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A CASA DAS MÁSCARAS
Trilogia dos Aincourt 3
Candace Camp
A Casa Das Máscaras
Trilogia dos Aincourt – Livro 03
Candace Camp
Feito por: Ada2412, Cyllara, Islemale e A Yata
Às vésperas do casamento com Michael Trent, o conde de Westhampton, Rachel Aincourt tentou fugir com
outro homem, mas foi entregue novamente para o noivo por seu velho e teimoso pai.
Atormentada pela culpa e pela vergonha, Rachel achava que tinha o que merecia: um casamento sem amor
com um marido frio e misterioso.
Mas por trás das maneiras formais de Michael, estava um homem que adorava o perigo e as intrigas. E que
agora se encontra envolvido em um dos casos mais difíceis de Bow Street. Quando o crime se transforma em
um assassinato e Rachel está envolvida nele, Michael tem uma nova oportunidade para fazer uso de seu grande
talento para disfarces, e seduzir a esposa a quem amava em segredo.
Agora, Michael terá de usar com cautela a sua última chance para conquistar o coração de Rachel... ou
destruir de vez a possibilidade de encontrar a felicidade.
Capítulo I
Rachel se apoiou no estofo brando de veludo que cobria a parede da carruagem e reprimiu um
suspiro. Olhou Gabriela, que dormia acurrucada no rincão do assento em frente, e invejou o sonho
fácil da juventude.
Ela não conseguia dormir apesar do ronronar monótono da carruagem. Não podia suprimir a
sensação de aborrecimento, de pena inclusive, que a embargava desde que saiu do Westhampton no
dia anterior pela manhã. Quando Michael a acompanhou à carruagem, sentiu o impulso de voltar-se
e dizer que tinha decidido atrasar uns dias a viagem. É obvio, não o fez. Já tinha esperado três dias
mais do previsto; tinha que devolver Gabriela a seus tutores, que a esperavam em Darkwater.
Um grito no exterior a tirou de seus pensamentos e levantou a cortina para olhar. Só se via o
claroscuro do entardecer, com os ramos das árvores mais escuras contra o céu cinza. O chofer soltou
um grito e a carruagem se lançou para diante. Imediatamente, Rachel ouviu o som agudo de um
disparo e soltou a cortina com um coice.
Soou a voz do chofer que chamava os cavalos e a carruagem se deteve. Rachel se agarrou ao
laço de couro situado ao lado de seu assento. Gabriela, por sua parte, caiu ao chão com um grito de
surpresa. Voltou a sentar-se e olhou ao Rachel com olhos muito abertos.
-O que acontece? -sussurrou –. O que ocorre?
-Não sei - Rachel procurou que não se notasse seu medo. Não lhe ocorria nenhuma razão boa
para que se ouvissem tiros e o chofer detivera a carruagem. Pensava em salteadores de caminhos,
mas lhe parecia estranho encontrá-los tão longe de Londres.
Ouviu vozes e olhou a porta. Prometeu-se que seria valente, já que tinha que cuidar da Gabriela
e tentou pensar o que fariam nesse momento sua temerária cunhada Miranda ou seu amiga Jessica,
com sua coragem de filha de militar. Mas não pôde evitar desejar que Michael as tivesse
acompanhado ao Darkwater.
Abriu-se a porta e entrou uma figura embelezada de negro. Rachel se esforçou por manter um
rosto inexpressivo. Disse-se que era um homem pequeno e que seu ar sinistro se devia à roupa negra
e o lenço que lhe tampava o rosto. Daria-lhe o dinheiro que levava, partiria e o incidente terminaria
sem perigo para ninguém.
Os olhos do homem pareciam surpreendidos por cima do lenço. Olhou a seu redor antes de
voltar a vista ao Rachel.
-Vamos – disse com voz quejumbrosa. Baixou o lenço e mostrou o resto da cara. - Onde está
milord?
O medo do Rachel cedeu muitos inteiros ante aquele rosto que resultava quase cômico por sua
surpresa.
-O que lhes oferece? -perguntou, agradada pela calma de sua voz.
-O lorde -continuou o homem –. Este é sua carruagem. Vi o desenho na porta.
-Esta é a carruagem de lorde Westhampton -repôs Rachel –. Na porta está seu brasão, se lhes
referirem a isso.
-Sim, isso. Westhampton. É o que procuro.
-Temo-me que o buscam no lugar equivocado. Westhampton está em sua casa
O visitante guardou silêncio um momento.
-Vocês são a senhora? -perguntou logo.
-Sou lady Westhampton -assentiu Rachel.
-Vale. Nesse caso, acredito que podem lhe dar a mensagem a milord.
-A mensagem? -Rachel tinha a sensação de ter entrado por engano em uma peça de teatro em
que todo mundo sabia o diálogo menos ela.
-Sim. lhe digam que o envia Rede Geordie. lhe digam que tem que andar-se com cuidado, que
há alguém que lhe deseja mau.
Rachel o olhou de marco em marco.
-Importaria-lhes repetir isso?
-Que parece que se aproxima muito e há gente a que não gosta. Ouvi que alguém quer tirar o de
no meio -fez uma inclinação de cabeça, satisfeito ao parecer com suas palavras.
Rachel piscou, incapaz de pensar uma resposta adequada.
O homem sorriu.
-Sinto muito, tenho que me levar algo -disse –. Já sabem, pelos moços. -assinalou ao Rachel –.
Esses pendentes estão bem.
Rachel deu um coice e se cobriu com as mãos os pendentes de esmeraldas.
-Não! Isto não. Me deu de presente isso Michael. Foram um presente de bodas.
O homem pensou naquilo.
-OH!, bem, não quero enfurecer a milord, certamente.
-Querem dinheiro? -ofereceu Rachel, tirou um moedeiro de sua bolsa de tecido e o tendeu.
O homenzinho sorriu, abriu o moedeiro e olhou em seu interior.
-Sim, isso servirá, milady. Vejo que são tão amável como milord. É um prazer trabalhar com
você -saudou a Gabriela com uma inclinação de cabeça –. Senhorita. boa noite às duas.
subiu de novo o lenço para tampar o rosto, abriu a porta e saltou da carruagem.
Gabriela e Rachel se olharam em meio de um silêncio atônito. Fora se ouviu ruído apagado de
vozes, seguido do relincho de um cavalo e o som de cascos ao afastar-se.
-O que foi isso? -perguntou Gabriela com os olhos como pratos.
-Não tenho nem idéia -respondeu Rachel com sinceridade.
abriu-se de novo a porta, mas essa vez apareceu o rosto preocupado do chofer.
-Estão bem, milady?
-Se, muito bem, Daniels. Não aconteceu nada
-Havia quatro com pistolas, milady. Jenks e eu pensamos que seria melhor não resistir. Milord
me arrancaria a pele se lhes ocorresse algo a você ou à senhorita.
-Fizeram bem -assegurou-lhe Rachel –. Westhampton não quereria que arriscassem sua vida
nem a nosso desse modo. Fizeram bem. Prossigamos a viagem, por favor.
-Se, milady -o chofer fez uma reverência respeitosa e fechou a porta.
Ouviram-no subir de novo à boléia e um momento depois a carruagem voltava a ficar em
marcha. Rachel olhou à garota.
-Está bem, Gabriela?
-OH, se. Mas foi muito emocionante verdade?
-Muito -repôs Rachel com secura.
-Se, suponho que sim -a garota não parecia convencida., mas eu não tinha visto nunca a um
salteador de caminhos.
-Eu tampouco.
-Conheciam-no? Parecia conhecer tio Não é estranho?
-Muito. Não imagino do que poderia conhecer o Michael.
Seu marido não era um homem que contasse com salteadores de caminhos entre suas amizades.
Se se tivesse tratado de seu irmão Dev, Rachel se haveria sentido mais inclinada a acreditar no
bandoleiro. Até que se casou com o Miranda e se assentou, Devin tinha conhecido a muitos
personagens de má vida, mas Michael? A idéia era absurda.
Michael era um homem tranqüilo, estudioso, amável, responsável e generoso, a personificação
de um cavalheiro. Seu título era um dos mais antigos e respeitados do país e, a diferença de seu pai,
Michael jamais tinha feito nada para manchá-lo. Era feliz em sua propriedade do campo, revisando
as reformas da casa e os edifícios exteriores e experimentando com os últimos inventos agrícolas.
Mantinha correspondência com homens de inclinações e natureza similares, que incluíam desde
cavalheiros com vastas plantações nos Estados Unidos até homens de ciência de diversas
universidades do Reino Unido e o resto da Europa. Não era o tipo de homem que tivesse amigos
entre os salteadores de caminhos e muito menos que recebesse mensagens deles.
E o que havia dito o homem? Que Michael se “aproximava muito”. Que alguém lhe “desejava
algum mal”. A que se aproximava muito? E quem era esse inimigo?
Não podia imaginar-se ao Michael com inimigos. Os desacordos que pudesse ter com a gente
eram educados e normalmente se referiam a algum tema de estudo do que poucas pessoas tinham
ouvido falar. Quão pior tinha ouvido dizer do era que se tratava de um homem muito respeitável,
vizinho no aborrecimento. Nada que justificasse que lhe fizessem ameaças.
-É ridículo -disse Rachel com firmeza –. Michael não tem nem um solo inimigo em todo mundo.
Esse homem deve estar confundido.
Olhou a Gabriela, que parecia um pouco alterada. A pobrezinha tinha sofrido muito em que
pese a sua curta idade. Seus pais tinham morrido quando só tinha oito anos e foi viver com um tio
avô até que ele morreu também no ano anterior, deixando-a aos cuidados de um tutor que tinha sido
amigo de seu pai muitos anos antes. Foi através desse tutor, o duque do Cleybourne, como conheceu
Rachel à garota de quatorze anos. O duque tinha estado casado com o Caroline, a irmã maior do
Rachel, que morreu junto com sua filha em um trágico acidente de carruagem. Rachel tinha seguido
sendo amiga do Cleybourne; sentindo-se muito preocupada com o terrível de sua dor nos anos que
seguiram a sua perda.
Gabriela tinha chegado ao castelo Cleybourne no Natal anterior e com ela seu institutriz, Jessica
Maitland, uma beleza ruiva com um escândalo trágico em seu passado. Jessica e Cleybourne se
apaixonaram, mas a morte manchou também esse momento feliz e a segurança que proporcionava a
Gabriela. Um assassino atacou o castelo, matou a um dos convidados e esteve a ponto de fazer o
mesmo com a Jessica.
Não era de sentir saudades que as ameaças do desconhecido tivessem despertado os medos da
garota. Gabriela acabava de passar dois meses com o Michael e Rachel, que a tinham levado a sua
casa depois das bodas para que o duque e sua nova duquesa desfrutassem a sós da lua de mel, e se
tinha afeiçoado bastante com os dois.
Rachel tomou uma das mãos da menina e a apertou com gentileza.
-Não tema, Gaby. Estou segura de que tudo isto é uma confusão. Ninguém pode desejar
nenhum mal ao Michael. Isso de que “se aproxima muito” tem que ser um engano. A que poderia
aproximar-se ele? A uma teoria política? Um descobrimento científico? Um método novo de rotação
das colheitas? Dificilmente mata ninguém por essas causas.
A garota sorriu e em seus olhos remeteu a preocupação.
-Têm razão. Quem ia desejar lhe nada mau ao tio Michael? -apertou a mão do Rachel –. Devem
lhes alegrar muito de estar casada com ele.
Rachel sabia que muita gente pensaria igual. Seu marido era nobre e rico, descendente de uma
das melhores famílias da Inglaterra. Isso em si mesmo bastava para que seu matrimônio se
considerasse um êxito. Mas além disso, Michael era considerado e amável. Punha ao seu dispor um
pagamento generoso e embora preferia viver no campo, não impunha essa preferência a ela. Rachel
era livre de viver como quisesse, de dar festas em sua casa elegante de Londres e levar a vida de uma
anfitriã da boa sociedade. Tinha um círculo amplo de amigos e admiradores e estava considerada
como uma das belezas de seu entorno social. Em resumo, sua vida era perfeita... sempre que não lhe
importasse que seu matrimônio fora um engano.
Não havia amor em seu matrimônio. Viviam separados, nunca compartilhavam a cama, jamais
pronunciavam palavras de amor ou paixão. E não lhe servia de muito saber que era culpa dela.
Sorriu a Gabriela.
-Sim -assentiu –. Sou muito afortunada de ser lady Westhampton.
As tochas iluminavam Darkwater. Era uma casa formosa, que recebia o nome de um lago
próximo tão negro como a noite e não das paredes de pedra calcária da casa, que à luz do sol do
Derbyshire eram pálidas, quase douradas. De noite não se apreciavam suas linhas cheias de graça
nem seus ventanales de séculos, só se via sua mole considerável. Mas Rachel se criou ali e a conhecia
sem ter que vê-la.
Abriu a porta da carruagem assim que este se deteve e apareceu a olhar a casa.
Jenks saltou do boléia para colocar os degraus e as ajudar a sair. antes de que o fizessem se
abriu a porta e apareceram dois lacaios com velas para escoltar às damas.
– Lady Westhampton! – exclamou um homem de idade média, vestido com o traje formal de
mordomo, com um grande sorriso –. Me alegro de voltar a lhes ver no Darkwater. esperamos sua
chegada todo o dia.
– Olá, Cummings – Rachel sorriu com calor ao homem que trabalhava ali de mordomo desde
que ela era menina –. Me permitam que vos presente à senhorita Gabriela Carstairs, a pupila do
duque do Cleybourne.
O homem saudou a garota com uma reverência.
– Bem-vinda ao Darkwater, senhorita Carstairs. O duque e a duquesa esperam impacientem sua
chegada. Ah, aí vêm.
Os habitantes da casa saíam nesse momento pela porta a pesar do ar frio da noite. Diante foram
uma mulher ruiva, alta e exuberante, e um homem moreno, ambos muito sorridentes. Ligeiramente
detrás deles havia outro casal, uma bonita mulher grávida e um homem muito atrativo seguidos de
uma garota de uma idade aproximada da Gabriela.
– Gaby! – a ruiva, que era a nova duquesa do Cleybourne, abriu os braços a sua pupila. Tinha
sido institutriz da garota durante seis anos antes de casar-se com seu tutor e a considerava quase
como a sua filha.
– Senhorita Jessie! – Gabriela se tornou em seus braços e a estreitou com força. Sorriu logo com
acanhamento ao homem que havia ao lado da duquesa.
– Milord.
O duque lhe devolveu o sorriso.
– Gabriela, esqueceste que não íamos ser tão formais?
– Tio Richard – corrigiu ela com um sorriso. E ele a abraçou a sua vez.
Os duques se voltaram para o Rachel, que abraçava à outro casal, formada por seu irmão Devin,
conde do Ravenscar, e sua esposa Miranda, que estava grávida. Richard apresentou a sua pupila aos
condes.
– E – disse a Gabriela com um sorriso- há alguém mais que espera impaciente sua chegada. A
senhorita Verônica Upshaw, irmã de lady Ravenscar, está de visita e fez quinze anos o mês passado.
Verônica...
A garota se adiantou e sorriu a Gabriela. Era uma moça muito bonita, de cavalo castanho claro e
olhos azuis. Não se parecia nada ao Miranda, mas Rachel sabia que eram meio-irmãs e não irmãs de
sangue, já que Verônica era filha da mulher com a que se casou em segundas núpcias o pai do
Miranda. Os senhores Upshaw viviam grande parte do tempo em Londres, mas tinham decidido que
o campo era o melhor lugar para a garota. Já teria tempo de sobra de estar em Londres quando se
apresentasse em sociedade em uns anos.
Rachel pensou sorridente que certamente as duas garotas entrariam em sociedade o mesmo ano.
E a boa sociedade sofreria então o assalto conjunto da formidável equipe que formariam a duquesa e
a condessa. propôs-se não perder-se nenhuma festa dessa temporada.
O grupo entrou na casa conversando e rendo. As garotas, encantada ambas de poder falar com
alguém de sua idade, subiram à habitação de Verônica, enquanto os adultos voltavam para a sala de
música, onde os dois casais tinham esperado a chegada do Rachel.
A conversação versou primeira sobre a viagem desta.
– foi muito bom – comentou ela com calma-, exceto porque nos parou um salteador de
caminhos.
Os outros quatro a olharam um momento sem fala. Devin ficou em pé de um salto.
– O que? É uma brincadeira?
– Não, absolutamente. foi que o mais peculiar.
– Peculiar! – exclamou Dev –. Eu não o descreveria assim.
– OH, sim o descreveria assim de ter estado ali.
– Rachel! por que não o há dito imediatamente? – perguntou Miranda, que se aproximou de sua
cunhada –. Está bem? Não lhe têm feito nada, verdade?
– Não. perdi umas quantas moedas, nada mais. Nem sequer me ameaçaram.
– E que diabos fazia por esta zona? – perguntou Cleybourne –. Tinha ouvido algo antes, Dev?
– Não, nada. E não acredito que seja muito proveitoso assaltar os caminhos do Derbyshire.
– Não estou segura de que seu principal motivo fora tirar proveito. Indicou-me que se levava o
dinheiro para que seus homens não suspeitassem nada.
– Nada do que? – Dev olhou a sua irmã com receio –. Seguro que não te burla de nós?
– Seguro, prometo-lhe isso. Já lhes hei dito que era muito peculiar. Parecia... bom, ao parecer
acreditava que Michael ia na carruagem. Disse que tinha visto o brasão na porta. Não sei se se referia
a que estava esperando a carruagem ou a que se dirigia ao Westhampton e topou conosco.
– Um salteador de caminhos queria ver o Michael? -perguntou Miranda –. Para que?
– Disse que queria lhe advertir e me pediu que lhe desse a mensagem de que alguém quer lhe
fazer danifico e que se está “aproximando muito” e há gente que quer impedir-lhe.
Um silêncio atônito seguiu a suas palavras.
– Seguro que ouviu bem? – perguntou Dev ao fim.
– Sim. lhe pergunte a Gabriela, ela estava ali. Logo disse que o sentia, mas que tinha que levar-
se algo para dissimular. Queria meus pendentes de esmeraldas, mas eu protestei e lhe disse que eram
um presente de bodas do Michael e se levou meu moedeiro.
– Perdão – murmurou Jessica –. Eu não conheço lorde Westhampton tão bem como todos vós. A
que se referia com isso?
– Não tenho nem idéia – repôs Rachel com franqueza –. Esperava que Richard ou Dev
soubessem algo, que talvez estivessem envoltos em algum tipo de atividade masculina que tivessem
decidido nos ocultar às mulheres.
– Eu não tenho nem idéia – repôs seu irmão, perplexo –. E se tivesse algum segredo masculino,
pode estar segura de que Miranda me teria tirado isso já – olhou a sua esposa, quem lhe sorriu.
– Talvez é alguma espécie de chave – murmurou esta –. Westhampton me disse uma vez que
sempre lhe tinham gostado dos enigmas e essas coisas.
– Sim, é certo.
– A meu só me ocorre que esse tipo esteja louco – interveio Richard –. O melhor, suponho, é
enviar uma mensagem ao Westhampton e lhe contar o ocorrido. Talvez ele sim compreenda.
– Sim, suponho que tem razão – assentiu Rachel –. Esta noite lhe escreverei uma carta.
– A enviarei com uma das moços amanhã a primeira hora – assegurou seu irmão –. Suponho
que o incidente não terá importância, mas é melhor assegurar-se.
Rachel, pois, escreveu mais tarde em sua habitação ao Michael para lhe contar o incidente com o
estranho. Acrescentou também algumas pergunta próprias. Dev confiou a missiva a uma de suas
moços, que partiria para a manhã seguinte.
Mas saber que tinha feito todo o possível por avisar ao Michael, caso que este na verdade
corresse algum perigo, não serve para tranqüilizar ao Rachel. Enquanto se preparava para deitar-se,
não deixava de pensar naquele sucesso. de repente todo o relacionado com seu marido lhe parecia
incerto.
Michael e ela não estavam tão unidos como Miranda e Dev por exemplo. Não havia entre eles
essa intimidade que aparentemente só dão o amor e a paixão. Mas ela acreditava conhecer bem a seu
marido. Sabia que temas lhe interessavam, que comida gostava e qual não. Podia nomear à alfaiate e
o sapateiro que freqüentava e os clubes aos que pertencia, sabia os nomes da maioria das pessoas
com as que mantinha correspondência.
Não obstante, o encontro com o salteador de caminhos lhe fez perguntar-se quanto sabia em
realidade do Michael. O homem do que “Rede Geordie” tinha falado parecia alguém muito distinto
ao Westhampton que ela conhecia, uma pessoa mesclada em algo que supunha uma ameaça para
alguém, uma pessoa a que terei que advertir. Alguém que conhecia salteadores de caminhos. Seguia
pensando que o bandoleiro andava equivocado e que sem dúvida se referia a outro homem e não a
seu marido. Mas havia dito que reconhecia o brasão e o tinha chamado Westhampton... ou foi ela a
primeira que pronunciou o nome e ele se limitou a assentir?
Talvez o homem estava louco. Ou tudo formava parte de uma brincadeira de mau gosto. depois
de tudo, nem Dev nem Richard sabiam nada. E Richard era amigo do Michael desde antes de que
Rachel o conhecesse. Se estivesse misturado com salteadores de caminhos, certamente saberia. Mas
Rachel não podia evitar pensar que uma esposa não deveria ter que depender do que outros
soubessem de seu marido. Uma esposa deveria ser a que melhor o conhecesse. Estava segura de que,
de ter estado Miranda em sua situação, teria sabido muito bem a que se dedicava Dev.
Suspirou e começou a escovar o cabelo. Ao fazê-lo observou sua imagem no espelho. Seguia
sendo uma mulher atrativa. Seu cabelo era moreno e espesso e seus admiradores escreviam ainda
odes a seus olhos verdes. Conservava a figura esbelta de sua juventude e nenhuma ruga sulcava sua
pele. Tinha vinte e sete anos, seguia sendo jovem.
Deixou de escovar-se e se olhou com interesse. Tinha trocado desde dia em que Michael a
conheceu? Certamente sim, mas a mudança tinha sido interior.
Apertou com força a escova. casou-se tal e como se supunha que era seu dever, como esperava a
sociedade e exigia seu pai. Mas ao cumprir com seu dever tinha renunciado a suas esperanças e
sonhos. Tinha negado os desejos de seu coração.
Recordava muito bem a terrível dor de sua decisão. Sabia que não tinha podido fazer outra
coisa e que seu pai tinha razão. Desde não haver-se casado com o Michael, teria sido um escândalo e
uma desonra para sua família e para ela mesma, além do Michael, que era completamente inocente.
Fazia o que tinha que fazer, mas com isso tinha condenado a seu coração ao desespero. Porque ao
casar-se com o Michael havia dito adeus ao homem que amava.
Capítulo 2
Rachel recordava com claridade o dia que conheceu o Michael. Foi em uma reunião em casa de
lady Wetherford, um acontecimento aborrecido no que parecia estar presente a metade da boa
sociedade de Londres. Lady Wetherford apresentou a lorde Westhampton a sua mãe e a ela e sua
primeira impressão foi a de um homem alto e loiro, vários anos maior que ela e muito atrativo.
Conhecendo o Michael como o conhecia agora, estava segura de que ia impecavelmente vestido com
roupa escura e formal; nada que pudesse chamar a atenção. A imagem perfeita do cavalheiro inglês,
como sempre.
Mas Rachel lhe emprestou pouca atenção e se limitou a sorrir, tão radiante se sentia por dentro,
e conversar sobre o tempo e a ópera, a que tinha assistido a noite anterior. E enquanto falava, não
deixava de procurar com a vista à mesma pessoa a que procurava em todos os acontecimentos
sociais, ao homem responsável por sua radiante alegria de esta noite. Porque se recordava aquela
velada concreta não era devido ao Michael, mas sim a que aquela foi a noite em que Anthony
Birkshaw lhe disse que a amava.
A pesar do tempo transcorrido, um sorriso entreabriu os lábios do Rachel ao recordá-lo.
Rachel tinha dezenove anos e sua era primeira temporada em Londres. devido à falta de
dinheiro de sua família, apresentou-se em sociedade um ano mais tarde. Cleybourne, o marido de
sua irmã maior, tinha-lhe dado a sua mãe o dinheiro que necessitavam para a temporada e Rachel era
muito consciente de que tocava a ela fazer o possível por restaurar a fortuna familiar. Poucos
esperavam que imitasse o êxito de sua irmã, já que Caroline se casou com um duque, o degrau mais
alto na escala da nobreza. Mas Rachel tinha a beleza dos Aincourt e um caráter agradável e sua
família era uma das melhores da Inglaterra, por isso se esperava que ela também faria um bom
matrimônio.
Rachel não questionava seu papel nestes planos. depois de tudo, assim era como se casava a
gente de sua classe. Já não eram os matrimônios acordados de antigamente, é obvio, nos que umas
bodas era acima de tudo uma aliança de duas famílias por motivos de riqueza, poder e conquistas
políticas e o casal podia muito bem não haver-se visto até o dia das bodas. Mas de todos os modos, a
aristocracia não se casava ainda por amor, como sua mãe se encarregou de lhe recordar desde que
era menina; casava-se pelo bem de sua família tão presente como futura.
