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ELIS::02
revista literária on line::ano01.edição02::novembro2012
Australiana
Bella Dona
Betina Menini
Hacha
Magnólia Reis
Maria Miranda de Paula
Marina de Los Pasos
Munique Duarte
Regina de Lourdes
Virginia Z.
participações especiais
Bruna Moury
Grupo Dani Alegria
02elis::sapatos
edição::Ani Almeida
co-edição.diagramação::Tammy Almeida
colaboradores::Ani Almeida::Eduardo F. Moura::Guilherme C. Antunes::Ingrid
Machado::Joakim Antonio::Munique Duarte Alvim::Paulo Juner::Rafael
Zen::Rosa Queli Cambraia Soares::Sonia Regina Rocha Rodrigues
participação especial::Bruna Moury::Grupo Dani Alegria
imagens::Bruna Moury::Sandra Martins Modesto::Tammy Almeida
ELIS::02
::Por ser uma Revista literária e de colaboração coletiva, as ideias e conceitos
expressos pelos autores selecionados são de suma responsabilidade dos mesmos,
assim como as declarações de autoria pelos textos e imagens publicados.
contate::colabore::
editora.revistaelis@gmail.com
www.revistaelis.blogspot.com
@revistaelis
03elis::sapatos
ELIS é uma Revista Literária online, gratuita, que tem a
mulher como personagem principal.
"Elis é irreverente, feminina, ousada, criativa, inteligente...
Elis é mulher, ama, sofre, talvez sofra mais do que ame, e
continua, viva. Elis é o que sobra no reflexo do espelho: o
elemento secreto em cada mulher."
mundo da ELIS | Com uma temática e um desafio
diferentes à cada Edição, os colaboradores são convidados
a assumir um papel feminino e prosear em versos, textos e
imagens.
Opiniões e gostos à parte, o intuito é trazer aos leitores uma
variedade literária para o seu desfrute, com muito bom gosto
e prazer.
Assuma o seu melhor papel de mulher, perca o controle,
escreva e convença o leitor de que o seu texto é o mais
feminino da Revista, de que nele há a presença da Elis (mulher
brasileira, musa inspiradora da Revista, talvez, uma entidade).
04elis::sapatos
"Não sei como a Leila insiste em namorar aquele pé-rapado do Robertinho! Já falei que ela se daria muito melhor com o costa-
larga do Ricardão, mas ela me escuta? Naaada! É pior que burro quando empaca, continua enfiando o pé na lama, andando de meia
furada...Tá parecendo a Irene, aquela rasteirinha do 202, que gosta de sofrer, vive de idealismos. Feminista até o último fio de
cabelo, pra ela, salto alto é hipocrisia, havaianas é status e all star, apenas modismo. Ela ainda se deu ao luxo de dar uma bota
no Fernandinho, acredita? Um rapaz pé-quente, ele não é de se jogar fora não... Eu me pergunto: porque eu não tenho essa sorte?
De ter um homem como o Fernandinho pra fazer meu pé-de-meia? As vezes a vida é tão injusta, né, Joanete? Ah, agora sim, você
ficou uma bonequinha com essa meia fina...hum, vai arrasar o coração do Paulão. É isso aí, amiga, pelo menos uma de nós têm que
se dar bem! Falando nisso, deixa eu ir ajeitar a janta do Juarez, uma verdadeira pedra no meu sapato, ou melhor, uma pedra de
tropeço, óh vida...".
::salto fino
::havaianas
::pantufa
::ana bella
::bonequinha
::rasteirinha
::bota
::all star
::sapatilha
::sandália
::meia fina
::pé quebrado
::pé rapado
::bicho de pé
::pé-de-moleque
::meia furada
::pedra no sapato
::sapato velho
::sapato molhado
::sapato apertado
::pé descalço
::couro e camurça
ELIS::02
Então, qual SAPATO você vai usar hoje?
Abra o seu armário para a ELIS e revele os seus sapatos mais íntimos, engraçados, encardidos e embolados!
::editorial::
::pé descalço::
Par Ou Ímpar
sem título
::bonequinha::
.de.abraços.pro.ar.
::rasteirinha::
Nada como um encontro espontâneo e casual
::meia fina::
Meia fina rosa
::sandália::
Meias Azuis
::sapatilha::
Sapatilha.
::salto fino::
R$20.
Depois de dois goles
::pé quebrado::
fricote
::botas::
O delírio comum das botas roxas
::sapato molhado::
sem tíltulo
::créditos::
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06elis::sapatos
Com que sapato eu vou...
pra onde mesmo?
Entre a briga de sapatos, chinelos e sandálias, a segunda
ELIS traz na sua vitrine textos repletos de bom-humor, amor,
inquietações e dramas nada incomuns.
Das ilustrações que apresentam o tema com leve destreza
(Conversa central e Ensolarou as pernas) aos sapatos e pés que
relatam momentos cômicos (Meias Azuis), a Revista é preenchida
com páginas animadas.
Entretanto, algo que predominou nos textos enviados foi não
apenas a busca pelo sapato ideal, mas por si mesmas: personagens
e mulheres que, oras se entendem muito bem consigo (Meia fina
rosa), outrora não compreendem a caminhada (Depois de dois goles)
e caminham sem escorregar na poética (Sapatilha.).
Mulheres, meninas, bailarinas e nem tão mulheres assim (vide
a dama de paus dos R$20.) expressam o repensar dos passos,
dos caminhos percorridos por nós, Elis. Mulheres que, na própria
etimologia poética da palavra, constantemente sonham (O delírio
comum das botas roxas) e amam (Sem título, Bella Dona).
Para finalizar, um gostoso haicai (Sem título) encerra essa
caminhada. Esperamos que o Sol desponte logo na próxima manhã.
Ótima leitura em passos sem pressa!
editorial
Ani Almeida
07elis::sapatos
Chinelo e sapato
estão me dando uma canseira;
brigam tanto todo dia,
botei de castigo na prateleira.
Sapato anda emburrado,
chinelo não quer conversa,
vou dar puxão de orelha
num e noutro e vice versa.
Sapato quer ir à praia,
chinelo quer ter palmilha,
vão pro raio que os parta
e eu fujo para uma ilha.
Sapato é desaforado,
chinelo muito briguento.
Vou é andar descalça
que estes dois eu não aguento!
Par Ou Ímpar
Betina Menini
08elis::sapatos
Já quis ser bailarina
não pela dança
é que desde criança
me pegam nos braços
Sempre fui diferente
pode até ser fetiche
mas escolho sapatos
pensando nos braços
Que irão me envolver
na dança, na cama
me levantando no ar
como a uma criança
Dançarei na terra
serei alçada a lua
tua doce loucura
erguida nos braços
Bella Dona
Quando os vejo
nem sequer disfarço
contato nos olhos
com tato nos braços
Mas com esse gosto
sei não ser única
por isso eu cuido
não por isso amarro
Só ando de pé descalço
Se acabar minha sorte
possui braços fortes
meu melhor sapato
09elis::sapatos
.de.abraços.pro.ar
Magnólia Reis
MAGRELA
rodopia
GIRA
fio de cabelo
na cabeça
feito balé
Abraça vento todo
como se
apertasse todo mundo
Cabelo
comprido-curto
brilho de purpurina.
Colorida
a pequena menina
menina bailarina
pisa em passo de valsa
o mundo que rodopia.
