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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Obesidade na Adolescência
Um contributo para a melhor compreensão dos
factores psicossociais associados à obesidade e
excesso de peso nos adolescentes portugueses
Maria Helena Regalo da Fonseca
Doutoramento em Medicina
Especialidade de Pediatria
Tese de Doutoramento orientada pela Profª Doutora Margarida Gaspar de Matos
e co-orientada pelos Prof. Doutor João Gomes Pedro e Prof. Doutor António Guerra
Dissertação de candidatura ao grau de Doutor apresentada à Faculdade de
Medicina da Universidade de Lisboa.
As opiniões expressas nesta publicação são da exclusiva responsabilidade do
seu autor.
A impressão desta dissertação foi aprovada pela
Comissão Coordenadora do Conselho Científico da
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
em reunião de 18 Novembro de 2008.
À memória de minha mãe,
ao meu pai.
Ao Rui.
Ao Miguel,
Gonçalo,
e Manuel.
À minha irmã.
Aos adolescentes que tenho acompanhado.
ÍNDICE
Preâmbulo ...................................................................................................................................................................... 9
Resumo ............................................................................................................................................................................. 17
Summary .......................................................................................................................................................................... 31
Capítulo 1. Introdução ........................................................................................................................................ 43
Capítulo 2. Objectivos e Plano de Trabalho .................................................................................. 97
Capítulo 3. Enquadramento do estudo Health Behaviour in School-aged
Children (HBSC) no Projecto de Investigação ............................................................................. 109
Capítulo 4. Obesidade na adolescência: Um contributo para a melhor
compreensão dos factores psicossociais associados à obesidade e excesso
de peso nos adolescentes portugueses ............................................................................................. 135
4.1. Identificação dos principais factores influenciadores da imagem
corporal nos adolescentes obesos e com excesso de peso e estudo
dos estilos de vida e factores psicossociais associados ........................................ 137
4.1.1. Identificação dos factores associados à percepção de
excesso de peso e obesidade e identificação dos principais
factores que explicam a imagem corporal nos adolescentes
obesos e com excesso de peso ........................................................................................ 139
4.1.2. Caracterização dos comportamentos de saúde e de risco,
incluindo o consumo de álcool, associados ao excesso de peso
e obesidade e identificação dos indicadores psicossociais que
podem distinguir os adolescentes obesos e com excesso de
peso dos seus pares .................................................................................................................... 165
4.2. Estudo das correlações entre excesso de peso e comportamentos
não saudáveis de controlo de peso e exploração de possíveis variáveis
associadas ........................................................................................................................................................... 191
4.3. Estudo das correlações emocionais, comportamentais e sociais
dos valores omissos de IMC .............................................................................................................. 213
4.4. Estudo da validade do IMC baseado no auto-reporte do peso e
da estatura e determinação dos factores preditivos mais relevantes
que a possam influenciar ....................................................................................................................... 237
4.5. Estudo dos comportamentos de saúde associados ao excesso
de peso em 8 anos do estudo HBSC em Portugal ...................................................... 257
Capítulo 5. Discussão geral e conclusões .................................................................................... 283
PREÂMBULO
Preâmbulo
- 11 -
A presente tese resulta da integração de um conjunto de trabalhos de
investigação no âmbito do estudo Health Behaviour in School-aged Children
(HBSC), sob orientação da Professora Doutora Margarida Gaspar de Matos.
Foi um projecto de investigação desenvolvido exercendo funções, primeiro
como Assistente Hospitalar Graduada da Unidade de Adolescentes e,
posteriormente, como Chefe de Serviço do Departamento da Criança e da
Família do Centro Hospitalar Lisboa Norte, Hospital de Santa Maria, em regime
de acumulação com as funções de Assistente Convidada a 40% de Pediatria
da Faculdade de Medicina de Lisboa.
O meu interesse pelo ensino e pela investigação foi despertado bem cedo,
ainda enquanto aluna do 1º ano do Curso de Medicina da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, quando integrei um grupo
de estudo sobre Erros Inatos do Metabolismo orientado pelo Prof. Doutor M.
Júdice Halpern, no âmbito da disciplina de Bioquímica. Na sequência do
trabalho desenvolvido fomos ao Forum des Jeunes na Universidade de
Montpellier (1975). Posteriormente, enquanto aguardava a data do Concurso
de Admissão ao Internato Complementar, leccionei como Assistente Convidada
as disciplinas de Anatomia e de Patologia, respectivamente aos 1º e 4º anos do
Curso de Farmácia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa
(1983/84 e 1984/85). No ano lectivo de 1985/86 assumi funções de Assistente
Convidada da disciplina de Farmacologia e Terapêutica Geral da Faculdade de
Medicina de Lisboa, tendo em 2006 transitado para a disciplina de Pediatria I.
No entanto, só vários anos após ter adquirido formação na área da Medicina da
Adolescência que incluiu a obtenção do grau de Mestre pela Universidade de
Minnesota, com a defesa da tese intitulada “Familial Correlates of Extreme
Weight Control Behaviors Among Adolescents”, é que se tornaria possível
continuar um percurso em investigação. Regressada da Universidade de
Obesidade na adolescência
- 12 -
Minnesota, entendi como prioridade o desenvolvimento da Unidade de
Adolescentes no Departamento e da Medicina da Adolescência a nível
nacional.
Entendo a Medicina da Adolescência não como uma sub-especialidade, mas
como uma componente específica que consubstancia uma formação
especializada de profissionais que sabem entender o adolescente num
contexto global, essencialmente preventivo, e orientá-lo no sentido da
educação para a saúde.
Ao optar pela via da actividade de investigação integrada na actividade clínica
hospitalar, rapidamente me deparei com as dificuldades inerentes e que
explicam este hiato de tempo tão grande que mediou entre a aquisição do grau
de Mestre e a submissão desta tese de Doutoramento.
A escolha do tema de dissertação desta tese surgiu como um corolário natural
à minha formação académica e actividade clínica. De entre os vários factores
que se associaram para determinar esta opção, realçaria três: a formação em
Medicina da Adolescência, o tema de investigação desenvolvido para a tese de
Mestrado e a vivência continuada nas Consultas de Adolescentes e de
Obesidade Pediátrica, que coordeno.
Para além do interesse, actualidade e relevância científica do tema, fascinou-
me tentar perceber melhor os factores psicossociais associados à obesidade e
em que medida é que a obesidade pode influenciar/modelar o desenvolvimento
de um adolescente. Uma vez seleccionado o objecto de estudo, foi necessário
estabelecer uma colaboração sólida com um grupo de referência nesta área, a
equipa do Projecto Aventura Social e Saúde da Faculdade de Motricidade
Humana, responsável pelo estudo HBSC em Portugal (estudo integrante da
Preâmbulo
- 13 -
Organização Mundial de Saúde), coordenado pela Professora Doutora
Margarida Gaspar de Matos. O desenvolvimento desta parceria viria permitir
lançar as bases de uma linha de investigação integradora da investigação
epidemiológica (sustentada numa base de dados nacional inserida numa rede
internacional, mais ampla, de 41 países) com a experiência acumulada de
vários anos de acompanhamento de adolescentes obesos.
O envolvimento nos trabalhos que integram esta tese tem sido para mim motivo
de inesgotável interesse científico.
Nesta oportunidade, gostaria de relembrar os Mestres que tive ao longo da
vida, os Mestres da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de
Lisboa, onde me licenciei e os Mestres com quem fui tendo o privilégio de
trabalhar na Faculdade de Medicina de Lisboa e no Serviço de Pediatria do
Hospital de Santa Maria, nomeadamente, os meus ex-Directores, Professora
Doutora Maria de Lourdes Levy e Professor Doutor Jaime Salazar de Sousa.
Recordo ainda com gratidão tudo o que aprendi com o Professor Robert Wm.
Blum, durante longos anos Director da Division of General Pediatrics and
Adolescent Health, Department of Pediatrics, Medical School, University of
Minnesota, e com o meu orientador de Mestrado nesta Universidade, o
Professor Michael Resnick.
Gostaria de expressar a minha gratidão à Professora Doutora Margarida
Gaspar de Matos, minha orientadora, cuja influência foi determinante para a
realização desta tese, e aos meus dois co-orientadores: o Professor Doutor J.
Gomes Pedro, Director do meu Departamento, e o Professor Doutor António
Guerra, da Faculdade de Medicina do Porto.
Obesidade na adolescência
- 14 -
À Professora Doutora Margarida Gaspar de Matos, expresso o meu mais
elevado reconhecimento. Em primeiro lugar por ter aceite orientar esta tese,
apesar das suas inúmeras responsabilidades académicas e na área da
coordenação do estudo HBSC em Portugal. Foi para mim um privilégio ter tido
oportunidade de trabalhar ao longo deste últimos anos neste projecto de
investigação com a Professora Margarida Gaspar de Matos. No decurso da sua
supervisão, contei sempre com a sua disponibilidade e compreensão. O seu
rigor científico, a pertinência das suas observações e o seu estimulante espírito
criativo em muito contribuíram para que a discussão dos trabalhos se
transformasse em momentos altamente enriquecedores. Os seus contributos
foram determinantes para a aquisição de uma perspectiva integrada das várias
componentes desta tese.
Ao Professor Doutor J. Gomes Pedro, Director do Departamento da Criança e
da Família do Centro Hospitalar Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria, estou
profundamente grata pelo suporte pessoal e institucional que sempre deu às
opções que fui fazendo. Para além de ter sido um impulsionador desta tese,
revelou sempre um grande interesse pelo prosseguimento dos trabalhos. O seu
incentivo, particularmente nos momentos mais difíceis, foi determinante para a
concretização desta tese. Gostaria ainda de agradecer ao Professor J. Gomes
Pedro, pioneiro em diversas áreas da Pediatria e do Ensino Médico, o privilégio
de trabalhar no Departamento do qual é Director e ter chegado a Chefe de
Serviço sob a sua Direcção. Considero-o uma referência incontornável da
Pediatria portuguesa e o pai de uma nova Pediatria mais em sintonia com a
realidade do nosso século.
Ao Professor António Guerra, grande especialista na área da Nutrição
Pediátrica, gostaria de agradecer a prontidão com que acedeu a ser co-
orientador desta tese, a contribuição específica que deu para o seu desenho e
Preâmbulo
- 15 -
conceptualização, bem como a sua importante colaboração através de ideias e
discussões que em muito a vieram a enriquecer.
À equipa multidisciplinar com quem tenho tido o privilégio de trabalhar na
Consulta Externa de Pediatria e por quem tenho uma grande estima: Dr. Pedro
Ferro Meneses, Dr. Pedro Dias Ferreira, Prof. Doutor Miguel Oliveira da Silva,
Drª Sandra Martins, Dr. António L. Palmeira, Drª Lurdes Sampaio, Drª Carla
Pereira, Enfermeira Elsa Pereira e Assistente Social, Drª Sofia Pereira. Temos
conseguido ser uma equipa coesa que acredita que vale a pena fazer mais e
melhor em prol da saúde e do bem-estar do adolescente.
RESUMO
Resumo
- 19 -
A obesidade é uma doença crónica, multifactorial e multisistémica. A elevada
prevalência de obesidade na adolescência e as suas consequências físicas e
psicossociais graves, transformaram a obesidade num dos maiores problemas
contemporâneos de saúde pública.
Para além das consequências médicas da obesidade, já bem identificadas, tem
vindo a ser dada na literatura ao longo da última década, uma importância
crescente às complicações do foro comportamental e psicológico que
constituem as manifestações mais comuns e precoces da obesidade: a baixa
auto-estima, uma imagem corporal desfavorecida, a estigmatização social e a
depressão, podem exercer uma profunda repercussão negativa no desenvol-
vimento do adolescente.
Durante a adolescência, o excesso de peso e a obesidade constituem
frequentemente uma sobrecarga ao processo de desenvolvimento, podendo
resultar em problemas psicossociais graves. Os adolescentes com excesso de
peso e obesidade expressam preocupações ligadas ao peso com mais
frequência, envolvendo-se mais em comportamentos prejudiciais para a saúde,
tais como dietas crónicas e voracidade alimentar. Mais recentemente, vários
autores demonstraram que a obesidade da criança e do adolescente está
associada a uma qualidade de vida inferior nos domínios físico, psicossocial,
emocional, e do funcionamento escolar, quando comparada com a de crianças
e adolescentes não obesos de idade semelhante.
A obesidade adolescente constitui, por múltiplas razões, um modelo privile-
giado de estudo para quem se dedica à saúde do adolescente, de entre as
quais se poderá destacar:
Obesidade na adolescência
- 20 -
1. O facto de se tratar de uma doença crónica com um grande impacto na
imagem corporal, o que leva a que as questões relacionadas com a imagem
corporal que surgem habitualmente na puberdade ganhem uma maior
dimensão;
2. As consequências das co-morbilidades mais significativas, apesar de
ocorrerem com maior frequencia no adulto, podem já ter lugar na idade
pediátrica;
3. As co-morbilidades psicossociais, sendo as mais comuns e precoces, são
frequentemente desvalorizadas tanto pelos pais como pelos profissionais,
apesar de poderem ter uma influência negativa determinante no desenvolvi-
mento do adolescente.
Nesta perspectiva, torna-se particularmente atractivo estudar os factores
psicossociais associados à obesidade e excesso de peso na adolescência para
que, compreendendo-os melhor, os possamos incluir no desenho de
programas de prevenção e de tratamento.
Com o objectivo de compreender melhor a obesidade adolescente fomos, com
base nos dados portugueses do Health Behaviour in School-aged Children
(HBSC), identificar os indicadores psicossociais e de estilo de vida que
distinguem os adolescentes obesos e com excesso de peso dos seus pares.
O HBSC é um estudo colaborativo da Organização Mundial de Saúde iniciado
em 1982, envolvendo actualmente 41 países. O objectivo do estudo, que se
realiza cada quatro anos, é conhecer os comportamentos e estilos de vida dos
adolescentes em idade escolar, nos diferentes contextos da sua vida. Em
Portugal foi efectuado em 1998, 2002 e 2006, tendo envolvido 6903, 6131 e
Resumo
- 21 -
4877 adolescentes, respectivamente de 11, 13 e 15 anos em média,
correspondendo aos 6º, 8º e 10º anos de escolas públicas nacionais, de modo
a obter uma amostra representativa da população escolar para alunos destes
níveis de ensino a frequentar o ensino regular em Portugal continental. As
escolas foram seleccionadas aleatoriamente da lista fornecida pelo Ministério
da Educação, estratificada pelas cinco regiões escolares do país. De acordo
com o protocolo de aplicação do questionário, a técnica de escolha da amostra
foi a “cluster sampling” e a unidade de análise foi a turma.
Os adolescentes portugueses definidos como obesos (com um índice de
massa corporal - IMC - baseado no peso e estatura auto-reportados, igual ou
superior ao P95 para a idade e sexo), quando comparados com os seus pares
não obesos, revelaram-se menos activos do ponto de vista físico, referiram
mais vezes estar em dieta com o objectivo de perder peso (sobretudo o sexo
feminino), consideraram mais frequentemente ter pior aparência, ser menos
saudáveis e ter mais dificuldade em fazer amigos.
Foi possível identificar os principais factores que explicam o modo como os
adolescentes se vêem a si próprios, funcionando assim como factores
preditivos da imagem corporal. Avaliou-se a imagem corporal utilizando um
instrumento que consiste numa sequência de 7 silhuetas do sexo feminino e
outras 7 do sexo masculino que evoluem progressivamente da magreza para
um excesso de peso marcado. Esta escala de 7 pontos foi categorizada em
três grupos (magreza, normalidade e excesso de peso). Os adolescentes com
valores de IMC mais elevados assim como os que estavam a fazer dieta para
perder peso, identificaram-se mais com as imagens correspondentes ao
excesso de peso. Os mais novos identificaram-se também mais
frequentemente com as imagens correspondentes ao excesso de peso, o que é
concordante com o facto de tanto a obesidade como o excesso de peso terem
Obesidade na adolescência
- 22 -
sido mais prevalentes no grupo dos mais jovens (11 e 13 anos). Através de
uma regressão linear múltipla exploramos possíveis factores associados à
percepção da imagem corporal. A idade, o comportamento de dieta, a
percepção de uma aparência física com excesso de peso e o IMC associaram-
se significativamente com a percepção da imagem corporal. O IMC, o
comportamento de dieta e a percepção de uma aparência física com excesso
de peso revelaram-se positivamente associados, enquanto a idade se associou
negativamente.
Uma percepção frequentemente inadequada da necessidade de fazer dieta,
uma avaliação precária da sua saúde e um potencial isolamento social,
colocam o adolescente obeso e com excesso de peso num risco acrescido
para a sua trajectória de desenvolvimento.
Através do questionário HBSC não é possível a não ser indirectamente avaliar
da qualidade de vida dos adolescentes obesos. Houve, no entanto, neste
estudo possibilidade de incluir um indicador que consideramos poder dar um
contributo importante para a avaliação da qualidade de vida relacionada com a
saúde. Trata-se da Escada de Cantril que com os seus 10 degraus (em que o
degrau 10 representa a melhor vida possível e o degrau 0, a pior possível),
permite avaliar o grau de satisfação com a vida. Os adolescentes obesos e
com excesso de peso quando interrogados sobre qual o degrau da escada
onde se situavam no momento, colocaram-se num degrau mais baixo
comparativamente aos seus pares sem excesso de peso. Este resultado é
concordante com estudos anteriores que avaliaram a qualidade de vida dos
adolescentes obesos.
Este estudo revelou-se único no que diz respeito à avaliação da exposição dos
adolescentes obesos a padrões de risco de consumo de álcool. De acordo com
Resumo
- 23 -
os resultados encontrados, os adolescentes obesos reportaram mais
frequentemente do que os seus pares, consumir diariamente álcool e ter estado
mais vezes embriagados.
Apesar de já diversos autores terem estudado os factores psicossociais
associados à obesidade na adolescência, este estudo propõe o conceito de
que a obesidade é semelhante a outras doenças crónicas na adolescência, em
particular no que respeita aos padrões de consumo de álcool.
Há uma evidência crescente de que os adolescentes com doença crónica têm
uma probabilidade acrescida de se envolverem em comportamentos de risco
quando comparados com os seus pares saudáveis, o que nos poderá levar a
concluir que o adolescente obeso e com excesso de peso também se inscreva
neste padrão.
Torna-se necessário um conhecimento mais profundo dos aspectos
psicossociais associados à obesidade, bem como do significado de crescer e
tornar-se adulto, quando se é obeso. De que modo é que a experiência de se
ter peso a mais enquanto adolescente, influencia a capacidade individual de
envolvimento em redes sociais próprias da idade? Serão os esforços
desenvolvidos para a construção da identidade afectados pelo facto de o
adolescente ser obeso?
Verificou-se que os comportamentos não saudáveis de controlo de peso foram
mais frequentemente reportados pelos adolescentes que estavam em dieta e
por aqueles que, apesar de não estarem, referiram considerar que
necessitariam. Verificou-se ainda que estes comportamentos aumentavam na
mesma proporção do aumento da percepção do peso. Os nossos resultados
indicam que, genericamente, os adolescentes com excesso de peso se
Obesidade na adolescência
- 24 -
envolvem mais, tanto em comportamentos saudáveis como não saudáveis de
controlo de peso. Verificamos ainda que estes dois tipos de comportamentos
foram mais comuns no sexo feminino. Os comportamentos não saudáveis de
controlo de peso foram mais prevalentes entre os mais novos e entre os
adolescentes que referiam consumir álcool diariamente. Esta última correlação
é facilmente interpretada à luz do efeito de cluster dos vários comportamentos
de risco. Na prática clínica diária, a identificação de um consumo diário de
álcool num adolescente com excesso de peso poderá alertar-nos para a
possibilidade de estarmos perante comportamentos não saudáveis de controlo
de peso.
No âmbito clínico, ainda não faz parte da prática corrente o rastreio sistemático
de comportamentos de controlo de peso, à excepção de quando o adolescente
apresenta magreza. Os resultados desta investigação apontam para a
necessidade de consciencializar os clínicos de que os comportamentos não
saudáveis de controlo de peso constituem uma estratégia de controlo do peso
bastante comum. Porque se associam com riscos médicos e psicológicos
importantes para a saúde, dever-se-á preconizar o seu rastreio nas consultas
de rotina. Uma atenção particular será necessária quando se estiver a
acompanhar adolescentes com maior risco de perturbação do comportamento
alimentar, o que inclui necessariamente os adolescentes com excesso de peso
e obesidade.
Um dos desafios de fazer investigação utilizando o peso e a estatura auto-
reportados para cálculo do IMC, prende-se com a eventual ausência de dados.
No entanto, pouca atenção tem sido dada àqueles que sistematicamente ficam
fora da análise por não terem reportado o seu peso e/ou estatura. Dos 6131
adolescentes que no ano de 2002 completaram o questionário, 661 (10,8%)
não reportaram o seu peso e/ou estatura. O género não esteve associado com
Resumo
- 25 -
a omissão de dados. Em contrapartida, conseguiu-se identificar um vasto leque
de factores preditivos de valores omissos do IMC: a idade inferior a 14 anos,
um estilo de vida sedentário, a insatisfação com a imagem corporal, a ausência
ou inexistência de figura paterna, a ausência de amigos do sexo oposto e uma
percepção de baixo rendimento escolar. O factor preditivo mais potente de um
não reporte de peso e/ou estatura foi a idade mais jovem. Neste estudo, os
adolescentes que foram excluídos da análise fruto de ausência de valores de
peso e/ou estatura, revelaram ainda ter uma ligação mais fraca aos pais e
amigos. A presença de figura paterna e a existência de amigos do sexo oposto,
estiveram associados a uma redução para metade da probabilidade de valores
omissos de peso e/ou estatura.