No caso da família Aincourt, isso se traduzia quase sempre em que terei que casar-se com
alguém de dinheiro. Os condes do Ravenscar levavam gerações ganhando e perdendo dinheiro, mas
ao parecer saía mais ouro de suas mãos de que entrava nelas. O motivo, segundo o pai do Rachel, um
homem de mente estreita e idéias religiosas dogmáticas, era uma maldição papista lançada contra o
primeiro conde do Ravenscar, quem recebeu a Abadia Branton de seu amigo o rei Enrique VIII
quando este se separou da Igreja Católica. Edward Aincourt, conde do Ravenscar, derrubou a abadia
e construiu com suas pedras a mansão familiar. Segundo a lenda, o abate do Branton tinha tido que
ser tirado a força da abadia e, enquanto o levavam os homens do conde, lançou uma maldição sobre
este e seus descendentes, para que “ninguém que vivesse entre aquelas pedras conhecesse nunca a
felicidade”.
Já fora resultado da maldição ou simplesmente a natureza de uma família muito dada ao
orgulho e o esbanjamento, o certo era que os Aincourt estranha vez tinham sido felizes nem em
temas do coração nem em temas de dinheiro. Todo mundo estava de acordo em que era uma boa
coisa que fossem também uma família de homens altos e esbeltos e mulheres formosas, já que sempre
se viam obrigados a fazer fortuna através do matrimônio, embora havia também quem assinalava
que talvez era essa dependência o que os condenava a cumprir as profecias da maldição.
A escassez de dinheiro se feito especialmente patente nessa geração concreta da família. O
conde, um homem religioso de idéias estritas, não tinha deixado entretanto que suas crenças
religiosas o levassem a uma vida ascética. Gostava de viver bem e comprar coisas formosas, o que
diminuiu ainda mais a fortuna familiar. considerava-se que tocava às filhas da família resolver o
problema, já que o conde tinha perdido toda esperança em seu filho Devin, o herdeiro do título.
Devin levava dez anos entregue a uma vida que seu pai qualificava de excessos pagãos, levava anos
de amante de uma mulher casada e tinha recusado casar-se como desejava seu pai.
Rachel, pois, tinha que casar-se como decidisse seu pai, mas isso não lhe impedia de sonhar em
segredo com que seu matrimônio pudesse ser também por amor além de por dever, como tinha sido
o de sua irmã Caroline. Todo mundo sabia que o duque do Cleybourne amava loucamente a sua
esposa e que ela parecia lhe corresponder, embora mais tarde se visse que os sentimentos dela
tinham sido mais superficiais. Como mínimo, Rachel tinha intenção de desfrutar de do tempo em que
procurava marido, luzindo os vestidos novos comprados para sua apresentação em sociedade, indo a
festas e bailes e desfrutando das peças de teatro, as óperas e demais diversões que podia oferecer
Londres a uma garota que tinha passado quase toda sua vida escondida no Derbyshire.
E teve um êxito imediato. Sua vida era um torvelinho de atividades sociais que teriam esgotado
a qualquer que não fora uma jovem cheia de vida. Sua agenda de baile se enchia sempre aos poucos
minutos de chegar a uma festa. Podia escolher entre um sem-fim de ramalhetes de flores que lhe
enviavam pretendentes esperançados antes de cada baile e nunca faltavam jovens que fossem visitar
a.
Mas ela só tinha olhos para um homem. Conheceu o Anthony Birkshaw às duas semanas de
chegar a Londres e em conto o viu soube que era o homem de seus sonhos. Era um cavalheiro
arrumado, uns anos maior que ela, cujos maneiras francos e abertos a conquistaram imediatamente.
Tinha um cabelo castanho espesso que caía com descuido sobre a frente e olhos que lhe pareciam de
poeta: grandes e marrons, bordeados de pestanas muito negras.
E milagrosamente, estava tão louco por ela como ela por ele. É obvio, não ficava em ridículo
como Jasper Hopkins, que dançava com ela os dois bailes que permitia a etiqueta a um cavalheiro
que não fora o prometido de uma garota e logo permanecia o resto da velada olhando-a sem dançar
com ninguém mais. Anthony se mostrava cortês e amável e dançava e conversava com outras jovens,
não se dedicava tão em exclusiva ao Rachel para suscitar comentários.
Aquela noite, depois de dançar juntos uma valsa, havia-lhe dito que a amava e ela não tinha
deixado de flutuar após.
Passou o resto do verão em uma nuvem de amor. Dado o modo em que se vigiava às jovens,
quase nunca estava a sós com o Anthony. Seu amor se alimentava de olhares, sonhos e valsas. O
“encontrava” às vezes quando voltava com sua donzela da biblioteca. Se lhe enviava flores, dormia
com elas ao lado da cama e quando começavam a murchar-se, colocava-as entre os livros para as
conservar. de vez em quando podiam acontecer uns momentos juntos, perder-se entre a multidão
depois de um baile ou um jantar e procurar um lugar nos jardins ou no batente de algum ventanal.
Ali se sussurravam o que sentiam e intercambiavam um beijo casto ou dois. Rachel vivia para
aqueles momentos.
Perdida em sua nuvem de amor, Rachel apenas se deu conta da freqüência com que lorde
Westhampton ia visitá-la ou a convidava a dançar. Estava muito pendente do Anthony para fixar-se
muito em outros pretendentes, e ao Michael nem sequer o tinha colocado entre aquele grupo. Era
quase dez anos maior que ela e amigo do marido do Caroline, e a jovem assumiu que formava parte
do círculo de amigos dos duques. Como sua família e ela passavam a temporada na grande mansão
Cleybourne, não lhe pareceu estranho que um amigo do duque fosse de visita freqüentemente ou
fora incluído nas distintas saídas. Não formava parte do círculo de jovens que a rodeavam nas festas
e competiam entre si por lhe levar um copo de ponche, recolher uma luva dele que caía ao chão ou
conduzir a à mesa nos jantares. De ter sido mais maior ou menos ingênua, teria se dado conta de que
sua ausência indicava uma intenção mais séria para seus pais. Era muito amadurecido e importante,
muito sério em suas intenções para unir-se ao grupo que a perseguia. Não era um homem que queria
paquerar e admirar; era um homem que tinha intenção de casar-se.
Rachel não pensava muito nele, embora, de havê-lo feito, haveria dito que gostava de lorde
Westhampton. Era calado, bom ouvinte, e se ela cometia um engano de etiqueta ou fazia um
comentário ingênuo, ele o passava por cima com um sorriso. Como não o incluía em seu círculo de
admiradores, não se sentia obrigada a conquistá-lo. Embora não lhe interessava nenhum além do
Anthony, estava acostumado a se dar por sentado que o número de pretendentes do círculo da
mulher era a medida do êxito que esta tênia em sociedade, por isso não convinha que a gente visse
que diminuía o número de seus admiradores, razão pela qual tinha que paquerar sem parecer
atrevida e mostrar-se engenhosa e animada.
Com o Westhampton, em troca, podia falar facilmente. Não lhe preocupava tratar de lhe gostar
de nem manter uma certa imagem. Simplesmente o tratava como a outros amigos de seus irmãos
maiores. Não demorou para dar-se conta de que se tinha algum problema referente à etiqueta ou
precisava averiguar quem era alguém e onde encaixava na sociedade, lorde Westhampton era a
pessoa a que acudir.
Até que um dia, no fim de julho, seu pai as convocou a sua mãe e a ela na biblioteca. O coração
lhe pulsou com força e se ruborizou. Uma chamada assim implicava que ocorria algo importante e
pensou imediatamente no Anthony Birkshaw. Só podia ser que este tivesse pedido sua mão em
matrimônio.
Seu pai estava em pé detrás de uma das mesas, com aspecto tão imponente como sempre.
Rachel se tinha criado temendo a aquele homem. O conde do Ravenscar, severo, religioso e sem
senso de humor, não apreciava nem entendia aos meninos. Logo que via os seus exceto no domingo,
quando a família ia à igreja do povo e escutava depois ao conde ler a Bíblia e catequizá-los. Vivia com
a convicção de que os meninos chegavam ao mundo para honrar e obedecer a seu pai e qualquer
forma de rebelião tinha que ser esmagada imediatamente.
Rachel, a mais pequena dos três irmãos, cresceu vendo as batalhas entre seu irmão e seu pai que
terminaram em uma ruptura total, em que o conde jogou ao Devin de sua casa e lhe disse que não
voltaria a ser bem recebido nunca mais. Após, Rachel não tinha visto seu irmão até esse verão. A dor
dessa separação e o terror à fúria de pai ficaram impressos firmemente em sua mente. Ela tinha
conseguido evitar essas confrontações afastando-o mais possível da presença de seu pai e não
enfrentando-se a ele abertamente.
Em concreto, esse dia na biblioteca, seu pai se mostrava sorridente e agradado.
– Bem, Rachel – disse corajoso –. Imagino que tem alguma idéia de por que te chamei.
– Acredito que sim – repôs ela, com certa vacilação. Surpreendia-lhe um pouco que seu pai se
mostrasse tão agradado com a proposta do Anthony. Não sabia nada de suas finanças, claro, mas era
o filho pequeno de um filho pequeno e embora sua linhagem era muito respeitável, não possuía um
título nem parecia ser tão rico para agradar a seu pai.
– com certeza que sim – continuou o conde –. Lorde Westhampton é uma boa captura. Não é
um duque, claro, como o de sua irmã... – soltou uma risita-, mas sim um pretendente excelente.
Título, propriedades, uma família que se remonta até os barões do Guillermo o Conquistador. Sim,
agrada-me muito que Westhampton se fixou em ti. É obvio, oferece um acordo muito generoso,
embora ainda não fixamos os detalhes. E é obvio, quer te fazer a pergunta pessoalmente, mas
acredito que todos sabemos qual será a resposta, né?
– Lorde... Lorde Westhampton? -perguntou Rachel, surpreendida. Sentia um rugido estranho
nos ouvidos e por um terrível momento acreditou que ia deprimir se –. Lorde Westhampton pediu
minha mão?
– Sim – seu pai a olhou com receio –. por que? Estava pensando em outra pessoa? entregaste seu
carinho a outro?
– Tolices – a mãe do Rachel pôs uma mão protetora no braço de sua filha –. É obvio que não
entregou seu carinho a ninguém. Simplesmente lhe surpreende que um homem como lorde
Westhampton esteja tão prendado dela. A qualquer jovem modesta ocorreria o mesmo. É uma boa
partida, como você mesmo há dito.
– Sim, suponho que tem razão – murmurou o conde, que não podia imaginar que sua filha mais
pequena, a que menos espírito tinha dos três, enfrentasse-se a ele.
Sua esposa lhe disse que Rachel e ela tinham que decidir o que vestido escolher para a
proposição do Westhampton e tirou sua filha da biblioteca.
– No que estava pensando? – disse-lhe assim que estiveram no saloncito das damas e teve
fechado a porta –. Deste-me um bom susto. De verdade te surpreende tanto? Westhampton não saiu
que a mansão Cleybourne em todo o verão.
– Mas... mas é amigo do duque e eu pensava...
Sua mãe suspirou com exasperação.
– E eu que pensava que o estava levando muito bem! Ah, bom, dá igual. Sem dúvida assumiu
que é modesta e inocente. Os homens apaixonados, por sorte, são bastante tolos. Agora temos que
fazer planos. Sem dúvida virá esta tarde a falar contigo, já que seu pai lhe deu permissão. Terá que
decidir o que te vais pôr. Talvez Caroline empreste ao Lucy para te arrumar o cabelo. Tem que estar
muito formosa, mas não parecer que está esperando sua pergunta.
– Mas mamãe! – exclamou Rachel com pânico –. Não pôde aceitar a lorde Westhampton
Sua mãe a olhou atônita.
– Está louca? – perguntou com uma voz que ressonou como uma chicotada –. Como que não
pode aceitar...? – respirou com força –. Não! Seu pai tinha razão? puseste seu afeto em outra parte?
meu deus, filha! O que tem feito? – o medo e a fúria se mesclavam em sua voz –. Não me diga que
entregaste a um homem.
– Não! – exclamou Rachel, escandalizada –. Como pode pensar isso? Eu nunca... ele jamais...
– Bem – a condessa se relaxou um pouco –. Então não passa nada que não possa arrumar-se.
Quem é esse homem? Não posso acreditar que não tenha notado nada.
– É o senhor Birkshaw. Anthony Birkshaw. E não tem feito nada indevido. Sempre se mostrou
muito correto. Nem sequer suscitou comentários ficando sempre a meu lado.
– Birkshaw! – sua mãe a olhou horrorizada –. Anthony Birkshaw! Esse jovencito sem fortuna
ousou tentar conseguir seu afeto? OH, Rachel! Como pudeste ser tão tola? O que lhe há dito?
Prometeste-lhe...? Mas não, ninguém consideraria lhe vincule a promessa de uma menina tola
quando ele não teve nem a cortesia nem a coragem de falar antes com seu pai.
– Não me pediu que me case com – lhe assegurou Rachel –. Já te digo que sempre foi muito
correto. Não nos temos feito promessas, juro-o. Mas eu o amo e sei que ele me corresponde. E hoje,
quando pai nos chamou à biblioteca, pensei que era ele o que tinha pedido minha mão.
Sua mãe a olhou com um indício de compaixão.
– Minha querida menina, não pode pensar que o conde aprovaria essa união verdade? O senhor
Birkshaw jamais conseguiria sua permissão. Não tem dinheiro nem perspectivas de futuro. Seu pai é
o terceiro filho de lorde Moreston. Teria que haver uma praga para que o título chegasse até ele. E
seria só uma baronía. Não me ocorre como pôde acreditar que podia aspirar à filha de um conde.
– Não acredito que tenha pensado muito no título de meu pai – repôs Rachel, com mais
aspereza da que usava habitualmente com sua mãe –. É de mim de quem se apaixonou.
– Nesse caso, só posso dizer que é um imbecil e você também – a condessa moveu a cabeça –.
Bem, mais vale que esqueça todas essas tolices. Esta tarde tem que aceitar ao Westhampton e não
pode aparecer com ar desgraçado que lhe faça trocar de idéia.
Ao Rachel deu um tombo o coração
– Mas mãe, como vou aceitar o? Não o amo. Apenas o conheço. Amo a outro homem.
– Não há motivo para que ele saiba – replicou sua mãe –. E o melhor será que você também te
tire essa idéia da cabeça. Seu pai jamais te permitiria ver o Anthony Birkshaw. Custa-me acreditar
que tenha sido tão parva para entregar seu coração a um... a um mendigo.
– Não é um mendigo!
– Ora! Você não sabe nada disso – a condessa olhou a sua filha com frieza –. Crie que alguma de
nós se casou por amor? O que alguma de nós conhecíamos nossos maridos antes de nos prometer?
Posso-te assegurar que eu não e sua irmã tampouco.
– Mas Caroline e Richard se amam.
– Sua irmã foi o bastante lista para não entregar seu coração até que teve dado sua mão –
replicou sua mãe –. Não posso acreditar que esteja atuando assim. Você sempre foste a mais
obediente de meus filhos – fez uma pausa para recuperar a compostura –. A que te acreditava que
vínhamos aqui? A que passasse um verão de festas e diversão? Seu pai teve que tragar o orgulho e
aceitar um empréstimo do Cleybourne para que você tivesse esta temporada. E conhecia muito bem
qual era o objetivo. Sabia o que se esperava de ti.
– Sim, mas... – os olhos do Rachel se encheram de lágrimas. O mundo de sonho no que tinha
passado o verão se derrubava a seu redor. Compreendia que tinha sido uma parva ao pensar que
seus pais aceitariam ao homem do que se apaixonou –. Não posso! – gemeu –. Não posso me casar
com lorde Westhampton quando amo a outra pessoa.
– Pode e o fará – a voz da condessa era implacável –. Sinto que tenha sido tão parva para
entregar seus sentimentos. Teria que te haver vigiado melhor e te peço desculpas por não havê-lo
feito, mas corrigirei agora mesmo esse engano. Direi ao Caroline que relatório ao mordomo de que
não está em casa quando vier o senhor Birkshaw.
– Não! – a dor atravessou o peito do Rachel como uma faca –. Mãe, não pode...
Lady Ravenscar lhe lançou um olhar pétreo.
– Se for preciso, o direi a seu pai e o despedirá.
– Não! – a idéia de que seu pai falasse com o Anthony e lhe proibisse a entrada na casa a
aterrorizava mais ainda. Seu pai tinha um temperamento terrível; impossível saber o que podia lhe
dizer ou lhe fazer ao Anthony. Não seria surpreendente que o açoitasse com sua fortificação.
– Superará esse capricho – seguiu sua mãe com voz fria –. Sei que agora te parecerá que se acaba
o mundo, mas essa sensação passará logo. Os caprichos das jovens sempre são assim. dentro de umas
semanas estará planejando suas bodas e escolhendo vestidos para seu enxoval e te dará conta de
quão absurdo foi tudo isto.
– Não – repôs Rachel com voz estrangulada –. Não será assim.
– Tem que tentá-lo. Porque posso te assegurar que não te casará com o senhor Berkshaw. Se o
pensar bem, seguro que entende por que te ofendeu. Suponho que logo que tem dinheiro para
manter-se só e possivelmente foi tão parvo para pensar que você foi rica.
– Não é questão de dinheiro! – gritou a garota –. Amamo-nos.
– Pois é um amor sem esperança – repôs sua mãe, implacável –. Seu pai e eu jamais
permitiremos que te case com ele. E se for tão parva para rechaçar a lorde Westhampton por essa
loucura, garanto-te que o lamentará pelo resto de sua vida.
Rachel já não pôde reter mais tempo as lágrimas. Começou a soluçar, afundou-se na poltrona
mais próxima e se tampou o rosto com as mãos. Sua mãe a olhou um momento exasperada e logo
tirou um lenço de seu bolso e o passou.
– Chora – disse –. E quando terminar, te tombe com um trapo frio nos olhos para impedir que se
enchem. Não pode receber esta tarde a lorde Westhampton com os olhos avermelhados pelo pranto.
– Não posso me casar com ele – repetiu Rachel entre lágrimas-, morreria.
– Não. Asseguro-te que não. Não é a primeira garota que se crie perdidamente apaixonada e
certamente não será a última. E nunca morrem. É obvio, se decide rechaçar a perspectiva de ser lady
Westhampton, de ter um marido que te adora e te concederá todos os caprichos, de ser proprietária
de duas das mansões mais admiradas por país e de um número ilimitado de vestidos e jóias... –
interrompeu-se com um suspiro –. Bom, não posso te obrigar a aceitá-lo, embora não quero nem
pensar no que dirá seu pai. Seria um milagre que pudesse convencer o de que não nos levasse ao
Darkwater em seguida e esse seria o fim de suas esperanças. Mas talvez se mostrasse razoável. Tem
outros admiradores, embora nenhum tão boa partida como lorde Westhampton. Pode que tenha
outra oportunidade de receber uma oferta decente antes de que termine a temporada, quando todos
voltaremos para campo a terminar nossas vidas na penúria.
Rachel pensou horrorizada na obrigação de seguir ali toda a temporada, de ir a festas e tentar
atrair um marido quando seu coração estaria já quebrado.
– Mãe, não posso...
– E pensa ser solteirona o resto de sua vida? Porque não terá mais oportunidades de conhecer
homens casaderos. Não podemos pagar outra temporada e te asseguro que seu pai não desejará fazer
nada mais por ti se lhe levar a contrária agora.
Rachel pensou na ira de seu pai e se estremeceu. Nunca tinha sido objeto de um de seus
espantosos ataques de fúria.
– Mãe, por favor...
– Filha, não posso te ajudar. Solo tem duas opções... cumprir seu dever para a família, aceitar a
lorde Westhampton e levar uma vida agradável e satisfatória, ou recusar e ficar conosco até nossa
morte, e logo suponho que teria que viver como acompanhante de sua irmã Caroline.
Suspirou com força.
– Agora quero que te tombe. Enviarei-te à donzela com rodelas de pepino e um trapo frio para
os olhos. E quero que pense no que vais fazer. Quero que considere o que ocorrerá a todos se não te
casar com lorde Westhampton. Quero que recorde esta temporada e tudo o que temos feito para que
receba uma boa oferta e leve uma boa vida. Logo decide se quer envergonhar desse modo a sua
família. Se de verdade for negar a fazer o que se espera de ti, o que tem que fazer. Estou segura de
que tomará a decisão correta sobre lorde Westhampton.
Rachel fechou os olhos e acreditou sentir ainda a dor que havia sentido tantos anos atrás, a
infelicidade que sentia quando foi a seu quarto a tombasse na cama. Esgotada pela pena e sumida no
desespero, tinha chorado até não poder mais, enquanto a donzela lhe secava as lágrimas e se
esmerava por reparar o dano que o pranto lhe tinha causado na cara.
ficou tombada pensando, como lhe tinha aconselhado sua mãe. Compreendeu com amargura
quão tola tinha sido, como tinha vivido em um mundo de sonho. E confrontou o vazio de seu futuro,
solteira no Darkwater e objeto da desaprovação de seu pai, que lhe recordaria constantemente o má
filha que tinha sido. Sem permissão de seu pai não podia casar-se com o Anthony até os vinte e um
anos pelo menos, e sabia que seu pai não daria essa permissão. Sabia também, com desespero, que
sua mãe tinha razão sobre o estado das finanças do Anthony. Lady Ravenscar sempre estava a par
dessas coisas. Além disso, isso explicava por que, apesar de seu amor por ela, não tinha pedido sua
mão. Sabia que seu pai não o aceitaria; certamente ele também tinha que procurar um matrimônio de
conveniência.
Seu sonho de amor morreu aquela tarde. Confrontou o mundo tal e como era, o mundo no que
uma filha fazia as bodas que devia fazer, a que desejavam seus pais. Viu a realidade, em que não
mandava o amor, a não ser a razão fria e dura. Todo seu ser lhe doía ante a idéia de entrar nesse
mundo. Mas ao final se levantou e deixou que a donzela lhe pusesse o vestido de tarde eleito por sua
mãe, que Lucy lhe arrumasse o cabelo e escondesse os círculos vermelhos de seus olhos sob um
pingo de pós de arroz. Logo descendeu as escadas e aceitou a proposição de matrimônio de lorde
Westhampton.
Capítulo 3
Michael despertou com um sobressalto. Permaneceu um momento imóvel, suando, com o
coração lhe pulsando com força. Tinha sonhado com o Rachel. Não recordava os detalhes, mas a
sensação era clara... a mesma mescla de prazer e excitação tinta de pena que sentia sempre que
sonhava com sua esposa.
Estar com o Rachel era muito diferente. Os sentimentos em seu interior eram os mesmos, mas
ampliados muitas vezes e mesclados com nervosismo e incerteza. Ao menos em sonhos era capaz de
falar com ela sem converter-se em um parvo estirado, como lhe passava na vida real. Em sonhos
podia beijá-la e acariciá-la com luxúria. Mas assim que sua mente recuperava a consciencia e se
impunha a realidade, retornava a tristeza.
Sempre era pior quando ela tinha estado de visita. Então os sonhos eram mais freqüentes e
intensos. Com sua ausência tendiam a decair. Era mais fácil viver sem ela, como tinha descoberto
quando levavam um ano casados. Por grande que fora a alegria de estar a seu lado, a dor aumentava
até um ponto insuportável, até que já não podia viver com ela, vê-la todos os dias, sofrer de amor e
paixão por ela sem ser nunca seu marido no sentido estrito da palavra. Era quase insuportável amá-la
como a amava e saber que não lhe correspondia, que nunca o tinha amado e nunca o amaria. Saber
que, desde que se casou com ele, levava uma vida de tristeza calada e sofria, como ele, por alguém a
quem não teria nunca. Sabia o que sentia e desejava com todo seu coração ter podido lhe economizar
essa pena. E o pior de tudo era que também sabia que tinha sido ele o que a tinha condenado a essa
vida.
Apartou as mantas com um suspiro e saltou da cama. A carícia do ar fresco em sua pele quente
resultava agradável, e não ficou a bata; aproximou-se da cômoda e se serve um copo de água de uma
jarra que havia em cima. Bebeu com ansiedade e foi à janela, onde apartou uma esquina do pesado
cortinón de veludo para olhar a noite.
Seu dormitório dava a uma parte do caminho de entrada alinhado de árvores que levava a
porta principal da elegante mansão. Mais à frente se viam as colinas que caracterizavam aquele
distrito. Ainda não era de dia, mas a escuridão se esclarecia e se podiam distinguir as formas das
árvores e matagais. Amanheceria logo, assim não tinha sentido voltar para a cama. O que tinha que
fazer era ficá-la bata e as sapatilhas, acender uma vela e começar o dia.
Mas lhe parecia um esforço inútil. O dia só lhe oferecia solidão e a dor da perda. Sabia que seria
assim durante muitos dias ainda. Sabia por experiência. A casa estava ainda cheia de lembranças do
Rachel, de sua presença. Ainda o assaltava a louca esperança de dobrar uma esquina e encontrar-se
com ela, ou de ouvir sua risada em um corredor. Essa vez tinha estado mais que de costume, quase
três meses, e acompanhada da Gabriela, o que implicava que também tinha havido risadas infantis,
um som que fazia muitos, muitos anos que não se ouvia na casa.
Rachel parecia mais feliz que outras vezes. Estava contente pelo Dev e Richard, alegrava-se de
que ao fim tivessem encontrado o amor. Queria profundamente a seu irmão e a seu cunhado e sua
infelicidade tinha aumentado ainda mais a dela. E ao contrário, sua alegria tinha servido para animá-
la. E a presença da Gabriela também lhe tinha levado felicidade. A menina era inteligente e corajosa e
sua presença facilitava as coisas entre os maridos. Era difícil manter os formalismos com ela perto,
que ria, conversava e se inundava com entusiasmo em tudo o que lhe oferecia.