10elis::sapatos
O fato é que toda vez que a gente se arruma
toda, se produz, se perfuma, o sujeito desaparece!
- desabafou Helena. - Homem gosta é de mulher
desmazelada. Pois outro dia eu saí de manhã pra
ir a padaria, com o casaco por cima do pijama, que
estava um frio de congelar pingüim, amarrei o cabelo
de qualquer jeito na nuca, pois ninguém imagina que
vai trombar com o sapo encantado às sete da manhã
em plena padaria, e não é que encontro um advogado
todo alinhado, de terno e gravata, tomando café no
balcão, eu toda envergonhada e o gajo vem puxar
papo comigo, me convida para jantar e acabou virando
namoro?
O mesmo acontece comigo - confessou Rita - eu
quando saio com calcinha nova, combinando com sutiã,
não rola nada, nada. Pois quando acho que não vai
rolar, enfio qualquer calcinha tipo 'olá, mamãe' como
no filme da Bridgit Jones, o camarada me arrasta
para a cama?
As três amigas riram.
- Acho que nunca via rolar nada comigo, então -
exclamou Patrícia. - eu nunca saio de pijama e estou
sempre com as calcinhas bonitas, vocês não vão
acreditar, mas é trauma de infância, um dia mamãe
Nada como um encontro espontâneo e casual
Australiana
me disse que a gente nunca devia colocar calcinhas
rasgadas ou desfiadas, porque se a gente desse
azar de ser atropelada, todo mundo ia ver as nossas
calcinhas e seria uma vergonha - riu - como se quem
acudisse uma vítima de atropelamento fosse lá se
preocupar em olhar as calcinhas. Ou como se fosse lá
uma coisa comum a gente ser atropelada por aí.
O fato é que Patrícia estava de olho no dentista
do plantão de domingo. Até já dera um cartão do
consultório para ele, como quem não quer nada,
acrescentando o seu telefone pessoal atrás, mas o
moço, até agora, não dera sinal de ter entendido a
mensagem.
Logo, logo, Patrícia teve a oportunidade de verificar
esta particularidade dos homens - sua predileção pelo
que não é arrumado, arranjado, perfeito. Pois ao sair
de casa em um dia de verão, foi surpreendida por uma
chuvarada destruidora de sandálias rasteirinhas.
A coitada da moça, não bastasse estar sem guarda-
chuva, também ficou descalça. E lá estava ela, sem
graça, a voltar para casa como um pinto molhado,
cabelos escorrendo, rasteirinhas na mão, quando
esbarra no dentista. Ele, todo seco, elegante em seus
trajes de consultório. Ela bem que tentou passar sem
11elis::sapatos
ser notada, mas ele chamou-a pelo nome, e, como se
não percebesse o lastimável estado da moça, toca a
tagarelar, emendando um assunto no outro, e, por
fim, confessando:
- Faz tempo que estou a fim de você, que tal jantarmos
esta noite? Você gosta de lagosta?
Pois Patrícia contou esta história para as amigas na
praia de domingo:
- Lagosta? Ora essa, eu toda arrumada não
ganho nem copo de água, e descalça ganho lagosta?
Pois vivam os pés descalços, as rasteirinhas
arrebentadas, e desisto de vez de entender os
homens !
12elis::sapatos
Saiu de lá de dentro
onde era um calor infernal
do lado de fora
frio alarmante de 10 graus
atravessou a rua e perdeu o táxi
que bom que economizaria então
a mixaria que ganhava
dentro de uma meia fina vermelha
dançando o que não entendia
do cantarolar inglês
da birosca de calor infernal.
Não escolheu nada daquilo
era uma fada quando criança
fez balé em meia fina rosa
sonhava flores na porta
depois de campainha tocada
a vida dá pontapés em quem não espera.
Imagina trocar a cor da meia fina
e ainda sonha com sapatilhas
as flores ela deixará para depois
se ajeita no casaco
no frio invernal
amanhã é outro dia, quem sabe?
Ela sabe muito bem.
A meia fina não trocará de cor.
Meia fina rosa
Munique Duarte
13elis::sapatos
Amo Gustavo mais do que tudo. É meu noivo e, a não
ser que aconteça uma catástrofe, a não ser que
uma bicicleta o atropele distraído pela praça, vamos
nos casar em, no máximo, um ano. Ele está para ser
promovido no cartório. Disse que se continuar puxando
o saco do chefe como já puxa, é promovido em menos
de um ano. É só isso que falta para nos casarmos:
uma promoção. Com o aumento, vai dar para pagar o
aluguel no Catete. É que Gustavo não quer morar longe
da mãe. E não é má idéia ter a sogra por perto, uma
senhora muito experiente. Ela pode ajudar quando os
netinhos chegarem. Se chegarem. Berenice, coitada,
casou já tem seis anos e ainda não veio uma criança.
Mas ela casou de maneira precipitada. Eu sempre
disse, e mamãe sempre dizia, "quem casa quer casa,
Berenice. Vai viver de que? De vento?", mas ela nem
te ligo. Casou com o Geremário, que não tem onde cair
morto. Casamento assim não dura, menina. Berenice
diz que mais vale o amor. Besteira achar que o amor
é tudo. Mas eu amo o Gustavo, que fique claro, mais
do que tudo nesse mundo. É claro, sei que ele não é
perfeito, como sei que eu também não sou. Gustavo
tem manias. Ele chega em casa todo dia às seis da
Meias Azuis
Regina de Lourdes
tarde, desabotoa a camisa de linho e a põe pra secar
o suor na cadeira antes de levar para o cesto. Livra-
se da calça vincada e põe o short de ficar em casa,
com uma camisa de algodão. Mas sua mania, eu ainda
não disse (por uma vergonha boba, sei lá)... É que
Gustavo trabalha de sandália de couro e meia azul.
No início eu também achava pavoroso, mas já me
acostumei. Só não consigo olhar. Ele chega em casa,
se livra da camisa, se livra da calça, mas permanece
com a sandália de couro e a meia azul. Eu tenho
que tratá-lo assim, olhando no olho. Se olhar para
seus pés azuis na ponta daquele caniço de perna,
fico roxa, desconcentro, consigo fazer nada. Ele só
retira a sandália para dormir. Ao menos isso. Mas a
meia permanece. Amo Gustavo, mas aquela meia... Ele
dorme com ela e só a retira na manhã do dia seguinte,
ao tomar banho, para colocar outra. Às vezes, me
pego imaginando que pé pavoroso, de dedos finos e
branquinhos, deve ter Gustavo para estar sempre de
meia. E quando me ponho a imaginar nossas núpcias,
nada me deprime mais do que imaginá-lo nu em pêlo,
mas vestido com as desgracildas meias azuis.
