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O amor que não ousava dizer o nome na URSS 
Prof. Dr. Diego Santos Vieira de Jesus (PUC-Rio / ESPM-Rio / IBMR) 
Minicurso | I Jornada de Estudos Marxistas da UFRJ | IFCS | 21 de outubro de 2014
Introdução 
A descriminalização da sodomia nos primeiros anos da Revolução Russa atendia ao interesse de 
diferenciar o aparato institucional construído na Rússia / União Soviética em relação ao da época 
czarista e aos das sociedades europeias burguesas daquele momento. Porém, tal 
descriminalização não necessariamente significava que a homossexualidade masculina deixara de 
ser vulnerável à perseguição.
Introdução 
Gradativamente, o mito de que a Rússia era uma nação “inocente” acerca da homossexualidade 
masculina ajudava a construir a imagem da heterossexualidade universal e pura como um padrão 
natural no tecido social, de forma que a homossexualidade masculina era paulatinamente 
relegada à Europa Ocidental – vista como reprodutora das “doenças da civilização” – e ao Oriente, 
concebido como “exótico” e “atrasado”.
Introdução 
A criminalização da homossexualidade masculina a partir do governo de Stalin atuou constituindo 
a identidade da União Soviética como um Estado repressor. Porém, a permanência da subcultura 
homossexual masculina na União Soviética mostrava a incompletude do aparelho de construção 
estatal.
A aparente tolerância na Rússia Medieval 
A Rússia Medieval era aparentemente tolerante à homossexualidade masculina, e há inclusive 
evidência de amor homossexual na vida de santos no Principado de Kiev no século XI. Os atos 
homossexuais eram concebidos como pecados pela Igreja Ortodoxa, mas não havia restrições 
jurídicas contra eles naquela época.
A aparente tolerância na Rússia Imperial 
Na Moscóvia dos séculos XVI e XVII, eram visíveis demonstrações de afeto homossexual entre 
homens de todas as classes. Apenas durante o reinado de Pedro, o Grande, no século XVIII, foram 
desenvolvidas as primeiras leis contra atos homossexuais na Rússia, mas em estatutos militares 
aplicados aos soldados.
A “liberdade relativa” na Rússia Imperial 
Posteriormente, o Código Penal incluiu o Artigo 995, que tornava o intercurso anal entre homens um 
ato criminoso que poderia ser punido com exílio e trabalhos forçados na Sibéria por até cinco anos. 
Contudo, alguns dos intelectuais mais relevantes do século XIX mantinham uma vida homossexual 
ou bissexual relativamente aberta, dentre os quais cabe citar o compositor Petr Tchaikovsky.
A “liberdade relativa” na Rússia Imperial 
A fraqueza comparativa das ciências médicas no Império Russo e a relutância do Estado czarista 
em desdobrar recursos policiais para perseguir homossexuais masculinos permitiram uma maior 
liberdade para a exploração e o desenvolvimento de um escopo complexo e plural de identidades 
sexuais.
A “liberdade relativa” na Rússia Imperial 
Embora tivesse sido criada uma legislação proibindo a sodomia – entendida como intercurso anal 
entre homens e considerada um crime pelo Código Penal czarista redigido em 1845 e reformado 
em 1885 –, a homossexualidade masculina era pouco controlada e inclusive se tornava um tema 
social e literário cada vez mais relevante no início do século XX.
A “liberdade relativa” na Rússia Imperial 
Mesmo que o controle fosse reduzido, a sodomia era oficialmente punida com a perda de direitos civis e servidão 
penal de quatro a cinco anos, e aqueles culpados de sodomia que eram cristãos eram sujeitos a punições 
religiosas pelas autoridades eclesiásticas. O Artigo 996 do Código Penal ampliou a pena para perda de direitos e 
exílio em campos de trabalho forçado de nove a doze anos se o ato fosse acompanhado de violência ou 
realizado contra menores de idade ou deficientes mentais.