O que fazia pensar ao Michael que Rachel teria sido feliz tendo filhos, outra das coisas que lhe
tinha roubado ao casar-se com ela. Ele tinha querido dar-lhe tinha pensado que os teriam; mas isso
foi nos primeiros tempos, quando acreditava que ela chegaria a amá-lo algum dia, que a
profundidade e a intensidade de seu amor por ela acabariam por conquistá-la. Então pensava que
com o tempo teriam um matrimônio normal, com intimidade e com filhos. Mas isso era porque não
sabia que a mulher a que amava tinha entregue já seu coração a outro homem.
Tinha sido um ingênuo ao não ver que estava apaixonada. Naquela época sabia muito de livros
e muito pouco sobre o coração de uma mulher.
Tinha quase trinta anos quando conheceu o Rachel, muito major para saber tão pouco de
amores e conquistas. Ao contrário que seu pai, tinha sido um jovem tranqüilo e amante dos livros.
Seu pai tinha manchado de escândalo o nome do Westhampton. Era um homem que vivia como lhe
agradava, comia e bebia em excesso, jogava e perseguia a toda classe de mulheres.
Michael, em troca, parecia-se com sua mãe, uma mulher tranqüila e inteligente que desfrutava
mais com livros e conhecimentos que com vestidos e festas. Michael tinha visto a dor em seus olhos e
sabido que o causador era seu pai. Odiava a seu pai por seus excessos e jurou que não seria nunca
como ele.
Aprendeu a montar e a caçar, ensinaram-lhe a arte viril do boxe e o mais elegante da esgrima.
Seu pai insistiu em que aprendesse essas coisas, que para ele constituíam a educação de um
cavalheiro britânico, e Michael as aprendeu como fazia todo o resto, com tranqüila determinação.
Mas embora dava o melhor de si nessas atividades, não gostava tanto como a educação de sua mente.
Sua felicidade estava nos livros e nas horas tranqüilas que passava lendo e pensando nos mistérios
do universo. Tinha tanta sede de conhecimentos como seu pai de álcool.
Desprezava a seu pai por sua vida hedonista e libertina, pela vergonha que tinha causado no
nome da família e a dor que tinha ocasionado a seu gentil algema, e se jurou que nunca seria como
ele. Desfrutou de seus anos em Oxford e fez amigos entre os homens de letras e ciências que
encontrou ali. E quando seu pai morreu ao cair do cavalo uma noite que voltava para casa bêbado,
Michael passou muito tempo só na propriedade familiar do Lake District lendo, administrando a
propriedade e escrevendo-se com homens que tinham seus mesmos interesses.
A única vez que se afastou dessa vida tranqüila foi durante a guerra, quando sir Robert Blount,
um amigo dele que trabalhava no Governo, suplicou-lhe que ajudasse a capturar a uns espiões do
Napoleón que operavam na Inglaterra. Seu amigo lhe pediu que provasse a decifrar as mensagens
em chave que usavam os espiões, consciente de que Michael desfrutava com esse tipo de enigmas. E
este não demorou para decifrar a chave e se encontrou cada vez mais imerso naquele jogo de intrigas.
disse-se que o fazia por patriotismo e por provocação intelectual, mas sabia, com certa vergonha, que
gostava da excitação e o perigo que representavam. Satisfazia-lhe além de usar sua inteligência e
habilidades físicas para derrotar a seus oponentes, e lhe causava prazer escapar do perigo. Descobriu
que tinha um talento até então oculto para disfarces e acentos, que podia mesclar-se com pessoas de
distintas classes e lugares sem ser detectado. Suas maneiras tranqüilos e seu aspecto, atrativo mas
pouco chamativo, obtinham que o fora fácil passar desapercebido.
Quando terminou a guerra, sua vida voltou para a rotina tranqüila de antes. Preocupou-lhe um
pouco comprovar que sentia falta da excitação da intriga; o amor pelo perigo lhe recordava muito a
seu pai e odiava ver em si mesmo algo do defunto lorde Westhampton.
Não procurava expressamente uma esposa. Quando pensava casualmente no tema, assumia
que um dia se casaria com alguém de boa família e interesses similares, uma mulher com a que
pudesse formar uma família e compartilhar sua vida. Não esperava a paixão arrebatadora que o
assaltou a primeira vez que viu o Rachel Aincourt.
Tinha ido passar parte da temporada a Londres, como tinha por costume, e tinha assistido a
uma festa com seu amigo Peregrin Overhill. Perry tinha gabado muito à nova beleza da cidade, mas
como tendia a fazê-lo freqüentemente, Michael não emprestou muita atenção a suas palavras sobre a
filha mais jovem de lorde Ravenscar. Não duvidava de que seria formosa. Era amigo do duque do
Cleybourne e Caroline, a filha maior do Ravenscar, era na verdade uma beleza.
Mas quando entrou no salão de baile e viu o Rachel, alta e esbelta com seu elegante vestido
branco, a palavra «beleza» não lhe pareceu digna de descrevê-la. Brilhava-lhe o rosto, tinha manchas
rosas nas bochechas, suaves como o veludo e seus olhos verdes, emoldurados por pestanas tão
negras como os cachos de seu cabelo, eram brilhantes e enormes. E quando sorria... não havia
palavras para descrever como lhe acelerava o coração no peito e como sua vida, antes tão rotineira,
organizada e tranqüila, passou a converter-se em um tumulto de sensações caóticas e gloriosas.
Todas suas idéias prévias sobre um matrimônio agradável saíram pela janela. Assim que cruzou
a estadia e falou com ela, soube que era a mulher a que queria como esposa. Aquela garota de falar
suave e sorriso resplandecente despertava nele tal paixão, tanta emoção, que sabia que jamais
poderia sentir o mesmo por ninguém mais.
Dispôs-se a cortejá-la como um cavalheiro, sem fazer nunca nada impróprio, é obvio, mas
visitando-a com freqüência, levando-a a passear em calesa, dançando com ela os dois bailes que lhe
permitia a etiqueta. Ajudou a seus esforços o fato de que já era amigo do duque do Cleybourne e
tinha, portanto acesso freqüente à casa. Tanto a duquesa como lady Ravenscar, atentas a qualquer
amostra de interesse por parte dos homens casadoiros, incluíam-no em qualquer acontecimento que
organizassem, já fora um picnic; uma noite na ópera ou uma visita à última peça de teatro do Drury
Lane.
Michael sabia que não era uma figura muito romântica para uma garota jovem, mas era
consciente de que lhe considerava um bom partido, já que não só tinha título e dinheiro, mas sim
além disso era muito apresentável de aspecto e maneiras. Sabia que Rachel não o amava, mas
confiava em poder ganhar seu coração com o tempo. Ela não rechaçava seus oferecimentos de
passear pelo Rotthen Row e sempre parecia contente de falar com ele quando estava perto. lhe tivesse
gostado de ir mais devagar, lhe dar tempo para que tomasse afeto, mas sabia pelo Cleybourne que
Ravenscar, sempre necessitado de dinheiro, entregaria a mão de sua filha ao primeiro solteiro
cotizado que lhe fizesse uma oferta. E tendo em conta que um dos homens que mais probabilidades
tinham de fazê-lo era sir Wilfred Hamerston Smythe, um viúvo o bastante velho para ser pai de
Rachel e do que se dizia que sua esposa tinha morrido para fugir dele, pensou que não era arrogante
por sua parte supor que Rachel seria mais feliz casada com ele.
Não considerou a possibilidade de que ela o rechaçasse. As filhas geralmente se casavam
segundo os desejos de seus pais e ela também devia saber que sua oferta era de quão melhores podia
esperar. Por isso, embora ela se mostrou tímida e calada ao aceitar sua proposição, ele o atribuiu a
que tinha tido que matar suas esperanças de que seu futuro marido fora um príncipe azul que fosse a
resgatada montado em um cavalo branco e se prometeu a si mesmo que a faria feliz. Sabia que
certamente resultaria aborrecido para uma moça, mas pensava que sua amabilidade, seu respeito e
seu amor engendrariam nela um afeto que daria passo, se não ao fogo da paixão, ao menos sim a
calidez do amor.
Não se deu conta de que não só não o amava ele, mas sim amava a outro.
O mero feito de pensar nisso lhe causava uma dor lacerante no peito. Suspirou e deixou cair a
cortina. Ficou a bata e se sentou em uma poltrona pensando no momento, sete anos atrás e só dois
dias antes das bodas, em que descobriu que sua prometida se fugiu com outro homem.
As bodas ia se celebrar no Westhampton, na pequena igreja de pedra normanda do povo onde
se casaram todos os condes do Westhampton desde que alguém podia recordar. A casa estava cheia
de amigos e familiares que tinham ido celebrar as bodas, e ainda havia mais que se hospedavam no
povo e em casa de sir Edward Moreton, um vizinho cuja amável algema tinha aceito a carga de
albergar a vários hóspedes.
Era uma ocasião alegre. Michael não recordava ter sido nunca tão feliz. Acreditava que Rachel
tinha começado a apreciá-lo nos últimos meses. Desde que estavam prometidos, permitiam-lhes
acontecer mais tempo juntos. E embora sempre que ia de visita os acompanhavam a mãe ou a irmã
dela, agora se sentavam freqüentemente a certa distância e lhes deixavam falar com certa liberdade. E
nos bailes podia ser seu casal em mais de duas peças sem suscitar falações.
O fato de que ela parecia apreciá-lo mais quanto mais tempo passavam juntos, dava-lhe
esperanças de poder conquistar seu amor quando passasse todas aquilo das bodas e pudessem ao fim
estar sozinhos.
Faltavam dois dias para as bodas e os prometidos saíram juntos da sala de música depois de
uma velada tranqüila de canções entre amigos. Michael pensava com antecipação no momento em
que ao fim ficassem sozinhos. Não era sua intenção consumar o matrimônio a primeira noite; sabia
que seria muito duro para uma garota jovem entregar-se assim a um quase desconhecido. Apesar do
muito que a desejava, queria tomar-se tempo para que confiasse nele, para despertar sua paixão de
maneira gradual. Tinha jurado fazia muito que não faria sofrer a nenhuma mulher e não podia
infligir dano algum a Rachel, a que amava.
Mas seria maravilhoso estar a sós com ela, sem a presença constante de uma carabina, poder
falar com ela, rir e fazer o que quisessem, aprender a conhecer-se, beijá-la e abraçá-la, tomar a mão
sem que ninguém os visse nem murmurasse. Nos últimos meses se perguntou em ocasiões se
chegaria alguma vez esse momento.
Rachel se tinha mostrado mais calada que de costume durante a velada e ao Michael pareceu
que estava algo pálida, mas o atribuiu aos nervos pelo iminente das bodas.
Quando passavam ante a estufa, vazio e escuro, tirou-a do braço e atirou dela para a porta. A
jovem o olhou sobressaltada, com olhos muito abertos.
-O que acontece? -sussurrou.
Michael lhe sorriu.
- Não há por que ter medo.
-O que? -Rachel soltou uma risada –. Medo do que?
-Não sei. Das bodas. Superaremo-la sem problemas. Todo mundo sobrevive.
-OH, sim, suponho que sim -sorriu ela –. Acredito que estou um pouco nervosa.
-Não temam. Eu estarei ao seu lado. Só têm que me cravar os dedos no braço se criem que lhes
ides deprimir e eu lhes sustentarei.
-Está bem.
Michael acreditou ver um brilho de lágrimas em seus olhos, mas ela apartou a vista e, quando
voltou a olhá-lo um instante depois, seus olhos estavam secos. Pô-lhe uma mão sob o queixo e a
olhou aos olhos.
-Confia em mim, verdade? -perguntou com suavidade –. Por favor, asseguro-lhes que pode
confiar. Não lhes farei mal, prometo-o.
-OH, Michael... -a voz dela se quebrou pela emoção e fechou uma mão em torno da dele –. Não
sou... digna de você.
-Que tolice! -sorriu ele –. É digna de qualquer homem.
Vencido pelo amor que alagava seu coração quando a olhava, inclinou-se a olhá-la. Os lábios
dela estavam quentes e suaves sob os seus e insinuavam tal prazer que quase não pôde suportá-lo.
Naquele momento a desejava mais que nunca. O sangue lhe golpeava os ouvidos e rugia em suas
veias. Pensou no corpo dela complacente em seus braços, em sua boca abrindo-se a ele com paixão.
Rodeou-a com seus braços e atirou dela para si ao tempo que aprofundava o beijo. Uma quebra
de onda de calor atravessou seu corpo e a apertou contra ele. Seus lábios provavam a doçura com a
que levava meses sonhando. Pensou nos dias e semanas que os esperavam, nos que faria conhecer o
Rachel os prazeres da carne, pensou em explorar seu corpo com as mãos e a boca, em lhe ensinar o
prazer que podiam dar-se mutuamente, e um tremor de luxúria atravessou seu corpo.
Quão último desejava era finalizar o beijo, soltá-la e apartar-se, mas se obrigou a fazê-lo. Não
devia assustá-la com a enormidade da paixão que pulsava nele.
Rachel o olhava com os olhos muito abertos pela surpresa. Seus lábios eram suaves e úmidos,
escuros pela pressão da boca dele, e lhe bastou vendo-os para voltar a sentir a luxúria. Retrocedeu
um passo mais e pigarreou.
-Perdão. Não devi... -o desejo nublava de tal modo sua mente que não podia pensar em nada
racional –. Acredito que deveríamos damos a boa noite.
-Sim, milord - sussurrou ela antes de sair apressadamente da estadia.
Michael deu um passo para ela, preocupado de repente se por acaso era medo o que tinha visto
em seus olhos e não só surpresa. Deteve-se, pensando que se a tinha assustado sua perseguição só
conseguiria aumentar o medo. Sem dúvida seu beijo repentino a tinha sobressaltado. Não era próprio
dele, que estava acostumado a controlar seus atos. Mas a beleza de Rachel punha a prova sua
compostura, e durante os meses de compromisso, tinha tido que exercitar um forte controle sobre
seus desejos. E agora que se aproximava o final, tinha baixado a guarda. Teria que ir com mais
cuidado, manter as distâncias com sua prometida até depois da cerimônia.
O melhor que podia fazer nesse momento seria deixá-la sozinha. Se sua paixão a tinha
incomodado, sua mãe ou sua irmã poderiam sossegar seus medos melhor que ele.
Retirou-se a seu estudo e se serve um brandy.
Uma hora mais tarde, seguia ainda ali, lendo um livro e terminando seu segundo brandy,
quando bateram na porta. Era o mordomo, com ar de embaraço.
-Milord -murmurou –. Ah, o chefe de quadras quer lhes falar. Hei-lhe dito que estavam em seu
estudo, mas se mostra muito insistente. Não quis me dizer do que se trata. Lamento lhes incomodar,
mas como se trata do Tanner...
-Sim, fazem bem -Michael ficou em pé com curiosidade. Supunha que devia haver um
problema com um dos cavalos, ou possivelmente com algum animal dos convidados. Tanner era um
homem fleumático, pouco propenso a acudir correndo a pedir o conselho do amo.
O homem o esperava na porta que levava ao jardim traseiro; tinha o chapéu nas mãos e lhe
dava voltas com nervosismo. Michael o conhecia desde que tinha entrado em trabalhar ali quando
ele era um moço, e a expressão de seu curtido rosto fez que o olhasse com apreensão.
-O que acontece? -perguntou sem preâmbulos –. Trata-se do Saladino? -era seu cavalo predileto,
um alazão negro de graça e velocidade pouco comuns.
Tanner pareceu surpreso.
-O que? OH, não, milord. Nada disso. Saladino está bem e tão em forma como sempre. É algo
muito... -deteve-se e o olhou incômodo –. Espero que não me interprete mal, senhor. Eu não teria
vindo a você de não ser porque o moço está acostumado a ter a cabeça bem posta sobre os ombros e
não é dos que inventam histórias.
-Sinto muito, Tanner, não compreendo. De que falas?
-Uma dos moços de quadra, senhor. Dougie. É um bom menino, um de quão melhores tive
aqui, e eu diria que muito de confiar. Veio a me contar...
-Sim? -respirou-o Michael ao ver que se interrompia –. Algo que crie que eu devo saber?
-Exato -suspirou Tanner –. A questão é que a moço acreditou ver a senhorita Aincourt.
-A senhorita Aincourt? Minha prometida?
-Sim. Assim é. Nos jardins, no caminho que leva ao prado.
-Ao prado? Quando? Refere a esta noite?
-Sim, senhor -o outro apartou a vista –. Faz uma meia hora. Dougie dava um passeio antes de
deitar-se e há voltado alterado e me chamou fora para me dizer que tinha visto a senhorita Aincourt
ali.
-Tem que estar equivocado -repôs Michael –. A esta hora da noite? Eu vi a senhorita Aincourt
recentemente mais de uma hora e se ia à cama.
-Perguntei-lhe, senhor, e jura que era ela. Diz que lhe surpreendeu tanto vê-la que se aproximou
para certificar-se -o homem vacilou –. Diz que falava com um homem - terminou apressadamente.
Michael ficou frio de repente.
-Continua -disse, surpreso de poder falar.
-Dougie a princípio acreditou que foram vocês e se tornou para partir, mas então relinchou um
cavalo e viu que havia um baio maço a uma das árvores, escondido nas sombras. Dougie entende de
cavalos e esse não era dos nossos, assim não sabia o que fazer, senhor. Pensava que não devia deixar
à senhorita Aincourt ali só e sabia que o homem era de fora pelo cavalo, assim que se ficou olhando,
tratando de decidir. E logo o homem tirou o cavalo e Dougie lhe viu a cara e diz que não o tinha visto
nunca e ajudou a montar à senhorita, subiu com ele e se partiram.
O chefe de quadras estudava os paralelepípedos sob seus pés. Michael tinha a sensação de que
não podia respirar. Recordou o rosto de Rachel depois de beijá-la, o que parecia surpresa e que talvez
era medo. A força de sua paixão a teria assustado até o ponto de fugir dele? Recordou logo que se
mostrou estranha toda velada.
Respirou com força e tentou esclarecer sua mente.
-Está seguro?
-Jura que viu isso. De ser outro dos moços não lhes teria incomodado, mas Dougie... Nunca o vi
mentir e nem sequer exagerar. O perguntei uma e outra vez e insiste em que não se equivoca. Não há
aroma de genebra em seu fôlego e não sabia o que fazer, senhor, mas ao fim lhes decidi contar isso.
-Comprovarei-o agora mesmo -assegurou-lhe Michael sombrio –. Não faz falta que lhes diga...
-Ninguém mais sabe nada e não saberão. Dougie me jurou já silêncio. Sabe que o despedirão
sem referências se lhe disser uma palavra a alguém, incluídos aos outros moços.
-Obrigado, Tanner.
Michael voltou a entrar na casa e foi bater na porta de lorde Ravenscar. O conde foi a abrir com
o gorro de dormir posto e uma bata arremesso sobre os ombros.
Michael lhe contou em voz baixa o que lhe haviam dito. Ravenscar o olhou atônito um
momento e logo se ruborizou intensamente.
-O que? O que dizem? -ladrou –. Ousam insinuar que... ?
-Eu não insinuo nada -repôs Michael com frieza –. Só lhe peço que lady Ravenscar entre na
habitação da senhorita Aincourt e veja se está em seu leito.
O conde parecia a ponto de lhe dar com a porta nos narizes, mas se voltou e Michael lhe ouviu
falar com sua esposa. Retrocedeu uns passos e esperou. Um momento depois saía lady Ravenscar
envolta em uma bata. Michael só viu seu rosto um instante, mas lhe pareceu que estava branco e
rígido de medo. Compreendeu que ela sabia algo que seu marido desconhecia.
O conde seguiu a sua esposa a um passo mais tranqüilo. Antes que chegasse a seu destino, a
condessa saiu de novo ao corredor. Olhou a seu marido e logo a Michael, incapaz de falar. Ravenscar,
impaciente, entrou na habitação e Michael se aproximou da mãe de Rachel e a tirou do braço para
sustentá-la. Parecia a ponto de desmaiar-se.
-Foi-se? -perguntou ele em voz baixa.
Lady Ravenscar assentiu sem palavras, com os olhos cheios de lágrimas. Levou as mãos às
bochechas.
-Não sei o que vai dizer -olhou com ansiedade a habitação em que tinha desaparecido seu
marido. Michael a conduziu ao quarto de Rachel e fechou a porta atrás deles antes de deixar à
condessa em uma poltrona. O conde estava em metade da estadia e a surpresa começava a dar passo
à fúria em seu rosto.
-Falta alguma de suas coisas? -perguntou Michael com rapidez, para antecipar-se à explosão do
conde.
Lady Ravenscar moveu a cabeça.
-Não sei; não acredito.
Michael olhou a seu redor. A cama estava aberta e o fogo apagado. Sobre a cama havia uma
camisola e uma bata brancos. Assumiu que ela se deitou e logo havia tornado a vestir-se e escapado
na noite. Não se via uma nota nenhuma carta por nenhuma parte. Perguntou-se se teria saído sem
intenção de abandonar a propriedade ou se tinha deixado suas coisas ali para ocultar mais tempo sua
fuga.
-Têm idéia de quem é ele? -perguntou Michael a lady Ravenscar.
-É obvio que não! -gritou Ravenscar.
Michael viu que a condessa lançava um olhar furtivo a seu marido, mas não disse nada.
-Não faz muito que se foram e Dougie diz que montam os dois juntos. É muito provável que
possamos alcançá-los se sairmos agora. Pedirei a um rapaz que sele dois cavalos se querem me
acompanhar.
O conde, que parecia ainda a ponto de explodir em qualquer momento, assentiu com a cabeça.
-vou vestir me.
Saiu da estadia. Lady Ravenscar fez gesto de segui-lo, mas Michael lhe pôs uma mão no braço.
-Conhecem vocês o nome dele, milady?
A mãe do Rachel lhe lançou um olhar agônico.
-Não estou... segura. Havia um homem... a parva dela acreditava que se apaixonou por ele. Mas
me assegurei de que não voltassem a admiti-lo na casa e de não deixá-la nunca sozinha. Juraria que
faz quatro meses que não se viram. Eu acreditava que se esqueceu dele.
-Qual é seu nome? -tinha que sabê-lo embora lhe doía em seu orgulho perguntá-lo.
-Anthony Birkshaw.
-Birkshaw - Michael procurou um momento em sua mente. Recordava vagamente a um jovem
moreno entre o grupo dos que rodeavam a Rachel antes de seu compromisso –. Amava-o quando
aceitou minha proposição?
-Amar? Ela não sabe o que é o amor -replicou lady Ravenscar com desprezo –. Sentia-se adulada
e ele é um jovem bonito. Expliquei-lhe que era impossível, que já sabia qual era seu dever. Não sei o
que pode lhe haver passado para atirar assim seu futuro.
«Seu dever». Essas palavras caíram como chumbo no coração dele. Era o dever que lhe tinha
imposto sua família. Sabia que não o amava, mas antes tinha esperanças e era muito doloroso saber
que amava a outro, que tinha fugido dele no último momento, incapaz de suportar a idéia de casar-se
com ele.
Uma parte dele desejava voltar para seu quarto e fechar a porta, permitir que se fora com seu
amor, desfrutar-se em sua desgraça e deixar que Ravenscar respondesse às perguntas dos
convidados.
Mas sabia que não podia fazê-lo. Tinha visto a fúria nos olhos do conde. Não podia permitir que
alcançasse a Rachel sozinho. Além disso, se transcendía o ocorrido aquela noite, ela ficaria desonrada
sem remédio. O escândalo mancharia também o nome dele, mas depois de tudo, ele era a parte
ofendida e, quando tudo passasse, voltaria a ser um solteiro cobiçado. Além disso, a boa sociedade
de Londres lhe importava muito pouco e podia deixar acontecer a tormenta no Westhampton, longe
de olhadas compassivas e sussurros maliciosos.
A Rachel, em troca, crucificariam-na as falações. Deixar a um noivo quase no altar... fugir-se
com um homem e passar tempo a sós com ele... sua reputação ficaria arruinada sem remédio. As
falações a perseguiriam toda sua vida. Haveria muitas anfitriãs que não a convidariam a festas nem a
receberiam. É obvio, tendo em conta as finanças do Birkshaw, Rachel de todos os modos já não
poderia mover-se no círculo social de sua família. Viveria em uma habitação de aluguel, sem saber de
onde sairia sua próxima comida, remendando seus vestidos porque não poderia permitir comprar
outros novos, e com a carga de meninos aos que teria que preocupar-se também de alimentar.
Michael não podia suportar imaginá-la nessas circunstâncias. Tinha sido uma parva. Por que
tinha aceito sua proposta? Por que não lhe havia dito que amava a outro? Mas arruinar sua vida era
um castigo muito cruel por um engano adolescente. Tinha que encontrá-la e lhe impedir que atirasse
seu futuro ao lixo.
Afastou-se pois de lady Ravenscar e saiu da casa para correr em sua perseguição.