Com o objectivo de rastrear o excesso de peso e a obesidade, o peso e a
estatura auto-reportados são frequentemente utilizados nos estudos
epidemiológicos em alternativa à avaliação antropométrica directa, tanto por
razões de conveniência como de custo. Contudo, não tem havido concordância
entre os diversos autores no que respeita à validade dos dados auto-
reportados. Dada a controvérsia, pretendemos avaliar numa subpopulação de
uma amostra nacional significativa de adolescentes portugueses, a validade do
IMC baseado no peso e estatura auto-reportados, utilizando o IMC calculado a
partir do peso e estatura objectivos como a medida standard. Com o mesmo
sub-estudo pretendeu-se ainda examinar se o grau de concordância era
influenciado por potenciais variáveis, tais como a idade, o género, o grau de
escolaridade e a imagem corporal. Para este estudo específico, foram incluídos
alunos a frequentar os 6º, 8º e 10º anos de 12 escolas públicas nacionais (26
turmas) seleccionadas aleatoriamente da lista de escolas que participaram no
Estudo HBSC de 2006, com estratificação por região e proporcionalmente à
dimensão de cada Divisão Regional: três escolas da região norte, três da
região de Lisboa, três da região centro, uma da região do Alentejo e duas do
Obesidade na adolescência
- 26 -
Algarve. Foram estudados no total 462 alunos (233 raparigas, 229 rapazes),
com uma idade média de 14.0 ± 1.9 anos, 32,4% a frequentar o 6º ano, 32,6%
o 8º e 30,5% o 10º ano, correspondendo aproximadamente a 10% da amostra
nacional do Estudo HBSC de 2006.
Não houve diferenças significativas entre os dois sexos no grau de inexactidão
do auto-reporte do peso. No entanto, o sexo feminino reportou a estatura de
um modo mais inexacto que o masculino, com valores significativamente
superiores aos valores objectivos. Apenas a população masculina mais jovem
tendeu a sobre-estimar o seu IMC.
Apesar de o IMC baseado no peso e estatura auto-reportados ter sido inferior
em ambos os sexos ao IMC calculado a partir do peso e da estatura medidos, a
prevalência de excesso de peso e obesidade baseada no auto-reporte
comparada com a baseada nos valores medidos não foi significativamente
diferente. Este estudo sugere que a utilização do IMC baseado no peso e a
estatura auto-reportados, pode constituir um instrumento fiável para a
identificação de adolescentes obesos e com excesso de peso em estudos de
larga escala.
Em complemento das análises anteriores, fomos estudar os comportamentos
ligados à saúde em função do IMC na amostra dos três estudos HBSC (1998,
2002 e 2006). Esta análise constitui o retrato mais completo à data, da saúde e
dos comportamentos de saúde e de risco associados ao excesso de peso dos
adolescentes portugueses dos 11 aos 16 anos (17024 estudantes) ao longo de
um período de oito anos.
Foi encontrada uma associação significativa entre o excesso de peso e uma
percepção de rendimento escolar abaixo da média. Não se encontrou uma
Resumo
- 27 -
diferença significativa entre o grupo de adolescentes com peso normal e o
grupo de adolescentes com excesso de peso no que respeita à actividade
física extra-curricular. Os adolescentes com excesso de peso expressaram
mais frequentemente dificuldades relacionadas com a sua saúde física e
emocional quando comparados com os seus pares de peso normal.
Consideraram também mais frequentemente que a sua saúde era razoável ou
má, descreveram-se mais vezes como infelizes e reportaram mais
frequentemente irritabilidade ou mau feitio.
Ao longo das três anos do estudo HBSC, os adolescentes com excesso de
peso expressaram consistentemente estar a fazer dieta com o objectivo de
perder peso, mais frequentemente do que os seus pares não obesos.
Encontramos um número importante de adolescentes que, apesar de terem um
IMC normal com base no peso e estatura auto-reportados, referiam estar a
fazer dieta com o objectivo de perder peso (6,4%) ou não estar a fazer dieta
mas considerando que necessitavam de perder peso (17,2%). Por outro lado,
encontramos uma percentagem ainda superior de adolescentes com excesso
de peso e obesos (34,6%) que referiam não estar a fazer dieta porque estavam
satisfeitos com o seu peso.
É assim evidente nos adolescentes portugueses desta idade, a existência de
uma percepção inadequada da necessidade de fazer dieta. Ora, como há
evidência clara na literatura de que o envolvimento em dietas é um factor de
risco para o surgimento de distúrbios do comportamento alimentar, deverá
constituir um sinal de alerta um adolescente com um IMC normal que esteja a
fazer dieta com o objectivo de perder peso, assim como qualquer
comportamento não saudável de controlo de peso, independentemente do
valor do IMC. Por outro lado, os adolescentes com excesso de peso e obesos
que referem não estar a fazer dieta porque estão satisfeitos com o seu peso,
Obesidade na adolescência
- 28 -
constituem um desafio, já que poderão não estar conscientes do seu peso em
excesso ou então estar numa fase de negação.
Em conclusão, os vários trabalhos que integram a presente tese são
consistentes com a noção de que os adolescentes com excesso de peso
quando comparados com os seus pares, têm comportamentos de saúde, em
geral, mais pobres.
A evidência disponível torna aconselhável incluir no desenho de programas na
área da prevenção e nas intervenções terapêuticas a adolescentes obesos, a
abordagem sistemática de um espectro mais alargado de questões que inclua
a avaliação da qualidade de vida, uma reflexão sobre o que significa crescer
com obesidade, o reforço do desenvolvimento da capacidade de mudança e o
suporte necessário para que o adolescente obeso aprenda a ultrapassar
comportamentos potencialmente prejudiciais para a saúde.
A adolescência é um período com características únicas no ciclo de vida no
qual ocorrem transformações biológicas e cognitivas importantes que são
determinantes para que se desenvolva a autonomia e se construa a identidade.
As intervenções clínicas na área da obesidade adolescente beneficiariam de
uma intervenção global (não apenas focalizada no controlo do peso) e
adequada à fase do desenvolvimento em que o adolescente se encontre. O
adolescente obeso deverá ser entendido como o agente prioritário do seu
próprio desenvolvimento, sendo também um agente fundamental no
desenvolvimento dos grupos que lhe são mais próximos (família, escola,
grupos de amigos). Com base nos resultados obtidos, consideramos que há
necessidade de entender a prevenção e o controlo da obesidade na
adolescência dentro de um contexto mais vasto de “saúde positiva” e de
promoção da saúde. Reveste-se assim de especial importância a promoção de
Resumo
- 29 -
estilos de vida saudáveis associada à promoção de factores protectores da
saúde na população jovem, uma vez que é nesta faixa etária que estes factores
se consolidam ou, pelo contrário, se fragilizam.
Estamos em crer que a aplicação dos conhecimentos acumulados na área dos
factores protectores poderia influenciar muito positivamente o desenho de
programas de prevenção e terapêutica da obesidade e também permitir aos
profissionais de saúde serem agentes facilitadores de uma “capitalização” em
períodos-chave do desenvolvimento (touchpoints), encarando-os como
oportunidades únicas para promoção de uma adaptação positiva. A pré-
adolescência deverá constituir uma idade-chave para programas de prevenção
que incluam questões relacionadas com a promoção da saúde,
nomeadamente, a satisfação com o corpo, o estilo de vida e a socialização.
A conclusão que se destaca deste estudo é a de que as estratégias para
prevenir e tratar a obesidade e o excesso de peso na adolescência
beneficiariam se tivessem em consideração um conhecimento mais profundo
dos factores psicossociais associados.
A identificação de indicadores psicossociais e de estilo de vida que distinguem
os adolescentes obesos e com excesso de peso dos seus pares, poderá
influenciar novas estratégias de prevenção e o desenho de programas de
intervenção que promovam a saúde e o bem estar da população adolescente
obesa, utilizando abordagens interdisciplinares.
Desejamos que este conhecimento possa influenciar a inclusão tanto nas
estratégias de promoção da saúde como nos programas de controlo de peso,
de componentes que tendo em linha de conta a imagem corporal e a auto-
Obesidade na adolescência
- 30 -
estima, facilitem um processo de adaptação que permita ao adolescente obeso
uma vivência mais adequada das múltiplas solicitações da adolescência.
SUMMARY
Summary
- 33 -
Obesity is a multifactorial, multisystemic, and chronic condition. The high
prevalence of obesity in adolescence and its potentially serious psychosocial
and physical consequences have made it one of the great contemporary public
health issues.
In addition, the medical, behavioural and psychological consequences have
been well established, including the high prevalence of low self-esteem, poor
body image, social stigmatization, and depression, all of which may strongly
and negatively influence the adolescent development.
Compared with normal weight peers, overweight and obese adolescents
express concerns associated with weight more frequently, and are more
involved in health compromising behaviours, such as chronic dieting and binge
eating. Furthermore, several authors have shown that child and adolescent
obesity is associated with lower health-related quality of life including physical,
psychosocial, emotional, social and school functioning, when compared with
non-obese young people of a similar age.
For an adolescent medicine provider, taking care of obese adolescents is both a
fascinating and challenging journey:
1. We are dealing with a chronic condition with huge impact on body image,
thus the normal adolescent issues of body image distortation that comes at
puberty are magnified;
2. Although obesity-associated morbidities occur more frequently in adults,
significant consequences of obesity as well as the antecedents of adult disease
already occur in overweight children and adolescents;
Obesidade na adolescência
- 34 -
3. Psychosocial co-morbidities, being the earliest and the most common, while
often discounted by parents and professionals alike, may be determinant in
negatively influencing adolescent development.
With the objective of better understanding adolescent obesity, and based on the
data from the Portuguese Health Behaviour in School-aged Children (HBSC)
survey, we decided to empirically investigate some psychosocial and lifestyle
indicators which may help distinguishing obese and overweight adolescents
from their peers.
HBSC is a WHO collaborative study started in 1982, now including 41 countries
and regions across Europe and in North America. Data collection occurs every
four years. The overall goal of the study is providing evolving information on the
health and health-related behaviours of young people as well as their social
contexts. In Portugal data have been collected three times: 1998, 2002, and
2006 and included 6903, 6131 and 4877 6
th
, 8
th
, and 10
th
grade students
respectively, corresponding to 11, 13 and 16 years of age on average. Schools
were randomly selected from a national roster of public schools, stratified by
region (five Education Regional Divisions). The sampling unit used in this
survey was the classroom. In each school classes were randomly selected in
order to meet the required number of students for each grade, which was
proportional to the number of same grade mates for each specific region
according to the data provided by the Ministry of Education.
Those Portuguese adolescents defined as obese (body mass index, BMI, ≥ 95
th
centile) based on self-reported weight and height, were found to be less
physically active than their non-obese peers. They were more likely to report
having a poor appearance and being on diet. Girls especially expressed greater
difficulty in making new friends, and considered themselves less healthy than
Summary
- 35 -
their non-overweight peers. Based on the findings, it was possible to identify the
main factors that explain how adolescents perceive themselves and are
predictive of body image. Body image was assessed by using an instrument
consisting of seven female and seven male body silhouettes that are
increasingly overweight. This 7 point scale was categorised into three groups
(thin, average and overweight). The identification of an overweight picture as
similar to one’s own body shape was significantly more frequent among teens
with higher BMI values based on self-reported weight and height, and among
those reporting dieting. It was also significantly more frequent among younger
adolescents, what is concordant with the fact that both obesity and overweight
were more prevalent in the younger age groups (11 and 13 year olds). Multiple
linear regression was used to explore associations with the perception of body
image (considered in this particular analysis as a 7-point interval variable). Age,
diet behaviour, physical appearance and BMI were significantly associated with
perceived body image. BMI, diet behaviour, and physical appearance were
positively associated. Age was negatively associated.
A perceived need to diet (whether real or imagined), poorer self-perceived
health status, and potential social isolation, all may induce an extra
developmental strain on the overweight adolescent.
The cross-sectional nature of the study design does not enable us to draw
conclusions about the direction of causality. Neither do the questions in the
HBSC allow for the direct assessment of health-related quality of life. We were
able, however, to assess life satisfaction through a measurement technique
known as the “Cantril ladder”, which uses a ten-step ladder with the top rung
being the highest and the bottom rung the poorest life satisfaction. Consistent
with previous research, when asked to indicate the step of the ladder at which
Obesidade na adolescência
- 36 -
they would place their lives at the moment, overweight and obese youth placed
themselves on a lower step than non-overweight peers.
The study is unique in having examined the exposition of obese adolescents to
alcohol consumption patterns which are associated with heightened risk of
injury. Based on the results, obese adolescents reported both more regular
drinking and having been drunk more times than their non-obese counterparts.
While there has been extensive previous research on the specific psychosocial
factors associated with obesity in young people, the present paper builds upon
the existing literature and in doing so proposes the concept that obesity is
similar to other chronic conditions of adolescence, especially related to alcohol
use and abuse. Growing evidence suggests that adolescents with other chronic
conditions are likely to engage in risky behaviour at rates similar to if not higher
than their healthy peers, and alcohol has been recognized as the substance
most frequently used by young people with a variety of chronic conditions, with
little variation by diagnosis. Thus, when it comes to alcohol use it appears that
the obese adolescent may have a profile similar to their chronically ill peers.
A deeper understanding of the social aspects of growing up and becoming an
adult being overweight is needed. How does the experience of being overweight
as a teen impact one’s capacity of engaging in age-appropriate social
networks? Are efforts to develop a robust personal identity affected by the fact
of being overweight?
Unhealthy weight control behaviours were significantly more commonly reported
by those who were dieting and among those who, although not being on diet, felt
that they should be. Moreover, unhealthy weight control behaviours increased
proportionate to the reporting of increased weight. Our findings indicate that
Summary
- 37 -
overweight youth engage more in both healthy and unhealthy weight control
behaviours than their non-overweight peers, and this was especially true for
females. Unhealthy weight control behaviours were also more prevalent among
younger youth and among those reporting drinking everyday. This correlation is
understandable as risk factors tend to cluster. Given what we know, the
identification of daily alcohol consumption in an overweight adolescent is a red
flag for unhealthy weight control behaviours.
Except for those who are underweight, most paediatricians do not regularly
screen for unhealthy weight control behaviours yet, unless the adolescent is
underweight. Our findings support the need to raise awareness among clinicians
that unhealthy weight control behaviours are common. Because they are
associated with both medical and psychological health risks, routine screening is
warranted. Special attention needs to be directed toward youth at greatest risk for
disordered eating, including overweight youth.
One of the challenges of undertaking research that uses self report of weight
and height to calculate BMI is missing data, an issue that has largely been
ignored in the literature since traditionally those with missing data are excluded
from analyses. In the present sample of 6131 adolescents who completed the
questionnaire in 2002, 661 (10.8%) did not report their weight and/or height.
Gender was not associated with missing data. However, a large array of
predictive factors of missing BMI values were identified: age below 14, a
sedentary lifestyle, body image dissatisfaction, father absence, lack of friends of
the opposite sex, and a perception of low school achievement. The strongest
predictor of missing values for weight and/or height was younger age. So too,
the adolescents who have been excluded from the analysis because of missing
values for BMI were less connected with parents and friends. The presence of a
Obesidade na adolescência
- 38 -
father and having friends of the opposite sex was associated with half the
likelihood of having missing weight and/or height data by about half.
For reasons of convenience and cost, large scale studies frequently use self-
reported weight and height as an alternative to actual anthropometric measures,
to screen for overweight and obesity. However, studies that have examined the
accuracy of self-reported weight and height are not in agreement regarding its
validity. Given the controversy, we decided to determine the validity of BMI
based on self-reported weight and height, using BMI calculated from measured
body weight and height as the standard measurement, in a subset of a
nationally representative sample of Portuguese adolescents. With the same
sub-study we further examined whether the degree of agreement is influenced
by potential variables, such as, age, gender, grade, and body image. For this
sub-study twelve schools were randomly selected from the list of schools which
took part in the 2006 HBSC survey, stratified by region, proportionally to the
size of each Regional Division: three from the north, three from the Lisbon
region, three from the centre, one from Alentejo, and two from Algarve. The
same classes that were selected to answer to the 2006 questionnaire
administered three months before, were asked to participate in the study. Of the
total 462 students included in this sample (Mean age 14.0, SD = 1.9), 233 were
girls, and were distributed as follows: 32.5% attending the 6
th
grade, 32.7% the
8
th
, and 34.8% the 10
th
, corresponding to approximately 10% of the sample that
participated in the 2006 HBSC survey.
In these analyses there was no significant difference between boys and girls in
the degree of inaccuracy in reporting weight. However, differently from the
above cited studies, girls reported height more inaccurately than boys, with self-
reported height significantly higher than measured height. Only younger boys
tended to overestimate their BMI.
Summary
- 39 -
Although BMI based on self-reported data was lower compared to BMI based
on measured data both among girls and boys, prevalence of overweight and
obesity based on self-report compared with measured values, was not
significantly different. These findings suggest that self-reported weight and
height (and BMI calculated from these values), are a quite reliable tool for
identifying overweight and obese adolescents in large scale studies.
In addition to the above analyses, we studied the associations between BMI
and health-related behaviours based on the HBSC surveys conducted in 1998,
2002, and 2006, and involving a representative sample of 17024 Portuguese
public school students aged between 11 and 16. These surveys, carried out in a
8 year period (every four years between 1998 and 2006), bring together the
most comprehensive national picture of the health and health-related behaviour
of overweight young people to date.
Considering the whole sample of the three waves of the HBSC survey,
overweight adolescents consistently perceived their school performance to be
below average compared to their classmates. No significant differences were
found between normal-weight and overweight youth concerning physical activity
undertaken outside school hours. Overweight adolescents were far more likely
to exhibit difficulties with their physical and emotional health when compared
with their normal-weight peers. Moreover, they reported their health as fair or
poor more often, were more likely than their peers to describe themselves as
“unhappy”, and reported irritability or bad temper more frequently.
Throughout the three waves of the study overweight adolescents consistently
reported dieting to lose weight more often than their non-overweight peers. We
found a relevant percentage (6.4%) of normal-weight adolescents reporting
being dieting with the purpose of losing weight and 17,2% not yet dieting, but
Obesidade na adolescência
- 40 -
considering they should lose some weight, and an even greater percentage of
overweight and obese (34.6%) adolescents reporting not being on diet because
they were satisfied with their weight. Research has shown that the initiation of
frequent dieting is a known risk factor for disordered eating. Thus, there is
reason for concern if normal-weight youth are attempting weight loss and if
unhealthy weight control behaviours are being used by adolescents, regardless
of their weight status.
In conclusion, the set of studies comprising this thesis are consistent with the
idea that overweight adolescents when compared with their non-overweight
peers, do have generally poorer health behaviours.
Obesity prevention and treatment efforts might benefit from systematically
including a consistent and comprehensive monitoring of health status including
health-related quality of life, and addressing the broad spectrum of the
psychosocial implications of being overweight as a teen, enhancing skill
development for behavioural change, and providing support for dealing with
potentially harmful behaviours.
Adolescence has been considered a critical developmental period when
adolescents are adjusting to physical changes, establishing their personal
identity, seeking greater independence and increasingly relying on peer groups.
Clinical interventions might benefit from a global approach, tailored to the
specific developmental needs of the obese adolescent and not only focused on
weight control. The obese adolescent is a critical agent of change not simply
one to receive treatments. Their roles include enhancing their own health
promotion competences as well as being a crucial person for the development
of competences within the social groups with which they interact (family, school,
peer group). Based on our analyses, we conclude that the need for prevention
Summary
- 41 -
and control of obesity in adolescence should be considered within a broader
context of positive health and health promotion. The promotion of healthy
lifestyles and the identification and reinforcement of protective health factors
among youth is crucial, as it is by this age that they do either consolidate or may
become weaker.
As a final conclusion, we believe that the knowledge acquired may positively
inform the design of prevention and intervention programs, and also allow
health professionals to be able to capitalize on key developmental periods
(touchpoints) facing them as unique opportunities for promoting a positive
adaptation. There is evidence that strategies for preventing and treating
adolescent obesity should benefit from taking into account a deeper
understanding of the psychosocial factors associated to obesity. Pre-
adolescence may constitute one of those key periods for prevention strategies
linked to health promotion, and a unique opportunity for discussing body
satisfaction, lifestyle and socialization issues.
The identification of lifestyle and psychosocial indicators that may distinguish
overweight and obese adolescents from their peers should inform pediatricians
and health care planners on prevention strategies and influence the design of
intervention interdisciplinary programs aimed to promote the health and well-
being of the obese adolescent population.
This knowledge underscores the importance of incorporating, both in health
promotion strategies and in weight control programs, components that taking
into account body image and self-esteem, may facilitate the adaptation process
of overweight youth to negotiate the social demands of adolescence.
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
Introdução
- 45 -
A obesidade é uma doença crónica, multifactorial e multisistémica. Emergiu
como a nova doença crónica ao longo das últimas duas décadas, constituindo
um grave problema de saúde pública (1). Nos últimos vinte anos, a incidência
de excesso de peso e obesidade aumentou de modo significativo a nível
mundial. Actualmente, mais de 300 milhões de indivíduos são considerados
obesos e 1,2 biliões, ou seja, 34% da população mundial, é considerada como
tendo excesso de peso (2,3). A Organização Mundial de Saúde (OMS) colocou
a obesidade entre os dez principais factores de risco para a saúde nos dias de
hoje, considerando a prevenção da epidemia da obesidade como um desafio
prioritário da saúde pública no século XXI (2). A prevalência da obesidade está
já em muitos países acima do limiar crítico de 15% estabelecido pela OMS para
situações epidémicas a necessitar de intervenção (4).
Na idade pediátrica a prevalência da obesidade tem também vindo a aumentar
em termos globais, sendo actualmente considerada a doença crónica mais
comum nesta idade.
