PROJETO DE EXTENSÃO I - TERAPIAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES.pdf
A participação feminina na Revolução Russa de 1917 e as propostas de Lênin
1. I JORNADA MARXISTA DA
UFRJ
A Voz de Outubro: 90 Anos sem Lenin
A participação das mulheres no processo
revolucionário russo de 1917
Vanessa Bezerra de Souza – Profª Adjunta da Escola de Serviço
Social da UFRJ e Conselheira do CRESS 7ª Região
2.
3. Ao nos debruçarmos sobre a produção teórica
que trata das relações sociais de gênero,
principalmente nos últimos vinte anos, é possível
perceber a presença recorrente da crítica ao
marxismo, seja por sua suposta cegueira às
questões de gênero, seja pela insuficiência de
seu arcabouço categorial para apreender
devidamente o fenômeno, muitas vezes sendo
analisado por uma perspectiva economicista, em
que gênero seria o resultado mecânico de
exigências impostas pela economia capitalista
4. Em relação à suposta cegueira do marxismo
frente ao gênero, objetivamos demonstrar sua
improcedência, já que apresentaremos
experiências socialistas, principalmente da
Rússia, no trato da questão das desigualdades
de gênero, naquela época compreendida e
denominada como questão da mulher. Isto não
significa que as interpretações e estratégias
estabelecidas pelos socialistas, que tinham o
marxismo como referência de análise da
realidade, tenham alcançado a eliminação das
desigualdades de gênero, mas de imediato
desmonta a crítica que acusa o marxismo de
cego às questões de gênero.
5. Quanto aos equívocos cometidos
pelos países socialistas, na
construção de estratégias para
extinguir as desigualdades de
gênero, há que se considerar o
momento histórico no qual tais
interpretações foram feitas, dado
que são as próprias condições
históricas que tornam possíveis e
urgentes o desenvolvimento da
compreensão de qualquer fenômeno
social.
6. No que diz respeito à própria denominação
“marxismo”, é importante lembrar que este, da
forma em que comumente é concebido, nunca
existiu. O que ocorreu foi o desenvolvimento de
uma tradição teórico-intelectual e política, a partir
da obra de Marx, tradição esta marcada por
premissas comuns, mas que originou uma
pluralidade e diversidade de interpretações, por
vezes inclusive colidentes. Tal pluralidade de
interpretações teve origem na forma como a obra
de Marx foi apreendida, passando por reduções,
revisões e até mesmo por acréscimos, o que
originou a chamada tradição marxista,
compreendida por Netto como “um bloco cultural
extremamente complexo e diferenciado, no
interior do qual se estruturam e se movem
vertentes que concorrem entre si” (1995)
7. Uma das principais limitações das
análises dogmáticas, é a afirmação de
que as desigualdades entre mulheres e
homens são uma decorrência do
surgimento da propriedade privada (e em
alguns momentos compreende-se como
decorrência do próprio capitalismo).
8. Diante desta afirmação, também não procede a
acusação de que o marxismo não trata, ou não
trata devidamente a questão das relações de
gênero, posto que estamos diante de uma
tradição extremamente heterogênea, em que
certamente justifica a afirmação de que não
existe o marxismo, e sim vários marxismos, que
compõem a tradição como um todo. Agora sim,
a crítica pode proceder, se considerarmos a
existência de correntes marxistas que, diante da
obra de Marx, comportam-se de maneira
dogmática, reducionista e economicista,
tomando as análises de Marx como verdades
absolutas e a-históricas, não reconhecendo,
portanto, que a maior contribuição do pensador
foi a elaboração do método materialista
histórico-dialético de análise da realidade.
9. Reconhecermos o método marxista
como o mais apropriado para a
apreensão do fenômeno das
relações de gênero, reconhecendo
que tal escolha implica numa
tomada de posição política, que nos
situa na luta pela transformação
social, em um determinado campo.
Aliás, compreendemos que toda e
qualquer opção teórica tem
implicações no campo da luta
política.
10. O cerne da diferenciação do marxismo, em
relação às outras formas de compreender a
realidade, está na ideia apresentada por Marx em
suas teses sobre Feuerbach: “Os filósofos só
interpretaram o mundo de diferentes maneiras;
do que se trata é de transformá-lo”.
É esta postura diante da investigação sobre a
realidade, visando sua transformação, que faz da
teoria marxista uma teoria revolucionária, o que
para nós é fundamental, se consideramos
importante a compreensão das relações de
gênero não apenas como fim em si, mas como
meio para sua transformação.
11. Sendo assim, compreendemos que o
método materialista é o mais adequado
para apreender o gênero, por desenvolver
um movimento que, utilizando-se da
totalidade e da história, desfetichiza e
desnaturaliza os fenômenos sociais. A
partir deste método é possível
compreender o gênero como uma
categoria que designa o conjunto de
fenômenos que expressam um padrão
específico de relações existentes entre
mulheres e homens, mulheres e mulheres
e homens e homens.