Capítulo 4
Michael suspirou e ficou em pé. Passou-se as mãos pelo cabelo com cansaço. Fazia muito tempo
que não pensava na noite em que Rachel fugiu dele. Aquela noite o atormentou continuamente
durante os dois primeiros anos de seu matrimônio, mas sua lembrança começou a ceder com o
tempo, embora, quando lhe voltava para a mente como nesse momento, era vívido e doloroso. Sentia
de novo a tristeza de seu coração, o medo ao que encontraria quando alcançasse ao casal, a angústia
de saber que ao Rachel enojava tanto a perspectiva de casar-se com ele que estava disposta a arruinar
sua reputação e uma vida de comodidades com forma de evitar converter-se em sua esposa.
Aquela noite chegou a conhecer a profundidade da dor que pode causar o amor, assim como
também até que ponto seu amor pela Rachel se instalou em seu coração e em seu corpo, até o ponto
de que não podia desprezá-la embora quisesse, não podia lhe desejar a pena que sentia seu coração
ferido. O orgulho e a dor clamavam vingança e, entretanto, sabia que se dele dependia não levaria a
cabo essa vingança.
A donzela de acima entrou sem fazer ruído em sua habitação e se sobressaltou ao vê-lo
levantado. Recolheu as cinzas do fogo da noite, acendeu outro e voltou a sair. Michael chamou para
pedir o café da manhã. Depois disso, sua ajuda de câmara lhe levaria água quente para barbear-se,
prepararia-lhe a roupa e começaria o dia. Mas no momento estava de pé ante o fogo, com as mãos
tendidas para o calor, contemplava o baile das chamas e recordava a noite em que levou a Rachel de
volta.
Ravenscar e ele avançavam em silencio na escuridão. Não era difícil seguir ao casal. O rastro do
cavalo carregado com dois começava ao pé dos jardins e levava com o passar do prado e até o
caminho, onde tinham torcido ao este, em direção ao povo. Ali, Ravenscar e ele pararam a perguntar
na estalagem se tinha passado um casal e o hospedeiro respondeu que sim, que um jovem tinha
tentado alugar uma carruagem uma hora atrás e uma mulher o esperava no pátio, mas levava uma
capa com gorro e não a tinha visto bem.
-Seus amigos, milorde? -perguntou o hospedeiro com uma mescla de curiosidade e respeito.
Michael sorriu com uma tranqüilidade que não sentia, contente de que suas experiências com
espiões durante a guerra lhe tivessem dado a habilidade de dissimular e repôs:
-Sim, um jovem parvo que se deu por ofendido e saiu correndo durante a noite. Tenho que
conseguir que retorne antes que sua jovem algema sofra algum dano.
-Ah, compreendo. Sim, faz sentido que procurassem um veículo a essas horas. É obvio, eu não
tenho nenhum e assim o hei dito. A casa de postas mais próxima está na estalagem do Coxley; enviei-
os ali.
-Muito bem. Talvez os alcancemos ali. Obrigado por tudo – Michael lhe deu uma moeda para
assegurar-se sua lealdade futura e foi reunir se com lorde Ravenscar.
-Esse idiota tentou alugar uma carruagem aqui a estas horas -disse com raiva. Como podia ter
convencido a Rachel de que fugisse com ele sabendo que não tinha planejado sua fuga? Claramente
se tratava de um vilão, um idiota ou ambas as coisas.
Seguiram avançando e alcançaram ao casal no Coxley pouco depois de meia-noite. No pátio da
estalagem não se via que estivessem preparando nenhuma carruagem, mas dentro havia luz e um
hospedeiro irritado lhes abriu a porta.
Quando ouviu que procuravam um casal jovem, assinalou por cima do ombro com o polegar
uma porta fechada no corredor, em frente do botequim.
-Estão num quarto privado, senhor, e se podem colocar um pouco de sentido comum na cabeça
desse jovem, farão-me um grande favor. O idiota quer que levante meus rapazes e lhes alugue um
carro a sua esposa e a ele a estas horas da noite. Hei-lhe dito que terá que esperar até amanhã, como
faria qualquer pessoa decente, mas diz que não pode acontecer a noite em uma «sórdida estalagem
do campo». Lhes digo...
-Não ganhará nenhum prêmio ao tato – assentiu Michael com calma –. Não temam, já nos
ocupamos nós. Voltem para a cama e não lhes preocupem de nada. Partirão conosco.
-Obrigado, senhor -o hospedeiro lhe fez uma reverência –. Eu sei distinguir a um cavalheiro,
senhor, e você são -tomou sua vela e se afastou pelo corredor para seus aposentos.
Ravenscar tinha esperado impaciente durante a conversação com o hospedeiro, e assim que este
se afastou, aproximou-se sem cerimônias ao quarto e entrou sem chamar. Michael o seguiu com
rapidez e fechou a porta a suas costas.
Rachel estava sentada com o cotovelo apoiado em um braço da poltrona, a cabeça na mão e
aspecto cansado. Um homem jovem, de cabelo moreno espesso e rasgos atrativos, passeava
impaciente pela estadia. Voltou-se para ouvi-los, mas sua expressão de surpresa denotava que não
esperava vê-los ali.
-Santo céu! -exclamou involuntariamente.
Rachel levantou a vista e ficou em pé de um salto sujeitando-as saias com as mãos. O medo de
seu rosto cortou o coração do Michael como uma faca.
-Pai! Lorde Westhampton!
-Pensava que escaparia? -rugiu lorde Ravenscar com o rosto vermelho de fúria –. Acreditava
que podia te largar e não passaria nada? Tornaste-te louca? Não fica nada de decência?
-Lorde Ravenscar... -começou a dizer Michael. O conde o olhou com frieza.
-Não. Por desgraça não é sua esposa ainda, Westhampton. Segue sendo meu assunto -olhou a
sua filha –. Sua mãe está prostrada pela dor. Desonraste a todos.
O rosto da jovem empalideceu ainda mais e seus olhos se encheram de lágrimas.
-Sinto muito. Sinto-o muito. Eu não queria prejudicar a ninguém.
-Milorde, é minha culpa, -Birkshaw se colocou entre o Rachel e seu pai –. Eu lhe pedi para fugir
e se case comigo.
-Claro que é sua culpa! -rugiu Ravenscar –. Criem que não sei? Ela não tem cabeça para idear
algo assim. Mas não pudestes evitar seduzida, verdade?
-Milord! -exclamou o jovem –. Não a hei meio doido, juro-o. Amo a sua filha.
O rosto do Ravenscar passou do vermelho ao púrpura e as palavras do Birkshaw o deixaram
sem fala no momento.
-Têm um modo muito estranho de demonstrar seu afeto -interveio Michael com crispação –.
Convencer à senhorita Aincourt de que se fuja com você virtualmente a véspera de suas bodas, com
montões de convidados para presenciar o escândalo. Têm-na exposto a falações incríveis e animado a
romper sua palavra sabendo que não têm médios para manter a uma esposa. E nem sequer tivestes a
cortesia de assegurasse uma carruagem para a fuga -terminou aborrecido.
Birkshaw se ruborizou, embora Michael não soube se era de raiva ou de vergonha.
-Sei que têm motivos para me odiar, milord, e lhes peço perdão. Não era minha intenção lhes
prejudicar a você, mas meu amor pela senhorita Aincourt é entristecedor.
Olhou a Rachel e lhe sorriu entre lágrimas com o rosto reluzente de amor. Michael sentiu como
se uma faca seccionara seus órgãos vitais. Voltou-se e se afastou uns passos, lutando por controlar-se.
Rachel nunca o tinha cuidadoso assim e viu claramente que não tinha nenhuma esperança de
converter-se no homem que ela amava. Aproximou-se do aparador e baixou a vista; só via o manto
negro que cobria o resto de sua vida. Uma vida sem Rachel. Sem amor.
-Entristecedor! -gritou Ravenscar –. Só um idiota. Entre os dois arruinastes sua vida. Fugir-se...
passar a noite no caminho com um homem que não é seu marido... Santo céu, o mundo inteiro saberá
que é uma prostituta. Sua reputação está arruinada. Tão parvo são que não vêem isso? Nenhum
homem se casaria com ela agora.
-Eu me casarei com ela -declarou Birkshaw com dramatismo.
-Só por cima de meu cadáver! -uivou Ravenscar –. Arruinaste-nos com suas tolices, ouvem-me?
De verdade pensam que, depois do que têm feito, permitiria-lhes casasse com minha filha? Pensaram
nisso antes de convencê-la para que fugisse com você? Né? O que farão... levá-la a seus aposentos de
solteiro? Viver com o ridículo pagamento que recebem de seu pai?
-Procurarei emprego, milord -repôs o jovem, muito rígido.
-OH, sim, claro. Secretário de algum nobre, sem dúvida. Não poderiam viver com o que lhes
pagariam, e embora pudessem, que homem lhes contrataria? Os secretários são homens
responsáveis, não dos que se fogem com a prometida de outro em metade da noite. E o mesmo passa
com os trabalhos do Governo. Com que tivessem o sentido comum de um gato, saberiam. Depois
disto, ninguém quererá ter nada que ver com nenhum dos dois. Terão sorte se encontrarem um
trabalho de dependente. Conheço sua situação. Têm que lhes casar por dinheiro. Apostaria a que
agora vivem com recursos emprestados. Acreditavam que ela tinha dinheiro? Pensavam que, se
enlodavam seu nome, não teria mais opção que lhes permitir lhes casar com ela e queriam viver a
minha costa o resto de sua vida?
-Nada disso, milord -Birkshaw apertou os dentes –. Sei que minhas perspectivas não são muito
boas...
-Que não são boas? São terríveis! -gritou Ravenscar –. E querem arrastar a minha filha a isso?
Querem albergá-la em uma habitação alugada no East End? Com o que se alimentarão? Como
cuidarão dos desafortunados filhos que tenham?
-Não... não sei -repôs Birkshaw.
-Não sabem -repetiu Ravenscar com sarcasmo –. E por isso arruinastes a minha família.
Dos lábios de Rachel escapou um soluço. Seu pai se voltou para olhar.
-E bem, senhorita, não esperava isto de ti -disse com amargura –. Sempre pensei que seria Dev o
que desonrasse nosso bom nome. Temia seus modos licenciosos. Que idiota fui ao não ver que você
está atalho com o mesmo patrão! É uma mulher lasciva, uma rameira!
-Pai, não, por favor! – Rachel chorava. E todo seu corpo se estremecia com seus soluços –. Não
tenho feito nada mal.
-Ravenscar! -Michael se voltou –. Isso é desnecessário.
-É a verdade! -gritou o conde com olhos chamejantes, como os de um profeta bíblico. Assinalou
a sua filha com um dedo acusador –. Por seus desejos carnais desonraste o bom nome de sua família!
Não é sozinho a ti a que não voltarão a receber em nenhuma casa decente. A sua mãe tampouco. Eu
sentirei muita vergonha para pisar no White's de novo. É uma mancha no nome dos Aincourt.
-Sinto muito, sinto muito -chorou Rachel. Olhou a seu pai suplicante –. Não o pensei... Era
sozinho... -cobriu-se o rosto com as mãos, incapaz de continuar.
-É evidente que não o pensaste -replicou seu pai –. Arrastar nosso nome pelo lodo só para poder
gozar com este moço! Será impossível silenciar isto. A casa está cheia de convidados à bodas. Toda a
boa sociedade saberá que deixou plantado ao Westhampton no altar.
Rachel apartou a mão do rosto e olhou horrorizada a seu pai. Era evidente que até aquele
momento não tinha pensado nas conseqüências que teriam seus atos para o Michael.
-Não, eu não pretendia...
-Fez que fique como um imbecil! rugiu Ravenscar –. Desonraste a um homem excelente, traindo
sua confiança...
-Basta! -Michael se aproximou –. Já é suficiente, senhor. Ela não ficará desonrada E eu
tampouco. Porque disto não sairá nada mal.
-O que? -todos o olharam atônitos. Ravenscar franziu o cenho.
-O que diz? Não podemos ocultar isto.
-Sim podemos. Se nos casarmos dentro de dois dias como está previsto, ninguém saberá que a
senhorita Aincourt me deixou plantado.
O conde o olhou de marco em marco.
-Casariam-lhes ainda com ela depois disto?
Michael procurou não olhar a Rachel.
-Se a senhorita Aincourt assim o desejar. É o único modo de manter o segredo. Estou seguro de
que o senhor Birkshaw, se de verdade a ama como diz, partirá e nunca falará disto -olhou ao jovem
com olhar fixo. Birkshaw baixou os olhos e assentiu com a cabeça. -Meus serventes não dirão
nenhuma palavra -continuou Michael –. São muito leais. Acredito que podemos contar com que lady
Ravenscar e vocês não revelarão nada.
-Podem estar seguro! -exclamou o conde.
-Então o único modo de que se saiba seria que eu repudiasse nosso contrato de matrimônio. Se
voltarmos para a casa sem fazer ruído e a senhorita Aincourt e eu nos casamos depois de amanhã,
ninguém saberá nada.
Houve um comprido silencio. Michael olhou a Rachel, que se secava as lágrimas com a vista
baixa.
-E bem, senhorita Aincourt? Estão disposta a lhes casar comigo na sexta-feira?
-É obvio que sim -apressou-se a dizer o conde –. E já pode considerar-se afortunada de que
queiram seguir adiante depois disto.
-Não. Deixem que ela fale -disse Michael com firmeza, sem apartar os olhos da jovem –. É
evidente que antes me aceitou contra seu parecer e não quero que isso volte a ocorrer. A decisão é
sua, senhorita Aincourt.
Rachel levantou os olhos, alagados ainda em lágrimas.
-Sim -repôs em voz baixa –. Casarei-me com você na sexta-feira. E o sinto muito. Meu
comportamento foi imperdoável. Dou-lhes as obrigado por sua generosidade.
Michael assentiu gravemente com a cabeça. Tinha falado porque não podia suportar que seu pai
seguisse ofendendo-a; a idéia de que voltasse a viver com ele para sempre o enchia de desgosto.
Sabia que aquele era o único modo de que Rachel sobrevivesse a esse episódio com sua reputação
intacta. Mas também sabia que seus motivos eram egoístas. Fazia sua oferta porque não podia
suportar deixá-la partir. Tinha que unida a ele até sabendo que amava a outro.
Birkshaw lançou um som inarticulado de frustração e dor e saiu da estadia. Rachel lhe lançou
um olhar de angústia, mas não tentou detê-lo. Pouco depois abandonavam os três a estalagem e
voltavam em silencio ao Westhampton. Rachel montava no cavalo de seu pai, detrás deste. Na sexta-
feira, como estava previsto, converteu-se em lady Westhampton.
Levavam sete anos casados e nunca tinha sido sua esposa no verdadeiro sentido da palavra.
Ao princípio, Michael ainda tinha esperanças de que Rachel chegasse a amá-lo, ou ao menos
gostasse do suficiente para formar um verdadeiro matrimônio com ele. A tarde antes de suas bodas
lhe prometeu que não a pressionaria nem esperaria uma relação física com ela conhecendo seus
sentimentos. Mas em seu interior acreditava ainda que, com o tempo, cuidados e consideração por
sua parte, ela trocaria respeito a ele.
Com os anos, entretanto, a relação tinha trocado pouco. Seu matrimônio tinha começado como
uma união distante e cortês e assim se mantinha. Michael, ferido e surpreso ainda, não queria
apressá-la nem lhe causar dor e se manteve escrupulosamente educado e contido com ela. Passaram
a lua de mel em Paris, aberto de novo aos ingleses agora que a guerra com o Napoleón tinha
terminado. Tomaram habitações separadas, unidas por uma porta comum que não se abria nunca.
Foram à ópera e ao teatro, e a um baile na embaixada britânica.
Voltaram para Londres, onde Rachel se introduziu pouco a pouco na vida de uma matrona da
boa sociedade, começando com festas e jantares pequenos e subindo até um baile espetacular ao final
de sua primeira temporada. Michael a ajudava a sortear os pequenos detalhes, às vezes traiçoeiros,
da vida em sociedade. Ela respondia com gratidão, mas sempre havia entre eles certo desconforto.
Embora descobriram distintas facetas do outro, a um nível importante seguiam sendo estranhos.
Parecia que, quanto mais incômodo se sentia ele, mais cortês e contido se mostrava, e Rachel
respondia do mesmo modo, até que ao fim ele compreendeu com desespero que nunca haveria amor
entre eles. Não sabia se ela seguia amando ao Anthony Birkshaw e não pensava perguntar-lhe solo
sabia que não havia tornado a vê-lo desde suas bodas, já que essa foi a única condição que ele pôs a
seu matrimônio. Mas amasse ou não ao Birkshaw, para o Michael resultava claro que não o amava a
ele.
Depois de um ano de matrimônio, decidiu que era pior viver com o Rachel, amá-la, desejá-la e
não ser correspondido nem no amor nem no desejo, que viver sem ela. Sua separação, como todo o
resto, foi cortês, educada inclusive. Michael lhe recordou seu amor pelo campo e a tranqüilidade, mas
lhe assegurou que não era sua intenção lhe impor uma vida campestre. Ela podia permanecer em
Londres, levando a vida que gostava, e ele se retiraria a sua propriedade no Lake District. Ficava nele
certa esperança de que ela se negasse a viver sozinha em Londres e o acompanhasse ou lhe pedisse
que dividissem seu tempo entre ambas as residências, mas ela não o fez. Limitou-se a assentir com
cortesia e sem paixão.
A viagem ao norte foi duro e solitário para ele, e foi seguido de um inverno ainda mais duro nas
paisagens nevadas da Cumbria. Ali estava toda a beleza que sempre tinha amado... seus livros, seus
estudos, as reformas da casa e jardins, experimentos que fazer nos campos, sua correspondência;
tudo o que tinha conformado sua vida antes do Rachel. Mas nada disso lhe resultava satisfatório.
E essa tinha sido sua vida durante mais de cinco anos. Rachel e ele viviam por separado. Ele
visitava Londres às vezes durante a temporada, solo para fazer ato de presença e ela ia ao
Westhampton por Natal. Estavam casados e não o estavam. E Michael se acostumou a aquele fato.
Houve uma chamada discreta à porta. Sua ajuda de câmara a abriu e entrou com a bandeja do
café da manhã. Deixou-a na mesita diante das duas poltronas, serve o chá e desentupiu os pratos.
-bom dia, milord -disse.
Garson procedeu a abrir as cortinas e se deteve logo ao lado da poltrona do Michael, onde
esperou até que este teve tomado uns sorvos de chá. Westhampton o olhou interrogante.
-Tem algo que me dizer?
-Esta manhã chegou uma pessoa -repôs Garson –. Uma moço de quadra, acredito, da
propriedade de lorde Ravenscar. Tenho entendido que saiu dali ontem pela manhã e viajou sem
interrupção.
-Lorde Ravenscar!-Michael deixou a taça de chá e ficou em pé –. Por que? Aconteceu algo?
aconteceu-lhe algo a lady Westhampton?
-Diz que está tudo bem, milord; se não, teria lhes trazido imediatamente a nota que
transportava -tirou uma nota pequena do bolso.
Michael a tirou das mãos.
-Deus santo, homem! por que não o tem feito? Garson parecia doído.
-Pensei lhes dar antes um momento para tomar o chá, milord.
Michael fez uma careta. Rompeu o selo, desdobrou a carta e leu a letra familiar do Rachel. Um
momento depois lançou um juramento e se sentou para voltar para 1er.
Garson seguia na estadia, preparando a roupa para o dia. Deteve-se logo ao lado da poltrona de
seu amo.
-Vai tudo bem com milady? -perguntou.
Michael golpeou com irritação o braço da poltrona.
-Não, tudo vai mal -comentou –. Prepara minha bagagem, Garson. Reunirei-me com lady
Westhampton no Darkwater.
Capítulo 5
Rachel olhou a Jessica, que estava de pé e observava o trabalho de ponto que Miranda tinha nas
mãos. Jessica apertou os lábios e Miranda levantou a vista com um suspiro.
-Vale, ria. Já sei que parece absurdo.
-Não... -Jessica olhou ao Miranda e uma gargalhada escapou de seus lábios –. Vale, tem razão;
parece absurdo. O que tem feito?
-Não tenho nem a menor idéia -confessou Miranda, rendo a sua vez –. É evidente que
descuidaram muito minha educação. Não sei nada de todo isso que Rachel e você fazem com tanta
facilidade.
-Ah, mas sabe disparar um fuzil -sorriu Rachel a sua cunhada.
Miranda, filha de um norte-americano que tinha feito fortuna no comércio de peles, tinha sido
educada de um modo quase inconcebível para o Rachel. Acompanhava a seu pai em suas viagens às
terras selvagens, onde conheceu índios e trapaceiros e aprendeu não só a disparar mas também a
usar uma faca. Quando o negócio de seu pai começou a crescer, levava-lhe as contas e investia o
dinheiro em propriedades imobiliárias na cidade de Nova Iorque, com o que conseguiu triplicar sua
fortuna. Embora Rachel queria muito a sua cunhada, entre outras coisas porque tinha resgatado ao
Dev de uma vida desastrosa, havia vezes nas que sua energia a deixava sem fôlego.
-É certo -assentiu Miranda-, mas isso não serve de muito quando te prepara para a chegada de
um menino. Neste momento seria mais prático uma manta -olhou a manta amarela clara que havia
na poltrona da Jessica –. Como aprendeu a tecer tão bem?
-Ensinou-me o regulamento de meu pai -repôs a outra, que era filha de um militar –. Lhe dava
muito bem remendar e tecer meias três-quartos, mas a costura fina não era seu forte. Por isso, embora
eu posso te tecer gorros, patucos e mantitas, Rachel terá que encarregar do vestido do batismo e os
bordados.
Aludida-a sorriu.
-Será um prazer. De fato, comecei a costurar desde que me deu a boa notícia, Miranda. Pensou
que era estranho que um ano antes não conhecesse aquelas duas mulheres e agora as contasse entre
seus melhores amigas.
Miranda sorriu.
-Quem ia pensar que quando me casasse com o Devin encontraria também amigas tão
maravilhosas? -perguntou –. A verdade é que nunca tive muitas amigas, e nenhuma em que pudesse
confiar como em vocês.
Ao Rachel não surpreendia. Suspeitava que a maioria das mulheres de sua idade lhe teriam um
pouco de medo. Era fácil ver por que Jessica e ela tinham intimado tanto em poucos dias; ambas
possuíam uma personalidade forte e uns maneiras abertos e diretos, quase bruscos. Entendia menos
o que era o que as atraía dela; não tinha sua força e nenhuma das outras tinha cometido os enganos
que tinha cometido ela.
Voltou para sua costura, um vestido comprido para batizar ao futuro menino do Miranda. Era
feito de raso e costurado com pontos muito pequenos. Tinha terminado de costurá-lo e agora lhe
colocava as filas e filas de delicado encaixe belga que decoravam a prega, as mangas e o pescoço.
Depois pensava lhe bordar flores brancas e o toque final seriam uns patucos e um gorro de raso a
jogo, mas bordeado também de encaixe e maço com as mesmas cintas de raso que a parte dianteira
do vestido.
Rachel tinha trabalhado no vestido esse inverno no Westhampton, assim como em outros
objetos de roupa e mantitas de algodão para o enxoval do bebê. Miranda lhe tinha contado sua falta
de experiência naquele campo e ela estava mais que satisfeita de ajudá-la.
Jessica se aproximou de admirar o objeto.
-É uma beleza -murmurou –. Faz umas coisas preciosas.
-Obrigado -sorriu Rachel. Alisou a fileira de encaixes. Era consciente de uma pequena dor em
uma zona de seu coração. Ocorria-lhe às vezes quando trabalhava em objetos de bebê, a dor de saber
que ela provavelmente nunca teria um filho para o que fazer essas coisas. Era parte do preço que
pagava, a pior parte, por haver-se comportado como uma parva antes de suas bodas.
Mas estava tão habituada a lutar com isso que sorriu sem esforço e voltou para seu trabalho
com a agulha. O ruído de vozes de homem rompeu a quietude da habitação e as três mulheres
levantaram a vista.
-tornaram! -exclamou Jessica com alegria. Devin e Richard tinham saído a montar essa tarde e a
casa parecia vazia sem eles.
-Bem. Temia ter que avisar à cozinheira de que atrasasse o jantar -comentou Miranda; mas o
brilho que iluminou seu rosto traía a aspereza de seu tom.
Dev foi o primeiro que entrou na estadia com rosto sorridente.
-Adivinhem a quem nos encontramos quando vínhamos para cá.
Richard o seguiu de perto, acompanhado de outro homem alto e loiro.
-Michael! -Rachel ficou em pé com um sorriso. O coração lhe pulsava com força e quase se
sentia enjoada. Deu um passo adiante e logo se deteve, um pouco envergonhada –. O que faz aqui?
-Aborrecia-me muito quando foi -repôs seu marido com ligeireza. aproximou-se de lhe beijar a
mão –. Há muito silêncio no Westhampton sem o som da risada da Gabriela.
-Pois aqui terá ruído de sobra com a Gabriela e Veronica -disse-lhe Jessica com uma risita.
Michael saudou as outras duas mulheres e felicitou ao Miranda por seu embaraço. Rachel
notou, com certa dor, que seu marido parecia mais depravado com seus amigas que com ela mesma.
-Alegra-me que tenha vindo -disse Miranda, sorridente –. Sentíamos que não tivesse viajado
com o Rachel.
-De ter sabido que os salteadores de caminhos se meteriam na carruagem de lady
Westhampton, o teria feito -repôs ele –. E pensei que, se podem ocorrer coisas assim, será melhor que
acompanhe ao Rachel a Londres.
