centes como o Hezbollah libanês ou o Hamas palestiniano.
Uma grande parte deles não são sequer árabes: entre os
novos recrutas do Daech não há apenas franceses e britâ-
nicos, mas também kosovares, bósnios, afegãos, paquistane-
ses - até mesmo portugueses... O que os atrai é o poder que
retiram da violência em várias das suas formas, que julgam
poder justificar com valores religiosos, justamente porque
estes reúnem grande consenso na maioria das sociedades,
mas que eles próprios conhecem mal e manipulam como faz
a grande maioria daqueles que misturam religião e política.
4.
Por último, levar a sério a retórica fanfarrona do EI,
como se o seu objetivo fosse dominar as duas mar-
gens do Mediterrâneo, Al-Andalus incluído, ou o
mundo inteiro, é alimentar uma espécie de verdade conve-
niente. Este jihadismo cujo projeto de poder representa uma
franja muito minoritária das sociedades maioritariamente mu-
çulmanas em que atua, e que tem como alvo militar prioritá-
rio, não os ocidentais, cuja religião (cristã, judaica) é, para este
efeito, relativamente secundária, mas sim concidadãos seus,
na sua grande maioria da mesma religião, selecionados como
inimigos não tanto porque possam ser fiéis a outros ramos
do Islão (chiitas, sunitas), mas sim porque se opõem aos seus
projetos políticos. Neste contexto, é tudo menos coincidên-
cia que potências ocidentais e aliados dos EUA no Próximo
Oriente venham usando muitas destas organizações como
(continua na pág. seguinte)
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  • 1. MEMBRO PERMANENTE DO CONSELHO EUROPEU DOS SINDICATOS DE POLÍCIA • CESP ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS PROFISSIONAIS DA POLÍCIA • ASPP / PSP ORGÃO DE INFORMAÇÃO DA ASPP/PSP // JUNHO 2016 38 SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO MAIS RESPONSABILIDADE MELHORES CONDIÇÕES
  • 2.
  • 3. junho 2016  |  o crachá  |  1 O Crachá n.o 38 Junho 2016 Ano XV Órgão de Informação da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia – ASPP/PSP Diretor Paulo Rodrigues Coordenação Gabinete de Comunicação ASPP/PSP gcom.formacao@aspp-psp.pt Morada Avenida Santa Joana Princesa, N.o 2 1700-357 Lisboa Tel.: 213 475 394/5 Tlm.: 962 076 140 / 917 767 024 Fax: 213 475 493 Website: http://www.aspp-psp.pt E-mail: aspp-psp@aspp-psp.pt Design, paginação e produção Factorgénio - Design e Produção Gráfica, Unip, Lda factorgenio@factorgenio.pt Distribuição gratuita aos associados ASPP/PSP Inscrito na DGCI com o n.o 115 869/91 Depósito legal n.o 74 228/94 2.000 exemplares Conselho Europeu dos Sindicatos da Polícia Conseil Europeen des Syndicats de Police ÍNDICE 02 EDITORIAL 03 GABINETE DE COMUNICAÇÃO 04 PLANO DE ATIVIDADES 05 MINISTRA DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA 06 MANIFESTAÇÕES 08 ORÇAMENTO DO ESTADO 09 LANÇAMENTO “FIZEMOS OS DIAS ASSIM” 10 GABINETE JURÍDICO 11 GABINETE DE AÇÃO SOCIAL 12 SEGURANÇA E SAÚDE NA ATIVIDADE POLICIAL 14 SEGURANÇA E SAÚDE NO TRBALHO: UM DIREITO DE TODOS 16 ENTREVISTA - "É PRECISO UM OLHAR ATENTO SOBRE A SAÚDE DOS PROFISSIONAIS DA POLÍCIA" 18 CONFERÊNCIA “OS POLÍCIAS PORTUGUESES NO CENTRO DOS NOVOS DESAFIOS EUROPEUS” 21 SECOS E MOLHADOS - 27 ANOS 22 PROTEÇÃO DA PARENTALIDADE NA PSP 24 A RESPOSTA EUROPEIA AO TERRORISMO JIHADISTA 26 DIREITOS HUMANOS VS CONTRATERRORISMO 27 MISSÃO DO SINDICATO À AMEAÇA TERRORISTA NA TUNÍSIA 28 TERRORISMO EM QUATRO EQUÍVOCOS 30 SINDICALISMO 32 CIBERCRIME 34 SINDICALISMO NA PSP MEMBRO PERMANENTE DO CONSELHO EUROPEU DOS SINDICATOS DE POLÍCIA • CESP ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS PROFISSIONAIS DA POLÍCIA • ASPP / PSP
  • 4. 2  |  o crachá  |  junho 2016 EDITORIAL Numa sociedade globalizada, a segu- rança é cada vez mais um bem público imprescindível à vida das instituições e da população. Quando nos confrontamos com a gran- de criminalidade, onde se inclui o terro- rismo, gerador de insegurança e mal- -estar social que coloca em causa os pilares do Estado de Direito, os nossos direitos constitucionais ficam limitados. Mas, para combater a criminalidade e o seu expoente máximo, o terrorismo, é necessário termos consciência da necessidade da adequação dos meios, legislação, formação e condições de trabalho dos atores envolvidos e atri- buir-lhes os instrumentos que garan- tam a eficácia no seu resultado. Na anterior legislatura, no seguimento dos atentados ao Charlie Hebdo, em Paris, enviámos um ofício ao Primei- ro-Ministro, que não tornámos público pela importância da reserva e por tra- tar matérias delicadas de segurança interna, onde mencionávamos a ne- cessidade de serem tomadas decisões importantes sobre alguns aspetos que podem determinar a eficácia no com- bate ao crime mais violento. Hoje, temos Profissionais de Polícia à altura das exigências, que fazem os im- possíveis para cumprir a missão com brio e profissionalismo, que abdicam do tempo com a família e amigos para es- tarem presentes sempre que necessário. Que muitas vezes investem o seu di- nheiro para criarem condições de traba- lho em prol do cidadão. Que pagam do seu próprio bolso arranjos em viaturas para poderem atender às ocorrências ou para garantirem a sua própria segurança. Todos conhecemos bem esta realida- de e muito mais; uma realidade que os governos, por vezes, ignoram e alguma hierarquia desvaloriza. Como pode um Polícia estar motivado quando a Instituição, em vez de criar oportunidades cria entraves; em vez de apoiar, castiga? Como pode um Polícia continuar motivado, quando a Institui- ção o obriga a estar 16 anos no mesmo posto? Como é possível que um Polícia mante- nha a dedicação quando, por exemplo, no seguimento de um acidente em servi- ço pode estar meses à espera que a PSP autorize o seu tratamento, obrigando-o a pagar os tratamentos do seu bolso ou a ficar com mazelas para toda a vida? Que sentido de Justiça pode existir num País, quando Profissionais nas mesmas condições são tratados de forma dife- rente, como acontece com a não atri- buição do subsídio de insularidade aos Polícias em serviço nas Regiões Autó- nomas? Quem consegue perceber que aos Profissionais da PSP não lhes seja atribuído um subsídio de risco, como acontece com outras polícias? Como se pode aceitar que se continue a colocar em causa a aposentação aos 60 anos, sem cortes, que, apesar de estar vincado no Estatuto, pretendem confundir, ou a pré-aposentação, sobre a qual tudo já foi tentado para alterar o seu sentido? Como aceitar interpretações dúbias, com o intuito da não colocação no índi- ce correto os Agentes ou Subcomissá- rios que se encontram ainda no primei- ro índice da tabela? Os polícias merecem mais Não queremos ser olhados como os coitadinhos da sociedade, nem temos de descer ao nível mais baixo do la- mentável para chamar a atenção. Mas os problemas existem, as carências são visíveis e esta é a realidade palpável. A hierarquia não pode olhar para o lado, não pode limitar a sua preocupação na sua ascensão na carreira. Não pode cingir-se a fazer uma gestão com prepotência, não pode exigir tudo e não ter sensibilidade para nada. Sa- bemos dos obstáculos, também das di- ficuldades da hierarquia em dirigir uma estrutura com a dimensão da PSP, mas não podemos deixar que aqueles que todos os dias enfrentam a população, no seu melhor ou pior aspeto, que dão o peito às balas, se sintam ignorados ou deixem que os tiques da velha Polí- cia ressaltem para os dias de hoje. Se queremos bons Profissionais, tem de haver investimento nos homens e mulheres que compõem a PSP, tem de lhes ser garantida uma carreira, criar um futuro em que todos conheçam as regras e exista estabilidade e justiça. Onde a sua dignidade nunca seja posta em causa. Porque, quer se queira ou não, a Polícia que criarmos será a Polícia que teremos. Paulo Rodrigues Presidente da Direção da ASPP/PSP
  • 5. junho 2016  |  o crachá  |  3 A ssim, a ASPP/PSP, enquanto precursora do movimento sindi- cal policial em Portugal, tem na revista “O Crachá” o seu registo de referência, que acompanhou e foi retra- tando um percurso de luta. Com naturais avanços e recuos, feito de amarguras, mas também de venturas e conquistas… De igual modo, este facilitador de memória, permite (re)lembrar aquilo que poderia ficar esqueci- do, podendo-se assim transmitir o significa- do das experiências passadas aos vindouros. Referência para outros importantes escritos, mas de publicação única, como são os livros: “Sindicalismo na PSP - Medos e fantasmas em regime democrático” e “Fizemos os dias assim”. Um mais profundo, já lançado em 2001, e o outro, mais recente e mais sucinto, respetivamente. Ainda assim, retratam am- bos, de formaprofícua, o movimento sindical policial em Portugal e na PSP em particular. A primeira edição Em abril de 1984, numa fase ainda muito conturbada, mas de crescente afirmação do movimento sindical policial, a ainda Comissão Pró-Associação Sindical da PSP (ASP/PSP), afirma- va já o anseio de editar a revista “O Crachá”, dotando assim de maior expressão e visibilidade os legítimos anseios dos polícias. A primeira edição, de 12 páginas, com um cariz eminente- mente reivindicativo e de luta, retratou aquilo que surtiu do I Encontro Nacional de Polícias, realizado no dia 10 de março, do mesmo ano, em Lisboa, no Pavilhão do BESCL. Reunião que teve como fito discutir e aprovar propostas a apresen- tar ao MAI: legalização do sindicato, outros problemas que afetavam a vida policial (ex.: vencimentos, folgas), tendo sido aprovada e entregue uma moção no MAI. O VALOR DA A memória tem um capital próprio e difícil de avaliar. Não existe povo, sociedade ou organização sem memória. Mitos, lendas, meros relatos, escritos ou imagens, contribuem para a preservação do passado de cada organização. GABINETE DE COMUNICAÇÃO REVISTA “O CRACHÁ” MEMÓRIAContudo, decorrente de várias vicissitudes, intransigência do governo e perseguições, materializadas em processos dis- ciplinares aos líderes sindicais, a sua publicação verificou-se somente a 20 de abril de 1989, curiosamente, véspera do II Encontro Nacional de Polícias, dia em que se consumou o cé- lebre episódio dos “Secos e Molhados”, que marcou de forma indelével a história do sindicalismo policial em Portugal, com expressão mesmo a nível internacional. Assim, o início deste projeto, com um espírito eminentemente reivindicativo, contribuiu para a afirmação da ASPP/PSP e, de igual modo, para o desenvolvimento do sindicalismo policial em Portugal. As suas posteriores publicações, até ao presente, materializaram-se assim num forte instrumento de opinião e de luta, fazendo eco, tanto no seio policial, com noutras esferas. Com efeito, recentemente, em abril, mês particularmente es- pecial para nós Polícias, as memórias do nosso percurso são ainda mais vivas. Contribuímos, em boa medida, para a cres- cente afirmação de valores e direitos como democracia, liber- dade, segurança, igualdade e cidadania. Contudo, importa agora bem refletir acerca do caminho traçado, em busca de um melhor futuro; ver nos problemas atuais e prementes, de- safios e (novas) oportunidades. Pois foi essa mesma coragem e perseverança que nos diferenciou e fez aqui chegar! Menção última para a Direção da ASPP/PSP pela aposta na continuidade deste referencial no seio policial. Contudo, futu- ramente, respeitando sempre o seu cariz reivindicativo, preten- der-se-á dotar esta publicação de uma renovada versatilidade e abrangência de conteúdos, isto através de uma periodicida- de mais regular e efetiva. Assim, continuará “O Crachá”, pela valorização da Nossa Memória, Para Nossa Defesa! Cristiano Correia
