2. 1
E você sabe disso.
E eu sei que você sabe disso.
3. 1
Eu sei que você sabe disso,
porque eu sei que todo mundo
sabe que isso é um número.
4. 1
Claro, nem todo mundo escreve
esse número assim. E há quem
nem mesmo o escreva, mas todo
mundo sabe como ele funciona.
5. 一
(Um número é um número porque
funciona como um número.)
6. 一
Por que os números funcionam,
houve até quem pensasse que
eles têm vida própria...
7. Eu diria que um número funciona
porque ele se manifesta de uma
certa maneira, e a manifestação
dele a gente pode manipular.
Por exemplo, um número pode se
manifestar como uma régua, ou
como um conjunto de contas, ou
como o mostrador de um relógio.
8. Aí você pode dizer, “sim, um
número funciona contando,
medindo ou ordenando coisas”.
E eu diria, “O.K.”. Mas também
pensaria que, se houver outras
manifestações possíveis, poderá
haver números que funcionem de
maneiras muito diferentes.
9. Outra coisa: as manifestações
possíveis dos números não estão
isentas de problemas.
Por exemplo, é impossível medir
com exatidão a diagonal de um
quadrado, como a mesma régua
usada para medir um dos seus
lados (não importa como a régua
seja dividida).
10. Pior ainda, a relação entre o
diâmetro de um círculo e o seu
perímetro nem mesmo pode ser
expressa por uma equação
algébrica (finita).
11. Isso significa que a história das
manifestações possíveis dos
números é necessariamente feita de
elementos visíveis, afirmativos e
originais, mas também de
elementos ocultos, negativos e
derivados.
Ou seja, a existência dos números se
deve a um jogo.
12. 2 3
Voltando ao início: sei que você
também conhece esses outros
números.
14. Acontece que há maneiras de:
a. Escrever números:
numerais
b. Escrever sobre os números:
teoremas
c. Descrever com números:
símbolos
d. Operar números:
máquinas
15. Entretanto:
Um teorema deve poder ser
simbolizado, claro. Um símbolo deve
poder ser operado (concatenado,
repetido...), e portanto também pode
ter seu comportamento compreendido
por teoremas.
16. Símbolos podem ser numerados
(formando séries). Teoremas também.
Teoremas devem poder ser operados
(por regras de inferência). Numerais
também, claro. Máquinas podem ser
simbolizadas. Podem, portanto, ser –
elas mesmas – operadas, e até
numeradas. Números são
compreendidos por teoremas, é
evidente, mas as máquinas também.
17. Fica estranhamente difícil dizer,
diante disso, o que não é número.
Se até o que se sabe sobre os
números é também da natureza
deles...
Nesse caso, a existência de algo que
não se possa saber sobre eles,
implica a existência de algo que eles
não possam efetivamente ser...
18. Assim, na teoria dos números (e isso
pode ser demonstrado), escrever,
saber e ser são a mesma coisa.
19. É claro que os resultados da teoria
da computação podem ser
considerados impressionantes, mas
eles, por si sós, não têm o poder
transformador que tem a
perspectiva conceitual da qual se
originam.
20. De certa forma, a fluidez que se
observa na relação do cidadão
contemporâneo com seus objetos,
com seus saberes, seus hábitos, e
seu legado, é parente dessa
identidade arquetípica (de
princípios) entre saber, ser e
escrever.
21. É claro que ela pôde ser sonhada
antes, mas não posta em ato.
Ocorre (e isso é essencial) que é
propondo novos problemas – e não
apenas traduzindo os modelos
precedentes – que essa
transformação se impõe, que ela se
torna capaz de energizar o seu
tempo.
22. Por exemplo, “escrever é saber” não
é novo, nem “saber é ser” ou
“escrever é ser” (pense no problema
dos textos sagrados).
Mas os três ao mesmo tempo,
fazem pensar, por exemplo, que
“ser” é o ser de uma máquina de
escrever.
E isso é só o começo...