O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” 
Os marxistas acreditavam que a “perversão sexual” era o reino de degenerados aristocratas e 
pequeno-burgueses. A erosão da autonomia nas saunas sob a administração bolchevique 
forçou os homens a buscarem o contato sexual com outros homens em novos locais.
O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” 
Apesar do desconforto com a homossexualidade masculina, os líderes bolcheviques 
descriminalizaram a sodomia entre adultos no Código Penal da República Russa em 1922 
como forma de desmantelar os impedimentos religiosos da época czarista e os obstáculos 
burgueses à livre expressão do amor sexual e romântico, enquanto a legislação moralizante 
na Alemanha e na Inglaterra continuava a criar obstáculos às vidas de homens homossexuais.
O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” 
É importante destacar o impacto negativo das políticas econômicas soviéticas sobre a 
subcultura homossexual masculina, pois encorajaram muitos homens a considerar favores 
sexuais como uma moeda de troca numa economia de permanente escassez. A deterioração 
da qualidade de vida dos homens nessa subcultura foi rápida depois da revolução e 
permaneceu mesmo depois da revitalização econômica soviética durante a era da Nova 
Política Econômica (1921-1929).
O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” 
O governo sob a Nova Política Econômica mostrou-se preparado para instrumentalizar a 
questão do “desvio sexual” a fim de desacreditar instituições como a Igreja Ortodoxa com a 
qual competia, ampliando as acusações de pederastia nessa instituição e fortalecendo as 
bases da campanha estatal contra a religião.
O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” 
Fora do coração da União Soviética, os bolcheviques interpretavam a presença da 
homossexualidade masculina nas culturas transcausasianas e centroasiáticas como uma 
“evidência de seu atraso”, que seria eventualmente erradicada com o socialismo. A “missão 
civilizadora” soviética nas regiões islâmicas renovava o hábito imperial de ver a sodomia como 
endêmica àquelas sociedades.
O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” 
A sodomia foi criminalizada nas repúblicas do Azerbaijão em 1923, no Uzbequistão em 1926 e 
no Turcomenistão em 1927. Numa perspectiva geral, as percepções bolcheviques nesse 
momento foram articuladas levando em conta da diversidade do espaço que controlavam e 
eram governadas pela sua determinação em impor a condição do que entendiam como 
“modernidade” a quem o habitava.
A “geografia da perversão” 
Os “grandes russos” colocavam-se no 
topo da hierarquia étnica da civilização, 
e a Rússia, vista como “jovem”, era 
concebida como relativamente 
“intocada” pela diversidade sexual. A 
pureza do camponês russo – que 
também incorporava simplicidade, 
ingenuidade e fecundidade para 
oferecer soldados ao Estado – 
sustentava esse mito de “inocência 
sexual”, de forma que tais camponeses 
eram vistos como “naturalmente 
saudáveis” e livres da “artificialidade” da 
diversidade sexual.
A “geografia da perversão” 
A homossexualidade masculina também 
era alocada pelos russos no Ocidente. A 
Europa Ocidental burguesa era vista 
como uma fonte das “doenças” da 
civilização como as “perversões 
sexuais”. 
Como as “perversões sexuais” eram 
vistas como elementos importados 
daqueles Estados ocidentais, elas 
poderiam “infectar” os russos num 
contexto de expansão da vida urbana, 
no qual cidadãos russos mais 
ocidentalizados estariam mais propícios 
ao risco de adquirir a “doença da 
homossexualidade”. A 
homossexualidade ainda era 
descriminalizada na Rússia, mas nem 
por isso era plenamente aceita.
O papel da ciência 
Lênin gradativamente defendia uma construção racional e científica da ordem sexual na própria 
Rússia, tendo em vista o objetivo de canalizar energias sexuais em esforços saudáveis para a 
consolidação do poder do partido. Gradativamente, buscou confiar a questão da sexualidade à 
ciência e ao conselho de homens comunistas.
