Este documento resume um estudo de caso sobre os impactos da expansão das monoculturas de eucalipto no Pampa gaúcho, Rio Grande do Sul, Brasil, a partir de entrevistas com vinte e quatro mulheres da região. As monoculturas de eucalipto estão afetando a vida das mulheres locais e destruindo o patrimônio cultural e histórico da região. Embora os impactos atinjam tanto homens quanto mulheres, as mulheres são particularmente afetadas. O estudo visa documentar as experiências das mulheres e apoiar a
1. Amigos da Terra/Brasil
apresentam:
FOTO ADRIANO BECKER
A mulher e os impactos gerados com a expansão das
monoculturas de eucalipto sobre o Pampa gaúcho
Cíntia Pereira Barenho
2. Realização: Núcleo Amigos da Terra/Brasil
Apoio: FOEI e WRM
Coordenação-Geral: Cíntia Pereira Barenho
Coordenação-Adjunta: Maria da Conceição Carrion
Colaboração: Elizabeth Díaz e Eliege Fante
Revisão de texto: Nely Blauth
Agradecimentos: Lucia Ortiz, Cláudia Prates, Flavia Luce Maisonave, Lucilaine dos
Santos Oliveira, Lucio Macedo e Felipe Amaral. Também às entidades NAT, WRM,
MMC, MST, MPA, MNLM, MMM.
Agradecimentos especiais: a todas as mulheres que contribuíram com suas
histórias de vida e resistência contra o avanço das monoculturas de eucalipto sobre
o Pampa gaúcho.
3. APRESENTAÇÃO
O estudo de caso – Pampa Movimento Ambientalistas Gaúcho
gaúcho – foi desenvolvido para o (MEG) e da Marcha Mundial de
projeto “A Função da União Européia Mulheres (MMM), entre outros, foi
no desempoderamento das promovido um encontro de dois
mulheres no Sul através da dias, em Porto Alegre/RS, com as
conversão de ecossistemas locais mulheres atingidas pelas
em plantações de árvores”, plantações. Além disso, foi preciso
coordenado pelo Movimento Mundial ir a campo para realização de
pelas Florestas Tropicais (WRM), o entrevistas com outras mulheres
Friends of the Earth (FoEI) Forest também impactadas pelo avanço da
Programme e o FoEI Gender silvicultura no RS. As mulheres
Programme. participantes residem nas seguintes
cidades: Piratini, Herval, Rio
O Núcleo Amigos da Terra/Brasil Grande, São José do Norte,
(NAT/BRASIL) foi selecionado para Encruzilhada do Sul, Barra do
realização do estudo, com mulheres Ribeiro, Santana do Livramento,
atingidas pelas plantações de Porto Alegre e Hulha Negra.
árvores em grande escala no Brasil,
especificamente no Rio Grande do Os depoimentos e vivências
Sul. dessas mulheres auxiliarão no
desenvolvimento de ferramentas
Após contatos com movimentos para campanhas diversas em nível
sociais do campo e da cidade, como nacional, estadual e internacional,
o Movimento dos Trabalhadores bem como, servirão como subsídio
Rurais Sem Terra (MST), o para a luta dos movimentos sociais
Movimento de Pequenos e ambientalistas contra o avanço da
Agricultores (MPA), o Movimento de silvicultura e dos megaprojetos de
Mulheres Camponesas (MMC) fábricas de celulose no Rio Grande
ligados à Via Campesina, além do do Sul.
4. INTRODUÇÃO
Estamos no Pampa gaúcho, Sul do Estado do RS, porém se consolidou
Brasil, no estado do Rio Grande do efetivamente na gestão da atual
Sul (RS), limítrofe com outros dois governadora Yeda Crusius. A cúpula
países pampeanos: Uruguai e do poder público estadual assumiu os
Argentina. investimentos do setor da celulose e
papel como projeto de governo e vem
Devido um conjunto de fatores, incentivando de diferentes formas a
incluindo os seus vastos prados1, a consolidação deste setor no RS. Estas
região vem sofrendo uma ofensiva de formas de incentivo incluem linhas de
três grandes empresas do setor da financiamento público e até mesmo a
celulose e papel2 – Aracruz, Votorantin flexibilização e o descumprimento da
e Stora Enso - que viram nestes legislação ambiental (por exemplo,
campos grande conveniência em excluindo ou postergando o uso de
expandir suas monoculturas de Estudo Prévio de Impacto Ambiental
árvores exóticas, bem como suas em empreendimento de florestamento
atividades ligadas à produção da ou reflorestamento para fins
celulose e papel. empresariais com menos de 1000
hectares). Os licenciamentos am-
Desde meados de 2003 o poder bientais dos plantios de eucaliptos
público do RS e os meios de estão sendo liberados de forma
comunicação local evidenciam e precária, descumprindo regras e sem
aplaudem os mega-projetos de a conclusão do Zoneamento
celulose e papel vislumbrados para a Ambiental para atividade de Sil-
região, mega-projetos estes vicultura no Estado do Rio Grande do
anunciados como a solução para o Sul (ZAS), proposto pelo próprio
desenvolvimento local, princi- Governo estadual. Além disso,
palmente, na “problemática” metade segundo uma das técnicas de órgão
Sul, região estagnada econo- ambiental, tem ocorrido fre-
micamente, na qual a atividade quentemente situações de
pecuária está em declínio e possui perseguição aos servidores que têm
grandes latifúndios. atuado visando o cumprimento da
legislação ambiental e não o
É importante lembrar que em 1980 cumprimento das decisões impostas
houve uma tentativa frustrada de pela cúpula da SEMA/FEPAM. Tal fato
instalação de uma fábrica de celulose vem sendo denunciado siste-
e papel no município do Rio Grande. maticamente pelo SEMAPI 3 , o
Foram plantados muitos hectares de sindicato local, que representa a
pinus e eucaliptos em vastas áreas categoria.
da região, até mesmo na Estação
Ecológica do Taim e no Parque Nacional Estas três empresas de celulose e
da Lagoa do Peixe. Mesmo com o “fato papel - Aracruz, Votorantim (VCP) e
consumado” a comunidade local, Stora Enso - dividiram o Pampa gaúcho
incluindo universidades, entidades (Figura 1), em função principalmente
ecológicas e, até mesmo, o poder da infra-estrutura logística, em três
público local foram categoricamente territórios para a instalação de seus
contrários ao projeto, projeto este, mega-projetos. É importante ressaltar
que de certa forma ficou “adormecido” que a Aracruz é formada por um
a espera de outra oportunidade. conjunto de empresas: a norueguesa
A oportunidade surgiu nos dois Lorenz detém 28%; outros 28% são
últimos mandatos do governo do do Banco Safra, 28% da Votorantin e
5. 12,5% do BNDES (Banco Nacional de segundo projeções deverá ter cerca
Desenvolvimento Econômico e Social). de um milhão de hectares de
A VCP, além de deter ações da Aracruz plantações de pinus, eucalipto e acácia
(que iria ser comprada pela VCP em e investimentos da ordem de R$ 6,1
2008)4, também é “joint-venture” com bilhões até 2015. Além dos
outras empresas como o grupo Suzano investimentos ditos como “florestais”
e Ripasa. Já a Stora Enso é uma (leia-se monoculturas de árvores
empresa de capital sueco-finlandês e exóticas) as empresas pretendem
também é uma “joint-venture” da instalar três fábricas de celulose no
Aracruz na Bahia, com a empresa RS. Segundo consta, a Stora Enso
Veracel5. pretendia instalar uma unidade de
produção de celulose na fronteira-
Estima-se que estas empresas oeste do RS em sete anos. Já a Aracruz
invistam cerca de US$ 3 bilhões na pretendia quadruplicar sua fábrica já
produção de celulose e papel no instalada em Guaíba. E, finalmente,
Estado do Rio Grande do Sul. a VCP pretendia instalar uma fábrica
Atualmente o RS tem uma área de de celulose branqueada na metade sul
mais de 500 mil hectares 6 de do Estado, possivelmente em Rio
monoculturas de árvores exóticas e Grande ou Arroio Grande.
Figura 1: Onde estão as “florestas”.
Fonte: Jornal Zero Hora de novembro de 2008.
