SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 101
Descargar para leer sin conexión
1


         Pontifícia Universidade Católica
            Faculdade de Psicologia




             E      TU,         AT?
       Análise das alterações emocionais descritas
por acompanhantes terapêuticos no trabalho com psicóticos


       Claudia Valentina de Arruda Campos




                            Orientadora: Camila Sampaio




                                Trabalho de conclusão de curso
                                como exigência para graduação
                                        no curso de Psicologia.




                  São Paulo

                     1996
2




Agradeço aos que amo
aos que me acompanham
e aos que acompanho
na loucura nossa de cada dia.
Agradeço ao tempo
que por rexistir
me obriga a parar num ponto
fazer história
deste ciclo tortuoso
que é escrever/viver.
3




AGRADECIMENTOS




Aos ATs entrevistados pela disponibilidade e pelo trabalho emocionante
que fazem.
À Camila por me ajudar a olhar para o outro.
Ao Welson por me ajudar a olhar para mim.
À Vilma pela delicadeza.
Ao Hemir pelas aulas e histórias.
À Lucinha pela atenção e paciência.
À Bia Almeida por me ajudar em meus descabelamentos sorrindo.
Ao pessoal d’A Casa:
Nelson e Leonel, pelos olhos (super-visões),
e à Lúcia, Bia Portella, Bia Almeida, Cristina, Renata, Júlio, Rodrigo,
Maurício Hermann, Eliane, Maurício Porto, Iso, Kléber, Luciana, João,
Claudia e Débora, por acompanharem de perto meu acompanhar.
Ao pessoal da Oficina de Inventos:
Eliana, Paula, Bia, Kátia e Saulo,
pelas discussões regada a vinho e macarronada.
À minha família querida.
Aos meus amigos e amores que foram, são e serão.
4




Sumário


RESUMO ..........................................................................................................................5
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................6
INTRODUÇÃO .................................................................................................................9
  I. O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ............................................................... 11
  II. ASPECTOS TEÓRICOS ......................................................................................... 19
      1 A Transferência ................................................................................................... 19
      2 A Psicose............................................................................................................. 21
      3 A Transferência Psicótica .................................................................................... 24
      4 A Contratransferência .......................................................................................... 27
      5 A Contratransferência na Psicose........................................................................ 29
      6 A Identificação Projetiva ...................................................................................... 34
      7 As sensações provocadas pela identificação projetiva ......................................... 40
      8 O sinistro na contratransferência vivido a partir da identificação projetiva ........... 42
      9 A Interpretação .................................................................................................... 45
METODOLOGIA ............................................................................................................. 48
  I Sujeitos de pesquisa ................................................................................................ 48
  II Entrevista ................................................................................................................ 49
  III Metodologia de análise e discussão da entrevista.................................................. 49
ANÁLISE E DISCUSSÃO DA ENTREVISTA DE H ......................................................... 51
  I O Trabalho do AT..................................................................................................... 51
  II O que sente o AT? .................................................................................................. 59
  III Hipóteses sobre o sentir: particularidades do acompanhamento terapêutico ......... 79
      1. A intimidade: o espaço e o corpo ........................................................................ 80
      2. A relação da dupla com o social ......................................................................... 82
      3. Duração: tempo e temporalidade ........................................................................ 84
      4. O lugar do AT ..................................................................................................... 85
      5. A dificuldade em nomear .................................................................................... 87
  IV O que fazer com “isso”? ........................................................................................ 88
CONCLUSÃO ................................................................................................................. 93
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 96
5


RESUMO


   Este trabalho visa correlacionar três objetos de estudo: a psicanálise, o
acompanhamento terapêutico e a psicose.


   Tudo começou quando, ao acompanhar uma moça psicótica, comecei a
perceber “coisas estranhas” em mim. Do que se tratava? O que era aquilo?
Comecei a investigar e observei que diversos acompanhantes descreviam
sensações, vivências particulares, semelhantes em sua estranheza. Passei a
buscar referências nos livros, e na falta de material sobre acompanhamento, me
dirigi à psicanálise: o que existia a respeito das sensações que sentia? Quais as
descrições de análises de pacientes psicóticos? Ao constatar uma proximidade
entre o que era descrito na psicanálise ao que era descrito pelos
acompanhantes, decidi investigar as reações emocionais do acompanhante
através de um estudo de caso. A entrevista me permitiu descrever o
acompanhamento terapêutico e correlacioná-lo à teoria psicanalítica.


   A pesquisa encontra-se dividida em duas partes: a primeira teórica, onde
são discutidos em especial os conceitos de transferência na psicose,
contratransferência e identificação projetiva; e uma segunda, dedicada à análise
de entrevista realizada com um acompanhante terapêutico, articulando a
experiência do acompanhamento terapêutico à teoria psicanalítica.


   Como conclusão, a análise da entrevista possibilitou verificar aproximações
entre essas duas clínicas da psicose _ o acompanhamento terapêutico e a
psicanálise _ além de destacar quais são as características particulares do
acompanhamento terapêutico. A pesquisa também permitiu levantar questões
para investigações futuras.
6


APRESENTAÇÃO


      No decorrer desta pesquisa me dei conta de que ela vinha ocupar um lugar
incômodo em minha vida: não me deixar esquecer, não deixar aquietar,
naturalizar, os estranhamentos que eu sentia em meu trabalho como
acompanhante terapêutica. Isto certamente me trouxe desgaste e cansaço a
cada vez que eu olhava para meu próprio tema. O trabalho de reflexão e
produção teórica foi uma experiência onde senti ser possível retornar à angústia
vivida nas situações sobre as quais eu pensava e, a partir do processo reflexivo,
ultrapassá-la. Em diversos momentos, mergulhei em minha própria experiência,
sendo difícil observar a experiência alheia, mas essa era a tarefa a que me havia
proposto: olhar para fora, para além de minha vivência particular, e produzir um
texto sobre o acompanhamento terapêutico.


   Ao iniciar o trabalho eu tinha uma questão clara: correlacionar o
acompanhamento terapêutico e as reações emocionais descritas pelos
acompanhantes de pacientes psicóticos, com a teoria da psicanálise. A partir daí,
iniciou-se uma viagem teórica. A princípio, pensei em utilizar a teoria da
contratransferência, e não um autor em particular, porque queria enfocar o
fenômeno, as “sensações” descritas por analistas que atendem pacientes
psicóticos em seus consultórios. Assim, busquei autores que falassem da reação
emocional do analista frente a pacientes psicóticos, e terminei por utilizar um
grande número de autores, sem me aprofundar na construção teórica de cada
um em particular.


    Nesta busca, novas questões foram surgindo: ao falar de contratransferência
na psicose precisei escrever sobre que referência de psicose estava utilizando,
assim como de transferência. As questões pareciam intermináveis: Como se dá a
transferência na psicose e qual sua relação com a contratransferência? O que é
a identificação projetiva, conceito a que cheguei através da leitura sobre a
7


contratransferência? Quais as manifestações observáveis da identificação
projetiva? Qual a relação entre identificação projetiva, transferência e
contratransferência? Pode-se interpretar a partir da percepção da identificação
projetiva? E tudo isso poderia servir para o acompanhamento terapêutico?


   Ao mesmo tempo em que este caminho foi percorrido, havia outro paralelo: a
experiência como acompanhante terapêutica (AT) me levou a correlacioná-la à
experiência descrita por Freud (1924) do sinistro. O encontro destes dois
caminhos derivou em uma nova questão: Como correlacionar a experiência do
sinistro com a contratransferência na psicose? E pude entrever que esta questão
me levaria a outras que indicavam para o corpo. O que é o corpo e onde está
inserido o corpo do analista e do acompanhante terapêutico na relação com um
indivíduo psicótico? O tempo se foi antes de poder chegar ao corpo. Se você
está confuso, imagine eu que a esta altura já nem me lembrava de qual havia
sido a questão inicial.


   Tive que me voltar para as entrevistas e aí redescobrir minha questão. A
partir da análise da entrevista, a discussão busca correlacionar os aspectos
teóricos da psicanálise com o acompanhamento terapêutico.


   Pensando sobre o que perseguia ao construir uma “colcha de retalhos”
teórica, me deparei com uma grande ansiedade, e com o desejo de encontrar
uma resposta, buscar compreender o que havia vivenciado na experiência
enquanto acompanhante terapêutica. A necessidade de entender o que havia
vivido, em momentos, foi maior que qualquer tentativa de organização
metodológica que desse um contorno melhor a isto que eu buscava descrever,
ao mesmo tempo em que descobria.


   Certamente ficaram muitas falhas, contradições e buracos. Um trabalho
“louco”, como disse uma amiga. Um trabalho que vagueia, mas que ao final
8


encontra, se não respostas, talvez hipóteses e, com certeza, muitas novas
questões.


   Se ele provocar, instigar a pensar, está cumprido. Um pequeno paralelo com
o trabalho do AT: apresentar um mundo novo, interno e externo, e deixar que o
outro se ligue, viva.
9


INTRODUÇÃO


“Eu sou Ofélia. A mulher na forca. A mulher com seios cortados. A mulher com
excesso de dose SOBRE OS LÁBIOS NEVE a mulher com a cabeça no fogão a
gás. Ontem deixei de me matar. Estou só com meus seios, minhas coxas, meu
ventre. Rebento os instrumentos do meu cativeiro - a cadeira, a mesa, a cama.
Destruo o campo de batalha que foi o meu lar. Escancaro as portas para que o
vento possa entrar e o grito do mundo. Despedaço a janela. Com as mãos
sangrando rasgo as fotografias dos homens que amei e que se serviram de mim
na cama, mesa, na cadeira, no chão. Toco fogo na minha prisão. Atiro minhas
roupas no fogo. Exumo do meu peito o relógio que era o meu coração. Vou para
a rua, vestida em meu sangue.”
                                                                       Ofélia
                                                                Heiner Müler
                                                             Hamlet Máquina


“Arrombo a minha carne lacrada. Quero habitar nas minhas veias, na medida dos
meus ossos, no labirinto do meu crânio. Retiro-me para as minhas vísceras.
Sento-me na minha merda, no meu sangue. N’algum lugar são rompidos ventres
para que eu possa morar na minha merda. N’algum lugar ventres são abertos
para que eu possa estar sozinho com o meu sangue. Meus pensamentos são
chagas em meu cérebro. O meu cérebro é uma cicatriz. Quero ser uma máquina.
Braços para agarrar pernas andar nenhuma dor nenhum pensamento.”


                                                                      Hamlet
                                                                Heiner Müller
                                                             Hamlet Máquina
10


   Estes são trechos da peça de Heiner Müller, Hamlet Máquina. Textos literários
que nos comovem pela crueza, primariedade do que é dito. É a descrição de
sentimentos de pessoas que vivem algo da radicalidade da experiência humana,
radicalidade que podemos encontrar na loucura como uma vivência trágica,
particular e tantas vezes inexplicável. Se um texto literário é capaz de nos fazer
sentir, nos angustiar a partir da possibilidade de vivermos uma parcela do que
nos é descrito, o que poderia provocar em alguém a proximidade e o contato
com quem vive uma experiência de tamanha ruptura de seus mundos interno e
externo como a loucura?


   Este trabalho é uma tentativa de organização de sentimentos de alguém que
pôde sentir esta proximidade, relato de uma procura pessoal, da busca de pares,
da busca teórica de possíveis explicações para o que foi observado e vivido na
relação com uma pessoa “louca”. “Louco” porque: o que é ser louco? O que nos
distancia desta vivência? O que nos garante do lado de cá e eles do lado de lá,
além de um muro? Estas sendo questões que me rodeavam permanentemente
ao acompanhar uma dessas pessoas estranhas. Estranhas estrangeiras em sua
terra natal. Esquisitas desconcertantes, desviantes das regras da razão, onde o
porquê positivista não encontra uma resposta. Críticas não intencionais à custa
de suas próprias subjetividades, sem espaço para a existência, fadadas a viver
em um tempo, que por ser outro que o tempo da produção, não tem lugar. E
então, o que é possível? É possível acompanhar, acompanhar a história e o que
a mudança dos tempos nos permite.
11


I. O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO



   Anteriormente à realização de um trabalho como acompanhante terapêutica,
a loucura era para mim pura teoria, filmes, textos literários. Depois de iniciar o
trabalho como acompanhante terapêutica de psicóticos, deixaram a teoria de ser
pura, os filmes ficção e a literatura texto. A teoria, em especial, pude entendê-la
como experiência sistematizada, flexível, mutável. A partir do acompanhamento
continuei sem saber o que é ser louco, e este desconforto me levou a falar (as
intermináveis conversas dos acompanhantes terapêuticos), escrever e entrevistar
pessoas a fim de encontrar outros pensamentos, destes que também vivem esta
experiência.   Uma   aproximação     da   loucura   através   do   trabalho   como
acompanhante terapêutico (AT).


   O que faz um acompanhante terapêutico? De uma forma geral saímos com
pessoas que tem tido dificuldades em sua relação com o mundo. Muitas vezes
são pacientes psiquiátricos e com eles vamos ao cinema, ao teatro, a um bar,
viajar, etc. Em suma, atividades que as pessoas comumente realizam com
amigos (o antigo nome do acompanhante terapêutico era amigo qualificado).
Acompanhante e acompanhado buscam no mundo possibilidades de novos
caminhos de circulação, novos contatos deste indivíduo com o social, para que o
acompanhado um dia não precise mais de acompanhamento.


   O acompanhamento terapêutico é uma das formas contemporâneas de
tratamento da psicose. Existe pouco material publicado sobre esta prática, sendo
este um dos motivos que me levaram a refletir sobre ela. Há apenas dois livros
sobre o tema editados em português: Acompanhantes Terapêuticos e
Pacientes Psicóticos, de Mauer e Resnizky (1987), e A Rua como Espaço
Clínico, da Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital Dia A Casa
(1991).   Além desses, é possível encontrar artigos dispersos, muitas vezes
publicados por grupos independentes de acompanhantes terapêuticos. A
12


transmissão do que é o trabalho até hoje se dá basicamente por via oral:
palestras, cursos, grupos de estudo e discussões entre acompanhantes.


     Esta é uma questão intrigante sobre esta prática: como, apesar de possuir
mais de 20 anos de existência na Argentina, e pelo menos 13 anos no Brasil, ela
continue ainda sendo transmitida oralmente? Qual seria a dificuldade de teorizar
sobre o acompanhamento terapêutico, dificuldade esta a que os acompanhantes
terapêuticos tanto se referem? Sem tentar responder a estas questões, penso
em    alguns   elementos    que   poderiam    direcionar   novas   pesquisas.    O
acompanhamento é uma prática que se dá no quotidiano.            Acompanhante e
acompanhado percorrem a cidade juntos, buscando realizar atividades que para
muitos seriam básicas em suas vidas, como ir à padaria, ao supermercado,
assistir um filme ou passear de carro. Patto (1990) refere-se à dificuldade que
encontram os teóricos ao tentar elaborar uma teoria do quotidiano. Além disso, o
acompanhamento é um trabalho que possui muitas variáveis, como a questão do
vínculo, da interpretação, a ação, a relação do AT com a família do
acompanhado, o que torna o tratamento algo difícil de ser configurado,
circunscrito. Afinal, disso tudo, o que trata no trabalho como acompanhante?
Quais os fatores terapêuticos? Qual o campo específico desta forma de
trabalho? Como não se perder frente às inúmeras possibilidades existentes?


  Estas questões, ainda sem respostas, permitem pensar que é apenas dentro
da relação existente entre acompanhante e acompanhado que se pode saber o
que é terapêutico, ou analítico, para aquele indivíduo em particular. É a partir de
sua situação de vida atual que se elabora um projeto terapêutico, sendo possível
pensar que as generalizações do que fazer ao se acompanhar alguém,
generalizações estas que poderiam surgir na forma de regras, limites pré-
estabelecidos do que é correto ou incorreto dentro de um acompanhamento
terapêutico, correm o risco de funcionar mais como defesa do terapeuta frente à
angústia do não saber, do desconhecido em que a relação com a psicose nos
coloca, do que como “regras fundamentais” do acompanhamento terapêutico.
13




   Existem propostas divergentes sobre o papel do AT no tratamento da psicose
que podem ser observadas nos dois livros existentes sobre acompanhamento
terapêutico. Resnizky e Mauer (1987) definem as funções do acompanhante
terapêutico como sendo as seguintes: contenção do paciente, oferecimento do
acompanhante como modelo de identificação, funcionar como “ego auxiliar” do
paciente, perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente,
informar sobre o mundo objetivo do paciente, representar o terapeuta, atuar
como agente ressocializador e, finalmente, servir como catalizador das relações
familiares.


   Já a proposta do grupo do hospital dia A Casa (1991) está mais voltada para
uma concepção analítica da relação, não sendo possível criar itens tão
determinados como os citados acima. É importante, nesta forma de pensar o
acompanhamento,       a   formação    de   um     vínculo      entre    acompanhante     e
acompanhado, vínculo compreendido no terreno dos fenômenos transferenciais
que permitiria ao acompanhado arriscar-se de uma forma particular no mundo,
tendo a sustentação de um companheiro, de um anteparo afetivo entre ele e o
mundo.


   A   rua    é   considerada   o    espaço     privilegiado     para    o   trabalho   do
acompanhamento. Neste espaço de múltiplas possibilidades, o acompanhante
terapêutico busca estar atento às necessidades e capacidades de seu
acompanhado. Busca construir com ele um novo roteiro da cidade, acreditando
que quando um indivíduo psicótico consegue fazer demandas, ali existe a
possibilidade de este construir novas relações afetivas com o mundo, com a vida.
É acreditar, de alguma forma, que a subjetividade se constrói durante toda a
vida, que a possibilidade de transformação e mudança é algo inerente ao
humano, que o social e o quotidiano podem ser terapêuticos. Isto,
paradoxalmente, associado à ideia de que este indivíduo não precisa deixar de
ser um psicótico para habitar este mundo, esta cidade. O acompanhante
14


terapêutico busca construir juntamente com o acompanhado, em um trabalho
microscópico, uma pequena abertura no macro social.