  • 6. 4  |  o crachá  |  junho 2016 PLANO DE ATIVIDADES PARA 2016 Mesmos princípios renovada ambição Os desafios que enfrentámos no passado recente deixam- -nos seguros da justeza dos nossos objetivos e da nossa forma de fazer sindicalismo. Não nos deixamos enganar por frases feitas nem embarcamos em populismos fáceis, que até podem ter algum acolhimento imediato mas que acabam por não trazer qualquer vantagem prática. Permanecemos no caminho do sindicalismo responsável, coerente e combativo, com a ajuda de todos aqueles que constituem o enorme co- letivo que é a ASPP/PSP. Eixos reivindicativos Com efeito, o Plano de Atividades para o presente ano de 2016, devidamente aprovado em Assembleia-geral, coadu- na-se e dá enfoque aos eixos reivindicativos e de intervenção desta estrutura: (1) Profissão de Risco e Desgaste Rápido – Reconhecimento (2) Segurança e Saúde no Trabalho – Criação de mecanismos de fiscalização (3) Lei Sindical – Revisão sob o princípio da representatividade Ao mesmo tempo, pretende-se, afincadamente, lutar pela plena concretização do ora aprovado Estatuto Profissional e inerente regulamentação, constituindo-se tal como nosso desígnio permanente. NOVASob o lema “Lutar rumo a um futuro de plenos direitos” e com as linhas orientadoras para o presente mandato bem definidas, a presente Direção da ASPP/PSP aposta na continuidade do seu trabalho, alicerçado na responsabilidade, experiência e no seu legado, predicados construídos ao longo deste já marcante período, sendo referência no panorama sindical policial. DIREÇÃO
  • 7. junho 2016  |  o crachá  |  5 Experiência no ISCPSI Os assuntos relacionados com a Admi- nistração Interna e a Polícia de Segurança Pública não são estranhos à nova ministra, que, desde 1998, dava aulas no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, ajudando a formar a atual hierar- quia da Polícia durante esse período. Entre 2006 e 2012, foi Coordenadora do Núcleo Justiça e Assuntos Internos na Represen- tação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER). Carreira no Direito Tendo já experiência governativa, após desempenhar as funções de assessora de António Costa, Constança Urbano de Sou- sa, de 48 anos, licenciou-se em Coimbra, Após as eleições de 5 de Novembro de 2014, e do Governo então saído, tomou posse a nova ministra da Administração Interna, que sucedeu a Miguel Macedo, Anabela Rodrigues e Calvão da Silva, que ocuparam o cargo na anterior legislatura. tendo sido doutorada em Direito Comunitário na Alemanha, na Universidade de Saarland, passando a coordenar o Depar- tamento de Direito da Universidade Autónoma de Lisboa. As suas principais áreas de investigação são o Direito da União Europeia, o Direito de Imigração e Asilo, a Cooperação Poli- cial e Judiciária, a Segurança Interna e o Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça. Várias reuniões Desde que tomou posse, foram várias as reuniões manti- das com a ASPP/PSP em torno dos mais diversos assuntos. Desde questões relacionadas com o Estatuto Profissional, passando pelo Regulamento Disciplinar e a divulgação do Orçamento do Estado, a comunicação entre este Sindicato e o Ministério da Administração Interna tem decorrido com normalidade e sempre com abertura por parte da tutela para receber os nossos representantes. NOVA MINISTRA DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA CONSTANÇA URBANO DE SOUSA NA TUTELA DA PSP
  • 8. 6  |  o crachá  |  junho 2016 FIZEMOS HISTÓRIA O final do ano de 2014 e o início de 2015 acabaram por ser marcantes para os Profissionais da Polícia. Através da Comissão Coordenadora Permanente dos Sindicatos e Associações dos Profissionais das Forças e Serviços de Segurança, num esforço de união entre vários sindicatos da PSP levado a cabo pela ASPP/PSP, milhares saíram à rua para, no caso da PSP, exigir a saída da PSP da Lei 12-A e a aprovação de um novo Estatuto Profissional. MANIFESTAÇÕES DE 21 DE NOVEMBRO DE 2014 E 6 DE MARÇO DE 2015
  • 9. junho 2016  |  o crachá  |  7 Milhares de todo o país Foram milhares os Profissionais que, vindos de todo o país, quiseram marcar presença nas jornadas de luta, que viriam a ser essenciais para a saída da PSP da Lei 12-A, que com- parava os Polícias à restante Função Pública, esquecendo a especificidade da missão que está inerente a estes homens e mulheres. Um objetivo conseguido que, muito provavelmen- te, não teria o mesmo desfecho sem a enorme pressão que saiu das ruas. Por um Estatuto Profissional digno A luta por um Estatuto Profissional que correspondesse aos anseios dos Profissionais da Polícia foi constante ao longo da anterior legislatura. Sem nunca baixar os braços, a ASPP/PSP encabeçou esta exigência, como forma de corrigir alguns er- ros constantes no diploma que então vigorava. Negociações em contra-relógio Após as manifestações, o governo de então dispôs-se a ne- gociar um novo documento, o que não aconteceu de imedia- to. A demissão do ministro Miguel Macedo acabou por atra- sar o processo, que foi empurrado para o fim da legislatura e negociado com Anabela Rodrigues, a sua sucessora. As reu- niões foram longas e sucessivas, tendo em vista as eleições que viriam a realizar-se em Novembro de 2015. Estatuto aprovado Apesar de todos os contratempos, foi possível aprovar um Estatuto que, longe de ser perfeito e responder a todos os anseios da ASPP/PSP, corrigiu algumas das grandes injusti- ças que constavam no documento anterior. As questões re- lacionadas com a avaliação e a colocação nas posições remu- neratórias devidas, bem como a compensação pelo trabalho em dias feriado, são alguns dos aspetos positivos a realçar.
  • 10. 8  |  o crachá  |  junho 2016 Polémica dos combustíveis Um dos principais pontos que foi destacado pela ASPP/PSP e acabou por ter eco na imprensa, foi o facto de a verba destinada aos combustíveis cair cerca de 50 por cento, de 5 para 2,5 milhões de euros. Também por este facto, a ASPP/PSP contac- tou o Ministério daAdministração Interna, que acabou por reconhecer a diminuição da verba, mas ressalvou que houve um aumento de 13 milhões de euros na rubrica de aquisição de serviços, que pode ser canalizada para os combustíveis. Formação preocupa A diminuição das verbas para munições foi outra das questões que mereceu repa- ros da ASPP/PSP, dado essencial para a formação. Já na audição da ministra no âmbito da discussão do Orçamento do Estado, Constança Urbano de Sousa reve- lou que, dos 200 mil euros previstos nesta rubrica do orçamento da PSP para 2015, apenas foram utilizados 22 mil euros. Esta explicação acaba por ser preocupante, uma vez que a formação de tiro é uma das questões fundamentais na formação de todos os Polícias. Novos programas A ministra defendeu ainda a necessidade da criação de uma lei de programação para investimento nas instalações das Forças de Segurança, tendo em conta o es- tado em que se encontram algumas esquadras. A conclusão da transferência da Divisão de Trânsito da PSP do Porto, a Esquadra da Ribeira Grande e a Bela Vista foram alguns dos pontos apontados que necessitam de ser solucionados. Ao nível do fardamento, revelou que será criado um programa único online para que os profissionais de todo o país possam efetuar as compras através desta plataforma. ANÁLISE CAUTELOSA ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2016 A divulgação do Orçamento do Estado para 2016 mereceu uma análise da ASPP/PSP, que considera positivo o aumento da verba destinada à PSP, desde que esta venha a ser aplicada nas áreas de maior necessidade. O aumento em relação ao ano passado é de 24 milhões de euros, passando para um montante global de 689 milhões de euros em 2015 para 713 milhões em 2016.
  • 11. junho 2016  |  o crachá  |  9 UM DOCUMENTO HISTÓRICO HISTÓRIA DA ASPP/PSP NO LIVRO “FIZEMOS OS DIAS ASSIM” Prefácio de D. Januário D. Januário Torgal Ferreira, Bispo Emérito das Forças Ar- madas e de Segurança, concedeu-nos a honra não só de escrever o prefácio da obra, mas também de marcar pre- sença na sessão de apresentação do livro, com uma alo- cução contundente e repleta de apelos e alertas ao poder político, que se encontrava entre o público que marcou presença no evento. Um juiz de causas Bernardo Colaço é um veterano nas andanças do sindi- calismo. Tendo pertencido ao Sindicato dos Magistrados A 5 de Maio de 2015 foi lançado, na Biblioteca da Assembleia da República, o livro “Fizemos os dias assim”, da autoria de Pedro Prostes, com a importante contribuição de Bernardo Colaço, Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, jubilado, que desde há muitos anos acompanha a atividade da ASPP/PSP. do Ministério Público, deu um contributo inestimável para a causa do direito ao sindicalismo na PSP, desde os tempos da clandestinidade até aos dias de hoje, em que nos brinda com o seu sempre valioso contributo, tendo as palavras que proferiu servido, mais uma vez, para que os presentes possam ter absorvido mais um pouco da sua sabedoria e da história deste Sindicato. Uma obra obrigatória No livro aborda-se, de forma sucinta, a história do sindicalismo na PSP, que se confunde com a história da ASPP/PSP. Desde os primórdios da sua cria- ção, da necessidade de democratizar a Instituição PSP e limpar a imagem re- pressiva das Polícia perante os cidadãos, fruto dos longos anos do fascismo, até às grandes manifestações de 2013 e 2014. O livro pode ser adquirido nas sedes da ASPP/PSP.
  • 12. 10  |  o crachá  |  junho 2016 Os dados referentes ao ano de 2015 apontam para 693 processos (disci- plinares, criminais e/ou sanidade) de acompanhamento a sócios e apoio à Direção da ASPP/PSP. Números que por si só são expressivos do volume de trabalho, mas igualmente da capacida- de que a ASPP/PSP tem vindo a de- monstrar no apoio aos seus Associados e que a torna cada vez mais uma orga- nização diferenciada. O ano de 2016 aponta para grandes desafios que o Gabinete Jurídico será chamado a dar resposta, essencial- mente pelas revisões legislativas que se avizinham. Já fomos chamados a pronunciar-nos sobre o anteprojeto do Regulamento Disciplinar da PSP, que, após análise, remetemos parecer à Direção da ASPP/ PSP com nota predominantemente ne- gativadado tratar-se de um documento que não reflete o mínimo de legalidade, proporcionalidade e justiça, pretenden- do a ASPP/PSP defender os direitos e interesses dos seus associados. GABINETE JURÍDICO Rui Silva O Gabinete Jurídico da ASPP/PSP constitui um dos pilares de investimento do sindicato. Os serviços que é chamado a prestar aos Associados e à Direção da ASPP/PSP são um dos espelhos da organização, mas são igualmente um claro sinal da importância deste gabinete. Na calha, está também a revisão da Portaria que regulamenta a admissão ao curso de Chefes de Polícia. Prevê-se ainda que sejam objeto de revisão a Lei Orgânica da PSP e a Lei de Organiza- ção da Investigação Criminal, diplomas que revestem especial importância no funcionamento das forças e serviços de segurança. Numa atitude proativa, o Gabinete Ju- rídico aponta como objetivo para 2016, contribuir para uma regulamentação e clarificação da situação profissional dos Polícias com deficiência. A par deste objetivo, não perderemos a linha da defesa dos nossos Associados, mas igualmente de uma ação presti- giante da ASPP/PSP e da própria Po- lícia de Segurança Pública.