Nos EUA, entre 1980 e 2002, a prevalência de excesso de peso triplicou nas
crianças e adolescentes entre os 6 e os 19 anos (5, 6, 7). Com base nos dados
emanados em 2004 pelo NHANES IV (National Health and Nutrition
Examination Survey), foi estimado que aproximadamente 17% das crianças e
adolescentes entre os 2 e os 19 anos tenham obesidade (8). Num período de
10 anos (1994-2004), assistiu-se nos EUA a um aumento da prevalência de
obesidade de 7,2 para 13,9% no grupo dos 2 aos 5 anos, de 11 para 19% no
grupo dos 6 aos 11 e de 11 para 17% no grupo dos 12 aos 19 anos (8).
Na Europa, em 2002, o excesso de peso e a obesidade afectavam quase uma
em cada quatro crianças, tendo sido estimada uma prevalência de 24% (9),
com uma distribuição crescente no sentido norte-sul e valores oscilando entre
Obesidade na adolescência
- 46 -
10-20% na Europa do Norte e 20-35% nos países do sul (9). É exactamente
nos países mediterrânicos que as taxas de sobrepeso e obesidade atingem a
sua maior expressão com prevalências acima de 30% (10). Em Março de 2005
a International Obesity Taskforce estimou que uma em cada cinco crianças na
Europa tinha excesso de peso (11).
Em Portugal, ao contrário do que acontece para a população adulta (12) não há
ainda à data nenhum estudo nacional de prevalência de obesidade na
adolescência. Existe, no entanto, o estudo Health Behaviour in School-aged
Children (HBSC/OMS) tendo por base valores antropométricos reportados que
aponta em adolescentes dos 11 aos 16 anos para uma prevalência de excesso
de peso e obesidade de, respectivamente, 14,4% e 1,6% em 1998, 14,8% e
3,1% em 2002, e 15,2% e 2,8% em 2006 (13).
Num estudo comparativo efectuado em 1998, que envolveu pesos e estaturas
auto-reportados de adolescentes de 13 e 15 anos de 13 países europeus,
Israel e Estados Unidos, as prevalências mais elevadas de excesso de peso
foram encontradas respectivamente nos EUA, Irlanda, Grécia e Portugal (14).
Um estudo de prevalência de excesso de peso e obesidade em crianças
portuguesas dos 7 aos 9 anos, efectuado em 2002/2003, aponta para uma
prevalência de excesso de peso e obesidade de 20,3% e 11,3%,
respectivamente (15). Estes dados poderão levar-nos a inferir de um provável
aumento da prevalência de obesidade pediátrica em idades cada vez mais
precoces na população portuguesa (16).
Etiologia
O peso corporal é regulado por numerosos mecanismos fisiológicos que
mantêm o balanço entre o aporte e o gasto energético (17). Qualquer factor
Introdução
- 47 -
que aumente o aporte energético ou diminua o gasto energético, mesmo em
pequena quantidade, irá originar obesidade a longo prazo.
A etiologia da obesidade é multifactorial, havendo uma interacção entre
factores genéticos e ambientais, resultando num balanço energético positivo.
Entre os factores que estão na génese da obesidade temos os factores
ambientais, que incluem os hábitos alimentares (dieta hipercalórica) e o nível
de actividade física (vida sedentária), os factores genéticos e perinatais e os
factores associados a patologias endocrinológicas ou outras. Estes últimos são,
no entanto, responsáveis por uma minoria de casos (18).
Modificações no estilo de vida ocidental conduziram a reduções significativas
no gasto energético das crianças e encorajaram uma alimentação hipercalórica
(19, 20). Vários factores contribuíram para a redução da actividade física das
crianças e adolescentes, incluindo a crescente utilização de videos e jogos de
computador, a televisão, a internet e, de um modo geral, as menores
oportunidades em se manterem activos, irem a pé para a escola ou brincarem
ao ar livre (21-24). A televisão promove o ganho de peso, não apenas por
diminuir o tempo de actividade física como também por, secundariamente,
aumentar o aporte energético, já que a maioria das crianças consome
passivamente quantidades excessivas de alimentos de alta densidade
energética enquanto vê televisão (25-28). Os anúncios a que são submetidas
também se têm revelado negativamente influenciadores dos seus padrões
alimentares.
O adolescente obeso, com menor capacidade para a actividade física, vai ter
um factor acrescido que se irá somar aos outros do ambiente, já de si promotor
de obesidade, em que vive (29). A análise dos dados relativos à actividade
física e excesso de peso/obesidade no estudo HBSC de 1998, permitiu
estabelecer uma associação entre obesidade e excesso de peso e um grau de
actividade física menor (30).
Obesidade na adolescência
- 48 -
Os factores genéticos podem ter um efeito importante na predisposição
individual, estando descrita uma maior incidência de obesidade em filhos de
pais obesos. Segundo o estudo de Whitaker (31), crianças obesas com idades
entre os 3 e 5 anos que não tenham nenhum dos progenitores obesos, têm um
risco de 24% de se tornarem adultos obesos, aumentando o risco para 62%
caso um dos progenitores seja obeso. Para crianças entre os 3 e 9 anos de
idade, tanto o grau de obesidade da criança como a existência de obesidade
nos progenitores, são preditivos de obesidade na idade adulta. No entanto,
acima desta idade, o grau de obesidade da própria criança transforma-se no
factor preditivo mais importante. O aumento de prevalência da obesidade em
populações geneticamente estáveis indica que factores ambientais, tanto
perinatais como relacionados com períodos precoces da vida, estão também
implicados na génese da obesidade.
Nos últimos anos, tem sido dada importância crescente ao adipocito enquanto
órgão endócrino, produzindo as suas próprias hormonas e sendo órgão-alvo de
muitas outras. Foram observados padrões hormonais alterados em doentes
obesos, especialmente na presença de predomínio de acumulação de gordura
intra-abdominal, tais como: insulinoresistência e consequente aumento da
secreção de insulina, aumento dos níveis de testosterona e de
androstenediona livres associados com diminuição da SHBG no sexo feminino,
diminuição dos níveis de progesterona na mulher e de testosterona no homem,
aumento da produção de cortisol e diminuição dos níveis da hormona de
crescimento (32). Os adipocitos segregam citoquinas que estimulam os
hepatocitos a produzir reagentes de fase aguda conduzindo, à medida que a
obesidade progride, a um processo inflamatório crónico que contribui para um
risco cardiovascular aumentado, alterações da estrutura do endotélio vascular
e insulinoresistência (33-37).
Introdução
- 49 -
Em 1997 foi descoberta uma mutação no gene codificador da leptina em dois
irmãos paquistaneses, filhos de pais consanguíneos, com obesidade mórbida
(38). A leptina é uma hormona produzida pelos adipocitos e segregada em
função da quantidade de massa gorda. Desde então, cinco mutações genéticas
e muitos alelos foram descobertos e implicados na etiologia da obesidade de
início na idade pediátrica (39-40). Assim, a predisposição para a obesidade
parece ser causada por uma interacção complexa entre múltiplos genes
associados à obesidade e, muito provavelmente, factores perinatais (41). A
sobrenutrição pré-natal parece aumentar o risco de obesidade, com vários
estudos apontando para uma relação directa entre obesidade materna, peso à
nascença e futura obesidade da criança (42). No entanto, mais recentemente,
chegou-se à conclusão de que a subnutrição em estádios importantes do
desenvolvimento fetal pode também induzir modificações fisiológicas
permanentes resultando em obesidade (43). O período pré-natal, enquanto
touchpoint fundamental, parece ser assim também por esta razão, um período
alvo privilegiado em termos de prevenção. No período pós-natal, o elevado
ganho ponderal nos primeiros 12 meses de vida (44) e, em particular nos
primeiros 4 meses (45), tem sido outro factor de risco descrito como associado
à obesidade. O aleitamento materno parece ter, apesar de não ser consensual,
um efeito protector ainda que modesto (46-47).
Diagnóstico
Define-se obesidade na criança como um índice de massa corporal (IMC)
superior ou igual ao percentil 95 para a idade e sexo e excesso de peso ou
risco de obesidade como valores de IMC superiores ou iguais ao percentil 85 e
inferiores ao 95.
O índice peso (kg) / estatura (m)
2
foi descrito pela primeira vez por Adolphe
Quetelet no século XIX como um índice de peso ajustado para a estatura.
Obesidade na adolescência
- 50 -
Ancel Keys reinventou-o nos anos 50 e denominou-o IMC. Cole, pela primeira
vez, propôs a sua utilização na criança em 1979, demonstrando que ajustava o
peso tanto para a estatura como para a idade (48).
O IMC, apesar de se correlacionar suficientemente bem com medidas directas
da massa gorda (49-51), é um proxy imperfeito da obesidade devido à grande
variabilidade individual na relação entre IMC e massa gorda, factores de risco
cardiovascular e prognóstico a longo prazo.
Salvaguardando o conceito que a definição de obesidade encerra (excesso de
gordura corporal total), o índice de massa corporal, registando uma associação
forte com a adiposidade, foi recomendado pela OMS como base para o rastreio
da obesidade pediátrica. Foi também aconselhado pela International Obesity
Taskforce (IOTF) como o instrumento antropométrico mais indicado para
monitorizar em termos de saúde pública a evolução da obesidade.
Atendendo à característica dinâmica do processo de crescimento responsável
por uma contínua variação na estatura e na composição corporal, e ao
contrário do que acontece na idade adulta, o valor do IMC em idade pediátrica
deve ser percentilado em função do género e idade, tendo como base tabelas
de referência. O valor do IMC aumenta após o nascimento e até cerca dos 6-12
meses de idade, de seguida decresce até um valor mínimo por volta dos 5-6
anos, aumentando depois na adolescência até atingir a estabilidade no jovem
adulto. A idade em que se regista o nadir do IMC é denominada a idade do
ressalto adipocitário (52). Vários estudos observacionais descreveram uma
associação entre a precocidade deste nadir (inferior a 61 meses) e um risco
tardio aumentado de obesidade. Contudo, a importância e o valor preditivo
desta associação continua a ser alvo de debate (53-54). A adolescência é
também considerada um período crítico para o início de uma obesidade (55) e
Introdução
- 51 -
para uma futura morbilidade associada (56-57). Como tal, e numa perspectiva
de saúde pública será importante monitorizar o excesso de peso na
adolescência. No entanto, esta monitorização do estado de nutrição através da
avaliação sistemática do IMC e interpretação dos resultados em função das
curvas de percentis deverá, no entanto, ser devidamente valorizada desde os
primeiros anos de vida, de modo a que os casos de excesso de peso /
obesidade sejam diagnosticados precocemente (58).
A determinação da gordura corporal pode fazer-se por diversos métodos
distintos: antropometria (pregas adiposas subcutâneas), bioimpedância
eléctrica (monofrequência e multifrequência), pletismografia por deslocamento
de ar, água corporal total e imagiologia (Dual Energy X-Ray Absorptiometry -
DEXA -, tomografia computorizada e ressonância magnética), apresentando
estes últimos uma elevada precisão na estimação da composição corporal.
Vários estudos mostraram que o IMC tem limitações como medida da gordura
a nível individual. As razões são várias: a composição corporal, ou seja, a
relação entre o tecido gordo e o tecido muscular varia em função da idade, do
sexo e da raça (59-60). Por outro lado, a composição corporal pode ser
diferente enquanto o peso e o IMC são os mesmos. É o caso, por exemplo,
quando através da dieta e do exercício físico a massa gorda se reduz mas em
contrapartida aumenta a massa muscular (61). Consequentemente, indivíduos
com um mesmo IMC podem ter massas gordas muito diferentes. Por fim, a
amplitude dos riscos para a saúde não se relaciona apenas com o total da
massa gorda, correlacionando-se mais com a gordura intra-abdominal ou
visceral que influencia a actividade metabólica hepática através da veia porta
(62). Nem o IMC nem a percentagem de massa gorda se correlacionam
perfeitamente com a massa gorda visceral ou com os factores de risco
cardiovascular (63-64). Podemos assim dizer que o IMC e a percentagem de
Obesidade na adolescência
- 52 -
massa gorda se correlacionam fortemente, mas não o suficiente para tirar
ilações úteis a nível individual, o que faz com que seja discutível se será o
parâmetro ideal na avaliação da evolução clínica individual da criança e do
adolescente obeso.
Ellis e colaboradores vieram confirmar num estudo em que compararam os
valores de IMC de crianças e adolescentes entre os 3 e os 18 anos com a
percentagem de massa gorda avaliada através de DEXA, que o IMC permite
caracterizar do ponto de vista da adiposidade uma população pediátrica
saudável, mas revelou-se um mau indicador a nível individual, com um erro
standard de percentagem de massa gorda de 4,7-7,3% do peso (65). Do
mesmo modo, Smalley e colaboradores, após terem encontrado nos seus
estudos uma grande variabilidade entre a massa gorda determinada por
densitometria e a massa gorda estimada por IMC, concluíram que na utilização
do IMC enquanto indicador de obesidade se deve estar consciente das suas
limitações (66). Dentro do mesmo espírito, Cole e colaboradores defendem que
seja utilizado um método relativamente estável para avaliar a evolução da
adiposidade no acompanhamento de crianças com excesso de peso. Segundo
estes autores, apesar de o z-score do IMC ser adequado para avaliar o grau de
adiposidade pontualmente (um z-score ≥ 1,04 corresponde a um valor ≥ ao
percentil 85 e um z-score ≥ 1,65 corresponde a um valor ≥ ao percentil 95), não
constitui o melhor processo para avaliar a sua evolução, já que a sua
variabilidade numa mesma criança ao longo do tempo irá depender do nível de
adiposidade da criança. Advogam que melhores alternativas são o próprio IMC
ou a % do IMC (67).
Tanto em adultos como em crianças, uma distribuição mais central de massa
gorda associa-se, nomeadamente, com a diabetes tipo 2 (não insulino-
dependente) e um perfil de risco cardiovascular mais desfavorável. O perímetro
da cintura, a relação perímetro da cintura/perímetro da anca e a relação da
Introdução
- 53 -
espessura das pregas cutâneas do tronco com as periféricas, têm sido
utilizados como uma aproximação da distribuição da gordura corporal. Estes
métodos têm sido essencialmente estudados no adulto. O método que até
agora se tem revelado mais útil para avaliar a distribuição da gordura é o DEXA
pois fornece a medição da composição corporal por segmentos, permitindo
medir a massa gorda nas diferentes regiões. Daniels estudou um grande
número de crianças com idades entre os 7 e os 17 anos no sentido de
determinar qual o método de avaliação da distribuição da gordura corporal que
se aproximava mais do DEXA e concluiu que o perímetro da cintura é o
parâmetro que se correlaciona mais fortemente com a distribuição de gordura
(68). O perímetro da cintura, de fácil determinação, tem sido desde então
consensualmente considerado como uma medida útil da distribuição de
gordura na criança e no adolescente, existindo tabelas de percentis do
perímetro da cintura em função da idade e do sexo, construídas por diversos
investigadores (69-76).
De acordo com as recomendações da Direcção Geral da Saúde, o crescimento
e o estado nutricional da população pediátrica portuguesa devem ser
reportados às tabelas constantes do Boletim de Saúde Infantil e Juvenil que
são as do National Centre for Health and Statistics (NCHS). Na sua última
versão datada do início de 2005, este Boletim passou a incluir as curvas do
IMC em substituição das curvas da relação peso-estatura, considerando de
acordo com o Programa Nacional de Combate à Obesidade, serem mais
adequadas à correcta monitorização do estado de nutrição de cada criança
(77).
Segundo as recomendações da International Obesity Task Force (IOTF) e do
European Childhood Obesity Group (ECOG), os valores de Cole et al. (78)
deverão ser utilizados apenas quando se pretenda efectuar estudos de
Obesidade na adolescência
- 54 -
prevalência. Tal recomendação deve-se não apenas ao facto de uniformizar
critérios para poder comparar taxas de prevalência entre diferentes países,
mas também à possibilidade de extrapolação dos valores do percentil de IMC
85 e 95, respectivamente para os valores 25 e 30 do adulto, permitindo
estabelecer associação com risco de comorbilidades.
Complicações e comorbilidades
Consequências Médicas da Obesidade
Como resultado desta epidemia uma multiplicidade de doenças crónicas e
factores de risco que tinham habitualmente início na idade adulta, começam
agora a ter o seu início na idade pediátrica.
O risco de comorbilidade associada à obesidade pediátrica aumenta
exponencialmente para valores de IMC acima do percentil 95, sendo no
entanto de referir que para valores superiores ao percentil 85 de IMC já se
observa um risco aumentado de alteração dos marcadores de doença
cardiovascular.
Tal como acontece no adulto, a obesidade na criança é uma doença
multisistémica com consequências potencialmente devastadoras (79). Apesar
de a obesidade estar menos marcadamente associada com morbilidade na
adolescência do que na vida adulta (80), é um seu forte precursor, uma vez
que 50 a 80% dos adolescentes obesos se tornam adultos obesos (81-83).
Entre as complicações do excesso de gordura corporal total que cada vez mais
ocorrem durante a idade pediátrica, incluem-se a hipertensão (valores de
pressão arterial superiores ao percentil 95 em função do sexo e percentil da
altura), hiperlipidemia, inflamação crónica, um estado de hipercoagulabilidade,
Introdução
- 55 -
disfunção endotelial e alteração do metabolismo da glicose (alteração da
glicose em jejum, hiperinsulinismo, síndrome de insulinoresistência e diabetes
tipo 2) (84-89). A intolerância à glucose e a resistência à insulina constituem o
estado pré-diabético que é muito prevalente nas crianças gravemente obesas
independentemente do seu grupo étnico, surgindo ainda antes de os critérios
de diagnóstico formais de diabetes estarem reunidos (90). A diabetes tipo 2
que era praticamente inexistente na adolescência, actualmente corresponde a
cerca de metade de todos os novos casos diagnosticados de diabetes em
algumas populações (91) o que é atribuído ao aumento da obesidade
pediátrica, apesar de a hereditariedade e factores ligados ao estilo de vida
poderem influenciar o risco individual (92).
Outras complicações ocorrem em idade pediátrica na exclusiva dependência
da obesidade. Entre as complicações respiratórias incluem-se a Síndroma de
Apneia Obstrutiva do Sono e a síndrome de hipoventilação (93-94), a asma de
esforço (95) e a intolerância ao exercício (96). Numa criança obesa o
desenvolvimento de asma ou intolerância ao exercício pode limitar ainda mais
a actividade física, formando-se assim um ciclo vicioso com indução de um
ganho ponderal crescente.
Para além destas complicações, muitas outras têm vindo a ser reconhecidas,
incluindo quase todos os órgãos e sistemas. Entre elas, as complicações
ortopédicas: genus valgo, doença de Blount (apesar de ter uma prevalência
baixa, em cerca de 2/3 dos casos é consequência da obesidade) (97),
epifisiólise da cabeça do fémur (entre 30 a 50% dos doentes têm excesso de
peso) (98); a síndrome do ovário poliquístico (99-100), a litíase biliar e a
esteatohepatite não alcoólica (101-103), complicações renais (104-105),
musculo-esqueléticas (106) e neurológicas (o pseudotumor cerebral e as
cefaleias) (107).
Obesidade na adolescência
- 56 -
Consequências Psicossociais da Obesidade
Para além das consequências a nível dos vários órgãos e sistemas são, no
entanto, as complicações do foro comportamental e psicológico, as
manifestações mais comuns e precoces da obesidade (81): a baixa auto-
estima, a alteração da imagem corporal, a estigmatização social e os sintomas
depressivos podem ter uma repercussão negativa no desenvolvimento.
As crianças obesas tornam-se precocemente alvo de discriminação
sistemática. À medida que crescem, os efeitos da discriminação tornam-se
mais insidiosos, sofrendo a influência dos estereótipos culturais das sociedades
ocidentalizadas que associam a magreza à beleza.
Durante a adolescência, o excesso de peso e a obesidade constituem
frequentemente uma sobrecarga ao processo de desenvolvimento, podendo
resultar em problemas psicossociais graves (108). Muitos adolescentes com
excesso de peso são marginalizados do ponto de vista social e este isolamento
pode agravar as consequências emocionais e sociais do excesso de peso na
adolescência (109-111). Uma das possíveis consequências desta
discriminação é a possibilidade de as crianças obesas escolherem para amigos
crianças mais novas, menos propensas a discriminar e a emitir juízos de valor
(81).
Obesidade, auto-estima e imagem corporal
Alguns autores consideram que, apesar das conotações negativas da
obesidade, as crianças pequenas com excesso de peso não têm uma auto-
imagem negativa nem uma baixa auto-estima (112-113). No entanto, Davidson
demonstrou que crianças de 5 anos com excesso de peso, podem desde logo
começar a desenvolver uma auto-imagem negativa (114). Estudos envolvendo
adolescentes obesos revelaram níveis diminuídos de auto-estima associados
Introdução
- 57 -
com tristeza, sentimentos de solidão, nervosismo e comportamentos de risco
(30, 115-116). Os vários autores são unânimes em considerar que os
adolescentes obesos desenvolvem uma auto-imagem negativa que parece
persistir na vida adulta. A literatura na área da obesidade pediátrica tem, de
facto, revelado de uma maneira consistente que a obesidade nos jovens está
associada a uma baixa auto-estima (115, 117, 119) e a uma imagem corporal e
auto-conceito pobres (30, 116, 118-120). O sexo feminino com obesidade tem
consistentemente reportado uma auto-estima mais baixa quando comparado
com o masculino (121-122). Será que esta diferença entre géneros se deve ao
facto de a auto-imagem derivar essencialmente das mensagens parentais na
criança pequena, enquanto que no adolescente é influenciada crescentemente
pelos aspectos culturais?