6. É importante destacar que a atual diferente dos demais países do
crise mundial do modelo neoliberal da Conesul, onde as empresas de
economia e seus efeitos sobre a celulose e papel pregam as
demanda de celulose, fez com que “promessas douradas dos desertos
todas as empresas suspendessem verdes” 9, que mesmo já virando
seus investimentos no Estado. Além demissões e incertezas, seguem
disso, especulação cambial feita pela conquistando governantes e políticos
Aracruz (que fez operações com em geral, seduzindo os meios de
derivativos para proteção contra a comunicação e não prestando as
desvalorização do dólar nos últimos devidas informações à população local
anos no Brasil), já acumulou perdas sobre as implicações que a expansão
de mais US$ 2 bilhões em 2008. da monocultura de árvores exóticas
Inclusive tal especulação, provocou pode causar no ambiente como um
demissões no RS. Igualmente a VCP todo.
já anunciou a demissão de 118
trabalhadores no sul do Estado, que Sendo assim, as mobilizações e
segundo a empresa a decisão é resistências das entidades ecológicas,
motivada pela postergação do projeto sindicatos e movimentos sociais
Losango 7 . E, além de tais gaúchos vêm ampliando e ganhando
circunstâncias, a Stora Enso que espaço em diversos municípios do
adquiriu terras de forma irregular na Estado. Muito dessa resistência tem
faixa de fronteira 8 teve o pedido sido protagonizada por mulheres
rejeitado pela procuradoria do INCRA gaúchas, que têm rompido o silêncio
(Instituto Nacional de Colonização e e denunciado o modelo degradante,
Reforma Agrária), porém vem irresponsável e inescrupuloso do
tentando modificar a legislação agronegócio ligado a silvicultura. São
brasileira para poder regularizar sua os relatos de algumas dessas
situação.Em suma, a situação mulheres que apresentaremos neste
enfrentada pelo RS não parece muito estudo de caso do Pampa gaúcho.
7. PARTICIPANTES DO ESTUDO DE CASO
O estudo de caso envolveu vinte § Três gerações de mulheres
e quatro mulheres do campo e da (avó, mãe e filha) trabalhadoras
cidade. São elas: rurais de Encruzilhada do Sul;
§ Quatro mulheres § Uma mulher trabalhadora de
ambientalistas de Porto Alegre; viveiro de mudas de eucalipto da
§ Uma estudante do Programa de Aracruz em Barra do Ribeiro;
Pós-Graduação em Desenvolvimento § Mãe e filha trabalhadoras rurais
Rural (PPGDR) da UFRGS/Porto da comunidade da Palma em Rio
Alegre; Grande.
§ Uma feminista da Marcha No entanto apenas dezoito
Mundial das Mulheres; mulheres relataram como os
§ Seis trabalhadoras rurais impactos da expansão das
(assentadas) ligadas ao Movimento monoculturas de eucaliptos estão
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra afetando efetivamente suas vidas.
(MST) Faixa
residentes em etária das
Piratini, participantes
Herval, Hulha e desde
Negra e quando
Santana do moram na
Livramento; região
§ Uma afetada:
trabalhadora A maioria
rural do das
Movimento de participantes
Mulheres tem idade
Camponesas entre 29 e
(MMC); 40 anos,
§ Uma sendo que
pescadora algumas já
ligada ao estavam na
Movimento faixa etária
Nacional de dos 50 e 60
Luta pela anos de
Moradia idade.
(MNLM) residente em Rio Grande; Quanto ao tempo que moram na
§ Uma proprietária de sítio área afetada, aquelas que residem
cercado pelos plantios de há menos tempo, vivem no local
eucaliptos; entre 5 e 6 anos; outras residem
§ Uma técnica de órgão desde sempre por lá, refletindo,
ambiental estadual; portanto, a sua idade. Em geral a
§ Duas mulheres pescadoras e maioria vive há mais de 10 anos no
uma ambientalista de São José do local.
Norte;
8. O IMPACTO GERAL DAS PLANTAÇÕES
A maioria das mulheres contou Herval, o Sindicato Rural (formado
que, em geral, os impactos atingem principalmente por proprietários de
tanto homens quanto mulheres, mas terra) apóia a iniciativa dessas
mesmo assim já é possível identificar empresas. Situação que, em geral,
situações específicas em que as acontece em todo o Estado do RS.
mulheres são as mais afetadas.
Também tem ocorrido das empresas
Um dos impactos relatados sobre a de celulose e papel como a Aracruz e
destruição do patrimônio cultural local a VCP comprarem terras com
dá conta que, em Herval as casas pagamento à vista e de forma mais
antigas, com cercas de pedras rápida do que o INCRA. Além disso,
(construídas no período da há proprietários de terra que se
escravatura), localizadas em terras recusam a vender as mesmas para o
compradas por uma das empresas de INCRA. Tanto em Piratini, como em
celulose e papel, foram todas Herval, foi relatado que as terras que
demolidas. Mesmo que a construção valiam cerca de R$ 500,00 o hectare,
remeta a momentos lastimáveis da atualmente valem cerca de R$
história gaúcha, isso evidencia que 4.000,00 o hectare. Também em
tais empresas não estão preocupadas Encruzilhada do Sul foi contado por
em manter o patrimônio histórico ou três mulheres que a oferta pelas suas
qualquer conjunto arquitetônico que terras, feita por uma das empresas,
remeta a identidade cultural local. A não é condizente com o preço real da
cultura local está sendo destruída e terra.
apagada da memória. Perde-se o
apego e a identidade, afirmou a eles descontam do tamanho
trabalhadora Rural de Herval: da terra as pedras, as árvores
(...) A opção que tu tem é ficar
as empresas compram e no meio deles (Trabalhadora
destroem. (...) No interior de Rural de Encruzilhada do Sul).
Pedras Altas tinha casas
lindíssimas, cercas construídas As mulheres disseram que se não
pelos escravos, várias delas. venderem a terra para a empresa, não
(...) Da época tal, batalha tal, haverá mais ninguém interessado
coronel tal. (...) Paredes e devido ao alto preço que está
vidros desenhados. (...) Lá não custando a terra.
tem telha, era uma arquitetura
diferenciada porque o vento é Como se pode visualizar a
muito forte. Muitos que especulação sobre o preço das terras,
acreditavam no tem impedido a compra das terras
tradicionalismo aderiram à tanto por pequenos agricultores,
nova cultura imposta pelas quanto pelo INCRA (que tem um teto
empresas (Trabalhadora Rural máximo para pagar pelas terras
de Herval) destinadas à reforma agrária). A
reforma agrária no Pampa gaúcho está
Ainda sobre o assunto, a trabalhadora engessada devido a estas grandes
contou que os latifundiários locais - aquisições de terra por parte das três
defensores do tradicionalismo gaúcho empresas de celulose e papel.
- atualmente ignoraram tais opiniões e
defendem ferrenhamente as empresas O relato feito pela trabalhadora
de celulose e papel. No município de rural de Hulha Negra chama a atenção
9. para a juventude rural. Ela contou que, papel estão utilizando as estradas
na região dos municípios de Aceguá e sem fazer qualquer tipo de
Candiota, há produção de leite nos manutenção. São os assentados que
assentamentos o que fornece renda estão tendo que lidar com o péssimo
às famílias, mas que o retorno estado das estradas. Diferentemente
financeiro é pequeno. A juventude em Encruzilhada do Sul, devido à
rural também está a todo o momento ausência do Estado, as benfeitorias
sendo influenciada pelos meios de nas estradas têm sido feitas pela
comunicação de massa, que dita que empresa o que gera certa simpatia
“é preciso ter para ser...” e quando pelos moradores da zona rural.
vão à cidade também querem ter as
coisas que a juventude urbana possui. Ainda sobre as estradas rurais, na
comunidade da Palma, em Rio
eles vêem na mídia que tem Grande, estas também estão
que ter um tênis, um celular. precárias. Mãe e filha contaram que
Eles pensam que se forem para o tráfego de máquinas pesadas e
a cidade, vão conseguir isto ônibus inviabilizaram o uso da
tudo trabalhando de estrada. Elas disseram que quando
empregado. Então, largam o chove fica impossível passar até a
lote, o pai, a produção leiteira pé. Foi preciso que elas procurassem
e vão. De empregado, o o poder público local, pois os
dinheiro vem rápido, mas não encarregados da empresa disseram
é tanto. É uma ilusão. Lá eles que não fariam mais reparos na
compram macacão, botas, estrada.
tudo, e o salário fica pequeno.
Teria que haver pessoas para O impacto vivenciado pela
conscientizar os jovens sobre comunidade da Barra Nova, em Rio
esta realidade (Trabalhadora Grande, evidencia que a
Rural de Hulha Negra). problemática não está ocorrendo
somente no meio rural. A comunidade
Para uma das mulheres de localiza-se em área de expansão do
Encruzilhada do Sul, os jovens estão Super Porto de Rio Grande onde se
preferindo trabalhar para as empresas pretende instalar o Terminal de
a trabalhar no campo com a família. exportação da celulose e madeira.
Na comunidade vivem 200 famílias,
Outra situação relatada foi sobre sendo que cerca de 90% dos
a manutenção das estradas rurais. moradores e moradoras trabalha na
A trabalhadora rural de Hulha Negra própria comunidade (p.ex. na
contou que quando estava grávida atividade pesqueira). Além dos
era preciso percorrer 30 km a cavalo impactos ambientais, inerentes às
para chegar ao posto médico mais construções portuárias, tal terminal
próximo. As estradas não permitiam também impedirá o acesso aos
e ainda não permitem ser percorridas recursos pesqueiros, principal forma
por veículo automotor. O poder de sustento da comunidade. E mais,
público municipal se omite em fazer as casas dos moradores serão
melhorias, pois atribui ao Estado, a retiradas e reassentadas em outro
responsabilidade sobre a mesma. local (que poderá ser próximo ao local
Nesse sentido, ponderou a onde vivem, mas não há certeza
trabalhadora rural de Herval que lá quanto ao local), sendo que cada
o INCRA fez estrada devido ao família deverá pagar pela nova casa
assentamento rural, mas que alocada (cerca de 5% sobre o salário
atualmente empresas de celulose e mínimo).