14elis::sapatos
Samuel é verdureiro. Verdureiro, ué. Vende aipim na
feira. Toda terça-feira eu compro aipim, porque o
Gustavo gosta. A mãe dele faz fritinho, com manteiga,
fica uma delícia. Ele senta-se à mesa, com suas meias
azuis e a sandália de couro, e devora! Toda terça-
feira, quando peço o aipim ao Samuel, ele não quer me
deixar pagar. "Pra moça bonita é de graça", ele diz,
às vezes gargalhando, às vezes muito sério. "Mais
respeito, Samuel, que eu sou noiva do seu Gustavo,
do cartório". Aí então que ele ri mais alto. Acho que
verdureiro não vai ao cartório, não é possível. Samuel
é um mulato feio que nem cipó, mas é bem alimentado,
sabe? Essa semana, na hora de em entregar o saco
do aipim, Samuel me segurou pelo braço antes de
dizer "pra moça bonita é de graça". Ultrajadíssima,
me senti ultrajadíssima! Eu sou noiva do seu Gustavo,
do cartório! Minha vontade foi virar a mão na cara
do verdureiro safado. Não sei o que me deu, subiu
uma coisa, menina. Eu disse "mostra o pé". Assim, na
cara dura, nem sei como. Samuel gargalhou e, meio
desajeitado, trouxe o pé para cima da barraca, que
o ocultou esse tempo todo. O pé do Samuel parecia
um sapo gordo e preto, enorme, saudável. As unhas
eram largas e muito brancas. A sola era rosadinha,
mas só se via o contorno, porque ele calçava aquela
havaiana azul e branca de pedreiro. As tiras do
chinelo pareciam que estavam a ponto de arrebentar,
por tentarem sufocar o opulento pé que sustentava
Samuel. Um pé bojudo e livre.
Estou noiva do Samuel e nos casamos dentro de
uma semana, de qualquer maneira. Se uma bicicleta o
atropela distraído na praça, pior para a bicicleta.
15elis::sapatos
"Quando calçava ela as sapatilhas, não sabia mais
seu nome ou sua platéia. Pois de olhos fechados
era a própria dança, e não mais a dançarina, quem
se entregava diante da música e também do silêncio
dos seus convidados. Quando lua morena despontava
no céu, de doce cabana saia chorosa, com os pés
descalços em busca do mar. Era jeito dela de andar
em paz com sua solidão. Quando o sol lhe convidava
a despertar, era de sapato e coração apertado que
saia de casa, para conseguir um espaço na própria
vida e uma folga das suas dívidas. E quando de volta
pra casa com seu salto fino na mão, percebia o seu
tamanho e seu lugar diante do mundo. Ainda que as
tantas versões de si pudessem escolher as cores, os
preços, os modelos e os tamanhos dos seus sapatos,
eram as ocasiões - e também os acasos - quem
definiam seus passos. Era o seu coração quem de
verdade caminhava, até que um dia resolveu parar,
cansado da caminhada".
Sapatilha.
Marina de los Pasos
16elis::sapatos
a prostituta parada no palco diz para os pais que é bailarina.
completamente lúcida, se comunica com os pais por cartas, dançarina
descartável. diz que tem saudade do acre, mas se cobre de batom
e entope o nariz de acetona. top de canutilho preto, salto agulha e
um brinquedo no meio das penas, rainha de paus. sai de casa para
o calçadão antes que as cortinas fechem, porque o balé é ruim
demais depois das onze.
dança na rua antes que os holofotes dos postes se apaguem.
antes que o patrocínio cesse.
mas antes que o carro passe,
antes que o meio-fio chegue,
o salto fino quebra
e a bailarina cai
e um menino chora
sem música o balé das coxas até acontece,
sem coxia acontece,
sem vontade acontece,
sem salto é impossível.
R$20.
Virgínia Z.
17elis::sapatos
Foi no dia em que o Sol se fechou em si e o céu
gotejava fino.
Neste dia pela tarde usei o meu melhor vestido e
coloquei os meus sapatos vernizados de salto doze
agulha; vermelhos.
Mesmo sendo mulher não entendo muito deste
assunto, de ser mulher, porém de vermelho, entendo
muito bem. Vermelho é meu sangue, são as minhas
unhas, o meu batom, a marca de um chupão no teu
pescoço, é como eu fico com vergonha, quando eu
te via, quando você me tinha, as rosas que nunca
ganhei, o sinal de parar, a raiva que me acaba, minha
menstruação desregularizada, as placas de trânsito,
a marca das minhas mãos nas tuas costas de um
abraço que eu não queria mais soltar...
Quando abandonei as chaves do portão, lancei o meu
salto palito de dente no barro com água, cambaleei
por duas quadras levando os teus restos, rapaz.
Me ajoelhei em um montinho de terra, minhas unhas
ficaram barrentas, minha pele seguia o mesmo
esquema, eu era porco na lama. Lancei mão da única
coisa material que lembrava a você. O meu sapato
vermelho de salto alfinete que espetava a terra
enquanto eu era a que sangrava. Mesmo sendo
mulher não entendo muito bem deste assunto, de ser
mulher, porém julgo que toda mulher deveria ter um
par destes sapatos vermelhos, também julgava que
era preciso amar. Optei nessa fase da minha vida, ser
homem, cerveja e mesa de bar.
Depois de dois goles
Hacha
18elis::sapatos
Pois bem
eu assim
aula de salsa
rebolei.
Ia bem
até o fim
eu descalça
despenquei.
Lá vem
eu sem mim
calor da dança
tropecei.
fricote
Magnólia Reis
19elis::sapatos
Cinco da tarde não pousava naquele relógio imenso e
imundo há muitos dias. Quando o tempo e as amoreiras
não estão a nosso favor, tudo apodrece em data
esquecida. Muito frio na espera. Nada ao redor de
casas minúsculas e redes penduradas. Tudo era
muito amarelo e com escadas na terra distante que
chamaram de impaciência. Lália está impaciente com
suas saias curtas e pretensões enormes. Bebendo
água infectada de chafariz e arrastando suas botas
roxas com meias grossas roxas de um tom abaixo. Não
acreditava mais no relógio da igreja cheio de restos
de pombos e de migalhas de miradas humanas.
Todos os dias iguais e todas as portas fechadas
para o mundo solteiro de Lália que perdeu o caminho
da passarela que cruzava a avenida fumegante
interminável e que terminava no seu coração
empoeirado. Botas roxas não podem andar muito
quando trazem na sola lembranças cardiovasculares
terríveis. A água de chafariz servida em taça rosa
naquele fim de tarde tão aconchegante perto da
lareira que estalava fagulhas perigosas. Pegou fogo
muitos dias e muitas madrugadas para desembocar
no calçar das mesmas botas roxas fora da estação
primaveril que Lália já havia se esquecido há muito.
Há muito Lália é inverno decepcionante de folhas
decadentes. A amoreira virou as costas para a doce
menina que sonhava em ser bailarina e que fazia café
forte como ninguém. Dançou muitas valsas em muitos
verões quentes de chafarizes límpidos. Agora o vento
do leste chegou com suas pestes inconfundíveis.
Lália repassa todas as noites ao relento a sua
decadência poética. Sofreu com uma história tão
comum como acontece com qualquer um. Qualquer um
servia depois para afogar as memórias que restavam
e incomodavam como cravo nos dentes. Sorte, sorte,
sorte. Pedia toda noite sorte para continuar seus
rumos e sorte para a sola da bota roxa durar um
pouco mais. O inverno interior de mesmices castiga. E
as cinco horas que não chegam com o grande relógio
e sua moldura de pombas sujas catedráticas.