   Esta pequena abertura pode se dar em uma ida à farmácia, onde a boa
acolhida de um farmacêutico a uma pessoa que delira transformações em seu
corpo, respondendo muitas vezes e muitos dias às mesmas perguntas com bom
humor, talvez revele algo _ o fragmento de uma mudança social possível na
forma de se relacionar com a loucura. Seria possível considerar estes pequenos
acontecimentos uma forma de transformação social? Segundo Baremblitt (1991):


      “O paciente não é uma forma de ser no mundo, mas sim, uma forma de
      produzir o mundo, o mundo próprio, único, irrepetível. O desafio do
      acompanhante terapêutico, ou de quem seja, consiste então, em participar
      na construção deste mundo, fazendo de maneira com que ele seja
      compatível com o mundo que é produzido, consagrado e implantado por
      certas maneiras de ser triunfantes. Maneiras de ser que têm conseguido
      produzir um mundo no qual o mundo do chamado paciente não tem lugar.”
      (pág. 81)

   Quem melhor do que Althusser (1992) para descrever este não lugar no
mundo. Sociólogo francês, diagnosticado maníaco depressivo, em novembro de
1980 estrangulou a esposa em seu apartamento e não foi a julgamento por ter
sido “beneficiado” pela impronúncia, ou seja, foi considerado incapaz de
responder em juízo. Posteriormente, Althusser escreveu o livro “O futuro dura
muito tempo”, publicado após sua morte, em 1990. Nele descreve o limbo que
cabe ao louco em nossa sociedade. O relato é uma resposta à impronúncia que
lhe foi imputada. Uma forma de sobrevivência e de existência:


      “É provável que se julgue chocante que eu não me resigne ao silêncio
      depois do ato que cometi, e também a impronúncia que o sancionou e da
      qual, segundo a expressão espontânea, eu me beneficiei.

      Mas, não tivesse eu esse benefício, e deveria ter sido julgado. E, se
      tivesse de ser julgado, teria de responder.
15


      Este livro é essa resposta à qual, de outra forma, eu teria sido submetido.
      E tudo que eu peço é que isso me seja concedido; que me concedam
      agora o que então poderia ter sido uma obrigação.” (pág. 21)

   Sobre a impronúncia, o não direito à palavra, ele escreve: “O destino da
impronúncia é na realidade a pedra sepulcral do silêncio.” (pág. 25)


   Escreve também sobre a condição do louco:

      “Se falo dessa estranha condição, é porque a vivi e, de certa forma, vivo-a
      ainda hoje. Mesmo libertado após dois anos de internação psiquiátrica,
      sou, para uma opinião que conhece meu nome, um desaparecido. Nem
      morto nem vivo, não ainda enterrado mas ‘sem obra’ - a magnífica
      expressão de Foucault para designar a loucura: desaparecido.” (pág. 29)

  O livro que escreve é um retorno ao mundo deste ser “desaparecido”. Mundos
exteriores e interiores, mundos familiares, mundo relacional. O AT junto a seu
acompanhado busca ligar, criar uma trança entre estes mundos. A partir de uma
afetividade lançada sobre ele, é possível buscar relançá-la sobre outros objetos,
reconectando quem se desligou da vida, dar voz a quem perdeu o direito à fala.
Trabalho de tentativa e erro constantes, desejos frustrados e alegrias enormes.


   O que é ser um acompanhante terapêutico? Há algo nesta atividade de
acompanhar que vai muito além do fazer. Ao acompanhante cabe a capacidade
de se co-mover, seguir junto, suportar que alguém sem caminhos claros o guie,
ao mesmo tempo em que busca sustentar os afetos que o invadem, comovem. A
possibilidade de suporte sendo um dos atos terapêutico. Assim, se por um lado
há uma grande importância da própria rua enquanto espaço possibilitador para
este trabalho, o fator que viabilizaria a saída às ruas é o vínculo criado entre
acompanhante e acompanhado. Se, por um lado, a rua pode ser pensada
enquanto exterioridade viabilizadora de relações com o fora, o acompanhante
também é o fora, o terceiro, que entra na casa não apenas de seu
acompanhado,      mas    muitas    vezes    de    uma    família   desorganizada
emocionalmente.
16




  O “fora” é pensado no acompanhamento terapêutico, para além da rua, a
partir da perspectiva de Rolnik (1995). Segundo ela, o fora não seria um lugar,
mas uma dimensão da realidade em constante movimento de forças, turbilhão de
transformações. Em suas palavras:


           “(...)Se o fora não é um lugar, como ficaria então o dentro? Onde se
          dão estas sensações e este estranhamento? Como fica a
          subjetividade? Pois bem, para sua surpresa ele (AT) constata que o
          dentro nada mais é do que o interior de uma dobra do fora,
          estratificação temporária de certas reações de força - exatamente
          aquelas relações cuja diferença incompatível tivera por efeito
          desestabilizar os contornos que lhe eram familiares e lhe exigir um
          processo de subjetivação de um novo tipo. A subjetividade portanto é
          feita das próprias partículas do fora; ela é o dentro do fora. Um dentro
          que como um cristal do fora que teria sedimentado em determinada
          forma, continua a ser trabalhado pelas forças até que a dobra que o
          constitui se desfaça e outras dobras se façam num só e mesmo
          movimento. Nesse processo que nunca para, somos levados para fora
          de nós mesmos e nos tornamos “um sempre outro”. A subjetividade é
          então este dentro-e-fora indissociáveis, mas também, inconciliáveis:
          ‘um si e não-si` concomitantemente.” (pág. 8)

   É no fora de quem se encerrou em uma forma de vida petrificada, exatamente
por ser absolutamente vulnerável, aberto ao avassalamento do mundo, e no fora
de quem se constituiu dentro quase protegido e semi-lacrado, que ambos,
acompanhante e acompanhado, vão caminhar. O acompanhante sendo, em si, o
“fora” que adentra o espaço da casa e da família.


  Neste espaço sem formas definidas é que se dá este passeio pelo
estranhamento. Estranhamento vivido muitas vezes pelo AT que busca dar um
nome ao “isso”, sensação de difícil nomeação, sensações vividas na convivência
com um psicótico. Este inominável pode encontrar-se, talvez, um pouco mais
próximo da fala do que da escrita. Seria possível que isto levasse o AT a referir-
se à sua prática basicamente através de casos? Pois este é outro
questionamento    constante,   o   fato   de   ser   tão   difícil   falar   sobre   o
acompanhamento sem se referir a uma vivência.
17




   Também eu não escaparei à descrição da vivência, pois esta foi fundamental
para o surgimento da necessidade de reflexão: Saía com minha primeira
acompanhada, Renata, há cerca de quatro meses quando ela me propôs que
viajássemos por três dias para o sítio. Passado este período eu retornaria a São
Paulo e outra acompanhante que também a atendia ficaria com ela no sítio por
mais três dias. Aceitei entusiasmada e fomos para o sítio. No terceiro dia da
viagem tive uma intoxicação alimentar. Passei mal e voltei para São Paulo
sentindo fortes dores abdominais. Na volta, eu estava dirigindo sozinha, e
comecei a fantasiar sobre o que se passava comigo. Somente depois de chegar
a São Paulo pude notar que o teor de minhas fantasias havia sido o mesmo das
fantasias   de   Renata.   O   medo    da   morte   desproporcional às    causas,
persecutoriedade, imaginar as possíveis doenças que poderiam ter me
acometido, todos esses sintomas de Renata que nesse momento me encontrei
reproduzindo.


   A partir deste momento, minha relação com ela se tornou mais distante e
difícil. Passei a ficar irritada nos acompanhamentos, não via a hora passar. Este
movimento não foi unilateral. Na volta da viagem, as duas, acompanhante e a
acompanhada, estavam perturbadas. Enquanto eu estava na estrada dirigindo,
tinha a sensação de estar intoxicada, e depois de semanas eu continuava me
sentindo assim. Associado a isto, sentia culpa, pois meu papel seria o de tratá-la
e não estava conseguindo. Eu havia mudado e me tornado supersensível à sua
aproximação, irritada com ela e comigo mesma por haver escolhido estar ali.
Passadas duas semanas, em supervisão, foi decidido que eu tiraria duas
semanas de férias e a frase importante que marcou esta supervisão foi: “Diga
que vai sair de férias, mas diga feliz. Deixe as coisas dela com ela.”


   A separação restauradora me permitiu pensar sobre estas questões e voltar,
com menos horas semanais, e sem viagens por um período. Ao mesmo tempo,
esta ebulição me levantou perguntas sobre o que havia acontecido. O que eu
18


havia “carregado”? Aquilo era algo meu despertado pela minha relação com ela
ou ela teria “colocado” aqueles sentimentos em mim? Como era possível que eu
considerasse delírio suas considerações sobre meus poderes sobre seu corpo e
ao mesmo tempo acreditasse em seus poderes sobre minha mente? Onde
estaria esta “abertura” em mim que havia permitido essa invasão? A partir destas
questões fui buscar bibliografia que se referisse a este tipo de experiência que eu
havia vivenciado.


   Encontrei descrições semelhantes na psicanálise. A investigação sobre o que
me acontecia provocou uma ressignificação do conhecimento teórico que
possuía até então. O sentido teórico já não bastava, caso não encontrasse uma
equivalência prática na relação. Isto, tomadas as precauções de não ser a
relação de acompanhamento o equivalente a uma relação psicanalítica na rua,
não permitindo, assim, uma transposição literal dos conceitos psicanalíticos. No
entanto, estes mesmos conceitos poderiam me ajudar a pensar as semelhanças
e diferenças entre os dois trabalhos. Pude observar fenômenos muito
semelhantes aos descritos como transferência psicótica, contratransferência e
identificação projetiva durante o trabalho de acompanhamento.
19


II. ASPECTOS TEÓRICOS

      A parte teórica da pesquisa era, a princípio, uma investigação cujo objetivo
era o de embasar a análise da entrevista. No decorrer do processo, esta parte foi
adquirindo uma dimensão maior que a prevista. Além de interminável, pois não a
considero terminada, ao terminar a primeira versão do trabalho achava esta parte
confusa, incômoda, indigesta. Havia muito a ser retirado e transformado. Na
segunda versão do trabalho tal era minha irritação e insatisfação com esta parte
que a transformei em anexo. Não a queria dentro, “sujando”, o trabalho. Para
realizar a terceira versão, pensei muito no porquê desta parte haver sido
excluída: ela estava louca em demasia, um tanto árida, esquizoide. E pensei que
um trabalho sobre a loucura que exclui de si próprio sua desorganização se
afasta de seu objeto. Em função disto, readmiti os aspectos teóricos como parte
integrante do trabalho. Enfim, na quarta versão, aqui presente, reduzi a
dimensão deste capítulo.


      Os conceitos investigados são: a partir do conceito de transferência me
encaminho para os conceitos de psicose, da transferência na psicose, da
contratransferência, da contratransferência na psicose e da identificação
projetiva. Paralelamente, há também uma investigação a respeito do sinistro em
Freud, o sinistro na contratransferência e uma questão final a respeito da
possibilidade de interpretação a partir da contratransferência.



1 A Transferência

   O conceito de transferência é apresentado e retomado em diversos momento
na obra de Freud. Em 1905, define da seguinte forma a transferência, ao analisar
o Caso Dora:


          “O que são as transferências? Reedições ou produtos facsímiles dos
          impulsos e fantasias que serão despertados e feitos conscientes
20


             durante o desenvolvimento da análise e que possuem como
             singularidade característica de sua espécie a substituição de uma
             pessoa anterior pela pessoa do médico. Ou para dizer de outro modo:
             toda uma série de acontecimentos psíquicos anteriores voltam à vida,
             mas não já como passado, se não como relação atual com a pessoa
             do médico.” (p. 998 trad. livre)

   Segundo Freud (1905), a transferência existe em todas as relações humanas,
sendo especifico da psicanálise a utilização deste recurso para propiciar a
análise. O tratamento psicanalítico não cria a transferência, mas se limita a
“descobri-la”. Posteriormente Freud considerará a transferência como sendo,
além de uma forma de resistência, também a mola que impulsionaria o
tratamento psicanalítico.


   Freud publicou, em 1910, o texto “Observações psicanalíticas sobre um caso
de paranóia” também conhecido como o caso Schreber. Nesse texto, afirma não
ser possível a realização de um trabalho analítico com pacientes psicóticos, pois
estes não poderiam estabelecer uma relação transferencial. Haveria, nestes
pacientes, um afastamento de todo interesse pela realidade, pelo mundo exterior.
Na psicose, naquele momento chamado por Freud de parafrenia, haveria uma
retração da libido objetal para o eu, processo que descreve o fenômeno do
narcisismo, que impossibilitaria a relação tranferencial.


   Posteriormente, diversos autores vieram a contestar esta hipótese freudiana,
constatando a ocorrência de uma transferência bastante peculiar na relação
analítica com psicóticos, bastante diferente das características da transferência
neurótica.


   Os autores selecionados para descrever a transferência na psicose o foram a
partir de seu trabalho sobre a contratransferência e a identificação projetiva, ou
seja, foi a partir do estudo sobre a contratransferência e a identificação projetiva
que cheguei a Klein, Winnicott, Bion e Rosenfeld, entre outros. Há ainda autores
dentro da psicanálise que, a partir de Lacan, produziram uma teoria bastante
21


diversa sobre a psicose. No entanto, tendo sido o enfoque inicial deste trabalho a
contratransferência, e não sendo este um conceito utilizado pela escola
lacaniana, não foi possível um aprofundamento sobre a definição de psicose e
das forma de transferência na psicose, desde a perspectiva lacaniana.



2 A Psicose

  Freud (1924) em seu artigo Neurose e psicose afirma que o que caracterizaria
a psicose seria o afastamento do ego da realidade. “A neurose seria o resultado
de um conflito entre o ego e o id, enquanto que na psicose o ego, a serviço do id,
retira-se do mundo exterior.” (pág. 2.742 trad. livre) Freud considerava que
indivíduos psicóticos eram inanalisáveis.


   Klein, por sua vez, desenvolveu uma teoria sobre a vida emocional dos bebês.
É possível pensar, a partir de suas teorias, que ela realiza com a psicose o que
Freud realizou com a neurose, no sentido da “despatologização”. Por que a
psicose pode deixar de ser pensada como doença? Em 1946, em “Notas sobre
alguns mecanismos esquizoides”, ela escreve:


          ‘Não será preciso entrar em pormenores quanto ao fato de que
          algumas outras características das relações objetais esquizoides, por
          mim anteriormente descritas, podem ser encontradas, em menor grau
          e de uma forma menos impressionante, em pessoas normais(...). De
          modo semelhante, as perturbações normais nos processos de
          pensamento estão ligadas ao desenvolvimento da posição
          esquizoparanóide. Pois todos nós somos susceptíveis, por vezes, de
          um enfraquecimento momentâneo do pensamento lógico (...) de fato o
          ego está temporariamente cindido.” (pág. 329)

   Neste mesmo artigo Klein (1946) escreve:


          “Nos primeiros anos da infância, manifestam-se ansiedades
          características da psicose que obrigam o ego a desenvolver
          mecanismos específicos de defesa. Nesse período se encontram os
          pontos de fixação para todos os distúrbios psicóticos.” (pág. 314)
22




    Assim, segundo Klein, todos vivenciamos, nos primeiros anos da infância,
não a psicose, mas ansiedades psicóticas, e o que diferenciaria um indivíduo
psicótico de um neurótico são os pontos de fixação em uma fase primitiva do
desenvolvimento. Nessa medida, os neuróticos não se isentariam destas
ansiedades, que estariam incorporadas ao processo psíquico de formação da
personalidade de qualquer indivíduo. A psicose, deste ponto de vista, pode ser
pensada não como uma doença, mas como uma possibilidade para qualquer ser
humano.


   A partir de Klein, outros autores se aventuraram pela questão da psicose.
Winnicott (1954-5) pouco utiliza as categorias neurótico ou psicótico, mas sim
refere-se a pacientes mais ou menos regredidos, o que determina a gravidade de
cada caso. Winnicott correlaciona o nível de regressão de um indivíduo a fatores
ambientais os quais poderiam haver provocado essa forma de defesa. Segundo
ele, “A doença psicótica se relaciona a um fracasso ambiental em um estádio
primitivo do desenvolvimento emocional de um indivíduo.” (pág. 470)


   Ao falar em “fracasso ambiental”, Winnicott se refere à relação mãe-bebê. O
que caracteriza este fracasso é a impossibilidade de a mãe dar suporte
emocional para as experiências afetivas do bebê. Um indivíduo que vive esta
experiência   emocional   tem,   segundo   ele,   seu   desenvolvimento   afetivo
comprometido.


   Bion, por sua vez, dá maior ênfase a aspectos constitutivos do indivíduo. Em
relação à personalidade psicótica, em 1957, ele considera a coexistência de uma
parte neurótica e de uma parte psicótica na personalidade de um só indivíduo. A
partir da distinção feita por Freud (1924) entre neurose e psicose, Bion (1957)
propõe que na psicose o ego não perderia completamente o contato com a
realidade, pois haveria a permanência de uma parte não psicótica da
personalidade existindo paralelamente a parte psicótica. Outra distinção da
23


posição de Bion em relação à Freud é que o afastamento da realidade seria
ilusório, e se daria através do uso da identificação projetiva contra o aparelho
mental. Segundo Bion, a diferenciação entre as partes psicóticas e não
psicóticas da personalidade dependeria de uma cisão e de uma fragmentação da
parte da personalidade relacionada à percepção da realidade interna e externa
em fragmentos muito pequenos, que seriam expulsos através do mecanismo de
identificação projetiva. O significado deste conceito será discutido adiante.