A imagem corporal tem sido considerada uma componente importante do auto-
conceito e da saúde mental ao longo do ciclo de vida (123-126). O
desenvolvimento da imagem corporal resulta da interacção entre a auto-
avaliação corporal, as expectativas face ao corpo e a percepção das avaliações
dos outros (127). É significativamente influenciada pelo grau de auto-aceitação,
confiança social, assertividade e conhecimento do próprio (122). A construção
psicológica da imagem corporal inclui componentes cognitivas, de atitude,
afectivas, cinestéticas e sensoriais. Algumas das componentes afectivas e
cognitivas são fortemente influenciadas pela comparação do próprio corpo com
as representações internalizadas de estereótipos da aparência física
culturalmente determinados (128-132). Na adolescência a imagem corporal vai-
se modificando à medida que o corpo se transforma. Stunkard estudou os
determinantes das alterações / perturbações da imagem corporal na obesidade
e considerou a adolescência como o período da vida durante o qual estas
perturbações se desenvolvem (117). A insatisfação com o corpo, que constitui
uma medida da imagem corporal, tem tendência a aumentar ao longo da
Obesidade na adolescência
- 58 -
adolescência na rapariga e a diminuir no rapaz (133). Para Rosenblum, a
imagem corporal tem pouco a ver com o modo como os outros percepcionam o
corpo do próprio e, uma vez desenvolvida, mantém-se constante ao longo da
adolescência (124). No entanto, para outros autores (134), a imagem corporal
pode ser influenciada não apenas pela desejabilidade social culturalmente
determinada, mas também pelo sentimento de o adolescente se sentir ou não
atractivo, o que em parte deriva do modo como os outros o vêem. Uma imagem
corporal negativa pode traduzir-se por níveis elevados de insatisfação com o
corpo e é um fenómeno comum na população em geral, apesar de alguns
estudos indicarem que é mais marcado na adolescência, já que nesta idade a
imagem corporal se reveste de uma maior importância e suscita
frequentemente sentimentos negativos (135). A combinação de dois
fenómenos, por um lado uma aparência que está a sofrer transformações
rápidas e intensas, por outro a capacidade de elaborar conceitos abstractos e
raciocínios lógicos que caracterizam a aquisição do pensamento formal, coloca
o adolescente numa posição de particular vulnerabilidade que conduz a uma
preocupação excessiva e a uma avaliação frequentemente negativa do seu
próprio corpo e da opinião que os outros possam ter dele (136). A aparência
física pode afectar a imagem corporal, uma vez que a aparência funciona como
um forte estímulo tanto para a auto como para a hetero-avaliação (137). Para
explicar o impacto da aparência física no desenvolvimento, Lerner (138) propôs
o modelo do funcionamento circular. Dentro de uma perspectiva de interacção,
a aparência física de um indivíduo evoca respostas nos outros, as quais são
percepcionadas pelo indivíduo, influenciando por sua vez a percepção que tem
de si próprio. Os adolescentes que sejam considerados fisicamente não
atractivos irão com elevada probabilidade experienciar um feedback social
negativo através de críticas ou de troça (139). O adolescente obeso torna-se
por esta via particularmente vulnerável ao impacto que advém do feedback
Introdução
- 59 -
social da sua aparência, fruto de uma capacidade cognitiva e de introspecção
crescentes e do egocentrismo que caracteriza esta idade (140).
Obesidade e depressão
A associação entre excesso de peso e depressão foi já bem estudada. A
maioria dos autores sugere que a obesidade conduz à depressão. No entanto,
dado que a maioria dos estudos que têm sido estudos transversais (30, 110,
114, 116, 141-146), não permitem estabelecer a direcção causal desta
associação. Porém, Pine e col. (147) ao demonstrarem que a depressão na
infância estava associada a um aumento do IMC na vida adulta e que esta
associação se mantinha após controlo para os factores sócio-económicos,
forneceram uma evidência forte de que a depressão pode ser uma causa e não
apenas uma consequência da obesidade. Posteriormente, os estudos
longitudinais de Goodman (148) demonstraram que adolescentes com
depressão têm um risco aumentado de desenvolvimento e manutenção de
obesidade durante a adolescência.
Será importante incluir a dimensão da depressão nos projectos de
investigação-acção que tenham como objectivo o controlo do peso.
Compreender os determinantes partilhados de ordem biológica e social que
associam a depressão à obesidade pode informar a prevenção e o tratamento
das duas patologias.
Qualidade de vida
Mais recentemente, tem vindo a ser dada importância crescente ao conceito de
qualidade de vida relacionada com a saúde “Health-related quality of life”
(HRQOL), que se define como o impacto da saúde ou da doença no bem-estar
físico, mental e social, na perspectiva do doente (149-150). Trata-se de um
constructo multidimensional que inclui o funcionamento físico, emocional,
Obesidade na adolescência
- 60 -
psicossocial e escolar. Apesar de os pediatras acreditarem que ter excesso de
peso enquanto criança ou adolescente afecta a qualidade de vida futura (151),
há ainda pouca informação sobre a qualidade de vida relacionada com a saúde
das crianças e adolescentes obesos. Em 2003 Schwimmer e col. estudaram a
qualidade de vida relacionada com a saúde de crianças e adolescentes (5 a 18
anos) referenciados por obesidade grave (z-score médio do IMC de 2,6, o que
corresponde aproximadamente a um IMC de 38 no adulto) a um centro
especializado e compararam-na com a de crianças saudáveis e também com a
de crianças com doença oncológica sob quimioterapia. Concluíram que as
crianças com obesidade severa tinham pior qualidade de vida em todos os
domínios: físico, psicossocial, emocional e do funcionamento escolar, quando
comparados com o grupo das crianças e adolescentes saudáveis. A
probabilidade de uma criança obesa ter uma qualidade de vida diminuída foi
5,5 vezes superior à de uma criança saudável e semelhante à de uma criança
com doença oncológica (152). Estes resultados são surpreendentes se
pensarmos que, apesar de as crianças obesas serem alvo de limitações físicas
fruto do seu excesso de peso e também de estigmatização social, ao contrário
das crianças com doença oncológica, não estão expostas a múltiplas inter-
venções médicas intensivas com eventuais efeitos adversos subsequentes. As
crianças obesas referiam ainda 4 vezes mais dificuldades no funcionamento
escolar do que as crianças saudáveis. Revelavam também maior absentismo
escolar, o que foi já bem documentado em outras doenças crónicas com
expressão na idade pediátrica, tais como a diabetes e a asma bronquica (153-
154). Estes resultados são concordantes com o estudo de Mo-Suwan que
revelou que crianças tailandesas obesas frequentando os anos de escolaridade
7 a 9, tinham avaliações escolares 2 vezes mais baixas que os seus pares
(155). A obesidade na adolescência já tinha sido associada com menos anos
de escolaridade na mulher adulta (156). Caso as associações observadas na
amostra clínica de Schwimmer e col. se tivessem mantido verdadeiras para a
Introdução
- 61 -
população pediátrica com excesso de peso e obesidade em geral, dada a
elevada prevalência de obesidade, uma parcela significativa da população teria
uma qualidade de vida muito baixa devido ao seu excesso de peso.
Williams (157) estudou numa amostra comunitária de crianças dos 9 aos 12
anos a repercussão da obesidade na qualidade de vida, utilizando a mesma
medida de qualidade de vida de Schwimmer, e concluiu que a influência da
obesidade e do excesso de peso na qualidade de vida relacionada com a
saúde apesar de significativa, nomeadamente com repercussões negativas a
nível do funcionamento físico e social, era inferior aos valores encontrados por
Schwimmer na sua amostra clínica.
Fallon e colaboradores (158) também compararam o impacto da obesidade na
qualidade de vida em adolescentes caucasianos e em adolescentes de raça
negra (IMC: 41,7 ± 8,9 Kg/m
2
). Tanto em função das avaliações dos próprios
como das dos progenitores, a obesidade associou-se em ambos os grupos a
uma qualidade de vida inferior. No entanto, os adolescentes de raça negra
quando comparados com os caucasianos, apresentaram uma diminuição
menos marcada na qualidade de vida. Seria interessante investigar se as
diferenças na percepção da qualidade de vida influenciam ou não o sucesso
terapêutico.
Swallen e col. num estudo publicado no Pediatrics em 2005 (159) em que
utilizaram uma amostra nacional representativa dos EUA de adolescentes entre
os 12 e os 20 anos, concluíram que a obesidade na adolescência se associava
a uma pior qualidade de vida física mas não a um funcionamento mais pobre
do ponto de vista emocional, escolar ou social. No entanto, encontraram no
grupo específico dos 12-14 anos, uma associação entre excesso de peso/
obesidade e depressão. Os obesos desta idade também reportavam uma auto-
Obesidade na adolescência
- 62 -
estima mais baixa e um funcionamento escolar/social mais pobre quando
comparados com os adolescentes de 12-14 anos com IMC normal.
Medidas genéricas de HRQOL, tais como o “Child Health Questionnaire” (160)
ou as escalas genéricas do “Pediatric Quality of Life Inventoy” (PedsQL) (161),
contêm itens gerais que são aplicáveis a uma grande variedade de populações
e que permitem comparações entre grupos de patologias. No entanto, estes
instrumentos não se revelaram suficientemente específicos para fornecer
informação sobre questões particulares relacionadas com a qualidade de vida
associada a patologias específicas, por exemplo à obesidade em idade
pediátrica. Houve então necessidade de desenvolver instrumentos específicos,
com enfoque nos domínios, características e queixas mais relevantes inerentes
a cada patologia em particular. Foi assim que surgiram instrumentos
específicos para a asma (162), fibrose quística (163), diabetes (164), artrite
reumatóide juvenil (165) e, já mais recentemente, para a obesidade pediátrica.
O “Impact of Weight on Quality of Life-Kids” (IWQOL-Kids) é um instrumento de
27 itens que foi desenvolvido em 2005/2006 por Ronette Kolotkin para avaliar a
qualidade de vida relacionada com o peso em adolescentes dos 11 aos 19
anos (166). Foram identificados quatro domínios responsáveis por 71% da
variância: o bem-estar físico, a auto-estima (avalia o impacto do peso na
percepção que o adolescente obeso tem do seu próprio corpo e da sua
aparência), a vida relacional e as relações familiares. Fizemos a validação
deste instrumento para portugês com a colaboração da autora (167), e tê-mo-lo
utilizado na avaliação da qualidade de vida dos adolescentes obesos que
acompanhamos.
Introdução
- 63 -
Bem-estar físico
Em relação ao bem-estar físico, a escala avalia a percepção de como o peso
pode influenciar a mobilidade e o conforto na vida do dia a dia. É conhecido
quanto o desconforto físico afecta a vida dos adultos obesos (168-169). No
entanto, até à data, desconhecem-se estudos que documentem
especificamente o impacto do desconforto físico na vida dos adolescentes
obesos.
Vida relacional
O domínio da vida relacional avalia a interacção social, sobretudo a nível do
grupo de pares. Os adolescentes obesos têm revelado um maior isolamento do
ponto de vista social e um menor número de amigos comparativamente aos
seus pares não obesos (30, 110, 116). Vários estudos demonstraram que as
crianças incorporam desde muito cedo as preferências culturais pela magreza.
Pelos 10-11 anos já preferem ter como amigas outras crianças, eventualmente
com alguma dificuldade especial, em vez de crianças com excesso de peso
(170). Também entre os 6 e os 10 anos já associam a obesidade a uma grande
variedade de características negativas, tais como a preguiça e o desmazelo
(171). Pensa-se que a estigmatização social associada à obesidade pode
originar um mal-estar crónico, sentimentos de vergonha e até de culpa, os
quais por sua vez poderão conduzir a perturbações afectivas (172). Alguns
estudos revelaram que os adolescentes obesos também reportam mais
vitimização pelos seus pares (173), por exemplo, através dos nomes que lhes
são atribuídos ou por serem alvo sistemático de troça (teasing) por parte dos
colegas (174-178).
Os adolescentes obesos do sexo feminino tendem a tornar-se em média
adultos com salários mais baixos, risco acrescido de pobreza, taxas superiores
de desemprego e maior dificuldade de relacionamento com o companheiro
Obesidade na adolescência
- 64 -
(179-180). Os adolescentes obesos do sexo masculino têm menos
probabilidade de vir a casar quando adultos (181). A obesidade no adolescente
e no jovem tem sido apontada mais como causa do que consequência do
estatuto socio-económico (179, 181). No entanto, segundo Strauss, os filhos de
mães obesas com baixo estatuto sócio-económico e vivendo em meios
intelectualmente pouco estimulantes, têm um risco elevado de desenvolver
obesidade (182). Por outro lado, a obesidade limitada à infância parece ter
pouco impacto relativamente a consequências negativas na idade adulta,
sugerindo que a adversidade social relacionada com a obesidade se
desenvolve após a infância (180).
Relações familiares
O domínio da vida familiar avalia o contexto familiar do adolescente obeso e
como este percepciona o modo como o seu peso influencia as suas
interacções com os diversos elementos da família.
A literatura sobre as correlações familiares da obesidade pediátrica, apesar de
escassa, aponta para maiores dificuldades psicossociais nos adolescentes
obesos que estabelecem ligações familiares mais fracas (183). A troça
(teasing) por parte de elementos da família foi identificada como um dos
factores associados ao excesso de peso (177). Em famílias com adolescentes
obesos foi também descrita uma maior prevalência de um nível baixo de
coesão familiar (184). Foi ainda descrita a associação entre obesidade e
negligência parental (185).
O nível de actividade física dos pais foi identificado como factor fortemente
influenciador do grau de actividade física da criança. Filhos de mães
fisicamente activas demonstraram duas vezes mais probabilidade de ser
activos. Quando ambos os progenitores eram activos essa probabilidade
Introdução
- 65 -
aumentava 5,8 vezes (186). Entre as razões que têm sido apontadas para
explicar este facto incluem-se o papel dos pais enquanto modelos (parents
serving as role models) e o reforço positivo e suporte que pais activos podem
constituir para os seus filhos. Nas intervenções terapêuticas comportamentais,
a modificação do z-score do IMC dos pais demonstrou ser um factor preditivo
da modificação efectiva do z-score do IMC da criança obesa, uma vez
controladas as outras variáveis (187).
O estilo parental (tanto na vertente da autoridade como na da afectividade),
aliás tal como se tem verificado em outros domínios da adolescência (188-189),
pode também influenciar a evolução do controlo do peso na criança. Em
programas de intervenção sistémica com envolvimento familiar, estilos
permissivos foram associados a uma menor redução da carga obesogénica (ou
seja, promotora de obesidade) do ambiente familiar e a uma menor eficácia na
perda de peso (190). Em programas de orientação cognitivo-comportamental
também com envolvimento familiar, a percepção do jovem obeso, na sequência
da intervenção, de uma maior aceitação por parte da figura paterna esteve
associada a um maior sucesso no controlo de peso (191).
Interface entre obesidade e distúrbios de comportamento alimentar
Os estudos de Leon (192) demonstraram que uma maior proporção de
emoções negativas (nomeadamente, uma maior reactividade ao stress), uma
auto-consciência pobre (dificuldade em identificar e distinguir estados
emocionais e sentimentos) e uma dificuldade em controlar os impulsos,
constituem factores etiológicos importantes para o desenvolvimento de
distúrbios que vão desde a anorexia à obesidade. A incapacidade em
compreender os sentimentos torna difícil o desenvolvimento de respostas
adaptativas. Assim, através da mediação de uma variedade de influências
pessoais, familiares e culturais, a restrição severa de comida ou o seu
Obesidade na adolescência
- 66 -
consumo em excesso para lidar com estados emocionais negativos ou
indistintos, pode levar à aprendizagem de que estes processos constituem uma
boa forma de os ultrapassar, o que por sua vez favorece a perpetuação do
ciclo. Algumas pessoas obesas são incapazes de distinguir entre estarem
assustadas, zangadas ou com fome, podendo entender todos estes estados e
sensações como significando fome, o que as leva a comer em excesso sempre
que se sentem perturbadas. A combinação de uma consciência interior
empobrecida e competências sociais fracas pode conduzir a que estas
pessoas, quando perturbadas, não consigam gerir e apaziguar os seus
sentimentos, com eventual desencadeamento de uma perturbação do
comportamento alimentar (193).
A adolescência é uma fase do desenvolvimento em que o aspecto exterior se
reveste de uma importância extrema, funcionando como a “chave” para o
relacionamento com os outros. A comparação e identificação com o grupo de
pares torna-se determinante e o adolescente vê-se “como se estivesse sempre
em cena” (194), com os olhares dos espectadores centrados no seu ponto mais
fulcral, o corpo. É importante para qualquer adolescente que desenvolva as
suas competências a nível emocional e social. Para o adolescente obeso será
porventura ainda mais importante, o que é possível constatar tendo como base
o modelo de Bar-On (195). Este autor caracteriza a Inteligência Emocional e
Social como sendo um conjunto de capacidades não cognitivas, competências
e habilidades que influenciam a capacidade de se ser bem sucedido em lidar
com as exigências e pressões ambientais. Analisando as componentes da
inteligência emocional segundo este modelo, verifica-se que é extremamente
importante o desenvolvimento da auto-estima (habilidade para se aceitar a si
mesmo e respeitar), do optimismo (habilidade para olhar para o lado positivo da
vida e manter uma atitude positiva, mesmo perante adversidades), da
felicidade (habilidade para se sentir satisfeito com a sua vida, para gostar de si
Introdução
- 67 -
e dos outros, para ter prazer e expressar emoções positivas) e da
responsabilidade social (habilidade para conseguir superar as eventuais
frustrações ligadas ao corpo, através da valorização e aceitação dos aspectos
positivos inerentes a si próprio, à sua vida e ao seu papel na sociedade).
Prevenção e Tratamento
Nesta lógica, a prevenção e o tratamento da obesidade adolescente deverão,
desejavelmente, contemplar a aquisição de competências emocionais que
ajudem os adolescentes a identificar os seus sentimentos e a aprender formas
de se auto-controlar e de conseguir gerir melhor os seus impulsos e relações,
sem que para isso tenham de recorrer a hábitos alimentares prejudiciais,
nomeadamente, comer em excesso. Porque o todo é sempre maior do que a
soma das partes, o que defendemos é a promoção do bem-estar global do
adolescente obeso de modo a que se sinta melhor consigo próprio tanto a nível
físico como psicológico. Assim, as intervenções nesta área não deverão
apenas ter em linha de conta o controlo do peso e a promoção das
competências sociais mas também, um melhor entendimento da fase do
desenvolvimento em que o adolescente se encontra e das transformações que
estão a ocorrer (196). Essas intervenções têm de ser extremamente prudentes,
passando, acima de tudo pela ajuda na procura de um estilo de vida saudável
(197). Não é desejável perder peso de uma forma drástica ou perdê-lo para
voltar a ganhá-lo. A modificação de atitudes e comportamentos relacionados
com a dieta alimentar a que estes adolescentes se submetem, pode acabar por
ficar associada a uma preocupação demasiado intensa com a alimentação. As
pesagens sucessivas, uma focalização doentia sobre o conteúdo calórico dos
alimentos ou uma prática excessiva de exercício físico com o objectivo de
perder peso, são prejudiciais e podem ser indiciadoras de um distúrbio do
comportamento alimentar (198). Os pais, enquanto elementos fulcrais do
Obesidade na adolescência
- 68 -
sistema familiar podem ter uma influência determinante no desenvolvimento
deste tipo de situações (199-201).
Duas perspectivas teóricas, a da resiliência e a da auto-determinação poderão
influenciar de um modo determinante a prevenção e tratamento da obesidade
adolescente.
A primeira baseia-se no processo dinâmico que diz respeito à adaptação
positiva num contexto de adversidade. Estão implícitas neste conceito duas
situações: a exposição a uma ameaça significativa ou a uma adversidade
severa; e uma capacidade de adaptação positiva, apesar de adversidades
importantes no processo de desenvolvimento (202-206). Pela vulnerabilidade
acrescida que a obesidade representa no desenvolvimento do adolescente e
por se tratar de uma doença crónica, a obesidade deverá ser considerada uma
adversidade major. Há uma evidência crescente de que os adolescentes com
doença crónica têm uma probabilidade acrescida de se envolver em
comportamentos de risco quando comparados com os seus pares saudáveis
(207), o que nos poderá levar a concluir que o adolescente obeso e com
excesso de peso também se inscreva neste padrão. A psicopatologia do
desenvolvimento tem vindo a aplicar as descobertas da investigação nesta
área no desenho de intervenções em diversos grupos de risco (208-210).
Apesar de este domínio ainda não ter sido desenvolvido por outros autores,
parece-nos fazer todo o sentido considerar os adolescentes obesos como um
desses grupos de risco. Um melhor entendimento dos factores protectores na
vida do adolescente poderia influenciar as estratégias de intervenção na área
da obesidade adolescente, em nosso entender, muito positivamente.
A teoria da auto-determinação (211) tem estudado as determinantes sociais e
contextuais que facilitam ou, pelo contrário, dificultam os processos naturais da
Introdução
- 69 -
auto-motivação e de um desenvolvimento psicológico saudável. Foram
identificados factores que estimulam e outros que, pelo contrário, dificultam a
motivação intrínseca, a auto-regulação e o bem-estar. Esta teoria definiu três
necessidades psicológicas inatas: a competência, a autonomia e a relação, as
quais uma vez satisfeitas vão estimular a auto-motivação e melhorar a saúde
mental, e quando não satisfeitas conduzem a uma motivação e bem-estar
diminuídos. A nível da prevenção torna-se evidente a necessidade de encontrar
estratégias que permitam estimular e facilitar os processos de auto-motivação
(212). Por outro lado, quanto mais saudável for a saúde mental do adolescente
obeso e maior a sua motivação, mais probabilidade teremos de sucesso a nível
da intervenção terapêutica.
O pediatra, enquanto médico da criança e da sua circunstância e mediador em
tudo quanto é promoção de bem-estar para a criança, deverá ter um papel
activo de interventor nas fases mais precoces de risco (213), nomeadamente
na vida pré-natal, no primeiro ano de vida e na adolescência.
Obesidade na adolescência
- 70 -
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15. Padez C, Fernandes T, Mourão I. Prevalence of overweight and obesity in
7-9 year-old Portuguese children: Trends in body mass index from 1970-2002.
Am J Hum Biol 2004; 16: 670-78.