10. Também em Rio Grande existem
a gente vive da nossa plantios de eucalipto na comunidade
comunidade, não precisamos da Palma. Uma única família resiste
sair de lá. (...) As pessoas que entre os plantios, que circundam os
estão concordando em sair são quatro lados de sua propriedade.
as que moram em barracos, não Inclusive o acesso à propriedade
tem mais condições de precisou ser negociado com a empresa
moradia, e estão com a de celulose e papel. Tal condição tem
esperança de conseguir uma trazido sérias conseqüências à
casinha melhor. Mas a maioria, família, principalmente para a
que pagamos a nossa casa e atividade econômica exercida pela
temos tudo direitinho, não mesma.
queremos nos mudar. (...) A
gente não sabe o que vai ser Sobre a situação dos plantios, as
feito, não tem projeto trabalhadoras rurais relataram que
(Pescadora de Rio Grande). existem lavouras de eucalipto com
O poder público executivo e judiciário apenas 10m de distância dos
local está apoiando prioritariamente a assentamentos. Uma trabalhadora
expansão do Super Porto e construção rural de Santana do Livramento contou
do Terminal de exportação de celulose que, como mora na fronteira com o
e madeira. Para a pescadora de Rio Uruguai, já não há mais limite visíveis
Grande, devido ao nível de entre as fronteiras. Os plantios em
alfabetização local ser muito baixo, as Rivera e em Livramento não cumprem
pessoas da comunidade não têm muita a distância exigida pela Lei Federal
clareza da situação, poucos são os que sobre a faixa de fronteira. Neste local
estão se mobilizando contrariamente. não é possível identificar onde é o
Muitos não estão cientes que para limite do Brasil e onde é o do Uruguai.
serem reassentados é preciso pagar Além disso, há muito receio de que
pelas casas e outros moradores os plantios do lado uruguaio e do lado
presumem que receberão uma casa de brasileiro circundem totalmente o
melhor qualidade que as suas atuais assentamento onde vivem.
moradias.
Situação semelhante foi relatada
Entretanto, segundo Relatório da pela proprietária de sítio, onde os
Missão de investigação do direito à plantios de eucalipto estão
moradia Rio Grande (ANEXO 1), desrespeitando o limite de sua
desenvolvido pela plataforma Dhesca propriedade, pois estavam a menos
Brasil 10 , um dos conjuntos de 20 metros da divisa. Foi preciso
habitacionais já construído para mover ação judicial para que a VCP
famílias de baixa renda , no qual está afastasse os plantios de sua
sendo utilizado como “modelo”, possui residência, em 100 metros. Ela já
problemas críticos quanto a ganhou em primeira instância. A
habitabilidade das casas e a infra- empresa está obrigada judicialmente
estrutura do bairro. No relatório a afastar o plantio e caso não o faça
também são apontados outras deverá pagar multa diária de R$ 2 mil,
problemáticas referente à remoção das mas a empresa já recorreu da decisão
famílias, são identificadas violações do judicial.
Direito Humano à moradia adequada
e terra urbana, bem como, são Também foi relatado que em São
apontadas recomendações aos José do Norte estão sendo feitas
diversos atores locais envolvidos no diversas formas de coagir os
processo. moradores das áreas rurais, como por
11. exemplo, maciço de eucaliptos feito protegidas por Lei (p.ex. figueiras), o
próximo a pomar de uma família que que é um descumprimento total da
se recusa a vender a terra, ou ainda, legislação ambiental; relatos de
impedindo que famílias acessem a intoxicação e contaminação através de
água que passa por terra comprada agroquímicos; escassez de água nos
para os plantios. Outra situação que açudes; dificuldade em encontrar plantas
tem coagido os trabalhadores e medicinais; mortandade de abelhas e
trabalhadoras rurais é o aumento da outros animais. Em Encruzilhada do Sul
ocorrência de assaltos às residências, os plantios que cumprem minimamente
relatados tanto em Encruzilhada do as regras são nas terras com famílias
Sul, como em Piratini. próximas. Nos demais locais “plantam
eucalipto até em cima de banhado”,
Referente aos impactos sobre os afirmou uma das mulheres. Também foi
recursos naturais, várias situações foram relatado que lá algumas áreas úmidas e
relatadas como a de plantios de até mesmo arroios já não existem mais.
eucaliptos sobre banhados, sangas Situação corroborada pela maioria das
(córregos) e espécies vegetais outras mulheres.
12. IMPACTO DAS PLANTAÇÕES SOBRE A DIVISÃO
SEXUAL DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE GÊNERO
NAS COMUNIDADES LOCAIS
As participantes do estudo Também sobre a estrutura de
relataram que na maioria das vezes, tomada de decisões dentro das
mesmo que homem e mulher famílias e a comunidade num todo,
trabalhem fora-de-casa, são as não houve mudanças evidentes. A
mulheres que assumem as tarefas tomada de decisão se mantém
domésticas ao retornar para casa, patriarcal em muitas famílias. Sobre
exercendo assim uma jornada de tal circunstância uma pescadora de
trabalho dupla, até mesmo jornadas Rio Grande recordou sua infância em
triplas. São José do Norte, onde seu pai
trabalhava na plantação de pinus e
A chegada das monoculturas de que os demais integrantes da família
eucalipto tem preconizado a divisão (inclusive ela) cuidavam da roça e
sexual do trabalho, pois em sua animais. Mas a estrutura de decisão
maioria são contratados os homens familiar se mantinha com o homem,
para o desenvolvimento das seu pai. Já na comunidade, se mantém
atividades referentes à silvicultura. a tomada de decisão relacionada aos
Essa situação só é um pouco homens que detêm o poder político e
diferenciada em Barra do Ribeiro, onde financeiro. Como as compras de terra
a maioria dos trabalhadores no viveiro têm aumentado o desemprego e o
de mudas são mulheres. abandono do campo, uma situação
que pode vir a ocorrer, é o fato das
Na maioria dos casos, ainda não mulheres das famílias rurais, ao
houve mudanças expressivas nas chegarem à cidade, na maioria das
relações de poder entre os homens e vezes, conseguirem apenas trabalho
as mulheres dentro das comunidades como domésticas nas casas das
e famílias. famílias urbanas.
13. IMPACTO DAS PLANTAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕES
SOCIAIS E A SOBREVIVÊNCIA DIÁRIA
A maioria contou que tem sido depois que a Votorantin veio
necessário o uso mais intenso de pra cá, nós só tivemos
adubos nas lavouras/roças familiares. prejuízo. (Trabalhadora Rural
A trabalhadora rural de Santana do de Rio Grande)
Livramento lembra que nestes 11
anos em que vive no local nunca havia Elas contaram que a produção
sido tão necessário o emprego de leiteira familiar está ficando cada vez
adubos na terra. Em São José do Norte mais inviabilizada. Como o re-
também foi relatada a perda da colhimento da produção não está
produtividade da terra, em especial sendo feito mais próximo a pro-
para produção de cebola. priedade é preciso carregar o leite até
determinado local. Além disso, a
não precisava trabalhar condição da estrada impede, muitas
muito a terra, colocar adubo, vezes, o tráfego do caminhão do leite
e hoje tem que colocar se não, fazendo com que estrague a produção
não colhe nada. Se plantava de leite.
arroz porque tinha umas lagoas
pequenas, açudes, onde o Já tivemos que colocar muito
pessoal largava as vacas de leite fora. (Trabalhadora Rural
leite para tomarem água. (...) de Rio Grande)
Se tem dificuldade para plantar
batata doce e mandioca, antes Ao mesmo tempo, como são os
se tinha de um ano para o únicos produtores de leite que
outro, agora não tem mais restaram na região, há receios de que
(Trabalhadora de Herval). o recolhimento de leite seja suspenso
em breve.
Sendo assim, a maioria das
mulheres evidenciou o quanto a Outra situação que vem ocorrendo
produtividade da terra vem decaindo em diversas regiões, principalmente
em diferentes regiões. Por isso, nos municípios da fronteira oeste, é a
alertam que a massificação dos escassez de água. Em tais regiões
plantios de eucaliptos intensificará a acentua-se a falta de água e escassez
perda da produtividade da terra. de chuvas. Uma das trabalhadoras
rurais falou que o poço artesiano da
O uso da terra para produção de família, não fornece água em
alimentos, criação de animais de corte quantidade suficiente. Muitas vezes
e produção de leite também diminuiu nem com a utilização de bombas é
drasticamente na maioria das regiões. possível obter-se água. Em São José
Segundo uma trabalhadora rural de do Norte também foi relatado que a
Herval, devido a pouca produção em água não tem a mesma qualidade de
sua região, a demanda local não é épocas passadas e que em poucos
mais suprida. Já é preciso trazer de lugares ela tem aparecido. Além disso,
outras regiões, o que acaba foi relatado que uma determinada
encarecendo o custo de vida. lagoa, que mesmo em períodos de
seca mantinha suas águas,
A condição de sobrevivência para a atualmente esta quase não existe em
família da Palma está cada vez mais função dos maciços de pinus que tem
complicada. em toda a sua volta.