   Em 1957 ele caracteriza a personalidade psicótica como tendo quatro
características fundamentais:


           “(...) uma preponderância tão grande de impulsos destrutivos, que
          mesmo o impulso de amor é inundado por eles e transformado em
          sadismo; um ódio da realidade, interna e externa, que se estende a
          tudo que contribui para a percepção dela; um terror de aniquilação
          iminente (Klein 1946) e, finalmente, uma formação prematura e
          precipitada de relações de objeto (...), cuja fragilidade contrasta
          acentuadamente com a tenacidade com que são mantidas.” (pág. 70)

   É possível pensar que a proposta analítica desses autores se relaciona com a
forma como é pensada a etiologia da psicose. Enquanto Winnicott considera a
psicose como uma defesa que se originaria de uma falha ambiental, Bion
enfatiza os fatores constitucionais do indivíduo. Enquanto técnica, Winnicott
preconiza um retorno a este momento em que se deu a falha inicial, através da
regressão, para que possa haver uma recomposição do indivíduo, enfatizando o
ambiente na situação analítica. Bion, por sua vez, dá uma maior ênfase à
interpretação verbal, pois esta seria capaz de “devolver” ao paciente aspectos
seus que estariam fragmentados e expelidos fora, buscando reconstituir esta
psiquê estilhaçada.


   A partir desta breve aproximação entre estes autores é possível pensar que
cada corpo teórico mereceria um aprofundamento particular. O recorte da teoria
em um ponto poderia esconder pressupostos que não estão sendo discutidos
naquele momento.
24




3 A Transferência Psicótica

   Diversos   autores,   após   Freud,   puderam     constatar   a   existência   de
transferência no tratamento analítico de psicóticos. Ainda que haja diferentes
denominações e caracterizações deste tipo de transferência, uma coisa tem em
comum: ela é diferente da transferência neurótica.


   Winnicott (1947) afirma que uma das diferenças existentes entre análise de
neuróticos e de psicóticos é que os primeiros podem perceber “símbolos”
enquanto os segundos são concretos. Isto levaria a uma transferência bastante
diferenciada, pois enquanto na neurose haveria o “como se”, na psicose as
coisas “são”. Este caráter de concretude estaria presente na relação
transferencial:


           “Para o neurótico, o divã, o calor e o conforto podem ser o símbolo do
           amor materno; para o psicótico, seria mais certo dizer que estas coisas
           são a expressão física do amor do analista. O divã é o colo ou o útero
           do analista, e o calor é o calor vivo do corpo do analista.” (pág. 347)

   O outro lado desta formulação de Winnicott é dado por Margareth Little,
psicanalista que foi analisada por ele e considerada “borderline”. Little (1992)
escreve: “Para mim D.W. não representava a minha mãe. Em minha ilusão de
transferência, ele realmente era a minha mãe.” (pág. 95)


   Winnicott (1963) fala em psicose de transferência. Esta ocorreria em
pacientes muito regredidos e esta relação analítica seria de grande risco tanto
para o analista quanto para o paciente. O risco seria de o analista não se dar
conta da aproximação de conteúdos muito regredidos e interpretar em uma
situação onde o que seria necessário seria apenas dar sustentação para que o
paciente pudesse encontrar um caminho próprio. Haveria também riscos para o
analista em função de sua aproximação com as partes psicóticas do paciente e
25


das consequências disto, questão que será retomada ao analisarmos a
contratransferência.


   Bion (1957) descreve a transferência na psicose como tendo as seguintes
características: maciça, adesiva, rápida e tênue, tendo uma intensidade bastante
diferente da intensidade da transferência neurótica. Em suas palavras:


        “A relação com o analista é prematura, precipitada e intensamente
       dependente; quando o paciente, sob pressão das pulsões de vida e de
       morte, amplia o contato, manifestam-se duas correntes simultâneas de
       fenômenos. Primeiro, a cisão de sua personalidade e a projeção dos
       fragmentos para dentro do analista (isto é, identificação projetiva) tornam-
       se hiperativas, com os conseqüentes estados confusionais tais como
       descritos por Rosenfeld (1952). Segundo, as atividades mentais e as
       demais atividades através das quais o impulso dominante, seja este de
       pulsão de vida ou de morte, busca expressar-se, são imediatamente
       submetidas à mutilação por parte do impulso temporariamente
       subordinado. Atormentado pelas mutilações e lutando por escapar dos
       estados confusionais, o paciente retorna à relação restrita. A oscilação
       entre a tentativa de ampliar o contato e a tentativa de restringi-lo
       prossegue durante toda a análise.” (pg 70)

   Rosenfeld (1987), que em muitos aspectos concorda com Bion, discute o
porquê desta forma de transferência:


        “Uma parte importante de minha teoria é que os pacientes psicóticos
       projetam seus sentimentos porque se sentem assustados demais para
       lidar com eles ou para refletir a respeito deles sozinhos. O analista, porém,
       como os pais no desenvolvimento mais normal, tem o potencial de
       enfrentar os sentimentos e de refletir sobre eles, e é essa capacidade que
       ele dá aos poucos ao paciente para desenvolver para si mesmo. A
       natureza de transferência psicótica é que ela proporciona a oportunidade
       de demonstrar que os sentimentos insuportáveis podem ser contidos e
       considerados de modo criativo.” (pág. 55/56)

   Ainda sobre a transferência na psicose, ele descreve duas de suas
características:
26


       “A transferência psicótica típica observada nos esquizofrênicos tratados
      por mim e alguns colegas que supervisionei pode ser entendida
      teoricamente como uma relação em que a identificação projetiva
      predomina de maneira muito forte.” (pág. 256)

      “Uma segunda característica da transferência psicótica no tratamento de
      pacientes esquizofrênicos é que eles tendem a apresentar uma forte
      transferência erótica desde o início do tratamento.” (pág. 264)

   Dentro de uma outra vertente do pensamento psicanalítico, McDougall (1978),
que dá uma importância maior à questão da linguagem que os autores
anteriormente citados, propõe uma outra denominação para a transferência na
psicose. Esta é chamada por ela de “transferência fundamental”. A forma como
ela caracteriza esta a transferência de um psicótico com seu analista é a
seguinte:


        “Num certo sentido ele (psicótico) permanece fusionado com o outro.
      Recusando-se o estatuto de sujeito distinto e autônomo, ele não pode
      tampouco conceder ao Outro este direito fundamental de ser. Na
      impossibilidade de se comunicar com partes importantes de si mesmo, ele
      trata o Outro como uma parte de si próprio: na análise, essa forma de se
      relacionar será repetida com o analista.

        Nestes casos, constatamos movimentos de transferência que não têm
      muita coisa em comum com a relação transferencial que se estabelece
      entre o sujeito neurótico-normal (para quem a psicanálise foi inventada) e
      a representação que este faz do analista. O analista vê-se confrontado ao
      que poderíamos chamar de transferência fundamental, transferência
      original que procura anular a diferença entre o ser e o Outro, ao mesmo
      tempo em que se teme uma fusão mortífera. Para mobilizar este elo
      arcaico, seria necessário que a separação, vivida como morte psíquica, se
      transformasse num sinal de desejo, de identidade, de vida.” (pág. 112)

   McDougall (1978) correlaciona a “transferência fundamental” com a forma de
comunicação que se estabelece na relação entre o paciente e o analista:


       “Essa língua privativa procura de uma certa maneira restaurar a unidade
      mãe-criança, o que torna a comunicação simbólica supérflua. Nesse
      sentido, a capacidade do analisando de se fazer compreender através de
27


      meias palavras, e a do analista de ouvi-lo, não diferem da comunicação
      entre a mãe e seu bebê.” (pág. 112)

   A forma com ela entende o que Winnicott (1947) caracterizou como a
impossibilidade de o psicótico de perceber símbolos, ou seja, que o analista se
torne “a mãe” do paciente para este, seria a não realização de uma separação
inicial entre a mãe e o bebê. Não tendo havido este luto inicial, o indivíduo estaria
impossibilitado de distinguir entre o analista real e o imaginário, fruto de sua
transferência:


       “(...) em outros pacientes, aqueles para quem a necessidade de existir
      invade inteiramente o território do desejo, nenhum espaço entre o analista
      real e o analista imaginário pode ser preservado. Não se pode elaborar o
      luto de um objeto cuja perda jamais foi reconhecida.” (pg114)

   A relação analítica pode ser pensada como não possuindo uma relação de
causalidade: em função de uma transferência ocorre uma contratransferência,
mas dialética, onde a transferência e a contratransferência se determinam
mutuamente em um processo de constante transformação. Que processos essa
modalidade de transferência provoca no analista? Aqui adentramos à questão da
contratransferência.



4 A Contratransferência

   Será apresentado um breve histórico do conceito de contratransferência na
psicanálise. Freud, em toda sua obra, utiliza poucas vezes o termo. O conceito
foi introduzido em 1910 no texto “O futuro da terapia psicanalítica”, onde ele
escreve:


       “Outras inovações da técnica se referem à própria pessoa do médico. Se
      nos fez visível a ‘contra-transferência’ que surge no médico, sob a
      influência do doente, sobre seu sentir inconsciente, e nos achamos muito
      inclinados a exigir, como norma geral, o reconhecimento desta ‘contra-
      transferência’ pelo médico e seu vencimento. Desde que a prática
28


          psicanalítica vem sendo exercida por um número considerável de
          pessoas, as quais trocam entre si suas impressões, temos observado que
          nenhum psicanalista chega além de onde lhe permitem seus próprios
          complexos e resistências, razão pela qual exigimos que todo principiante
          inicie sua atividade com uma auto-análise e se aprofunde cada vez mais,
          conforme vá ampliando sua experiência no tratamento dos doentes.” (pág.
          1.566, trad. livre)

   Para Freud, neste momento, os sentimentos surgidos no analista a partir dos
sentimentos        transferenciais   de    seu    paciente,    seus    sentimentos
contratransferenciais, deveriam ser sobrepujados em sua própria análise.
Posteriormente, Freud afirma em seu artigo “O inconsciente”, de 1915:


          “É muito singular e digno de atenção o feito de que o sistema Inc. de um
          indivíduo possa relacionar-se ao de outro, eludindo absolutamente o
          sistema Cc. Este feito merece ser objeto de uma penetrante investigação,
          encaminhada precisamente a comprovar se a atividade pré-consciente fica
          excluída em tal processo; mas de qualquer forma, descritivamente o feito é
          irrebatível.” (pág. 2.077, trad. livre)

   Assim, se por um lado Freud considera a existência da contratransferência
um empecilho a ser vencido na relação analítica, ele também dá margem, a partir
das considerações sobre as formas de comunicação inconsciente, a toda a teoria
da contratransferência que se desenvolveu posteriormente.


   Ferenczi, ainda nesta década (1919), defende que tudo o que se passa do
lado do analista pode ser considerado contratransferência, e não apenas seus
pontos cegos. Ele chegou a desenvolver a técnica de análise mútua (1932), onde
o analista trocaria de papel com o paciente. Depois de realizar algumas
experiências, abandonou a técnica.


   Klein usa o termo raríssimas vezes e, como Freud, considera que a
contratransferência indica aspectos não analisados do analista. Por sua vez,
Klein (1946) introduziu o conceito de identificação projetiva, a ser discutido à
frente.
29


  Em 1950 Paula Heiman publicou um artigo que se tornou um marco na história
da psicanálise, e o motivo de seu rompimento com Melanie Klein. Este se chama
“Sobre a contratransferência”, onde afirma:


      “Minha tese é de que a resposta emocional do analista ao paciente na
      situação analítica representa uma das ferramentas mais importantes para
      seu trabalho. A contratransferência do analista constitui um instrumento de
      pesquisa do inconsciente do paciente.” (pág. 105)

   O que justifica esta afirmação é a premissa básica de que o inconsciente do
analista entenderia o inconsciente do paciente. Para ela, todos os sentimentos
do analista na relação analítica devem ser considerados para sua interpretações.
Este artigo se tornou um clássico na teoria da contratransferência. Na época foi
muito polêmico, e mesmo hoje levanta questões sobre o uso dos sentimentos
contratransferenciais na análise.



5 A Contratransferência na Psicose

   É possível pensar que as características peculiares da transferência psicótica
estabeleçam uma relação peculiar, um tipo de contratransferência específica no
trabalho com psicóticos. A “concretude” da transferência psicótica poderia exigir
uma resposta contratransferencial da mesma natureza? E que não apenas o
analista, mas também outras pessoas que tivessem um contato próximo com
psicóticos, poderiam viver este tipo de experiência?


   Meltzer (apud Fédida, 1988) descreve a transferência psicótica como sendo
adesiva e a relaciona à contratransferência. Segundo ele:


      “A transferência ‘colante’ na qual é o analista, mais do que o processo e os
      objetos internos, que é sentido como sendo único, manifesta-se através de
      uma enorme pressão sobre a contratransferência do analista.”(pág. 77)
30


   Assim, a transferência psicótica possui, segundo Meltzer, uma relação muito
próxima à contratransferência.


   Winnicott (1947), sobre este fenômeno, escreve: “Pacientes insanos
representam sempre um pesado fardo emocional para os que cuidam deles.”
(pág. 341). Esse “fardo emocional” a que se refere Winnicott poderia ser
observado a partir das manifestações contratransferenciais em uma relação
analítica. Em suas palavras:


      “Na análise (análise de pesquisa) ou no manejo comum do tipo mais
      psicótico de paciente, uma grande pressão é exercida sobre o analista
      (psiquiatra, enfermeira) e é importante que estudemos as maneiras
      através das quais a ansiedade de qualidade psicótica, assim como o ódio,
      são produzidos naqueles que trabalham com pacientes psiquiátricos
      seriamente doentes. Somente desta maneira pode haver qualquer
      esperança de se evitar a terapia que se adapta às necessidades do
      terapeuta em vez de se adaptar às necessidades do paciente.” (pág. 353)

      Também Winnicott considera a existência de uma forma de “pressão”
sentida pelo analista a partir da transferência, mas ele abre a possibilidade de
este tipo de transferência ocorrer em outras relações _ ”psiquiatras, enfermeiras”
_ o que poderia ser pensado para o acompanhante terapêutico.


   Neste artigo de 1947, “O ódio na contratransferência”, Winnicott distingue
três diferentes possibilidades de aspectos presentes na relação analítica que
podem estar sendo chamados de contratransferência: 1. as identificações
reprimidas do analista que se atualizam na relação com um paciente, o que
indicaria falta de análise do analista; 2. as identificações do analista que fazem
parte de sua experiência pessoal e possibilitariam a relação analítica e 3. a
“verdadeira e objetiva contratransferência”, ou seja, a partir da personalidade e
dos comportamentos “reais” do paciente, a reação de amor e ódio do analista
baseado em sua observação “objetiva”.
31


   Haveria, segundo Winnicott, a possibilidade de uma contratransferência
“objetiva”. No entanto, ele restringe o uso da contratransferência na relação
analítica apenas para o caso da análise de psicóticos e antissociais (1947, 1960).
Segundo ele, a contratransferência em uma relação analítica com um paciente
neurótico perturbaria a objetividade do analista. Em 1960 ele escreve: “(...) o
significado da palavra contratransferência só pode ser o de aspectos neuróticos
que estragam a atitude profissional e perturbam o curso do processo analítico
determinado pelo paciente.” ( pág. 148)


   Em 1947 ele já escrevia o seguinte a respeito da importância da
contratransferência na análise de pacientes psicóticos:


      “Sugiro que se um analista quer analisar psicóticos ou antissociais, ele
      deve conseguir ter uma consciência tão completa da contratransferência
      que seja capaz de isolar e estudar suas reações objetivas ao paciente.
      Estes incluindo ódio. Os fenômenos da contratransferência, às vezes,
      serão as coisas mais importantes da análise.” (pág. 342)

   Assim, o entendimento da contratransferência é fundamental quando se
refere a este tipo específico de relação analítica. Inclusive porque, segundo
Winnicott (1947), é preciso estar consciente das reações contratransferenciais
para que elas permaneçam latentes e não sejam atuadas.


   Winnicott (1960) escreve que pacientes psicóticos ou borderline precisam de
um movimento de regressão muito intenso e que seria este movimento na
direção da fusão que provocaria a contratransferência da forma em que ela se dá
neste tipo de relação analítica. Segundo ele:


      “O psicótico borderline atravessa gradativamente as barreiras que
      denominei de técnica do analista e atitude profissional e força um
      relacionamento direto de tipo primitivo, chegando até o limite da fusão.”
      (pág. 150)
32


   Esta possibilidade de uma resposta total exige uma grande disponibilidade do
analista na relação analítica. Winnicott descreve a possibilidade de um “uso”
primitivo do analista pelo paciente em seu artigo “O uso de um objeto” (1971).
Neste artigo, ele afirma que este uso só é possível quando o analista consegue
tolerar que o paciente se relacione com ele de maneira que pertencem a estágios
muito iniciais da vida. Nessa experiência, a busca inconsciente do paciente é a
de encontrar um objeto que possa sobreviver a ser ‘destruído’, e nesta relação é
fundamental que o analista/objeto sobreviva à destruição. Esta vivência pode
exercer grande pressão sobre o analista e ele só deveria entrar neste tipo de
relação na medida em que se sentisse “seguro” de poder suportar as pressões
contratransferenciais existentes em consequência desta relação primitiva.
Winnicott propõe que haveria no analista um ego observador que escaparia à
contratransferência, e que permaneceria “sadio”.