O papel da ciência 
A comunidade científica gozou de um relativo privilégio na consideração da homossexualidade 
masculina, num momento em que o silêncio do Código Penal sobre relações homoeróticas entre 
homens oferecia oportunidades para que a medicina atuasse numa área antes dominada pelas 
práticas policiais.
Stalin e a contenção das 
ameaças internas e externas 
No caso do governo de Stalin, a 
necessidade de conter as 
“anomalias sociais” ficou ainda 
mais visível quando Genrikh 
Iagoda passou a liderar o 
Comissariado do Povo para 
Assuntos Internos (1934-1936). As 
discussões sobre essas 
“anomalias” começaram a se voltar 
para os homossexuais masculinos 
em face da exploração, pela 
subcultura homossexual masculina, 
dos espaços públicos, que se 
passaram a ser alvos de maior 
escrutínio. Muitos dos locais 
utilizados por homens buscando 
sexo com outros eram também 
centros de prostituição 
heterossexual.
Stalin e a contenção das 
ameaças internas e externas 
A polícia secreta e política do 
Partido Comunista soviético ligava 
gradativamente a 
homossexualidade masculina à 
espionagem e à contrarrevolução, 
e sua perseguição tornou-se parte 
da campanha contra elementos 
antissoviéticos em geral. Tal “virada 
antihomossexual” dera-se em 
resposta à suposta descoberta de 
redes de espionagem lideradas por 
nazistas alemães infiltrados em 
círculos homossexuais em Moscou, 
Leningrado e outras cidades 
soviéticas.
Stalin e a contenção das ameaças internas e externas 
Apesar da preocupação inicial relacionada à espionagem nazista, poucas relações posteriores 
foram feitas da homossexualidade masculina com essa atividade, embora a nova lei tivesse sido 
apresentada para os comunistas estrangeiros como uma medida para impedir a infiltração dos 
fascistas. Posteriormente, referências à sodomia paga, profissional e pública foram removidas do 
estatuto a fim de limitar especulações internas e externas sobre sexo público entre homens e a 
prostituição masculina na União Soviética.
Stalin e a contenção das ameaças internas e externas 
O Artigo 154 do Código Penal russo – depois alterado para 121 – punia os atos sexuais entre 
homens e foi seguido por prisões e perseguições no ápice do terror stalinista. As múltiplas 
identidades associáveis aos indivíduos presos pelo sistema – “antigo burguês”, “desertor da 
classe”, “trotskista”, por exemplo – tornam difícil estabelecer exatamente o número preciso de 
vítimas do estatuto antissodomia, que vigorou na Rússia até abril de 1993. A ameaça de 
perseguição também foi usada para chantagear homossexuais e obrigá-los a informar a polícia e 
a KGB.
Stalin e a contenção das ameaças internas e 
externas 
Porém, homens que buscavam sexo com outros 
homens continuaram a confiar nas técnicas de 
encobrimento e de “sociabilidade inocente” para 
mascarar seus propósitos em relação ao sistema 
dominante de gênero e sexualidade. Essa mistura de 
técnicas era de difícil policiamento e monitoramento.
Stalin e a contenção das ameaças internas e 
externas 
As relações criadas entre esses homens 
ultrapassavam as solidariedades ao partido e as 
diferenças em nível de educação, ocupação, status 
social e idade.
Considerações finais 
Mesmo após o fim dos mecanismos repressivos desenvolvidos no período em foco, não se pode 
ignorar que a homofobia se mostre cada vez mais presente na sociedade russa pós-soviética.
Considerações finais 
Enquanto o Ocidente parece apoiar a noção de que a comunidade gay na Rússia esteja se 
formando, os resultados na prática são bem variados, tendo em vista a permanência da 
intolerância na sociedade russa e a relutância de homossexuais russos – tanto masculinos como 
femininos – de se engajarem no ativismo diante das disputas internas entre as organizações 
existentes, da dependência dos recursos financeiros ocidentais e da falha na atração de uma 
quantidade significativa de membros.
