- O texto descreve a história de Misael, um homem de 63 anos que tira Maria Elvira da prostituição e a instala em uma casa, pagando por todas as suas despesas. No entanto, sempre que Maria Elvira arrumava um novo namorado, Misael mudava de casa. Após viverem assim por três anos, Misael mata Maria Elvira com seis tiros em uma rua.
2. Tragédia brasileira
Misael, funcionário da fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na
Lapa, prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança emperrada nos dedos e os
dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou
médico, dentista, manicure... Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada
disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Elvira arrumava um namorado, Misael mudava de casa. Os
amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bom
Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, encantado, Rua Clapp, outra vez no
Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e inteligência,
matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontra-la caída em decúbito dorsal, vestida de
organdi azul.
7. A CARTA
Esta outra história é de dois namorados, ele chamado Haroldo e ela, Marta. Os dois
brigaram feio, e Marta escreveu uma carta para Haroldo, rompendo definitivamente o namoro e
ainda dizendo uma verdade que ele precisava ouvir. Ou, no caso, ler. Mas Marta se arrependeu do
que tinha escrito e no dia seguinte fez plantão na calçada em frente do edifício de Haroldo,
esperando o carteiro. Precisava interceptar a carta de qualquer jeito. Quando o carteiro apareceu,
Marta fingiu que estava chegando ao edifício e perguntou:
- Alguma coisa para o 702? Eu levo.
Mas não tinha nada para o 702. No dia seguinte tinha, mas não a carta de Marta. No
terceiro dia, o carteiro desconfiou, hesitou em entregar a correspondência a Marta, que foi
obrigada a fazer uma encenação dramática. Não era do 702. Era a autora de uma carta para o 702.
E queria a carta de volta. Precisava daquela carta. Era importantíssimo ter aquela carta. Não podia
dizer por quê. Afinal, a carta era dela mesma, devia ter o direito de recuperá-la quando quisesse! O
carteiro disse que o que ela estava querendo fazer era crime federal, mas mesmo assim olhou os
envelopes do 702 para ver se entre eles estava a carta. Não estava. No dia seguinte (quando
Marta ficou sabendo que o carteiro se chamava Jessé e, apesar de tão jovem, já era viúvo, além de
colorado) também não.
No outro dia também não, e o carteiro convidou Marta para, quem sabe, um chope. Na
manhã depois do chope, a carta ainda não tinha chegado a Marta e Jessé combinaram ir ver Titanic
juntos.
No dia seguinte – nem sinal da carta – Jessé perguntou se Marta não queria conhecer
sua casa. Era uma casa pobre, morava com a mãe, mas, se ela não se importasse... Marta disse que
ia pensar.
No dia seguinte, chegou a carta. Jessé deu a carta a Marta. Ela ficou olhando o envelope
por um longo minuto. Depois a devolveu ao carteiro e disse:
- Entrega.
E, diante do espanto de Jessé, explicou que só queria ver se tinha posto o endereço
certo.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Festa de Criança. São Paulo: Editora Ática, 2006.
12. Em relação ao texto “A CARTA”,
responda:
1) Não há como dizer quando esta história
aconteceu, mas através do texto podemos saber
durante quanto tempo o conflito se estendeu
até o seu desfecho. Determine este tempo.
13. 2) O desfecho da narrativa não é o esperado,
nem por Jessé, nem pelo leitor. Qual é este
desfecho? Por que ele não é esperado?
14. “Quando Ana me deixou, eu fiquei muito tempo parado
na sala do apartamento, cerca de oito horas da noite, com o
bilhete dela nas mãos. No horário de verão, pela janela aberta
da sala, à luz das oito horas da noite, podiam-se ver uns restos
de dourado e vermelho deixados pelo sol atrás dos edifícios,
nos lados de pinheiros.
Eu fiquei muito tempo parado, e lembro-me que
pensei, agora o telefone vai tocar, e o telefone não tocou.
Então pensei, agora a campainha vai tocar, mas a campainha
não tocou.
Eu continuei ali parado no centro da sala que
começava a ficar azulada pela noite, feito o interior de um
aquário, e eu com o bilhete de Ana nas mãos, sem fazer
absolutamente nada.”