   Sobre a regressão do analista, Money-Kyrle (1956) também descreve uma
identificação temporária do analista com seu paciente. Segundo ele, esta
identificação só seria possível em função do analista reconhecer no seu paciente
partes de seu self arcaico já analisado.


  Segundo Rocha (1994), Bion mudou de posição com relação ao uso da
contratransferência. Em 1955, no artigo “A linguagem e o esquizofrênico”, Bion
possui uma posição favorável ao uso da contratransferência. Segundo ele:


       “O analista que ensaia, em nosso atual estado de ignorância, o
      tratamento de tais pacientes, deve estar preparado para descobrir que, em
      uma considerável extensão do tempo analítico, a única evidência em que
      uma interpretação pode basear-se é a que se propicia através da
      contratransferência.” (Bion apud Rocha 1994, pág. 121)


   Em 1962 Bion não se utiliza mais da contratransferência, apesar de estar
atento às sensações e sentimentos do analista a fim de interpretar a identificação
projetiva, conceito que será retomado adiante. Segundo Bion (1962):
33


      “A teoria das contratransferências apenas oferece explicação satisfatória
      pela metade, por voltar-se para a manifestação como sintoma das
      motivações inconscientes do analista, deixando pois por explicar a
      psicopatologia do paciente.” (pág. 46)


   Na revisão de uma série de artigos que foram publicados com o nome
“Estudos psicanalíticos revisados”, Bion, segundo Rocha (1994), haveria
suprimido diversas referências à contratransferência. Ele teria passado a utilizar
o termo, assim como Freud e Klein, referindo-se aos sentimentos patológicos
inconscientes do analista, o que indicaria necessidade de mais análise por parte
do analista.


   Rosenfeld, autor que possui muitos pontos de concordância com Bion,
diverge quanto à questão da contratransferência. Ele utiliza o conceito de
contratransferência em sua teoria. Em 1952, Rosenfeld defende o uso da
contratransferência como “aparelho receptor sensível” do analista.


   Em trabalho bastante posterior, Rosenfeld (1987) escreve sobre a existência
e o uso da contratransferência:


      “Concordo, naturalmente, com muitos outros analistas em que nossa
      contratransferência é um aspecto muito importante do nosso trabalho.
      Ajuda-nos consideravelmente a entender a diferença entre o que o
      paciente nos diz e o que nos vem à mente. Usamos nossa
      contratransferência para captar o significado mais oculto do que está
      sendo expresso pelo paciente e para ter consciência daquilo que diz. Esse
      é um aspecto muito importante de nossa tentativa de descobrir a verdade
      psíquica.” (pág. 308)



   Rosenfeld, além de escrever sobre a importância da contratransferência,
também defende que em um processo analítico o analista deve ter consciência
de seus sentimentos para que não corra o risco de aceitar o lugar na
transferência atuando contratransferencialmente. Segundo Rosenfeld (1987),
caberia ao analista sustentar o papel atribuído a ele pelo paciente, aceitar seu
34


lugar na transferência do outro sem, no entanto, atuar (acting out) este papel.
Caso isto ocorra, a relação analítica seria levada a um impasse. Segundo
Rosenfeld (1987):

      “Às vezes é muito difícil conter as projeções do paciente, principalmente se
      o analista ou o paciente ficar muito perturbado com o processo (...). Para
      lidar com a situação é fundamental que o analista esclareça para si
      mesmo o que sente a respeito do paciente. Então pode elaborar os
      problemas por si mesmo.” (pág. 253)

   Rosenfeld destaca os momentos em que as projeções do paciente podem ser
difíceis de serem contidas pelo analista, o qual deve estar atento para sua
contratransferência.


   Em algumas situações Rosenfeld (1987) considera que a contratransferência
pode ser a melhor forma de se entender a transferência existente. Segundo ele:


      “(...) o analista precisará observar muito atentamente seus próprios
      sentimentos e reações, porque em situações de forte identificação
      projetiva essa pode ser a principal pista que ele tem a respeito da relação
      transferencial psicótica.” (pág. 204)

   Já citada por Bion e Rosenfeld, a identificação projetiva é um conceito que
possibilita um novo pensamento sobre o que se passa na relação analítica com
um indivíduo psicótico. Afinal, o que é identificação projetiva e quais suas
características?



6 A Identificação Projetiva

   Klein em seu artigo “Notas sobre alguns mecanismos esquizoides”, de 1946,
define pela primeira vez identificação projetiva. Segundo ela:


        “A investida fantasiada contra a mãe segue duas linhas principais: uma
      é o impulso predominantemente oral para sugar, morder, esvaziar de todo
      conteúdo bom. (...) A outra linha de ataque se deriva dos impulsos anais e
35


      uretrais e implica a evacuação de substâncias venenosas (excrementos),
      que são expelidos do eu e introduzidos na mãe. Em conjunto com esses
      excrementos nocivos, expelidos com ódio, as partes destacadas do ego
      também são projetadas ou, como prefiro dizer, para dentro da mãe. Esses
      excrementos e partes más do eu têm o intuito não só de causar dano, mas
      também de controlar e tomar posse do objeto. Na medida em que a mãe
      passa a conter as partes más do eu, ela não é sentida como um indivíduo
      separado, mas como o eu mau.

         Muito do ódio contra algumas partes do eu é agora dirigido para a mãe.
      Isso conduz a uma forma particular de identificação que estabelece o
      protótipo de uma relação objetal agressiva. Sugiro para esses processos a
      expressão ‘identificação projetiva’.” (pág. 322)

   Ou seja, a identificação projetiva é uma fantasia na qual as partes
consideradas más do ego do bebê seriam destacadas e projetadas para “dentro”
da mãe, a qual passaria a conter as partes más do eu, não sendo mais sentida
como um indivíduo separado do bebê, mas como perseguidora, como o eu mau.
Também as partes boas podem ser projetadas, o que levaria a um fortalecimento
do ego e a boas relações de objeto.


   Segundo Klein, a identificação projetiva não é um problema em si. O que
caracteriza a patologia é o grau em que este mecanismo de defesa é utilizado.
Na psicose há um uso excessivo da identificação projetiva, onde as partes más
do eu são projetadas criando uma forma de relação objetal agressiva.


   A partir de Klein, diversos autores passaram a utilizar este conceito. Bion
(1952, 1957, 1959) escreve sobre a identificação projetiva e descreve sua
capacidade de despertar emoções no analista, o que caracterizaria tanto
aspectos defensivos quanto comunicativos da identificação projetiva. Ele enfatiza
a identificação projetiva como uma forma de comunicação. Segundo Bion (1959),
a projeção na identificação projetiva se dá de tal forma que leva o analista a
vivenciar os sentimentos projetados, e este se sente pressionado a atuar estes
sentimentos. Seria uma característica da parte psicótica da personalidade e
atuaria muitas vezes como um ataque aos elos de ligação.
36


   A definição dada por Bion (1957) para identificação projetiva é que se trata de
um mecanismo onde “(...) o paciente excinde uma parte da sua personalidade e
projeta para dentro de um objeto onde se instala, por vezes como um
perseguidor, deixando correspondentemente empobrecida a psique da qual foi
excindida.” (pág. 70)


   Sobre a função da identificação projetiva, Bion (1959) escreve: “A
identificação projetiva lhe possibilita (ao paciente) investigar seus próprios
sentimentos dentro de uma personalidade forte o suficiente para contê-los.” (pág.
106)


   O analista tem a função de ser o continente destes sentimentos projetados
pelo paciente. Estes são projetados por serem insuportáveis e podem ser
considerados, por serem muitas vezes violentos, como um ataque “(...) à paz de
espírito do analista e, originalmente, da mãe.” (Bion 1959, pág. 105)


   Ele considera este um conceito fundamental na clínica da psicose. Sobre a
importância clínica deste conceito, Bion (1956) escreve:


       “A experiência clínica com essas teorias convenceu-me, na prática, de que
       o tratamento da personalidade psicótica não terá êxito a menos que se
       elaborem não só os ataques destrutivos do paciente contra seu ego, mas
       também o fato de ele substituir a repressão e a introjeção pela
       identificação projetiva. E mais, admito que mesmo em se tratando de
       neuróticos graves existe uma personalidade psicótica que tem de ser
       trabalhada, de modo análogo, para que se obtenha êxito.” (pág. 54)

   Assim, este é um mecanismo pertencente à parte psicótica da personalidade
e pode estar presente em neuróticos graves.


   Bion correlaciona o uso da identificação projetiva com a incapacidade de
vivenciar a frustração por parte do paciente. Segundo ele (1962), “O impulso do
paciente a subtrair a fantasia onipotente de identificação projetiva à realidade,
diretamente se vincula à sua incapacidade para tolerar a frustração.” (pág. 55)
37




   Posteriormente, ele questiona a identificação projetiva como uma fantasia
onipotente, no sentido em que ela efetivamente provocaria sentimentos no
analista e, portanto, deixaria de ser somente uma fantasia. Segundo Bion (1973):


      “A teoria de Melanie Klein é que os pacientes têm uma fantasia onipotente,
      e o modo de verbalizar essa fantasia é que o paciente se sente capaz de
      expelir certos sentimentos desagradáveis e indesejáveis e colocá-los no
      analista. Não tenho certeza, pela prática da análise, que se trate apenas
      de uma fantasia onipotente; ou seja, de algo que o paciente, de fato, não
      pode fazer. Tenho certeza e que é assim como a teoria deveria ser usada -
      o modo correto de usar a teoria correta. Mas acho que a teoria correta e a
      formulação correta não acontecem no consultório. Tenho sentido, e
      também assim alguns dos meus colegas, que quando o paciente parece
      estar vivenciando uma identificação projetiva ele pode me fazer sentir
      perseguido, como se pudesse, na verdade, expelir certos sentimentos
      maus e empurrá-los para dentro de mim, de modo que, na realidade, eu
      experimento sentimentos de perseguição e ansiedade. Se isto está
      correto, ainda é possível sustentar a teoria de uma fantasia onipotente,
      mas, ao mesmo tempo poderíamos pensar na possibilidade de alguma
      outra teoria que explicasse aquilo que o paciente faz ao analista, que o
      leva a sentir-se assim, ou qual o problema do analista, que assim se
      sente.” (pág. 133/134)

   Assim, Bion considera a possibilidade de se pensar outra teoria que pudesse
explicar o fato do analista sentir o que é projetado pelo paciente, o que tornaria
esta fantasia onipotente do paciente algo mais que fantasia.


   Rosenfeld (1971) também considera fundamental o entendimento da
identificação projetiva ao tratar a parte psicótica da personalidade do paciente, e
escreve sobre as várias formas de uso da identificação projetiva. Segundo ele,
esta pode ser utilizada como forma de comunicação, como foi descrito por Bion.
A continência destas experiências pelo analista altera a qualidade assustadora e
insuportável dessas experiências. Rosenfeld considera fundamental que o
analista seja capaz de colocar em palavras estas experiências através das
interpretações, o que possibilitaria ao paciente tolerar e pensar sobre estas
experiências que antes eram assustadoras e sem sentido
38




  Além de ser uma forma de comunicação, a identificação projetiva também
pode ser usada como uma forma de “evacuação”, quando o paciente procura
negar sua realidade psíquica, e como forma de controle do analista, onde a partir
de uma crença onipotente, o paciente acredita ter se forçado para dentro do
analista, o qual neste momento é percebido como tendo enlouquecido. Neste
momento é frequente o perigo de desintegração do paciente. Sobre esta situação
Rosenfeld (1971) observa:


       “É a excessiva identificação projetiva no processo psicótico que oblitera a
      diferença entre self e objetos, que causa confusão entre realidade e
      fantasia e uma regressão ao pensamento concreto devido à perda da
      capacidade de simbolização e de pensamento simbólico.” (pág. 130)

   Segundo Rosenfeld (1971, 1987), estes três tipos de identificação projetiva
podem existir de forma simultânea ou alternada no mesmo paciente.


  Para o autor, a identificação projetiva não é idêntica à simbiose. Isto porque,
para que haja identificação projetiva é necessário que tenha havido alguma
diferenciação entre “eu” e “não eu”, o que não ocorre na simbiose.


   Rosenfeld (1987) correlaciona a contratransferência à identificação projetiva.
Sentimentos muito fortes do paciente podem ser transmitidos ao analista através
da identificação projetiva, e isto pode causar dificuldades na contratransferência,
tornando difícil o trabalho do analista e um impasse na relação analítica.


   O primeiro ponto descrito é o risco do rompimento da comunicação verbal
entre paciente e analista. Segundo Rosenfeld (1987):


      “Ao investigar tais situações, observei que a identificação projetiva
      onipotente interfere na capacidade de pensamento verbal e abstrato para
      produzir uma concretude dos processos mentais, o que acarreta confusão
      entre realidade e fantasia.“ (pág. 195)
39



   Ainda segundo Rosenfeld (1987):


      “O analista nessa situação pode ter a nítida experiência, em sua
      contratransferência, de que não é bom e não tem nada de valor a dar para
      o paciente. Até mesmo sintomas físicos podem ser experimentados pelo
      analista com tais pacientes, porque as expulsões do paciente podem ser
      concretas; ele pode sentir náuseas, assim como o paciente pode
      realmente vomitar.“ (pág. 196)

   Sobre a situação em que a identificação projetiva é utilizada como forma de
defesa contra a realidade psíquica, escreve Rosenfeld (1987):


      “O fato de a identificação projetiva poder ser usada para evacuar e negar
      a realidade psíquica tem de ser reconhecido juntamente com o fato de
      que, quando o paciente está tentando lançar o conteúdo mental
      insuportável para dentro do analista, ele também está forçando a
      compartilhar as experiências desagradáveis.(...) Tal comportamento por
      parte do paciente é frequentemente entendido de forma equivocada e
      interpretado por alguns terapeutas como totalmente agressivo.” (pág. 199)

   Rosenfeld (1987) alerta que em uma situação de identificação projetiva muito
intensa, o analista pode não se dar conta dos problemas do paciente até o
momento em que se sente “esmagado“ por eles. Ele sugere que a projeção
recebida pelo analista “espelha” com exatidão os sentimentos do paciente, e
portanto, que o entendimento da reação contratransferencial do analista é um
meio “fundamental” de compreensão das comunicações de pacientes psicóticos
via identificação projetiva. Segundo Rosenfeld (1987):


      “Emoções muito violentas de amor e ódio, sentimentos confusionais
      agudos e estados mentais gravemente desintegrados podem ser
      transmitidos por meio de formas primitivas de identificação projetiva, que
      às vezes não são registradas de modo facilmente compreensível pelo
      analista. Quando as emoções são particularmente violentas, o analista
      pode sentir-se esmagado e ser incapaz de funcionar como continente. Em
      tais momentos, o paciente comunica-se não-verbalmente por uma força
      hipnótica primitiva. O analista pode, então, apresentar reações
      contratransferenciais defensivas, talvez se sentindo irritado. É possível
40


       que somente mais tarde ele perceba que o que está sentindo é desespero
       e depressão ligados a uma sensação de fracasso.“ (pág. 277)

   É essencial que as ansiedades expressas pelo paciente na forma de
identificação projetiva sejam “reconciliadas” na mente do analista, inicialmente
sentindo o que foi projetado e identificando para si o que foi projetado.



7 As sensações provocadas pela identificação projetiva

   As descrições existentes sobre as sensações vividas pelo analista na situação
analítica de psicóticos são muitas.


   Rosenfeld (1987) descreve alguns dos efeitos do processo de identificação
projetiva no analista:


       “A experiência frequentemente produz um forte efeito físico no analista e
       provoca sonolência ou mal-estar físico. Pode causar grandes dificuldades
       para a capacidade de pensar ou se concentrar. É como se algo tivesse
       sido projetado para dentro do analista de modo real e concreto.” (pág. 193)

       E continua: “A identificação projetiva pode abranger a transformação do
       self e do objeto, acarretando confusão, despersonalização, vazio, fraqueza
       e vulnerabilidade à influência, a qual pode chegar a ponto de o indivíduo
       ser hipnotizado ou até mesmo levado a dormir.(...) Contudo, quando o
       analista adquire experiência na compreensão da maneira como o paciente
       psicótico se comunica, está claro que a esmagadora influência da
       identificação projetiva diminui.” (pág. 204)

   Rosenfeld (1987) ainda cita os riscos para a personalidade do analista, pois a
relação   com    a   parte   psicótica   da   personalidade   do    outro   estimula
“inevitavelmente” os sentimentos de impotência e de onipotência no analista.
Além disso, ele se refere ao medo mais frequente ao se tratar de psicóticos, que
seria o medo de enlouquecer. Segundo ele:


       “O paciente psicótico projeta, com frequência, seus sentimentos e
       problemas de modo bastante violento, e qualquer analista que tenha medo
41


       desse contato com seu paciente pode ficar também seriamente
       perturbado, ao tentar tratar de psicóticos. O medo mais frequente, embora
       muitas vezes inconsciente, é o de ser levado à loucura pelo paciente.”
       (pág. 51)

   É bastante curioso como as referências são frequentemente ligadas ao corpo
do analista. Não é uma experiência apenas mental, mas também corporal.
Rosenfeld (1987) descreve o relato de uma supervisionanda sua sobre sua
reação à identificação projetiva da paciente: “Decidi durante a sessão que a
deixaria ir, já que ela não conseguia ouvir o que eu estava dizendo. Depois que
ela se foi, senti uma dor atroz e tive a impressão de que não conseguiria suportá-
la.” (pág. 237)


   Neste caso, é difícil a distinção entre a realidade e a fantasia tanto para o
analista quanto para o paciente, porque envolve o corpo. A analista sente em seu
corpo a dor que “seria” da paciente, sem que esta estivesse presente no
momento.