-Boa idéia -assentiu Dev –. Tinha pensado em ir eu mesmo.
-Não diga tolices -repôs Rachel –. Seguro que não ocorrerá nada -olhou ao Michael –. Temo-me
que te incomodaste para nada.
-Para nada não -repôs seu marido com cortesia –. Terei o prazer de sua companhia na viagem a
Londres.
Ela pensou que era o tipo de completo cortês que faziam os homens a mulheres às que não
conheciam muito bem. Embora, é obvio, não importava. Sua vida era bastante agradável. Era ver o
Miranda e Jessica com seus maridos o que fazia que não se sentisse satisfeita com seu matrimônio.
Muitas mulheres se considerariam afortunadas de ter um marido como o seu, que lhe exigia tão
pouco e sempre se mostrava considerado e cortês.
-Quem era o homem, Michael? – perguntou Miranda, com seu modo direto –. De verdade o
conhecia? Michael lhe sorriu.
-Crie a sério que sou o tipo de homem que pode ter amigos salteadores? Não, temo-me que
devia ser um lunático. O único que me ocorre é que formasse parte de uma brincadeira grotesca, que
um de meus amigos contratasse a esse homem e, ao ver que eu não ia na carruagem, não soubesse o
que fazer exceto lhe contar ao Rachel a história que tinha preparada.
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  • 1. A CASA DAS MÁSCARAS Trilogia dos Aincourt 3 Candace Camp A Casa Das Máscaras Trilogia dos Aincourt – Livro 03 Candace Camp Feito por: Ada2412, Cyllara, Islemale e A Yata Às vésperas do casamento com Michael Trent, o conde de Westhampton, Rachel Aincourt tentou fugir com outro homem, mas foi entregue novamente para o noivo por seu velho e teimoso pai. Atormentada pela culpa e pela vergonha, Rachel achava que tinha o que merecia: um casamento sem amor com um marido frio e misterioso. Mas por trás das maneiras formais de Michael, estava um homem que adorava o perigo e as intrigas. E que agora se encontra envolvido em um dos casos mais difíceis de Bow Street. Quando o crime se transforma em um assassinato e Rachel está envolvida nele, Michael tem uma nova oportunidade para fazer uso de seu grande talento para disfarces, e seduzir a esposa a quem amava em segredo.
  • 2. Agora, Michael terá de usar com cautela a sua última chance para conquistar o coração de Rachel... ou destruir de vez a possibilidade de encontrar a felicidade. Capítulo I Rachel se apoiou no estofo brando de veludo que cobria a parede da carruagem e reprimiu um suspiro. Olhou Gabriela, que dormia acurrucada no rincão do assento em frente, e invejou o sonho fácil da juventude. Ela não conseguia dormir apesar do ronronar monótono da carruagem. Não podia suprimir a sensação de aborrecimento, de pena inclusive, que a embargava desde que saiu do Westhampton no dia anterior pela manhã. Quando Michael a acompanhou à carruagem, sentiu o impulso de voltar-se e dizer que tinha decidido atrasar uns dias a viagem. É obvio, não o fez. Já tinha esperado três dias mais do previsto; tinha que devolver Gabriela a seus tutores, que a esperavam em Darkwater. Um grito no exterior a tirou de seus pensamentos e levantou a cortina para olhar. Só se via o claroscuro do entardecer, com os ramos das árvores mais escuras contra o céu cinza. O chofer soltou um grito e a carruagem se lançou para diante. Imediatamente, Rachel ouviu o som agudo de um disparo e soltou a cortina com um coice. Soou a voz do chofer que chamava os cavalos e a carruagem se deteve. Rachel se agarrou ao laço de couro situado ao lado de seu assento. Gabriela, por sua parte, caiu ao chão com um grito de surpresa. Voltou a sentar-se e olhou ao Rachel com olhos muito abertos. -O que acontece? -sussurrou –. O que ocorre? -Não sei - Rachel procurou que não se notasse seu medo. Não lhe ocorria nenhuma razão boa para que se ouvissem tiros e o chofer detivera a carruagem. Pensava em salteadores de caminhos, mas lhe parecia estranho encontrá-los tão longe de Londres. Ouviu vozes e olhou a porta. Prometeu-se que seria valente, já que tinha que cuidar da Gabriela e tentou pensar o que fariam nesse momento sua temerária cunhada Miranda ou seu amiga Jessica, com sua coragem de filha de militar. Mas não pôde evitar desejar que Michael as tivesse acompanhado ao Darkwater. Abriu-se a porta e entrou uma figura embelezada de negro. Rachel se esforçou por manter um rosto inexpressivo. Disse-se que era um homem pequeno e que seu ar sinistro se devia à roupa negra e o lenço que lhe tampava o rosto. Daria-lhe o dinheiro que levava, partiria e o incidente terminaria sem perigo para ninguém. Os olhos do homem pareciam surpreendidos por cima do lenço. Olhou a seu redor antes de voltar a vista ao Rachel. -Vamos – disse com voz quejumbrosa. Baixou o lenço e mostrou o resto da cara. - Onde está milord? O medo do Rachel cedeu muitos inteiros ante aquele rosto que resultava quase cômico por sua surpresa. -O que lhes oferece? -perguntou, agradada pela calma de sua voz. -O lorde -continuou o homem –. Este é sua carruagem. Vi o desenho na porta. -Esta é a carruagem de lorde Westhampton -repôs Rachel –. Na porta está seu brasão, se lhes referirem a isso. -Sim, isso. Westhampton. É o que procuro. -Temo-me que o buscam no lugar equivocado. Westhampton está em sua casa O visitante guardou silêncio um momento. -Vocês são a senhora? -perguntou logo. -Sou lady Westhampton -assentiu Rachel. -Vale. Nesse caso, acredito que podem lhe dar a mensagem a milord. -A mensagem? -Rachel tinha a sensação de ter entrado por engano em uma peça de teatro em que todo mundo sabia o diálogo menos ela.
  • 3. -Sim. lhe digam que o envia Rede Geordie. lhe digam que tem que andar-se com cuidado, que há alguém que lhe deseja mau. Rachel o olhou de marco em marco. -Importaria-lhes repetir isso? -Que parece que se aproxima muito e há gente a que não gosta. Ouvi que alguém quer tirar o de no meio -fez uma inclinação de cabeça, satisfeito ao parecer com suas palavras. Rachel piscou, incapaz de pensar uma resposta adequada. O homem sorriu. -Sinto muito, tenho que me levar algo -disse –. Já sabem, pelos moços. -assinalou ao Rachel –. Esses pendentes estão bem. Rachel deu um coice e se cobriu com as mãos os pendentes de esmeraldas. -Não! Isto não. Me deu de presente isso Michael. Foram um presente de bodas. O homem pensou naquilo. -OH!, bem, não quero enfurecer a milord, certamente. -Querem dinheiro? -ofereceu Rachel, tirou um moedeiro de sua bolsa de tecido e o tendeu. O homenzinho sorriu, abriu o moedeiro e olhou em seu interior. -Sim, isso servirá, milady. Vejo que são tão amável como milord. É um prazer trabalhar com você -saudou a Gabriela com uma inclinação de cabeça –. Senhorita. boa noite às duas. subiu de novo o lenço para tampar o rosto, abriu a porta e saltou da carruagem. Gabriela e Rachel se olharam em meio de um silêncio atônito. Fora se ouviu ruído apagado de vozes, seguido do relincho de um cavalo e o som de cascos ao afastar-se. -O que foi isso? -perguntou Gabriela com os olhos como pratos. -Não tenho nem idéia -respondeu Rachel com sinceridade. abriu-se de novo a porta, mas essa vez apareceu o rosto preocupado do chofer. -Estão bem, milady? -Se, muito bem, Daniels. Não aconteceu nada -Havia quatro com pistolas, milady. Jenks e eu pensamos que seria melhor não resistir. Milord me arrancaria a pele se lhes ocorresse algo a você ou à senhorita. -Fizeram bem -assegurou-lhe Rachel –. Westhampton não quereria que arriscassem sua vida nem a nosso desse modo. Fizeram bem. Prossigamos a viagem, por favor. -Se, milady -o chofer fez uma reverência respeitosa e fechou a porta. Ouviram-no subir de novo à boléia e um momento depois a carruagem voltava a ficar em marcha. Rachel olhou à garota. -Está bem, Gabriela? -OH, se. Mas foi muito emocionante verdade? -Muito -repôs Rachel com secura. -Se, suponho que sim -a garota não parecia convencida., mas eu não tinha visto nunca a um salteador de caminhos. -Eu tampouco. -Conheciam-no? Parecia conhecer tio Não é estranho? -Muito. Não imagino do que poderia conhecer o Michael. Seu marido não era um homem que contasse com salteadores de caminhos entre suas amizades. Se se tivesse tratado de seu irmão Dev, Rachel se haveria sentido mais inclinada a acreditar no bandoleiro. Até que se casou com o Miranda e se assentou, Devin tinha conhecido a muitos personagens de má vida, mas Michael? A idéia era absurda. Michael era um homem tranqüilo, estudioso, amável, responsável e generoso, a personificação de um cavalheiro. Seu título era um dos mais antigos e respeitados do país e, a diferença de seu pai, Michael jamais tinha feito nada para manchá-lo. Era feliz em sua propriedade do campo, revisando as reformas da casa e os edifícios exteriores e experimentando com os últimos inventos agrícolas. Mantinha correspondência com homens de inclinações e natureza similares, que incluíam desde cavalheiros com vastas plantações nos Estados Unidos até homens de ciência de diversas universidades do Reino Unido e o resto da Europa. Não era o tipo de homem que tivesse amigos
  • 4. entre os salteadores de caminhos e muito menos que recebesse mensagens deles. E o que havia dito o homem? Que Michael se “aproximava muito”. Que alguém lhe “desejava algum mal”. A que se aproximava muito? E quem era esse inimigo? Não podia imaginar-se ao Michael com inimigos. Os desacordos que pudesse ter com a gente eram educados e normalmente se referiam a algum tema de estudo do que poucas pessoas tinham ouvido falar. Quão pior tinha ouvido dizer do era que se tratava de um homem muito respeitável, vizinho no aborrecimento. Nada que justificasse que lhe fizessem ameaças. -É ridículo -disse Rachel com firmeza –. Michael não tem nem um solo inimigo em todo mundo. Esse homem deve estar confundido. Olhou a Gabriela, que parecia um pouco alterada. A pobrezinha tinha sofrido muito em que pese a sua curta idade. Seus pais tinham morrido quando só tinha oito anos e foi viver com um tio avô até que ele morreu também no ano anterior, deixando-a aos cuidados de um tutor que tinha sido amigo de seu pai muitos anos antes. Foi através desse tutor, o duque do Cleybourne, como conheceu Rachel à garota de quatorze anos. O duque tinha estado casado com o Caroline, a irmã maior do Rachel, que morreu junto com sua filha em um trágico acidente de carruagem. Rachel tinha seguido sendo amiga do Cleybourne; sentindo-se muito preocupada com o terrível de sua dor nos anos que seguiram a sua perda. Gabriela tinha chegado ao castelo Cleybourne no Natal anterior e com ela seu institutriz, Jessica Maitland, uma beleza ruiva com um escândalo trágico em seu passado. Jessica e Cleybourne se apaixonaram, mas a morte manchou também esse momento feliz e a segurança que proporcionava a Gabriela. Um assassino atacou o castelo, matou a um dos convidados e esteve a ponto de fazer o mesmo com a Jessica. Não era de sentir saudades que as ameaças do desconhecido tivessem despertado os medos da garota. Gabriela acabava de passar dois meses com o Michael e Rachel, que a tinham levado a sua casa depois das bodas para que o duque e sua nova duquesa desfrutassem a sós da lua de mel, e se tinha afeiçoado bastante com os dois. Rachel tomou uma das mãos da menina e a apertou com gentileza. -Não tema, Gaby. Estou segura de que tudo isto é uma confusão. Ninguém pode desejar nenhum mal ao Michael. Isso de que “se aproxima muito” tem que ser um engano. A que poderia aproximar-se ele? A uma teoria política? Um descobrimento científico? Um método novo de rotação das colheitas? Dificilmente mata ninguém por essas causas. A garota sorriu e em seus olhos remeteu a preocupação. -Têm razão. Quem ia desejar lhe nada mau ao tio Michael? -apertou a mão do Rachel –. Devem lhes alegrar muito de estar casada com ele. Rachel sabia que muita gente pensaria igual. Seu marido era nobre e rico, descendente de uma das melhores famílias da Inglaterra. Isso em si mesmo bastava para que seu matrimônio se considerasse um êxito. Mas além disso, Michael era considerado e amável. Punha ao seu dispor um pagamento generoso e embora preferia viver no campo, não impunha essa preferência a ela. Rachel era livre de viver como quisesse, de dar festas em sua casa elegante de Londres e levar a vida de uma anfitriã da boa sociedade. Tinha um círculo amplo de amigos e admiradores e estava considerada como uma das belezas de seu entorno social. Em resumo, sua vida era perfeita... sempre que não lhe importasse que seu matrimônio fora um engano. Não havia amor em seu matrimônio. Viviam separados, nunca compartilhavam a cama, jamais pronunciavam palavras de amor ou paixão. E não lhe servia de muito saber que era culpa dela. Sorriu a Gabriela. -Sim -assentiu –. Sou muito afortunada de ser lady Westhampton. As tochas iluminavam Darkwater. Era uma casa formosa, que recebia o nome de um lago próximo tão negro como a noite e não das paredes de pedra calcária da casa, que à luz do sol do Derbyshire eram pálidas, quase douradas. De noite não se apreciavam suas linhas cheias de graça nem seus ventanales de séculos, só se via sua mole considerável. Mas Rachel se criou ali e a conhecia sem ter que vê-la.
  • 5. Abriu a porta da carruagem assim que este se deteve e apareceu a olhar a casa. Jenks saltou do boléia para colocar os degraus e as ajudar a sair. antes de que o fizessem se abriu a porta e apareceram dois lacaios com velas para escoltar às damas. – Lady Westhampton! – exclamou um homem de idade média, vestido com o traje formal de mordomo, com um grande sorriso –. Me alegro de voltar a lhes ver no Darkwater. esperamos sua chegada todo o dia. – Olá, Cummings – Rachel sorriu com calor ao homem que trabalhava ali de mordomo desde que ela era menina –. Me permitam que vos presente à senhorita Gabriela Carstairs, a pupila do duque do Cleybourne. O homem saudou a garota com uma reverência. – Bem-vinda ao Darkwater, senhorita Carstairs. O duque e a duquesa esperam impacientem sua chegada. Ah, aí vêm. Os habitantes da casa saíam nesse momento pela porta a pesar do ar frio da noite. Diante foram uma mulher ruiva, alta e exuberante, e um homem moreno, ambos muito sorridentes. Ligeiramente detrás deles havia outro casal, uma bonita mulher grávida e um homem muito atrativo seguidos de uma garota de uma idade aproximada da Gabriela. – Gaby! – a ruiva, que era a nova duquesa do Cleybourne, abriu os braços a sua pupila. Tinha sido institutriz da garota durante seis anos antes de casar-se com seu tutor e a considerava quase como a sua filha. – Senhorita Jessie! – Gabriela se tornou em seus braços e a estreitou com força. Sorriu logo com acanhamento ao homem que havia ao lado da duquesa. – Milord. O duque lhe devolveu o sorriso. – Gabriela, esqueceste que não íamos ser tão formais? – Tio Richard – corrigiu ela com um sorriso. E ele a abraçou a sua vez. Os duques se voltaram para o Rachel, que abraçava à outro casal, formada por seu irmão Devin, conde do Ravenscar, e sua esposa Miranda, que estava grávida. Richard apresentou a sua pupila aos condes. – E – disse a Gabriela com um sorriso- há alguém mais que espera impaciente sua chegada. A senhorita Verônica Upshaw, irmã de lady Ravenscar, está de visita e fez quinze anos o mês passado. Verônica... A garota se adiantou e sorriu a Gabriela. Era uma moça muito bonita, de cavalo castanho claro e olhos azuis. Não se parecia nada ao Miranda, mas Rachel sabia que eram meio-irmãs e não irmãs de sangue, já que Verônica era filha da mulher com a que se casou em segundas núpcias o pai do Miranda. Os senhores Upshaw viviam grande parte do tempo em Londres, mas tinham decidido que o campo era o melhor lugar para a garota. Já teria tempo de sobra de estar em Londres quando se apresentasse em sociedade em uns anos. Rachel pensou sorridente que certamente as duas garotas entrariam em sociedade o mesmo ano. E a boa sociedade sofreria então o assalto conjunto da formidável equipe que formariam a duquesa e a condessa. propôs-se não perder-se nenhuma festa dessa temporada. O grupo entrou na casa conversando e rendo. As garotas, encantada ambas de poder falar com alguém de sua idade, subiram à habitação de Verônica, enquanto os adultos voltavam para a sala de música, onde os dois casais tinham esperado a chegada do Rachel. A conversação versou primeira sobre a viagem desta. – foi muito bom – comentou ela com calma-, exceto porque nos parou um salteador de caminhos. Os outros quatro a olharam um momento sem fala. Devin ficou em pé de um salto. – O que? É uma brincadeira? – Não, absolutamente. foi que o mais peculiar. – Peculiar! – exclamou Dev –. Eu não o descreveria assim. – OH, sim o descreveria assim de ter estado ali. – Rachel! por que não o há dito imediatamente? – perguntou Miranda, que se aproximou de sua
  • 6. cunhada –. Está bem? Não lhe têm feito nada, verdade? – Não. perdi umas quantas moedas, nada mais. Nem sequer me ameaçaram. – E que diabos fazia por esta zona? – perguntou Cleybourne –. Tinha ouvido algo antes, Dev? – Não, nada. E não acredito que seja muito proveitoso assaltar os caminhos do Derbyshire. – Não estou segura de que seu principal motivo fora tirar proveito. Indicou-me que se levava o dinheiro para que seus homens não suspeitassem nada. – Nada do que? – Dev olhou a sua irmã com receio –. Seguro que não te burla de nós? – Seguro, prometo-lhe isso. Já lhes hei dito que era muito peculiar. Parecia... bom, ao parecer acreditava que Michael ia na carruagem. Disse que tinha visto o brasão na porta. Não sei se se referia a que estava esperando a carruagem ou a que se dirigia ao Westhampton e topou conosco. – Um salteador de caminhos queria ver o Michael? -perguntou Miranda –. Para que? – Disse que queria lhe advertir e me pediu que lhe desse a mensagem de que alguém quer lhe fazer danifico e que se está “aproximando muito” e há gente que quer impedir-lhe. Um silêncio atônito seguiu a suas palavras. – Seguro que ouviu bem? – perguntou Dev ao fim. – Sim. lhe pergunte a Gabriela, ela estava ali. Logo disse que o sentia, mas que tinha que levar- se algo para dissimular. Queria meus pendentes de esmeraldas, mas eu protestei e lhe disse que eram um presente de bodas do Michael e se levou meu moedeiro. – Perdão – murmurou Jessica –. Eu não conheço lorde Westhampton tão bem como todos vós. A que se referia com isso? – Não tenho nem idéia – repôs Rachel com franqueza –. Esperava que Richard ou Dev soubessem algo, que talvez estivessem envoltos em algum tipo de atividade masculina que tivessem decidido nos ocultar às mulheres. – Eu não tenho nem idéia – repôs seu irmão, perplexo –. E se tivesse algum segredo masculino, pode estar segura de que Miranda me teria tirado isso já – olhou a sua esposa, quem lhe sorriu. – Talvez é alguma espécie de chave – murmurou esta –. Westhampton me disse uma vez que sempre lhe tinham gostado dos enigmas e essas coisas. – Sim, é certo. – A meu só me ocorre que esse tipo esteja louco – interveio Richard –. O melhor, suponho, é enviar uma mensagem ao Westhampton e lhe contar o ocorrido. Talvez ele sim compreenda. – Sim, suponho que tem razão – assentiu Rachel –. Esta noite lhe escreverei uma carta. – A enviarei com uma das moços amanhã a primeira hora – assegurou seu irmão –. Suponho que o incidente não terá importância, mas é melhor assegurar-se. Rachel, pois, escreveu mais tarde em sua habitação ao Michael para lhe contar o incidente com o estranho. Acrescentou também algumas pergunta próprias. Dev confiou a missiva a uma de suas moços, que partiria para a manhã seguinte. Mas saber que tinha feito todo o possível por avisar ao Michael, caso que este na verdade corresse algum perigo, não serve para tranqüilizar ao Rachel. Enquanto se preparava para deitar-se, não deixava de pensar naquele sucesso. de repente todo o relacionado com seu marido lhe parecia incerto. Michael e ela não estavam tão unidos como Miranda e Dev por exemplo. Não havia entre eles essa intimidade que aparentemente só dão o amor e a paixão. Mas ela acreditava conhecer bem a seu marido. Sabia que temas lhe interessavam, que comida gostava e qual não. Podia nomear à alfaiate e o sapateiro que freqüentava e os clubes aos que pertencia, sabia os nomes da maioria das pessoas com as que mantinha correspondência. Não obstante, o encontro com o salteador de caminhos lhe fez perguntar-se quanto sabia em realidade do Michael. O homem do que “Rede Geordie” tinha falado parecia alguém muito distinto ao Westhampton que ela conhecia, uma pessoa mesclada em algo que supunha uma ameaça para alguém, uma pessoa a que terei que advertir. Alguém que conhecia salteadores de caminhos. Seguia pensando que o bandoleiro andava equivocado e que sem dúvida se referia a outro homem e não a seu marido. Mas havia dito que reconhecia o brasão e o tinha chamado Westhampton... ou foi ela a primeira que pronunciou o nome e ele se limitou a assentir?