16. Obesidade, Prevenção e Terapêutica. 1ª ed. Lisboa: Sociedade Portuguesa
para o Estudo da Obesidade e Editorial Presença eds, 2008.
Obesidade na adolescência
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Obesidade na adolescência

  • 1. UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA Obesidade na Adolescência Um contributo para a melhor compreensão dos factores psicossociais associados à obesidade e excesso de peso nos adolescentes portugueses Maria Helena Regalo da Fonseca Doutoramento em Medicina Especialidade de Pediatria Tese de Doutoramento orientada pela Profª Doutora Margarida Gaspar de Matos e co-orientada pelos Prof. Doutor João Gomes Pedro e Prof. Doutor António Guerra
  • 2. Dissertação de candidatura ao grau de Doutor apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. As opiniões expressas nesta publicação são da exclusiva responsabilidade do seu autor.
  • 3. A impressão desta dissertação foi aprovada pela Comissão Coordenadora do Conselho Científico da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa em reunião de 18 Novembro de 2008.
  • 4.
  • 5. À memória de minha mãe, ao meu pai. Ao Rui. Ao Miguel, Gonçalo, e Manuel. À minha irmã. Aos adolescentes que tenho acompanhado.
  • 6.
  • 7. ÍNDICE Preâmbulo ...................................................................................................................................................................... 9 Resumo ............................................................................................................................................................................. 17 Summary .......................................................................................................................................................................... 31 Capítulo 1. Introdução ........................................................................................................................................ 43 Capítulo 2. Objectivos e Plano de Trabalho .................................................................................. 97 Capítulo 3. Enquadramento do estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) no Projecto de Investigação ............................................................................. 109 Capítulo 4. Obesidade na adolescência: Um contributo para a melhor compreensão dos factores psicossociais associados à obesidade e excesso de peso nos adolescentes portugueses ............................................................................................. 135 4.1. Identificação dos principais factores influenciadores da imagem corporal nos adolescentes obesos e com excesso de peso e estudo dos estilos de vida e factores psicossociais associados ........................................ 137 4.1.1. Identificação dos factores associados à percepção de excesso de peso e obesidade e identificação dos principais factores que explicam a imagem corporal nos adolescentes obesos e com excesso de peso ........................................................................................ 139
  • 8. 4.1.2. Caracterização dos comportamentos de saúde e de risco, incluindo o consumo de álcool, associados ao excesso de peso e obesidade e identificação dos indicadores psicossociais que podem distinguir os adolescentes obesos e com excesso de peso dos seus pares .................................................................................................................... 165 4.2. Estudo das correlações entre excesso de peso e comportamentos não saudáveis de controlo de peso e exploração de possíveis variáveis associadas ........................................................................................................................................................... 191 4.3. Estudo das correlações emocionais, comportamentais e sociais dos valores omissos de IMC .............................................................................................................. 213 4.4. Estudo da validade do IMC baseado no auto-reporte do peso e da estatura e determinação dos factores preditivos mais relevantes que a possam influenciar ....................................................................................................................... 237 4.5. Estudo dos comportamentos de saúde associados ao excesso de peso em 8 anos do estudo HBSC em Portugal ...................................................... 257 Capítulo 5. Discussão geral e conclusões .................................................................................... 283
  • 10.
  • 11. Preâmbulo - 11 - A presente tese resulta da integração de um conjunto de trabalhos de investigação no âmbito do estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), sob orientação da Professora Doutora Margarida Gaspar de Matos. Foi um projecto de investigação desenvolvido exercendo funções, primeiro como Assistente Hospitalar Graduada da Unidade de Adolescentes e, posteriormente, como Chefe de Serviço do Departamento da Criança e da Família do Centro Hospitalar Lisboa Norte, Hospital de Santa Maria, em regime de acumulação com as funções de Assistente Convidada a 40% de Pediatria da Faculdade de Medicina de Lisboa. O meu interesse pelo ensino e pela investigação foi despertado bem cedo, ainda enquanto aluna do 1º ano do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, quando integrei um grupo de estudo sobre Erros Inatos do Metabolismo orientado pelo Prof. Doutor M. Júdice Halpern, no âmbito da disciplina de Bioquímica. Na sequência do trabalho desenvolvido fomos ao Forum des Jeunes na Universidade de Montpellier (1975). Posteriormente, enquanto aguardava a data do Concurso de Admissão ao Internato Complementar, leccionei como Assistente Convidada as disciplinas de Anatomia e de Patologia, respectivamente aos 1º e 4º anos do Curso de Farmácia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (1983/84 e 1984/85). No ano lectivo de 1985/86 assumi funções de Assistente Convidada da disciplina de Farmacologia e Terapêutica Geral da Faculdade de Medicina de Lisboa, tendo em 2006 transitado para a disciplina de Pediatria I. No entanto, só vários anos após ter adquirido formação na área da Medicina da Adolescência que incluiu a obtenção do grau de Mestre pela Universidade de Minnesota, com a defesa da tese intitulada “Familial Correlates of Extreme Weight Control Behaviors Among Adolescents”, é que se tornaria possível continuar um percurso em investigação. Regressada da Universidade de
  • 12. Obesidade na adolescência - 12 - Minnesota, entendi como prioridade o desenvolvimento da Unidade de Adolescentes no Departamento e da Medicina da Adolescência a nível nacional. Entendo a Medicina da Adolescência não como uma sub-especialidade, mas como uma componente específica que consubstancia uma formação especializada de profissionais que sabem entender o adolescente num contexto global, essencialmente preventivo, e orientá-lo no sentido da educação para a saúde. Ao optar pela via da actividade de investigação integrada na actividade clínica hospitalar, rapidamente me deparei com as dificuldades inerentes e que explicam este hiato de tempo tão grande que mediou entre a aquisição do grau de Mestre e a submissão desta tese de Doutoramento. A escolha do tema de dissertação desta tese surgiu como um corolário natural à minha formação académica e actividade clínica. De entre os vários factores que se associaram para determinar esta opção, realçaria três: a formação em Medicina da Adolescência, o tema de investigação desenvolvido para a tese de Mestrado e a vivência continuada nas Consultas de Adolescentes e de Obesidade Pediátrica, que coordeno. Para além do interesse, actualidade e relevância científica do tema, fascinou- me tentar perceber melhor os factores psicossociais associados à obesidade e em que medida é que a obesidade pode influenciar/modelar o desenvolvimento de um adolescente. Uma vez seleccionado o objecto de estudo, foi necessário estabelecer uma colaboração sólida com um grupo de referência nesta área, a equipa do Projecto Aventura Social e Saúde da Faculdade de Motricidade Humana, responsável pelo estudo HBSC em Portugal (estudo integrante da
  • 13. Preâmbulo - 13 - Organização Mundial de Saúde), coordenado pela Professora Doutora Margarida Gaspar de Matos. O desenvolvimento desta parceria viria permitir lançar as bases de uma linha de investigação integradora da investigação epidemiológica (sustentada numa base de dados nacional inserida numa rede internacional, mais ampla, de 41 países) com a experiência acumulada de vários anos de acompanhamento de adolescentes obesos. O envolvimento nos trabalhos que integram esta tese tem sido para mim motivo de inesgotável interesse científico. Nesta oportunidade, gostaria de relembrar os Mestres que tive ao longo da vida, os Mestres da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, onde me licenciei e os Mestres com quem fui tendo o privilégio de trabalhar na Faculdade de Medicina de Lisboa e no Serviço de Pediatria do Hospital de Santa Maria, nomeadamente, os meus ex-Directores, Professora Doutora Maria de Lourdes Levy e Professor Doutor Jaime Salazar de Sousa. Recordo ainda com gratidão tudo o que aprendi com o Professor Robert Wm. Blum, durante longos anos Director da Division of General Pediatrics and Adolescent Health, Department of Pediatrics, Medical School, University of Minnesota, e com o meu orientador de Mestrado nesta Universidade, o Professor Michael Resnick. Gostaria de expressar a minha gratidão à Professora Doutora Margarida Gaspar de Matos, minha orientadora, cuja influência foi determinante para a realização desta tese, e aos meus dois co-orientadores: o Professor Doutor J. Gomes Pedro, Director do meu Departamento, e o Professor Doutor António Guerra, da Faculdade de Medicina do Porto.
  • 14. Obesidade na adolescência - 14 - À Professora Doutora Margarida Gaspar de Matos, expresso o meu mais elevado reconhecimento. Em primeiro lugar por ter aceite orientar esta tese, apesar das suas inúmeras responsabilidades académicas e na área da coordenação do estudo HBSC em Portugal. Foi para mim um privilégio ter tido oportunidade de trabalhar ao longo deste últimos anos neste projecto de investigação com a Professora Margarida Gaspar de Matos. No decurso da sua supervisão, contei sempre com a sua disponibilidade e compreensão. O seu rigor científico, a pertinência das suas observações e o seu estimulante espírito criativo em muito contribuíram para que a discussão dos trabalhos se transformasse em momentos altamente enriquecedores. Os seus contributos foram determinantes para a aquisição de uma perspectiva integrada das várias componentes desta tese. Ao Professor Doutor J. Gomes Pedro, Director do Departamento da Criança e da Família do Centro Hospitalar Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria, estou profundamente grata pelo suporte pessoal e institucional que sempre deu às opções que fui fazendo. Para além de ter sido um impulsionador desta tese, revelou sempre um grande interesse pelo prosseguimento dos trabalhos. O seu incentivo, particularmente nos momentos mais difíceis, foi determinante para a concretização desta tese. Gostaria ainda de agradecer ao Professor J. Gomes Pedro, pioneiro em diversas áreas da Pediatria e do Ensino Médico, o privilégio de trabalhar no Departamento do qual é Director e ter chegado a Chefe de Serviço sob a sua Direcção. Considero-o uma referência incontornável da Pediatria portuguesa e o pai de uma nova Pediatria mais em sintonia com a realidade do nosso século. Ao Professor António Guerra, grande especialista na área da Nutrição Pediátrica, gostaria de agradecer a prontidão com que acedeu a ser co- orientador desta tese, a contribuição específica que deu para o seu desenho e
  • 15. Preâmbulo - 15 - conceptualização, bem como a sua importante colaboração através de ideias e discussões que em muito a vieram a enriquecer. À equipa multidisciplinar com quem tenho tido o privilégio de trabalhar na Consulta Externa de Pediatria e por quem tenho uma grande estima: Dr. Pedro Ferro Meneses, Dr. Pedro Dias Ferreira, Prof. Doutor Miguel Oliveira da Silva, Drª Sandra Martins, Dr. António L. Palmeira, Drª Lurdes Sampaio, Drª Carla Pereira, Enfermeira Elsa Pereira e Assistente Social, Drª Sofia Pereira. Temos conseguido ser uma equipa coesa que acredita que vale a pena fazer mais e melhor em prol da saúde e do bem-estar do adolescente.
  • 16.
  • 18.
  • 19. Resumo - 19 - A obesidade é uma doença crónica, multifactorial e multisistémica. A elevada prevalência de obesidade na adolescência e as suas consequências físicas e psicossociais graves, transformaram a obesidade num dos maiores problemas contemporâneos de saúde pública. Para além das consequências médicas da obesidade, já bem identificadas, tem vindo a ser dada na literatura ao longo da última década, uma importância crescente às complicações do foro comportamental e psicológico que constituem as manifestações mais comuns e precoces da obesidade: a baixa auto-estima, uma imagem corporal desfavorecida, a estigmatização social e a depressão, podem exercer uma profunda repercussão negativa no desenvol- vimento do adolescente. Durante a adolescência, o excesso de peso e a obesidade constituem frequentemente uma sobrecarga ao processo de desenvolvimento, podendo resultar em problemas psicossociais graves. Os adolescentes com excesso de peso e obesidade expressam preocupações ligadas ao peso com mais frequência, envolvendo-se mais em comportamentos prejudiciais para a saúde, tais como dietas crónicas e voracidade alimentar. Mais recentemente, vários autores demonstraram que a obesidade da criança e do adolescente está associada a uma qualidade de vida inferior nos domínios físico, psicossocial, emocional, e do funcionamento escolar, quando comparada com a de crianças e adolescentes não obesos de idade semelhante. A obesidade adolescente constitui, por múltiplas razões, um modelo privile- giado de estudo para quem se dedica à saúde do adolescente, de entre as quais se poderá destacar:
  • 20. Obesidade na adolescência - 20 - 1. O facto de se tratar de uma doença crónica com um grande impacto na imagem corporal, o que leva a que as questões relacionadas com a imagem corporal que surgem habitualmente na puberdade ganhem uma maior dimensão; 2. As consequências das co-morbilidades mais significativas, apesar de ocorrerem com maior frequencia no adulto, podem já ter lugar na idade pediátrica; 3. As co-morbilidades psicossociais, sendo as mais comuns e precoces, são frequentemente desvalorizadas tanto pelos pais como pelos profissionais, apesar de poderem ter uma influência negativa determinante no desenvolvi- mento do adolescente. Nesta perspectiva, torna-se particularmente atractivo estudar os factores psicossociais associados à obesidade e excesso de peso na adolescência para que, compreendendo-os melhor, os possamos incluir no desenho de programas de prevenção e de tratamento. Com o objectivo de compreender melhor a obesidade adolescente fomos, com base nos dados portugueses do Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), identificar os indicadores psicossociais e de estilo de vida que distinguem os adolescentes obesos e com excesso de peso dos seus pares. O HBSC é um estudo colaborativo da Organização Mundial de Saúde iniciado em 1982, envolvendo actualmente 41 países. O objectivo do estudo, que se realiza cada quatro anos, é conhecer os comportamentos e estilos de vida dos adolescentes em idade escolar, nos diferentes contextos da sua vida. Em Portugal foi efectuado em 1998, 2002 e 2006, tendo envolvido 6903, 6131 e
  • 21. Resumo - 21 - 4877 adolescentes, respectivamente de 11, 13 e 15 anos em média, correspondendo aos 6º, 8º e 10º anos de escolas públicas nacionais, de modo a obter uma amostra representativa da população escolar para alunos destes níveis de ensino a frequentar o ensino regular em Portugal continental. As escolas foram seleccionadas aleatoriamente da lista fornecida pelo Ministério da Educação, estratificada pelas cinco regiões escolares do país. De acordo com o protocolo de aplicação do questionário, a técnica de escolha da amostra foi a “cluster sampling” e a unidade de análise foi a turma. Os adolescentes portugueses definidos como obesos (com um índice de massa corporal - IMC - baseado no peso e estatura auto-reportados, igual ou superior ao P95 para a idade e sexo), quando comparados com os seus pares não obesos, revelaram-se menos activos do ponto de vista físico, referiram mais vezes estar em dieta com o objectivo de perder peso (sobretudo o sexo feminino), consideraram mais frequentemente ter pior aparência, ser menos saudáveis e ter mais dificuldade em fazer amigos. Foi possível identificar os principais factores que explicam o modo como os adolescentes se vêem a si próprios, funcionando assim como factores preditivos da imagem corporal. Avaliou-se a imagem corporal utilizando um instrumento que consiste numa sequência de 7 silhuetas do sexo feminino e outras 7 do sexo masculino que evoluem progressivamente da magreza para um excesso de peso marcado. Esta escala de 7 pontos foi categorizada em três grupos (magreza, normalidade e excesso de peso). Os adolescentes com valores de IMC mais elevados assim como os que estavam a fazer dieta para perder peso, identificaram-se mais com as imagens correspondentes ao excesso de peso. Os mais novos identificaram-se também mais frequentemente com as imagens correspondentes ao excesso de peso, o que é concordante com o facto de tanto a obesidade como o excesso de peso terem
  • 22. Obesidade na adolescência - 22 - sido mais prevalentes no grupo dos mais jovens (11 e 13 anos). Através de uma regressão linear múltipla exploramos possíveis factores associados à percepção da imagem corporal. A idade, o comportamento de dieta, a percepção de uma aparência física com excesso de peso e o IMC associaram- se significativamente com a percepção da imagem corporal. O IMC, o comportamento de dieta e a percepção de uma aparência física com excesso de peso revelaram-se positivamente associados, enquanto a idade se associou negativamente. Uma percepção frequentemente inadequada da necessidade de fazer dieta, uma avaliação precária da sua saúde e um potencial isolamento social, colocam o adolescente obeso e com excesso de peso num risco acrescido para a sua trajectória de desenvolvimento. Através do questionário HBSC não é possível a não ser indirectamente avaliar da qualidade de vida dos adolescentes obesos. Houve, no entanto, neste estudo possibilidade de incluir um indicador que consideramos poder dar um contributo importante para a avaliação da qualidade de vida relacionada com a saúde. Trata-se da Escada de Cantril que com os seus 10 degraus (em que o degrau 10 representa a melhor vida possível e o degrau 0, a pior possível), permite avaliar o grau de satisfação com a vida. Os adolescentes obesos e com excesso de peso quando interrogados sobre qual o degrau da escada onde se situavam no momento, colocaram-se num degrau mais baixo comparativamente aos seus pares sem excesso de peso. Este resultado é concordante com estudos anteriores que avaliaram a qualidade de vida dos adolescentes obesos. Este estudo revelou-se único no que diz respeito à avaliação da exposição dos adolescentes obesos a padrões de risco de consumo de álcool. De acordo com
  • 23. Resumo - 23 - os resultados encontrados, os adolescentes obesos reportaram mais frequentemente do que os seus pares, consumir diariamente álcool e ter estado mais vezes embriagados. Apesar de já diversos autores terem estudado os factores psicossociais associados à obesidade na adolescência, este estudo propõe o conceito de que a obesidade é semelhante a outras doenças crónicas na adolescência, em particular no que respeita aos padrões de consumo de álcool. Há uma evidência crescente de que os adolescentes com doença crónica têm uma probabilidade acrescida de se envolverem em comportamentos de risco quando comparados com os seus pares saudáveis, o que nos poderá levar a concluir que o adolescente obeso e com excesso de peso também se inscreva neste padrão. Torna-se necessário um conhecimento mais profundo dos aspectos psicossociais associados à obesidade, bem como do significado de crescer e tornar-se adulto, quando se é obeso. De que modo é que a experiência de se ter peso a mais enquanto adolescente, influencia a capacidade individual de envolvimento em redes sociais próprias da idade? Serão os esforços desenvolvidos para a construção da identidade afectados pelo facto de o adolescente ser obeso? Verificou-se que os comportamentos não saudáveis de controlo de peso foram mais frequentemente reportados pelos adolescentes que estavam em dieta e por aqueles que, apesar de não estarem, referiram considerar que necessitariam. Verificou-se ainda que estes comportamentos aumentavam na mesma proporção do aumento da percepção do peso. Os nossos resultados indicam que, genericamente, os adolescentes com excesso de peso se
  • 24. Obesidade na adolescência - 24 - envolvem mais, tanto em comportamentos saudáveis como não saudáveis de controlo de peso. Verificamos ainda que estes dois tipos de comportamentos foram mais comuns no sexo feminino. Os comportamentos não saudáveis de controlo de peso foram mais prevalentes entre os mais novos e entre os adolescentes que referiam consumir álcool diariamente. Esta última correlação é facilmente interpretada à luz do efeito de cluster dos vários comportamentos de risco. Na prática clínica diária, a identificação de um consumo diário de álcool num adolescente com excesso de peso poderá alertar-nos para a possibilidade de estarmos perante comportamentos não saudáveis de controlo de peso. No âmbito clínico, ainda não faz parte da prática corrente o rastreio sistemático de comportamentos de controlo de peso, à excepção de quando o adolescente apresenta magreza. Os resultados desta investigação apontam para a necessidade de consciencializar os clínicos de que os comportamentos não saudáveis de controlo de peso constituem uma estratégia de controlo do peso bastante comum. Porque se associam com riscos médicos e psicológicos importantes para a saúde, dever-se-á preconizar o seu rastreio nas consultas de rotina. Uma atenção particular será necessária quando se estiver a acompanhar adolescentes com maior risco de perturbação do comportamento alimentar, o que inclui necessariamente os adolescentes com excesso de peso e obesidade. Um dos desafios de fazer investigação utilizando o peso e a estatura auto- reportados para cálculo do IMC, prende-se com a eventual ausência de dados. No entanto, pouca atenção tem sido dada àqueles que sistematicamente ficam fora da análise por não terem reportado o seu peso e/ou estatura. Dos 6131 adolescentes que no ano de 2002 completaram o questionário, 661 (10,8%) não reportaram o seu peso e/ou estatura. O género não esteve associado com
  • 25. Resumo - 25 - a omissão de dados. Em contrapartida, conseguiu-se identificar um vasto leque de factores preditivos de valores omissos do IMC: a idade inferior a 14 anos, um estilo de vida sedentário, a insatisfação com a imagem corporal, a ausência ou inexistência de figura paterna, a ausência de amigos do sexo oposto e uma percepção de baixo rendimento escolar. O factor preditivo mais potente de um não reporte de peso e/ou estatura foi a idade mais jovem. Neste estudo, os adolescentes que foram excluídos da análise fruto de ausência de valores de peso e/ou estatura, revelaram ainda ter uma ligação mais fraca aos pais e amigos. A presença de figura paterna e a existência de amigos do sexo oposto, estiveram associados a uma redução para metade da probabilidade de valores omissos de peso e/ou estatura. Com o objectivo de rastrear o excesso de peso e a obesidade, o peso e a estatura auto-reportados são frequentemente utilizados nos estudos epidemiológicos em alternativa à avaliação antropométrica directa, tanto por razões de conveniência como de custo. Contudo, não tem havido concordância entre os diversos autores no que respeita à validade dos dados auto- reportados. Dada a controvérsia, pretendemos avaliar numa subpopulação de uma amostra nacional significativa de adolescentes portugueses, a validade do IMC baseado no peso e estatura auto-reportados, utilizando o IMC calculado a partir do peso e estatura objectivos como a medida standard. Com o mesmo sub-estudo pretendeu-se ainda examinar se o grau de concordância era influenciado por potenciais variáveis, tais como a idade, o género, o grau de escolaridade e a imagem corporal. Para este estudo específico, foram incluídos alunos a frequentar os 6º, 8º e 10º anos de 12 escolas públicas nacionais (26 turmas) seleccionadas aleatoriamente da lista de escolas que participaram no Estudo HBSC de 2006, com estratificação por região e proporcionalmente à dimensão de cada Divisão Regional: três escolas da região norte, três da região de Lisboa, três da região centro, uma da região do Alentejo e duas do