   A análise que Rosenfeld (1987) faz da situação: “(...) creio que, quando esta
(a crise da paciente) ocorreu de fato, de início esmagou-a completamente (a
analista), deixando-a com a incrível dor que Claire (paciente) havia projetado
para dentro dela.” (pág. 238)


   Esta experiência é bastante confusa, na medida em que parece que há uma
mistura entre as projeções do paciente e os sentimentos e o corpo do analista.


   Há autores que se referem especialmente à influência do paciente sobre o
corpo do analista. Fédida (1988) descreve esta influência da seguinte forma: “(...)
somos extremamente sensíveis ao poder das palavras e dos gestos: nosso
próprio corpo se torna uma cena importante sobre a qual se representam as
fantasias mais violentas do inconsciente do paciente.” (pág. 31)
42


   Para Fédida, permanecer no corpo seria engano. É necessário que isto seja
transformado em palavra, para assim ser passível de representação, tanto para o
analista quanto para o paciente.


   Ainda sobre o aspecto do corpo, Melanie Klein, em 1946, descreve a
concretude física das fantasias inconscientes e que as projeções se dariam
direcionadas a uma parte específica do corpo do receptor, do analista.


   É possível pensar que é esta concretude corporal, esta sensação de envolver
o corpo do analista, que caracteriza a transferência “concreta” existente na
psicose, sendo este o “pesado fardo emocional” a que se refere Winnicott em
1947.


   Estas descrições das sensações vividas por analistas serão úteis ao serem
comparadas às sensações dos acompanhantes terapêuticos de psicóticos.



8 O sinistro na contratransferência vivido a partir da identificação
projetiva

   Haver encontrado estas referências sobre a identificação projetiva me
trouxeram a sensação de haver achado meus pares. Ali estava a resposta que
buscava. Reencontrei minha experiência teorizada. No entanto, a imagem de
dois corpos fechados onde um possuía a capacidade, ainda que não intencional,
de “colocar” coisas no outro me trazia certa estranheza. E esta sensação
associada às descrições de indescritibilidade, de estranhamento das sensações,
me fez levantar a hipótese de ser este fenômeno um fenômeno que poderia ter
sido descrito por Freud em seu artigo “Unheimlich”, traduzido como “O estranho”,
“O sinistro”, ou “Inquietante estranheza”.


   Freud (1924) escreve o seguinte sobre o fenômeno do sinistro:
43


      “(...) o sinistro não seria realmente nada novo, porém algo que sempre foi
      familiar à vida psíquica e que só se tornou estranho mediante o processo
      de repressão. E este vínculo com a repressão nos ilumina agora a
      definição de Schelling, segundo a qual o sinistro seria algo que, devendo
      haver ficado oculto, se há manifestado.” (pág. 2.498, trad. livre)

   Segundo Freud, o sinistro não é a experiência do novo, mas do familiar.
Aquilo que é vivido com a sensação de estranhamento estava já presente mas
reprimido. Sobre a relação do sinistro com a psicose ele afirma:


       “O caráter sinistro da epilepsia e da demência tem origem idêntica. O
      profano vê nelas a manifestação de forças que não suspeitava no próximo,
      mas cuja existência chega a pressentir obscuramente nos cantos
      recônditos de sua própria personalidade.” (pág. 2.499, trad. livre)

   Freud parece apontar para uma familiaridade do “profano” com o louco.
Haveria algo já vivido, mas reprimido, que remeteria qualquer ser humano à
loucura. Ainda sobre o sinistro, ele escreve:


      “O sinistro nas vivências se dá quando complexos infantis reprimidos são
      reanimados por uma impressão exterior, ou quando comunicações
      primitivas superadas parecem achar uma nova confirmação.” (pág. 2.503,
      trad. livre)

   É possível realizar um paralelo entre a afirmação de Freud e a de Melanie
Klein sobre as ansiedades psicóticas dos bebês. A vivência do sinistro seria
marcada pelo retorno de algo primitivo que foi reprimido.


   É possível pensar que, exatamente por se encontrar reprimido, algo de um
estágio muito inicial da pessoa do analista é “despertado” pelo psicótico. Algo
que remeta às relações objetais primárias, e que quando o psicótico nos
aproxima disso através de sua transferência concreta e corporal, tenhamos
manifestações contratransferenciais. A sensação de estranhamento descrita por
alguns analistas, algo que ele sente, mas sente que não lhe pertence, pode estar
relacionada à proximidade do reprimido.
44


   Fédida (1988) escreve sobre a experiência do sinistro na contratransferência.
Segundo ele, as teorizações sobre a contratransferência são tentativas de tornar
pensável a experiência subjetiva do sinistro decorrente da transferência.


   Sobre o sinistro na relação com transferências “delirantes” ele escreve:


           “O sinistro - particularmente perceptível nos casos de transferências
      delirantes - faz o analista viver não apenas a sensação de ser
      despossuído de seu próprio eu, não apenas de se ver no seu paciente
      numa imagem que explicita formações recalcadas, mas o torna prisioneiro
      de seus pensamentos de onipotência dos quais não pode mais sair.” (pág.
      82)

   Fédida fala aqui sobre os riscos de o analista manter-se na situação, tornar-se
prisioneiro da imagem que o outro lhe fornece. Daí a característica de o sinistro
destruir temporariamente a capacidade analítica da contratransferência.


   Fédida (1988) afirma que uma das características ameaçadoras desta
vivência na contratransferência é a perda da capacidade do analista de sua
mobilidade mental, em especial a perda da linguagem é sentida como uma
ameaça. Segundo ele:


       “A perda da linguagem é certamente o que é vivido como a mais terrível
      ameaça. Se o analista chega a se ver vendo-se incapaz de mobilidades
      cinestésicas que lhe são habituais, (...) a angústia contratransferencial é
      vivida como uma sideração mortífera antes de permitir entender a
      necessidade do paciente de criar um duplo simbiótico exatamente igual a
      si.” (pág. 76)

   A necessidade do paciente é de criar um duplo simbiótico e a do analista de
não se deixar aprisionar neste lugar. Fédida (1988) escreve sobre a dificuldade
do analista em compreender o que acontece nestes momentos e que a prática
clínica deveria ajudar, a descrever melhor o fenômeno do sinistro vivenciado pelo
analista no tratamento.
45




9 A Interpretação

  A partir de uma experiência na contratransferência proveniente de uma
identificação   projetiva,   o   analista   poderia   utilizar   isto   para   interpretar
verbalmente? Seria a interpretação uma possibilidade de tornar o fenômeno
consciente e assim evitar a situação de impasse de que fala Rosenfeld (1987),
onde o analista perderia sua capacidade analítica?


   Segundo Winnicott (1947), a contratransferência deve ser observada e
“guardada”, podendo ser utilizada para uma interpretação em um momento
adequado.


   Posteriormente, Winnicott parece considerar mais importante a questão
ambiental da análise do que a interpretação verbal. Em 1971, em seu livro “O
brincar e a realidade”, ele propõe a situação de “uso do objeto” onde, a partir da
possibilidade de “uso” do analista, o paciente se ligaria ao princípio de realidade.
Winnicott formula o seguinte neste artigo: o uso de um objeto é diferente de uma
relação de objeto. O analista deveria permitir seu “uso” por pacientes
“fronteiriços”, e isto consistiria em “O analista (...) precisa relacionar-se à
capacidade do paciente de colocar o analista fora da área dos fenômenos
subjetivos.” (pág. 122) Ou seja, permitir ser usado é poder ser “destruído” pelo
paciente. Destruição nesta teoria está intimamente ligada à possibilidade de
criação. É fundamental para o paciente que o objeto seja destruído e possa
sobreviver, pois isto permite que o paciente se dê conta de sua não onipotência,
que seu desejo de destruição não possui este poder sobre o mundo. Este é um
dado de realidade capaz de transformar a realidade psíquica porque existe a
transferência sobre o objeto, o analista, o qual inicialmente se confunde com as
projeções do paciente. O princípio de realidade pode ser alcançado a partir da
destruição das projeções para que o analista se torne externo à própria
transferência e adquira vida própria. Poder sustentar este lugar na transferência,
46


e não sucumbir atuando contratransferencialmente, por exemplo, é ser analista.
É a sobrevivência do analista aos ataques que está em jogo, e é fundamental
que isto ocorra para que se dê alguma melhora para o paciente. A destruição
“real” do analista, quer por uma ausência concreta ou por uma não
permeabilidade deste a esta transferência, apenas confirmaria o trauma inicial.
Neste momento da teoria a capacidade do objeto de sobreviver, representado
pela figura do analista, é muito mais importante do que a interpretação.


   A partir do texto de Winnicott (1971) sobre o uso do objeto é possível pensar
que     se   encontramos     no   acompanhante      terapêutico   um       tipo   de
ataque/comunicação semelhante ao descrito na psicanálise, o que, segundo
Bion, seriam ataques à percepção e ao pensar através do processo de
identificação projetiva, é analítica a sobrevivência do AT aos ataques que sofre.
É possível pensar que o trabalho conduzido a partir do princípio da sobrevivência
do objeto permite uma conexão do acompanhado com o princípio de realidade.


   Bion possui uma posição diversa da apresentada por Winnicott. Segundo ele
(1957) o analista em uma interpretação devolve para o paciente o que foi
projetado e nisto se constitui o trabalho analítico: proporcionar o retorno destas
partículas de ego expelidas e que está agregado a elas de volta à personalidade.
Segundo Bion (1957): “A identificação projetiva é, assim revertida, e esses
objetos são trazidos de volta pela mesma via pela qual foram expelidos.” (pág.
83). O processo de reintrojeção do que foi projetado provocaria, muitas vezes,
uma intensa reação por parte do paciente, que sente a entrada do objeto como
um “assalto”.


      Bion também considera, como Winnicott, a necessidade de contensão, por
parte do analista, das projeções do paciente, mas a interpretação seria um passo
fundamental no tratamento.
47


  Rosenfeld (1952) possui uma posição bastante semelhante à de Bion. Ele
também considera a interpretação um aspecto fundamental na relação analítica
com psicóticos. Segundo ele (1971):


       “(a) interpretação verbal dos processos de identificação projetiva quando
      estes aparecem na transferência, o que considero como sendo de
      importância central na elaboração dos processos psicóticos na situação
      transferencial.” (pág. 127)

   Para Rosenfeld (1987), as “experiências inquietantes” que são criadas pelo
paciente no analista, desaparecem na medida em que o analista consiga
compreender o que se passa. As projeções devem ser verbalizadas pelo
analista, para si mesmo, o mais rápido possível, ou ele não entenderá o que se
passa com o paciente e não poderá interpretar.


   Rosenfeld (1987) também afirma que há pacientes que vivenciam a
interpretação verbal como uma separação do analista, o que pode ser vivido
como uma rejeição ao desejo de unidade não verbal. Nesses casos, a
interpretação verbal poderia ser prejudicial. No entanto, quando o analista
consegue transmitir o que o paciente sente e precisa, este pode receber a
interpretação como uma forma de acolhimento e contenção. Para isto, é
importante que o analista tenha a capacidade de usar seus próprios sentimentos
para compreender a comunicação não verbal de seus pacientes.


   O caminho apresentado por Rosenfeld é, a partir da identificação projetiva,
perceber como esta se manifesta na contratransferência, nomeá-la para si, e
então elaborar uma interpretação que devolva ao paciente o que ele havia
colocado fora.
48


METODOLOGIA


  Para a realização deste trabalho, a metodologia utilizada foi entrevista semi
dirigida. Os sujeitos entrevistados são acompanhantes terapêuticos, M e H, que
realizam trabalhos com psicóticos. A partir destas duas entrevistas, uma foi
escolhida, a de H, para que fosse realizado um estudo de caso aprofundado.



I Sujeitos de pesquisa

   Para que o sujeito entrevistado pudesse servir como sujeito de pesquisa,
considerei ser necessário que o AT desse importância à questão do vínculo no
tratamento. Isto porque há correntes teóricas que valorizam o distanciamento e a
aplicação de procedimentos comportamentais na relação com os pacientes.
Como eu buscava investigar, não apenas as reações emocionais do
acompanhante à relação de acompanhamento, pois talvez isto independa da
linha teórica seguida, mas também, como estas mesmas reações poderiam ser
convertidas em tratamento, achei que seria importante que o AT entrevistado
estivesse atento às mobilizações afetivas que pudessem haver ocorrido durante
seus acompanhamentos.


   Foram realizadas duas entrevistas onde a questão inicial foi relativa ao que
este sujeito acreditava ser o que tratava no seu trabalho como acompanhante.
Isto, para investigar a importância dada à questão do vínculo. Ambos os sujeitos
entrevistados deram grande importância ao fator relacional no tratamento. A
entrevista escolhida para ser analisada, o foi em decorrência de H possuir
experiência como acompanhante terapêutico de psicóticos e como analista de
pacientes psicóticos em seu consultório. Isto possibilitou que ele relatasse sua
percepção das diferenças e semelhanças entre os dois trabalhos. Na medida em
que este é um dos aspectos que esta pesquisa busca enfocar, o fato de H
também ser analista se tornou um fator determinante na escolha da entrevista.
49




   H é acompanhante terapêutico há seis anos e trabalha tanto com pacientes
psicóticos quanto com deficientes mentais.



II Entrevista

   Não havia questões elaboradas antes da entrevista, mas tópicos a serem
abordados. No decorrer da entrevista as questões foram formuladas a fim de
investigar os tópicos considerados relevantes. A entrevista foi gravada e
posteriormente transcrita.


   Os pontos investigados podem ser divididos da seguinte forma:


    1. O que caracteriza o trabalho do acompanhante terapêutico de psicóticos?
    2. O acompanhante já notou alterações do pensamento, do sentimento ou
        teve   sensações     corporais   incomuns       no   decorrer   de   algum
        acompanhamento realizado com um psicótico?
    3. Caso tenha havido alguma percepção particular, como isto foi entendido?
    4. O que pôde ser feito a partir desta percepção?


   Esta pesquisa visa descrever e analisar a partir de um ponto de vista
psicanalítico as alterações emocionais de acompanhantes terapêuticos, que
trabalham com pacientes psicóticos.



III Metodologia de análise e discussão da entrevista

  A análise e a discussão da entrevista foram realizadas simultaneamente. Isto
porque não havia sentido em separar os dados fornecidos por H, da tentativa de
correlacioná-los com a teoria da psicanálise, apresentada no item “Aspectos
teóricos”.
50




   A análise e discussão da entrevista está dividida em quatro partes. Cada
parte visa enfocar um diferente aspecto do acompanhamento terapêutico,
abordado por H.


   A primeira parte, “O trabalho do AT”, se refere à forma como H pensa este
trabalho. O que o faz pensar que esta forma de tratamento seja eficaz no
tratamento da psicose.


   A segunda parte, “O que sente o AT?”, se refere às sensações “estranhas”
vividas no trabalho como AT por H: Elas existem? Como são descritas estas
vivências?


   A    terceira   parte,   “Hipóteses   sobre   o   sentir:   particularidades   do
acompanhamento terapêutico”, é a formulação de hipóteses sobre fatores que
poderiam favorecer o surgimento das sensações de “estranhamento” descritas
por H. As hipóteses foram divididas em cinco grupos: a intimidade: o espaço e o
corpo; a relação da dupla com o social; duração: tempo e temporalidade; o lugar
do AT e a dificuldade em nomear.


   A quarta parte, “O que fazer com ‘isso’?”, descreve e discute o que é possível
ser feito a partir destes sentimentos, descritos por H, no acompanhamento
terapêutico.


   Ao final do trabalho, na conclusão, busca-se correlacionar os dados
encontrados na análise com a questão que originou a pesquisa. Na conclusão
também são levantadas questões para novas possíveis investigações dentro do
campo do acompanhamento terapêutico.
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at
E tu at

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

Curar o stress, a ansiedade e a depressao sem medicamentos nem psicanalise ...
Curar o stress, a ansiedade e a depressao sem medicamentos nem psicanalise   ...Curar o stress, a ansiedade e a depressao sem medicamentos nem psicanalise   ...
Curar o stress, a ansiedade e a depressao sem medicamentos nem psicanalise ...Tomé Anjos
 
Curar dr. david servan-schreiber
Curar   dr. david servan-schreiberCurar   dr. david servan-schreiber
Curar dr. david servan-schreiberGraça Faria
 
Resgate da Alegria de Viver na Melhor Idade | Por Kátia D'Almeida Campos
Resgate da Alegria de Viver na Melhor Idade | Por Kátia D'Almeida CamposResgate da Alegria de Viver na Melhor Idade | Por Kátia D'Almeida Campos
Resgate da Alegria de Viver na Melhor Idade | Por Kátia D'Almeida CamposEscola de Biodanza Rio de Janeiro
 
Augusto cury -_a_ditadura_da_beleza_e_a_revolução_das_mulheres
Augusto cury -_a_ditadura_da_beleza_e_a_revolução_das_mulheresAugusto cury -_a_ditadura_da_beleza_e_a_revolução_das_mulheres
Augusto cury -_a_ditadura_da_beleza_e_a_revolução_das_mulheresNatália Martins
 
Sob o olhar repousa o infinito e o movimento do universo | Marcos Santarossa
Sob o olhar repousa o infinito e o movimento do universo | Marcos SantarossaSob o olhar repousa o infinito e o movimento do universo | Marcos Santarossa
Sob o olhar repousa o infinito e o movimento do universo | Marcos SantarossaEscola de Biodanza Rio de Janeiro
 
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)ciceroferreira23
 
Biodanza como um caminho para o desenvolvimento da auto-estima | Por Evanir L...
Biodanza como um caminho para o desenvolvimento da auto-estima | Por Evanir L...Biodanza como um caminho para o desenvolvimento da auto-estima | Por Evanir L...
Biodanza como um caminho para o desenvolvimento da auto-estima | Por Evanir L...Escola de Biodanza Rio de Janeiro
 
Diversidade das Obsessões
Diversidade das ObsessõesDiversidade das Obsessões
Diversidade das Obsessõesield
 
Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cris...
Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cris...Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cris...
Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cris...Escola de Biodanza Rio de Janeiro
 
Projeto genoma
Projeto genomaProjeto genoma
Projeto genomair_joice
 
Transtorno Obsessivo
Transtorno ObsessivoTranstorno Obsessivo
Transtorno Obsessivoield
 
Loucura e obsessao divaldo franco
Loucura e obsessao   divaldo francoLoucura e obsessao   divaldo franco
Loucura e obsessao divaldo francoBruno Rodrigues
 

La actualidad más candente (17)

Curar o stress, a ansiedade e a depressao sem medicamentos nem psicanalise ...
Curar o stress, a ansiedade e a depressao sem medicamentos nem psicanalise   ...Curar o stress, a ansiedade e a depressao sem medicamentos nem psicanalise   ...
Curar o stress, a ansiedade e a depressao sem medicamentos nem psicanalise ...
 