Sonha com anjos e suas trombetas brancas polidas,
de cabeleiras arrumadas e hálito de jardim. Sente
já o cheiro das horas mornas, sem botas roxas e
olhares depressivos, descalça nos pés e nas mãos,
e na mente e nos planos, pronta para mergulhar
nos afazeres que fazem sentir um ser humano vivo
e vivível. Sonha, Lália. Ela sonha todas as noites,
e o gatilho que dispara terá o som mais doce das
O delírio comum das botas roxas
Munique Duarte
20elis::sapatos
horas mais bem vividas por ela, bailando sobre a
ponta do chafariz e reluzindo como trombeta branca
de quem conhece o mundo como a palma da mão lida
pela romena que morreu semana passada ao beber
água suja. Chafarizes envenenados. Vidas plantadas
em locais errôneos com suas dores de amor. Amor
de amora. Escuro, mole, perecível. Nada romântico
e vermelho. Sujo, feito a água urinada do anjinho
maldito do chafariz da mesmice da praça.
Hoje é dia de festa e as luzes se acendem para novas
auroras boreais. Botas roxas a postos. O dia inteiro
a postos. Coração de Lália pulsando na poeira. Tudo
certo, menos com aquele relógio roxo imenso que não
toca o blém-blém esperado das cinco. As pombas
devem ter comido o mecanismo do funcionamento.
Lália é a meia-noite repetida de cinco em cinco horas.
Como remédio roxo feito de botas de amoreira.
21elis::sapatos
chuvosa manhã -
os sapatos na calçada
sabem seu destino?
Maria Miranda de Paula
22elis::sapatos
Ani Almeida é comunicóloga e poetisa com pretensões de escritora. É também a
idealizadora e editora da Revista Elis.
anialmeida@gmail.com
Tammy Almeida é arquiteta e sonhadora
tammyalmeida@gmail.com
créditos
::participação especial::
Bruna Moury tem 21 anos e atualmente cursa Artes Plásticas (Visuais) na
Aeso em Recife. Tem experiência no campo das ilustrações manuais e digitais.
Já trabalhou para outra revista como ilustradora e design gráfico. Conta com a
bagagem do curso de design de moda já concluído anos atrás. Além do mundo dos
desenhos tem a fotografia como hobbie bem empregado.
http://celulascinza.blogspot.com.br
Grupo Dani Alegria é uma ação social coordenada por Sandra Martins Modesto,
que gentilmente nos envio a imagem ao lado: professora da rede pública de ensino.
Nasceu em São Paulo, capital. Adora ler e escrever e atualmente lidera o grupo de
palhaços que visita escolas, instituições, asilos e ongs. Jovens com faixa etária de
15 a 17 anos se vestem de palhaço levando entretenimento a pessoas que possuem
uma realidade bem difícil. Na foto, você tem os pés de Matheus Mendes, Luan
Cardoso, Paulo Giordan, Thaís Mariano, Cibelly Karoline, Fernanda Dayane, Ricardo
Rocha e Igor Medeiros.
sandramartinsc@uol.com.br
23elis::sapatos
Australiana é Sonia Regina Rocha Rodrigues
Médica de profissão e escritora por vocação. Ativista cultural por muitos anos,
editou em Santos, junto com três outras escritoras santistas, o jornal literário
Um dedo de prosa e a revista cultural Chapéu-de-sol, que circularam entre 1996
e 2001.
http://alegriadeler.blogspot.com.br/
Bella Dona é Joakim Antonio
Um paulistano apaixonado por comunicação. Nascido na selva de pedra, mas com
um pé no sertão nordestino, de origens indígenas. Herdou a bagagem da cultura
e tradição oral, tornando-se contador de histórias. Em 2009, começou a escrever
poesias e, desde então, nunca mais passou um dia sequer sem escrever.
http://descortinamental.blogspot.com.br
Betina Menini é Rosa Queli Cambraia Soares
Estudei Letras na PUC-POA. Adoro literatura, sou viciada em livros e me dedico a
escrever contos e poesias sempre que sobra um tempinho. Gosto principalmente
de textos bem-humorados, que divirtam e encantam.
Hacha é Ingrid Machado | @laahacha
Tem 22 anos, leonina, graduanda do curso de artes cênicas pela UFPE, é de Recife
e o lugar mais longe que já esteve foi Brasília. Trabalha com teatro, produção
cultural, maquiagem social/artística e escreve desde dos onze anos.
Magnólia Reis é Ani Almeida | @lunaticapoesia
Relações Públicas? Gestora Cultural? Escritora? Tem muitas dúvidas, mas agora
tem cabelos curtos. Não tem barba nem bigode. Tem vontade de ver palavras
voando por aí. Edita a Revista Elis e às escreve quando dá na telha na Lunatiquia.
www.lunaticapoesia.blogspot.com
Maria Miranda de Paula é Paulo Juner
Oficineiro do escritor Charles Kiefer em 2005 e 2006, em Porto Alegre, RS.
Participante, com 3 contos, da antologia "Inventário das Delicadezas" lançada
em 2007 pela editora Nova Prova, em idem, idem. Vivente, no mais.
http://inventariodasdelicadezas.wordpress.com
créditos
Marina de los Pasos é Guilherme C. Antunes | @guglicardoso
Sommelier de groselha, alvissareiro, poeta e farsante. Sinestésico e musical.
Buscador, contraditório, intenso. Vasto... Escreve n'A Ilha de um homem só.
http://arkhipelago.blogspot.com
Munique Duarte é Munique Duarte Alvim | @muniquealvim
Nasceu e vive em Santos Dumont-MG. É jornalista responsável pelas publicações
de quatro sindicatos de Juiz de Fora-MG.
Bloga em http://textosimperdoaveis.blogspot.com. Participa da obra Escritos
de Amor, lançada pela Casa do Novo Autor Editora, e Poesia e Prosa no Rio de
Janeiro, pela Taba Cultural. Já colaborou n'O BULE, Sobrecapa Literal, Escrita
Criativa (Portugal), Revista Diversos Afins, Jornal Opção, Jornal Relevo, Revista
Elis, Revista Pâncreas e Revista O Viés. Admiradora de Dalton Trevisan, Lygia
Fagundes Telles e Ferreira Gullar.
http://textosimperdoaveis.blogspot.com
Regina de Lourdes é Eduardo Ferreira Moura
Carioca, 23 anos, teve seu primeiro romance publicado em 2011, Esposa Perfeita,
pela Editora Multifoco. Em 2012, pela mesma editora, veio o Meus Textículos, seu
livro de contos. Atualmente escreve para a Revista IN, para o site Obvious, para
o blog Letras et Cetera e para o Dona Zica tá Braba. Mantém também um blog
pessoal, primeira moradia de seus textos, em: www.lifeonmarx.blogspot.com
www.lifeonmarx.blogspot.com
Virginia Z. é Rafael Zen
Escritor, artista plástico e publicitário. Já publicou dois livros coletivos em
parceria com a Editora SESC: Só mais uma coisa (2008) e De Veritate (2009). Em
2012 lança seu primeiro livro solo, intitulado "A questão da Andorinha", vencedor
do Edital do Fundo de Cultura da Prefeitura de Brusque/SC, edição 2012. Também
é coautor do concurso Poesia Urbana, que em 2012 lançou sua segunda edição. Na
área das artes plásticas possui linha de pesquisa centrada na palavra e participa
do Grupo G13 Arte Contemporânea, iniciativa privada de produção e incentivo às
artes. Reside em Brusque, Santa Catarina, e tem 24 anos.