  • 26. Obesidade na adolescência - 26 - Algarve. Foram estudados no total 462 alunos (233 raparigas, 229 rapazes), com uma idade média de 14.0 ± 1.9 anos, 32,4% a frequentar o 6º ano, 32,6% o 8º e 30,5% o 10º ano, correspondendo aproximadamente a 10% da amostra nacional do Estudo HBSC de 2006. Não houve diferenças significativas entre os dois sexos no grau de inexactidão do auto-reporte do peso. No entanto, o sexo feminino reportou a estatura de um modo mais inexacto que o masculino, com valores significativamente superiores aos valores objectivos. Apenas a população masculina mais jovem tendeu a sobre-estimar o seu IMC. Apesar de o IMC baseado no peso e estatura auto-reportados ter sido inferior em ambos os sexos ao IMC calculado a partir do peso e da estatura medidos, a prevalência de excesso de peso e obesidade baseada no auto-reporte comparada com a baseada nos valores medidos não foi significativamente diferente. Este estudo sugere que a utilização do IMC baseado no peso e a estatura auto-reportados, pode constituir um instrumento fiável para a identificação de adolescentes obesos e com excesso de peso em estudos de larga escala. Em complemento das análises anteriores, fomos estudar os comportamentos ligados à saúde em função do IMC na amostra dos três estudos HBSC (1998, 2002 e 2006). Esta análise constitui o retrato mais completo à data, da saúde e dos comportamentos de saúde e de risco associados ao excesso de peso dos adolescentes portugueses dos 11 aos 16 anos (17024 estudantes) ao longo de um período de oito anos. Foi encontrada uma associação significativa entre o excesso de peso e uma percepção de rendimento escolar abaixo da média. Não se encontrou uma
  • 27. Resumo - 27 - diferença significativa entre o grupo de adolescentes com peso normal e o grupo de adolescentes com excesso de peso no que respeita à actividade física extra-curricular. Os adolescentes com excesso de peso expressaram mais frequentemente dificuldades relacionadas com a sua saúde física e emocional quando comparados com os seus pares de peso normal. Consideraram também mais frequentemente que a sua saúde era razoável ou má, descreveram-se mais vezes como infelizes e reportaram mais frequentemente irritabilidade ou mau feitio. Ao longo das três anos do estudo HBSC, os adolescentes com excesso de peso expressaram consistentemente estar a fazer dieta com o objectivo de perder peso, mais frequentemente do que os seus pares não obesos. Encontramos um número importante de adolescentes que, apesar de terem um IMC normal com base no peso e estatura auto-reportados, referiam estar a fazer dieta com o objectivo de perder peso (6,4%) ou não estar a fazer dieta mas considerando que necessitavam de perder peso (17,2%). Por outro lado, encontramos uma percentagem ainda superior de adolescentes com excesso de peso e obesos (34,6%) que referiam não estar a fazer dieta porque estavam satisfeitos com o seu peso. É assim evidente nos adolescentes portugueses desta idade, a existência de uma percepção inadequada da necessidade de fazer dieta. Ora, como há evidência clara na literatura de que o envolvimento em dietas é um factor de risco para o surgimento de distúrbios do comportamento alimentar, deverá constituir um sinal de alerta um adolescente com um IMC normal que esteja a fazer dieta com o objectivo de perder peso, assim como qualquer comportamento não saudável de controlo de peso, independentemente do valor do IMC. Por outro lado, os adolescentes com excesso de peso e obesos que referem não estar a fazer dieta porque estão satisfeitos com o seu peso,
  • 28. Obesidade na adolescência - 28 - constituem um desafio, já que poderão não estar conscientes do seu peso em excesso ou então estar numa fase de negação. Em conclusão, os vários trabalhos que integram a presente tese são consistentes com a noção de que os adolescentes com excesso de peso quando comparados com os seus pares, têm comportamentos de saúde, em geral, mais pobres. A evidência disponível torna aconselhável incluir no desenho de programas na área da prevenção e nas intervenções terapêuticas a adolescentes obesos, a abordagem sistemática de um espectro mais alargado de questões que inclua a avaliação da qualidade de vida, uma reflexão sobre o que significa crescer com obesidade, o reforço do desenvolvimento da capacidade de mudança e o suporte necessário para que o adolescente obeso aprenda a ultrapassar comportamentos potencialmente prejudiciais para a saúde. A adolescência é um período com características únicas no ciclo de vida no qual ocorrem transformações biológicas e cognitivas importantes que são determinantes para que se desenvolva a autonomia e se construa a identidade. As intervenções clínicas na área da obesidade adolescente beneficiariam de uma intervenção global (não apenas focalizada no controlo do peso) e adequada à fase do desenvolvimento em que o adolescente se encontre. O adolescente obeso deverá ser entendido como o agente prioritário do seu próprio desenvolvimento, sendo também um agente fundamental no desenvolvimento dos grupos que lhe são mais próximos (família, escola, grupos de amigos). Com base nos resultados obtidos, consideramos que há necessidade de entender a prevenção e o controlo da obesidade na adolescência dentro de um contexto mais vasto de “saúde positiva” e de promoção da saúde. Reveste-se assim de especial importância a promoção de
  • 29. Resumo - 29 - estilos de vida saudáveis associada à promoção de factores protectores da saúde na população jovem, uma vez que é nesta faixa etária que estes factores se consolidam ou, pelo contrário, se fragilizam. Estamos em crer que a aplicação dos conhecimentos acumulados na área dos factores protectores poderia influenciar muito positivamente o desenho de programas de prevenção e terapêutica da obesidade e também permitir aos profissionais de saúde serem agentes facilitadores de uma “capitalização” em períodos-chave do desenvolvimento (touchpoints), encarando-os como oportunidades únicas para promoção de uma adaptação positiva. A pré- adolescência deverá constituir uma idade-chave para programas de prevenção que incluam questões relacionadas com a promoção da saúde, nomeadamente, a satisfação com o corpo, o estilo de vida e a socialização. A conclusão que se destaca deste estudo é a de que as estratégias para prevenir e tratar a obesidade e o excesso de peso na adolescência beneficiariam se tivessem em consideração um conhecimento mais profundo dos factores psicossociais associados. A identificação de indicadores psicossociais e de estilo de vida que distinguem os adolescentes obesos e com excesso de peso dos seus pares, poderá influenciar novas estratégias de prevenção e o desenho de programas de intervenção que promovam a saúde e o bem estar da população adolescente obesa, utilizando abordagens interdisciplinares. Desejamos que este conhecimento possa influenciar a inclusão tanto nas estratégias de promoção da saúde como nos programas de controlo de peso, de componentes que tendo em linha de conta a imagem corporal e a auto-
  • 30. Obesidade na adolescência - 30 - estima, facilitem um processo de adaptação que permita ao adolescente obeso uma vivência mais adequada das múltiplas solicitações da adolescência.
  • 32.
  • 33. Summary - 33 - Obesity is a multifactorial, multisystemic, and chronic condition. The high prevalence of obesity in adolescence and its potentially serious psychosocial and physical consequences have made it one of the great contemporary public health issues. In addition, the medical, behavioural and psychological consequences have been well established, including the high prevalence of low self-esteem, poor body image, social stigmatization, and depression, all of which may strongly and negatively influence the adolescent development. Compared with normal weight peers, overweight and obese adolescents express concerns associated with weight more frequently, and are more involved in health compromising behaviours, such as chronic dieting and binge eating. Furthermore, several authors have shown that child and adolescent obesity is associated with lower health-related quality of life including physical, psychosocial, emotional, social and school functioning, when compared with non-obese young people of a similar age. For an adolescent medicine provider, taking care of obese adolescents is both a fascinating and challenging journey: 1. We are dealing with a chronic condition with huge impact on body image, thus the normal adolescent issues of body image distortation that comes at puberty are magnified; 2. Although obesity-associated morbidities occur more frequently in adults, significant consequences of obesity as well as the antecedents of adult disease already occur in overweight children and adolescents;
  • 34. Obesidade na adolescência - 34 - 3. Psychosocial co-morbidities, being the earliest and the most common, while often discounted by parents and professionals alike, may be determinant in negatively influencing adolescent development. With the objective of better understanding adolescent obesity, and based on the data from the Portuguese Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) survey, we decided to empirically investigate some psychosocial and lifestyle indicators which may help distinguishing obese and overweight adolescents from their peers. HBSC is a WHO collaborative study started in 1982, now including 41 countries and regions across Europe and in North America. Data collection occurs every four years. The overall goal of the study is providing evolving information on the health and health-related behaviours of young people as well as their social contexts. In Portugal data have been collected three times: 1998, 2002, and 2006 and included 6903, 6131 and 4877 6 th , 8 th , and 10 th grade students respectively, corresponding to 11, 13 and 16 years of age on average. Schools were randomly selected from a national roster of public schools, stratified by region (five Education Regional Divisions). The sampling unit used in this survey was the classroom. In each school classes were randomly selected in order to meet the required number of students for each grade, which was proportional to the number of same grade mates for each specific region according to the data provided by the Ministry of Education. Those Portuguese adolescents defined as obese (body mass index, BMI, ≥ 95 th centile) based on self-reported weight and height, were found to be less physically active than their non-obese peers. They were more likely to report having a poor appearance and being on diet. Girls especially expressed greater difficulty in making new friends, and considered themselves less healthy than
  • 35. Summary - 35 - their non-overweight peers. Based on the findings, it was possible to identify the main factors that explain how adolescents perceive themselves and are predictive of body image. Body image was assessed by using an instrument consisting of seven female and seven male body silhouettes that are increasingly overweight. This 7 point scale was categorised into three groups (thin, average and overweight). The identification of an overweight picture as similar to one’s own body shape was significantly more frequent among teens with higher BMI values based on self-reported weight and height, and among those reporting dieting. It was also significantly more frequent among younger adolescents, what is concordant with the fact that both obesity and overweight were more prevalent in the younger age groups (11 and 13 year olds). Multiple linear regression was used to explore associations with the perception of body image (considered in this particular analysis as a 7-point interval variable). Age, diet behaviour, physical appearance and BMI were significantly associated with perceived body image. BMI, diet behaviour, and physical appearance were positively associated. Age was negatively associated. A perceived need to diet (whether real or imagined), poorer self-perceived health status, and potential social isolation, all may induce an extra developmental strain on the overweight adolescent. The cross-sectional nature of the study design does not enable us to draw conclusions about the direction of causality. Neither do the questions in the HBSC allow for the direct assessment of health-related quality of life. We were able, however, to assess life satisfaction through a measurement technique known as the “Cantril ladder”, which uses a ten-step ladder with the top rung being the highest and the bottom rung the poorest life satisfaction. Consistent with previous research, when asked to indicate the step of the ladder at which
  • 36. Obesidade na adolescência - 36 - they would place their lives at the moment, overweight and obese youth placed themselves on a lower step than non-overweight peers. The study is unique in having examined the exposition of obese adolescents to alcohol consumption patterns which are associated with heightened risk of injury. Based on the results, obese adolescents reported both more regular drinking and having been drunk more times than their non-obese counterparts. While there has been extensive previous research on the specific psychosocial factors associated with obesity in young people, the present paper builds upon the existing literature and in doing so proposes the concept that obesity is similar to other chronic conditions of adolescence, especially related to alcohol use and abuse. Growing evidence suggests that adolescents with other chronic conditions are likely to engage in risky behaviour at rates similar to if not higher than their healthy peers, and alcohol has been recognized as the substance most frequently used by young people with a variety of chronic conditions, with little variation by diagnosis. Thus, when it comes to alcohol use it appears that the obese adolescent may have a profile similar to their chronically ill peers. A deeper understanding of the social aspects of growing up and becoming an adult being overweight is needed. How does the experience of being overweight as a teen impact one’s capacity of engaging in age-appropriate social networks? Are efforts to develop a robust personal identity affected by the fact of being overweight? Unhealthy weight control behaviours were significantly more commonly reported by those who were dieting and among those who, although not being on diet, felt that they should be. Moreover, unhealthy weight control behaviours increased proportionate to the reporting of increased weight. Our findings indicate that
  • 37. Summary - 37 - overweight youth engage more in both healthy and unhealthy weight control behaviours than their non-overweight peers, and this was especially true for females. Unhealthy weight control behaviours were also more prevalent among younger youth and among those reporting drinking everyday. This correlation is understandable as risk factors tend to cluster. Given what we know, the identification of daily alcohol consumption in an overweight adolescent is a red flag for unhealthy weight control behaviours. Except for those who are underweight, most paediatricians do not regularly screen for unhealthy weight control behaviours yet, unless the adolescent is underweight. Our findings support the need to raise awareness among clinicians that unhealthy weight control behaviours are common. Because they are associated with both medical and psychological health risks, routine screening is warranted. Special attention needs to be directed toward youth at greatest risk for disordered eating, including overweight youth. One of the challenges of undertaking research that uses self report of weight and height to calculate BMI is missing data, an issue that has largely been ignored in the literature since traditionally those with missing data are excluded from analyses. In the present sample of 6131 adolescents who completed the questionnaire in 2002, 661 (10.8%) did not report their weight and/or height. Gender was not associated with missing data. However, a large array of predictive factors of missing BMI values were identified: age below 14, a sedentary lifestyle, body image dissatisfaction, father absence, lack of friends of the opposite sex, and a perception of low school achievement. The strongest predictor of missing values for weight and/or height was younger age. So too, the adolescents who have been excluded from the analysis because of missing values for BMI were less connected with parents and friends. The presence of a
  • 38. Obesidade na adolescência - 38 - father and having friends of the opposite sex was associated with half the likelihood of having missing weight and/or height data by about half. For reasons of convenience and cost, large scale studies frequently use self- reported weight and height as an alternative to actual anthropometric measures, to screen for overweight and obesity. However, studies that have examined the accuracy of self-reported weight and height are not in agreement regarding its validity. Given the controversy, we decided to determine the validity of BMI based on self-reported weight and height, using BMI calculated from measured body weight and height as the standard measurement, in a subset of a nationally representative sample of Portuguese adolescents. With the same sub-study we further examined whether the degree of agreement is influenced by potential variables, such as, age, gender, grade, and body image. For this sub-study twelve schools were randomly selected from the list of schools which took part in the 2006 HBSC survey, stratified by region, proportionally to the size of each Regional Division: three from the north, three from the Lisbon region, three from the centre, one from Alentejo, and two from Algarve. The same classes that were selected to answer to the 2006 questionnaire administered three months before, were asked to participate in the study. Of the total 462 students included in this sample (Mean age 14.0, SD = 1.9), 233 were girls, and were distributed as follows: 32.5% attending the 6 th grade, 32.7% the 8 th , and 34.8% the 10 th , corresponding to approximately 10% of the sample that participated in the 2006 HBSC survey. In these analyses there was no significant difference between boys and girls in the degree of inaccuracy in reporting weight. However, differently from the above cited studies, girls reported height more inaccurately than boys, with self- reported height significantly higher than measured height. Only younger boys tended to overestimate their BMI.
  • 39. Summary - 39 - Although BMI based on self-reported data was lower compared to BMI based on measured data both among girls and boys, prevalence of overweight and obesity based on self-report compared with measured values, was not significantly different. These findings suggest that self-reported weight and height (and BMI calculated from these values), are a quite reliable tool for identifying overweight and obese adolescents in large scale studies. In addition to the above analyses, we studied the associations between BMI and health-related behaviours based on the HBSC surveys conducted in 1998, 2002, and 2006, and involving a representative sample of 17024 Portuguese public school students aged between 11 and 16. These surveys, carried out in a 8 year period (every four years between 1998 and 2006), bring together the most comprehensive national picture of the health and health-related behaviour of overweight young people to date. Considering the whole sample of the three waves of the HBSC survey, overweight adolescents consistently perceived their school performance to be below average compared to their classmates. No significant differences were found between normal-weight and overweight youth concerning physical activity undertaken outside school hours. Overweight adolescents were far more likely to exhibit difficulties with their physical and emotional health when compared with their normal-weight peers. Moreover, they reported their health as fair or poor more often, were more likely than their peers to describe themselves as “unhappy”, and reported irritability or bad temper more frequently. Throughout the three waves of the study overweight adolescents consistently reported dieting to lose weight more often than their non-overweight peers. We found a relevant percentage (6.4%) of normal-weight adolescents reporting being dieting with the purpose of losing weight and 17,2% not yet dieting, but
  • 40. Obesidade na adolescência - 40 - considering they should lose some weight, and an even greater percentage of overweight and obese (34.6%) adolescents reporting not being on diet because they were satisfied with their weight. Research has shown that the initiation of frequent dieting is a known risk factor for disordered eating. Thus, there is reason for concern if normal-weight youth are attempting weight loss and if unhealthy weight control behaviours are being used by adolescents, regardless of their weight status. In conclusion, the set of studies comprising this thesis are consistent with the idea that overweight adolescents when compared with their non-overweight peers, do have generally poorer health behaviours. Obesity prevention and treatment efforts might benefit from systematically including a consistent and comprehensive monitoring of health status including health-related quality of life, and addressing the broad spectrum of the psychosocial implications of being overweight as a teen, enhancing skill development for behavioural change, and providing support for dealing with potentially harmful behaviours. Adolescence has been considered a critical developmental period when adolescents are adjusting to physical changes, establishing their personal identity, seeking greater independence and increasingly relying on peer groups. Clinical interventions might benefit from a global approach, tailored to the specific developmental needs of the obese adolescent and not only focused on weight control. The obese adolescent is a critical agent of change not simply one to receive treatments. Their roles include enhancing their own health promotion competences as well as being a crucial person for the development of competences within the social groups with which they interact (family, school, peer group). Based on our analyses, we conclude that the need for prevention
  • 41. Summary - 41 - and control of obesity in adolescence should be considered within a broader context of positive health and health promotion. The promotion of healthy lifestyles and the identification and reinforcement of protective health factors among youth is crucial, as it is by this age that they do either consolidate or may become weaker. As a final conclusion, we believe that the knowledge acquired may positively inform the design of prevention and intervention programs, and also allow health professionals to be able to capitalize on key developmental periods (touchpoints) facing them as unique opportunities for promoting a positive adaptation. There is evidence that strategies for preventing and treating adolescent obesity should benefit from taking into account a deeper understanding of the psychosocial factors associated to obesity. Pre- adolescence may constitute one of those key periods for prevention strategies linked to health promotion, and a unique opportunity for discussing body satisfaction, lifestyle and socialization issues. The identification of lifestyle and psychosocial indicators that may distinguish overweight and obese adolescents from their peers should inform pediatricians and health care planners on prevention strategies and influence the design of intervention interdisciplinary programs aimed to promote the health and well- being of the obese adolescent population. This knowledge underscores the importance of incorporating, both in health promotion strategies and in weight control programs, components that taking into account body image and self-esteem, may facilitate the adaptation process of overweight youth to negotiate the social demands of adolescence.
  • 42.
  • 44.