Curar dr. david servan-schreiber
Curar   dr. david servan-schreiberCurar   dr. david servan-schreiber
Curar dr. david servan-schreiber
 
Inversão epistemológica | carolina buoro 2016
Inversão epistemológica | carolina buoro 2016Inversão epistemológica | carolina buoro 2016
Inversão epistemológica | carolina buoro 2016
 
Apostila obsessão lar rubataiana -2009 .doc - 12 doc
Apostila obsessão   lar rubataiana -2009 .doc - 12 docApostila obsessão   lar rubataiana -2009 .doc - 12 doc
Apostila obsessão lar rubataiana -2009 .doc - 12 doc
 
Vidas alem vida
Vidas alem vidaVidas alem vida
Vidas alem vida
 
Resgate da Alegria de Viver na Melhor Idade | Por Kátia D'Almeida Campos
Resgate da Alegria de Viver na Melhor Idade | Por Kátia D'Almeida CamposResgate da Alegria de Viver na Melhor Idade | Por Kátia D'Almeida Campos
Resgate da Alegria de Viver na Melhor Idade | Por Kátia D'Almeida Campos
 
Augusto cury -_a_ditadura_da_beleza_e_a_revolução_das_mulheres
Augusto cury -_a_ditadura_da_beleza_e_a_revolução_das_mulheresAugusto cury -_a_ditadura_da_beleza_e_a_revolução_das_mulheres
Augusto cury -_a_ditadura_da_beleza_e_a_revolução_das_mulheres
 
Sob o olhar repousa o infinito e o movimento do universo | Marcos Santarossa
Sob o olhar repousa o infinito e o movimento do universo | Marcos SantarossaSob o olhar repousa o infinito e o movimento do universo | Marcos Santarossa
Sob o olhar repousa o infinito e o movimento do universo | Marcos Santarossa
 
28148145 tratamentos-essenios
28148145 tratamentos-essenios28148145 tratamentos-essenios
28148145 tratamentos-essenios
 
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
 
Biodanza como um caminho para o desenvolvimento da auto-estima | Por Evanir L...
Biodanza como um caminho para o desenvolvimento da auto-estima | Por Evanir L...Biodanza como um caminho para o desenvolvimento da auto-estima | Por Evanir L...
Biodanza como um caminho para o desenvolvimento da auto-estima | Por Evanir L...
 
Diversidade das Obsessões
Diversidade das ObsessõesDiversidade das Obsessões
Diversidade das Obsessões
 
Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cris...
Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cris...Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cris...
Um Relato Pessoal: Como a Biodanza Estimula a Integração da Identidade | Cris...
 
Projeto genoma
Projeto genomaProjeto genoma
Projeto genoma
 
Apostila obsessão lar rubataiana -2009 .doc - 14 doc
Apostila obsessão   lar rubataiana -2009 .doc - 14 docApostila obsessão   lar rubataiana -2009 .doc - 14 doc
Apostila obsessão lar rubataiana -2009 .doc - 14 doc
 
Transtorno Obsessivo
Transtorno ObsessivoTranstorno Obsessivo
Transtorno Obsessivo
 
Loucura e obsessao divaldo franco
Loucura e obsessao   divaldo francoLoucura e obsessao   divaldo franco
Loucura e obsessao divaldo franco
 

Similar a E tu at

Tcc repeticao: do Outro à si mesmo em Freud e Lacan
Tcc repeticao: do Outro à si mesmo em Freud e Lacan Tcc repeticao: do Outro à si mesmo em Freud e Lacan
Tcc repeticao: do Outro à si mesmo em Freud e Lacan Geraldo Natanael
 
Ansiedade, Desconstruindo a.pdf
Ansiedade, Desconstruindo a.pdfAnsiedade, Desconstruindo a.pdf
Ansiedade, Desconstruindo a.pdfSandraLima324724
 
Alberto Quintana - A CIÊNCIA DA BENZEDURA.pdf
Alberto Quintana - A CIÊNCIA DA BENZEDURA.pdfAlberto Quintana - A CIÊNCIA DA BENZEDURA.pdf
Alberto Quintana - A CIÊNCIA DA BENZEDURA.pdfLigiaMachadoCampos
 
LIVRO - Crise Suicida Avaliação e manejo.pdf
LIVRO - Crise Suicida Avaliação e manejo.pdfLIVRO - Crise Suicida Avaliação e manejo.pdf
LIVRO - Crise Suicida Avaliação e manejo.pdfylana4
 
O-TARÔ-NA-TERAPIA-TRANSPESSOAL-UMA-VIAGEM-EM-BUSCA-DO-AUTOCONHECIMENTO.pdf
O-TARÔ-NA-TERAPIA-TRANSPESSOAL-UMA-VIAGEM-EM-BUSCA-DO-AUTOCONHECIMENTO.pdfO-TARÔ-NA-TERAPIA-TRANSPESSOAL-UMA-VIAGEM-EM-BUSCA-DO-AUTOCONHECIMENTO.pdf
O-TARÔ-NA-TERAPIA-TRANSPESSOAL-UMA-VIAGEM-EM-BUSCA-DO-AUTOCONHECIMENTO.pdfTiagoLouro8
 
MENTES PERIGOSAS: O PERFIL PSICOLÓGICO DO PSICOPATA
MENTES PERIGOSAS: O PERFIL PSICOLÓGICO DO PSICOPATA MENTES PERIGOSAS: O PERFIL PSICOLÓGICO DO PSICOPATA
MENTES PERIGOSAS: O PERFIL PSICOLÓGICO DO PSICOPATA Alexandre Caputo
 
Quando a depressao_ataca
Quando a depressao_atacaQuando a depressao_ataca
Quando a depressao_atacaGLAUCIA CASTRO
 
429008673 apostila-resumos-psiquiatria-pdf
429008673 apostila-resumos-psiquiatria-pdf429008673 apostila-resumos-psiquiatria-pdf
429008673 apostila-resumos-psiquiatria-pdfGabriela Benigno
 
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 3 - A importância do tratam...
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 3 - A importância do tratam...Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 3 - A importância do tratam...
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 3 - A importância do tratam...Schiz Ophrenic
 
Introdução do livro clínica do esquecimento
Introdução do livro clínica do esquecimentoIntrodução do livro clínica do esquecimento
Introdução do livro clínica do esquecimentoCamilla Rodrigues
 
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 1 - Entenda como ela acontece
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 1 - Entenda como ela aconteceSchiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 1 - Entenda como ela acontece
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 1 - Entenda como ela aconteceSchiz Ophrenic
 
Monografia do curso de teoria da psicanálise3
Monografia do curso de teoria da psicanálise3Monografia do curso de teoria da psicanálise3
Monografia do curso de teoria da psicanálise3Ivanildo de Lima
 
O cálculo neurótico do gozo dunker
O cálculo neurótico do gozo   dunkerO cálculo neurótico do gozo   dunker
O cálculo neurótico do gozo dunkerJulianaCruzAraujo
 
Temas Gerais em Psicologia
Temas Gerais em PsicologiaTemas Gerais em Psicologia
Temas Gerais em PsicologiaAtena Editora
 
O papel d..
O papel d..O papel d..
O papel d..88695951
 
Marcus andre vieira_dando_nomes_aos_bois
Marcus andre vieira_dando_nomes_aos_boisMarcus andre vieira_dando_nomes_aos_bois
Marcus andre vieira_dando_nomes_aos_boisCinthya Bretas
 
238119675 costa-n-2004-ate-onde-o-que-voce-sabe-sobre-o-behaviorismo-e-verdad...
238119675 costa-n-2004-ate-onde-o-que-voce-sabe-sobre-o-behaviorismo-e-verdad...238119675 costa-n-2004-ate-onde-o-que-voce-sabe-sobre-o-behaviorismo-e-verdad...
238119675 costa-n-2004-ate-onde-o-que-voce-sabe-sobre-o-behaviorismo-e-verdad...Éric Santos
 

Similar a E tu at (20)

Psicossomatica e Cancer
Psicossomatica e CancerPsicossomatica e Cancer
Psicossomatica e Cancer
 
Tcc repeticao: do Outro à si mesmo em Freud e Lacan
Tcc repeticao: do Outro à si mesmo em Freud e Lacan Tcc repeticao: do Outro à si mesmo em Freud e Lacan
Tcc repeticao: do Outro à si mesmo em Freud e Lacan
 
Ansiedade, Desconstruindo a.pdf
Ansiedade, Desconstruindo a.pdfAnsiedade, Desconstruindo a.pdf
Ansiedade, Desconstruindo a.pdf
 
Alberto Quintana - A CIÊNCIA DA BENZEDURA.pdf
Alberto Quintana - A CIÊNCIA DA BENZEDURA.pdfAlberto Quintana - A CIÊNCIA DA BENZEDURA.pdf
Alberto Quintana - A CIÊNCIA DA BENZEDURA.pdf
 
As atitudes facilitadoras
As atitudes facilitadorasAs atitudes facilitadoras
As atitudes facilitadoras
 
LIVRO - Crise Suicida Avaliação e manejo.pdf
LIVRO - Crise Suicida Avaliação e manejo.pdfLIVRO - Crise Suicida Avaliação e manejo.pdf
LIVRO - Crise Suicida Avaliação e manejo.pdf
 
O-TARÔ-NA-TERAPIA-TRANSPESSOAL-UMA-VIAGEM-EM-BUSCA-DO-AUTOCONHECIMENTO.pdf
O-TARÔ-NA-TERAPIA-TRANSPESSOAL-UMA-VIAGEM-EM-BUSCA-DO-AUTOCONHECIMENTO.pdfO-TARÔ-NA-TERAPIA-TRANSPESSOAL-UMA-VIAGEM-EM-BUSCA-DO-AUTOCONHECIMENTO.pdf
O-TARÔ-NA-TERAPIA-TRANSPESSOAL-UMA-VIAGEM-EM-BUSCA-DO-AUTOCONHECIMENTO.pdf
 
MENTES PERIGOSAS: O PERFIL PSICOLÓGICO DO PSICOPATA
MENTES PERIGOSAS: O PERFIL PSICOLÓGICO DO PSICOPATA MENTES PERIGOSAS: O PERFIL PSICOLÓGICO DO PSICOPATA
MENTES PERIGOSAS: O PERFIL PSICOLÓGICO DO PSICOPATA
 
Quando a depressao_ataca
Quando a depressao_atacaQuando a depressao_ataca
Quando a depressao_ataca
 
429008673 apostila-resumos-psiquiatria-pdf
429008673 apostila-resumos-psiquiatria-pdf429008673 apostila-resumos-psiquiatria-pdf
429008673 apostila-resumos-psiquiatria-pdf
 
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 3 - A importância do tratam...
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 3 - A importância do tratam...Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 3 - A importância do tratam...
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 3 - A importância do tratam...
 
Introdução do livro clínica do esquecimento
Introdução do livro clínica do esquecimentoIntrodução do livro clínica do esquecimento
Introdução do livro clínica do esquecimento
 
Módulo 1
Módulo 1Módulo 1
Módulo 1
 
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 1 - Entenda como ela acontece
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 1 - Entenda como ela aconteceSchiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 1 - Entenda como ela acontece
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 1 - Entenda como ela acontece
 
Monografia do curso de teoria da psicanálise3
Monografia do curso de teoria da psicanálise3Monografia do curso de teoria da psicanálise3
Monografia do curso de teoria da psicanálise3
 
O cálculo neurótico do gozo dunker
O cálculo neurótico do gozo   dunkerO cálculo neurótico do gozo   dunker
O cálculo neurótico do gozo dunker
 
Temas Gerais em Psicologia
Temas Gerais em PsicologiaTemas Gerais em Psicologia
Temas Gerais em Psicologia
 
O papel d..
O papel d..O papel d..
O papel d..
 
Marcus andre vieira_dando_nomes_aos_bois
Marcus andre vieira_dando_nomes_aos_boisMarcus andre vieira_dando_nomes_aos_bois
Marcus andre vieira_dando_nomes_aos_bois
 
238119675 costa-n-2004-ate-onde-o-que-voce-sabe-sobre-o-behaviorismo-e-verdad...
238119675 costa-n-2004-ate-onde-o-que-voce-sabe-sobre-o-behaviorismo-e-verdad...238119675 costa-n-2004-ate-onde-o-que-voce-sabe-sobre-o-behaviorismo-e-verdad...
238119675 costa-n-2004-ate-onde-o-que-voce-sabe-sobre-o-behaviorismo-e-verdad...
 