Obrigado !

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Apresentação ufrj o amor que não ousava dizer o nome na urss- diego santos

  • 1. O amor que não ousava dizer o nome na URSS Prof. Dr. Diego Santos Vieira de Jesus (PUC-Rio / ESPM-Rio / IBMR) Minicurso | I Jornada de Estudos Marxistas da UFRJ | IFCS | 21 de outubro de 2014
  • 2. Introdução A descriminalização da sodomia nos primeiros anos da Revolução Russa atendia ao interesse de diferenciar o aparato institucional construído na Rússia / União Soviética em relação ao da época czarista e aos das sociedades europeias burguesas daquele momento. Porém, tal descriminalização não necessariamente significava que a homossexualidade masculina deixara de ser vulnerável à perseguição.
  • 3. Introdução Gradativamente, o mito de que a Rússia era uma nação “inocente” acerca da homossexualidade masculina ajudava a construir a imagem da heterossexualidade universal e pura como um padrão natural no tecido social, de forma que a homossexualidade masculina era paulatinamente relegada à Europa Ocidental – vista como reprodutora das “doenças da civilização” – e ao Oriente, concebido como “exótico” e “atrasado”.
  • 4. Introdução A criminalização da homossexualidade masculina a partir do governo de Stalin atuou constituindo a identidade da União Soviética como um Estado repressor. Porém, a permanência da subcultura homossexual masculina na União Soviética mostrava a incompletude do aparelho de construção estatal.
  • 5. A aparente tolerância na Rússia Medieval A Rússia Medieval era aparentemente tolerante à homossexualidade masculina, e há inclusive evidência de amor homossexual na vida de santos no Principado de Kiev no século XI. Os atos homossexuais eram concebidos como pecados pela Igreja Ortodoxa, mas não havia restrições jurídicas contra eles naquela época.
  • 6. A aparente tolerância na Rússia Imperial Na Moscóvia dos séculos XVI e XVII, eram visíveis demonstrações de afeto homossexual entre homens de todas as classes. Apenas durante o reinado de Pedro, o Grande, no século XVIII, foram desenvolvidas as primeiras leis contra atos homossexuais na Rússia, mas em estatutos militares aplicados aos soldados.
  • 7. A “liberdade relativa” na Rússia Imperial Posteriormente, o Código Penal incluiu o Artigo 995, que tornava o intercurso anal entre homens um ato criminoso que poderia ser punido com exílio e trabalhos forçados na Sibéria por até cinco anos. Contudo, alguns dos intelectuais mais relevantes do século XIX mantinham uma vida homossexual ou bissexual relativamente aberta, dentre os quais cabe citar o compositor Petr Tchaikovsky.
  • 8. A “liberdade relativa” na Rússia Imperial A fraqueza comparativa das ciências médicas no Império Russo e a relutância do Estado czarista em desdobrar recursos policiais para perseguir homossexuais masculinos permitiram uma maior liberdade para a exploração e o desenvolvimento de um escopo complexo e plural de identidades sexuais.
  • 9. A “liberdade relativa” na Rússia Imperial Embora tivesse sido criada uma legislação proibindo a sodomia – entendida como intercurso anal entre homens e considerada um crime pelo Código Penal czarista redigido em 1845 e reformado em 1885 –, a homossexualidade masculina era pouco controlada e inclusive se tornava um tema social e literário cada vez mais relevante no início do século XX.
  • 10. A “liberdade relativa” na Rússia Imperial Mesmo que o controle fosse reduzido, a sodomia era oficialmente punida com a perda de direitos civis e servidão penal de quatro a cinco anos, e aqueles culpados de sodomia que eram cristãos eram sujeitos a punições religiosas pelas autoridades eclesiásticas. O Artigo 996 do Código Penal ampliou a pena para perda de direitos e exílio em campos de trabalho forçado de nove a doze anos se o ato fosse acompanhado de violência ou realizado contra menores de idade ou deficientes mentais.