12. Se gênero vem se constituindo enquanto
uma categoria em disputa, estando
inserida nos grandes projetos societários
constituídos pelos sujeitos históricos,
mulheres e homens, o objetivo desta
“conversa” é o de desmistificar a falsa
cegueira do marxismo diante deste
fenômeno, reconhecendo portanto, a
importância das (os) teóricas(os) e
militantes marxistas entrarem nesta arena
de lutas. Em suma, pretendemos que este
trabalho sirva de provocação no sentido
de investirmos esforços numa batalha
que é tanto teórica quanto política.
13. AS PROPOSTAS DE LÊNIN
Lênin acentua a importância da
coletivização do trabalho
doméstico, como estratégia para o
estabelecimento da igualdade entre
mulheres e homens, ao reconhecer
que mesmo depois de garantida a
igualdade de direitos após a
revolução russa de 1917, a mulher
continuou a ser oprimida por ter
situação econômica inferior à do
homem.
14. Kollontai (1979) sustenta que numa sociedade
socialista, a casa individual deve desaparecer,
sendo substituída pela casa coletiva, onde os
trabalhos domésticos serão desenvolvidos por
uma equipe de operárias.
Portanto, as mulheres que participam da
produção social se libertarão dos trabalhos
domésticos da mesma forma como as mulheres
burguesas já se libertaram há muito tempo, já
que estas contratam empregadas domésticas
que cuidam de suas casas.
Segundo a autora, na Rússia dos sovietes as
mulheres operárias não passarão seu período de
ócio cozinhando, já que haverá restaurantes
coletivos, da mesma forma que tais restaurantes
já existem em toda a Europa sendo desfrutados
contudo, apenas pela burguesia.
15. As operárias não mais despenderão o
seu tempo cuidando das roupas, já que
as mesmas serão levadas a lavanderias
coletivas. A educação de seus filhos será
de responsabilidade do Estado, que
providenciará creches, escola, colônias,
refeições gratuitas e distribuição de
roupas e calçados para as crianças.
Diante disto, a infância deixa de ser
responsabilidade da família e passa a ser
de responsabilidade da coletividade
16. Nas instituições educacionais socialistas,
as crianças receberão orientações de
educadores para tornarem-se comunistas
conscientes, norteados pelos valores da
solidariedade, companheirismo, ajuda
recíproca e devoção à coletividade.
Para as mães solteiras, no lugar da
discriminação e do descaso que sofrem
na sociedade burguesa, serão criadas
instituições que assegurem a
subsistência da mãe e de seu bebê.
17. Mas as mães proletárias poderão
pensar que na sociedade socialista
as crianças serão arrancadas do
seio da família para serem
colocadas nestas instituições, o
que, segundo Kollontai, não
procede. Segundo a autora, a família
na sociedade capitalista já está em
decomposição, pois os pais
proletários não têm mais condições
de educar e cuidar de seus filhos, o
que os faz sofrer.
18. O nascimento de novas crianças será
saudado e não será considerado um
estorvo para a sociedade; estas
crianças serão, como dito
anteriormente, alimentadas, educadas e
instruídas pela coletividade, todavia,
seus pais não serão proibidos de
participarem de sua educação se assim
desejarem. Diante desta nova realidade,
a família deixará de ser necessária nos
moldes que até hoje conhecemos,
posto que a mulher assumirá um outro
papel na sociedade.
19. A família deixará de ser necessária nos moldes
que até hoje conhecemos, posto que a mulher
assumirá um outro papel na sociedade.
É a partir das ruínas da antiga família que
surgirá uma nova família, baseada numa nova
relação entre mulher e homem onde o que os
unirá será o companheirismo, o afeto, a união
dos membros iguais da sociedade comunista,
ambos livres, independentes e trabalhadores.
Não haverá desigualdade no seio da família, a
mulher não se sentirá abandonada quando
separar-se do marido pois não dependerá do
trabalho deste e sim do seu próprio trabalho, o
que demonstra a libertação do matrimônio das
questões econômicas e de conveniência que
hoje ainda existem.
20. “Enquanto as mulheres não forem chamadas a
participar livremente da vida pública em geral,
cumprindo também as obrigações de um serviço
cívico permanente e universal, não pode haver
socialismo, nem sequer democracia integral e
durável. As funções de polícia, com as de
assistência a doentes e crianças abandonadas, o
controle da alimentação, etc., não podem, em geral,
ter uma execução satisfatória enquanto as mulheres
não hajam obtido a igualdade perante os homens,
não só nominal, mas efetiva” (Lênin, As tarefas do
proletariado em nossa Revolução, apud Sobre a
mulher, 1981, p.101). Grifos nossos
21. Lênin utiliza a questão da mulher para diferenciar a
democracia burguesa da democracia socialista. Afirma
que após mais de um século de Revolução Francesa –
burguesa e democrática - nenhuma sociedade burguesa
permitiu a igualdade de direitos entre mulheres e homens,
as promessas de igualdade e liberdade são apenas em
palavras: “a democracia burguesa é uma democracia de
frases pomposas, de promessas grandiloquentes, de
sonoras palavras de ordem (liberdade e igualdade), mas
na realidade, ela dissimula a escravidão e desigualdade da
mulher, a escravidão e a desigualdade dos trabalhadores
e dos explorados” (Sobre a Mulher, op. cit., p.119).