E tu at

  • 1. 1 Pontifícia Universidade Católica Faculdade de Psicologia E TU, AT? Análise das alterações emocionais descritas por acompanhantes terapêuticos no trabalho com psicóticos Claudia Valentina de Arruda Campos Orientadora: Camila Sampaio Trabalho de conclusão de curso como exigência para graduação no curso de Psicologia. São Paulo 1996
  • 2. 2 Agradeço aos que amo aos que me acompanham e aos que acompanho na loucura nossa de cada dia. Agradeço ao tempo que por rexistir me obriga a parar num ponto fazer história deste ciclo tortuoso que é escrever/viver.
  • 3. 3 AGRADECIMENTOS Aos ATs entrevistados pela disponibilidade e pelo trabalho emocionante que fazem. À Camila por me ajudar a olhar para o outro. Ao Welson por me ajudar a olhar para mim. À Vilma pela delicadeza. Ao Hemir pelas aulas e histórias. À Lucinha pela atenção e paciência. À Bia Almeida por me ajudar em meus descabelamentos sorrindo. Ao pessoal d’A Casa: Nelson e Leonel, pelos olhos (super-visões), e à Lúcia, Bia Portella, Bia Almeida, Cristina, Renata, Júlio, Rodrigo, Maurício Hermann, Eliane, Maurício Porto, Iso, Kléber, Luciana, João, Claudia e Débora, por acompanharem de perto meu acompanhar. Ao pessoal da Oficina de Inventos: Eliana, Paula, Bia, Kátia e Saulo, pelas discussões regada a vinho e macarronada. À minha família querida. Aos meus amigos e amores que foram, são e serão.
  • 4. 4 Sumário RESUMO ..........................................................................................................................5 APRESENTAÇÃO ............................................................................................................6 INTRODUÇÃO .................................................................................................................9 I. O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ............................................................... 11 II. ASPECTOS TEÓRICOS ......................................................................................... 19 1 A Transferência ................................................................................................... 19 2 A Psicose............................................................................................................. 21 3 A Transferência Psicótica .................................................................................... 24 4 A Contratransferência .......................................................................................... 27 5 A Contratransferência na Psicose........................................................................ 29 6 A Identificação Projetiva ...................................................................................... 34 7 As sensações provocadas pela identificação projetiva ......................................... 40 8 O sinistro na contratransferência vivido a partir da identificação projetiva ........... 42 9 A Interpretação .................................................................................................... 45 METODOLOGIA ............................................................................................................. 48 I Sujeitos de pesquisa ................................................................................................ 48 II Entrevista ................................................................................................................ 49 III Metodologia de análise e discussão da entrevista.................................................. 49 ANÁLISE E DISCUSSÃO DA ENTREVISTA DE H ......................................................... 51 I O Trabalho do AT..................................................................................................... 51 II O que sente o AT? .................................................................................................. 59 III Hipóteses sobre o sentir: particularidades do acompanhamento terapêutico ......... 79 1. A intimidade: o espaço e o corpo ........................................................................ 80 2. A relação da dupla com o social ......................................................................... 82 3. Duração: tempo e temporalidade ........................................................................ 84 4. O lugar do AT ..................................................................................................... 85 5. A dificuldade em nomear .................................................................................... 87 IV O que fazer com “isso”? ........................................................................................ 88 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 93 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 96
  • 5. 5 RESUMO Este trabalho visa correlacionar três objetos de estudo: a psicanálise, o acompanhamento terapêutico e a psicose. Tudo começou quando, ao acompanhar uma moça psicótica, comecei a perceber “coisas estranhas” em mim. Do que se tratava? O que era aquilo? Comecei a investigar e observei que diversos acompanhantes descreviam sensações, vivências particulares, semelhantes em sua estranheza. Passei a buscar referências nos livros, e na falta de material sobre acompanhamento, me dirigi à psicanálise: o que existia a respeito das sensações que sentia? Quais as descrições de análises de pacientes psicóticos? Ao constatar uma proximidade entre o que era descrito na psicanálise ao que era descrito pelos acompanhantes, decidi investigar as reações emocionais do acompanhante através de um estudo de caso. A entrevista me permitiu descrever o acompanhamento terapêutico e correlacioná-lo à teoria psicanalítica. A pesquisa encontra-se dividida em duas partes: a primeira teórica, onde são discutidos em especial os conceitos de transferência na psicose, contratransferência e identificação projetiva; e uma segunda, dedicada à análise de entrevista realizada com um acompanhante terapêutico, articulando a experiência do acompanhamento terapêutico à teoria psicanalítica. Como conclusão, a análise da entrevista possibilitou verificar aproximações entre essas duas clínicas da psicose _ o acompanhamento terapêutico e a psicanálise _ além de destacar quais são as características particulares do acompanhamento terapêutico. A pesquisa também permitiu levantar questões para investigações futuras.
  • 6. 6 APRESENTAÇÃO No decorrer desta pesquisa me dei conta de que ela vinha ocupar um lugar incômodo em minha vida: não me deixar esquecer, não deixar aquietar, naturalizar, os estranhamentos que eu sentia em meu trabalho como acompanhante terapêutica. Isto certamente me trouxe desgaste e cansaço a cada vez que eu olhava para meu próprio tema. O trabalho de reflexão e produção teórica foi uma experiência onde senti ser possível retornar à angústia vivida nas situações sobre as quais eu pensava e, a partir do processo reflexivo, ultrapassá-la. Em diversos momentos, mergulhei em minha própria experiência, sendo difícil observar a experiência alheia, mas essa era a tarefa a que me havia proposto: olhar para fora, para além de minha vivência particular, e produzir um texto sobre o acompanhamento terapêutico. Ao iniciar o trabalho eu tinha uma questão clara: correlacionar o acompanhamento terapêutico e as reações emocionais descritas pelos acompanhantes de pacientes psicóticos, com a teoria da psicanálise. A partir daí, iniciou-se uma viagem teórica. A princípio, pensei em utilizar a teoria da contratransferência, e não um autor em particular, porque queria enfocar o fenômeno, as “sensações” descritas por analistas que atendem pacientes psicóticos em seus consultórios. Assim, busquei autores que falassem da reação emocional do analista frente a pacientes psicóticos, e terminei por utilizar um grande número de autores, sem me aprofundar na construção teórica de cada um em particular. Nesta busca, novas questões foram surgindo: ao falar de contratransferência na psicose precisei escrever sobre que referência de psicose estava utilizando, assim como de transferência. As questões pareciam intermináveis: Como se dá a transferência na psicose e qual sua relação com a contratransferência? O que é a identificação projetiva, conceito a que cheguei através da leitura sobre a
  • 7. 7 contratransferência? Quais as manifestações observáveis da identificação projetiva? Qual a relação entre identificação projetiva, transferência e contratransferência? Pode-se interpretar a partir da percepção da identificação projetiva? E tudo isso poderia servir para o acompanhamento terapêutico? Ao mesmo tempo em que este caminho foi percorrido, havia outro paralelo: a experiência como acompanhante terapêutica (AT) me levou a correlacioná-la à experiência descrita por Freud (1924) do sinistro. O encontro destes dois caminhos derivou em uma nova questão: Como correlacionar a experiência do sinistro com a contratransferência na psicose? E pude entrever que esta questão me levaria a outras que indicavam para o corpo. O que é o corpo e onde está inserido o corpo do analista e do acompanhante terapêutico na relação com um indivíduo psicótico? O tempo se foi antes de poder chegar ao corpo. Se você está confuso, imagine eu que a esta altura já nem me lembrava de qual havia sido a questão inicial. Tive que me voltar para as entrevistas e aí redescobrir minha questão. A partir da análise da entrevista, a discussão busca correlacionar os aspectos teóricos da psicanálise com o acompanhamento terapêutico. Pensando sobre o que perseguia ao construir uma “colcha de retalhos” teórica, me deparei com uma grande ansiedade, e com o desejo de encontrar uma resposta, buscar compreender o que havia vivenciado na experiência enquanto acompanhante terapêutica. A necessidade de entender o que havia vivido, em momentos, foi maior que qualquer tentativa de organização metodológica que desse um contorno melhor a isto que eu buscava descrever, ao mesmo tempo em que descobria. Certamente ficaram muitas falhas, contradições e buracos. Um trabalho “louco”, como disse uma amiga. Um trabalho que vagueia, mas que ao final
  • 8. 8 encontra, se não respostas, talvez hipóteses e, com certeza, muitas novas questões. Se ele provocar, instigar a pensar, está cumprido. Um pequeno paralelo com o trabalho do AT: apresentar um mundo novo, interno e externo, e deixar que o outro se ligue, viva.
  • 9. 9 INTRODUÇÃO “Eu sou Ofélia. A mulher na forca. A mulher com seios cortados. A mulher com excesso de dose SOBRE OS LÁBIOS NEVE a mulher com a cabeça no fogão a gás. Ontem deixei de me matar. Estou só com meus seios, minhas coxas, meu ventre. Rebento os instrumentos do meu cativeiro - a cadeira, a mesa, a cama. Destruo o campo de batalha que foi o meu lar. Escancaro as portas para que o vento possa entrar e o grito do mundo. Despedaço a janela. Com as mãos sangrando rasgo as fotografias dos homens que amei e que se serviram de mim na cama, mesa, na cadeira, no chão. Toco fogo na minha prisão. Atiro minhas roupas no fogo. Exumo do meu peito o relógio que era o meu coração. Vou para a rua, vestida em meu sangue.” Ofélia Heiner Müler Hamlet Máquina “Arrombo a minha carne lacrada. Quero habitar nas minhas veias, na medida dos meus ossos, no labirinto do meu crânio. Retiro-me para as minhas vísceras. Sento-me na minha merda, no meu sangue. N’algum lugar são rompidos ventres para que eu possa morar na minha merda. N’algum lugar ventres são abertos para que eu possa estar sozinho com o meu sangue. Meus pensamentos são chagas em meu cérebro. O meu cérebro é uma cicatriz. Quero ser uma máquina. Braços para agarrar pernas andar nenhuma dor nenhum pensamento.” Hamlet Heiner Müller Hamlet Máquina
  • 10. 10 Estes são trechos da peça de Heiner Müller, Hamlet Máquina. Textos literários que nos comovem pela crueza, primariedade do que é dito. É a descrição de sentimentos de pessoas que vivem algo da radicalidade da experiência humana, radicalidade que podemos encontrar na loucura como uma vivência trágica, particular e tantas vezes inexplicável. Se um texto literário é capaz de nos fazer sentir, nos angustiar a partir da possibilidade de vivermos uma parcela do que nos é descrito, o que poderia provocar em alguém a proximidade e o contato com quem vive uma experiência de tamanha ruptura de seus mundos interno e externo como a loucura? Este trabalho é uma tentativa de organização de sentimentos de alguém que pôde sentir esta proximidade, relato de uma procura pessoal, da busca de pares, da busca teórica de possíveis explicações para o que foi observado e vivido na relação com uma pessoa “louca”. “Louco” porque: o que é ser louco? O que nos distancia desta vivência? O que nos garante do lado de cá e eles do lado de lá, além de um muro? Estas sendo questões que me rodeavam permanentemente ao acompanhar uma dessas pessoas estranhas. Estranhas estrangeiras em sua terra natal. Esquisitas desconcertantes, desviantes das regras da razão, onde o porquê positivista não encontra uma resposta. Críticas não intencionais à custa de suas próprias subjetividades, sem espaço para a existência, fadadas a viver em um tempo, que por ser outro que o tempo da produção, não tem lugar. E então, o que é possível? É possível acompanhar, acompanhar a história e o que a mudança dos tempos nos permite.
  • 11. 11 I. O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO Anteriormente à realização de um trabalho como acompanhante terapêutica, a loucura era para mim pura teoria, filmes, textos literários. Depois de iniciar o trabalho como acompanhante terapêutica de psicóticos, deixaram a teoria de ser pura, os filmes ficção e a literatura texto. A teoria, em especial, pude entendê-la como experiência sistematizada, flexível, mutável. A partir do acompanhamento continuei sem saber o que é ser louco, e este desconforto me levou a falar (as intermináveis conversas dos acompanhantes terapêuticos), escrever e entrevistar pessoas a fim de encontrar outros pensamentos, destes que também vivem esta experiência. Uma aproximação da loucura através do trabalho como acompanhante terapêutico (AT). O que faz um acompanhante terapêutico? De uma forma geral saímos com pessoas que tem tido dificuldades em sua relação com o mundo. Muitas vezes são pacientes psiquiátricos e com eles vamos ao cinema, ao teatro, a um bar, viajar, etc. Em suma, atividades que as pessoas comumente realizam com amigos (o antigo nome do acompanhante terapêutico era amigo qualificado). Acompanhante e acompanhado buscam no mundo possibilidades de novos caminhos de circulação, novos contatos deste indivíduo com o social, para que o acompanhado um dia não precise mais de acompanhamento. O acompanhamento terapêutico é uma das formas contemporâneas de tratamento da psicose. Existe pouco material publicado sobre esta prática, sendo este um dos motivos que me levaram a refletir sobre ela. Há apenas dois livros sobre o tema editados em português: Acompanhantes Terapêuticos e Pacientes Psicóticos, de Mauer e Resnizky (1987), e A Rua como Espaço Clínico, da Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital Dia A Casa (1991). Além desses, é possível encontrar artigos dispersos, muitas vezes publicados por grupos independentes de acompanhantes terapêuticos. A
  • 12. 12 transmissão do que é o trabalho até hoje se dá basicamente por via oral: palestras, cursos, grupos de estudo e discussões entre acompanhantes. Esta é uma questão intrigante sobre esta prática: como, apesar de possuir mais de 20 anos de existência na Argentina, e pelo menos 13 anos no Brasil, ela continue ainda sendo transmitida oralmente? Qual seria a dificuldade de teorizar sobre o acompanhamento terapêutico, dificuldade esta a que os acompanhantes terapêuticos tanto se referem? Sem tentar responder a estas questões, penso em alguns elementos que poderiam direcionar novas pesquisas. O acompanhamento é uma prática que se dá no quotidiano. Acompanhante e acompanhado percorrem a cidade juntos, buscando realizar atividades que para muitos seriam básicas em suas vidas, como ir à padaria, ao supermercado, assistir um filme ou passear de carro. Patto (1990) refere-se à dificuldade que encontram os teóricos ao tentar elaborar uma teoria do quotidiano. Além disso, o acompanhamento é um trabalho que possui muitas variáveis, como a questão do vínculo, da interpretação, a ação, a relação do AT com a família do acompanhado, o que torna o tratamento algo difícil de ser configurado, circunscrito. Afinal, disso tudo, o que trata no trabalho como acompanhante? Quais os fatores terapêuticos? Qual o campo específico desta forma de trabalho? Como não se perder frente às inúmeras possibilidades existentes? Estas questões, ainda sem respostas, permitem pensar que é apenas dentro da relação existente entre acompanhante e acompanhado que se pode saber o que é terapêutico, ou analítico, para aquele indivíduo em particular. É a partir de sua situação de vida atual que se elabora um projeto terapêutico, sendo possível pensar que as generalizações do que fazer ao se acompanhar alguém, generalizações estas que poderiam surgir na forma de regras, limites pré- estabelecidos do que é correto ou incorreto dentro de um acompanhamento terapêutico, correm o risco de funcionar mais como defesa do terapeuta frente à angústia do não saber, do desconhecido em que a relação com a psicose nos coloca, do que como “regras fundamentais” do acompanhamento terapêutico.
  • 13. 13 Existem propostas divergentes sobre o papel do AT no tratamento da psicose que podem ser observadas nos dois livros existentes sobre acompanhamento terapêutico. Resnizky e Mauer (1987) definem as funções do acompanhante terapêutico como sendo as seguintes: contenção do paciente, oferecimento do acompanhante como modelo de identificação, funcionar como “ego auxiliar” do paciente, perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente, informar sobre o mundo objetivo do paciente, representar o terapeuta, atuar como agente ressocializador e, finalmente, servir como catalizador das relações familiares. Já a proposta do grupo do hospital dia A Casa (1991) está mais voltada para uma concepção analítica da relação, não sendo possível criar itens tão determinados como os citados acima. É importante, nesta forma de pensar o acompanhamento, a formação de um vínculo entre acompanhante e acompanhado, vínculo compreendido no terreno dos fenômenos transferenciais que permitiria ao acompanhado arriscar-se de uma forma particular no mundo, tendo a sustentação de um companheiro, de um anteparo afetivo entre ele e o mundo. A rua é considerada o espaço privilegiado para o trabalho do acompanhamento. Neste espaço de múltiplas possibilidades, o acompanhante terapêutico busca estar atento às necessidades e capacidades de seu acompanhado. Busca construir com ele um novo roteiro da cidade, acreditando que quando um indivíduo psicótico consegue fazer demandas, ali existe a possibilidade de este construir novas relações afetivas com o mundo, com a vida. É acreditar, de alguma forma, que a subjetividade se constrói durante toda a vida, que a possibilidade de transformação e mudança é algo inerente ao humano, que o social e o quotidiano podem ser terapêuticos. Isto, paradoxalmente, associado à ideia de que este indivíduo não precisa deixar de ser um psicótico para habitar este mundo, esta cidade. O acompanhante
  • 14. 14 terapêutico busca construir juntamente com o acompanhado, em um trabalho microscópico, uma pequena abertura no macro social. Esta pequena abertura pode se dar em uma ida à farmácia, onde a boa acolhida de um farmacêutico a uma pessoa que delira transformações em seu corpo, respondendo muitas vezes e muitos dias às mesmas perguntas com bom humor, talvez revele algo _ o fragmento de uma mudança social possível na forma de se relacionar com a loucura. Seria possível considerar estes pequenos acontecimentos uma forma de transformação social? Segundo Baremblitt (1991): “O paciente não é uma forma de ser no mundo, mas sim, uma forma de produzir o mundo, o mundo próprio, único, irrepetível. O desafio do acompanhante terapêutico, ou de quem seja, consiste então, em participar na construção deste mundo, fazendo de maneira com que ele seja compatível com o mundo que é produzido, consagrado e implantado por certas maneiras de ser triunfantes. Maneiras de ser que têm conseguido produzir um mundo no qual o mundo do chamado paciente não tem lugar.” (pág. 81) Quem melhor do que Althusser (1992) para descrever este não lugar no mundo. Sociólogo francês, diagnosticado maníaco depressivo, em novembro de 1980 estrangulou a esposa em seu apartamento e não foi a julgamento por ter sido “beneficiado” pela impronúncia, ou seja, foi considerado incapaz de responder em juízo. Posteriormente, Althusser escreveu o livro “O futuro dura muito tempo”, publicado após sua morte, em 1990. Nele descreve o limbo que cabe ao louco em nossa sociedade. O relato é uma resposta à impronúncia que lhe foi imputada. Uma forma de sobrevivência e de existência: “É provável que se julgue chocante que eu não me resigne ao silêncio depois do ato que cometi, e também a impronúncia que o sancionou e da qual, segundo a expressão espontânea, eu me beneficiei. Mas, não tivesse eu esse benefício, e deveria ter sido julgado. E, se tivesse de ser julgado, teria de responder.
