1. AS MULHERES DA MINHA GERAÇÃO (Santiago Gâmboa - escritor colombiano) Hoje têm cinquenta e muitos anos, inclusive sessenta e tal, e são belas, muito belas, porém também serenas, compreensivas, sensatas e sobretudo diabòlicamente sedutoras, isto, apesar dos seus incipientes pés-de-galinha ou desta afetuosa celulite que capitaneiam as suas coxas, mas que as fazem tão humanas, tão reais. Avanço automático
2. Formosamente reais. Quase todas, hoje, estão casadas ou divorciadas, ou divorciadas e casadas, com a intenção de não se equivocar no segundo intento, que às vezes é um modo de se acercar do terceiro e do quarto intento. Que importa? Outras, ainda que poucas, mantêm um pertinaz celibatarismo, protegendo-o como uma fortaleza sitiada que, de qualquer modo, de vez em quando abre as suas portas a algum visitante.
3. Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração! Nascidas sob a era de Aquário, com influência da música dos Beatles, de Bob Dylan, de Lou Reed, do melhor cinema de Kubrick e do início do boom latino-americano, são seres excepcionais. Herdeiras da revolução sexual da década de 60 e das correntes feministas, elas souberam combinar liberdade com coqueteria, emancipação com paixão, reivindicação com sedução.
4. Jamais viram no homem um inimigo, apesar de lhe cantarem algumas verdades, pois compreenderam que a sua emancipação era algo mais do que pôr o homem a lavar a louça . São maravilhosas e têm estilo, mesmo quando nos fazem sofrer, quando nos enganam ou nos deixam.
5. Usaram saias indianas aos 18 anos, se enfeitaram com colares andinos, se cobriram com suéteres de lã e perderam a sua parecença com Maria, a Virgem, numa noite de sexta-feira ou de sábado, depois de dançar El Raton com algum amigo que lhes falou de Kafka, de Neruda e do cinema de Bergman.
6. Falaram com paixão de política e quiseram mudar o mundo, beberam rum cubano e aprenderam de cor as canções de Sílvio Rodriguez e de Pablo Milanez, conhecerem os sítios arqueológicos, foram com seus namorados às praias, dormindo em barracas e se deixando picar pelos mosquitos, porque adoravam a liberdade e, sobretudo, juraram nos amar por toda a vida, algo que sem dúvida fizeram e que hoje continuam a fazer na sua formosa e sedutora madureza.
7. No fundo das suas mochilas traziam pacotes de rouge, livros de Simone de Beauvoir e fitas de Victor Jara, e, ao nos deixar, quando não havia mais remédio senão nos deixar, nos dedicavam aquela canção, que é ao mesmo tempo um clássico do jornalismo e do despeito, que se chama “ Seu amor é um jornal de ontem".
8. Souberam ser, apesar de sua beleza, rainhas bem educadas, pouco caprichosas ou egoístas. Deusas com sangue humano. O tipo de mulher que, quando lhe abrem a porta do carro para que suba, se inclina sobre o assento e, por sua vez, abre a do seu companheiro por dentro.
9. A que recebe um amigo que sofre às quatro da manhã, ainda que seja seu ex-noivo, porque são maravilhosas e têm estilo, ainda que nos façam sofrer, quando nos enganam, ou nos deixam, pois o seu sangue não é suficientemente gelado para não nos escutar nessa salvadora e última noite, na qual estão dispostas a nos servir o oitavo uísque e a colocar, pela sexta vez, aquela melodia de Santana.
10. Por isso, para nós que nascemos entre as décadas de 40 e 60, o dia da mulher é, na verdade, todos os dias do ano, cada um dos dias com suas noites e seus amanheceres, que são mais belos, como diz o bolero, quando está você. Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração! Música: Woodstock - California Dreamers Montagem: maricarusocunha@pranos.com.br www.pranos.com.br Abraços