autores desta edição
24elis::sapatos
créditos
imagens
::capa e índice::composição com as ilustrações "Conversa Central" e
"Ensolarou as pernas"
Bruna Moury::ilustração
::07::sem título
autoria desconhecida::ilustração
::09::Fada 2 (2008) Fairy 2
Gepeto-Pinóquio::fotografia de escultura
http://madeiraviva.blogspot.com.br/2008/10/fada-2-2008-fairy-2.html
::12::isem título
Tammy Almeida::ilustração sobre foto de autoria desconhecida
::13::sem título
Tammy Almieda::ilustração
::14::sem título
Tammy Almeida::ilustração
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Revista::ELIS::02

  • 1. ELIS::02 revista literária on line::ano01.edição02::novembro2012 Australiana Bella Dona Betina Menini Hacha Magnólia Reis Maria Miranda de Paula Marina de Los Pasos Munique Duarte Regina de Lourdes Virginia Z. participações especiais Bruna Moury Grupo Dani Alegria
  • 2. 02elis::sapatos edição::Ani Almeida co-edição.diagramação::Tammy Almeida colaboradores::Ani Almeida::Eduardo F. Moura::Guilherme C. Antunes::Ingrid Machado::Joakim Antonio::Munique Duarte Alvim::Paulo Juner::Rafael Zen::Rosa Queli Cambraia Soares::Sonia Regina Rocha Rodrigues participação especial::Bruna Moury::Grupo Dani Alegria imagens::Bruna Moury::Sandra Martins Modesto::Tammy Almeida ELIS::02 ::Por ser uma Revista literária e de colaboração coletiva, as ideias e conceitos expressos pelos autores selecionados são de suma responsabilidade dos mesmos, assim como as declarações de autoria pelos textos e imagens publicados. contate::colabore:: editora.revistaelis@gmail.com www.revistaelis.blogspot.com @revistaelis
  • 3. 03elis::sapatos ELIS é uma Revista Literária online, gratuita, que tem a mulher como personagem principal. "Elis é irreverente, feminina, ousada, criativa, inteligente... Elis é mulher, ama, sofre, talvez sofra mais do que ame, e continua, viva. Elis é o que sobra no reflexo do espelho: o elemento secreto em cada mulher." mundo da ELIS | Com uma temática e um desafio diferentes à cada Edição, os colaboradores são convidados a assumir um papel feminino e prosear em versos, textos e imagens. Opiniões e gostos à parte, o intuito é trazer aos leitores uma variedade literária para o seu desfrute, com muito bom gosto e prazer. Assuma o seu melhor papel de mulher, perca o controle, escreva e convença o leitor de que o seu texto é o mais feminino da Revista, de que nele há a presença da Elis (mulher brasileira, musa inspiradora da Revista, talvez, uma entidade).
  • 4. 04elis::sapatos "Não sei como a Leila insiste em namorar aquele pé-rapado do Robertinho! Já falei que ela se daria muito melhor com o costa- larga do Ricardão, mas ela me escuta? Naaada! É pior que burro quando empaca, continua enfiando o pé na lama, andando de meia furada...Tá parecendo a Irene, aquela rasteirinha do 202, que gosta de sofrer, vive de idealismos. Feminista até o último fio de cabelo, pra ela, salto alto é hipocrisia, havaianas é status e all star, apenas modismo. Ela ainda se deu ao luxo de dar uma bota no Fernandinho, acredita? Um rapaz pé-quente, ele não é de se jogar fora não... Eu me pergunto: porque eu não tenho essa sorte? De ter um homem como o Fernandinho pra fazer meu pé-de-meia? As vezes a vida é tão injusta, né, Joanete? Ah, agora sim, você ficou uma bonequinha com essa meia fina...hum, vai arrasar o coração do Paulão. É isso aí, amiga, pelo menos uma de nós têm que se dar bem! Falando nisso, deixa eu ir ajeitar a janta do Juarez, uma verdadeira pedra no meu sapato, ou melhor, uma pedra de tropeço, óh vida...". ::salto fino ::havaianas ::pantufa ::ana bella ::bonequinha ::rasteirinha ::bota ::all star ::sapatilha ::sandália ::meia fina ::pé quebrado ::pé rapado ::bicho de pé ::pé-de-moleque ::meia furada ::pedra no sapato ::sapato velho ::sapato molhado ::sapato apertado ::pé descalço ::couro e camurça ELIS::02 Então, qual SAPATO você vai usar hoje? Abra o seu armário para a ELIS e revele os seus sapatos mais íntimos, engraçados, encardidos e embolados!
  • 5. ::editorial:: ::pé descalço:: Par Ou Ímpar sem título ::bonequinha:: .de.abraços.pro.ar. ::rasteirinha:: Nada como um encontro espontâneo e casual ::meia fina:: Meia fina rosa ::sandália:: Meias Azuis ::sapatilha:: Sapatilha. ::salto fino:: R$20. Depois de dois goles ::pé quebrado:: fricote ::botas:: O delírio comum das botas roxas ::sapato molhado:: sem tíltulo ::créditos:: 06 07 08 09 10 12 13 15 16 17 18 19 21 22
  • 6. 06elis::sapatos Com que sapato eu vou... pra onde mesmo? Entre a briga de sapatos, chinelos e sandálias, a segunda ELIS traz na sua vitrine textos repletos de bom-humor, amor, inquietações e dramas nada incomuns. Das ilustrações que apresentam o tema com leve destreza (Conversa central e Ensolarou as pernas) aos sapatos e pés que relatam momentos cômicos (Meias Azuis), a Revista é preenchida com páginas animadas. Entretanto, algo que predominou nos textos enviados foi não apenas a busca pelo sapato ideal, mas por si mesmas: personagens e mulheres que, oras se entendem muito bem consigo (Meia fina rosa), outrora não compreendem a caminhada (Depois de dois goles) e caminham sem escorregar na poética (Sapatilha.). Mulheres, meninas, bailarinas e nem tão mulheres assim (vide a dama de paus dos R$20.) expressam o repensar dos passos, dos caminhos percorridos por nós, Elis. Mulheres que, na própria etimologia poética da palavra, constantemente sonham (O delírio comum das botas roxas) e amam (Sem título, Bella Dona). Para finalizar, um gostoso haicai (Sem título) encerra essa caminhada. Esperamos que o Sol desponte logo na próxima manhã. Ótima leitura em passos sem pressa! editorial Ani Almeida
  • 7. 07elis::sapatos Chinelo e sapato estão me dando uma canseira; brigam tanto todo dia, botei de castigo na prateleira. Sapato anda emburrado, chinelo não quer conversa, vou dar puxão de orelha num e noutro e vice versa. Sapato quer ir à praia, chinelo quer ter palmilha, vão pro raio que os parta e eu fujo para uma ilha. Sapato é desaforado, chinelo muito briguento. Vou é andar descalça que estes dois eu não aguento! Par Ou Ímpar Betina Menini
  • 8. 08elis::sapatos Já quis ser bailarina não pela dança é que desde criança me pegam nos braços Sempre fui diferente pode até ser fetiche mas escolho sapatos pensando nos braços Que irão me envolver na dança, na cama me levantando no ar como a uma criança Dançarei na terra serei alçada a lua tua doce loucura erguida nos braços Bella Dona Quando os vejo nem sequer disfarço contato nos olhos com tato nos braços Mas com esse gosto sei não ser única por isso eu cuido não por isso amarro Só ando de pé descalço Se acabar minha sorte possui braços fortes meu melhor sapato
  • 9. 09elis::sapatos .de.abraços.pro.ar Magnólia Reis MAGRELA rodopia GIRA fio de cabelo na cabeça feito balé Abraça vento todo como se apertasse todo mundo Cabelo comprido-curto brilho de purpurina. Colorida a pequena menina menina bailarina pisa em passo de valsa o mundo que rodopia.
