1. Clínica Psicanalítica:
manejo e subjetivações na contemporaneidade
Tema:
Histeria e TOC: possíveis confluências
ALEXANDRE
SIMÕES
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2. Em nosso encontro anterior, nos concentramos em um tema que
nos aproximou das considerações sobre a histeria na atualidade:
A histeria na atualidade:
novas trajetórias nos labirintos da falta?
3. Partimos de algumas balizas conceituais para, na
sequência, examinar um fragmento clínico.
Dentre as balizas indicadas, retorno
especialmente a duas:
4. Primeiro operador
clínico:
A histeria, sendo um modo do sujeito ser
remetido à sua própria divisão, comporta uma
forma específica de gozo
7. Fragmento Clínico:
Há aproximadamente quatro anos, uma jovem que se
encontrava na transição da adolescência para os
primeiros anos da idade adulta, me procurou motivada
por duas situações distintas e com um grande incômodo.
Inicialmente, havia a perda abrupta da mãe. Ainda não
tinha completado um ano que a mãe - com quem a
paciente vivia - sofreu um AVC de grandes proporções e
faleceu.
8. Para a jovem paciente, esta perda ainda não era muito
bem compreendida e restava-lhe, na proximidade deste
momento traumático, se reconhecer como uma pessoa
sem sorte, distinta de todas as outras jovens de seu
círculo de relações. A paciente afirmava que não
conhecia ninguém, na pequena cidade onde
morava, que tivesse passado por semelhante
acontecimento.
9. A perda da mãe e a certeza de que uma tragédia
muito singular havia se abatido sobre a sua vida
faziam ecoar outras perdas já
ocorridas, especialmente a incapacidade de seu pai
ser, aos seus olhos, um pai.
10. Anos antes, o pai e a mãe da paciente viviam juntos, embora
muito mal. Formavam uma família com três filhos, sendo a
paciente a filha caçula. As crises de ciúme do pai, associadas ao
seu alcoolismo, tornavam a relação familiar difícil e
constantemente tensa, chegando a ocorrer algumas agressões
físicas do pai em relação à mãe.
A paciente era muito nova nesta época, mas esta era a
imagem que, posteriormente, lhe foi possível capturar de seu
pai: um pai decaído.
11. Este pai, sem uma ocupação muito específica, ridicularizado e
criticado pela família da mãe (composta por irmãos e irmãs
muito unidos, com um grande grau de influência recíproca entre
suas vidas), separou-se de sua mãe. Foi a partir daí que cada um
de seus dois irmãos acabou sendo criado mais de perto por uma
das tias. A família, assim, se “tentacularizou”, ainda que todos
continuassem morando muito próximos uns dos outros.
A jovem foi a única que permaneceu morando junto de sua
mãe. A partir do falecimento desta, a paciente, então, se
lamentava:
“perdi minha mãe, nunca tive uma família, nunca tive um pai.
Todas as outras pessoas tem; eu sou a única que não...”
12. Esta fala da paciente, tão repleta de um traço narcísico – na
medida em que indica a sua captura por uma imagem que
mesmo sendo negativizada é idealizada – e alienante, nos
conduz a perceber a presença da divisão do sujeito:
“a alienação reside na divisão do sujeito”
(Lacan, Escritos, p. 855)
13. A segunda situação de grande incômodo que também
participou da chegada da paciente à análise foi, após a
morte da mãe, o surgimento de uma dupla
sintomatologia:
a) a paciente percebia, no que se refere ao seu humor e
sua própria relação com a vida, um grande contraste
entre o antes e o após a perda da mãe: anteriormente, a
jovem era uma líder na sua escola, uma pessoa cheia de
iniciativa, participante de todas as ações, alguém que se
destacava entre as amigas.
Agora, um retraimento havia se abatido sobre a
paciente e ela já não mais era tão segura de
si, mas, bem ao contrário, portava um questionamento
sobre seu próprio valor, suas capacidades e habilidades.
Uma espécie de perda de brilho, ao ver da paciente, se
abateu sobre ela própria.