  • 7. Talvez o homem estava louco. Ou tudo formava parte de uma brincadeira de mau gosto. depois de tudo, nem Dev nem Richard sabiam nada. E Richard era amigo do Michael desde antes de que Rachel o conhecesse. Se estivesse misturado com salteadores de caminhos, certamente saberia. Mas Rachel não podia evitar pensar que uma esposa não deveria ter que depender do que outros soubessem de seu marido. Uma esposa deveria ser a que melhor o conhecesse. Estava segura de que, de ter estado Miranda em sua situação, teria sabido muito bem a que se dedicava Dev. Suspirou e começou a escovar o cabelo. Ao fazê-lo observou sua imagem no espelho. Seguia sendo uma mulher atrativa. Seu cabelo era moreno e espesso e seus admiradores escreviam ainda odes a seus olhos verdes. Conservava a figura esbelta de sua juventude e nenhuma ruga sulcava sua pele. Tinha vinte e sete anos, seguia sendo jovem. Deixou de escovar-se e se olhou com interesse. Tinha trocado desde dia em que Michael a conheceu? Certamente sim, mas a mudança tinha sido interior. Apertou com força a escova. casou-se tal e como se supunha que era seu dever, como esperava a sociedade e exigia seu pai. Mas ao cumprir com seu dever tinha renunciado a suas esperanças e sonhos. Tinha negado os desejos de seu coração. Recordava muito bem a terrível dor de sua decisão. Sabia que não tinha podido fazer outra coisa e que seu pai tinha razão. Desde não haver-se casado com o Michael, teria sido um escândalo e uma desonra para sua família e para ela mesma, além do Michael, que era completamente inocente. Fazia o que tinha que fazer, mas com isso tinha condenado a seu coração ao desespero. Porque ao casar-se com o Michael havia dito adeus ao homem que amava. Capítulo 2 Rachel recordava com claridade o dia que conheceu o Michael. Foi em uma reunião em casa de lady Wetherford, um acontecimento aborrecido no que parecia estar presente a metade da boa sociedade de Londres. Lady Wetherford apresentou a lorde Westhampton a sua mãe e a ela e sua primeira impressão foi a de um homem alto e loiro, vários anos maior que ela e muito atrativo. Conhecendo o Michael como o conhecia agora, estava segura de que ia impecavelmente vestido com roupa escura e formal; nada que pudesse chamar a atenção. A imagem perfeita do cavalheiro inglês, como sempre. Mas Rachel lhe emprestou pouca atenção e se limitou a sorrir, tão radiante se sentia por dentro, e conversar sobre o tempo e a ópera, a que tinha assistido a noite anterior. E enquanto falava, não deixava de procurar com a vista à mesma pessoa a que procurava em todos os acontecimentos sociais, ao homem responsável por sua radiante alegria de esta noite. Porque se recordava aquela velada concreta não era devido ao Michael, mas sim a que aquela foi a noite em que Anthony Birkshaw lhe disse que a amava. A pesar do tempo transcorrido, um sorriso entreabriu os lábios do Rachel ao recordá-lo. Rachel tinha dezenove anos e sua era primeira temporada em Londres. devido à falta de dinheiro de sua família, apresentou-se em sociedade um ano mais tarde. Cleybourne, o marido de sua irmã maior, tinha-lhe dado a sua mãe o dinheiro que necessitavam para a temporada e Rachel era muito consciente de que tocava a ela fazer o possível por restaurar a fortuna familiar. Poucos esperavam que imitasse o êxito de sua irmã, já que Caroline se casou com um duque, o degrau mais alto na escala da nobreza. Mas Rachel tinha a beleza dos Aincourt e um caráter agradável e sua família era uma das melhores da Inglaterra, por isso se esperava que ela também faria um bom matrimônio. Rachel não questionava seu papel nestes planos. depois de tudo, assim era como se casava a gente de sua classe. Já não eram os matrimônios acordados de antigamente, é obvio, nos que umas bodas era acima de tudo uma aliança de duas famílias por motivos de riqueza, poder e conquistas políticas e o casal podia muito bem não haver-se visto até o dia das bodas. Mas de todos os modos, a aristocracia não se casava ainda por amor, como sua mãe se encarregou de lhe recordar desde que
  • 8. era menina; casava-se pelo bem de sua família tão presente como futura. No caso da família Aincourt, isso se traduzia quase sempre em que terei que casar-se com alguém de dinheiro. Os condes do Ravenscar levavam gerações ganhando e perdendo dinheiro, mas ao parecer saía mais ouro de suas mãos de que entrava nelas. O motivo, segundo o pai do Rachel, um homem de mente estreita e idéias religiosas dogmáticas, era uma maldição papista lançada contra o primeiro conde do Ravenscar, quem recebeu a Abadia Branton de seu amigo o rei Enrique VIII quando este se separou da Igreja Católica. Edward Aincourt, conde do Ravenscar, derrubou a abadia e construiu com suas pedras a mansão familiar. Segundo a lenda, o abate do Branton tinha tido que ser tirado a força da abadia e, enquanto o levavam os homens do conde, lançou uma maldição sobre este e seus descendentes, para que “ninguém que vivesse entre aquelas pedras conhecesse nunca a felicidade”. Já fora resultado da maldição ou simplesmente a natureza de uma família muito dada ao orgulho e o esbanjamento, o certo era que os Aincourt estranha vez tinham sido felizes nem em temas do coração nem em temas de dinheiro. Todo mundo estava de acordo em que era uma boa coisa que fossem também uma família de homens altos e esbeltos e mulheres formosas, já que sempre se viam obrigados a fazer fortuna através do matrimônio, embora havia também quem assinalava que talvez era essa dependência o que os condenava a cumprir as profecias da maldição. A escassez de dinheiro se feito especialmente patente nessa geração concreta da família. O conde, um homem religioso de idéias estritas, não tinha deixado entretanto que suas crenças religiosas o levassem a uma vida ascética. Gostava de viver bem e comprar coisas formosas, o que diminuiu ainda mais a fortuna familiar. considerava-se que tocava às filhas da família resolver o problema, já que o conde tinha perdido toda esperança em seu filho Devin, o herdeiro do título. Devin levava dez anos entregue a uma vida que seu pai qualificava de excessos pagãos, levava anos de amante de uma mulher casada e tinha recusado casar-se como desejava seu pai. Rachel, pois, tinha que casar-se como decidisse seu pai, mas isso não lhe impedia de sonhar em segredo com que seu matrimônio pudesse ser também por amor além de por dever, como tinha sido o de sua irmã Caroline. Todo mundo sabia que o duque do Cleybourne amava loucamente a sua esposa e que ela parecia lhe corresponder, embora mais tarde se visse que os sentimentos dela tinham sido mais superficiais. Como mínimo, Rachel tinha intenção de desfrutar de do tempo em que procurava marido, luzindo os vestidos novos comprados para sua apresentação em sociedade, indo a festas e bailes e desfrutando das peças de teatro, as óperas e demais diversões que podia oferecer Londres a uma garota que tinha passado quase toda sua vida escondida no Derbyshire. E teve um êxito imediato. Sua vida era um torvelinho de atividades sociais que teriam esgotado a qualquer que não fora uma jovem cheia de vida. Sua agenda de baile se enchia sempre aos poucos minutos de chegar a uma festa. Podia escolher entre um sem-fim de ramalhetes de flores que lhe enviavam pretendentes esperançados antes de cada baile e nunca faltavam jovens que fossem visitar a. Mas ela só tinha olhos para um homem. Conheceu o Anthony Birkshaw às duas semanas de chegar a Londres e em conto o viu soube que era o homem de seus sonhos. Era um cavalheiro arrumado, uns anos maior que ela, cujos maneiras francos e abertos a conquistaram imediatamente. Tinha um cabelo castanho espesso que caía com descuido sobre a frente e olhos que lhe pareciam de poeta: grandes e marrons, bordeados de pestanas muito negras. E milagrosamente, estava tão louco por ela como ela por ele. É obvio, não ficava em ridículo como Jasper Hopkins, que dançava com ela os dois bailes que permitia a etiqueta a um cavalheiro que não fora o prometido de uma garota e logo permanecia o resto da velada olhando-a sem dançar com ninguém mais. Anthony se mostrava cortês e amável e dançava e conversava com outras jovens, não se dedicava tão em exclusiva ao Rachel para suscitar comentários. Aquela noite, depois de dançar juntos uma valsa, havia-lhe dito que a amava e ela não tinha deixado de flutuar após. Passou o resto do verão em uma nuvem de amor. Dado o modo em que se vigiava às jovens, quase nunca estava a sós com o Anthony. Seu amor se alimentava de olhares, sonhos e valsas. O “encontrava” às vezes quando voltava com sua donzela da biblioteca. Se lhe enviava flores, dormia
  • 9. com elas ao lado da cama e quando começavam a murchar-se, colocava-as entre os livros para as conservar. de vez em quando podiam acontecer uns momentos juntos, perder-se entre a multidão depois de um baile ou um jantar e procurar um lugar nos jardins ou no batente de algum ventanal. Ali se sussurravam o que sentiam e intercambiavam um beijo casto ou dois. Rachel vivia para aqueles momentos. Perdida em sua nuvem de amor, Rachel apenas se deu conta da freqüência com que lorde Westhampton ia visitá-la ou a convidava a dançar. Estava muito pendente do Anthony para fixar-se muito em outros pretendentes, e ao Michael nem sequer o tinha colocado entre aquele grupo. Era quase dez anos maior que ela e amigo do marido do Caroline, e a jovem assumiu que formava parte do círculo de amigos dos duques. Como sua família e ela passavam a temporada na grande mansão Cleybourne, não lhe pareceu estranho que um amigo do duque fosse de visita freqüentemente ou fora incluído nas distintas saídas. Não formava parte do círculo de jovens que a rodeavam nas festas e competiam entre si por lhe levar um copo de ponche, recolher uma luva dele que caía ao chão ou conduzir a à mesa nos jantares. De ter sido mais maior ou menos ingênua, teria se dado conta de que sua ausência indicava uma intenção mais séria para seus pais. Era muito amadurecido e importante, muito sério em suas intenções para unir-se ao grupo que a perseguia. Não era um homem que queria paquerar e admirar; era um homem que tinha intenção de casar-se. Rachel não pensava muito nele, embora, de havê-lo feito, haveria dito que gostava de lorde Westhampton. Era calado, bom ouvinte, e se ela cometia um engano de etiqueta ou fazia um comentário ingênuo, ele o passava por cima com um sorriso. Como não o incluía em seu círculo de admiradores, não se sentia obrigada a conquistá-lo. Embora não lhe interessava nenhum além do Anthony, estava acostumado a se dar por sentado que o número de pretendentes do círculo da mulher era a medida do êxito que esta tênia em sociedade, por isso não convinha que a gente visse que diminuía o número de seus admiradores, razão pela qual tinha que paquerar sem parecer atrevida e mostrar-se engenhosa e animada. Com o Westhampton, em troca, podia falar facilmente. Não lhe preocupava tratar de lhe gostar de nem manter uma certa imagem. Simplesmente o tratava como a outros amigos de seus irmãos maiores. Não demorou para dar-se conta de que se tinha algum problema referente à etiqueta ou precisava averiguar quem era alguém e onde encaixava na sociedade, lorde Westhampton era a pessoa a que acudir. Até que um dia, no fim de julho, seu pai as convocou a sua mãe e a ela na biblioteca. O coração lhe pulsou com força e se ruborizou. Uma chamada assim implicava que ocorria algo importante e pensou imediatamente no Anthony Birkshaw. Só podia ser que este tivesse pedido sua mão em matrimônio. Seu pai estava em pé detrás de uma das mesas, com aspecto tão imponente como sempre. Rachel se tinha criado temendo a aquele homem. O conde do Ravenscar, severo, religioso e sem senso de humor, não apreciava nem entendia aos meninos. Logo que via os seus exceto no domingo, quando a família ia à igreja do povo e escutava depois ao conde ler a Bíblia e catequizá-los. Vivia com a convicção de que os meninos chegavam ao mundo para honrar e obedecer a seu pai e qualquer forma de rebelião tinha que ser esmagada imediatamente. Rachel, a mais pequena dos três irmãos, cresceu vendo as batalhas entre seu irmão e seu pai que terminaram em uma ruptura total, em que o conde jogou ao Devin de sua casa e lhe disse que não voltaria a ser bem recebido nunca mais. Após, Rachel não tinha visto seu irmão até esse verão. A dor dessa separação e o terror à fúria de pai ficaram impressos firmemente em sua mente. Ela tinha conseguido evitar essas confrontações afastando-o mais possível da presença de seu pai e não enfrentando-se a ele abertamente. Em concreto, esse dia na biblioteca, seu pai se mostrava sorridente e agradado. – Bem, Rachel – disse corajoso –. Imagino que tem alguma idéia de por que te chamei. – Acredito que sim – repôs ela, com certa vacilação. Surpreendia-lhe um pouco que seu pai se mostrasse tão agradado com a proposta do Anthony. Não sabia nada de suas finanças, claro, mas era o filho pequeno de um filho pequeno e embora sua linhagem era muito respeitável, não possuía um título nem parecia ser tão rico para agradar a seu pai.
  • 10. – com certeza que sim – continuou o conde –. Lorde Westhampton é uma boa captura. Não é um duque, claro, como o de sua irmã... – soltou uma risita-, mas sim um pretendente excelente. Título, propriedades, uma família que se remonta até os barões do Guillermo o Conquistador. Sim, agrada-me muito que Westhampton se fixou em ti. É obvio, oferece um acordo muito generoso, embora ainda não fixamos os detalhes. E é obvio, quer te fazer a pergunta pessoalmente, mas acredito que todos sabemos qual será a resposta, né? – Lorde... Lorde Westhampton? -perguntou Rachel, surpreendida. Sentia um rugido estranho nos ouvidos e por um terrível momento acreditou que ia deprimir se –. Lorde Westhampton pediu minha mão? – Sim – seu pai a olhou com receio –. por que? Estava pensando em outra pessoa? entregaste seu carinho a outro? – Tolices – a mãe do Rachel pôs uma mão protetora no braço de sua filha –. É obvio que não entregou seu carinho a ninguém. Simplesmente lhe surpreende que um homem como lorde Westhampton esteja tão prendado dela. A qualquer jovem modesta ocorreria o mesmo. É uma boa partida, como você mesmo há dito. – Sim, suponho que tem razão – murmurou o conde, que não podia imaginar que sua filha mais pequena, a que menos espírito tinha dos três, enfrentasse-se a ele. Sua esposa lhe disse que Rachel e ela tinham que decidir o que vestido escolher para a proposição do Westhampton e tirou sua filha da biblioteca. – No que estava pensando? – disse-lhe assim que estiveram no saloncito das damas e teve fechado a porta –. Deste-me um bom susto. De verdade te surpreende tanto? Westhampton não saiu que a mansão Cleybourne em todo o verão. – Mas... mas é amigo do duque e eu pensava... Sua mãe suspirou com exasperação. – E eu que pensava que o estava levando muito bem! Ah, bom, dá igual. Sem dúvida assumiu que é modesta e inocente. Os homens apaixonados, por sorte, são bastante tolos. Agora temos que fazer planos. Sem dúvida virá esta tarde a falar contigo, já que seu pai lhe deu permissão. Terá que decidir o que te vais pôr. Talvez Caroline empreste ao Lucy para te arrumar o cabelo. Tem que estar muito formosa, mas não parecer que está esperando sua pergunta. – Mas mamãe! – exclamou Rachel com pânico –. Não pôde aceitar a lorde Westhampton Sua mãe a olhou atônita. – Está louca? – perguntou com uma voz que ressonou como uma chicotada –. Como que não pode aceitar...? – respirou com força –. Não! Seu pai tinha razão? puseste seu afeto em outra parte? meu deus, filha! O que tem feito? – o medo e a fúria se mesclavam em sua voz –. Não me diga que entregaste a um homem. – Não! – exclamou Rachel, escandalizada –. Como pode pensar isso? Eu nunca... ele jamais... – Bem – a condessa se relaxou um pouco –. Então não passa nada que não possa arrumar-se. Quem é esse homem? Não posso acreditar que não tenha notado nada. – É o senhor Birkshaw. Anthony Birkshaw. E não tem feito nada indevido. Sempre se mostrou muito correto. Nem sequer suscitou comentários ficando sempre a meu lado. – Birkshaw! – sua mãe a olhou horrorizada –. Anthony Birkshaw! Esse jovencito sem fortuna ousou tentar conseguir seu afeto? OH, Rachel! Como pudeste ser tão tola? O que lhe há dito? Prometeste-lhe...? Mas não, ninguém consideraria lhe vincule a promessa de uma menina tola quando ele não teve nem a cortesia nem a coragem de falar antes com seu pai. – Não me pediu que me case com – lhe assegurou Rachel –. Já te digo que sempre foi muito correto. Não nos temos feito promessas, juro-o. Mas eu o amo e sei que ele me corresponde. E hoje, quando pai nos chamou à biblioteca, pensei que era ele o que tinha pedido minha mão. Sua mãe a olhou com um indício de compaixão. – Minha querida menina, não pode pensar que o conde aprovaria essa união verdade? O senhor Birkshaw jamais conseguiria sua permissão. Não tem dinheiro nem perspectivas de futuro. Seu pai é o terceiro filho de lorde Moreston. Teria que haver uma praga para que o título chegasse até ele. E seria só uma baronía. Não me ocorre como pôde acreditar que podia aspirar à filha de um conde.
  • 11. – Não acredito que tenha pensado muito no título de meu pai – repôs Rachel, com mais aspereza da que usava habitualmente com sua mãe –. É de mim de quem se apaixonou. – Nesse caso, só posso dizer que é um imbecil e você também – a condessa moveu a cabeça –. Bem, mais vale que esqueça todas essas tolices. Esta tarde tem que aceitar ao Westhampton e não pode aparecer com ar desgraçado que lhe faça trocar de idéia. Ao Rachel deu um tombo o coração – Mas mãe, como vou aceitar o? Não o amo. Apenas o conheço. Amo a outro homem. – Não há motivo para que ele saiba – replicou sua mãe –. E o melhor será que você também te tire essa idéia da cabeça. Seu pai jamais te permitiria ver o Anthony Birkshaw. Custa-me acreditar que tenha sido tão parva para entregar seu coração a um... a um mendigo. – Não é um mendigo! – Ora! Você não sabe nada disso – a condessa olhou a sua filha com frieza –. Crie que alguma de nós se casou por amor? O que alguma de nós conhecíamos nossos maridos antes de nos prometer? Posso-te assegurar que eu não e sua irmã tampouco. – Mas Caroline e Richard se amam. – Sua irmã foi o bastante lista para não entregar seu coração até que teve dado sua mão – replicou sua mãe –. Não posso acreditar que esteja atuando assim. Você sempre foste a mais obediente de meus filhos – fez uma pausa para recuperar a compostura –. A que te acreditava que vínhamos aqui? A que passasse um verão de festas e diversão? Seu pai teve que tragar o orgulho e aceitar um empréstimo do Cleybourne para que você tivesse esta temporada. E conhecia muito bem qual era o objetivo. Sabia o que se esperava de ti. – Sim, mas... – os olhos do Rachel se encheram de lágrimas. O mundo de sonho no que tinha passado o verão se derrubava a seu redor. Compreendia que tinha sido uma parva ao pensar que seus pais aceitariam ao homem do que se apaixonou –. Não posso! – gemeu –. Não posso me casar com lorde Westhampton quando amo a outra pessoa. – Pode e o fará – a voz da condessa era implacável –. Sinto que tenha sido tão parva para entregar seus sentimentos. Teria que te haver vigiado melhor e te peço desculpas por não havê-lo feito, mas corrigirei agora mesmo esse engano. Direi ao Caroline que relatório ao mordomo de que não está em casa quando vier o senhor Birkshaw. – Não! – a dor atravessou o peito do Rachel como uma faca –. Mãe, não pode... Lady Ravenscar lhe lançou um olhar pétreo. – Se for preciso, o direi a seu pai e o despedirá. – Não! – a idéia de que seu pai falasse com o Anthony e lhe proibisse a entrada na casa a aterrorizava mais ainda. Seu pai tinha um temperamento terrível; impossível saber o que podia lhe dizer ou lhe fazer ao Anthony. Não seria surpreendente que o açoitasse com sua fortificação. – Superará esse capricho – seguiu sua mãe com voz fria –. Sei que agora te parecerá que se acaba o mundo, mas essa sensação passará logo. Os caprichos das jovens sempre são assim. dentro de umas semanas estará planejando suas bodas e escolhendo vestidos para seu enxoval e te dará conta de quão absurdo foi tudo isto. – Não – repôs Rachel com voz estrangulada –. Não será assim. – Tem que tentá-lo. Porque posso te assegurar que não te casará com o senhor Berkshaw. Se o pensar bem, seguro que entende por que te ofendeu. Suponho que logo que tem dinheiro para manter-se só e possivelmente foi tão parvo para pensar que você foi rica. – Não é questão de dinheiro! – gritou a garota –. Amamo-nos. – Pois é um amor sem esperança – repôs sua mãe, implacável –. Seu pai e eu jamais permitiremos que te case com ele. E se for tão parva para rechaçar a lorde Westhampton por essa loucura, garanto-te que o lamentará pelo resto de sua vida. Rachel já não pôde reter mais tempo as lágrimas. Começou a soluçar, afundou-se na poltrona mais próxima e se tampou o rosto com as mãos. Sua mãe a olhou um momento exasperada e logo tirou um lenço de seu bolso e o passou. – Chora – disse –. E quando terminar, te tombe com um trapo frio nos olhos para impedir que se enchem. Não pode receber esta tarde a lorde Westhampton com os olhos avermelhados pelo pranto.
  • 12. – Não posso me casar com ele – repetiu Rachel entre lágrimas-, morreria. – Não. Asseguro-te que não. Não é a primeira garota que se crie perdidamente apaixonada e certamente não será a última. E nunca morrem. É obvio, se decide rechaçar a perspectiva de ser lady Westhampton, de ter um marido que te adora e te concederá todos os caprichos, de ser proprietária de duas das mansões mais admiradas por país e de um número ilimitado de vestidos e jóias... – interrompeu-se com um suspiro –. Bom, não posso te obrigar a aceitá-lo, embora não quero nem pensar no que dirá seu pai. Seria um milagre que pudesse convencer o de que não nos levasse ao Darkwater em seguida e esse seria o fim de suas esperanças. Mas talvez se mostrasse razoável. Tem outros admiradores, embora nenhum tão boa partida como lorde Westhampton. Pode que tenha outra oportunidade de receber uma oferta decente antes de que termine a temporada, quando todos voltaremos para campo a terminar nossas vidas na penúria. Rachel pensou horrorizada na obrigação de seguir ali toda a temporada, de ir a festas e tentar atrair um marido quando seu coração estaria já quebrado. – Mãe, não posso... – E pensa ser solteirona o resto de sua vida? Porque não terá mais oportunidades de conhecer homens casaderos. Não podemos pagar outra temporada e te asseguro que seu pai não desejará fazer nada mais por ti se lhe levar a contrária agora. Rachel pensou na ira de seu pai e se estremeceu. Nunca tinha sido objeto de um de seus espantosos ataques de fúria. – Mãe, por favor... – Filha, não posso te ajudar. Solo tem duas opções... cumprir seu dever para a família, aceitar a lorde Westhampton e levar uma vida agradável e satisfatória, ou recusar e ficar conosco até nossa morte, e logo suponho que teria que viver como acompanhante de sua irmã Caroline. Suspirou com força. – Agora quero que te tombe. Enviarei-te à donzela com rodelas de pepino e um trapo frio para os olhos. E quero que pense no que vais fazer. Quero que considere o que ocorrerá a todos se não te casar com lorde Westhampton. Quero que recorde esta temporada e tudo o que temos feito para que receba uma boa oferta e leve uma boa vida. Logo decide se quer envergonhar desse modo a sua família. Se de verdade for negar a fazer o que se espera de ti, o que tem que fazer. Estou segura de que tomará a decisão correta sobre lorde Westhampton. Rachel fechou os olhos e acreditou sentir ainda a dor que havia sentido tantos anos atrás, a infelicidade que sentia quando foi a seu quarto a tombasse na cama. Esgotada pela pena e sumida no desespero, tinha chorado até não poder mais, enquanto a donzela lhe secava as lágrimas e se esmerava por reparar o dano que o pranto lhe tinha causado na cara. ficou tombada pensando, como lhe tinha aconselhado sua mãe. Compreendeu com amargura quão tola tinha sido, como tinha vivido em um mundo de sonho. E confrontou o vazio de seu futuro, solteira no Darkwater e objeto da desaprovação de seu pai, que lhe recordaria constantemente o má filha que tinha sido. Sem permissão de seu pai não podia casar-se com o Anthony até os vinte e um anos pelo menos, e sabia que seu pai não daria essa permissão. Sabia também, com desespero, que sua mãe tinha razão sobre o estado das finanças do Anthony. Lady Ravenscar sempre estava a par dessas coisas. Além disso, isso explicava por que, apesar de seu amor por ela, não tinha pedido sua mão. Sabia que seu pai não o aceitaria; certamente ele também tinha que procurar um matrimônio de conveniência. Seu sonho de amor morreu aquela tarde. Confrontou o mundo tal e como era, o mundo no que uma filha fazia as bodas que devia fazer, a que desejavam seus pais. Viu a realidade, em que não mandava o amor, a não ser a razão fria e dura. Todo seu ser lhe doía ante a idéia de entrar nesse mundo. Mas ao final se levantou e deixou que a donzela lhe pusesse o vestido de tarde eleito por sua mãe, que Lucy lhe arrumasse o cabelo e escondesse os círculos vermelhos de seus olhos sob um pingo de pós de arroz. Logo descendeu as escadas e aceitou a proposição de matrimônio de lorde Westhampton.
  • 13. Capítulo 3 Michael despertou com um sobressalto. Permaneceu um momento imóvel, suando, com o coração lhe pulsando com força. Tinha sonhado com o Rachel. Não recordava os detalhes, mas a sensação era clara... a mesma mescla de prazer e excitação tinta de pena que sentia sempre que sonhava com sua esposa. Estar com o Rachel era muito diferente. Os sentimentos em seu interior eram os mesmos, mas ampliados muitas vezes e mesclados com nervosismo e incerteza. Ao menos em sonhos era capaz de falar com ela sem converter-se em um parvo estirado, como lhe passava na vida real. Em sonhos podia beijá-la e acariciá-la com luxúria. Mas assim que sua mente recuperava a consciencia e se impunha a realidade, retornava a tristeza. Sempre era pior quando ela tinha estado de visita. Então os sonhos eram mais freqüentes e intensos. Com sua ausência tendiam a decair. Era mais fácil viver sem ela, como tinha descoberto quando levavam um ano casados. Por grande que fora a alegria de estar a seu lado, a dor aumentava até um ponto insuportável, até que já não podia viver com ela, vê-la todos os dias, sofrer de amor e paixão por ela sem ser nunca seu marido no sentido estrito da palavra. Era quase insuportável amá-la como a amava e saber que não lhe correspondia, que nunca o tinha amado e nunca o amaria. Saber que, desde que se casou com ele, levava uma vida de tristeza calada e sofria, como ele, por alguém a quem não teria nunca. Sabia o que sentia e desejava com todo seu coração ter podido lhe economizar essa pena. E o pior de tudo era que também sabia que tinha sido ele o que a tinha condenado a essa vida. Apartou as mantas com um suspiro e saltou da cama. A carícia do ar fresco em sua pele quente resultava agradável, e não ficou a bata; aproximou-se da cômoda e se serve um copo de água de uma jarra que havia em cima. Bebeu com ansiedade e foi à janela, onde apartou uma esquina do pesado cortinón de veludo para olhar a noite. Seu dormitório dava a uma parte do caminho de entrada alinhado de árvores que levava a porta principal da elegante mansão. Mais à frente se viam as colinas que caracterizavam aquele distrito. Ainda não era de dia, mas a escuridão se esclarecia e se podiam distinguir as formas das árvores e matagais. Amanheceria logo, assim não tinha sentido voltar para a cama. O que tinha que fazer era ficá-la bata e as sapatilhas, acender uma vela e começar o dia. Mas lhe parecia um esforço inútil. O dia só lhe oferecia solidão e a dor da perda. Sabia que seria assim durante muitos dias ainda. Sabia por experiência. A casa estava ainda cheia de lembranças do Rachel, de sua presença. Ainda o assaltava a louca esperança de dobrar uma esquina e encontrar-se com ela, ou de ouvir sua risada em um corredor. Essa vez tinha estado mais que de costume, quase três meses, e acompanhada da Gabriela, o que implicava que também tinha havido risadas infantis, um som que fazia muitos, muitos anos que não se ouvia na casa. Rachel parecia mais feliz que outras vezes. Estava contente pelo Dev e Richard, alegrava-se de que ao fim tivessem encontrado o amor. Queria profundamente a seu irmão e a seu cunhado e sua infelicidade tinha aumentado ainda mais a dela. E ao contrário, sua alegria tinha servido para animá- la. E a presença da Gabriela também lhe tinha levado felicidade. A menina era inteligente e corajosa e sua presença facilitava as coisas entre os maridos. Era difícil manter os formalismos com ela perto, que ria, conversava e se inundava com entusiasmo em tudo o que lhe oferecia. O que fazia pensar ao Michael que Rachel teria sido feliz tendo filhos, outra das coisas que lhe tinha roubado ao casar-se com ela. Ele tinha querido dar-lhe tinha pensado que os teriam; mas isso foi nos primeiros tempos, quando acreditava que ela chegaria a amá-lo algum dia, que a profundidade e a intensidade de seu amor por ela acabariam por conquistá-la. Então pensava que com o tempo teriam um matrimônio normal, com intimidade e com filhos. Mas isso era porque não sabia que a mulher a que amava tinha entregue já seu coração a outro homem. Tinha sido um ingênuo ao não ver que estava apaixonada. Naquela época sabia muito de livros e muito pouco sobre o coração de uma mulher.