  • 13. junho 2016  |  o crachá  |  11 GABINETE DE AÇÃO SOCIAL Nesse sentido, a ASPP/PSP apostou em criar um Gabinete de Ação Social, para dar apoio aos Profissionais da PSP e às suas famílias, em diversas áreas. Como todos os processos que nas- cem de raiz, foram necessários vários ajustes iniciais, sendo o programa de troca de livros escolares e a ajuda na renegocia- ção de dívidas particulares os pontos fulcrais para o seu lan- çamento. Foram programas que deram um impulso essencial para a divulgação do Gabinete entre todos os Associados e o efetivo policial em geral. Novos projetos A necessidade de aumentar o leque de respostas a dar por este Gabinete foi sendo ajustada, pelo que, através de con- tactos efetuados com diversas entidades, foi possível avançar com a preparação de alguns estudos que abordam a temática dos suicídios, em parcerias com diversas entidades externas. Ano negro O ano de 2015 ficou marcado pelo acentuar de um drama que vem assolando a instituição PSP. No ano passado, o suicídio voltou a assumir proporções dramáticas, que fez soar as cam- painhas de alarme tanto na Direção Nacional da Polícia, como no Ministério daAdministração Interna. Foi nesse sentido que a ASPP/PSP, através do Gabinete deAção Social, contribuiu para a elaboração do Plano de Prevenção dos Suicídios nas Forças de Segurança, como forma de adequar o plano elaborado em 2008, que mereceu fortes críticas do nosso Sindicato, por ter sido considerado insuficiente para a dimensão do drama. AO SERVIÇO DE TODOS A deficiência na PSP A forma como se aborda a questão dos Profissionais da PSP com defi- ciência ou incapacidade está também a merecer a atenção da ASPP/PSP, através do Gabinete de Ação Social. A ASPP/PSP considera que há ainda um longo caminho a percorrer para a in- tegração destes Profissionais na vida da Polícia. 111 Polícias com deficiência ou incapacidade De acordo com um inquérito levado a cabo pela ASPP/PSP há, atualmente, 111 Polícias com deficiência ou incapa- cidade no ativo. Destes, 14 possuem um grau de incapacidade superior a 60 por cento. Identificar necessidades O inquérito efetuado permitiu ainda identificar uma série de necessidades para estes homens e mulheres, que todos os dias se deparam com barrei- ras para o exercício da sua atividade profissional, muitas vezes, questões que, por lei, não deveriam representar quaisquer entraves. No entanto, há aindavazios legais que importa preen- cher com medidas que permitam a completa integração destes Profissio- nais na profissão que abraçaram. Rumo definido É com este tipo de iniciativas que a ASPP/PSP pretende chegar a to- dos os Profissionais, sem exceção, de modo a que todos possam, em pé de igualdade e de acordo com a suas possibilidades, desempenhar a mis- são que decidiram abraçar. Quando o projeto estiver concluído, será apre- sentado às entidades competentes para que sejam tomadas as medidas necessárias de elementar justiça para estes Polícias. O Gabinete de Ação Social da ASPP/PSP surgiu em 2013, numa altura particularmente grave para os Profissionais da Polícia. Os cortes salariais, o agravamento das condições de vida e a dura crise que se abateu sobre o país, arrastando consigo milhões de portugueses, foi particularmente sentida entre os Profissionais da Polícia. 5 2005 5 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2 4 5 3 7 1 2 5 7 3* Suicídios na PSP * Dados até à data de publicação da revista
  • 14. 12  |  o crachá  |  junho 2016 N o entanto, apesar de todo o progresso e evolução verificados, a verdade é que um grande número de trabalhadores permanece ainda exposto a ní- veis inaceitáveis de fatores de risco profissional, sendo vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissio- nais, que acarretam perda da capacidade de trabalho e enor- mes custos humanos e financeiros. De facto, os acidentes de trabalho e as doenças profissio- nais têm um forte impacto, não apenas na economia nacional mas, também, no desempenho das organizações, com efei- tos económicos e sociais extremamente negativos. Ora, a prevenção de riscos profissionais e a promoção de condi- ções seguras e saudáveis nos locais de trabalho são fatores es- senciais para a sustentabilidade das empresas e organizações. Na verdade, potenciam o bem-estar físico e psíquico dos tra- balhadores, a motivação, a redução dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, assim como a redução do absentismo. Integrar a prevenção de riscos profissionais na gestão e tornar a segurança e saúde no trabalho uma prioridade, constitui, pois, pressuposto do aumento da produtividade e da compe- titividade das organizações, contribuindo para o aumento da qualidade dos serviços prestados, com reflexos na imagem das organizações, assim como na satisfação dos utentes. E porque a qualidade de vida no trabalho constitui um im- portante e imprescindível fator de desenvolvimento, o orde- namento jurídico português reservou à matéria de segurança e saúde no trabalho um relevo particularmente significativo. Trabalhar em condições de segurança e saúde constitui, de facto, um direito fundamental de todos os trabalhadores. Para efetivar tal direito é essencial promover a informação, for- mação e o envolvimento ativo de todos os atores laborais e sociais – empregadores, trabalhadores, suas organizações re- presentativas, assim como a sociedade em geral -, por forma a criar competências e interiorizar comportamentos adequados. Grande parte da nossavida ativa é passada no trabalho. Daí ser imprescindível que o nosso local de trabalho seja um ambiente seguro e saudável. E todos somos responsáveis por isso. A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) é um ser- viço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa. Tem por missão a promoção da melhoria das condições de trabalho, através da fiscalização do cumprimento das normas em matéria laboral e do contro- lo do cumprimento da legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, bem como a promoção de políticas de preven- ção dos riscos profissionais. A ACT, por força da missão e atribuições que lhe estão legal- mente cometidas, cultiva um conjunto de valores associados à promoção da segurança, saúde e bem-estar no trabalho e da garantia de elevados padrões de cumprimento dos normativos SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO: UM DIREITO DE TODOS A Segurança e Saúde no Trabalho representa uma matéria fundamental no sucesso de qualquer empresa ou organização. Trata-se de uma área determinante na vida de uma organização e da sua principal fonte de energia que são, afinal, as pessoas.
  • 15. junho 2016  |  o crachá  | 13 em matéria laboral, no quadro de uma globalização justa e de desenvolvimento sustentável e de igualdade de oportunidades. Com a entrada em vigor, em 1 de agosto de 2014, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) – Lei n.º 35/2014, de 20 de junho -, é aplicável ao vínculo de emprego público o disposto no Código do Trabalho e respetiva legislação com- plementar com as exceções legalmente previstas, nomeada- mente em matéria de promoção da segurança e saúde no trabalho, incluindo a prevenção. Na sequência da entrada em vigor do referido diploma legal, a competência para a fiscalização e controlo da segurança e saúde no trabalho dos serviços e organismos públicos, in- cluindo a prevenção, que se encontrava cometida à ACT na sua função de inspeção do trabalho, transitou para as ins- peções-gerais dos ministérios das tutelas respetivas e, em qualquer caso, para a Inspeção-Geral de Finanças. Essa transferência das competências de natureza inspetiva e fiscalizadora não atingiu, no entanto, as demais compe- tências da ACT de promoção de políticas de prevenção dos riscos profissionais em todos os setores de atividade econó- mica, incluindo a Administração Pública. Refira-se que a LGTFP não é aplicável, entre outros, aos mi- litares das Forças Armadas, aos militares da Guarda Nacional Republicana e ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, cujos regimes constam de lei especial. Ora, a fiscalização e controlo do cumprimento da legislação é uma componente indispensável de qualquer sistema nacio- nal de segurança e saúde no trabalho. Na realidade, de nada serve dispor de uma panóplia de polí- ticas, sistemas ou programas bem concebidos, bem como de legislação, e mesmo de sanções para o seu incumprimento, se não existir uma aplicação efetiva dessa legislação. Daí a necessidade de um exercício eficaz da ação inspetiva tendo em vista o controlo e verificação das normas relativas à segurança e saúde no trabalho. É essencial a sensibilização com o fim de motivar para um melhor e mais eficaz cumprimento das normas legais e asse- gurar uma cultura de segurança nos locais de trabalho. Promover níveis de segurança e saúde no trabalho elevados deve continuar a ser o trilho por onde caminhar para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos no trabalho e da sociedade como um todo. A prevenção constrói-se com a participação de todos. Todos têm direito a prestar trabalho em condições que respeitem a sua segurança e saúde. E há que garantir a efetividade desse direito. Paula Sousa Técnica Superior da Autoridade para as Condições do Trabalho
  • 16. 14  |  o crachá  |  junho 2016 E fetivamente, não podemos negar que, as especifi- cidades próprias da atividade policial afastam, em certa medida, determinadas disposições legais em matéria de SST, como prevê a própria diretiva Qua- dro 89/391/CEE, diretiva comunitária que enquadra a legis- lação nacional em matéria de SST. Nesta medida, a Diretiva Quadro prevê a sua não aplicação “sempre que se lhe opo- nham de forma vinculativa determinadas particularidades inerentes a certas atividades específicas da função pública, nomeadamente das forças armadas ou da polícia, ou a ou- tras atividades específicas dos serviços de protecção civil”. No entanto, é a própria diretiva quadro que refere a necessi- dade de se “zelar por que sejam asseguradas, na medida do possível, a segurança e a saúde dos trabalhadores, tendo em conta os objetivos da presente diretiva”. Ou seja, a Diretiva não afasta completamente o Regime da Segurança e Saúde no Trabalho no que concerne à atividade policial. Antes, exige uma adequação da mesma, tendo em conta a natureza específica da atividade. Nem poderia ser de outra forma! A não aplicação de medidas de segurança e saúde no trabalho, no âmbito da atividade policial, faz incor- rer os seus responsáveis em violações tão graves como: 1. A violação do Principio da Igualdade previsto no ar- tigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa – ou seja, porque razão, aos agentes policiais teria de ser dado um tratamento diferente daquele que é garantido a todos os outros trabalhadores, sempre que tal tratamento não coloque em causa a presta- ção do trabalho policial? 2. A violação dos Direitos dos Trabalhadores previstos no artigo 59.º/1 da Constituição da Republica Por- tuguesa – ou seja, a Constituição não prevê qual- quer derrogação nesta matéria, porque razão não deveria este artigo abranger o trabalhador da Insti- tuição Policial? É, contudo, nesta situação que nos encontramos. De facto, a realidade é que, tal como sucede um pouco por toda a Admi- nistração Pública, também nas polícias, e em especial na PSP, encontramos múltiplas violações dos direitos dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de Segurança e Saúde. SEGURANÇA E SAÚDE NA ATIVIDADE POLICIAL O contexto atual da PSP e das Polícias, em geral, no que respeita às condições de trabalho e, mais especificamente, às condições de Segurança e Saúde no Trabalho, estende-se a toda a Administração Pública, não constituindo, por isso mesmo, uma exceção. Contudo, quando adicionadas as especificidades próprias da actividade policial, o contexto geral, a que nos referimos, ganha contornos ainda mais graves e inaceitáveis face ao que é exigível num estado de direito democrático, regido por princípios humanistas, como o Princípio da Proteção Dignidade da Pessoa Humana, o Princípio da Igualdade de Tratamento, ou as várias dimensões que integram os Direitos dos Trabalhadores na Constituição da República Portuguesa.