  • 10. 10elis::sapatos O fato é que toda vez que a gente se arruma toda, se produz, se perfuma, o sujeito desaparece! - desabafou Helena. - Homem gosta é de mulher desmazelada. Pois outro dia eu saí de manhã pra ir a padaria, com o casaco por cima do pijama, que estava um frio de congelar pingüim, amarrei o cabelo de qualquer jeito na nuca, pois ninguém imagina que vai trombar com o sapo encantado às sete da manhã em plena padaria, e não é que encontro um advogado todo alinhado, de terno e gravata, tomando café no balcão, eu toda envergonhada e o gajo vem puxar papo comigo, me convida para jantar e acabou virando namoro? O mesmo acontece comigo - confessou Rita - eu quando saio com calcinha nova, combinando com sutiã, não rola nada, nada. Pois quando acho que não vai rolar, enfio qualquer calcinha tipo 'olá, mamãe' como no filme da Bridgit Jones, o camarada me arrasta para a cama? As três amigas riram. - Acho que nunca via rolar nada comigo, então - exclamou Patrícia. - eu nunca saio de pijama e estou sempre com as calcinhas bonitas, vocês não vão acreditar, mas é trauma de infância, um dia mamãe Nada como um encontro espontâneo e casual Australiana me disse que a gente nunca devia colocar calcinhas rasgadas ou desfiadas, porque se a gente desse azar de ser atropelada, todo mundo ia ver as nossas calcinhas e seria uma vergonha - riu - como se quem acudisse uma vítima de atropelamento fosse lá se preocupar em olhar as calcinhas. Ou como se fosse lá uma coisa comum a gente ser atropelada por aí. O fato é que Patrícia estava de olho no dentista do plantão de domingo. Até já dera um cartão do consultório para ele, como quem não quer nada, acrescentando o seu telefone pessoal atrás, mas o moço, até agora, não dera sinal de ter entendido a mensagem. Logo, logo, Patrícia teve a oportunidade de verificar esta particularidade dos homens - sua predileção pelo que não é arrumado, arranjado, perfeito. Pois ao sair de casa em um dia de verão, foi surpreendida por uma chuvarada destruidora de sandálias rasteirinhas. A coitada da moça, não bastasse estar sem guarda- chuva, também ficou descalça. E lá estava ela, sem graça, a voltar para casa como um pinto molhado, cabelos escorrendo, rasteirinhas na mão, quando esbarra no dentista. Ele, todo seco, elegante em seus trajes de consultório. Ela bem que tentou passar sem
  • 11. 11elis::sapatos ser notada, mas ele chamou-a pelo nome, e, como se não percebesse o lastimável estado da moça, toca a tagarelar, emendando um assunto no outro, e, por fim, confessando: - Faz tempo que estou a fim de você, que tal jantarmos esta noite? Você gosta de lagosta? Pois Patrícia contou esta história para as amigas na praia de domingo: - Lagosta? Ora essa, eu toda arrumada não ganho nem copo de água, e descalça ganho lagosta? Pois vivam os pés descalços, as rasteirinhas arrebentadas, e desisto de vez de entender os homens !
  • 12. 12elis::sapatos Saiu de lá de dentro onde era um calor infernal do lado de fora frio alarmante de 10 graus atravessou a rua e perdeu o táxi que bom que economizaria então a mixaria que ganhava dentro de uma meia fina vermelha dançando o que não entendia do cantarolar inglês da birosca de calor infernal. Não escolheu nada daquilo era uma fada quando criança fez balé em meia fina rosa sonhava flores na porta depois de campainha tocada a vida dá pontapés em quem não espera. Imagina trocar a cor da meia fina e ainda sonha com sapatilhas as flores ela deixará para depois se ajeita no casaco no frio invernal amanhã é outro dia, quem sabe? Ela sabe muito bem. A meia fina não trocará de cor. Meia fina rosa Munique Duarte
  • 13. 13elis::sapatos Amo Gustavo mais do que tudo. É meu noivo e, a não ser que aconteça uma catástrofe, a não ser que uma bicicleta o atropele distraído pela praça, vamos nos casar em, no máximo, um ano. Ele está para ser promovido no cartório. Disse que se continuar puxando o saco do chefe como já puxa, é promovido em menos de um ano. É só isso que falta para nos casarmos: uma promoção. Com o aumento, vai dar para pagar o aluguel no Catete. É que Gustavo não quer morar longe da mãe. E não é má idéia ter a sogra por perto, uma senhora muito experiente. Ela pode ajudar quando os netinhos chegarem. Se chegarem. Berenice, coitada, casou já tem seis anos e ainda não veio uma criança. Mas ela casou de maneira precipitada. Eu sempre disse, e mamãe sempre dizia, "quem casa quer casa, Berenice. Vai viver de que? De vento?", mas ela nem te ligo. Casou com o Geremário, que não tem onde cair morto. Casamento assim não dura, menina. Berenice diz que mais vale o amor. Besteira achar que o amor é tudo. Mas eu amo o Gustavo, que fique claro, mais do que tudo nesse mundo. É claro, sei que ele não é perfeito, como sei que eu também não sou. Gustavo tem manias. Ele chega em casa todo dia às seis da Meias Azuis Regina de Lourdes tarde, desabotoa a camisa de linho e a põe pra secar o suor na cadeira antes de levar para o cesto. Livra- se da calça vincada e põe o short de ficar em casa, com uma camisa de algodão. Mas sua mania, eu ainda não disse (por uma vergonha boba, sei lá)... É que Gustavo trabalha de sandália de couro e meia azul. No início eu também achava pavoroso, mas já me acostumei. Só não consigo olhar. Ele chega em casa, se livra da camisa, se livra da calça, mas permanece com a sandália de couro e a meia azul. Eu tenho que tratá-lo assim, olhando no olho. Se olhar para seus pés azuis na ponta daquele caniço de perna, fico roxa, desconcentro, consigo fazer nada. Ele só retira a sandália para dormir. Ao menos isso. Mas a meia permanece. Amo Gustavo, mas aquela meia... Ele dorme com ela e só a retira na manhã do dia seguinte, ao tomar banho, para colocar outra. Às vezes, me pego imaginando que pé pavoroso, de dedos finos e branquinhos, deve ter Gustavo para estar sempre de meia. E quando me ponho a imaginar nossas núpcias, nada me deprime mais do que imaginá-lo nu em pêlo, mas vestido com as desgracildas meias azuis.