14. Também foi ressaltado que muitas animais morreram devido às moscas
famílias ao venderem suas terras para que permanecem na propriedade,
as empresas de celulose e papel foram porque há pouco vento.
morar nas cidades. Atualmente
enfrentam condições difíceis de A trabalhadora rural de Piratini
sobrevivência diária, pois muitas ressaltou que, atualmente, as
tinham baixa escolaridade o que Caturritas11 (Myiopsitta monachus) já
dificulta arranjarem bom emprego. estão afetando as plantações de
Além disso, precisam morar de aluguel milho local e ela acredita que haverá
e não podem mais ter horta para uma maior invasão destes pássaros
subsistência familiar. quando os maciços de eucaliptos
tomarem conta da paisagem.
aumenta a pobreza nas Igualmente em Encruzilhada do Sul,
cidades porque estas pessoas foi ressaltado que os poucos
que vendem as suas terras vão produtores rurais que ainda plantam
para as periferias. E vão para milho, padecem em função do ataque
a cidade fazer o quê? das Caturritas. Isso tem feito com que
(Trabalhadora Rural de muitos desistam de plantar milho
Encruzilhada do Sul)
Além disso, a trabalhadora rural de
Ainda foram relatados casos, como Herval advertiu sobre os Javalis12 (Sus
o da proprietária rural, onde os scrofa) que já têm uma reprodução
eucaliptos plantados próximos a sua descontrolada no RS, podem se valer
propriedade, têm causado uma das monoculturas de eucalipto como
barreira contra o vento, impedindo a esconderijo e abrigo, dificultando
circulação de ar. Ela acredita que dois ainda mais seu controle.
15. MUDANÇAS NAS PRÁTICAS RELIGIOSAS
DAS COMUNIDADES
Mesmo que não tenham sido Em Encruzilhada do Sul algumas
evidenciadas mudanças expressivas escolas rurais fecharam, em função
nas práticas religiosas, a maioria das do êxodo, tornando indisponíveis os
mulheres contou sobre situações que lugares para realização de missas,
estão se extinguindo como as capelas uma vez que não há igrejas locais.
e cemitérios nas propriedades.
Inclusive a trabalhadora rural de Ainda sobre as práticas religiosas,
Santana do Livramento contou que as mulheres disseram que as
em Rivera já aconteceu de um empresas de celulose e papel têm
cemitério ser cercado por eucaliptos, patrocinado diversas festividades
mas por “respeito” o mesmo foi religiosas, de forma a conquistar
poupado. maior simpatia para com a população.
16. IMPACTO DAS PLANTAÇÕES SOBRE A SAÚDE
As mulheres pesquisadas contaram ingestão de água de córrego que
diferentes situações relacionadas à passa entre os plantios de eucalipto.
saúde da comunidade, das famílias e
mesmo dos animais, que até então No combate das formigas é utilizado
não ocorriam com freqüência. um tipo de gás fosforado. Segundo a
Portanto, elas estão relacionando os trabalhadora rural de Herval na
mesmos a recente expansão das ocorrência de poucas formigas, esse
monoculturas de eucaliptos. gás já é utilizado. Além disso, tal gás
já tem feito com que muitos moradores
o adubo é fortíssimo e tem de áreas próximas precisassem
a quantidade de veneno que procurar auxílio médico na cidade,
eles usam. A gente não sabe, devido aos sintomas de enjôos, dor
mas fica pensando (...) Tem de cabeça e tonturas.
casos de alergia, bronquite,
desarranjo, sem contar que, na Também já ocorre a utilização de
época em que eles passam o agroquímicos para combate dos cupins
veneno, o ar é irrespirável. Na (insetos da Ordem Isoptera), que
época do corte o cheiro é forte, procuram as casas das famílias
é horrível. Teve até aborto em próximas aos plantios, deslocando o
início de gestação problema para as comunidades.
(Trabalhadora Rural de
Piratini). Ainda foram relatados casos onde
os animais têm nascido com
Apenas em São José do Norte foi problemas de má formação, com
relacionado o aumento do uso de alterações que não são comuns como,
drogas em grupos de trabalhadores por exemplo, terneiros que nasceram
dos pinus e eucaliptos. com ânus fechado e cordeiro com
problemas nas patas. Do mesmo
Quanto aos impactos vinculados ao modo, algumas mulheres mostraram
uso de agroquímicos a proprietária preocupação com a água utilizada na
de sítio contou que a família de dessedentação dos animais, em
caseiros foi contaminada pelo uso de especial as vacas leiteiras, pois estas
agroquímicos nos plantios de podem contaminar seu leite.
eucalipto. O filho do casal foi para o
hospital devido à intoxicação, porém, Igualmente foram relatados casos
os médicos não atestaram que o de morte de animais nativos/
paciente apresentou sintomas de silvestres possivelmente devido a
intoxicação por agroquímicos. Para os contaminação pelos agroquímicos
médicos, em geral, vômitos, enjôo, utilizados nas lavouras de eucalipto.
diarréia, dor de cabeça e tonturas são
sintomas de viroses, como por E por fim, algumas mulheres
exemplo, o “Rotavirus”. Para a maioria contaram que os casos de crianças
das mulheres rurais já se pode com problemas de alergias e de
relacionar a ocorrência dessa virose à aprendizagem têm aumentado em
época de emissão de agroquímicos nos suas comunidades. Para elas já há um
eucaliptos. aumento no número de casos de
bronquite, alergias, diarréias.
Em Encruzilhada do Sul as mulheres
relataram que já houve casos de Quanto aos impactos vinculados às
pessoas terem dor-de-barriga, após condições de trabalho algumas
17. mulheres falaram que os manter trabalhadores em situação de
trabalhadores dos eucaliptos trabalho escravo.
alimentam-se e descansam muito
próximo aos plantios, ficando muito As condições de trabalho relatadas
mais suscetíveis aos agroquímicos pela trabalhadora de Barra do Ribeiro
utilizados nos plantios. A trabalhadora evidenciaram a exploração do trabalho
rural de Encruzilhada do Sul relatou o feminino desenvolvida pela empresa
caso de homens que, trabalhando na Aracruz e sua terceirizada local. A
aplicação de agroquímicos sofreram maioria das mulheres que trabalham
intoxicação e foram substituídos por nos viveiros de mudas de eucalipto
outros saudáveis. Além disso, o tem problemas de tendinite, causando
descanso desses trabalhadores é lesão por esforço repetitivo (LER/
mínimo, pois saem de suas residências DORT). Além da LER, essa mulher
por volta das 5 horas da manhã e só desenvolveu uma grave doença de
retornam à noite. pele no rosto, em função do “vapor”
do eucalipto (ela desconhece se foi
Outra situação comentada foi o exposta a algum produto químico no
trabalho desenvolvido na extração da trabalho). Essa alergia fez dela
resina do Pinus Elliottis em São José vulnerável ao trabalho (no qual se
do Norte, pela empresa Flopal. A resina demitiu) ou a qualquer trabalho que
é um tipo de látex que para ser seja necessária longa exposição ao
extraída é necessário utilizar uma sol ou forte luminosidade. A empresa
espécie de ácido, que cheira muito pouco ajudou no tratamento médico.
forte e, além disso, tal resina gruda
na pele. Já foi freqüente o fato de os Sobre os impactos vinculados à
trabalhadores não possuírem nutrição a maioria relacionou tal
equipamento de segurança situação à escassez de terras
apropriado, situação que favorecia da plantadas com alimentos, bem como
resina grudar-se na pele. Depois de a perda da produtividade das terras
muitas denúncias anônimas foram vizinhas as monoculturas de
conquistados equipamentos de eucaliptos. Além disso, uma situação
segurança. Mesmo assim, o uso do interessante relatada foi sobre os
ácido faz com que os equipamentos animais silvestres. Estes podem
não durem muito e a retirada do látex utilizar plantas medicinais quando
da pele (que muitos utilizam óleo de precisam se tratar de alguma
cozinha) fazem machucados e enfermidade, porém com o avanço das
queimaduras. Inclusive, já existem monoculturas de eucalipto tal situação
suspeitas de câncer de pele que são fica comprometida.
negadas pela empresa. Além disso, o
trabalho é remunerado a partir da Por fim, quanto aos impactos
produção diária individual, situação vinculadas à disponibilidade de água
que leva a uma sobrecarga de trabalho limpa e ao estado do ar foram
diário, principalmente das mulheres. relatados casos de intoxicação pela
água e ar, em localidades próximas à
Situação parecida foi relatada pela Hulha Negra. A disponibilidade de
trabalhadora rural de Encruzilhada do água limpa também tem se reduzido.