  • 45. Introdução - 45 - A obesidade é uma doença crónica, multifactorial e multisistémica. Emergiu como a nova doença crónica ao longo das últimas duas décadas, constituindo um grave problema de saúde pública (1). Nos últimos vinte anos, a incidência de excesso de peso e obesidade aumentou de modo significativo a nível mundial. Actualmente, mais de 300 milhões de indivíduos são considerados obesos e 1,2 biliões, ou seja, 34% da população mundial, é considerada como tendo excesso de peso (2,3). A Organização Mundial de Saúde (OMS) colocou a obesidade entre os dez principais factores de risco para a saúde nos dias de hoje, considerando a prevenção da epidemia da obesidade como um desafio prioritário da saúde pública no século XXI (2). A prevalência da obesidade está já em muitos países acima do limiar crítico de 15% estabelecido pela OMS para situações epidémicas a necessitar de intervenção (4). Na idade pediátrica a prevalência da obesidade tem também vindo a aumentar em termos globais, sendo actualmente considerada a doença crónica mais comum nesta idade. Nos EUA, entre 1980 e 2002, a prevalência de excesso de peso triplicou nas crianças e adolescentes entre os 6 e os 19 anos (5, 6, 7). Com base nos dados emanados em 2004 pelo NHANES IV (National Health and Nutrition Examination Survey), foi estimado que aproximadamente 17% das crianças e adolescentes entre os 2 e os 19 anos tenham obesidade (8). Num período de 10 anos (1994-2004), assistiu-se nos EUA a um aumento da prevalência de obesidade de 7,2 para 13,9% no grupo dos 2 aos 5 anos, de 11 para 19% no grupo dos 6 aos 11 e de 11 para 17% no grupo dos 12 aos 19 anos (8). Na Europa, em 2002, o excesso de peso e a obesidade afectavam quase uma em cada quatro crianças, tendo sido estimada uma prevalência de 24% (9), com uma distribuição crescente no sentido norte-sul e valores oscilando entre
  • 46. Obesidade na adolescência - 46 - 10-20% na Europa do Norte e 20-35% nos países do sul (9). É exactamente nos países mediterrânicos que as taxas de sobrepeso e obesidade atingem a sua maior expressão com prevalências acima de 30% (10). Em Março de 2005 a International Obesity Taskforce estimou que uma em cada cinco crianças na Europa tinha excesso de peso (11). Em Portugal, ao contrário do que acontece para a população adulta (12) não há ainda à data nenhum estudo nacional de prevalência de obesidade na adolescência. Existe, no entanto, o estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC/OMS) tendo por base valores antropométricos reportados que aponta em adolescentes dos 11 aos 16 anos para uma prevalência de excesso de peso e obesidade de, respectivamente, 14,4% e 1,6% em 1998, 14,8% e 3,1% em 2002, e 15,2% e 2,8% em 2006 (13). Num estudo comparativo efectuado em 1998, que envolveu pesos e estaturas auto-reportados de adolescentes de 13 e 15 anos de 13 países europeus, Israel e Estados Unidos, as prevalências mais elevadas de excesso de peso foram encontradas respectivamente nos EUA, Irlanda, Grécia e Portugal (14). Um estudo de prevalência de excesso de peso e obesidade em crianças portuguesas dos 7 aos 9 anos, efectuado em 2002/2003, aponta para uma prevalência de excesso de peso e obesidade de 20,3% e 11,3%, respectivamente (15). Estes dados poderão levar-nos a inferir de um provável aumento da prevalência de obesidade pediátrica em idades cada vez mais precoces na população portuguesa (16). Etiologia O peso corporal é regulado por numerosos mecanismos fisiológicos que mantêm o balanço entre o aporte e o gasto energético (17). Qualquer factor
  • 47. Introdução - 47 - que aumente o aporte energético ou diminua o gasto energético, mesmo em pequena quantidade, irá originar obesidade a longo prazo. A etiologia da obesidade é multifactorial, havendo uma interacção entre factores genéticos e ambientais, resultando num balanço energético positivo. Entre os factores que estão na génese da obesidade temos os factores ambientais, que incluem os hábitos alimentares (dieta hipercalórica) e o nível de actividade física (vida sedentária), os factores genéticos e perinatais e os factores associados a patologias endocrinológicas ou outras. Estes últimos são, no entanto, responsáveis por uma minoria de casos (18). Modificações no estilo de vida ocidental conduziram a reduções significativas no gasto energético das crianças e encorajaram uma alimentação hipercalórica (19, 20). Vários factores contribuíram para a redução da actividade física das crianças e adolescentes, incluindo a crescente utilização de videos e jogos de computador, a televisão, a internet e, de um modo geral, as menores oportunidades em se manterem activos, irem a pé para a escola ou brincarem ao ar livre (21-24). A televisão promove o ganho de peso, não apenas por diminuir o tempo de actividade física como também por, secundariamente, aumentar o aporte energético, já que a maioria das crianças consome passivamente quantidades excessivas de alimentos de alta densidade energética enquanto vê televisão (25-28). Os anúncios a que são submetidas também se têm revelado negativamente influenciadores dos seus padrões alimentares. O adolescente obeso, com menor capacidade para a actividade física, vai ter um factor acrescido que se irá somar aos outros do ambiente, já de si promotor de obesidade, em que vive (29). A análise dos dados relativos à actividade física e excesso de peso/obesidade no estudo HBSC de 1998, permitiu estabelecer uma associação entre obesidade e excesso de peso e um grau de actividade física menor (30).
  • 48. Obesidade na adolescência - 48 - Os factores genéticos podem ter um efeito importante na predisposição individual, estando descrita uma maior incidência de obesidade em filhos de pais obesos. Segundo o estudo de Whitaker (31), crianças obesas com idades entre os 3 e 5 anos que não tenham nenhum dos progenitores obesos, têm um risco de 24% de se tornarem adultos obesos, aumentando o risco para 62% caso um dos progenitores seja obeso. Para crianças entre os 3 e 9 anos de idade, tanto o grau de obesidade da criança como a existência de obesidade nos progenitores, são preditivos de obesidade na idade adulta. No entanto, acima desta idade, o grau de obesidade da própria criança transforma-se no factor preditivo mais importante. O aumento de prevalência da obesidade em populações geneticamente estáveis indica que factores ambientais, tanto perinatais como relacionados com períodos precoces da vida, estão também implicados na génese da obesidade. Nos últimos anos, tem sido dada importância crescente ao adipocito enquanto órgão endócrino, produzindo as suas próprias hormonas e sendo órgão-alvo de muitas outras. Foram observados padrões hormonais alterados em doentes obesos, especialmente na presença de predomínio de acumulação de gordura intra-abdominal, tais como: insulinoresistência e consequente aumento da secreção de insulina, aumento dos níveis de testosterona e de androstenediona livres associados com diminuição da SHBG no sexo feminino, diminuição dos níveis de progesterona na mulher e de testosterona no homem, aumento da produção de cortisol e diminuição dos níveis da hormona de crescimento (32). Os adipocitos segregam citoquinas que estimulam os hepatocitos a produzir reagentes de fase aguda conduzindo, à medida que a obesidade progride, a um processo inflamatório crónico que contribui para um risco cardiovascular aumentado, alterações da estrutura do endotélio vascular e insulinoresistência (33-37).
  • 49. Introdução - 49 - Em 1997 foi descoberta uma mutação no gene codificador da leptina em dois irmãos paquistaneses, filhos de pais consanguíneos, com obesidade mórbida (38). A leptina é uma hormona produzida pelos adipocitos e segregada em função da quantidade de massa gorda. Desde então, cinco mutações genéticas e muitos alelos foram descobertos e implicados na etiologia da obesidade de início na idade pediátrica (39-40). Assim, a predisposição para a obesidade parece ser causada por uma interacção complexa entre múltiplos genes associados à obesidade e, muito provavelmente, factores perinatais (41). A sobrenutrição pré-natal parece aumentar o risco de obesidade, com vários estudos apontando para uma relação directa entre obesidade materna, peso à nascença e futura obesidade da criança (42). No entanto, mais recentemente, chegou-se à conclusão de que a subnutrição em estádios importantes do desenvolvimento fetal pode também induzir modificações fisiológicas permanentes resultando em obesidade (43). O período pré-natal, enquanto touchpoint fundamental, parece ser assim também por esta razão, um período alvo privilegiado em termos de prevenção. No período pós-natal, o elevado ganho ponderal nos primeiros 12 meses de vida (44) e, em particular nos primeiros 4 meses (45), tem sido outro factor de risco descrito como associado à obesidade. O aleitamento materno parece ter, apesar de não ser consensual, um efeito protector ainda que modesto (46-47). Diagnóstico Define-se obesidade na criança como um índice de massa corporal (IMC) superior ou igual ao percentil 95 para a idade e sexo e excesso de peso ou risco de obesidade como valores de IMC superiores ou iguais ao percentil 85 e inferiores ao 95. O índice peso (kg) / estatura (m) 2 foi descrito pela primeira vez por Adolphe Quetelet no século XIX como um índice de peso ajustado para a estatura.
  • 50. Obesidade na adolescência - 50 - Ancel Keys reinventou-o nos anos 50 e denominou-o IMC. Cole, pela primeira vez, propôs a sua utilização na criança em 1979, demonstrando que ajustava o peso tanto para a estatura como para a idade (48). O IMC, apesar de se correlacionar suficientemente bem com medidas directas da massa gorda (49-51), é um proxy imperfeito da obesidade devido à grande variabilidade individual na relação entre IMC e massa gorda, factores de risco cardiovascular e prognóstico a longo prazo. Salvaguardando o conceito que a definição de obesidade encerra (excesso de gordura corporal total), o índice de massa corporal, registando uma associação forte com a adiposidade, foi recomendado pela OMS como base para o rastreio da obesidade pediátrica. Foi também aconselhado pela International Obesity Taskforce (IOTF) como o instrumento antropométrico mais indicado para monitorizar em termos de saúde pública a evolução da obesidade. Atendendo à característica dinâmica do processo de crescimento responsável por uma contínua variação na estatura e na composição corporal, e ao contrário do que acontece na idade adulta, o valor do IMC em idade pediátrica deve ser percentilado em função do género e idade, tendo como base tabelas de referência. O valor do IMC aumenta após o nascimento e até cerca dos 6-12 meses de idade, de seguida decresce até um valor mínimo por volta dos 5-6 anos, aumentando depois na adolescência até atingir a estabilidade no jovem adulto. A idade em que se regista o nadir do IMC é denominada a idade do ressalto adipocitário (52). Vários estudos observacionais descreveram uma associação entre a precocidade deste nadir (inferior a 61 meses) e um risco tardio aumentado de obesidade. Contudo, a importância e o valor preditivo desta associação continua a ser alvo de debate (53-54). A adolescência é também considerada um período crítico para o início de uma obesidade (55) e
  • 51. Introdução - 51 - para uma futura morbilidade associada (56-57). Como tal, e numa perspectiva de saúde pública será importante monitorizar o excesso de peso na adolescência. No entanto, esta monitorização do estado de nutrição através da avaliação sistemática do IMC e interpretação dos resultados em função das curvas de percentis deverá, no entanto, ser devidamente valorizada desde os primeiros anos de vida, de modo a que os casos de excesso de peso / obesidade sejam diagnosticados precocemente (58). A determinação da gordura corporal pode fazer-se por diversos métodos distintos: antropometria (pregas adiposas subcutâneas), bioimpedância eléctrica (monofrequência e multifrequência), pletismografia por deslocamento de ar, água corporal total e imagiologia (Dual Energy X-Ray Absorptiometry - DEXA -, tomografia computorizada e ressonância magnética), apresentando estes últimos uma elevada precisão na estimação da composição corporal. Vários estudos mostraram que o IMC tem limitações como medida da gordura a nível individual. As razões são várias: a composição corporal, ou seja, a relação entre o tecido gordo e o tecido muscular varia em função da idade, do sexo e da raça (59-60). Por outro lado, a composição corporal pode ser diferente enquanto o peso e o IMC são os mesmos. É o caso, por exemplo, quando através da dieta e do exercício físico a massa gorda se reduz mas em contrapartida aumenta a massa muscular (61). Consequentemente, indivíduos com um mesmo IMC podem ter massas gordas muito diferentes. Por fim, a amplitude dos riscos para a saúde não se relaciona apenas com o total da massa gorda, correlacionando-se mais com a gordura intra-abdominal ou visceral que influencia a actividade metabólica hepática através da veia porta (62). Nem o IMC nem a percentagem de massa gorda se correlacionam perfeitamente com a massa gorda visceral ou com os factores de risco cardiovascular (63-64). Podemos assim dizer que o IMC e a percentagem de
  • 52. Obesidade na adolescência - 52 - massa gorda se correlacionam fortemente, mas não o suficiente para tirar ilações úteis a nível individual, o que faz com que seja discutível se será o parâmetro ideal na avaliação da evolução clínica individual da criança e do adolescente obeso. Ellis e colaboradores vieram confirmar num estudo em que compararam os valores de IMC de crianças e adolescentes entre os 3 e os 18 anos com a percentagem de massa gorda avaliada através de DEXA, que o IMC permite caracterizar do ponto de vista da adiposidade uma população pediátrica saudável, mas revelou-se um mau indicador a nível individual, com um erro standard de percentagem de massa gorda de 4,7-7,3% do peso (65). Do mesmo modo, Smalley e colaboradores, após terem encontrado nos seus estudos uma grande variabilidade entre a massa gorda determinada por densitometria e a massa gorda estimada por IMC, concluíram que na utilização do IMC enquanto indicador de obesidade se deve estar consciente das suas limitações (66). Dentro do mesmo espírito, Cole e colaboradores defendem que seja utilizado um método relativamente estável para avaliar a evolução da adiposidade no acompanhamento de crianças com excesso de peso. Segundo estes autores, apesar de o z-score do IMC ser adequado para avaliar o grau de adiposidade pontualmente (um z-score ≥ 1,04 corresponde a um valor ≥ ao percentil 85 e um z-score ≥ 1,65 corresponde a um valor ≥ ao percentil 95), não constitui o melhor processo para avaliar a sua evolução, já que a sua variabilidade numa mesma criança ao longo do tempo irá depender do nível de adiposidade da criança. Advogam que melhores alternativas são o próprio IMC ou a % do IMC (67). Tanto em adultos como em crianças, uma distribuição mais central de massa gorda associa-se, nomeadamente, com a diabetes tipo 2 (não insulino- dependente) e um perfil de risco cardiovascular mais desfavorável. O perímetro da cintura, a relação perímetro da cintura/perímetro da anca e a relação da
  • 53. Introdução - 53 - espessura das pregas cutâneas do tronco com as periféricas, têm sido utilizados como uma aproximação da distribuição da gordura corporal. Estes métodos têm sido essencialmente estudados no adulto. O método que até agora se tem revelado mais útil para avaliar a distribuição da gordura é o DEXA pois fornece a medição da composição corporal por segmentos, permitindo medir a massa gorda nas diferentes regiões. Daniels estudou um grande número de crianças com idades entre os 7 e os 17 anos no sentido de determinar qual o método de avaliação da distribuição da gordura corporal que se aproximava mais do DEXA e concluiu que o perímetro da cintura é o parâmetro que se correlaciona mais fortemente com a distribuição de gordura (68). O perímetro da cintura, de fácil determinação, tem sido desde então consensualmente considerado como uma medida útil da distribuição de gordura na criança e no adolescente, existindo tabelas de percentis do perímetro da cintura em função da idade e do sexo, construídas por diversos investigadores (69-76). De acordo com as recomendações da Direcção Geral da Saúde, o crescimento e o estado nutricional da população pediátrica portuguesa devem ser reportados às tabelas constantes do Boletim de Saúde Infantil e Juvenil que são as do National Centre for Health and Statistics (NCHS). Na sua última versão datada do início de 2005, este Boletim passou a incluir as curvas do IMC em substituição das curvas da relação peso-estatura, considerando de acordo com o Programa Nacional de Combate à Obesidade, serem mais adequadas à correcta monitorização do estado de nutrição de cada criança (77). Segundo as recomendações da International Obesity Task Force (IOTF) e do European Childhood Obesity Group (ECOG), os valores de Cole et al. (78) deverão ser utilizados apenas quando se pretenda efectuar estudos de
  • 54. Obesidade na adolescência - 54 - prevalência. Tal recomendação deve-se não apenas ao facto de uniformizar critérios para poder comparar taxas de prevalência entre diferentes países, mas também à possibilidade de extrapolação dos valores do percentil de IMC 85 e 95, respectivamente para os valores 25 e 30 do adulto, permitindo estabelecer associação com risco de comorbilidades. Complicações e comorbilidades Consequências Médicas da Obesidade Como resultado desta epidemia uma multiplicidade de doenças crónicas e factores de risco que tinham habitualmente início na idade adulta, começam agora a ter o seu início na idade pediátrica. O risco de comorbilidade associada à obesidade pediátrica aumenta exponencialmente para valores de IMC acima do percentil 95, sendo no entanto de referir que para valores superiores ao percentil 85 de IMC já se observa um risco aumentado de alteração dos marcadores de doença cardiovascular. Tal como acontece no adulto, a obesidade na criança é uma doença multisistémica com consequências potencialmente devastadoras (79). Apesar de a obesidade estar menos marcadamente associada com morbilidade na adolescência do que na vida adulta (80), é um seu forte precursor, uma vez que 50 a 80% dos adolescentes obesos se tornam adultos obesos (81-83). Entre as complicações do excesso de gordura corporal total que cada vez mais ocorrem durante a idade pediátrica, incluem-se a hipertensão (valores de pressão arterial superiores ao percentil 95 em função do sexo e percentil da altura), hiperlipidemia, inflamação crónica, um estado de hipercoagulabilidade,
  • 55. Introdução - 55 - disfunção endotelial e alteração do metabolismo da glicose (alteração da glicose em jejum, hiperinsulinismo, síndrome de insulinoresistência e diabetes tipo 2) (84-89). A intolerância à glucose e a resistência à insulina constituem o estado pré-diabético que é muito prevalente nas crianças gravemente obesas independentemente do seu grupo étnico, surgindo ainda antes de os critérios de diagnóstico formais de diabetes estarem reunidos (90). A diabetes tipo 2 que era praticamente inexistente na adolescência, actualmente corresponde a cerca de metade de todos os novos casos diagnosticados de diabetes em algumas populações (91) o que é atribuído ao aumento da obesidade pediátrica, apesar de a hereditariedade e factores ligados ao estilo de vida poderem influenciar o risco individual (92). Outras complicações ocorrem em idade pediátrica na exclusiva dependência da obesidade. Entre as complicações respiratórias incluem-se a Síndroma de Apneia Obstrutiva do Sono e a síndrome de hipoventilação (93-94), a asma de esforço (95) e a intolerância ao exercício (96). Numa criança obesa o desenvolvimento de asma ou intolerância ao exercício pode limitar ainda mais a actividade física, formando-se assim um ciclo vicioso com indução de um ganho ponderal crescente. Para além destas complicações, muitas outras têm vindo a ser reconhecidas, incluindo quase todos os órgãos e sistemas. Entre elas, as complicações ortopédicas: genus valgo, doença de Blount (apesar de ter uma prevalência baixa, em cerca de 2/3 dos casos é consequência da obesidade) (97), epifisiólise da cabeça do fémur (entre 30 a 50% dos doentes têm excesso de peso) (98); a síndrome do ovário poliquístico (99-100), a litíase biliar e a esteatohepatite não alcoólica (101-103), complicações renais (104-105), musculo-esqueléticas (106) e neurológicas (o pseudotumor cerebral e as cefaleias) (107).