  • 14. 14elis::sapatos Samuel é verdureiro. Verdureiro, ué. Vende aipim na feira. Toda terça-feira eu compro aipim, porque o Gustavo gosta. A mãe dele faz fritinho, com manteiga, fica uma delícia. Ele senta-se à mesa, com suas meias azuis e a sandália de couro, e devora! Toda terça- feira, quando peço o aipim ao Samuel, ele não quer me deixar pagar. "Pra moça bonita é de graça", ele diz, às vezes gargalhando, às vezes muito sério. "Mais respeito, Samuel, que eu sou noiva do seu Gustavo, do cartório". Aí então que ele ri mais alto. Acho que verdureiro não vai ao cartório, não é possível. Samuel é um mulato feio que nem cipó, mas é bem alimentado, sabe? Essa semana, na hora de em entregar o saco do aipim, Samuel me segurou pelo braço antes de dizer "pra moça bonita é de graça". Ultrajadíssima, me senti ultrajadíssima! Eu sou noiva do seu Gustavo, do cartório! Minha vontade foi virar a mão na cara do verdureiro safado. Não sei o que me deu, subiu uma coisa, menina. Eu disse "mostra o pé". Assim, na cara dura, nem sei como. Samuel gargalhou e, meio desajeitado, trouxe o pé para cima da barraca, que o ocultou esse tempo todo. O pé do Samuel parecia um sapo gordo e preto, enorme, saudável. As unhas eram largas e muito brancas. A sola era rosadinha, mas só se via o contorno, porque ele calçava aquela havaiana azul e branca de pedreiro. As tiras do chinelo pareciam que estavam a ponto de arrebentar, por tentarem sufocar o opulento pé que sustentava Samuel. Um pé bojudo e livre. Estou noiva do Samuel e nos casamos dentro de uma semana, de qualquer maneira. Se uma bicicleta o atropela distraído na praça, pior para a bicicleta.
  • 15. 15elis::sapatos "Quando calçava ela as sapatilhas, não sabia mais seu nome ou sua platéia. Pois de olhos fechados era a própria dança, e não mais a dançarina, quem se entregava diante da música e também do silêncio dos seus convidados. Quando lua morena despontava no céu, de doce cabana saia chorosa, com os pés descalços em busca do mar. Era jeito dela de andar em paz com sua solidão. Quando o sol lhe convidava a despertar, era de sapato e coração apertado que saia de casa, para conseguir um espaço na própria vida e uma folga das suas dívidas. E quando de volta pra casa com seu salto fino na mão, percebia o seu tamanho e seu lugar diante do mundo. Ainda que as tantas versões de si pudessem escolher as cores, os preços, os modelos e os tamanhos dos seus sapatos, eram as ocasiões - e também os acasos - quem definiam seus passos. Era o seu coração quem de verdade caminhava, até que um dia resolveu parar, cansado da caminhada". Sapatilha. Marina de los Pasos
  • 16. 16elis::sapatos a prostituta parada no palco diz para os pais que é bailarina. completamente lúcida, se comunica com os pais por cartas, dançarina descartável. diz que tem saudade do acre, mas se cobre de batom e entope o nariz de acetona. top de canutilho preto, salto agulha e um brinquedo no meio das penas, rainha de paus. sai de casa para o calçadão antes que as cortinas fechem, porque o balé é ruim demais depois das onze. dança na rua antes que os holofotes dos postes se apaguem. antes que o patrocínio cesse. mas antes que o carro passe, antes que o meio-fio chegue, o salto fino quebra e a bailarina cai e um menino chora sem música o balé das coxas até acontece, sem coxia acontece, sem vontade acontece, sem salto é impossível. R$20. Virgínia Z.
  • 17. 17elis::sapatos Foi no dia em que o Sol se fechou em si e o céu gotejava fino. Neste dia pela tarde usei o meu melhor vestido e coloquei os meus sapatos vernizados de salto doze agulha; vermelhos. Mesmo sendo mulher não entendo muito deste assunto, de ser mulher, porém de vermelho, entendo muito bem. Vermelho é meu sangue, são as minhas unhas, o meu batom, a marca de um chupão no teu pescoço, é como eu fico com vergonha, quando eu te via, quando você me tinha, as rosas que nunca ganhei, o sinal de parar, a raiva que me acaba, minha menstruação desregularizada, as placas de trânsito, a marca das minhas mãos nas tuas costas de um abraço que eu não queria mais soltar... Quando abandonei as chaves do portão, lancei o meu salto palito de dente no barro com água, cambaleei por duas quadras levando os teus restos, rapaz. Me ajoelhei em um montinho de terra, minhas unhas ficaram barrentas, minha pele seguia o mesmo esquema, eu era porco na lama. Lancei mão da única coisa material que lembrava a você. O meu sapato vermelho de salto alfinete que espetava a terra enquanto eu era a que sangrava. Mesmo sendo mulher não entendo muito bem deste assunto, de ser mulher, porém julgo que toda mulher deveria ter um par destes sapatos vermelhos, também julgava que era preciso amar. Optei nessa fase da minha vida, ser homem, cerveja e mesa de bar. Depois de dois goles Hacha
  • 18. 18elis::sapatos Pois bem eu assim aula de salsa rebolei. Ia bem até o fim eu descalça despenquei. Lá vem eu sem mim calor da dança tropecei. fricote Magnólia Reis
  • 19. 19elis::sapatos Cinco da tarde não pousava naquele relógio imenso e imundo há muitos dias. Quando o tempo e as amoreiras não estão a nosso favor, tudo apodrece em data esquecida. Muito frio na espera. Nada ao redor de casas minúsculas e redes penduradas. Tudo era muito amarelo e com escadas na terra distante que chamaram de impaciência. Lália está impaciente com suas saias curtas e pretensões enormes. Bebendo água infectada de chafariz e arrastando suas botas roxas com meias grossas roxas de um tom abaixo. Não acreditava mais no relógio da igreja cheio de restos de pombos e de migalhas de miradas humanas. Todos os dias iguais e todas as portas fechadas para o mundo solteiro de Lália que perdeu o caminho da passarela que cruzava a avenida fumegante interminável e que terminava no seu coração empoeirado. Botas roxas não podem andar muito quando trazem na sola lembranças cardiovasculares terríveis. A água de chafariz servida em taça rosa naquele fim de tarde tão aconchegante perto da lareira que estalava fagulhas perigosas. Pegou fogo muitos dias e muitas madrugadas para desembocar no calçar das mesmas botas roxas fora da estação primaveril que Lália já havia se esquecido há muito. Há muito Lália é inverno decepcionante de folhas decadentes. A amoreira virou as costas para a doce menina que sonhava em ser bailarina e que fazia café forte como ninguém. Dançou muitas valsas em muitos verões quentes de chafarizes límpidos. Agora o vento do leste chegou com suas pestes inconfundíveis. Lália repassa todas as noites ao relento a sua decadência poética. Sofreu com uma história tão comum como acontece com qualquer um. Qualquer um servia depois para afogar as memórias que restavam e incomodavam como cravo nos dentes. Sorte, sorte, sorte. Pedia toda noite sorte para continuar seus rumos e sorte para a sola da bota roxa durar um pouco mais. O inverno interior de mesmices castiga. E as cinco horas que não chegam com o grande relógio e sua moldura de pombas sujas catedráticas. Sonha com anjos e suas trombetas brancas polidas, de cabeleiras arrumadas e hálito de jardim. Sente já o cheiro das horas mornas, sem botas roxas e olhares depressivos, descalça nos pés e nas mãos, e na mente e nos planos, pronta para mergulhar nos afazeres que fazem sentir um ser humano vivo e vivível. Sonha, Lália. Ela sonha todas as noites, e o gatilho que dispara terá o som mais doce das O delírio comum das botas roxas Munique Duarte
  • 20. 20elis::sapatos horas mais bem vividas por ela, bailando sobre a ponta do chafariz e reluzindo como trombeta branca de quem conhece o mundo como a palma da mão lida pela romena que morreu semana passada ao beber água suja. Chafarizes envenenados. Vidas plantadas em locais errôneos com suas dores de amor. Amor de amora. Escuro, mole, perecível. Nada romântico e vermelho. Sujo, feito a água urinada do anjinho maldito do chafariz da mesmice da praça. Hoje é dia de festa e as luzes se acendem para novas auroras boreais. Botas roxas a postos. O dia inteiro a postos. Coração de Lália pulsando na poeira. Tudo certo, menos com aquele relógio roxo imenso que não toca o blém-blém esperado das cinco. As pombas devem ter comido o mecanismo do funcionamento. Lália é a meia-noite repetida de cinco em cinco horas. Como remédio roxo feito de botas de amoreira.