Sul, onde a empresa Tanac 13 , Inclusive algumas mulheres, como as
responsável pela retirada de resina de Encruzilhada do Sul, relataram que
em monoculturas de Acácia Negra há famílias sendo impedidas ao
(Acacia mearnsii), já foi denunciada acesso à água, pois esta foi
inúmeras vezes, e recentemente, por bloqueada em propriedade comprada
18. por uma das empresas. A maioria das relatou que isso possa ser responsável
trabalhadoras rurais relatou a pelo aumento do número de casos de
presença de odor muito forte em aborto espontâneo. O mesmo fato
decorrência do uso de agroquímicos também é comentado em São José do
nos plantios de eucaliptos. A Norte sobre as mulheres que extraem
trabalhadora rural de Hulha Negra a resina do Pinus.
Eucaliptos em Santa Cruz do Sul
Foto: Cintia Barenho
ALTERAÇÕES NAS PRÁTICAS
TRADICIONAIS DAS COMUNIDADES
A alteração mais visível comentada por todas as
mulheres foi a questão das plantas medicinais do Pampa.
A tradição de coleta da erva medicinal Macela14
(Achyrocline satureioides) no RS já está sendo
prejudicada com o avanço dos plantios de eucaliptos
sobre os campos. Outras plantas medicinais também irão
ser afetadas com o avanço dos eucaliptos sobre o campo,
como a Espinheira-santa e a Coronilla.
19. AS OPORTUNIDADES DE TRABALHO
As oportunidades de trabalho são (com todas as despesas pagas por
majoritariamente oferecidas aos eles) na cidade de Pelotas. Fizeram
homens. Em geral, as poucas verdadeiras “excursões” para
oportunidades abertas às mulheres promover a Poupança Florestal.
reforçam o papel que a sociedade
capitalista (que tem uma perspectiva Também foi ressaltado que tais
machista, racista e homofóbica) atribui empresas recebem grandes incentivos
às mulheres, serviços ditos como públicos/governamentais para sua
inferiores e que são menos visíveis, instalação, enquanto que o pequeno
como de cozinheiras, faxineiras. No produtor não consegue acessar
entanto, em Barra do Ribeiro, a minimamente as linhas de créditos
maioria dos contratos de trabalho, no rurais. Quando consegue além de ter
viveiro de mudas de eucalipto, é que apresentar uma série de
destinada às mulheres. documentos para acessar o crédito,
os juros altíssimos.
As plantações fornecem
oportunidades precárias de Já no caso do Terminal portuário da
trabalho e que nem sempre é celulose e madeira, como a
oferecido aos trabalhadores da comunidade local não tem qualificação
comunidade local. A maioria dos exigida, estão trazendo trabalhadores
trabalhadores vem de outros de outras regiões.
municípios. Em Herval são poucos da
comunidade que trabalham na Uma importante ponderação foi
plantação. E em Santana do feita pela aluna de pós-graduação, que
Livramento a maioria dos tra- estas empresas de celulose e papel
balhadores vem do município de estão se especializando em fornecer
Cacequi, distante 189 km. Para as trabalho e não empregos. Trabalho é
mulheres, se a empresa não está qualquer atividade executada,
contratando ninguém de lá, não está remunerada ou não; já o emprego é
ajudando ao desenvolvimento local um tipo de trabalho remunerado, de
como costumam propagandear. vínculo permanente e formal, prestado
a uma organização ou pessoa. Nas
Geralmente o serviço oferecido aos lavouras de eucalipto só há trabalho
trabalhadores está voltado ao plantio enquanto há plantios para serem
dos eucaliptos e a manutenção do feitos. No momento que este é
mesmo, por meio de aplicação de finalizado, mínimas atividades
agroquímicos. restam, não havendo mais ne-
cessidade de tantos trabalhadores.
Outra situação relatada foi em
relação ao órgão público estadual, a
EMATER (Associação Riograndense de Quanto aos contratados homens,
Empreendimentos de Assistência geralmente, precisam comprar todos
Técnica e Extensão Rural) que proferia os seus equipamentos de trabalho (até
maravilhas acerca da Poupança mesmo de segurança) com pagamento
Florestal 15, como poderiam enriquecer á vista, ou seja, já começam seu
se aderissem ao mesmo. A empresa trabalho endividando-se. Na maioria
(neste caso a VCP) junto a órgãos dos casos são empresas terceirizadas
públicos estaduais convidou pessoas que contratam estes trabalhadores
de diferentes cidades/localidades para (não há vínculo empregatício direto
conhecerem o programa em atividade com as empresas de celulose e papel),
20. sendo que os contratos são precários trabalho (p.ex. ao comprar do patrão
e sem garantia de renovação. os equipamentos do trabalho). Hoje
há um mínimo de garantias
A trabalhadora rural de Piratini trabalhistas, porém o trabalho
contou que a Delegacia Regional do continua precário.
Trabalho, já averiguou casos de
trabalho escravo em Piratini e Pinheiro A situação de trabalho das mulheres
Machado. Na fazenda havia é bem diferente. Os trabalhos
trabalhadores do Ceará, os quais realizados por mulheres para as
recebiam cerca de R$ 100,00 mensais. empresas de celulose e papel são
Já a trabalhadora rural de Hulha Negra praticamente inexpressivos. A
relatou casos de pessoas que não trabalhadora rural de Herval contou
quiseram ir acampar com o MST e que lá, apenas uma mulher trabalha,
foram trabalhar nas lavouras de mas como cozinheira. Ela que fornece
eucalipto. Lá todos os equipamentos a alimentação aos “peões” que
necessários para o plantio do plantam os eucaliptos. Ela cozinha e
eucalipto foram descontados no alguém leva até os trabalhadores. Em
momento da assinatura do contrato. Hulha Negra também há uma mulher
trabalhando como cozinheira para os
A pescadora de Rio Grande lembrou trabalhadores das lavouras de
que em São José do Norte, quando eucaliptos. Ao mesmo tempo, como
seu pai trabalhou na plantação de já abordado, a maior parte do trabalho
Pinus, foi somente por três anos, pois nos viveiros de mudas de eucalipto,
a empresa do contrato “desapareceu”. em Barra do Ribeiro, é desenvolvido
Depois de certo período, surgiu por mulheres.
empresa para extração da resina do
Pinus e, novamente, as ofertas de Um caso grave relatado foi em
trabalho foram para os homens. Encruzilhada do Sul: já houve casos
de mulheres recebendo rancho de
Em São José do Norte atualmente comida em troca da sua força de
o trabalho nos pinus tem empregado trabalho nos plantios de eucalipto.
tanto homens quanto mulheres, mas
de forma diferenciada. Quanto os Igualmente grave é o trabalho
plantios chegaram, o trabalho era desenvolvido pelas mulheres em São
exclusivamente voltado para os José do Norte. Lá, trabalhadoras
homens. Depois se iniciou um ciclo mesmo tendo a carteira de trabalho
de extração da resina e atualmente assinada e salário fixo têm metas
da extração da madeira para serrarias diárias de produtividade a serem
onde o trabalho passou a ser misto cumpridas para serem remuneradas.
(extração de resina pelas mulheres e Neste caso, os salários entre homens
alguns homens; e extração da madeira e mulheres são desiguais, pois a
majoritariamente pelos homens). As produtividade diária de homens (tanto
pescadoras contaram que quando a na extração de resina como na
plantação de pinus começou, uns 20 extração da madeira) é superior a das
anos atrás, os valores pagos aos mulheres. Muitas vezes as mulheres
trabalhadores eram muito inferiores saem de casa na segunda-feira para
aos prometidos e incompatíveis com extração da resina, retornando apenas
o salário mínimo. Quando havia na sexta-feira. Também foi relatado
contratos, estes eram precários e até pelas pescadoras, casos onde as
ocorreram casos de trabalho mulheres acompanham seus maridos
praticamente escravo, pois o na extração da madeira. Elas
trabalhador se endividava ao iniciar o cozinham e dependendo do trabalho
21. do marido, ajudam fazendo os O impacto econômico gerado no
petrechos para extração da resina. estabelecimento de um assentamento
rural é muito maior do que destas
Já em Barra do Ribeiro a situação empresas de celulose e papel. As
relatada por uma trabalhadora, famílias assentadas irão comprar nos
evidenciou a precariedade do trabalho estabelecimentos comerciais da
oferecido às mulheres. A maioria é cidade seu primeiro chinelo, porco,
contratada temporariamente (45 lona, arame, ou seja, todas as coisas
dias), não possuindo nenhuma que precisam para iniciar sua vida
garantia de efetivação ou perspectivas como assentada. As empresas de
de crescimento profissional. A carteira celulose e papel além de terem
de trabalho nem sempre é assinada incentivos fiscais, pouco investem
(situação que andou mudando depois suas divisas na comunidade local.
do anúncio de ampliação da fábrica Algumas mulheres contaram que nem
de celulose em Guaíba), ou seja, não mesmo os trâmites burocráticos
há um mínimo de garantias (p.ex.cartório) da compra de terras
trabalhistas. Inclusive, segundo relato têm sido feitos no município.
da trabalhadora, o serviço é intenso,
havendo, de certa forma, exploração Em Encruzilhada do Sul muitas
do trabalho realizado pelas mulheres. famílias venderam suas terras devido
Além disso, não há creche da empresa a ofertas tentadoras e foram morar
terceirizada para as mães deixarem na cidade. Fato curioso é que tais
seus filhos e nem transporte dos/das famílias criaram um vilarejo chamado
trabalhadoras (a maioria utiliza Campos Verdes, onde atualmente a
bicicleta, tanto para deixar os filhos maioria destes moradores está
na creche, quanto para chegarem ao trabalhando nos plantios de eucalipto.
trabalho).