14. Esta sintomatologia,
na qual nós
podemos reconhecer
claramente a
incidência de uma
Inibição sobre a Freud vai nos propor que
a inibição é uma
paciente, era problemática narcísica e,
bastante discreta. A enquanto tal, funciona
outra como uma defesa para o
sintomatologia, que paciente, comportando
virá a seguir, é que uma cota de
desconhecimento.
será bem mais
exuberante. Porém,
Ou seja, com a
parece-me que esta manutenção da inibição o
marca da inibição paciente não vem a saber
não deve ser sobre sua própria divisão.
desprovida de seu
valor.
15. b) gradativamente, um amplo quadro de sintomas,
condutas, rituais e repetições foi se instalando -
identificados pela paciente e por suas tias como um
TOC prêt-à-porter: transtorno obsessivo-compulsivo.
Esta sintomatologia era bastante severa quanto àquilo
que exigia da paciente: sua energia, tempo e paciência
iam se definhando diante dos rituais para se vestir, se
levantar da cama ao acordar, tomar banho, arrumar
seu quarto, sair de casa, escrever alguma coisa no
caderno, se preparar para dormir, etc.
Ao lado desta sintomatologia que atingia afazeres e ações havia
também uma sintomatologia invasiva e com traços repetitivos que se
referia aos pensamentos. A paciente era instigada a pensar certos
conteúdos e a elaborar alguns planos mentais.
16. Estes dois aspectos (a inibição e a aparição do que a
paciente nomeava como TOC) causavam grande
mal-estar e traziam o enigma:
“por que isto tudo acontece comigo?”
17. De minha parte, considerei importante realizar na condução clínica do
caso uma minuciosa trajetória pelos labirintos desta sintomatologia.
A paciente falava de seus sintomas como se
fossem edemas; ela estava plena deles, a ponto
de estourar. Busquei, portanto, uma espécie de
esvaziamento dos mesmos.
Nesta trilha, a paciente me narrava (sem
nenhuma linearidade) as manifestações dos
sintomas, seus detalhes, incidências, momentos
de agravamento e de abrandamento. Ela
insistentemente associava-os à morte da mãe,
ainda que não conseguisse compreender muito
bem o nexo que aí podia se estabelecer.
18. A paciente dizia que seu maior
sonho era se ver livre de seus
sintomas, ainda que ela
acreditasse que isto tudo nunca
fosse passar.
Em meio à estratégia de
exaustão (falar e redizer o
sintoma), surgia um misto de
lembrança e imagem de si
que a paciente assim
descreveu:
“sou uma criança que está em
um lugar muito escuro e me
encontro agachada, com
medo de me levantar.”
19. A paciente, desde a morte da mãe, foi também morar com uma
tia, tal como seus irmãos haviam feito bem anteriormente na
ocasião da separação entre seus pais.
Ela ainda tem contato com o pai que, segundo ela, faz o
contrário de um pai: lhe procura para lhe pedir alguns trocados
para beber. Motivo este de grande irritação para a paciente.
20. Como sinalizamos mais atrás:
Na histeria, aquilo que pode se manifestar como uma privação
de gozo apresenta-se como um gozo na privação.
E não é incomum que na histeria este lugar (lugar do gozo e do gozo na
privação) esteja mediatizado pela relação com uma outra Mulher.
21. Por isso, em termos de condução clínica devemos
nos valer de forma instrutiva daquilo que Freud
não fez - como ele muito bem sinalizou no pós-
escrito ao caso Dora.
Freud começou pela indagação acerca do objeto
e, assim, deixou de considerar a duplicidade
subjetiva aí implicada.
Devemos sempre criar condições, na análise de
um histérico, para a indagação crucial: antes de
perguntar o que ele deseja, cabe perguntar:
“quem deseja ?”
22. Prosseguiremos nos próximos encontros com os temas:
02/04: Histeria e psicose: as fronteiras da dissociação
16/04: Histeria e atuação: corpo e gozo
Até lá!
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