  • 17. junho 2016  |  o crachá  |  15 Esta situação é, já de si, suficientemente grave, quando abor- dada numa perspetiva geral. Mas quando adicionamos os ris- cos próprios de uma atividade tão exigente como a ativida- de policial, devemos questionar-nos se a forma como estão garantidas, na prática, as condições de trabalho dos agentes policiais, são aptas a garantir, por sua vez, que estas pessoas estejam na melhor da sua condição física, psíquica ou social para poderem proteger o cidadão comum de todas as amea- ças que incidem sobre a sua segurança. Não tenhamos dúvidas. A obrigatoriedade de garantir condi- ções de segurança e saúde no trabalho encontra a sua natu- reza profunda no facto de “o trabalho” ser prestado por “um ser humano”. Nesse sentido, toda a lógica de implementação de medidas de segurança e saúde no trabalho encontra fun- damento, entre outros, nos seguintes fatores: 1. É fundamental garantir que os efeitos materiais do trabalho (fatores de insegurança, equipamentos de trabalho, processos de trabalho, etc.) não compor- tam efeito nocivo para o trabalhador; 2. É fundamental garantir que o ambiente e espaço de trabalho assegura as condições de habitabilidade necessárias à integração de “um ser humano” com todas as exigências decorrentes da necessidade de assegurar a proteção da sua dignidade humana; 3. É fundamental garantir que o trabalhador se en- contra na plenitude da sua capacidade física, men- tal e social (a tripla aceção do conceito de saúde da OMS), de forma a poder corresponder de for- ma adequada às solicitações próprias da atividade profissional que desenvolve. Ora, estes e outros fatores, por si só, reconduzem-nos a difíceis questões, principalmente, quando se trata da atividade policial. Conhecendo como se conhecem as instalações policiais um pouco por todo o país, o seu estado de degradação evidente, o estado obsoleto de muitos dos veículos à disposição dos agentes, as dificuldades colocadas na disponibilização de equipamentos de proteção e de trabalho, em geral, será que estas condições materiais são as mais aptas a assegurar que o trabalho policial é realizado com a melhor das eficácias? Ou, melhor, será que estas condições materiais garantem uma habitabilidade e integração saudável do “ser humano” que está por detrás de um agente policial? Será que o ambiente de conflito permanente entre as hie- rarquias, a insegurança provocada pelo ambiente psicosso- cial caraterístico de uma instituição como a policial, a incom- preensão de muitos dos cidadãos em relação às dificuldades com que se debatem os profissionais de polícia, asseguram o melhor dos ambientes psicossociais com vista à prestação do trabalho policial? Será que a inexistência ou a precária existência de técnicos ade- quados ao estudo, avaliação, inspeção, prevenção e integração de medidas de segurança e saúde no trabalho, garantem o efi- caz acompanhamento, promoção e vigilância da saúde física, mental e social dos agentes policiais, dotando-os das melho- res condições possíveis à prestação da sua atividade? Não nos enganemos! O número de suicídios verificados por en- tre agentes policiais no ano de 2015 constitui apenas a ponta de um icebergue. Um icebergue que esconde uma instituição policial pouco humanizada e pouco humanizadora. Uma insti- tuição policial que cada vez tem mais dificuldade em corres- ponder às exigências próprias do trabalho policial no século XXI. Os desafios que se colocam, atualmente, à atividade policial, com a integração de novas valências e novas funções, exi- gidas pelos condicionalismos atuais da (in)segurança global, como o combate ao terrorismo, ao crime organizado, etc., exigem respostas cada vez mais eficazes no que respeita à garantia de que os nossos agentes policiais usufruem das melhores condições possíveis. Só com as melhores condições de trabalho teremos as me- lhores condições de segurança pública. A exigência de con- dições adequadas de segurança e saúde na atividade policial não deve ser apenas uma reivindicação de todos os polícias, mas sim, de todos os Portugueses! Proteja-se primeiro, quem tem de nos proteger! Hugo Dionísio Jurista, Técnico Superior de SST PROTEGER PRIMEIRO QUEM TEM DE NOS PROTEGER!
  • 18. 16  |  o crachá  |  junho 2016 Lei protege trabalhadores “Os cuidados de saúde no trabalho são prestados pela es- pecialidade de Medicina no Trabalho e estão, nos termos do nosso sistema de saúde, enquadrados nos cuidados de saúde primários, isto é, devem ser de primeira linha, de proximidade, de elevada qualidade e capazes de coordenar de respostas integradas” afirmou o médico. De acordo com a lei, todos os trabalhadores têm direito à prestação de cuidados de saúde no seu local de trabalho, asseguradas pelo empregador. “Nas empresas com mais de dez trabalhadores, a prestação deste tipo de cuidados de saúde é da responsabilidade do empre- gador”, o que, no entanto, não se verifica numa instituição como a PSP, com mais de 20.000 profissionais. Tentativa de desvalorizar a medicina laboral Para este clínico, a tentativa do anterior governo de colocar os cuidados de saúde no âmbito da Medicina do Trabalho a serem prestados pelos médicos de Medicina Geral e Familiar (através de publicação de portaria em que os médicos não foram tidos nem achados) representava, ao mesmo tempo, uma desconsideração pelas competências próprias da Medi- cina do Trabalho, a sobrecarga laboral dos Médicos de Família e um desrespeito pela saúde ocupacional dos trabalhadores portugueses. Uma medida que contou com a frontal oposi- ção de todas as organizações médicas – sindicatos e Ordem - que consideraram que esta inqualificável postura do Mi- nistério da Saúde apenas prejudicava os Cuidados de Saúde Primários e os Doentes/Utentes. “A SAÚDE FÍSICA E PSICOLÓGICA DOS PROFISSIONAIS DA POLÍCIA DEVE SER ENCARADA COMO UMA PRIORIDADE” O Crachá esteve à conversa com Miguel Jeri, médico interno de Medicina Geral e Familiar, sobre a especificidade da missão da PSP e as consequências na saúde dos Polícias. Ficamos com a noção de que os Profissionais da PSP, fruto da sua missão, estão expostos não apenas a um risco aumentado de acidentes profissionais, mas também a fatores de risco que podem degenerar em patologias de vários tipos – osteoarticulares, cardiovasculares, metabólicas e psicológicas Abordagem específica para a PSP “Sendo a PSP um corpo com esta dimensão, e com particula- ridades próprias – falamos de trabalho por turnos, o peso do equipamento que não é menosprezável, os picos de adrena- lina; risco aumentado de acidentes de viação; risco aumen- tado de conflitos/agressões, trabalho à intempérie; etc., pa- rece-me que deveria haver uma abordagem específica para a PSP”, considerou Miguel Jeri. E continuou: “Se, por um lado, muitas das patologias decorrentes deste tipo de atividades não estão tipificadas como doenças profissionais pela Lei, tal não significa que estas doenças não existam e não possam assumir formas graves. A mesma abordagem diferenciada deve assistir à avaliação dos acidentes de trabalho, cujo risco é aumentado entre os polícias. A título de exemplo, num es- tudo recente entre profissionais do Comando Metropolitano de Lisboa, cerca de metade da amostra admitiu ter sofrido pelo menos um acidente de trabalho” (Andrea Passeira, 2011). Doenças clássicas Há várias patologias que podem ser consideradas clássicas entre os Profissionais da Polícia, devido ao facto de estarem muito tempo na mesma posição, seja em serviços em pé ou sentados. O caso agrava-se devido ao peso do equipamento, que pode atingir os 5kg, particularmente, com a utilização do colete anti-balístico exterior: “As lombalgias, mialgias, tendi- nites dos membros superiores, lesões dos meniscos (joelhos) e hérnias discais (na coluna) estão claramente mais associadas às profissões que implicam mais carga física, seja pelo movi- mento em esforço, seja por posições de trabalho em posição de tensão por períodos prolongados”, afirmou Miguel Jeri. Menos horas “Dos polícias que pude ver em contexto de consulta de me- dicina familiar, as principais queixas são ao nível do sono e da ansiedade, embora por vezes os sintomas depressivos pas- sem despercebidos. Ou dormem pouco, ou dormem tarde, ou têm os sonos desregulados devido ao trabalho por turnos”. O clínico advoga ainda que “deveria haver uma carga menor de trabalho à medida que vão progredindo na carreira. A aten- ção não é a mesma à medida que se envelhece. Os reflexos, a forma física, a própria tolerância ao conflito não é a mesma… Infelizmente, nestas e em muitas outras profissões, os salários são baixos e levam a que os próprios profissionais se sobre- carreguem com horas extra, agravando os seus próprios pro- blemas. A solução deve passar por medidas legais que mante- nham a remuneração diminuindo as horas de trabalho”, referiu.
  • 19. junho 2016  |  o crachá  |  17 Stress e ansiedade são catalisadores de outras doenças A ansiedade, os distúrbios do sono e a depressão, que levam, no limite, ao suicídio, são preocupantes para este médico, não só pelo quadro já de si grave, mas também pelas portas que abrem a outras doenças. “O stress constante, os picos de adrenalina e a ausência de um sono reparador estão en- tre os fatores de risco de desenvolver hipertensão. Esta, por sua vez está implicada em várias patologias cardiovasculares, destacando-se o enfarte agudo de miocárdio e o AVC como aquelas de maior mortalidade, mas a hipertensão também está associada a insuficiência cardíaca, a doença renal hiper- tensiva ou a retinopatia”. No entanto, ressalva, “o stress não provém apenas do ‘trabalho de campo’, mas também por parte da hierarquia, da burocracia, conflitos ou incertezas dentro da estrutura”. Depressão e risco de suicídio A questão da depressão merece ser analisada com todo o cui- dado, visto que o seu mais dramático desfecho é o suicídio. “São profundamente preocupantes os dados de um estudo de 2010 que revelou o suicídio como a principal causa de morte não natural entre os profissionais da PSP, sendo que 2/3 cor- respondiam a profissionais no ativo, revelando ainda que a ida- de média dos polícias é mais baixa que a da população em geral – apenas 69 anos (Caçador, 2010). Num outro estudo, de 2009, no âmbito da preparação do Plano de Prevenção do Suicídio nas Forças de Segurança, concluiu-se que ataxa de suicídio en- tre 2000 e 2005 se situou nos 11,3/100.000, e que em rigoro- samente todos haviam sido utilizadas armas de fogo. Estes são números que nos devem fazer reflectir sobre a prioridade que a saúde psicológica deve ter neste grupo profissional.” Atenção à medicação O consumo de ansiolíticos e antidepressivos tem de ser ad- ministrado com especial atenção quando estamos a falar de Profissionais da Polícia: “Há várias contra-indicações quando falamos deste tipo de medicamentos, que incluem, nalguns casos, a condução de veículos ou de máquinas. Aliás, os dis- túrbios ansiosos e depressivos são por si só capazes de di- minuir a atenção, a rapidez de resposta física e psicológica, a resiliência psicológica e capacidade de gestão de conflitos, e nos casos mais graves, até na cognição”, disse, alertando para as limitações que quer os distúrbios psicológicos, quer os efeitos laterais da terapêutica podem comportar também na qualidade do serviço prestado à população. Distúrbios metabólicos A alimentação desregrada nos horários e uma dieta desequi- librada, fruto dos horários por turnos, influem no risco de dia- betes, pelo que as medidas preventivas e sensibilizadores, mas também medidas que concernem à organização do tempo de trabalho, são importantes. De facto, no trabalho por turnos, “as refeições não têm a ordem padronizada. Com a desregula- ção do regime alimentar, o corpo é exposto ora a picos glicé- micos, ora a períodos prolongados de jejum, que combinados com outros fatores de risco (obesidade, sedentarismo, gené- tica) aumentam o risco de desenvolvimento de diabetes. De facto, numa meta-análise publicada em 2014 pela Occupatio- nal and Environmental Medicine e que combinava os dados de 226.500 doentes, foi encontrado um risco aumentado entre o trabalho por turnos e o desenvolvimento da diabetes”, referiu. Acompanhamento médico O acompanhamento médico regular deveria ser instituído, dadas as especificidades da profissão. “O foco deve ser, antes de mais, a prevenção primária – isto é, antes da doença estar instituída. Mais do que a mera prescrição de exames de roti- na, é necessária uma consulta regular, que permita ao médico, com toda a autonomia, decidir quais os exames pertinentes a fazer no superior interesse do doente/trabalhador, dentro das competências da especialidade respetiva”, afirmou. PERFIL Miguel Luciano Jeri Correia de Sá, 29 anos Médico Interno a frequentar o 3.o ano do internato em Medicina Geral e Familiar na USF S. João do Porto Mestre em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar - 2012 “Dos polícias que pude ver em contexto de consulta de medicina familiar, as principais queixas são ao nível do sono e da ansiedade, embora por vezes os sintomas depressivos passem despercebidos. Ou dormem pouco, ou dormem tarde, ou têm os sonos desregulados devido ao trabalho por turnos”.