Também foi relatada situação
A partir dos casos relatados não há parecida em Candiota, onde famílias
dúvidas que os homens são os que também abandonaram seus lotes para
têm maior acesso aos trabalhos trabalharem nos plantios de eucalipto.
criados pelas companhias. Ao mesmo Além disso, foi relatado pela
tempo, há uma grande perda de outras trabalhadora rural de Hulha Negra que
oportunidades de trabalho em geral. alguns assentados rurais foram
trabalhar nos plantios de eucalipto e
Estes novos trabalhos não que essa atitude foi questionada pelos
compensam a perda de fontes de demais assentados. Tal ques-
trabalho anteriores, como no caso já tionamento fez com que os mesmos
falado sobre os assentamentos (estes não mais fossem trabalhar nos
quase não têm sido mais criados plantios. Porém tal desistência
nestas regiões). Para todas as resultou num endividamento destes,
mulheres são assentamentos que pois já haviam assinado os contratos
geram emprego e renda para a de plantios.
comunidade local.:
Outra situação relacionada à perda
são os assentamentos que de oportunidades de trabalho é a das
movimentam as cidades. É a famílias da comunidade Barra Nova
reforma agrária que movimenta em Rio Grande. A retirada de 200
o local! (Trabalhadora rural de famílias vai gerar perda de trabalho e
Piratini). renda, pois a grande maioria gera seu
sustento na própria comunidade (cerca
de 90% dos moradores trabalha no
22. próprio bairro, além de um grande Também em São José do Norte,
número de pessoas de outras além das famílias rurais, muitas
comunidades, segundo a pescadora de famílias pescadoras largaram suas
Rio Grande). O local previsto para o atividades tradicionais para
reassentamento da comunidade trabalharem nas plantações de pinus.
apenas permitirá a construção de
residência, logo não haverá galpões E ainda na Palma, a compra massiva
para beneficiamento do pescado. Além de terras estimulou às famílias a
disso, nesse local o mar é mais venderem suas propriedades e irem
agitado podendo deteriorar e inutilizar tentar a vida na cidade. “Quanta gente
os botes e barcos de pesca. A que saiu que dependia daqui”,
pescadora de Rio Grande disse que constatou uma das mulheres.
não há dados precisos de quantos
empregos seriam gerados pela Por fim, também foi relatada a perda
construção do Terminal portuário para de empregos em função do uso de
exportação da celulose e madeira. maquinário na colheita do eucalipto.
23. A MIGRAÇÃO EM DECORRÊNCIA DAS PLANTAÇÕES
A migração que tem ocorrido é Já em São José do Norte acontece
aquela conhecida por pendular16. Em dos trabalhadores e trabalhadoras
geral os trabalhadores são urbanos, ausentarem-se por uma semana de
sendo que muitos já viveram no campo suas residências para irem trabalhar
e atualmente sobrevivem nas cidades. nas plantações de pinus.
Ainda não ocorrem migrações
“definitivas”. Além disso, poucos são os relatos
sobre as mulheres estarem assumindo
Em Santana do Livramento a a função de chefes de família, devido
maioria dos trabalhadores vem do à migração dos homens para as
município de Cacequi e são poucos de regiões de plantio. Foi relatado o caso
Santana do Livramento que trabalham de homens que estão saindo para
nos plantio. Na comunidade da Palma trabalharem nos plantios, enquanto
os trabalhadores são de outras regiões que as mulheres ficam tomando conta
(Pinheiro Machado e Capão do Leão), dos lotes, dos animais, das hortas.
sendo que todos os dias cerca de três Sendo assim, o homem não consegue
ônibus com trabalhadores chegam mais ajudar a mulher nas lidas do
pela manhã e partem ao final do campo/roça, ficando a mesma
expediente. sobrecarregada.
Residência abandonada em Santa Cruz do Sul após expansão dos eucaliptais
Foto Cíntia Barenho
24. A VIOLÊNCIA EM DECORRÊNCIA DAS
PLANTAÇÕES
Sobre violência, foi relatado pela mulheres, não se tem caso de
proprietária rural que sua prima teve abuso, mas de assédio sexual
a casa assaltada, coincidentemente sim, ficam chamando as
depois que se negou a vender suas mulheres de ‘gostosas’,
terras (pois não aceitou a proposta inclusive no interior, quando as
financeira) para uma das empresas de mulheres vão fazer
celulose e papel. Após o assalto ela caminhadas, isso acontece
se sentiu coagida, com medo e cotidianamente (Trabalhadora
resolveu vender suas terras. Também Rural de Encruzilhada do Sul).
em Encruzilhada do Sul, uma
residência cercada pelos eucaliptos foi Esta forma de migração pendular
assaltada. A família ficou com receio que ocorre, cria uma situação favorável
de permanecer por lá e mudou-se para (comunidade “desconhecida”, família
a casa dos pais da esposa. Para uma não está presente) a tais fatos.
das mulheres entrevistadas, além da
presença de homens desconhecidos, As mulheres contaram que a
também as estradas têm facilitado os presença destes trabalhadores
roubos (devido a alguns me- desconhecidos promove medo e
lhoramentos feitos nelas). insegurança por parte das mulheres e
suas famílias. Anteriormente, se
Já sobre violência contra a mulher ocorresse qualquer eventualidade era
foi relatado que, a chegada de possível contatar algum empregado
trabalhadores dos eucaliptos tem da estância/propriedade, porém agora
incitado formas de assédio sexual17, devido aos maciços de eucaliptos,
atitudes machistas e sexistas. dificilmente encontra-se alguém que
possa ajudar/socorrer.
a Aracruz geralmente não
contrata funcionário do Acerca da prostituição as mulheres
município, então, os que vêm relataram que não há casos
de fora mexem com as conhecidos.
25. ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA E RESISTÊNCIA ÀS
PLANTAÇÕES
As comunidades, bem como as protesto contra os eucaliptos, gerando
mulheres, ainda não tem im- represálias à moradora.
plementado estratégias de so-
brevivência específicas, devido aos Em Rio Grande a comunidade da
impactos das plantações ainda serem Barra Nova tem feito passeatas no
muito recentes. centro da cidade, distribuído panfletos,
promovido debates, além de sis-
Quanto à função específica das tematicamente fecharem a rodovia
mulheres no desenvolvimento e que liga a área portuária em sinal de
implementação das estratégias de protesto e alerta ao despejo das
resistência foi dito que a luta das famílias.
mulheres é uma luta diária. É preciso
um trabalho contínuo sobre tais Também em Rio Grande, na
questões, mostrando e incentivando comunidade da Palma, a resistência
as outras famílias a participarem das tem sido feita por uma única família.
discussões. É Mesmo “sendo
um processo briga de ca-
que precisa chorro gran-
ser construído de”, segundo
junto às as mulheres, a
famílias. família se-
guirá na terra
Quanto às enquanto pu-
estratégias der. A vida
de resistência não está
contra as sendo sim-
plantações as ples, já
mulheres do pensaram
MST contaram muitas vezes
que sempre em vender a
convidam as propriedade,
famílias as- mas é a
sentadas a participar de debates produção leiteira que sustenta a
sobre a expansão das monoculturas família. Uma das mulheres relatou que
de eucalipto. E sempre que são já esteve no escritório da empresa e
convidados para alguma reunião e/ou um funcionário mostrou a papelada
debate colocam em pauta a discussão referente à compra das terras da
sobre a celulose e papel no Pampa. família. Segundo o funcionário era só
irem juntos ao cartório para finalizar
Algumas especificidades foram a compra. Para a família as ofertas
contadas como o caso de Hulha Negra não tem sido condizentes com a
onde utilizam rádio comunitária para situação proporcionada a eles.
realizar debates sobre as
consequências das monoculturas de Eu não tenho que sair (...)
eucalipto. Em Herval algumas escolas quem me encurralou foi eles
têm fomentado esse debate e (...) (Trabalhadora Rural de Rio
inclusive feito protestos de rua. Grande).