  • 21. 21elis::sapatos chuvosa manhã - os sapatos na calçada sabem seu destino? Maria Miranda de Paula
  • 22. 22elis::sapatos Ani Almeida é comunicóloga e poetisa com pretensões de escritora. É também a idealizadora e editora da Revista Elis. anialmeida@gmail.com Tammy Almeida é arquiteta e sonhadora tammyalmeida@gmail.com créditos ::participação especial:: Bruna Moury tem 21 anos e atualmente cursa Artes Plásticas (Visuais) na Aeso em Recife. Tem experiência no campo das ilustrações manuais e digitais. Já trabalhou para outra revista como ilustradora e design gráfico. Conta com a bagagem do curso de design de moda já concluído anos atrás. Além do mundo dos desenhos tem a fotografia como hobbie bem empregado. http://celulascinza.blogspot.com.br Grupo Dani Alegria é uma ação social coordenada por Sandra Martins Modesto, que gentilmente nos envio a imagem ao lado: professora da rede pública de ensino. Nasceu em São Paulo, capital. Adora ler e escrever e atualmente lidera o grupo de palhaços que visita escolas, instituições, asilos e ongs. Jovens com faixa etária de 15 a 17 anos se vestem de palhaço levando entretenimento a pessoas que possuem uma realidade bem difícil. Na foto, você tem os pés de Matheus Mendes, Luan Cardoso, Paulo Giordan, Thaís Mariano, Cibelly Karoline, Fernanda Dayane, Ricardo Rocha e Igor Medeiros. sandramartinsc@uol.com.br
  • 23. 23elis::sapatos Australiana é Sonia Regina Rocha Rodrigues Médica de profissão e escritora por vocação. Ativista cultural por muitos anos, editou em Santos, junto com três outras escritoras santistas, o jornal literário Um dedo de prosa e a revista cultural Chapéu-de-sol, que circularam entre 1996 e 2001. http://alegriadeler.blogspot.com.br/ Bella Dona é Joakim Antonio Um paulistano apaixonado por comunicação. Nascido na selva de pedra, mas com um pé no sertão nordestino, de origens indígenas. Herdou a bagagem da cultura e tradição oral, tornando-se contador de histórias. Em 2009, começou a escrever poesias e, desde então, nunca mais passou um dia sequer sem escrever. http://descortinamental.blogspot.com.br Betina Menini é Rosa Queli Cambraia Soares Estudei Letras na PUC-POA. Adoro literatura, sou viciada em livros e me dedico a escrever contos e poesias sempre que sobra um tempinho. Gosto principalmente de textos bem-humorados, que divirtam e encantam. Hacha é Ingrid Machado | @laahacha Tem 22 anos, leonina, graduanda do curso de artes cênicas pela UFPE, é de Recife e o lugar mais longe que já esteve foi Brasília. Trabalha com teatro, produção cultural, maquiagem social/artística e escreve desde dos onze anos. Magnólia Reis é Ani Almeida | @lunaticapoesia Relações Públicas? Gestora Cultural? Escritora? Tem muitas dúvidas, mas agora tem cabelos curtos. Não tem barba nem bigode. Tem vontade de ver palavras voando por aí. Edita a Revista Elis e às escreve quando dá na telha na Lunatiquia. www.lunaticapoesia.blogspot.com Maria Miranda de Paula é Paulo Juner Oficineiro do escritor Charles Kiefer em 2005 e 2006, em Porto Alegre, RS. Participante, com 3 contos, da antologia "Inventário das Delicadezas" lançada em 2007 pela editora Nova Prova, em idem, idem. Vivente, no mais. http://inventariodasdelicadezas.wordpress.com créditos Marina de los Pasos é Guilherme C. Antunes | @guglicardoso Sommelier de groselha, alvissareiro, poeta e farsante. Sinestésico e musical. Buscador, contraditório, intenso. Vasto... Escreve n'A Ilha de um homem só. http://arkhipelago.blogspot.com Munique Duarte é Munique Duarte Alvim | @muniquealvim Nasceu e vive em Santos Dumont-MG. É jornalista responsável pelas publicações de quatro sindicatos de Juiz de Fora-MG. Bloga em http://textosimperdoaveis.blogspot.com. Participa da obra Escritos de Amor, lançada pela Casa do Novo Autor Editora, e Poesia e Prosa no Rio de Janeiro, pela Taba Cultural. Já colaborou n'O BULE, Sobrecapa Literal, Escrita Criativa (Portugal), Revista Diversos Afins, Jornal Opção, Jornal Relevo, Revista Elis, Revista Pâncreas e Revista O Viés. Admiradora de Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles e Ferreira Gullar. http://textosimperdoaveis.blogspot.com Regina de Lourdes é Eduardo Ferreira Moura Carioca, 23 anos, teve seu primeiro romance publicado em 2011, Esposa Perfeita, pela Editora Multifoco. Em 2012, pela mesma editora, veio o Meus Textículos, seu livro de contos. Atualmente escreve para a Revista IN, para o site Obvious, para o blog Letras et Cetera e para o Dona Zica tá Braba. Mantém também um blog pessoal, primeira moradia de seus textos, em: www.lifeonmarx.blogspot.com www.lifeonmarx.blogspot.com Virginia Z. é Rafael Zen Escritor, artista plástico e publicitário. Já publicou dois livros coletivos em parceria com a Editora SESC: Só mais uma coisa (2008) e De Veritate (2009). Em 2012 lança seu primeiro livro solo, intitulado "A questão da Andorinha", vencedor do Edital do Fundo de Cultura da Prefeitura de Brusque/SC, edição 2012. Também é coautor do concurso Poesia Urbana, que em 2012 lançou sua segunda edição. Na área das artes plásticas possui linha de pesquisa centrada na palavra e participa do Grupo G13 Arte Contemporânea, iniciativa privada de produção e incentivo às artes. Reside em Brusque, Santa Catarina, e tem 24 anos. autores desta edição
  • 24. 24elis::sapatos créditos imagens ::capa e índice::composição com as ilustrações "Conversa Central" e "Ensolarou as pernas" Bruna Moury::ilustração ::07::sem título autoria desconhecida::ilustração ::09::Fada 2 (2008) Fairy 2 Gepeto-Pinóquio::fotografia de escultura http://madeiraviva.blogspot.com.br/2008/10/fada-2-2008-fairy-2.html ::12::isem título Tammy Almeida::ilustração sobre foto de autoria desconhecida ::13::sem título Tammy Almieda::ilustração ::14::sem título Tammy Almeida::ilustração ::16::sem título autoria desconehcida::foto ::18::sem título Tammy Almeida::ilustração ::21::sem título autoria desconhecida::foto ::22::sem título Sandra Martins Modesto::foto