  • 20. 18  |  o crachá  |  junho 2016 A ameaça terrorista centrou grande parte das inter- venções, mas as condições de trabalho dos Profis- sionais da Polícia, para que possa haver um combate efetivo a esse perigo, não foi esquecida. O painel de orado- res foi riquíssimo, com intervenções da ministra da Adminis- tração Interna, dra. Constança Urbano de Sousa; dr. Simas Santos, juiz conselheiro; dr. Bernardo Colaço, juiz conselheiro; dr. Hugo Dionísio, técnico superior de Saúde e Segurança no Trabalho; professor Manuel Loff, historiador; dr. Vasco San- tos, investigador, e Gerard Greneron, Presidente Honorário do Conselho Europeu de Sindicatos da Polícia. Entre os con- vidados estavam o Diretor Nacional da PSP, Superintenden- te-Chefe Luís Farinha, Maria Margarida Blasco, Inspetora- -Geral da Administração Interna e muitos outros convidados de diversas entidades. Paulo Rodrigues deixa alertas Na intervenção de apresentação do evento, o Presidente da ASPP/PSP deixou vários apontamentos críticos em rela- ção ao comportamento do poder político e da hierarquia da Instituição. E apontou questões concretas: “Como pode um polícia estar motivado quando a própria Instituição, em vez de criar oportunidades, cria entraves? Como pode um polí- cia lutar pela sua valorização, quando a Instituição o obriga a estar 16 anos no mesmo posto? Como pode um Polícia con- fiar na hierarquia quando, no seguimento de um pedido de transferência excecional perante um problema de saúde gra- ve, comprovado clinicamente e reconhecido pelos serviços da instituição, a resposta que os Recursos Humanos da PSP encontraram foi que comprasse casa junto do local de servi- “OS POLÍCIAS PORTUGUESES NO CENTRO DOS NOVOS DESAFIOS EUROPEUS” Teve lugar no dia 22 de Abril, em Lisboa, no auditório do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, a conferência subordinada ao tema “Os polícias portugueses no centro dos novos desafios europeus”, em que a ASPP/PSP se propôs a analisar o momento que vivemos no velho continente. CONFERÊNCIA 2016
  • 21. junho 2016  |  o crachá  |  19 ço? Situação que acontece com um colega, a trabalhar num Comando de Polícia e a viver num mais distante, e a quem as viagens estão proibidas clinicamente”. Desafio lançado Sobre as penalização que estão a ser aplicadas aos Profis- sionais que passam à situação de aposentado, um tema que tem feito correr muita tinta, Paulo Rodrigues foi peremptório: “De facto, se o problema está na complexidade da redação ou do seu entendimento, lançamos um desafio ao Governo: rea- justem-na para que não sirva simplesmente para que o justo e o legal não seja cumprido em, prejuízo dos Profissionais. Ministra da Administração Interna na abertura Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração In- terna, efetuou a Sessão de Abertura da Conferência, numa intervenção em que começou por manifestar abertura para “trabalhar com a ASPP/PSP no sentido de resolver uma sé- rie de problemas que são estruturais”. Para a ministra, há a “necessidade de melhorar a partilha de informação a vários níveis, através de mecanismos de cooperação”, mas realçou que “os polícias portugueses integram iniciativas ao mais alto nível, juntando o seu esforço aos polícias dos outros países”. A fechar, reconheceu ainda que “há muito a fazer para dotar a polícia de mais meios”, tendo manifestado o seu orgulho por estes “homens e mulheres que cumprem a sua missão, com meios e equipamentos desatualizados”, deixando cla- ro que, apesar do momento complicado que vivemos, há a “necessidade de criar um quadro legislativo e financeiro para colmatar falhas e é necessário valorizar a profissão através da formação”. Agilizar processos Para o juiz conselheiro Simas Santos, que centrou a sua in- tervenção no terrorismo, é essencial que haja uma efetiva partilha de informações a nível internacional e nacional, em articulação com a intervenção de todos os atores no plano da segurança. Para o juiz conselheiro, um dos principais focos de combate ao terrorismo à escala europeia tem de ser o com- bate à burocracia, como forma de agilizar processos que se eternizam e, muitas vezes, quando são aprovados, perderam o efeito desejado. Visão abrangente e mais meios Já o juiz conselheiro Bernardo Colaço optou por uma aborda- gem de reflexão sobre o terrorismo e as suas consequências: “A instabilidade gerada com a violência jamais pode ter um efeito positivo. Ânimos exaltados, medos e ódios incontidos, a ferocidade de vinganças e respostas opressivas, correm o risco de dar lugar a contra violências, fustigando e eliminando o que de mais belo existe na consciência social – uma vivência produtiva e não destrutiva”. Também ao nível dos Profissio- nais da PSP, e sobre esta mesma matéria, referiu ainda que o poder político tem “a obrigação fundamental de preparar a instituição policial, dotando-a de necessários e adequados meios materiais de atuação, com vista a assegurar neste caso uma tripla defesa: a da sociedade em geral, a do cidadão em especial e a do agente policial em particular. Nada pior para
  • 22. 20  |  o crachá  |  junho 2016 a eficácia operativa que um Agente de Polícia desmotivado. Impõe-se pois investir, através de uma formação de qualida- de e especializada, com condições de trabalho dignificantes e sobretudo por um estatuto remunerativo compensatório da sua atividade como de alto risco”. Especialista em SST critica ausência de fiscalização Hugo Dionísio, especialista em Segurança e Saúde no Trabalho do Gabinete de Estudos da CGTP, elencou várias questões que necessitam de ser revistas, nesta área. No que respeita à Polícia de Segurança Pública, foi referida a necessidade ur- gente da criação de legislação que permita haver fiscalização das condições laborais dos Polícias, para além do acompa- nhamento dos Profissionais a nível médico. Historiador apresenta perspetiva abrangente Para o historiador Manuel Loff, há a necessidade de evitar cair numa deriva securitária e apresentou uma perspetiva histó- rica do terrorismo, com uma análise factual e cuidada em re- lação ao momento que vivemos. Com exemplos de aconte- cimentos ao longo da história, tratou de desmontar algumas questões que nos são apresentadas como dados adquiridos e atraiu a atenção da audiência. Vasco Martins Santos defende cooperação O investigador Vasco Martins Santos considerou que é es- sencial, no caso do terrorismo, haver “interoperabilidade en- tre as Forças Armadas e os Serviços de Segurança”, com uma coordenação que permita articular os serviços, sempre que necessário, dentro das competências de cada organismo, conforme previsto na lei. Avisa ainda para a necessidade de vigilância na internet, com o controlo e o bloqueio de sites que façam a apologia do terrorismo. Para o investigador do ISCTE, o tratado europeu com a Turquia, que prevê o envio de refugiados para aquele país, a troco de dinheiro, é, tam- bém, condenável: “Há responsabilidade europeia nas guerras e, agora, fechamos as fronteiras e pagamos à Turquia para ficar com os refugiados”. Pelo Estado de Direito O Presidente Honorário do CESP, Gerard Greneron, consi- derou que o Estado de Direito tem de prevalecer, havendo ainda necessidade de encontrar um equilíbrio entre Direitos Humanos e segurança, o que ainda não foi conseguido pelas instituições europeias: “Os Estados têm pela frente o desa- fio de desenvolverem meios adequados para lutar contra o terrorismo garantindo, simultaneamente, que as medidas to- madas estão em conformidade com as regras em matéria de Direitos Humanos”. Audiência atenta As intervenções foram acompanhadas com bastante interes- se, suscitando várias questões parte de quem assistia à Con- ferência, confirmando a necessidade que havia de colocar estas questões em cima da mesa perante aqueles que, todos os dias, são a primeira face do combate ao crime.
  • 23. junho 2016  |  o crachá  |  21 Intervenção de Paulo Rodrigues O Presidente da ASPP/PSP, Paulo Rodrigues, realçou a necessidade de aprendizagem com o que foi todo o processo que levou aos acontecimen- tos da Praça do Comércio, mas também a luta que se seguiu pelo direito ao as- sociativismo e, mais tarde, ao sindicalis- mo na Instituição. Histórico do sindicalismo Bernardo Colaço, Juiz Conselheiro, uma das personalidades que não só acom- panhou o caminho para a constituição da ASPP/PSP como a conhecemos hoje, como teve também participação constante durante os anos da ativivi- dade clandestina, na década de 1980. Para este histórico do sindicalismo, é essencial prestar reconhecimento a esta Direção, mas também aos antigos pre- sidentes que assumiram os destinos do Sindicato, Joaquim Santinhos, José Carreira e Alberto Torres. O Juiz Con- selheiro considerou ainda preocupante o número cada vez maior de sindicatos que surge no seio da PSP, que pode afetar a credibilidade de um movimento NOS 27 ANOS DOS “SECOS E MOLHADOS” 21 DE ABRIL É FUTURO! criado com o sacrifício de muitos ho- mens e mulheres e corre agora o risco de ser desbaratado. Intervenções emotivas Vários Associados usaram da palavra para recordar os momentos vividos na- quele dia histórico, realçando sempre o trabalho realizado pela ASPP/PSP desde então. Uma das alocuções mais aplaudidas, acabou por ser a de José Fialho, sócio número três da ASPP/PSP, que marcou presença na cerimónia. Confiança e reconhecimento A ASPP/PSP pretende desta forma continuar a celebrar o 21 de Abril com toda a dignidade que merece, reconhe- cendo todos aqueles que, ao longo dos anos, vão acrescentando páginas ao historial riquíssimo que engrandecem, cada vez mais, este Sindicato. O dia 21 Abril foi mais uma vez assinalado pela ASPP/PSP, com o reconhecimento aos Associados que contaram 15, 20 e 25 anos de ligação ininterrupta a este Sindicato. Este é sempre um momento alto nas comemorações, mas, neste ano, contou com a presença de um Associado muito especial, José Fialho, sócio número três.
  • 24. 22  |  o crachá  |  junho 2016 A conformação da malha normativa que regula a pro- teção à paternidade e maternidade encontra, des- de logo, acervo constitucional, o que verdadei- ramente não surpreende se não ignorarmos que estes direitos «constituem valores sociais eminentes» (art.68.o da Constituição da República Portuguesa [CRP]). O regime jurídico de proteção da parentalidade encon- tra amparo em vários diplomas legais designadamente, no Código do Trabalho (revisto pela Lei n.o 7/90, de 12 de Fevereiro com as consequentes alterações, sendo a mais recente a operada pela Lei n.o 120/2015, de 1 de Setembro) que, preenche toda a subsecção IV (artigos 33.º a 65.º), com a proteção da parentalidade e os Decretos-lei n.o 89/2009, de 9 de Abril (“regulamenta a protecção na parentalidade, no âmbito da eventualidade maternidade, paternidade e adopção, no regime de protecção social convergen- te”) e n.o 91/2009, de 9 de Abril (“define e regulamenta a proteção na parentalidade no âmbito da eventuali- dade maternidade, paternidade e adoção do sistema previdencial e do subsistema de solidariedade”). Deli- mitado, ainda que não exaustivamente, o quadro nor- mativo onde se insere a proteção à parentalidade, mas suficiente para a situação que nos convidaram a expor e que passamos de seguida à sua descrição enunciativa. Decorria o ano de 2009, quando, no dia 15 de Junho, foi pu- blicado no Diário da República, 2.a Série, n.o 113, o Parecer n.o 92/2005, resultante do Conselho Consultivo da Procurado- ria-Geral da República (PGR) sobre os suplementos remune- ratórios a abonar ao pessoal da PSP e da GNR nos períodos de licença por maternidade ou paternidade, de amamentação e de assistência. Conforme se alcança desse Parecer, o Conselho Consultivo da PGR é claro ao defender que «As normas aplicáveis no âmbito da função pública sobre proteção da maternidade e da paternidade, que também regulam as faltas e licenças para assistência a familiares, são aplicáveis ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) e ao pessoal militar da Guarda Nacional Republica- na (GNR)». O Parecer sustenta, por isso, que os suplementos de comando e de patrulha, de turno (abonado ao pessoal da PSP) e de escala (pago à GNR) e de piquete, «são atribuídos não só quando ocorre prestação efectiva de serviço nessas condições, mas também em situações legalmente equiparadas a pres- tação de serviço por diplomas que disponham sobre férias, faltas e licenças». (artigo 68. o , n.o 3, da Constituição da República Portuguesa) A PROTEÇÃO DA PARENTALIDADE NA PSP “As mulheres têm direito a especial proteção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias.”