Também em Herval, em frente à
propriedade rural há uma placa de
26. Além da oferta de compra, a As ações têm sido especialmente
empresa já ofereceu uma permuta, orientadas diretamente nas
porém para uma terra sem água ou plantações e para atrair a atenção da
luz. mídia. Vide as ações das mulheres
ligadas aos movimentos sociais no 8
Em São José do Norte muitas de março ocorrida nos últimos 3 anos.
famílias rurais estão resistindo à
venda de suas terras, muitas já estão As ações para obtenção de apoio
“ilhadas” devido às plantios de pinus das autoridades nacionais e/ou locais
e eucaliptos. O Fórum local de têm sido muito restritas. Poder público
desenvolvimento rural já emitiu estadual, boa parte do poder
parecer recomendando a redução das legislativo e das autoridades
áreas de plantios, mas este não vem municipais estão aliadas as empresas
sendo cumprido. Além disso, um grupo de celulose e papel. Os apoios
local vem fazendo contraponto aos buscados têm sido ao Ministério
monocultivos de eucaliptos e pinus, Público tanto Federal como Estadual
bem como contra o Terminal de para que façam o Estado cumprir a
exportação da Aracruz que pretende legislação ambiental. E também tem
ser instalado. sido buscado apoio junto aos
parlamentares e senadores, bem como
Já em Encruzilhada do Sul vem de órgãos da esfera federal, em função
sendo desenvolvido projetos de da redução da faixa de fronteira.
estratégias e resistência, via
Movimento de Mulheres Camponesas O movimento de resistência é
(MMC), visando à soberania alimentar, misto, mas são as mulheres que tem
como hortas comunitárias. Na conduzido os debates e ações, pois,
comunidade, muitas mulheres não segundo a maioria das participantes,
fazem mais suas hortas, buscando na são elas que sentem quando falta
cidade o alimento que poderiam comida à mesa. As mulheres
produzir de forma econômica e criticaram os homens dizendo que eles
ecológica. Também tem sido nem sempre “entendem” o que elas
promovidos debates na comunidade estão discutindo e propondo.
a fim de esclarecer mais sobre a
problemática das monoculturas do Foi relatado de alguns maridos se
eucalipto. Porém há muitas queixarem do trabalho que vem sendo
dificuldades em função do poder desenvolvido pelas mulheres do MST.
público local ser pró-eucalipto. Porém muitos já estão vendo que esse
trabalho e essa discussão, fomentada
Como se pode perceber as ações por elas, é séria e fundamentada.
de resistência tem objetivado a
reforma agrária, a soberania Na comunidade de Rio Grande o
alimentar, a manutenção das famílias movimento também é misto, mas quem
no campo, a denúncia do agronegócio vai para rua protestar são as mulheres.
e da falácia do desenvolvimento, além Os homens ajudam quando há
da luta por igualdade e justiça necessidade, porque em geral estão
socioambiental. trabalhando na pesca. Há muita
resistência de moradores locais e
Sobre como as ações tem sido muita discriminação por parte da
orientadas, cada localidade tem comunidade riograndina.
desenvolvido ações especificas e no
âmbito dos movimentos sociais as Sobre se as mulheres têm desen-
formas de resistência são diversas. volvido ou têm estado envolvidas de
27. alguma forma em particular contra as cada vez mais aberto espaço para as
plantações, todas afirmam que sim. mulheres e isso tem ajudado a criar
As mulheres têm desenvolvido ações outras relações de gênero.
específicas contra as monoculturas do
eucalipto especialmente no dia 8 de Quanto aos resultados identificados
março, que é reconhecidamente a data em termos de lições aprendidas foi dito
de luta das mulheres, sendo que nos que nos movimentos sociais ligados
movimentos ligados ao campo, tais ao campo tem se ampliado as
atividades são desenvolvidas apenas discussões acerca das questões de
por elas. gênero, das feministas, porém, ainda
há muitas dificuldades a serem
Já os homens apóiam tais iniciativas, superadas.
mas nem sempre compreendem por
que são as mulheres que estão a frente As mulheres dos movimentos sociais
da luta contra as monoculturas de ligados ao campo entendem que as
eucaliptos. Mas também há com- ações não podem ficar apenas na
panheiros que reclamam que a luta do conscientização e de alianças com
8 de março é exclusiva das mulheres, diferentes grupos locais (Ongs,
acham que é necessário abrir a luta Sindicatos, etc). Ainda há certa
para todos e todas. Mesmo sendo as dificuldade em envolver grupos como
mulheres que vão para o enfren- de professores, funcionários públicos,
tamento, os homens ficam como grupo sindicalistas e até mesmo estudantes.
de apoio. Já aconteceu das mulheres Além disso, é preciso fazer ações de
que protestavam no 8 de março serem enfrentamento direto como tem sido
presas. Então os homens trancaram feito no 8 de março. Para as
algumas estradas e com faixas participantes, tal data já tem uma
protestaram contra eucaliptos e contra resposta positiva, pois está
a prisão inconsequente de mulheres, evidenciando a luta delas.
jovens e crianças.
Sobre se a participação das mulheres Ainda foi comentado que há muita
em movimentos de resistência tem repressão contra as mulheres, por
alterado sua posição ou funções na estas serem ligadas aos movimentos
comunidade, a maioria das parti- do campo, em especial ao MST. A
cipantes respondeu que agora as ampliação das alianças é
mulheres dos movimentos sociais não imprescindível a fim de que outros
são mais invisíveis. As mulheres grupos da sociedade gaúcha ajudem
passaram de uma condição de invisíveis nos processos de conscientização das
para visíveis, por meio principalmente comunidades locais. “A luta sozinha
da ação direta feita no laboratório de não se constrói.”, afirmou uma das
mudas da Aracruz, no município de Barra trabalhadoras rurais. Tal ampliação de
do Ribeiro, em 2006. As mulheres alianças é necessária, pois os
romperam o silêncio, tomaram a movimentos sociais, sindicatos e
decisão de encarar o agronegócio da Ongs, em geral, estão sendo
silvicultura e foram para o criminalizados, perseguidos e
enfrentamento, para a ação direta. As reprimidos violentamente pelas
mulheres estão buscando o seu espaço autoridades locais, situação que tem
e estão usando este para fazer a criado um ambiente de hostilidade,
resistência e a denúncia sobre o modelo receio e até mesmo de retração dos
do agronegócio que vem se instalando movimentos contrários as
no RS. E por fim, todas identificam que monoculturas de árvores exóticas no
os movimentos sociais do campo têm RS.
28. Para as participantes é necessário Além disso, as participantes
ir às ruas e denunciar, pois o poder ponderaram uma série de situações
público e os meios de comunicação que dificultam a luta contra as
local não abrem espaço para esclarecer monoculturas de eucaliptos no RS,
todas as implicações da expansão das como em Herval onde a VCP vem
monoculturas de eucaliptos. Os desenvolvendo trabalho voltado à
espaços de comunicação omitem os juventude local. Em Rio Grande onde
malefícios e das monoculturas dos também a VCP tem patrocinado
eucaliptos. Elas acreditam que quando muitas atividades locais, buscando
o povo estiver alerta da problemática reforçar uma boa imagem de
que os plantios de eucalipto trarão responsabilidade social institucional
para o RS, este também irá para as para a comunidade. Em Encruzilhada
ruas com os Movimentos Socais e do Sul onde a Aracruz desenvolve uma
Ongs. Um exemplo disso foi a ação série de atividades locais com intuito
direta das mulheres no laboratório da de promover a boa vizinhança:
Aracruz, onde tal ação fez com que a
população gaúcha, principalmente essas empresas parecem um
urbana, tomasse uma posição imenso polvo, com tentáculos
referente ao ocorrido. Mesmo com a em todos os campos da
cobertura parcial dos fatos, pelos sociedade (Pescadora de São
meios de comunicação local, gaúchos José do Norte).
e gaúchas se posicionaram. Foram
muitos os que consideraram a atitude Também foi citada a novela “A
das mulheres como de extrema Favorita” (ANEXO 2) tem tratado do
coragem. tema da celulose e papel, de forma
pouco crítica, na rede de televisão
aberta e em cadeia nacional.
29. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo com um curto período para animais devido a utilização de grande
a realização desse estudo de caso e quantidade de agroquímicos nas
reconhecendo que a expansão das lavouras de eucalipto; a precária
monoculturas de árvores exóticas no situação das estradas rurais devido
Pampa gaúcho é recente (meados de ao tráfego de veículos pesados; a
2003, porém alguns plantios existem situação de violência e assédio
desde 1980), os relatos das mulheres sexual; escassez de água; degradação
envolvidas evidenciam impactos da terra, entre outras. Além disso, a
significativos sobre suas vidas e de reforma agrária está neutralizada e o
suas comunidades. abandono do campo tem se
intensificado.