  • 14. Tinha quase trinta anos quando conheceu o Rachel, muito major para saber tão pouco de amores e conquistas. Ao contrário que seu pai, tinha sido um jovem tranqüilo e amante dos livros. Seu pai tinha manchado de escândalo o nome do Westhampton. Era um homem que vivia como lhe agradava, comia e bebia em excesso, jogava e perseguia a toda classe de mulheres. Michael, em troca, parecia-se com sua mãe, uma mulher tranqüila e inteligente que desfrutava mais com livros e conhecimentos que com vestidos e festas. Michael tinha visto a dor em seus olhos e sabido que o causador era seu pai. Odiava a seu pai por seus excessos e jurou que não seria nunca como ele. Aprendeu a montar e a caçar, ensinaram-lhe a arte viril do boxe e o mais elegante da esgrima. Seu pai insistiu em que aprendesse essas coisas, que para ele constituíam a educação de um cavalheiro britânico, e Michael as aprendeu como fazia todo o resto, com tranqüila determinação. Mas embora dava o melhor de si nessas atividades, não gostava tanto como a educação de sua mente. Sua felicidade estava nos livros e nas horas tranqüilas que passava lendo e pensando nos mistérios do universo. Tinha tanta sede de conhecimentos como seu pai de álcool. Desprezava a seu pai por sua vida hedonista e libertina, pela vergonha que tinha causado no nome da família e a dor que tinha ocasionado a seu gentil algema, e se jurou que nunca seria como ele. Desfrutou de seus anos em Oxford e fez amigos entre os homens de letras e ciências que encontrou ali. E quando seu pai morreu ao cair do cavalo uma noite que voltava para casa bêbado, Michael passou muito tempo só na propriedade familiar do Lake District lendo, administrando a propriedade e escrevendo-se com homens que tinham seus mesmos interesses. A única vez que se afastou dessa vida tranqüila foi durante a guerra, quando sir Robert Blount, um amigo dele que trabalhava no Governo, suplicou-lhe que ajudasse a capturar a uns espiões do Napoleón que operavam na Inglaterra. Seu amigo lhe pediu que provasse a decifrar as mensagens em chave que usavam os espiões, consciente de que Michael desfrutava com esse tipo de enigmas. E este não demorou para decifrar a chave e se encontrou cada vez mais imerso naquele jogo de intrigas. disse-se que o fazia por patriotismo e por provocação intelectual, mas sabia, com certa vergonha, que gostava da excitação e o perigo que representavam. Satisfazia-lhe além de usar sua inteligência e habilidades físicas para derrotar a seus oponentes, e lhe causava prazer escapar do perigo. Descobriu que tinha um talento até então oculto para disfarces e acentos, que podia mesclar-se com pessoas de distintas classes e lugares sem ser detectado. Suas maneiras tranqüilos e seu aspecto, atrativo mas pouco chamativo, obtinham que o fora fácil passar desapercebido. Quando terminou a guerra, sua vida voltou para a rotina tranqüila de antes. Preocupou-lhe um pouco comprovar que sentia falta da excitação da intriga; o amor pelo perigo lhe recordava muito a seu pai e odiava ver em si mesmo algo do defunto lorde Westhampton. Não procurava expressamente uma esposa. Quando pensava casualmente no tema, assumia que um dia se casaria com alguém de boa família e interesses similares, uma mulher com a que pudesse formar uma família e compartilhar sua vida. Não esperava a paixão arrebatadora que o assaltou a primeira vez que viu o Rachel Aincourt. Tinha ido passar parte da temporada a Londres, como tinha por costume, e tinha assistido a uma festa com seu amigo Peregrin Overhill. Perry tinha gabado muito à nova beleza da cidade, mas como tendia a fazê-lo freqüentemente, Michael não emprestou muita atenção a suas palavras sobre a filha mais jovem de lorde Ravenscar. Não duvidava de que seria formosa. Era amigo do duque do Cleybourne e Caroline, a filha maior do Ravenscar, era na verdade uma beleza. Mas quando entrou no salão de baile e viu o Rachel, alta e esbelta com seu elegante vestido branco, a palavra «beleza» não lhe pareceu digna de descrevê-la. Brilhava-lhe o rosto, tinha manchas rosas nas bochechas, suaves como o veludo e seus olhos verdes, emoldurados por pestanas tão negras como os cachos de seu cabelo, eram brilhantes e enormes. E quando sorria... não havia palavras para descrever como lhe acelerava o coração no peito e como sua vida, antes tão rotineira, organizada e tranqüila, passou a converter-se em um tumulto de sensações caóticas e gloriosas. Todas suas idéias prévias sobre um matrimônio agradável saíram pela janela. Assim que cruzou a estadia e falou com ela, soube que era a mulher a que queria como esposa. Aquela garota de falar suave e sorriso resplandecente despertava nele tal paixão, tanta emoção, que sabia que jamais
  • 15. poderia sentir o mesmo por ninguém mais. Dispôs-se a cortejá-la como um cavalheiro, sem fazer nunca nada impróprio, é obvio, mas visitando-a com freqüência, levando-a a passear em calesa, dançando com ela os dois bailes que lhe permitia a etiqueta. Ajudou a seus esforços o fato de que já era amigo do duque do Cleybourne e tinha, portanto acesso freqüente à casa. Tanto a duquesa como lady Ravenscar, atentas a qualquer amostra de interesse por parte dos homens casadoiros, incluíam-no em qualquer acontecimento que organizassem, já fora um picnic; uma noite na ópera ou uma visita à última peça de teatro do Drury Lane. Michael sabia que não era uma figura muito romântica para uma garota jovem, mas era consciente de que lhe considerava um bom partido, já que não só tinha título e dinheiro, mas sim além disso era muito apresentável de aspecto e maneiras. Sabia que Rachel não o amava, mas confiava em poder ganhar seu coração com o tempo. Ela não rechaçava seus oferecimentos de passear pelo Rotthen Row e sempre parecia contente de falar com ele quando estava perto. lhe tivesse gostado de ir mais devagar, lhe dar tempo para que tomasse afeto, mas sabia pelo Cleybourne que Ravenscar, sempre necessitado de dinheiro, entregaria a mão de sua filha ao primeiro solteiro cotizado que lhe fizesse uma oferta. E tendo em conta que um dos homens que mais probabilidades tinham de fazê-lo era sir Wilfred Hamerston Smythe, um viúvo o bastante velho para ser pai de Rachel e do que se dizia que sua esposa tinha morrido para fugir dele, pensou que não era arrogante por sua parte supor que Rachel seria mais feliz casada com ele. Não considerou a possibilidade de que ela o rechaçasse. As filhas geralmente se casavam segundo os desejos de seus pais e ela também devia saber que sua oferta era de quão melhores podia esperar. Por isso, embora ela se mostrou tímida e calada ao aceitar sua proposição, ele o atribuiu a que tinha tido que matar suas esperanças de que seu futuro marido fora um príncipe azul que fosse a resgatada montado em um cavalo branco e se prometeu a si mesmo que a faria feliz. Sabia que certamente resultaria aborrecido para uma moça, mas pensava que sua amabilidade, seu respeito e seu amor engendrariam nela um afeto que daria passo, se não ao fogo da paixão, ao menos sim a calidez do amor. Não se deu conta de que não só não o amava ele, mas sim amava a outro. O mero feito de pensar nisso lhe causava uma dor lacerante no peito. Suspirou e deixou cair a cortina. Ficou a bata e se sentou em uma poltrona pensando no momento, sete anos atrás e só dois dias antes das bodas, em que descobriu que sua prometida se fugiu com outro homem. As bodas ia se celebrar no Westhampton, na pequena igreja de pedra normanda do povo onde se casaram todos os condes do Westhampton desde que alguém podia recordar. A casa estava cheia de amigos e familiares que tinham ido celebrar as bodas, e ainda havia mais que se hospedavam no povo e em casa de sir Edward Moreton, um vizinho cuja amável algema tinha aceito a carga de albergar a vários hóspedes. Era uma ocasião alegre. Michael não recordava ter sido nunca tão feliz. Acreditava que Rachel tinha começado a apreciá-lo nos últimos meses. Desde que estavam prometidos, permitiam-lhes acontecer mais tempo juntos. E embora sempre que ia de visita os acompanhavam a mãe ou a irmã dela, agora se sentavam freqüentemente a certa distância e lhes deixavam falar com certa liberdade. E nos bailes podia ser seu casal em mais de duas peças sem suscitar falações. O fato de que ela parecia apreciá-lo mais quanto mais tempo passavam juntos, dava-lhe esperanças de poder conquistar seu amor quando passasse todas aquilo das bodas e pudessem ao fim estar sozinhos. Faltavam dois dias para as bodas e os prometidos saíram juntos da sala de música depois de uma velada tranqüila de canções entre amigos. Michael pensava com antecipação no momento em que ao fim ficassem sozinhos. Não era sua intenção consumar o matrimônio a primeira noite; sabia que seria muito duro para uma garota jovem entregar-se assim a um quase desconhecido. Apesar do muito que a desejava, queria tomar-se tempo para que confiasse nele, para despertar sua paixão de maneira gradual. Tinha jurado fazia muito que não faria sofrer a nenhuma mulher e não podia infligir dano algum a Rachel, a que amava.
  • 16. Mas seria maravilhoso estar a sós com ela, sem a presença constante de uma carabina, poder falar com ela, rir e fazer o que quisessem, aprender a conhecer-se, beijá-la e abraçá-la, tomar a mão sem que ninguém os visse nem murmurasse. Nos últimos meses se perguntou em ocasiões se chegaria alguma vez esse momento. Rachel se tinha mostrado mais calada que de costume durante a velada e ao Michael pareceu que estava algo pálida, mas o atribuiu aos nervos pelo iminente das bodas. Quando passavam ante a estufa, vazio e escuro, tirou-a do braço e atirou dela para a porta. A jovem o olhou sobressaltada, com olhos muito abertos. -O que acontece? -sussurrou. Michael lhe sorriu. - Não há por que ter medo. -O que? -Rachel soltou uma risada –. Medo do que? -Não sei. Das bodas. Superaremo-la sem problemas. Todo mundo sobrevive. -OH, sim, suponho que sim -sorriu ela –. Acredito que estou um pouco nervosa. -Não temam. Eu estarei ao seu lado. Só têm que me cravar os dedos no braço se criem que lhes ides deprimir e eu lhes sustentarei. -Está bem. Michael acreditou ver um brilho de lágrimas em seus olhos, mas ela apartou a vista e, quando voltou a olhá-lo um instante depois, seus olhos estavam secos. Pô-lhe uma mão sob o queixo e a olhou aos olhos. -Confia em mim, verdade? -perguntou com suavidade –. Por favor, asseguro-lhes que pode confiar. Não lhes farei mal, prometo-o. -OH, Michael... -a voz dela se quebrou pela emoção e fechou uma mão em torno da dele –. Não sou... digna de você. -Que tolice! -sorriu ele –. É digna de qualquer homem. Vencido pelo amor que alagava seu coração quando a olhava, inclinou-se a olhá-la. Os lábios dela estavam quentes e suaves sob os seus e insinuavam tal prazer que quase não pôde suportá-lo. Naquele momento a desejava mais que nunca. O sangue lhe golpeava os ouvidos e rugia em suas veias. Pensou no corpo dela complacente em seus braços, em sua boca abrindo-se a ele com paixão. Rodeou-a com seus braços e atirou dela para si ao tempo que aprofundava o beijo. Uma quebra de onda de calor atravessou seu corpo e a apertou contra ele. Seus lábios provavam a doçura com a que levava meses sonhando. Pensou nos dias e semanas que os esperavam, nos que faria conhecer o Rachel os prazeres da carne, pensou em explorar seu corpo com as mãos e a boca, em lhe ensinar o prazer que podiam dar-se mutuamente, e um tremor de luxúria atravessou seu corpo. Quão último desejava era finalizar o beijo, soltá-la e apartar-se, mas se obrigou a fazê-lo. Não devia assustá-la com a enormidade da paixão que pulsava nele. Rachel o olhava com os olhos muito abertos pela surpresa. Seus lábios eram suaves e úmidos, escuros pela pressão da boca dele, e lhe bastou vendo-os para voltar a sentir a luxúria. Retrocedeu um passo mais e pigarreou. -Perdão. Não devi... -o desejo nublava de tal modo sua mente que não podia pensar em nada racional –. Acredito que deveríamos damos a boa noite. -Sim, milord - sussurrou ela antes de sair apressadamente da estadia. Michael deu um passo para ela, preocupado de repente se por acaso era medo o que tinha visto em seus olhos e não só surpresa. Deteve-se, pensando que se a tinha assustado sua perseguição só conseguiria aumentar o medo. Sem dúvida seu beijo repentino a tinha sobressaltado. Não era próprio dele, que estava acostumado a controlar seus atos. Mas a beleza de Rachel punha a prova sua compostura, e durante os meses de compromisso, tinha tido que exercitar um forte controle sobre seus desejos. E agora que se aproximava o final, tinha baixado a guarda. Teria que ir com mais cuidado, manter as distâncias com sua prometida até depois da cerimônia. O melhor que podia fazer nesse momento seria deixá-la sozinha. Se sua paixão a tinha incomodado, sua mãe ou sua irmã poderiam sossegar seus medos melhor que ele. Retirou-se a seu estudo e se serve um brandy.
  • 17. Uma hora mais tarde, seguia ainda ali, lendo um livro e terminando seu segundo brandy, quando bateram na porta. Era o mordomo, com ar de embaraço. -Milord -murmurou –. Ah, o chefe de quadras quer lhes falar. Hei-lhe dito que estavam em seu estudo, mas se mostra muito insistente. Não quis me dizer do que se trata. Lamento lhes incomodar, mas como se trata do Tanner... -Sim, fazem bem -Michael ficou em pé com curiosidade. Supunha que devia haver um problema com um dos cavalos, ou possivelmente com algum animal dos convidados. Tanner era um homem fleumático, pouco propenso a acudir correndo a pedir o conselho do amo. O homem o esperava na porta que levava ao jardim traseiro; tinha o chapéu nas mãos e lhe dava voltas com nervosismo. Michael o conhecia desde que tinha entrado em trabalhar ali quando ele era um moço, e a expressão de seu curtido rosto fez que o olhasse com apreensão. -O que acontece? -perguntou sem preâmbulos –. Trata-se do Saladino? -era seu cavalo predileto, um alazão negro de graça e velocidade pouco comuns. Tanner pareceu surpreso. -O que? OH, não, milord. Nada disso. Saladino está bem e tão em forma como sempre. É algo muito... -deteve-se e o olhou incômodo –. Espero que não me interprete mal, senhor. Eu não teria vindo a você de não ser porque o moço está acostumado a ter a cabeça bem posta sobre os ombros e não é dos que inventam histórias. -Sinto muito, Tanner, não compreendo. De que falas? -Uma dos moços de quadra, senhor. Dougie. É um bom menino, um de quão melhores tive aqui, e eu diria que muito de confiar. Veio a me contar... -Sim? -respirou-o Michael ao ver que se interrompia –. Algo que crie que eu devo saber? -Exato -suspirou Tanner –. A questão é que a moço acreditou ver a senhorita Aincourt. -A senhorita Aincourt? Minha prometida? -Sim. Assim é. Nos jardins, no caminho que leva ao prado. -Ao prado? Quando? Refere a esta noite? -Sim, senhor -o outro apartou a vista –. Faz uma meia hora. Dougie dava um passeio antes de deitar-se e há voltado alterado e me chamou fora para me dizer que tinha visto a senhorita Aincourt ali. -Tem que estar equivocado -repôs Michael –. A esta hora da noite? Eu vi a senhorita Aincourt recentemente mais de uma hora e se ia à cama. -Perguntei-lhe, senhor, e jura que era ela. Diz que lhe surpreendeu tanto vê-la que se aproximou para certificar-se -o homem vacilou –. Diz que falava com um homem - terminou apressadamente. Michael ficou frio de repente. -Continua -disse, surpreso de poder falar. -Dougie a princípio acreditou que foram vocês e se tornou para partir, mas então relinchou um cavalo e viu que havia um baio maço a uma das árvores, escondido nas sombras. Dougie entende de cavalos e esse não era dos nossos, assim não sabia o que fazer, senhor. Pensava que não devia deixar à senhorita Aincourt ali só e sabia que o homem era de fora pelo cavalo, assim que se ficou olhando, tratando de decidir. E logo o homem tirou o cavalo e Dougie lhe viu a cara e diz que não o tinha visto nunca e ajudou a montar à senhorita, subiu com ele e se partiram. O chefe de quadras estudava os paralelepípedos sob seus pés. Michael tinha a sensação de que não podia respirar. Recordou o rosto de Rachel depois de beijá-la, o que parecia surpresa e que talvez era medo. A força de sua paixão a teria assustado até o ponto de fugir dele? Recordou logo que se mostrou estranha toda velada. Respirou com força e tentou esclarecer sua mente. -Está seguro? -Jura que viu isso. De ser outro dos moços não lhes teria incomodado, mas Dougie... Nunca o vi mentir e nem sequer exagerar. O perguntei uma e outra vez e insiste em que não se equivoca. Não há aroma de genebra em seu fôlego e não sabia o que fazer, senhor, mas ao fim lhes decidi contar isso. -Comprovarei-o agora mesmo -assegurou-lhe Michael sombrio –. Não faz falta que lhes diga... -Ninguém mais sabe nada e não saberão. Dougie me jurou já silêncio. Sabe que o despedirão
  • 18. sem referências se lhe disser uma palavra a alguém, incluídos aos outros moços. -Obrigado, Tanner. Michael voltou a entrar na casa e foi bater na porta de lorde Ravenscar. O conde foi a abrir com o gorro de dormir posto e uma bata arremesso sobre os ombros. Michael lhe contou em voz baixa o que lhe haviam dito. Ravenscar o olhou atônito um momento e logo se ruborizou intensamente. -O que? O que dizem? -ladrou –. Ousam insinuar que... ? -Eu não insinuo nada -repôs Michael com frieza –. Só lhe peço que lady Ravenscar entre na habitação da senhorita Aincourt e veja se está em seu leito. O conde parecia a ponto de lhe dar com a porta nos narizes, mas se voltou e Michael lhe ouviu falar com sua esposa. Retrocedeu uns passos e esperou. Um momento depois saía lady Ravenscar envolta em uma bata. Michael só viu seu rosto um instante, mas lhe pareceu que estava branco e rígido de medo. Compreendeu que ela sabia algo que seu marido desconhecia. O conde seguiu a sua esposa a um passo mais tranqüilo. Antes que chegasse a seu destino, a condessa saiu de novo ao corredor. Olhou a seu marido e logo a Michael, incapaz de falar. Ravenscar, impaciente, entrou na habitação e Michael se aproximou da mãe de Rachel e a tirou do braço para sustentá-la. Parecia a ponto de desmaiar-se. -Foi-se? -perguntou ele em voz baixa. Lady Ravenscar assentiu sem palavras, com os olhos cheios de lágrimas. Levou as mãos às bochechas. -Não sei o que vai dizer -olhou com ansiedade a habitação em que tinha desaparecido seu marido. Michael a conduziu ao quarto de Rachel e fechou a porta atrás deles antes de deixar à condessa em uma poltrona. O conde estava em metade da estadia e a surpresa começava a dar passo à fúria em seu rosto. -Falta alguma de suas coisas? -perguntou Michael com rapidez, para antecipar-se à explosão do conde. Lady Ravenscar moveu a cabeça. -Não sei; não acredito. Michael olhou a seu redor. A cama estava aberta e o fogo apagado. Sobre a cama havia uma camisola e uma bata brancos. Assumiu que ela se deitou e logo havia tornado a vestir-se e escapado na noite. Não se via uma nota nenhuma carta por nenhuma parte. Perguntou-se se teria saído sem intenção de abandonar a propriedade ou se tinha deixado suas coisas ali para ocultar mais tempo sua fuga. -Têm idéia de quem é ele? -perguntou Michael a lady Ravenscar. -É obvio que não! -gritou Ravenscar. Michael viu que a condessa lançava um olhar furtivo a seu marido, mas não disse nada. -Não faz muito que se foram e Dougie diz que montam os dois juntos. É muito provável que possamos alcançá-los se sairmos agora. Pedirei a um rapaz que sele dois cavalos se querem me acompanhar. O conde, que parecia ainda a ponto de explodir em qualquer momento, assentiu com a cabeça. -vou vestir me. Saiu da estadia. Lady Ravenscar fez gesto de segui-lo, mas Michael lhe pôs uma mão no braço. -Conhecem vocês o nome dele, milady? A mãe do Rachel lhe lançou um olhar agônico. -Não estou... segura. Havia um homem... a parva dela acreditava que se apaixonou por ele. Mas me assegurei de que não voltassem a admiti-lo na casa e de não deixá-la nunca sozinha. Juraria que faz quatro meses que não se viram. Eu acreditava que se esqueceu dele. -Qual é seu nome? -tinha que sabê-lo embora lhe doía em seu orgulho perguntá-lo. -Anthony Birkshaw. -Birkshaw - Michael procurou um momento em sua mente. Recordava vagamente a um jovem moreno entre o grupo dos que rodeavam a Rachel antes de seu compromisso –. Amava-o quando aceitou minha proposição?
  • 19. -Amar? Ela não sabe o que é o amor -replicou lady Ravenscar com desprezo –. Sentia-se adulada e ele é um jovem bonito. Expliquei-lhe que era impossível, que já sabia qual era seu dever. Não sei o que pode lhe haver passado para atirar assim seu futuro. «Seu dever». Essas palavras caíram como chumbo no coração dele. Era o dever que lhe tinha imposto sua família. Sabia que não o amava, mas antes tinha esperanças e era muito doloroso saber que amava a outro, que tinha fugido dele no último momento, incapaz de suportar a idéia de casar-se com ele. Uma parte dele desejava voltar para seu quarto e fechar a porta, permitir que se fora com seu amor, desfrutar-se em sua desgraça e deixar que Ravenscar respondesse às perguntas dos convidados. Mas sabia que não podia fazê-lo. Tinha visto a fúria nos olhos do conde. Não podia permitir que alcançasse a Rachel sozinho. Além disso, se transcendía o ocorrido aquela noite, ela ficaria desonrada sem remédio. O escândalo mancharia também o nome dele, mas depois de tudo, ele era a parte ofendida e, quando tudo passasse, voltaria a ser um solteiro cobiçado. Além disso, a boa sociedade de Londres lhe importava muito pouco e podia deixar acontecer a tormenta no Westhampton, longe de olhadas compassivas e sussurros maliciosos. A Rachel, em troca, crucificariam-na as falações. Deixar a um noivo quase no altar... fugir-se com um homem e passar tempo a sós com ele... sua reputação ficaria arruinada sem remédio. As falações a perseguiriam toda sua vida. Haveria muitas anfitriãs que não a convidariam a festas nem a receberiam. É obvio, tendo em conta as finanças do Birkshaw, Rachel de todos os modos já não poderia mover-se no círculo social de sua família. Viveria em uma habitação de aluguel, sem saber de onde sairia sua próxima comida, remendando seus vestidos porque não poderia permitir comprar outros novos, e com a carga de meninos aos que teria que preocupar-se também de alimentar. Michael não podia suportar imaginá-la nessas circunstâncias. Tinha sido uma parva. Por que tinha aceito sua proposta? Por que não lhe havia dito que amava a outro? Mas arruinar sua vida era um castigo muito cruel por um engano adolescente. Tinha que encontrá-la e lhe impedir que atirasse seu futuro ao lixo. Afastou-se pois de lady Ravenscar e saiu da casa para correr em sua perseguição. Capítulo 4 Michael suspirou e ficou em pé. Passou-se as mãos pelo cabelo com cansaço. Fazia muito tempo que não pensava na noite em que Rachel fugiu dele. Aquela noite o atormentou continuamente durante os dois primeiros anos de seu matrimônio, mas sua lembrança começou a ceder com o tempo, embora, quando lhe voltava para a mente como nesse momento, era vívido e doloroso. Sentia de novo a tristeza de seu coração, o medo ao que encontraria quando alcançasse ao casal, a angústia de saber que ao Rachel enojava tanto a perspectiva de casar-se com ele que estava disposta a arruinar sua reputação e uma vida de comodidades com forma de evitar converter-se em sua esposa. Aquela noite chegou a conhecer a profundidade da dor que pode causar o amor, assim como também até que ponto seu amor pela Rachel se instalou em seu coração e em seu corpo, até o ponto de que não podia desprezá-la embora quisesse, não podia lhe desejar a pena que sentia seu coração ferido. O orgulho e a dor clamavam vingança e, entretanto, sabia que se dele dependia não levaria a cabo essa vingança. A donzela de acima entrou sem fazer ruído em sua habitação e se sobressaltou ao vê-lo levantado. Recolheu as cinzas do fogo da noite, acendeu outro e voltou a sair. Michael chamou para pedir o café da manhã. Depois disso, sua ajuda de câmara lhe levaria água quente para barbear-se, prepararia-lhe a roupa e começaria o dia. Mas no momento estava de pé ante o fogo, com as mãos tendidas para o calor, contemplava o baile das chamas e recordava a noite em que levou a Rachel de volta.