  • 56. Obesidade na adolescência - 56 - Consequências Psicossociais da Obesidade Para além das consequências a nível dos vários órgãos e sistemas são, no entanto, as complicações do foro comportamental e psicológico, as manifestações mais comuns e precoces da obesidade (81): a baixa auto- estima, a alteração da imagem corporal, a estigmatização social e os sintomas depressivos podem ter uma repercussão negativa no desenvolvimento. As crianças obesas tornam-se precocemente alvo de discriminação sistemática. À medida que crescem, os efeitos da discriminação tornam-se mais insidiosos, sofrendo a influência dos estereótipos culturais das sociedades ocidentalizadas que associam a magreza à beleza. Durante a adolescência, o excesso de peso e a obesidade constituem frequentemente uma sobrecarga ao processo de desenvolvimento, podendo resultar em problemas psicossociais graves (108). Muitos adolescentes com excesso de peso são marginalizados do ponto de vista social e este isolamento pode agravar as consequências emocionais e sociais do excesso de peso na adolescência (109-111). Uma das possíveis consequências desta discriminação é a possibilidade de as crianças obesas escolherem para amigos crianças mais novas, menos propensas a discriminar e a emitir juízos de valor (81). Obesidade, auto-estima e imagem corporal Alguns autores consideram que, apesar das conotações negativas da obesidade, as crianças pequenas com excesso de peso não têm uma auto- imagem negativa nem uma baixa auto-estima (112-113). No entanto, Davidson demonstrou que crianças de 5 anos com excesso de peso, podem desde logo começar a desenvolver uma auto-imagem negativa (114). Estudos envolvendo adolescentes obesos revelaram níveis diminuídos de auto-estima associados
  • 57. Introdução - 57 - com tristeza, sentimentos de solidão, nervosismo e comportamentos de risco (30, 115-116). Os vários autores são unânimes em considerar que os adolescentes obesos desenvolvem uma auto-imagem negativa que parece persistir na vida adulta. A literatura na área da obesidade pediátrica tem, de facto, revelado de uma maneira consistente que a obesidade nos jovens está associada a uma baixa auto-estima (115, 117, 119) e a uma imagem corporal e auto-conceito pobres (30, 116, 118-120). O sexo feminino com obesidade tem consistentemente reportado uma auto-estima mais baixa quando comparado com o masculino (121-122). Será que esta diferença entre géneros se deve ao facto de a auto-imagem derivar essencialmente das mensagens parentais na criança pequena, enquanto que no adolescente é influenciada crescentemente pelos aspectos culturais? A imagem corporal tem sido considerada uma componente importante do auto- conceito e da saúde mental ao longo do ciclo de vida (123-126). O desenvolvimento da imagem corporal resulta da interacção entre a auto- avaliação corporal, as expectativas face ao corpo e a percepção das avaliações dos outros (127). É significativamente influenciada pelo grau de auto-aceitação, confiança social, assertividade e conhecimento do próprio (122). A construção psicológica da imagem corporal inclui componentes cognitivas, de atitude, afectivas, cinestéticas e sensoriais. Algumas das componentes afectivas e cognitivas são fortemente influenciadas pela comparação do próprio corpo com as representações internalizadas de estereótipos da aparência física culturalmente determinados (128-132). Na adolescência a imagem corporal vai- se modificando à medida que o corpo se transforma. Stunkard estudou os determinantes das alterações / perturbações da imagem corporal na obesidade e considerou a adolescência como o período da vida durante o qual estas perturbações se desenvolvem (117). A insatisfação com o corpo, que constitui uma medida da imagem corporal, tem tendência a aumentar ao longo da
  • 58. Obesidade na adolescência - 58 - adolescência na rapariga e a diminuir no rapaz (133). Para Rosenblum, a imagem corporal tem pouco a ver com o modo como os outros percepcionam o corpo do próprio e, uma vez desenvolvida, mantém-se constante ao longo da adolescência (124). No entanto, para outros autores (134), a imagem corporal pode ser influenciada não apenas pela desejabilidade social culturalmente determinada, mas também pelo sentimento de o adolescente se sentir ou não atractivo, o que em parte deriva do modo como os outros o vêem. Uma imagem corporal negativa pode traduzir-se por níveis elevados de insatisfação com o corpo e é um fenómeno comum na população em geral, apesar de alguns estudos indicarem que é mais marcado na adolescência, já que nesta idade a imagem corporal se reveste de uma maior importância e suscita frequentemente sentimentos negativos (135). A combinação de dois fenómenos, por um lado uma aparência que está a sofrer transformações rápidas e intensas, por outro a capacidade de elaborar conceitos abstractos e raciocínios lógicos que caracterizam a aquisição do pensamento formal, coloca o adolescente numa posição de particular vulnerabilidade que conduz a uma preocupação excessiva e a uma avaliação frequentemente negativa do seu próprio corpo e da opinião que os outros possam ter dele (136). A aparência física pode afectar a imagem corporal, uma vez que a aparência funciona como um forte estímulo tanto para a auto como para a hetero-avaliação (137). Para explicar o impacto da aparência física no desenvolvimento, Lerner (138) propôs o modelo do funcionamento circular. Dentro de uma perspectiva de interacção, a aparência física de um indivíduo evoca respostas nos outros, as quais são percepcionadas pelo indivíduo, influenciando por sua vez a percepção que tem de si próprio. Os adolescentes que sejam considerados fisicamente não atractivos irão com elevada probabilidade experienciar um feedback social negativo através de críticas ou de troça (139). O adolescente obeso torna-se por esta via particularmente vulnerável ao impacto que advém do feedback
  • 59. Introdução - 59 - social da sua aparência, fruto de uma capacidade cognitiva e de introspecção crescentes e do egocentrismo que caracteriza esta idade (140). Obesidade e depressão A associação entre excesso de peso e depressão foi já bem estudada. A maioria dos autores sugere que a obesidade conduz à depressão. No entanto, dado que a maioria dos estudos que têm sido estudos transversais (30, 110, 114, 116, 141-146), não permitem estabelecer a direcção causal desta associação. Porém, Pine e col. (147) ao demonstrarem que a depressão na infância estava associada a um aumento do IMC na vida adulta e que esta associação se mantinha após controlo para os factores sócio-económicos, forneceram uma evidência forte de que a depressão pode ser uma causa e não apenas uma consequência da obesidade. Posteriormente, os estudos longitudinais de Goodman (148) demonstraram que adolescentes com depressão têm um risco aumentado de desenvolvimento e manutenção de obesidade durante a adolescência. Será importante incluir a dimensão da depressão nos projectos de investigação-acção que tenham como objectivo o controlo do peso. Compreender os determinantes partilhados de ordem biológica e social que associam a depressão à obesidade pode informar a prevenção e o tratamento das duas patologias. Qualidade de vida Mais recentemente, tem vindo a ser dada importância crescente ao conceito de qualidade de vida relacionada com a saúde “Health-related quality of life” (HRQOL), que se define como o impacto da saúde ou da doença no bem-estar físico, mental e social, na perspectiva do doente (149-150). Trata-se de um constructo multidimensional que inclui o funcionamento físico, emocional,
  • 60. Obesidade na adolescência - 60 - psicossocial e escolar. Apesar de os pediatras acreditarem que ter excesso de peso enquanto criança ou adolescente afecta a qualidade de vida futura (151), há ainda pouca informação sobre a qualidade de vida relacionada com a saúde das crianças e adolescentes obesos. Em 2003 Schwimmer e col. estudaram a qualidade de vida relacionada com a saúde de crianças e adolescentes (5 a 18 anos) referenciados por obesidade grave (z-score médio do IMC de 2,6, o que corresponde aproximadamente a um IMC de 38 no adulto) a um centro especializado e compararam-na com a de crianças saudáveis e também com a de crianças com doença oncológica sob quimioterapia. Concluíram que as crianças com obesidade severa tinham pior qualidade de vida em todos os domínios: físico, psicossocial, emocional e do funcionamento escolar, quando comparados com o grupo das crianças e adolescentes saudáveis. A probabilidade de uma criança obesa ter uma qualidade de vida diminuída foi 5,5 vezes superior à de uma criança saudável e semelhante à de uma criança com doença oncológica (152). Estes resultados são surpreendentes se pensarmos que, apesar de as crianças obesas serem alvo de limitações físicas fruto do seu excesso de peso e também de estigmatização social, ao contrário das crianças com doença oncológica, não estão expostas a múltiplas inter- venções médicas intensivas com eventuais efeitos adversos subsequentes. As crianças obesas referiam ainda 4 vezes mais dificuldades no funcionamento escolar do que as crianças saudáveis. Revelavam também maior absentismo escolar, o que foi já bem documentado em outras doenças crónicas com expressão na idade pediátrica, tais como a diabetes e a asma bronquica (153- 154). Estes resultados são concordantes com o estudo de Mo-Suwan que revelou que crianças tailandesas obesas frequentando os anos de escolaridade 7 a 9, tinham avaliações escolares 2 vezes mais baixas que os seus pares (155). A obesidade na adolescência já tinha sido associada com menos anos de escolaridade na mulher adulta (156). Caso as associações observadas na amostra clínica de Schwimmer e col. se tivessem mantido verdadeiras para a
  • 61. Introdução - 61 - população pediátrica com excesso de peso e obesidade em geral, dada a elevada prevalência de obesidade, uma parcela significativa da população teria uma qualidade de vida muito baixa devido ao seu excesso de peso. Williams (157) estudou numa amostra comunitária de crianças dos 9 aos 12 anos a repercussão da obesidade na qualidade de vida, utilizando a mesma medida de qualidade de vida de Schwimmer, e concluiu que a influência da obesidade e do excesso de peso na qualidade de vida relacionada com a saúde apesar de significativa, nomeadamente com repercussões negativas a nível do funcionamento físico e social, era inferior aos valores encontrados por Schwimmer na sua amostra clínica. Fallon e colaboradores (158) também compararam o impacto da obesidade na qualidade de vida em adolescentes caucasianos e em adolescentes de raça negra (IMC: 41,7 ± 8,9 Kg/m 2 ). Tanto em função das avaliações dos próprios como das dos progenitores, a obesidade associou-se em ambos os grupos a uma qualidade de vida inferior. No entanto, os adolescentes de raça negra quando comparados com os caucasianos, apresentaram uma diminuição menos marcada na qualidade de vida. Seria interessante investigar se as diferenças na percepção da qualidade de vida influenciam ou não o sucesso terapêutico. Swallen e col. num estudo publicado no Pediatrics em 2005 (159) em que utilizaram uma amostra nacional representativa dos EUA de adolescentes entre os 12 e os 20 anos, concluíram que a obesidade na adolescência se associava a uma pior qualidade de vida física mas não a um funcionamento mais pobre do ponto de vista emocional, escolar ou social. No entanto, encontraram no grupo específico dos 12-14 anos, uma associação entre excesso de peso/ obesidade e depressão. Os obesos desta idade também reportavam uma auto-
  • 62. Obesidade na adolescência - 62 - estima mais baixa e um funcionamento escolar/social mais pobre quando comparados com os adolescentes de 12-14 anos com IMC normal. Medidas genéricas de HRQOL, tais como o “Child Health Questionnaire” (160) ou as escalas genéricas do “Pediatric Quality of Life Inventoy” (PedsQL) (161), contêm itens gerais que são aplicáveis a uma grande variedade de populações e que permitem comparações entre grupos de patologias. No entanto, estes instrumentos não se revelaram suficientemente específicos para fornecer informação sobre questões particulares relacionadas com a qualidade de vida associada a patologias específicas, por exemplo à obesidade em idade pediátrica. Houve então necessidade de desenvolver instrumentos específicos, com enfoque nos domínios, características e queixas mais relevantes inerentes a cada patologia em particular. Foi assim que surgiram instrumentos específicos para a asma (162), fibrose quística (163), diabetes (164), artrite reumatóide juvenil (165) e, já mais recentemente, para a obesidade pediátrica. O “Impact of Weight on Quality of Life-Kids” (IWQOL-Kids) é um instrumento de 27 itens que foi desenvolvido em 2005/2006 por Ronette Kolotkin para avaliar a qualidade de vida relacionada com o peso em adolescentes dos 11 aos 19 anos (166). Foram identificados quatro domínios responsáveis por 71% da variância: o bem-estar físico, a auto-estima (avalia o impacto do peso na percepção que o adolescente obeso tem do seu próprio corpo e da sua aparência), a vida relacional e as relações familiares. Fizemos a validação deste instrumento para portugês com a colaboração da autora (167), e tê-mo-lo utilizado na avaliação da qualidade de vida dos adolescentes obesos que acompanhamos.
  • 63. Introdução - 63 - Bem-estar físico Em relação ao bem-estar físico, a escala avalia a percepção de como o peso pode influenciar a mobilidade e o conforto na vida do dia a dia. É conhecido quanto o desconforto físico afecta a vida dos adultos obesos (168-169). No entanto, até à data, desconhecem-se estudos que documentem especificamente o impacto do desconforto físico na vida dos adolescentes obesos. Vida relacional O domínio da vida relacional avalia a interacção social, sobretudo a nível do grupo de pares. Os adolescentes obesos têm revelado um maior isolamento do ponto de vista social e um menor número de amigos comparativamente aos seus pares não obesos (30, 110, 116). Vários estudos demonstraram que as crianças incorporam desde muito cedo as preferências culturais pela magreza. Pelos 10-11 anos já preferem ter como amigas outras crianças, eventualmente com alguma dificuldade especial, em vez de crianças com excesso de peso (170). Também entre os 6 e os 10 anos já associam a obesidade a uma grande variedade de características negativas, tais como a preguiça e o desmazelo (171). Pensa-se que a estigmatização social associada à obesidade pode originar um mal-estar crónico, sentimentos de vergonha e até de culpa, os quais por sua vez poderão conduzir a perturbações afectivas (172). Alguns estudos revelaram que os adolescentes obesos também reportam mais vitimização pelos seus pares (173), por exemplo, através dos nomes que lhes são atribuídos ou por serem alvo sistemático de troça (teasing) por parte dos colegas (174-178). Os adolescentes obesos do sexo feminino tendem a tornar-se em média adultos com salários mais baixos, risco acrescido de pobreza, taxas superiores de desemprego e maior dificuldade de relacionamento com o companheiro
  • 64. Obesidade na adolescência - 64 - (179-180). Os adolescentes obesos do sexo masculino têm menos probabilidade de vir a casar quando adultos (181). A obesidade no adolescente e no jovem tem sido apontada mais como causa do que consequência do estatuto socio-económico (179, 181). No entanto, segundo Strauss, os filhos de mães obesas com baixo estatuto sócio-económico e vivendo em meios intelectualmente pouco estimulantes, têm um risco elevado de desenvolver obesidade (182). Por outro lado, a obesidade limitada à infância parece ter pouco impacto relativamente a consequências negativas na idade adulta, sugerindo que a adversidade social relacionada com a obesidade se desenvolve após a infância (180). Relações familiares O domínio da vida familiar avalia o contexto familiar do adolescente obeso e como este percepciona o modo como o seu peso influencia as suas interacções com os diversos elementos da família. A literatura sobre as correlações familiares da obesidade pediátrica, apesar de escassa, aponta para maiores dificuldades psicossociais nos adolescentes obesos que estabelecem ligações familiares mais fracas (183). A troça (teasing) por parte de elementos da família foi identificada como um dos factores associados ao excesso de peso (177). Em famílias com adolescentes obesos foi também descrita uma maior prevalência de um nível baixo de coesão familiar (184). Foi ainda descrita a associação entre obesidade e negligência parental (185). O nível de actividade física dos pais foi identificado como factor fortemente influenciador do grau de actividade física da criança. Filhos de mães fisicamente activas demonstraram duas vezes mais probabilidade de ser activos. Quando ambos os progenitores eram activos essa probabilidade
  • 65. Introdução - 65 - aumentava 5,8 vezes (186). Entre as razões que têm sido apontadas para explicar este facto incluem-se o papel dos pais enquanto modelos (parents serving as role models) e o reforço positivo e suporte que pais activos podem constituir para os seus filhos. Nas intervenções terapêuticas comportamentais, a modificação do z-score do IMC dos pais demonstrou ser um factor preditivo da modificação efectiva do z-score do IMC da criança obesa, uma vez controladas as outras variáveis (187). O estilo parental (tanto na vertente da autoridade como na da afectividade), aliás tal como se tem verificado em outros domínios da adolescência (188-189), pode também influenciar a evolução do controlo do peso na criança. Em programas de intervenção sistémica com envolvimento familiar, estilos permissivos foram associados a uma menor redução da carga obesogénica (ou seja, promotora de obesidade) do ambiente familiar e a uma menor eficácia na perda de peso (190). Em programas de orientação cognitivo-comportamental também com envolvimento familiar, a percepção do jovem obeso, na sequência da intervenção, de uma maior aceitação por parte da figura paterna esteve associada a um maior sucesso no controlo de peso (191). Interface entre obesidade e distúrbios de comportamento alimentar Os estudos de Leon (192) demonstraram que uma maior proporção de emoções negativas (nomeadamente, uma maior reactividade ao stress), uma auto-consciência pobre (dificuldade em identificar e distinguir estados emocionais e sentimentos) e uma dificuldade em controlar os impulsos, constituem factores etiológicos importantes para o desenvolvimento de distúrbios que vão desde a anorexia à obesidade. A incapacidade em compreender os sentimentos torna difícil o desenvolvimento de respostas adaptativas. Assim, através da mediação de uma variedade de influências pessoais, familiares e culturais, a restrição severa de comida ou o seu
  • 66. Obesidade na adolescência - 66 - consumo em excesso para lidar com estados emocionais negativos ou indistintos, pode levar à aprendizagem de que estes processos constituem uma boa forma de os ultrapassar, o que por sua vez favorece a perpetuação do ciclo. Algumas pessoas obesas são incapazes de distinguir entre estarem assustadas, zangadas ou com fome, podendo entender todos estes estados e sensações como significando fome, o que as leva a comer em excesso sempre que se sentem perturbadas. A combinação de uma consciência interior empobrecida e competências sociais fracas pode conduzir a que estas pessoas, quando perturbadas, não consigam gerir e apaziguar os seus sentimentos, com eventual desencadeamento de uma perturbação do comportamento alimentar (193). A adolescência é uma fase do desenvolvimento em que o aspecto exterior se reveste de uma importância extrema, funcionando como a “chave” para o relacionamento com os outros. A comparação e identificação com o grupo de pares torna-se determinante e o adolescente vê-se “como se estivesse sempre em cena” (194), com os olhares dos espectadores centrados no seu ponto mais fulcral, o corpo. É importante para qualquer adolescente que desenvolva as suas competências a nível emocional e social. Para o adolescente obeso será porventura ainda mais importante, o que é possível constatar tendo como base o modelo de Bar-On (195). Este autor caracteriza a Inteligência Emocional e Social como sendo um conjunto de capacidades não cognitivas, competências e habilidades que influenciam a capacidade de se ser bem sucedido em lidar com as exigências e pressões ambientais. Analisando as componentes da inteligência emocional segundo este modelo, verifica-se que é extremamente importante o desenvolvimento da auto-estima (habilidade para se aceitar a si mesmo e respeitar), do optimismo (habilidade para olhar para o lado positivo da vida e manter uma atitude positiva, mesmo perante adversidades), da felicidade (habilidade para se sentir satisfeito com a sua vida, para gostar de si
  • 67. Introdução - 67 - e dos outros, para ter prazer e expressar emoções positivas) e da responsabilidade social (habilidade para conseguir superar as eventuais frustrações ligadas ao corpo, através da valorização e aceitação dos aspectos positivos inerentes a si próprio, à sua vida e ao seu papel na sociedade). Prevenção e Tratamento Nesta lógica, a prevenção e o tratamento da obesidade adolescente deverão, desejavelmente, contemplar a aquisição de competências emocionais que ajudem os adolescentes a identificar os seus sentimentos e a aprender formas de se auto-controlar e de conseguir gerir melhor os seus impulsos e relações, sem que para isso tenham de recorrer a hábitos alimentares prejudiciais, nomeadamente, comer em excesso. Porque o todo é sempre maior do que a soma das partes, o que defendemos é a promoção do bem-estar global do adolescente obeso de modo a que se sinta melhor consigo próprio tanto a nível físico como psicológico. Assim, as intervenções nesta área não deverão apenas ter em linha de conta o controlo do peso e a promoção das competências sociais mas também, um melhor entendimento da fase do desenvolvimento em que o adolescente se encontra e das transformações que estão a ocorrer (196). Essas intervenções têm de ser extremamente prudentes, passando, acima de tudo pela ajuda na procura de um estilo de vida saudável (197). Não é desejável perder peso de uma forma drástica ou perdê-lo para voltar a ganhá-lo. A modificação de atitudes e comportamentos relacionados com a dieta alimentar a que estes adolescentes se submetem, pode acabar por ficar associada a uma preocupação demasiado intensa com a alimentação. As pesagens sucessivas, uma focalização doentia sobre o conteúdo calórico dos alimentos ou uma prática excessiva de exercício físico com o objectivo de perder peso, são prejudiciais e podem ser indiciadoras de um distúrbio do comportamento alimentar (198). Os pais, enquanto elementos fulcrais do
  • 68. Obesidade na adolescência - 68 - sistema familiar podem ter uma influência determinante no desenvolvimento deste tipo de situações (199-201). Duas perspectivas teóricas, a da resiliência e a da auto-determinação poderão influenciar de um modo determinante a prevenção e tratamento da obesidade adolescente. A primeira baseia-se no processo dinâmico que diz respeito à adaptação positiva num contexto de adversidade. Estão implícitas neste conceito duas situações: a exposição a uma ameaça significativa ou a uma adversidade severa; e uma capacidade de adaptação positiva, apesar de adversidades importantes no processo de desenvolvimento (202-206). Pela vulnerabilidade acrescida que a obesidade representa no desenvolvimento do adolescente e por se tratar de uma doença crónica, a obesidade deverá ser considerada uma adversidade major. Há uma evidência crescente de que os adolescentes com doença crónica têm uma probabilidade acrescida de se envolver em comportamentos de risco quando comparados com os seus pares saudáveis (207), o que nos poderá levar a concluir que o adolescente obeso e com excesso de peso também se inscreva neste padrão. A psicopatologia do desenvolvimento tem vindo a aplicar as descobertas da investigação nesta área no desenho de intervenções em diversos grupos de risco (208-210). Apesar de este domínio ainda não ter sido desenvolvido por outros autores, parece-nos fazer todo o sentido considerar os adolescentes obesos como um desses grupos de risco. Um melhor entendimento dos factores protectores na vida do adolescente poderia influenciar as estratégias de intervenção na área da obesidade adolescente, em nosso entender, muito positivamente. A teoria da auto-determinação (211) tem estudado as determinantes sociais e contextuais que facilitam ou, pelo contrário, dificultam os processos naturais da
  • 69. Introdução - 69 - auto-motivação e de um desenvolvimento psicológico saudável. Foram identificados factores que estimulam e outros que, pelo contrário, dificultam a motivação intrínseca, a auto-regulação e o bem-estar. Esta teoria definiu três necessidades psicológicas inatas: a competência, a autonomia e a relação, as quais uma vez satisfeitas vão estimular a auto-motivação e melhorar a saúde mental, e quando não satisfeitas conduzem a uma motivação e bem-estar diminuídos. A nível da prevenção torna-se evidente a necessidade de encontrar estratégias que permitam estimular e facilitar os processos de auto-motivação (212). Por outro lado, quanto mais saudável for a saúde mental do adolescente obeso e maior a sua motivação, mais probabilidade teremos de sucesso a nível da intervenção terapêutica. O pediatra, enquanto médico da criança e da sua circunstância e mediador em tudo quanto é promoção de bem-estar para a criança, deverá ter um papel activo de interventor nas fases mais precoces de risco (213), nomeadamente na vida pré-natal, no primeiro ano de vida e na adolescência.
  • 70. Obesidade na adolescência - 70 - Referências Bibliográficas 1. Sokol R. The chronic disease of childhood obesity: The sleeping giant has awakened. J Pediatr 2000; 136: 711-13. 2. www.who.int World Health Organization. “Health Topics, obesity” (consultado em 12 Agosto 2008). 3. www.iuns.org International Union of Nutritional Sciences. “Features” (consultado em 12 Agosto 2008). 4. Lean MEJ. Prognosis in obesity. We all need to move a little more, eat little less. BMJ 2005; 330: 1339-40. 5. Update: Prevalence of overweight among children, adolescents, and adults- United States, 1988-1994. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1997; 46: 199-202. 6. Ogden CL, Flegal KM, Carroll MD, Johnson CL. Prevalence and trends in overweight among US children and adolescents, 1999-2000. JAMA. 2002; 288: 1728-1732. 7. Hedley AA, Ogden CL, Johnson CL, Carroll MD, Curtin LR, Flegal KM. Prevalence of overweight and obesity among US children, adolescents, and adults, 1999-2002. JAMA. 2004; 291: 2847-2850. 8. NHANES data on the Prevalence of Overweight Among Children and Adolescents: United States, 2003–2004. CDC National Center for Health Statistics, Health E-Stat. http://www.cdc.gov/nchs/products/pubs/pubd/hestats/ overweight/overwghtchild03.htm (consultado em 12 Agosto 2008).
  • 71. Introdução - 71 - 9. IOTF Childhood Obesity Report, May 2004. www.iotf.org/childhood (consultado em 12 Agosto 2008). 10. Lobstein TJ, Frelut M-L. Prevalence of overweight children in Europe. Obes Rev 2003; 4: 195-200. 11. EU Platform on diet, physical activity and health. Obesity in Europe. International Obesity Taskforce (IOTF) / European Association for the study of obesity (EASO), March 2005. ec.europa.eu/health/ph_determinants/life_ style/ nutrition/documents/iotf_en.pdf (consultado em 6 Outubro 2008). 12. Carmo I, Santos O, Camolas J, Vieira J, Carreira M, Medina L, Reis L, Galvão-Teles A. Prevalence of obesity in Portugal. Obes Rev 2006; 7: 233-37. 13. Fonseca H, Matos MG., Guerra A, Gomes Pedro J. Overweight and health- related factors among Portuguese adolescents across 8 years of HBSC Survey (artigo submetido). 14. Lissau I, Overpeck MD, Ruan WJ, et al. Body mass index and overweight in adolescents in 13 European countries, Israel, and the United States. Arch Pediatr Adolesc Med. 2004; 158: 27-33. 15. Padez C, Fernandes T, Mourão I. Prevalence of overweight and obesity in 7-9 year-old Portuguese children: Trends in body mass index from 1970-2002. Am J Hum Biol 2004; 16: 670-78. 16. Obesidade, Prevenção e Terapêutica. 1ª ed. Lisboa: Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade e Editorial Presença eds, 2008.