  • 11. O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” Os marxistas acreditavam que a “perversão sexual” era o reino de degenerados aristocratas e pequeno-burgueses. A erosão da autonomia nas saunas sob a administração bolchevique forçou os homens a buscarem o contato sexual com outros homens em novos locais.
  • 12. O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” Apesar do desconforto com a homossexualidade masculina, os líderes bolcheviques descriminalizaram a sodomia entre adultos no Código Penal da República Russa em 1922 como forma de desmantelar os impedimentos religiosos da época czarista e os obstáculos burgueses à livre expressão do amor sexual e romântico, enquanto a legislação moralizante na Alemanha e na Inglaterra continuava a criar obstáculos às vidas de homens homossexuais.
  • 13. O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” É importante destacar o impacto negativo das políticas econômicas soviéticas sobre a subcultura homossexual masculina, pois encorajaram muitos homens a considerar favores sexuais como uma moeda de troca numa economia de permanente escassez. A deterioração da qualidade de vida dos homens nessa subcultura foi rápida depois da revolução e permaneceu mesmo depois da revitalização econômica soviética durante a era da Nova Política Econômica (1921-1929).
  • 14. O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” O governo sob a Nova Política Econômica mostrou-se preparado para instrumentalizar a questão do “desvio sexual” a fim de desacreditar instituições como a Igreja Ortodoxa com a qual competia, ampliando as acusações de pederastia nessa instituição e fortalecendo as bases da campanha estatal contra a religião.
  • 15. O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” Fora do coração da União Soviética, os bolcheviques interpretavam a presença da homossexualidade masculina nas culturas transcausasianas e centroasiáticas como uma “evidência de seu atraso”, que seria eventualmente erradicada com o socialismo. A “missão civilizadora” soviética nas regiões islâmicas renovava o hábito imperial de ver a sodomia como endêmica àquelas sociedades.
  • 16. O início do governo bolchevique e a “geografia da perversão” A sodomia foi criminalizada nas repúblicas do Azerbaijão em 1923, no Uzbequistão em 1926 e no Turcomenistão em 1927. Numa perspectiva geral, as percepções bolcheviques nesse momento foram articuladas levando em conta da diversidade do espaço que controlavam e eram governadas pela sua determinação em impor a condição do que entendiam como “modernidade” a quem o habitava.
  • 17. A “geografia da perversão” Os “grandes russos” colocavam-se no topo da hierarquia étnica da civilização, e a Rússia, vista como “jovem”, era concebida como relativamente “intocada” pela diversidade sexual. A pureza do camponês russo – que também incorporava simplicidade, ingenuidade e fecundidade para oferecer soldados ao Estado – sustentava esse mito de “inocência sexual”, de forma que tais camponeses eram vistos como “naturalmente saudáveis” e livres da “artificialidade” da diversidade sexual.
  • 18. A “geografia da perversão” A homossexualidade masculina também era alocada pelos russos no Ocidente. A Europa Ocidental burguesa era vista como uma fonte das “doenças” da civilização como as “perversões sexuais”. Como as “perversões sexuais” eram vistas como elementos importados daqueles Estados ocidentais, elas poderiam “infectar” os russos num contexto de expansão da vida urbana, no qual cidadãos russos mais ocidentalizados estariam mais propícios ao risco de adquirir a “doença da homossexualidade”. A homossexualidade ainda era descriminalizada na Rússia, mas nem por isso era plenamente aceita.
  • 19. O papel da ciência Lênin gradativamente defendia uma construção racional e científica da ordem sexual na própria Rússia, tendo em vista o objetivo de canalizar energias sexuais em esforços saudáveis para a consolidação do poder do partido. Gradativamente, buscou confiar a questão da sexualidade à ciência e ao conselho de homens comunistas.