No mesmo sentido, Alambert (1980) lembra que na França
pós revolução, foram fechados os clubes femininos, as
mulheres foram proibidas de participar de manifestações
e em 1804, o código napoleônico estabeleceu, por lei, a
inferioridade da mulher (p.114).
22. Kapo (1979) ao tratar da Albânia, afirma que o poder
popular, quando instaurado, aboliu por lei toda a
discriminação contra a mulher. A democracia socialista
através do direito ao sufrágio universal, das liberdades de
expressão dentre outros direitos, incentivou a participação
da mulher que cresceu paulatinamente, tendo os
conselhos populares como exemplo; nestes, no ano de
1966 as mulheres representavam 36,7% dos membros
eleitos, subindo para 45,8% no ano de 1970 (p.67). O autor
assim define o papel da mulher na Albânia pós-revolução:
“A democracia socialista necessita da participação ativa e
eficaz das amplas massas femininas, porque através dela
aumentam cada vez mais as suas capacidades e o seu
papel. Assim, no nosso país, a atividade política não só
não é monopólio dos homens, como nenhum problema
político pode ser resolvido sem a aprovação e a
participação de grandes massas femininas” (p.67).
23. “Presentemente, desembrulhamos o terreno para a
edificação do socialismo, mas esta só será
possível quando, após a igualdade completa da
mulher, proporcionarmos à mulher um novo
trabalho, comum ao trabalho de todos, libertando-a
de seu antigo labor, mesquinho, brutal e
improfícuo. Para esta etapa serão necessários
muitos anos. Este novo trabalho não dará
resultados, no começo, rápidos e deslumbrantes”
(Lênin, Tarefas do movimento operário feminino na
República soviética, discurso pronunciado a 23 de
setembro de 1919, na IV Conferência das operárias
sem partido da cidade de Moscou, apud Sobre a
Mulher)
24. No que se refere à luta pela emancipação da mulher,
de grande importância é o fato de Lênin reconhecer
que esta seria obra tanto das mulheres quanto dos
operários envolvidos com a construção do socialismo,
e demonstra sua convicção através destas
afirmações:
“Dizemos que a emancipação das operárias deve ser
a obra dos próprios operários, e também a obra das
próprias operárias. Estas devem ocupar-se do
desenvolvimento de semelhantes instituições e esta
atividade feminina modificará completamente a
situação de suas ocupações na antiga sociedade
capitalista”.
25. O REFREAMENTO
No decorrer dos anos 30 do século XX, começou a
surgir na Rússia, uma série de notícias reacionárias,
divulgadas pelos meios de comunicação, referindo-se
às questões sexuais e culturais, e esta onda fez
desmoronar vários avanços conquistados no âmbito
da legislação. Neste contexto, foi reintroduzida a lei
contra a homossexualidade, sendo diversos
homossexuais perseguidos; o acesso ao aborto
tornou-se mais difícil, passando a ser combatido. a
família compulsória (nos moldes da família burguesa,
ou seja, nuclear, com todas as responsabilidades
anteriores) voltou a ser prestigiada; cada vez mais a
educação dos filhos passou a ser de
responsabilidade dos pais; Nas escolas soviéticas os
métodos de ensino voltaram a ser autoritários; a
educação sexual para crianças e jovens foi extinta.
26. O refreamento dos avanços socialistas em
relação à igualdade entre mulheres e homens,
serviu como terreno fértil para o desenvolvimento
de ideias conservadoras, comprometidas com a
manutenção do capitalismo, no que se refere à
questão da mulher. Esta reversão do referencial
teórico que passou a orientar as análises a
respeito das desigualdades entre mulheres e
homens não se deu de maneira isolada, sendo
reflexo da chamada crise de paradigmas, onde o
projeto societário da Modernidade passou a ser
questionado, e mais tarde declarado como falido.
A partir de então vários teóricos, inclusive
anteriormente marxistas, iniciaram a construção
de uma alternativa à Modernidade, o que se
convencionou chamar de pós-modernidade.
27. “É da essência da história
engendrar sempre o novo. Esse
novo não pode ser
antecipadamente avaliado por
nenhuma teoria infalível: ele deve
ser reconhecido na luta, em seus
primeiros germes, e trazido
laboriosamente à consciência”
Lukacs