  • 25. junho 2016  |  o crachá  |  23 Esse Parecer reflete aquilo que há muito é prática na função pública e responde a um recurso hierárquico apresentado por uma profissional da PSP que exercia funções operacionais e que, em moldes simples, requereu à DN/PSP que fossem pa- gos os suplementos de turno, relativo ao período em que se encontrou de licença por maternidade e de patrulha, respeitan- te ao período em que esteve de dispensa para amamentação. Porém, apesar de esta situação ter sido objeto de uma orien- tação por parte da Conselho Consultivo da PGR, na qual também teve intervenção a Comissão para a Igualdade no Trabalho, que deliberou à luz do Código do Trabalho, que não deve haver cortes de direitos em casos de licença por gravi- dez de risco ou de maternidade e ainda do Parecer vindo de citar ter sido homologado pelo órgão da tutela, o certo é que volvidos estes anos todos, não existe ainda um procedimen- to uniforme na PSP. E, tanto quanto nos é dado a saber este comportamento da DN/PSP tem sido suportado no entendi- mento de que a atribuição daqueles suplementos (comando, patrulha, turno e piquete) tem como pressuposto o “exercício efetivo de funções”, o que, segundo o mesmo entendimen- to, não ocorre em relação ao período em que as profissionais se encontram nas situações atrás referidas. Porém, quanto a nós, este entendimento da DN/PSP claudica porque traduz errada interpretação e aplicação do direito. O Gabinete Jurídico da ASPP/PSP teve conhecimento de duas situações concretas, nas quais a PSP não tem assumido um procedimento uniforme quanto ao pagamento dos su- plementos e são elas: 1) quando a trabalhadora com uma gra- videz de risco tem que alterar as suas funções por estes mo- tivos e, 2) quando, com atestado médico a entidade patronal coloca a trabalhadora em funções adaptadas à sua condição, com dispensa do serviço noturno. Nestes dois concretos ca- sos há comandos da PSP onde as profissionais da PSP não recebem os suplementos acima mencionados e noutros re- cebem. Esta posição por parte da DN/PSP revela extrema desigualdade e injustiça no tratamento da mesma situação e, consequentemente, acarreta para as profissionais da PSP prejuízos de ordem financeira uma vez que, deixam de auferir os suplementos que auferiam antes de se encontrarem nas situações de gravidez de risco, com alteração das suas fun- ções e de dispensa do serviço nocturno, conforme acima re- ferido . Na generalidade das situações elencadas no Parecer n.º 92/2005, considerou-se nas conclusões 4.a , 5.a 6.a e 7.a , que devem ser atribuídos os suplementos remuneratórios duran- te o tempo de duração das correspondentes licenças. Por seu turno o art. 65.º do Código do Trabalho refere no n.o 1 que «Não determina perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição, e são consideradas como prestação efetiva de trabalho as ausências ao trabalho resultantes nomea- damente de licença em situação de risco clínico dispensa de prestação de trabalho no período noturno». Este regime aplica-se aos trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de contrato de trabalho em funções públi- cas ou de nomeação, por força do art. 22.º da Lei n.o 59/2008, de 11 de Setembro. Em relação aos trabalhadores que exer- cem funções públicas em regime de nomeação, como suce- de com o pessoal da PSP aplicam-se ainda as disposições dos art.85.º e 86.º, do mesmo diploma. Nos termos do art. 5.º do Estatuto do Pessoal com funções Policiais, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 243/2015, de 19 de Outubro, «Os polícias es- tão sujeitos aos deveres e gozam dos direitos previstos no presente decreto lei e demais legislação aplicável» e «Nas matérias não reguladas pelo presente decreto-lei, é aplicá- vel aos polícias o regime previsto para os demais trabalha- dores em funções públicas com vínculo de nomeação», Ora, se assim é, entendemos que, fora dos casos previstos no art. 35.º do C.T. (protecção na parentalidade através da atribuição de licenças, dispensas e faltas justificadas, situações que de- terminam a perda de retribuição e que são regulados nos ter- mos previstos na Lei n.o 4/2009, com as alterações operadas pela Lei n.o 10/2009, de 10 de Março, e ainda nos Decretos-lei n.o 89/2009 e n.o 91/2009, ambos de 9 de Abril), considera- -se que, perante o quadro legal que acima se referiu e face à imposição de o interpretar de acordo com as normas consti- tucionais sobre proteção da parentalidade, o teor do Parecer n.o 92/2005 e demais legislação acima invocada, entende-se que nas situações concretas que aqui nos referimos, a DN/ PSP não deve recusar o pagamento dos suplementos de co- mando, patrulha, turno (e piquete) às profissionais da PSP, que antes de uma gravidez de risco tem que alterar as suas funções por estes motivos e às profissionais da PSP que, com atestado médico, são colocadas pela entidade empregado- ra em funções adaptadas à sua condição de dispensada de serviço noturno, vinham auferindo os respetivos suplemen- tos até então, e sobre os quais efetuavam descontos para a Caixa Geral de Aposentações ou Segurança Social. Estas situações aqui relatadas acontecem na PSP e as resis- tências à sua superação acentuam uma tendência inaceitá- vel para a negação dos mais elementares direitos de quem exerce a função pública. São situações graves e sintomáticas do estado da nossa democracia. E, porque assim é, a DN/PSP deve adotar um procedimento uniforme com vista à igualdade de tratamen- to destas profissionais da PSP, estando a ASPP/PSP e o seu gabinete jurídico, como sempre, disponíveis para defender as suas associadas que, nestas situações não podem ser pena- lizadas pelo facto de serem mulheres sujeitas a gravidez e mais tarde mães que, têm o direito constitucional de educar os seus filhos em todas as suas vertentes, nomeadamente amamentação, aleitação e acompanhamento direto dos fi- lhos quando tenham de frequentar infantários. Sílvia Casteloa Advogada Coordenadora do Gabinete Jurídico da ASPP/PSP 1 Matéria que deve ser articulada com os aspetos específicos dos suplemen- tos em causa, mas que aqui não temos tempo para tratar. 2 De acordo com o que nos foi transmitido, apenas são indicadas estas duas situações porque em relação à dispensa para amamentação ou aleitamen- to, dispensa para consulta pré-natal, dispensa para avaliação para adopção o procedimento da DN/PSP tem sido uniforme.
  • 26. 24  |  o crachá  |  junho 2016 O terrorismo que ensombra a Europa, não constitui uma nova ameaça, limitando-se a inovar apenas ao nível tático, com utilização dos novos meios disponíveis. Deixou de ter um caráter interna- cional alinhado e centralizado, para usar como veículo redes autónomas mais difusas e descentralizadas, compostas por células de indivíduos descontentes, muitas vezes pertencen- tes às comunidades-alvo, conhecedores do modo de vida ocidental. Fazem um intenso uso da Internet e das tecno- logias de informação, não só para difundirem o seu discurso de ódio, mas sobretudo para promoverem a radicalização de indivíduos descontentes ou revoltados com as suas próprias condições de vida, vindo a ser facilmente recrutados como combatentes de organizações terroristas, como o Daesh, os vários ramos da rede Al-Qaeda, ou a Frente Al Nusra na Síria. A Resolução do Parlamento Europeu sobre medidas de com- bate ao terrorismo indica que “mais de 15.000 homens e mu- lheres provenientes de mais de 80 países de todo o mundo, incluindo um número estimado entre 3.500 e 5.000 cida- dãos da UE que abandonaram as suas casas para se con- verterem em combatentes estrangeiros com a eclosão da guerra e da violência na Síria, Iraque e Líbia, o que coloca um enorme desafio à segurança dos cidadãos da UE”. A Europa procura combater as três principais formas de atua- ção atualmente empregues pelas organizações terroristas: I. O aproveitamento das comunidades locais islâ- micas, através da infiltração de doutrinadores nos estabelecimentos de ensino, estabelecimentos pri- sionais, centros religiosos e comunitários, visando a disseminação da mensagem de ódio extremista e o recrutamento. II. A utilização das tecnologias de informação dispo- níveis, principalmente das redes sociais da internet, como veículo de comunicação e propagação do seu discurso extremista de incentivo ao ódio e à violência, potenciando o recrutamento. III. A utilização dos chamados “combatentes estrangei- ros”, muitas vezes cidadãos europeus que se deslo- cam do seu país de residência ou de nacionalidade para integrarem as fileiras das organizações terroris- tas e que poderão eventualmente regressar à Europa. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Setembro de 2014, aprovou a resolução 2178 que prevê a transposição para a legislação nacional de medidas de criminalização de tentativas de viajar ou de organizar viagens para o estran- geiro, com o propósito de juntar a uma organização terroris- ta. Prevê também que os Estados exijam às transportadoras aéreas, a operar no seu território, que concedam o acesso às listas de passageiros e que os países partilhem informações. Com a Resolução do Parlamento Europeu sobre medidas de combate ao terrorismo aprovada a 4 de Fevereiro de 2015, a UE procura responder àquelas questões, estabelecendo um “pacto de luta antiterrorismo”, que abranja de forma glo- bal a desradicalização, o desenvolvimento da coesão social e a inclusão, procurando facilitar a reintegração, promover a tolerância religiosa e política, a mitigação do incitamen- to à prática de atos terroristas, prevenindo as deslocações com vista ao ingresso em organizações terroristas, o recru- tamento e a participação em conflitos armados, fazer cessar o apoio financeiro àquelas organizações e dotar as autorida- des judiciais das ferramentas necessárias para aplicar a Lei, no estrito respeito pelos Direitos Fundamentais. Este pla- no reparte-se por 4 linhas de acção: campanhas, controlo, coordenação, cooperação. Nas relações com a comunidade propõe-se o fomento de campanhas de desradicalização, com vista a reforçar os laços com as comunidades locais impedindo a disseminação de mensagens radicais, implementando estruturas e processos de desradicalização, contraditando diretamente as mensa- gens de incitamento ao ódio, opondo-lhes alternativas posi- tivas. Em simultâneo promover o diálogo com a comunidade muçulmana, de modo a combater a propaganda fundamen- talista e identificar terroristas que aí se encontrem infiltrados. Também se propõem medidas de isolamento geral dos is- lamitas radicais nos estabelecimentos prisionais e a melho- ria dos seus sistemas administrativos, com vista a facilitar a detecção de reclusos que possam estar envolvidos na pre- paração de atos terroristas. Para isso os Estados-Membros deverão cooperar diretamente ou através das agências com- petentes, partilhando as melhores práticas nesta matéria. Afirma-se a necessidade de uma coordenação eficaz na res- posta imediata à ameaça dos designados “combatentes es- trangeiros”, pela adoção de medidas comuns como “retirar os passaportes europeus em caso de dupla nacionalidade, confiscar os passaportes por determinado período, sinalizar os documentos dos terroristas, reintroduzir as autorizações de viagem para menores, reforçar os procedimentos penais, criar uma lista negra de terroristas europeus e de suspeitos de terrorismo”, combater o tráfico de armamento e a utiliza- ção fraudulenta de identidade e identificar zonas de risco. A luta contra o tráfico de seres humanos é considerada prio- ritária, devendo prosseguir as investigações dessa atividade como fonte de financiamento das organizações terroristas. A Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assun- tos Internos, competente nesta matéria, deve iniciar rapida- mente os trâmites legislativos e de aprovação da Diretiva da UE relativa ao Registo Europeu de Identificação de Passagei- ros, proposta pela Comissão em 2011. AO TERRORISMO JIHADISTA A RESPOSTA EUROPEIA