  • 20. O papel da ciência A comunidade científica gozou de um relativo privilégio na consideração da homossexualidade masculina, num momento em que o silêncio do Código Penal sobre relações homoeróticas entre homens oferecia oportunidades para que a medicina atuasse numa área antes dominada pelas práticas policiais.
  • 21. Stalin e a contenção das ameaças internas e externas No caso do governo de Stalin, a necessidade de conter as “anomalias sociais” ficou ainda mais visível quando Genrikh Iagoda passou a liderar o Comissariado do Povo para Assuntos Internos (1934-1936). As discussões sobre essas “anomalias” começaram a se voltar para os homossexuais masculinos em face da exploração, pela subcultura homossexual masculina, dos espaços públicos, que se passaram a ser alvos de maior escrutínio. Muitos dos locais utilizados por homens buscando sexo com outros eram também centros de prostituição heterossexual.
  • 22. Stalin e a contenção das ameaças internas e externas A polícia secreta e política do Partido Comunista soviético ligava gradativamente a homossexualidade masculina à espionagem e à contrarrevolução, e sua perseguição tornou-se parte da campanha contra elementos antissoviéticos em geral. Tal “virada antihomossexual” dera-se em resposta à suposta descoberta de redes de espionagem lideradas por nazistas alemães infiltrados em círculos homossexuais em Moscou, Leningrado e outras cidades soviéticas.
  • 23. Stalin e a contenção das ameaças internas e externas Apesar da preocupação inicial relacionada à espionagem nazista, poucas relações posteriores foram feitas da homossexualidade masculina com essa atividade, embora a nova lei tivesse sido apresentada para os comunistas estrangeiros como uma medida para impedir a infiltração dos fascistas. Posteriormente, referências à sodomia paga, profissional e pública foram removidas do estatuto a fim de limitar especulações internas e externas sobre sexo público entre homens e a prostituição masculina na União Soviética.
  • 24. Stalin e a contenção das ameaças internas e externas O Artigo 154 do Código Penal russo – depois alterado para 121 – punia os atos sexuais entre homens e foi seguido por prisões e perseguições no ápice do terror stalinista. As múltiplas identidades associáveis aos indivíduos presos pelo sistema – “antigo burguês”, “desertor da classe”, “trotskista”, por exemplo – tornam difícil estabelecer exatamente o número preciso de vítimas do estatuto antissodomia, que vigorou na Rússia até abril de 1993. A ameaça de perseguição também foi usada para chantagear homossexuais e obrigá-los a informar a polícia e a KGB.
  • 25. Stalin e a contenção das ameaças internas e externas Porém, homens que buscavam sexo com outros homens continuaram a confiar nas técnicas de encobrimento e de “sociabilidade inocente” para mascarar seus propósitos em relação ao sistema dominante de gênero e sexualidade. Essa mistura de técnicas era de difícil policiamento e monitoramento.
  • 26. Stalin e a contenção das ameaças internas e externas As relações criadas entre esses homens ultrapassavam as solidariedades ao partido e as diferenças em nível de educação, ocupação, status social e idade.
  • 27. Considerações finais Mesmo após o fim dos mecanismos repressivos desenvolvidos no período em foco, não se pode ignorar que a homofobia se mostre cada vez mais presente na sociedade russa pós-soviética.
  • 28. Considerações finais Enquanto o Ocidente parece apoiar a noção de que a comunidade gay na Rússia esteja se formando, os resultados na prática são bem variados, tendo em vista a permanência da intolerância na sociedade russa e a relutância de homossexuais russos – tanto masculinos como femininos – de se engajarem no ativismo diante das disputas internas entre as organizações existentes, da dependência dos recursos financeiros ocidentais e da falha na atração de uma quantidade significativa de membros.