  • 20. Ravenscar e ele avançavam em silencio na escuridão. Não era difícil seguir ao casal. O rastro do cavalo carregado com dois começava ao pé dos jardins e levava com o passar do prado e até o caminho, onde tinham torcido ao este, em direção ao povo. Ali, Ravenscar e ele pararam a perguntar na estalagem se tinha passado um casal e o hospedeiro respondeu que sim, que um jovem tinha tentado alugar uma carruagem uma hora atrás e uma mulher o esperava no pátio, mas levava uma capa com gorro e não a tinha visto bem. -Seus amigos, milorde? -perguntou o hospedeiro com uma mescla de curiosidade e respeito. Michael sorriu com uma tranqüilidade que não sentia, contente de que suas experiências com espiões durante a guerra lhe tivessem dado a habilidade de dissimular e repôs: -Sim, um jovem parvo que se deu por ofendido e saiu correndo durante a noite. Tenho que conseguir que retorne antes que sua jovem algema sofra algum dano. -Ah, compreendo. Sim, faz sentido que procurassem um veículo a essas horas. É obvio, eu não tenho nenhum e assim o hei dito. A casa de postas mais próxima está na estalagem do Coxley; enviei- os ali. -Muito bem. Talvez os alcancemos ali. Obrigado por tudo – Michael lhe deu uma moeda para assegurar-se sua lealdade futura e foi reunir se com lorde Ravenscar. -Esse idiota tentou alugar uma carruagem aqui a estas horas -disse com raiva. Como podia ter convencido a Rachel de que fugisse com ele sabendo que não tinha planejado sua fuga? Claramente se tratava de um vilão, um idiota ou ambas as coisas. Seguiram avançando e alcançaram ao casal no Coxley pouco depois de meia-noite. No pátio da estalagem não se via que estivessem preparando nenhuma carruagem, mas dentro havia luz e um hospedeiro irritado lhes abriu a porta. Quando ouviu que procuravam um casal jovem, assinalou por cima do ombro com o polegar uma porta fechada no corredor, em frente do botequim. -Estão num quarto privado, senhor, e se podem colocar um pouco de sentido comum na cabeça desse jovem, farão-me um grande favor. O idiota quer que levante meus rapazes e lhes alugue um carro a sua esposa e a ele a estas horas da noite. Hei-lhe dito que terá que esperar até amanhã, como faria qualquer pessoa decente, mas diz que não pode acontecer a noite em uma «sórdida estalagem do campo». Lhes digo... -Não ganhará nenhum prêmio ao tato – assentiu Michael com calma –. Não temam, já nos ocupamos nós. Voltem para a cama e não lhes preocupem de nada. Partirão conosco. -Obrigado, senhor -o hospedeiro lhe fez uma reverência –. Eu sei distinguir a um cavalheiro, senhor, e você são -tomou sua vela e se afastou pelo corredor para seus aposentos. Ravenscar tinha esperado impaciente durante a conversação com o hospedeiro, e assim que este se afastou, aproximou-se sem cerimônias ao quarto e entrou sem chamar. Michael o seguiu com rapidez e fechou a porta a suas costas. Rachel estava sentada com o cotovelo apoiado em um braço da poltrona, a cabeça na mão e aspecto cansado. Um homem jovem, de cabelo moreno espesso e rasgos atrativos, passeava impaciente pela estadia. Voltou-se para ouvi-los, mas sua expressão de surpresa denotava que não esperava vê-los ali. -Santo céu! -exclamou involuntariamente. Rachel levantou a vista e ficou em pé de um salto sujeitando-as saias com as mãos. O medo de seu rosto cortou o coração do Michael como uma faca. -Pai! Lorde Westhampton! -Pensava que escaparia? -rugiu lorde Ravenscar com o rosto vermelho de fúria –. Acreditava que podia te largar e não passaria nada? Tornaste-te louca? Não fica nada de decência? -Lorde Ravenscar... -começou a dizer Michael. O conde o olhou com frieza. -Não. Por desgraça não é sua esposa ainda, Westhampton. Segue sendo meu assunto -olhou a sua filha –. Sua mãe está prostrada pela dor. Desonraste a todos. O rosto da jovem empalideceu ainda mais e seus olhos se encheram de lágrimas. -Sinto muito. Sinto-o muito. Eu não queria prejudicar a ninguém. -Milorde, é minha culpa, -Birkshaw se colocou entre o Rachel e seu pai –. Eu lhe pedi para fugir
  • 21. e se case comigo. -Claro que é sua culpa! -rugiu Ravenscar –. Criem que não sei? Ela não tem cabeça para idear algo assim. Mas não pudestes evitar seduzida, verdade? -Milord! -exclamou o jovem –. Não a hei meio doido, juro-o. Amo a sua filha. O rosto do Ravenscar passou do vermelho ao púrpura e as palavras do Birkshaw o deixaram sem fala no momento. -Têm um modo muito estranho de demonstrar seu afeto -interveio Michael com crispação –. Convencer à senhorita Aincourt de que se fuja com você virtualmente a véspera de suas bodas, com montões de convidados para presenciar o escândalo. Têm-na exposto a falações incríveis e animado a romper sua palavra sabendo que não têm médios para manter a uma esposa. E nem sequer tivestes a cortesia de assegurasse uma carruagem para a fuga -terminou aborrecido. Birkshaw se ruborizou, embora Michael não soube se era de raiva ou de vergonha. -Sei que têm motivos para me odiar, milord, e lhes peço perdão. Não era minha intenção lhes prejudicar a você, mas meu amor pela senhorita Aincourt é entristecedor. Olhou a Rachel e lhe sorriu entre lágrimas com o rosto reluzente de amor. Michael sentiu como se uma faca seccionara seus órgãos vitais. Voltou-se e se afastou uns passos, lutando por controlar-se. Rachel nunca o tinha cuidadoso assim e viu claramente que não tinha nenhuma esperança de converter-se no homem que ela amava. Aproximou-se do aparador e baixou a vista; só via o manto negro que cobria o resto de sua vida. Uma vida sem Rachel. Sem amor. -Entristecedor! -gritou Ravenscar –. Só um idiota. Entre os dois arruinastes sua vida. Fugir-se... passar a noite no caminho com um homem que não é seu marido... Santo céu, o mundo inteiro saberá que é uma prostituta. Sua reputação está arruinada. Tão parvo são que não vêem isso? Nenhum homem se casaria com ela agora. -Eu me casarei com ela -declarou Birkshaw com dramatismo. -Só por cima de meu cadáver! -uivou Ravenscar –. Arruinaste-nos com suas tolices, ouvem-me? De verdade pensam que, depois do que têm feito, permitiria-lhes casasse com minha filha? Pensaram nisso antes de convencê-la para que fugisse com você? Né? O que farão... levá-la a seus aposentos de solteiro? Viver com o ridículo pagamento que recebem de seu pai? -Procurarei emprego, milord -repôs o jovem, muito rígido. -OH, sim, claro. Secretário de algum nobre, sem dúvida. Não poderiam viver com o que lhes pagariam, e embora pudessem, que homem lhes contrataria? Os secretários são homens responsáveis, não dos que se fogem com a prometida de outro em metade da noite. E o mesmo passa com os trabalhos do Governo. Com que tivessem o sentido comum de um gato, saberiam. Depois disto, ninguém quererá ter nada que ver com nenhum dos dois. Terão sorte se encontrarem um trabalho de dependente. Conheço sua situação. Têm que lhes casar por dinheiro. Apostaria a que agora vivem com recursos emprestados. Acreditavam que ela tinha dinheiro? Pensavam que, se enlodavam seu nome, não teria mais opção que lhes permitir lhes casar com ela e queriam viver a minha costa o resto de sua vida? -Nada disso, milord -Birkshaw apertou os dentes –. Sei que minhas perspectivas não são muito boas... -Que não são boas? São terríveis! -gritou Ravenscar –. E querem arrastar a minha filha a isso? Querem albergá-la em uma habitação alugada no East End? Com o que se alimentarão? Como cuidarão dos desafortunados filhos que tenham? -Não... não sei -repôs Birkshaw. -Não sabem -repetiu Ravenscar com sarcasmo –. E por isso arruinastes a minha família. Dos lábios de Rachel escapou um soluço. Seu pai se voltou para olhar. -E bem, senhorita, não esperava isto de ti -disse com amargura –. Sempre pensei que seria Dev o que desonrasse nosso bom nome. Temia seus modos licenciosos. Que idiota fui ao não ver que você está atalho com o mesmo patrão! É uma mulher lasciva, uma rameira! -Pai, não, por favor! – Rachel chorava. E todo seu corpo se estremecia com seus soluços –. Não tenho feito nada mal. -Ravenscar! -Michael se voltou –. Isso é desnecessário.
  • 22. -É a verdade! -gritou o conde com olhos chamejantes, como os de um profeta bíblico. Assinalou a sua filha com um dedo acusador –. Por seus desejos carnais desonraste o bom nome de sua família! Não é sozinho a ti a que não voltarão a receber em nenhuma casa decente. A sua mãe tampouco. Eu sentirei muita vergonha para pisar no White's de novo. É uma mancha no nome dos Aincourt. -Sinto muito, sinto muito -chorou Rachel. Olhou a seu pai suplicante –. Não o pensei... Era sozinho... -cobriu-se o rosto com as mãos, incapaz de continuar. -É evidente que não o pensaste -replicou seu pai –. Arrastar nosso nome pelo lodo só para poder gozar com este moço! Será impossível silenciar isto. A casa está cheia de convidados à bodas. Toda a boa sociedade saberá que deixou plantado ao Westhampton no altar. Rachel apartou a mão do rosto e olhou horrorizada a seu pai. Era evidente que até aquele momento não tinha pensado nas conseqüências que teriam seus atos para o Michael. -Não, eu não pretendia... -Fez que fique como um imbecil! rugiu Ravenscar –. Desonraste a um homem excelente, traindo sua confiança... -Basta! -Michael se aproximou –. Já é suficiente, senhor. Ela não ficará desonrada E eu tampouco. Porque disto não sairá nada mal. -O que? -todos o olharam atônitos. Ravenscar franziu o cenho. -O que diz? Não podemos ocultar isto. -Sim podemos. Se nos casarmos dentro de dois dias como está previsto, ninguém saberá que a senhorita Aincourt me deixou plantado. O conde o olhou de marco em marco. -Casariam-lhes ainda com ela depois disto? Michael procurou não olhar a Rachel. -Se a senhorita Aincourt assim o desejar. É o único modo de manter o segredo. Estou seguro de que o senhor Birkshaw, se de verdade a ama como diz, partirá e nunca falará disto -olhou ao jovem com olhar fixo. Birkshaw baixou os olhos e assentiu com a cabeça. -Meus serventes não dirão nenhuma palavra -continuou Michael –. São muito leais. Acredito que podemos contar com que lady Ravenscar e vocês não revelarão nada. -Podem estar seguro! -exclamou o conde. -Então o único modo de que se saiba seria que eu repudiasse nosso contrato de matrimônio. Se voltarmos para a casa sem fazer ruído e a senhorita Aincourt e eu nos casamos depois de amanhã, ninguém saberá nada. Houve um comprido silencio. Michael olhou a Rachel, que se secava as lágrimas com a vista baixa. -E bem, senhorita Aincourt? Estão disposta a lhes casar comigo na sexta-feira? -É obvio que sim -apressou-se a dizer o conde –. E já pode considerar-se afortunada de que queiram seguir adiante depois disto. -Não. Deixem que ela fale -disse Michael com firmeza, sem apartar os olhos da jovem –. É evidente que antes me aceitou contra seu parecer e não quero que isso volte a ocorrer. A decisão é sua, senhorita Aincourt. Rachel levantou os olhos, alagados ainda em lágrimas. -Sim -repôs em voz baixa –. Casarei-me com você na sexta-feira. E o sinto muito. Meu comportamento foi imperdoável. Dou-lhes as obrigado por sua generosidade. Michael assentiu gravemente com a cabeça. Tinha falado porque não podia suportar que seu pai seguisse ofendendo-a; a idéia de que voltasse a viver com ele para sempre o enchia de desgosto. Sabia que aquele era o único modo de que Rachel sobrevivesse a esse episódio com sua reputação intacta. Mas também sabia que seus motivos eram egoístas. Fazia sua oferta porque não podia suportar deixá-la partir. Tinha que unida a ele até sabendo que amava a outro. Birkshaw lançou um som inarticulado de frustração e dor e saiu da estadia. Rachel lhe lançou um olhar de angústia, mas não tentou detê-lo. Pouco depois abandonavam os três a estalagem e voltavam em silencio ao Westhampton. Rachel montava no cavalo de seu pai, detrás deste. Na sexta- feira, como estava previsto, converteu-se em lady Westhampton.
  • 23. Levavam sete anos casados e nunca tinha sido sua esposa no verdadeiro sentido da palavra. Ao princípio, Michael ainda tinha esperanças de que Rachel chegasse a amá-lo, ou ao menos gostasse do suficiente para formar um verdadeiro matrimônio com ele. A tarde antes de suas bodas lhe prometeu que não a pressionaria nem esperaria uma relação física com ela conhecendo seus sentimentos. Mas em seu interior acreditava ainda que, com o tempo, cuidados e consideração por sua parte, ela trocaria respeito a ele. Com os anos, entretanto, a relação tinha trocado pouco. Seu matrimônio tinha começado como uma união distante e cortês e assim se mantinha. Michael, ferido e surpreso ainda, não queria apressá-la nem lhe causar dor e se manteve escrupulosamente educado e contido com ela. Passaram a lua de mel em Paris, aberto de novo aos ingleses agora que a guerra com o Napoleón tinha terminado. Tomaram habitações separadas, unidas por uma porta comum que não se abria nunca. Foram à ópera e ao teatro, e a um baile na embaixada britânica. Voltaram para Londres, onde Rachel se introduziu pouco a pouco na vida de uma matrona da boa sociedade, começando com festas e jantares pequenos e subindo até um baile espetacular ao final de sua primeira temporada. Michael a ajudava a sortear os pequenos detalhes, às vezes traiçoeiros, da vida em sociedade. Ela respondia com gratidão, mas sempre havia entre eles certo desconforto. Embora descobriram distintas facetas do outro, a um nível importante seguiam sendo estranhos. Parecia que, quanto mais incômodo se sentia ele, mais cortês e contido se mostrava, e Rachel respondia do mesmo modo, até que ao fim ele compreendeu com desespero que nunca haveria amor entre eles. Não sabia se ela seguia amando ao Anthony Birkshaw e não pensava perguntar-lhe solo sabia que não havia tornado a vê-lo desde suas bodas, já que essa foi a única condição que ele pôs a seu matrimônio. Mas amasse ou não ao Birkshaw, para o Michael resultava claro que não o amava a ele. Depois de um ano de matrimônio, decidiu que era pior viver com o Rachel, amá-la, desejá-la e não ser correspondido nem no amor nem no desejo, que viver sem ela. Sua separação, como todo o resto, foi cortês, educada inclusive. Michael lhe recordou seu amor pelo campo e a tranqüilidade, mas lhe assegurou que não era sua intenção lhe impor uma vida campestre. Ela podia permanecer em Londres, levando a vida que gostava, e ele se retiraria a sua propriedade no Lake District. Ficava nele certa esperança de que ela se negasse a viver sozinha em Londres e o acompanhasse ou lhe pedisse que dividissem seu tempo entre ambas as residências, mas ela não o fez. Limitou-se a assentir com cortesia e sem paixão. A viagem ao norte foi duro e solitário para ele, e foi seguido de um inverno ainda mais duro nas paisagens nevadas da Cumbria. Ali estava toda a beleza que sempre tinha amado... seus livros, seus estudos, as reformas da casa e jardins, experimentos que fazer nos campos, sua correspondência; tudo o que tinha conformado sua vida antes do Rachel. Mas nada disso lhe resultava satisfatório. E essa tinha sido sua vida durante mais de cinco anos. Rachel e ele viviam por separado. Ele visitava Londres às vezes durante a temporada, solo para fazer ato de presença e ela ia ao Westhampton por Natal. Estavam casados e não o estavam. E Michael se acostumou a aquele fato. Houve uma chamada discreta à porta. Sua ajuda de câmara a abriu e entrou com a bandeja do café da manhã. Deixou-a na mesita diante das duas poltronas, serve o chá e desentupiu os pratos. -bom dia, milord -disse. Garson procedeu a abrir as cortinas e se deteve logo ao lado da poltrona do Michael, onde esperou até que este teve tomado uns sorvos de chá. Westhampton o olhou interrogante. -Tem algo que me dizer? -Esta manhã chegou uma pessoa -repôs Garson –. Uma moço de quadra, acredito, da propriedade de lorde Ravenscar. Tenho entendido que saiu dali ontem pela manhã e viajou sem interrupção. -Lorde Ravenscar!-Michael deixou a taça de chá e ficou em pé –. Por que? Aconteceu algo? aconteceu-lhe algo a lady Westhampton? -Diz que está tudo bem, milord; se não, teria lhes trazido imediatamente a nota que transportava -tirou uma nota pequena do bolso.
  • 24. Michael a tirou das mãos. -Deus santo, homem! por que não o tem feito? Garson parecia doído. -Pensei lhes dar antes um momento para tomar o chá, milord. Michael fez uma careta. Rompeu o selo, desdobrou a carta e leu a letra familiar do Rachel. Um momento depois lançou um juramento e se sentou para voltar para 1er. Garson seguia na estadia, preparando a roupa para o dia. Deteve-se logo ao lado da poltrona de seu amo. -Vai tudo bem com milady? -perguntou. Michael golpeou com irritação o braço da poltrona. -Não, tudo vai mal -comentou –. Prepara minha bagagem, Garson. Reunirei-me com lady Westhampton no Darkwater. Capítulo 5 Rachel olhou a Jessica, que estava de pé e observava o trabalho de ponto que Miranda tinha nas mãos. Jessica apertou os lábios e Miranda levantou a vista com um suspiro. -Vale, ria. Já sei que parece absurdo. -Não... -Jessica olhou ao Miranda e uma gargalhada escapou de seus lábios –. Vale, tem razão; parece absurdo. O que tem feito? -Não tenho nem a menor idéia -confessou Miranda, rendo a sua vez –. É evidente que descuidaram muito minha educação. Não sei nada de todo isso que Rachel e você fazem com tanta facilidade. -Ah, mas sabe disparar um fuzil -sorriu Rachel a sua cunhada. Miranda, filha de um norte-americano que tinha feito fortuna no comércio de peles, tinha sido educada de um modo quase inconcebível para o Rachel. Acompanhava a seu pai em suas viagens às terras selvagens, onde conheceu índios e trapaceiros e aprendeu não só a disparar mas também a usar uma faca. Quando o negócio de seu pai começou a crescer, levava-lhe as contas e investia o dinheiro em propriedades imobiliárias na cidade de Nova Iorque, com o que conseguiu triplicar sua fortuna. Embora Rachel queria muito a sua cunhada, entre outras coisas porque tinha resgatado ao Dev de uma vida desastrosa, havia vezes nas que sua energia a deixava sem fôlego. -É certo -assentiu Miranda-, mas isso não serve de muito quando te prepara para a chegada de um menino. Neste momento seria mais prático uma manta -olhou a manta amarela clara que havia na poltrona da Jessica –. Como aprendeu a tecer tão bem? -Ensinou-me o regulamento de meu pai -repôs a outra, que era filha de um militar –. Lhe dava muito bem remendar e tecer meias três-quartos, mas a costura fina não era seu forte. Por isso, embora eu posso te tecer gorros, patucos e mantitas, Rachel terá que encarregar do vestido do batismo e os bordados. Aludida-a sorriu. -Será um prazer. De fato, comecei a costurar desde que me deu a boa notícia, Miranda. Pensou que era estranho que um ano antes não conhecesse aquelas duas mulheres e agora as contasse entre seus melhores amigas. Miranda sorriu. -Quem ia pensar que quando me casasse com o Devin encontraria também amigas tão maravilhosas? -perguntou –. A verdade é que nunca tive muitas amigas, e nenhuma em que pudesse confiar como em vocês. Ao Rachel não surpreendia. Suspeitava que a maioria das mulheres de sua idade lhe teriam um pouco de medo. Era fácil ver por que Jessica e ela tinham intimado tanto em poucos dias; ambas possuíam uma personalidade forte e uns maneiras abertos e diretos, quase bruscos. Entendia menos o que era o que as atraía dela; não tinha sua força e nenhuma das outras tinha cometido os enganos que tinha cometido ela. Voltou para sua costura, um vestido comprido para batizar ao futuro menino do Miranda. Era
  • 25. feito de raso e costurado com pontos muito pequenos. Tinha terminado de costurá-lo e agora lhe colocava as filas e filas de delicado encaixe belga que decoravam a prega, as mangas e o pescoço. Depois pensava lhe bordar flores brancas e o toque final seriam uns patucos e um gorro de raso a jogo, mas bordeado também de encaixe e maço com as mesmas cintas de raso que a parte dianteira do vestido. Rachel tinha trabalhado no vestido esse inverno no Westhampton, assim como em outros objetos de roupa e mantitas de algodão para o enxoval do bebê. Miranda lhe tinha contado sua falta de experiência naquele campo e ela estava mais que satisfeita de ajudá-la. Jessica se aproximou de admirar o objeto. -É uma beleza -murmurou –. Faz umas coisas preciosas. -Obrigado -sorriu Rachel. Alisou a fileira de encaixes. Era consciente de uma pequena dor em uma zona de seu coração. Ocorria-lhe às vezes quando trabalhava em objetos de bebê, a dor de saber que ela provavelmente nunca teria um filho para o que fazer essas coisas. Era parte do preço que pagava, a pior parte, por haver-se comportado como uma parva antes de suas bodas. Mas estava tão habituada a lutar com isso que sorriu sem esforço e voltou para seu trabalho com a agulha. O ruído de vozes de homem rompeu a quietude da habitação e as três mulheres levantaram a vista. -tornaram! -exclamou Jessica com alegria. Devin e Richard tinham saído a montar essa tarde e a casa parecia vazia sem eles. -Bem. Temia ter que avisar à cozinheira de que atrasasse o jantar -comentou Miranda; mas o brilho que iluminou seu rosto traía a aspereza de seu tom. Dev foi o primeiro que entrou na estadia com rosto sorridente. -Adivinhem a quem nos encontramos quando vínhamos para cá. Richard o seguiu de perto, acompanhado de outro homem alto e loiro. -Michael! -Rachel ficou em pé com um sorriso. O coração lhe pulsava com força e quase se sentia enjoada. Deu um passo adiante e logo se deteve, um pouco envergonhada –. O que faz aqui? -Aborrecia-me muito quando foi -repôs seu marido com ligeireza. aproximou-se de lhe beijar a mão –. Há muito silêncio no Westhampton sem o som da risada da Gabriela. -Pois aqui terá ruído de sobra com a Gabriela e Veronica -disse-lhe Jessica com uma risita. Michael saudou as outras duas mulheres e felicitou ao Miranda por seu embaraço. Rachel notou, com certa dor, que seu marido parecia mais depravado com seus amigas que com ela mesma. -Alegra-me que tenha vindo -disse Miranda, sorridente –. Sentíamos que não tivesse viajado com o Rachel. -De ter sabido que os salteadores de caminhos se meteriam na carruagem de lady Westhampton, o teria feito -repôs ele –. E pensei que, se podem ocorrer coisas assim, será melhor que acompanhe ao Rachel a Londres. -Boa idéia -assentiu Dev –. Tinha pensado em ir eu mesmo. -Não diga tolices -repôs Rachel –. Seguro que não ocorrerá nada -olhou ao Michael –. Temo-me que te incomodaste para nada. -Para nada não -repôs seu marido com cortesia –. Terei o prazer de sua companhia na viagem a Londres. Ela pensou que era o tipo de completo cortês que faziam os homens a mulheres às que não conheciam muito bem. Embora, é obvio, não importava. Sua vida era bastante agradável. Era ver o Miranda e Jessica com seus maridos o que fazia que não se sentisse satisfeita com seu matrimônio. Muitas mulheres se considerariam afortunadas de ter um marido como o seu, que lhe exigia tão pouco e sempre se mostrava considerado e cortês. -Quem era o homem, Michael? – perguntou Miranda, com seu modo direto –. De verdade o conhecia? Michael lhe sorriu. -Crie a sério que sou o tipo de homem que pode ter amigos salteadores? Não, temo-me que devia ser um lunático. O único que me ocorre é que formasse parte de uma brincadeira grotesca, que um de meus amigos contratasse a esse homem e, ao ver que eu não ia na carruagem, não soubesse o que fazer exceto lhe contar ao Rachel a história que tinha preparada.