  • 27. junho 2016  |  o crachá  |  25 Verificamos aqui um esforço no sentido de preservar a liber- dade de circulação no espaço Schengen, considerado um dos legados mais importantes da construção europeia; e em simultâneo prevenir a circulação de terroristas, reforçando o controlo de fronteiras e dos documentos de viagem. Mas estas medidas não resolvem o problema dos terroristas que regressem de forma clandestina ou que já se encontrem em solo europeu, algo que só parcialmente será colmatado atra- vés do reforço das relações com as comunidades locais. Quanto à cooperação internacional, propõe-se implementar “todos os instrumentos adequados para um maior intercâm- bio de informações e uma cooperação mais estreita entre as diversas agências com os nossos aliados mais importantes, como os EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia”, reforçar a cooperação na luta contra o terrorismo com os países de origem, de trânsito e de destino, dos “combatentes estran- geiros” e dos recursos para os apoiar, como os Balcãs ociden- tais, a Turquia, os países do Golfo e do Magrebe, através de uma partilha reforçada das informações e dos ensinamentos adquiridos, para combater o tráfico de armamento, rastrear o financiamento ao terrorismo e desenvolver uma nova es- tratégia para combater o extremismo radical. A UE deverá também promover uma parceria global contra o terrorismo que envolva os actores regionais, como a União Africana, o Conselho de Cooperação do Golfo e a Liga Árabe, em espe- cial com os países vizinhos da Síria e do Iraque, bem como com o comité de combate ao terrorismo das Nações Unidas. É declarada a necessidade de reforçar a eficácia e coorde- nação da resposta da justiça penal através do EUROJUST, de harmonizar a criminalização dos delitos respeitantes aos combatentes estrangeiros na UE, de fornecer um quadro ju- rídico que facilite a cooperação transfronteiras, evite lacunas na ação penal e resolva questões de ordem prática e jurídi- ca na recolha e admissibilidade dos elementos de prova nos processos relacionados com terrorismo, através da atualiza- ção da Decisão-Quadro 2008/919/JAI. A EUROPOL deverá ter a competência de identificação e promoção da remoção de conteúdos ilícitos de natureza ex- tremista ou terrorista. Deve ser criada de uma plataforma europeia de luta contra o terrorismo, no âmbito da EURO- POL, a fim de potenciar o intercâmbio operacional, técnico e de informações e criar um sistema europeu de deteção de financiamento ao terrorismo. Em Portugal, o anterior Governo Português aprovou a desig- nada “Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo”. Defi- nida como um “compromisso de mobilização, coordenação e cooperação de todas as estruturas nacionais, com responsa- bilidade direta e indireta na luta contra esta ameaça”. Esta estratégia está estruturada em cinco chamados “objec- tivos estratégicos”: detectar, prevenir, proteger, perseguir e responder. A estratégia apresentada acentua a importância da cooperação e coordenação em todas as linhas de ação propostas. Em síntese, propõe-se o reforço das estruturas responsáveis pela produção, coordenação e partilha de informações; pro- curando garantir uma partilha eficiente de informações en- tre as forças e serviços de segurança ou outras entidades, no âmbito das respetivas competências, a nível nacional, europeu e internacional; assegurar uma efetiva cooperação entre o Sistema de Informações da República Portuguesa e o Sistema de Segurança Interna; o aprofundamento da coo- peração, coordenação e interoperabilidade entre as Forças Armadas e as forças e serviços de segurança e emergência. Estabelece-se o estreitamento das relações com as comuni- dades, combatendo a exclusão social e monitorizando situa- ções propensas ao recrutamento no seio dessas mesmas co- munidades; promover a remoção ou bloqueio de conteúdos extremistas na internet. Prevê-se o aperfeiçoamento do sistema de controlo de fron- teiras e deslocações, permanência e saídas do território na- cional e reafirma a necessidade do estreitamento da coope- ração internacional. Deverão ser reforçados os procedimentos de recolha de prova, fortalecer o Sistema Integrado de Informação Criminal e esta- belecer a articulação entre as autoridades judiciárias, as enti- dades bancárias e financeiras e as forças e serviços de segu- rança, envolvidas no combate ao financiamento do terrorismo. A par destes objetivos, referem-se planos de ação especí- ficos: o Plano de Ação de Prevenção da Radicalização e do Recrutamento para o Terrorismo; a manutenção do Plano de Ação Nacional contra Ataques Nucleares, Biológicos, Quími- cos e Radiológicos; o Plano de Ação para a Proteção e Au- mento da Resiliência das Infraestruturas Críticas, nacionais e europeias; implementar o Plano de Ação Nacional para a Proteção contra as Ciberameaças, integrado numa estraté- gia nacional de cibersegurança; e dar cumprimento ao Plano de Articulação Operacional, com vista à coordenação e inte- roperabilidade de sistemas e de equipamentos, serviços de proteção civil, emergência médica e Forças Armadas. A “Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo” transpôs para o ordenamento jurídico nacional as orientações propos- tas na Resolução do Parlamento Europeu sobre medidas de combate ao terrorismo. Mas os recentes ataques terroristas de Paris e Bruxelas evidenciaram que na realidade as medi- das propostas pela Resolução, não foram implementadas e a Europa é surpreendida pela sua própria ineficácia, revelando uma enorme falta de capacidade política de implementação de medidas de Segurança e Defesa entre os seus membros. Acresce que estas medidas visam apenas combater os efei- tos e as causas da ameaça só poderão ser combatidas atra- vés de uma “comprehensive approach” consequente e eficaz. E só será eficaz com o empenhamento da generalidade da comunidade internacional. Vasco Martins dos Santos Investigador
  • 28. 26  |  o crachá  |  junho 2016 Os dois ataques de 22 março de 2016, em Bruxelas, e os de novembro e janeiro de 2015, em Paris ou em Copenhaga, lembram-nos que o perigo é real e que nenhum país pode considerar-se um santuário para esta ameaça. África também pagou um preço elevado pelos ataques em Bamako, Mali, Ouagadougou, no Burkina Faso, ou Grand- -Bassam, no Senegal, para não mencionar as muitas vítimas contadas no Iraque, Síria e Líbia. Apesar dos níveis de segurança terem sido especialmente re- forçados (estado de emergência ou Plano Vigipirate, etc.) ob- servamos, lamentavelmente, que é difícil combater os ataques perpetrados por indivíduos extremamente determinados e prontos para morrer, que se transformam em “bomba humana”, que resistem até à morte quando a polícia chega para os deter. Face a estes atos que semeiam terror e fazem subir o sen- timento de desconfiança e medo que, por via da violência, coloca “uns” contra “outros”, é importante analisar, através do prisma dos Direitos Humanos, as medidas que deverão ser to- madas para contrariar este fenómeno. A comunidade internacional ainda está à procura de uma defi- nição política unânime contra o terrorismo. As Nações Unidas qualificam, commumente, como terroristas os atos violentos contra civis e que têm objetivos políticos ou ideológicos. Os Direitos Humanos são definidos como valores universais e garantias legais que visam proteger indivíduos e grupos con- tra ações e omissões de ataques a liberdades fundamentais, direitos e dignidade do ser humano. Notamos que os atos terroristas têm uma influência impor- tante sobre os Direitos Humanos. São uma violação de mui- tos direitos, incluindo aquele que é considerado a fonte de todos os direitos: o direito à vida, o direito humano mais fun- damental de todos e aquele que condiciona o exercício de todos os outros. DIREITOS HUMANOS Os ataques sangrentos cometidos recentemente em várias capitais europeias e africanas, foram todos reivindicados pelo movimento islâmico radical, que se identificam sob os nomes de Estado Islâmico (Daesh), Al-Qaeda no Magrebe e Boko Haram. Assim, essas ações terroristas violam o direito à liberdade e à integridade física, o Estado de direito, as regras que regem os conflitos armados, proteção de civis, a tolerância entre os povos e nações, bem como a liberdade de consciência e de pensamento. Assim, os Estados têm pela frente o desafio de desenvolverem meios adequados para lutar contra o terrorismo, garantindo, simultaneamente, que as medidas tomadas estão em confor- midade com as regras em matéria de Direitos Humanos. O Estado deve também avaliar o custo político destas deci- sões. Algumas medidas podem ser consideradas, por alguns, como demasiado restritiva das liberdades individuais, como por exemplo, relacionadas com as liberdades de movimento, reunião ou de manifestação. Por outro lado, se essas restrições não são estabelecidas e ocorrem outros ataques, o Estado será responsabilizado pela opinião pública por falta de antecipação, ou seja, pela sua ir- responsabilidade. É por isso que o ponto de equilíbrio se torna difícil de encon- trar e é ainda muito frágil comparado com a essência do ter- rorismo, que é a de semear medo e dúvida usando as falhas das sociedades democráticas. São as nossas sociedades que devemos proteger e preservar os seus valores. Valores que se opõem ao controlo absoluto e ao pensamento único, valores que dão a todos os cidadãos o gozo de amplas liberdades que só um verdadeiro Estado de Direito pode proporcionar e preservar. Uma única palavra de ordem: Resistir! Gérard Greneron Presidente Honorário da Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia CONTRA-TERRORISMO
  • 29. junho 2016  |  o crachá  |  27 A ASPP/PSP decorrente da sua dimensão e ligações internacionais e atenta ao flagelo terrorista noutras latitudes, através do seu órgão de informação - O Crachá - contactou Lassad Kchaou, Presidente do Sindicato da Tunísia - SFDGUI. Este alto dirigente registou um breve, mas elucidativo, retrato, tanto do impacto doterrorismo naquelaregião, bem como su- blinhou as preocupações daquela estrutura sindical. Segundo a ideologia jihadista dos terroristas do DAESH, a vida é um teste com duração limitada, em que eles devem praticar ações que lhes garantam lugar no paraíso eterno. Contudo, estão convenci- dos de que morrer como mártires numa missão “di- vina” lhes permitirá encurtar essa primeira etapa. Na Tunísia, estes terroristas têm como objetivo consti- tuir à força um Estado próprio, atacando os quartéis e postos de polícia; os agentes das forças de segurança e os seus familiares são os únicos aserem considerados alvos (ataques direcionados). Neste clima de ameaça, a intervenção sindical do SFDGUI deve prevalecer, a fim de assegurar-se um clima mais seguro e estável. Como se manifesta, então, esta ação sindical a fim de lutarcontraoterrorismo naTunísia? Protegero agen- te policial, desenvolver a administração e reforçar o Estado são os fundamentos sindicais do SFDGUI. Proteção do agente policial –› Melhorar a situação financeira dos agentes, espe- cialmente dos que estão mais expostos às amea- ças terroristas (agente de informação geral, in- tervenção anti-terrorismo e agentes de proteção fronteiriça terrestre e marítima), com a assinatura entre sindicato e governo, em janeiro de 2016 –› Dar apoio e assistência aos agentes numa crise terrorista (Bardo, Ben Guerden) MISSÃO DO SINDICATO DE POLÍCIA FACE ÀAMEAÇA TERRORISTA NA TUNÍSIA –› Garantir assistência às famílias dos polícias mortos através da im- plementação de medidas do Estado para as proteger (ex. contratar um dos membros da família, garantir habitação para os filhos, dar apoio psicológico) –› Apoio aos agentes feridos –› Levar a cabo atividades culturais, desportivas e de recreio para as famílias dos agentes Desenvolvimento da administração –› O sindicato participou em projetos de reformas judiciais, regula- mentares e de procedimentos de trabalho –› Utilizou a sua influência para modificar a lei anti-terrorista, a fim de poder combater este flagelo –› Pressionou a administração no sentido de ser fornecido material de intervenção adequado (ex. coletes, capacetes à prova de bala, veí- culos blindados) –› O sindicato conseguiu, além disso, melhorar a imagem do aparelho de segurança, pela abertura ao ambiente externo Reforço do Estado Neste quadro, o sindicato pôde reforçar o seu posicionamento no seio da sociedade civil e dos partidos políticos através de uma boa estra- tégia de comunicação (seminários, fóruns, mesas redondas, etc.), a fim de unir o povo tunisino sob a bandeira da pátria e combater o terroris- mo que ameaça a soberania do Estado. É neste quadro que o nosso papel de sindicato de forças de segu- rança contribuiu fortemente para a guerra contra o inimigo terrorista DAESH. O nosso sindicato apela ao cerrar de fileiras para combater este flagelo que ameaça a segurança do país. Prestar homenagem aos nossos valorosos heróis mortos no campo de batalha, continuar a cuidar dos seus como uma família unida, eis o nosso compromisso, com os nossos humildes recursos. Lassad Kchaou Presidente do SFDGUI