Os relatos e vivências
demonstraram o quanto à expansão Percebe-se, também, que muitos
das monoculturas de eucalipto, outros impactos possam estar
principalmente, tem contribuído para ocorrendo (p.ex. aumento da
o desempoderamento das mulheres. contaminação por AIDS, mudanças nos
hábitos alimentares, desestruturação
A ofensiva da silvicultura sobre o familiar, entre outros) porém, devido
Pampa tem gerado poucos empregos ao curto período de estudo, não foi
para as comunidades locais e em se possível pesquisá-los. Impactos como
tratando de trabalho para as esses tem sido relatados em diversos
mulheres, os números são pífios. As lugares depois da chegada de grandes
condições de trabalho são precárias, empreendimentos.
os contratos são temporários, muitas
vezes com garantias trabalhistas Enfim, o estudo de caso corroborou
mínimas, com exploração da força de para mostrar o quanto as mulheres
trabalho, principalmente sobre as têm sido protagonistas na luta contra
mulheres trabalhadoras dos viveiros o avanço das monoculturas de árvores
de mudas, e que já demonstra estar e do potencial que elas têm em fazer
comprometendo a saúde das com que “o novo aconteça”. É
trabalhadoras e trabalhadores. imperativo unificar a ação das
mulheres da cidade, com as mulheres
Muitas são as dificuldades acerca do campo, fortalecendo a luta contra
das condições sociais e de o avanço dos mega-projetos das
sobrevivência diária, como a empresas de celulose e papel sobre o
contaminação do ambiente e de Pampa gaúcho.
“MULHER, A LIBERTAÇÃO VIRÁ ATRAVÉS DA NOSSA RESISTÊNCIA,
RESISTÊNCIA ESSA QUE BUSCAMOS QUANDO NOS REUNIMOS E
VEMOS QUE OS PROBLEMAS SÃO OS MESMOS E AS SOLUÇÕES SERÃO
BUSCADAS NO COLETIVO, COLETIVO ESTE QUE CONSTRUIRÁ UMA
NOVA SOCIEDADE E APONTARÁ UMA NOVA MULHER...”
Autoria desconhecida
Mensagem recitada por uma das mulheres
30. REFERÊNCIAS
BARCELLOS, G. H.; FERREIRA, S.B. Mulheres e eucalipto – histórias de vida
e resistência. Movimento Mundial pelas Florestas Tropicias, Uruguai, 2007.54p.
CONTE, I.I.A invisibilidade feminina. Le Monde Diplomatique Brasil.
n.16.2008.p.37.
MORAES, L.M. Relatório da Missão de investigação do direito à moradia Rio
Grande. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/_plataforma/. Acesso
em novembro 2008.
SCHNADELBACH. C.V; PICOLI, L.R. O pampa em disputa – a biodiversidade
ameaçada pela expansão das monoculturas de árvores. NAT/BRASIL: Porto
Alegre, 2007.
WEISSHEIMER, M. A. As promessas douradas dos desertos verdes viraram
demissões e incertezas. Disponível em: http://www.rsurgente.net/2008/12/
as-promessas-douradas-dos-desertos.html. Acesso em: novembro de 2008.
Especulação da Aracruz provoca demissões em Guaíba. Disponível em:
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Acesso em novembro de 2008.
Incra nega compra de terra por multinacional. Disponível em: https://
conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2008/6/5/incra-
nega-compra-de-terra-por-multinacional. Acesso em novembro de 2008.
Papeleira Stora Enso pode comprar parte da Aracruz na Veracel. Disponível
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Acesso em: novembro de 2008.
Rumos do Sul. N.2. Porto Alegre: Zero Hora, 26 de novembro de 2008.Stora
Enso prepara oferta por fatia da Aracruz na Veracel. Disponível em: |http://
www.estadao.com.br/estadaodehoje/20081114/not_imp277460,0.php. Acesso
em: novembro de 2008.
VCP explica motivos para adiar empreendimento. Disponível em: http://
w w w . v c p . c o m . b r / l o s a n g o / p t b / n o t i c i a s /
noticias_naMidia_081015_VCP%20explica%20.asp. Acesso em: outubro de
2008.
Votorantim anuncia demissão de 118 trabalhadores no sul do Estado.
Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/
default.jsp?uf=1&local=1§ion=Economia&newsID=a2316437.xml. Acesso
em dezembro de 2008.
31. (Footnotes)
1
O Pampa sul-rio-grandense estadaodehoje/20081114/
abrange cerca de 176 mil Km2, o not_imp277460,0.php
que equivale a cerca de 60% da
6
área do estado. O Pampa é Segundo o ex-secretario de Meio
caracterizado por uma vegetação Ambiente do RS, Francisco Simões
campestre, que predomina em Pires, já são quase 500mil hectares
relevos de planície, e por uma plantados, sendo que destes há uns
vegetação mais densa, arbustiva e 140mil hectares com licenciamento
arbórea, nas encostas e ao longo ambiental. As entidades
dos cursos de água, além de haver ambientalistas integrantes do
a ocorrência de banhados Conselho Estadual de Meio
(Schnadelbach & Picoli, 2007). Ambiente desde agosto de 2008
solicitaram os dados sobre
2
É importante ressaltar que em licenciamento, bem como o
2003 a Aracruz comprou a Riocel percentual de hectares da
(antiga Borregard). Além disso, silvicultura, mas ainda não
também há outra empresa de obtiveram respostas.
celulose e papel no RS que é a
7
Cambará S.A. No estudo também Losango é o nome dado ao projeto
foram abordadas ações de outras de implantação de uma fábrica de
duas empresas responsáveis pela celulose branqueada de eucalipto no
retirada de resinas de Pinus Elliottii RS. Maiores informações em: http://
e da Acácia: Flopal e Tanac, www.vcp.com.br/losango/ptb/
respectivamente. oprojeto/oProjeto_infos.asp
3 8
Semapi denuncia licenciamento É considerada área indispensável
para beneficiar empresas e punição à Segurança Nacional a faixa
a técnicos. Disponível em: http:// terrestre interna paralela à linha
www.semapirs.com.br/semapi2005/ divisória de 150 Km de largura,
site/ paralela à linha divisória terrestre
indexex.php?inc=mostra_noticia&f_cod_noticia=2477 do território nacional. Vide Lei
Federal nº 6.634, de 2 de maio de
4
A VCP postergou sua fusão com a 1979.
Aracruz devido aos problemas
9
financeiros da mesma, gerados por “As promessas douradas dos
uma mal sucedida operação desertos verdes viraram demissões
financeira com derivativos cambiais, e incertezas”. Disponível em: http://
pela crise de crédito do mercado www.rsurgente.net/2008/12/as-
internacional. Disponível em: http:// promessas-douradas-dos-
clippingmp.planejamento.gov.br/ desertos.html
cadastros/noticias/2008/10/18/
10
votorantim-cancela-compra-da- A Plataforma DhESCA Brasil
aracruz). surgiu como um capítulo da
Plataforma Interamericana de
5
Recentemente a Stora Enso, maior Direitos Humanos, Democracia e
produtora de papel do mundo, tem Desenvolvimento (PIDHDD), a qual
estudado fazer uma oferta pelos se articula, desde os anos 1990,
50% que a Aracruz possui na para promover a troca de
Veracel. Disponível em: http:// experiências e a soma de esforços
www.estadao.com.br/ na luta pela implementação dos
32. direitos humanos, integrando negativo de “praga”. Disponível em:
organizações da sociedade civil de http://pt.wikipedia.org/wiki/Javali13
diversos países, em especial do Maiores informações em: http://
Peru, Equador, Argentina, Chile, www.tanac.com.br/PT/index.php
Bolívia, Colômbia, Paraguai e
14
Venezuela. Especificamente no Rio Grande do
Sul há a tradição de colheita da
11
“No Sul do Brasil, na Argentina e macela na Sexta-Feira Santa, antes
no Uruguai, a caturrita é do sol nascer; pois se acredita que
considerada praga em zonas de a colheita nesse dia traga mais
cultivo de milho e sorgo e em eficiência ao chá das flores. Esse
pomares. Com o desaparecimento chá é freqüentemente utilizado para
das matas onde viviam, as problemas digestivos, como anti-
caturritas começaram a procurar inflamatório, dentre outros.
alimento nas culturas que hoje
15
ocupam seu habitat natural. Com “A Poupança Florestal é uma
alimento fácil e a extinção forma de participar, em conjunto
progressiva de seus predadores, com a Votorantim, de um negócio
como o gavião, a população da interessante e lucrativo: o plantio
espécie aumentou facilmente. O de eucalipto”. Disponível em: http:/
cultivo de eucalipto também tem /www.vcp.com.br/sitevcp/
um papel importante na explosão poupancaflorestal/. Já a Aracruz
populacional das caturritas. A tem um programa semelhante –
caturrita encontrou no eucalipto um Produtor Florestal – para conhecer
local perfeito para nidificar, acesse: http://
construindo ninhos nos galhos mais www.produtorflorestal.com.br
altos, os ovos, filhotes e adultos
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ficam muito bem protegidos do Esse processo significa simples
ataque dos seus inimigos naturais e fluxos populacionais que não
dificultando o controle populacional configuram propriamente como
por parte do homem”. Disponível migração, isso por que não se trata
em:http://pt.wikipedia.org/wiki/ de uma transferência definitiva e
Caturrita. sim momentânea.
12 17
Espécie exótica introduzida no Assédio sexual é um tipo de
Uruguai e Argentina que se alastrou coerção de caráter sexual, que se
no RS. A espécie não encontra caracteriza por alguma ameaça,
predadores naturais, consegue insinuação de ameaça ou mesmo
procriar com o porco doméstico, hostilidade, com fundamento em
aumentando ainda mais seu efeito sexismo.