  • 30. 28  |  o crachá  |  junho 2016 A leitura histórica (e política e cultural) deste fenóme- no está tão carregada de preconceitos, de pontos de partida tão condicionados por grossas lentes de observação da realidade, que, em alguns contextos, se torna muito difícil argumentar. Expô-los a um grupo socioprofissional tão específico quanto é o daqueles que trabalham num setor tão sensível a estas questões quanto o da segurança pública, é um desafio complexo, mas para o qual agradeço sinceramente a oportunidade que se me oferece. Este é um problema polí- tico e de segurança que mobiliza ideias de tal forma feitas que, desde o ponto de vista da História e das Ciências So- ciais, é muito importante começar por desfazer algumas delas. 1. É um enorme erro julgar que o terrorismo começou quando os ocidentais passaram a ser víti- mas dele, e que a sua motivação cen- tral é de ordem religiosa/cultural, pro- duto de um “ódio ao Ocidente”. Quem na Europa e nas Américas imagina que os fenómenos começam quando afe- tam ocidentais cai num dos equívocos mais permanentes da nossa cultura: o ocidentocentrismo, ou seja, a leitura de todos os fenómenos sociais e culturais, e de toda a história, a partir da realidade ocidental que conhecemos e que julga- mos (arrogantemente) ser um padrão superior de organização social e política. Ao contrário do que se tem tornado co- mum ouvir dizer, o terrorismo (inclusive a sua versão suicida que, não sendo novi- dade histórica, é hoje mais comum que no passado) (i) não nasceu nem é exclu- sivo do mundo árabe e muçulmano, (ii) não atinge prioritariamente o Ocidente porque mata incomparavelmente mais na Ásia, no Médio Oriente e em África, e (iii) não é alheio, muito pelo contrário, à cultura social e política do Ocidente, ao longo da história (e especialmente nos sécs. XIX e XX), que esteve muito mais povoada de violência (expansão colo- nial, duas guerras mundiais, genocídio industrialmente organizado) que a do resto do mundo. Para estes equívocos contribui o muito comum erro presentista (sobrevalorizar o presente relativamente ao passado) que faz com que se julgue que tudo começa no momento em que nos damos conta de um fenómeno pela primeira vez. 2. Aquilo a que temos chamado terrorismo, e que se poderia definir como o recurso (por princípio consi- derado juridicamente ilegítimo e criminoso em cada momento e cada contexto nacional) à luta armada com uma finalidade política por parte de organizações não estatais (isto é, que não representam nem emanam de Estados re- conhecidos pela comunidade internacional) é um fenómeno tão velho quanto a existência de sistemas políticos, aos quais se deu ou não o nome de Estado numa qualquer época da história. A natureza terrorista das ações violentas não se de- duz do facto de os seus alvos serem civis, porque é também considerado terrorista o ataque a agentes da autoridade e a militares. De facto, é apenas a natureza não estatal da organi- zação (ou simplesmente do executor) que prepara e perpetra os atos violentos que faz com que a lei (e a grande maioria da opinião pública) entenda como terrorista esses mesmos atos. Este entendimento, que se sustenta na convicção que a úni- ca violência legítima é a praticada em nome do Estado e por um agente da sua autoridade no estrito cumprimento da lei, é um obstáculo muito forte ao exercício da análise crítica de muitas das ações violentas perpetradas pelos Estados, so- bretudo quando delas são vítimas civis não combatentes aos quais nas últimas décadas se tem chamado, eufemística e cinicamente, “danos colaterais”. Os vencedores quase nunca aceitam prestar contas sobre crimes de guerra. É que é jus- tamente sobre esse princípio da legitimidade da violência do Estado que se funda o Estado de Direito tal qual foi estabe- lecido pelas revoluções liberais de finais do séc. XVIII e inícios de XIX. E é curioso que assim seja, porque os regimes políticos e jurídicos que reivindicam ser Estados de Direito foram, ao longo de toda a época contemporânea, fundados no recurso a formas de luta e/ou ação armada que, no momento em que O TERRORISMO EM QUATRO EQUÍVOCOS Manuel Loff Historiador Estamos em “guerra contra o Terrorismo” - é o que nos dizem. Habituados que estamos a viver com uma memória superficial do passado, tratada/moldada pelos media, quase sem recuo temporal, funcionamos como se o terrorismo fosse um fenómeno que começou com o 11 de Setembro de 2001, há quase 15 anos, e como se, em geral, fossem extremistas árabes ou muçulmanos aqueles que o praticam.
  • 31. junho 2016  |  o crachá  |  29 foram desencadeadas, violaram leis que, também então, fixa- vam os limites da violência considerada legítima. Entre muitos exemplos possíveis, os EUA fundaram-se na rebelião armada dos colonos americanos que, em 1775, se lançaram contra a soberania britânica; a Revolução Francesa de 1789 fez-se com violência contra a lei monárquica, e contra a lei revolucionária levantaram-se em armas, logo a seguir, os antigos privilegia- dos; com armas revoltaram-se nacionalistas democráticos italianos como Garibaldi que queriam unificar a Itália contra a vontade do Papa e dos príncipes e aristocratas que gover- navam os muitos pequenos Estados em que aquele território estava dividido; os liberais e os absolutistas portugueses e es- panhóis que, ao longo do séc. XIX, recorreram à força armada contra governos no poder, provocando várias guerras civis em que cada um dos lados reivindicava a legitimidade do poder e acusava o outro de subversão; anarquistas assassinaram che- fes políticos e patrões da indústria nos finais do séc. XIX, da mesma forma que líderes operários e camponeses foram, por sua vez, mortos por assassinos a soldo dos últimos (para além daqueles que o Estado matou por via judicial, em processos que hoje seriam considerados sem garantias). Terroristas foi o que os nazis chamaram a todos os resistentes franceses, ita- lianos, polacos, soviéticos, noruegueses, gregos, jugoslavos e tantos outros, que se levantaram em armas para se defende- rem da ocupação e expulsar o ocupante; todas as potências coloniais chamaram terroristas a quem lutava pela libertação dos povos colonizados pelos europeus na Ásia e em África; terrorismo praticaram organizações independentistas e/ou da extrema-esquerda nos anos 1960 e 70, em vários países europeus e americanos, mas os Estados contra os quais eles se levantaram responderam quase sempre na mesma moeda, fazendo a chamada guerra suja, para tal recorrendo a merce- nários da extrema-direita mas também a agentes encober- tos das próprias forças de segurança do Estado. Israel, que se apresenta como paladino na luta contra o terrorismo árabe e muçulmano, ainda hoje homenageia organizações terroristas judaicas que atacaram árabes e britânicos nos anos 30 e 40, e recorre (como os EUA, a Rússia e uma infinidade de outros Estados) ao que se tem chamado eufemisticamente “execu- ções extra-judiciais” para eliminar inimigos políticos e étnicos. Muitos dos nossos Estados democráticos ocidentais têm, portanto, a sua origem em ações armadas não convencionais que podem ser consideradas, e no seu tempo o foram, como tendo uma natureza terrorista. Não pretendo, com isto, jus- tificar/legitimar o recurso à luta armada para a obtenção de fins políticos, por mais justos e democráticos que eles pos- sam parecer a quem os pratica - nada disso! O que quero é recordar que a violência política não é exclusiva de nenhu- ma cultura nem de nenhum tipo de sociedade, e que muitos dos Estados que consideramos legítimos orgulham-se dessa violência, a comemoram sob a forma de feriados cívicos e a elogiam em textos constitucionais. 3. É inevitável que haja alguma especificidade histórica e política no terrorismo jihadista perpetrado nos úl- timos 15 anos pela Al-Qaeda e pelo Estado Islâmico (EI), mas ela não resulta da sua natureza (só aparentemente) religiosa e étnica. Como bem recorda Olivier Roy, os “jovens [is- lamistas] radicalizados”, responsáveis pelos massacres de Paris e Bruxelas, “não são a vanguarda ou os porta-vozes das frus- trações da população muçulmana”. Pelo contrário, eles estão “em rutura deliberada tanto com o Islão dos seus pais como com a cultura das sociedades muçulmanas. Eles inventam um Islão que opõem ao Ocidente, [mas] vêm da periferia do mun- do muçulmano - e, em especial, [vêm] do [próprio] Ocidente”. Porque se “movem numa cultura ocidental da comunicação, da encenação da violência (…), praticam a auto-radicalização na Internet, procuram uma Jihad global”, eles são, acima de tudo, um produto das contradições e dos conflitos das sociedades ocidentais em que nasceram e/ou cresceram - e esta é a espe- cificidade histórica e cultural deles. 25% dos voluntários do Es- tado Islâmico converteram-se ao Islão. Depois de anos de po- breza, desemprego e precariedade que, em muitos dos casos individuais conhecidos, conviveu com a pequena criminalidade, adotaram um integrismo islâmico que partilha os valores es- senciais da vaga de reacionarismo moral, político e cultural que propugnam católicos tradicionalistas, evangélicos das Améri- cas, judeus ortodoxos: o horror à liberdade (política e cultural), o ódio às minorias religiosas, às mulheres e aos homossexuais emancipados, ao outro que, de tão diferente lhes parece, que é declarado como inassimilável e, portanto, indesejável. Ou seja, a mesma xenofobia de que está presente na islamofobia, no antissemistismo e on ódio aos ciganos, por exemplo. Estes jovens jihadistas, prossegue Roy, “não se interessam pelas lutas concretas do mundo muçulmano (Palestina)” (Le Monde, 10.1.2015). É por isso que nada têm a ver com a luta armada anticolonial da FLN argelina contra a França, ou da OLP contra Israel, e nem mesmo com organizações mais re- centes como o Hezbollah libanês ou o Hamas palestiniano. Uma grande parte deles não são sequer árabes: entre os novos recrutas do Daech não há apenas franceses e britâ- nicos, mas também kosovares, bósnios, afegãos, paquistane- ses - até mesmo portugueses... O que os atrai é o poder que retiram da violência em várias das suas formas, que julgam poder justificar com valores religiosos, justamente porque estes reúnem grande consenso na maioria das sociedades, mas que eles próprios conhecem mal e manipulam como faz a grande maioria daqueles que misturam religião e política. 4. Por último, levar a sério a retórica fanfarrona do EI, como se o seu objetivo fosse dominar as duas mar- gens do Mediterrâneo, Al-Andalus incluído, ou o mundo inteiro, é alimentar uma espécie de verdade conve- niente. Este jihadismo cujo projeto de poder representa uma franja muito minoritária das sociedades maioritariamente mu- çulmanas em que atua, e que tem como alvo militar prioritá- rio, não os ocidentais, cuja religião (cristã, judaica) é, para este efeito, relativamente secundária, mas sim concidadãos seus, na sua grande maioria da mesma religião, selecionados como inimigos não tanto porque possam ser fiéis a outros ramos do Islão (chiitas, sunitas), mas sim porque se opõem aos seus projetos políticos. Neste contexto, é tudo menos coincidên- cia que potências ocidentais e aliados dos EUA no Próximo Oriente venham usando muitas destas organizações como (continua na pág. seguinte)