  • 15. 15 Este livro é essa resposta à qual, de outra forma, eu teria sido submetido. E tudo que eu peço é que isso me seja concedido; que me concedam agora o que então poderia ter sido uma obrigação.” (pág. 21) Sobre a impronúncia, o não direito à palavra, ele escreve: “O destino da impronúncia é na realidade a pedra sepulcral do silêncio.” (pág. 25) Escreve também sobre a condição do louco: “Se falo dessa estranha condição, é porque a vivi e, de certa forma, vivo-a ainda hoje. Mesmo libertado após dois anos de internação psiquiátrica, sou, para uma opinião que conhece meu nome, um desaparecido. Nem morto nem vivo, não ainda enterrado mas ‘sem obra’ - a magnífica expressão de Foucault para designar a loucura: desaparecido.” (pág. 29) O livro que escreve é um retorno ao mundo deste ser “desaparecido”. Mundos exteriores e interiores, mundos familiares, mundo relacional. O AT junto a seu acompanhado busca ligar, criar uma trança entre estes mundos. A partir de uma afetividade lançada sobre ele, é possível buscar relançá-la sobre outros objetos, reconectando quem se desligou da vida, dar voz a quem perdeu o direito à fala. Trabalho de tentativa e erro constantes, desejos frustrados e alegrias enormes. O que é ser um acompanhante terapêutico? Há algo nesta atividade de acompanhar que vai muito além do fazer. Ao acompanhante cabe a capacidade de se co-mover, seguir junto, suportar que alguém sem caminhos claros o guie, ao mesmo tempo em que busca sustentar os afetos que o invadem, comovem. A possibilidade de suporte sendo um dos atos terapêutico. Assim, se por um lado há uma grande importância da própria rua enquanto espaço possibilitador para este trabalho, o fator que viabilizaria a saída às ruas é o vínculo criado entre acompanhante e acompanhado. Se, por um lado, a rua pode ser pensada enquanto exterioridade viabilizadora de relações com o fora, o acompanhante também é o fora, o terceiro, que entra na casa não apenas de seu acompanhado, mas muitas vezes de uma família desorganizada emocionalmente.
  • 16. 16 O “fora” é pensado no acompanhamento terapêutico, para além da rua, a partir da perspectiva de Rolnik (1995). Segundo ela, o fora não seria um lugar, mas uma dimensão da realidade em constante movimento de forças, turbilhão de transformações. Em suas palavras: “(...)Se o fora não é um lugar, como ficaria então o dentro? Onde se dão estas sensações e este estranhamento? Como fica a subjetividade? Pois bem, para sua surpresa ele (AT) constata que o dentro nada mais é do que o interior de uma dobra do fora, estratificação temporária de certas reações de força - exatamente aquelas relações cuja diferença incompatível tivera por efeito desestabilizar os contornos que lhe eram familiares e lhe exigir um processo de subjetivação de um novo tipo. A subjetividade portanto é feita das próprias partículas do fora; ela é o dentro do fora. Um dentro que como um cristal do fora que teria sedimentado em determinada forma, continua a ser trabalhado pelas forças até que a dobra que o constitui se desfaça e outras dobras se façam num só e mesmo movimento. Nesse processo que nunca para, somos levados para fora de nós mesmos e nos tornamos “um sempre outro”. A subjetividade é então este dentro-e-fora indissociáveis, mas também, inconciliáveis: ‘um si e não-si` concomitantemente.” (pág. 8) É no fora de quem se encerrou em uma forma de vida petrificada, exatamente por ser absolutamente vulnerável, aberto ao avassalamento do mundo, e no fora de quem se constituiu dentro quase protegido e semi-lacrado, que ambos, acompanhante e acompanhado, vão caminhar. O acompanhante sendo, em si, o “fora” que adentra o espaço da casa e da família. Neste espaço sem formas definidas é que se dá este passeio pelo estranhamento. Estranhamento vivido muitas vezes pelo AT que busca dar um nome ao “isso”, sensação de difícil nomeação, sensações vividas na convivência com um psicótico. Este inominável pode encontrar-se, talvez, um pouco mais próximo da fala do que da escrita. Seria possível que isto levasse o AT a referir- se à sua prática basicamente através de casos? Pois este é outro questionamento constante, o fato de ser tão difícil falar sobre o acompanhamento sem se referir a uma vivência.
  • 17. 17 Também eu não escaparei à descrição da vivência, pois esta foi fundamental para o surgimento da necessidade de reflexão: Saía com minha primeira acompanhada, Renata, há cerca de quatro meses quando ela me propôs que viajássemos por três dias para o sítio. Passado este período eu retornaria a São Paulo e outra acompanhante que também a atendia ficaria com ela no sítio por mais três dias. Aceitei entusiasmada e fomos para o sítio. No terceiro dia da viagem tive uma intoxicação alimentar. Passei mal e voltei para São Paulo sentindo fortes dores abdominais. Na volta, eu estava dirigindo sozinha, e comecei a fantasiar sobre o que se passava comigo. Somente depois de chegar a São Paulo pude notar que o teor de minhas fantasias havia sido o mesmo das fantasias de Renata. O medo da morte desproporcional às causas, persecutoriedade, imaginar as possíveis doenças que poderiam ter me acometido, todos esses sintomas de Renata que nesse momento me encontrei reproduzindo. A partir deste momento, minha relação com ela se tornou mais distante e difícil. Passei a ficar irritada nos acompanhamentos, não via a hora passar. Este movimento não foi unilateral. Na volta da viagem, as duas, acompanhante e a acompanhada, estavam perturbadas. Enquanto eu estava na estrada dirigindo, tinha a sensação de estar intoxicada, e depois de semanas eu continuava me sentindo assim. Associado a isto, sentia culpa, pois meu papel seria o de tratá-la e não estava conseguindo. Eu havia mudado e me tornado supersensível à sua aproximação, irritada com ela e comigo mesma por haver escolhido estar ali. Passadas duas semanas, em supervisão, foi decidido que eu tiraria duas semanas de férias e a frase importante que marcou esta supervisão foi: “Diga que vai sair de férias, mas diga feliz. Deixe as coisas dela com ela.” A separação restauradora me permitiu pensar sobre estas questões e voltar, com menos horas semanais, e sem viagens por um período. Ao mesmo tempo, esta ebulição me levantou perguntas sobre o que havia acontecido. O que eu
  • 18. 18 havia “carregado”? Aquilo era algo meu despertado pela minha relação com ela ou ela teria “colocado” aqueles sentimentos em mim? Como era possível que eu considerasse delírio suas considerações sobre meus poderes sobre seu corpo e ao mesmo tempo acreditasse em seus poderes sobre minha mente? Onde estaria esta “abertura” em mim que havia permitido essa invasão? A partir destas questões fui buscar bibliografia que se referisse a este tipo de experiência que eu havia vivenciado. Encontrei descrições semelhantes na psicanálise. A investigação sobre o que me acontecia provocou uma ressignificação do conhecimento teórico que possuía até então. O sentido teórico já não bastava, caso não encontrasse uma equivalência prática na relação. Isto, tomadas as precauções de não ser a relação de acompanhamento o equivalente a uma relação psicanalítica na rua, não permitindo, assim, uma transposição literal dos conceitos psicanalíticos. No entanto, estes mesmos conceitos poderiam me ajudar a pensar as semelhanças e diferenças entre os dois trabalhos. Pude observar fenômenos muito semelhantes aos descritos como transferência psicótica, contratransferência e identificação projetiva durante o trabalho de acompanhamento.
  • 19. 19 II. ASPECTOS TEÓRICOS A parte teórica da pesquisa era, a princípio, uma investigação cujo objetivo era o de embasar a análise da entrevista. No decorrer do processo, esta parte foi adquirindo uma dimensão maior que a prevista. Além de interminável, pois não a considero terminada, ao terminar a primeira versão do trabalho achava esta parte confusa, incômoda, indigesta. Havia muito a ser retirado e transformado. Na segunda versão do trabalho tal era minha irritação e insatisfação com esta parte que a transformei em anexo. Não a queria dentro, “sujando”, o trabalho. Para realizar a terceira versão, pensei muito no porquê desta parte haver sido excluída: ela estava louca em demasia, um tanto árida, esquizoide. E pensei que um trabalho sobre a loucura que exclui de si próprio sua desorganização se afasta de seu objeto. Em função disto, readmiti os aspectos teóricos como parte integrante do trabalho. Enfim, na quarta versão, aqui presente, reduzi a dimensão deste capítulo. Os conceitos investigados são: a partir do conceito de transferência me encaminho para os conceitos de psicose, da transferência na psicose, da contratransferência, da contratransferência na psicose e da identificação projetiva. Paralelamente, há também uma investigação a respeito do sinistro em Freud, o sinistro na contratransferência e uma questão final a respeito da possibilidade de interpretação a partir da contratransferência. 1 A Transferência O conceito de transferência é apresentado e retomado em diversos momento na obra de Freud. Em 1905, define da seguinte forma a transferência, ao analisar o Caso Dora: “O que são as transferências? Reedições ou produtos facsímiles dos impulsos e fantasias que serão despertados e feitos conscientes
  • 20. 20 durante o desenvolvimento da análise e que possuem como singularidade característica de sua espécie a substituição de uma pessoa anterior pela pessoa do médico. Ou para dizer de outro modo: toda uma série de acontecimentos psíquicos anteriores voltam à vida, mas não já como passado, se não como relação atual com a pessoa do médico.” (p. 998 trad. livre) Segundo Freud (1905), a transferência existe em todas as relações humanas, sendo especifico da psicanálise a utilização deste recurso para propiciar a análise. O tratamento psicanalítico não cria a transferência, mas se limita a “descobri-la”. Posteriormente Freud considerará a transferência como sendo, além de uma forma de resistência, também a mola que impulsionaria o tratamento psicanalítico. Freud publicou, em 1910, o texto “Observações psicanalíticas sobre um caso de paranóia” também conhecido como o caso Schreber. Nesse texto, afirma não ser possível a realização de um trabalho analítico com pacientes psicóticos, pois estes não poderiam estabelecer uma relação transferencial. Haveria, nestes pacientes, um afastamento de todo interesse pela realidade, pelo mundo exterior. Na psicose, naquele momento chamado por Freud de parafrenia, haveria uma retração da libido objetal para o eu, processo que descreve o fenômeno do narcisismo, que impossibilitaria a relação tranferencial. Posteriormente, diversos autores vieram a contestar esta hipótese freudiana, constatando a ocorrência de uma transferência bastante peculiar na relação analítica com psicóticos, bastante diferente das características da transferência neurótica. Os autores selecionados para descrever a transferência na psicose o foram a partir de seu trabalho sobre a contratransferência e a identificação projetiva, ou seja, foi a partir do estudo sobre a contratransferência e a identificação projetiva que cheguei a Klein, Winnicott, Bion e Rosenfeld, entre outros. Há ainda autores dentro da psicanálise que, a partir de Lacan, produziram uma teoria bastante
  • 21. 21 diversa sobre a psicose. No entanto, tendo sido o enfoque inicial deste trabalho a contratransferência, e não sendo este um conceito utilizado pela escola lacaniana, não foi possível um aprofundamento sobre a definição de psicose e das forma de transferência na psicose, desde a perspectiva lacaniana. 2 A Psicose Freud (1924) em seu artigo Neurose e psicose afirma que o que caracterizaria a psicose seria o afastamento do ego da realidade. “A neurose seria o resultado de um conflito entre o ego e o id, enquanto que na psicose o ego, a serviço do id, retira-se do mundo exterior.” (pág. 2.742 trad. livre) Freud considerava que indivíduos psicóticos eram inanalisáveis. Klein, por sua vez, desenvolveu uma teoria sobre a vida emocional dos bebês. É possível pensar, a partir de suas teorias, que ela realiza com a psicose o que Freud realizou com a neurose, no sentido da “despatologização”. Por que a psicose pode deixar de ser pensada como doença? Em 1946, em “Notas sobre alguns mecanismos esquizoides”, ela escreve: ‘Não será preciso entrar em pormenores quanto ao fato de que algumas outras características das relações objetais esquizoides, por mim anteriormente descritas, podem ser encontradas, em menor grau e de uma forma menos impressionante, em pessoas normais(...). De modo semelhante, as perturbações normais nos processos de pensamento estão ligadas ao desenvolvimento da posição esquizoparanóide. Pois todos nós somos susceptíveis, por vezes, de um enfraquecimento momentâneo do pensamento lógico (...) de fato o ego está temporariamente cindido.” (pág. 329) Neste mesmo artigo Klein (1946) escreve: “Nos primeiros anos da infância, manifestam-se ansiedades características da psicose que obrigam o ego a desenvolver mecanismos específicos de defesa. Nesse período se encontram os pontos de fixação para todos os distúrbios psicóticos.” (pág. 314)
  • 22. 22 Assim, segundo Klein, todos vivenciamos, nos primeiros anos da infância, não a psicose, mas ansiedades psicóticas, e o que diferenciaria um indivíduo psicótico de um neurótico são os pontos de fixação em uma fase primitiva do desenvolvimento. Nessa medida, os neuróticos não se isentariam destas ansiedades, que estariam incorporadas ao processo psíquico de formação da personalidade de qualquer indivíduo. A psicose, deste ponto de vista, pode ser pensada não como uma doença, mas como uma possibilidade para qualquer ser humano. A partir de Klein, outros autores se aventuraram pela questão da psicose. Winnicott (1954-5) pouco utiliza as categorias neurótico ou psicótico, mas sim refere-se a pacientes mais ou menos regredidos, o que determina a gravidade de cada caso. Winnicott correlaciona o nível de regressão de um indivíduo a fatores ambientais os quais poderiam haver provocado essa forma de defesa. Segundo ele, “A doença psicótica se relaciona a um fracasso ambiental em um estádio primitivo do desenvolvimento emocional de um indivíduo.” (pág. 470) Ao falar em “fracasso ambiental”, Winnicott se refere à relação mãe-bebê. O que caracteriza este fracasso é a impossibilidade de a mãe dar suporte emocional para as experiências afetivas do bebê. Um indivíduo que vive esta experiência emocional tem, segundo ele, seu desenvolvimento afetivo comprometido. Bion, por sua vez, dá maior ênfase a aspectos constitutivos do indivíduo. Em relação à personalidade psicótica, em 1957, ele considera a coexistência de uma parte neurótica e de uma parte psicótica na personalidade de um só indivíduo. A partir da distinção feita por Freud (1924) entre neurose e psicose, Bion (1957) propõe que na psicose o ego não perderia completamente o contato com a realidade, pois haveria a permanência de uma parte não psicótica da personalidade existindo paralelamente a parte psicótica. Outra distinção da
  • 23. 23 posição de Bion em relação à Freud é que o afastamento da realidade seria ilusório, e se daria através do uso da identificação projetiva contra o aparelho mental. Segundo Bion, a diferenciação entre as partes psicóticas e não psicóticas da personalidade dependeria de uma cisão e de uma fragmentação da parte da personalidade relacionada à percepção da realidade interna e externa em fragmentos muito pequenos, que seriam expulsos através do mecanismo de identificação projetiva. O significado deste conceito será discutido adiante. Em 1957 ele caracteriza a personalidade psicótica como tendo quatro características fundamentais: “(...) uma preponderância tão grande de impulsos destrutivos, que mesmo o impulso de amor é inundado por eles e transformado em sadismo; um ódio da realidade, interna e externa, que se estende a tudo que contribui para a percepção dela; um terror de aniquilação iminente (Klein 1946) e, finalmente, uma formação prematura e precipitada de relações de objeto (...), cuja fragilidade contrasta acentuadamente com a tenacidade com que são mantidas.” (pág. 70) É possível pensar que a proposta analítica desses autores se relaciona com a forma como é pensada a etiologia da psicose. Enquanto Winnicott considera a psicose como uma defesa que se originaria de uma falha ambiental, Bion enfatiza os fatores constitucionais do indivíduo. Enquanto técnica, Winnicott preconiza um retorno a este momento em que se deu a falha inicial, através da regressão, para que possa haver uma recomposição do indivíduo, enfatizando o ambiente na situação analítica. Bion, por sua vez, dá uma maior ênfase à interpretação verbal, pois esta seria capaz de “devolver” ao paciente aspectos seus que estariam fragmentados e expelidos fora, buscando reconstituir esta psiquê estilhaçada. A partir desta breve aproximação entre estes autores é possível pensar que cada corpo teórico mereceria um aprofundamento particular. O recorte da teoria em um ponto poderia esconder pressupostos que não estão sendo discutidos naquele momento.
  • 24. 24 3 A Transferência Psicótica Diversos autores, após Freud, puderam constatar a existência de transferência no tratamento analítico de psicóticos. Ainda que haja diferentes denominações e caracterizações deste tipo de transferência, uma coisa tem em comum: ela é diferente da transferência neurótica. Winnicott (1947) afirma que uma das diferenças existentes entre análise de neuróticos e de psicóticos é que os primeiros podem perceber “símbolos” enquanto os segundos são concretos. Isto levaria a uma transferência bastante diferenciada, pois enquanto na neurose haveria o “como se”, na psicose as coisas “são”. Este caráter de concretude estaria presente na relação transferencial: “Para o neurótico, o divã, o calor e o conforto podem ser o símbolo do amor materno; para o psicótico, seria mais certo dizer que estas coisas são a expressão física do amor do analista. O divã é o colo ou o útero do analista, e o calor é o calor vivo do corpo do analista.” (pág. 347) O outro lado desta formulação de Winnicott é dado por Margareth Little, psicanalista que foi analisada por ele e considerada “borderline”. Little (1992) escreve: “Para mim D.W. não representava a minha mãe. Em minha ilusão de transferência, ele realmente era a minha mãe.” (pág. 95) Winnicott (1963) fala em psicose de transferência. Esta ocorreria em pacientes muito regredidos e esta relação analítica seria de grande risco tanto para o analista quanto para o paciente. O risco seria de o analista não se dar conta da aproximação de conteúdos muito regredidos e interpretar em uma situação onde o que seria necessário seria apenas dar sustentação para que o paciente pudesse encontrar um caminho próprio. Haveria também riscos para o analista em função de sua aproximação com as partes psicóticas do paciente e
  • 25. 25 das consequências disto, questão que será retomada ao analisarmos a contratransferência. Bion (1957) descreve a transferência na psicose como tendo as seguintes características: maciça, adesiva, rápida e tênue, tendo uma intensidade bastante diferente da intensidade da transferência neurótica. Em suas palavras: “A relação com o analista é prematura, precipitada e intensamente dependente; quando o paciente, sob pressão das pulsões de vida e de morte, amplia o contato, manifestam-se duas correntes simultâneas de fenômenos. Primeiro, a cisão de sua personalidade e a projeção dos fragmentos para dentro do analista (isto é, identificação projetiva) tornam- se hiperativas, com os conseqüentes estados confusionais tais como descritos por Rosenfeld (1952). Segundo, as atividades mentais e as demais atividades através das quais o impulso dominante, seja este de pulsão de vida ou de morte, busca expressar-se, são imediatamente submetidas à mutilação por parte do impulso temporariamente subordinado. Atormentado pelas mutilações e lutando por escapar dos estados confusionais, o paciente retorna à relação restrita. A oscilação entre a tentativa de ampliar o contato e a tentativa de restringi-lo prossegue durante toda a análise.” (pg 70) Rosenfeld (1987), que em muitos aspectos concorda com Bion, discute o porquê desta forma de transferência: “Uma parte importante de minha teoria é que os pacientes psicóticos projetam seus sentimentos porque se sentem assustados demais para lidar com eles ou para refletir a respeito deles sozinhos. O analista, porém, como os pais no desenvolvimento mais normal, tem o potencial de enfrentar os sentimentos e de refletir sobre eles, e é essa capacidade que ele dá aos poucos ao paciente para desenvolver para si mesmo. A natureza de transferência psicótica é que ela proporciona a oportunidade de demonstrar que os sentimentos insuportáveis podem ser contidos e considerados de modo criativo.” (pág. 55/56) Ainda sobre a transferência na psicose, ele descreve duas de suas características:
  • 26. 26 “A transferência psicótica típica observada nos esquizofrênicos tratados por mim e alguns colegas que supervisionei pode ser entendida teoricamente como uma relação em que a identificação projetiva predomina de maneira muito forte.” (pág. 256) “Uma segunda característica da transferência psicótica no tratamento de pacientes esquizofrênicos é que eles tendem a apresentar uma forte transferência erótica desde o início do tratamento.” (pág. 264) Dentro de uma outra vertente do pensamento psicanalítico, McDougall (1978), que dá uma importância maior à questão da linguagem que os autores anteriormente citados, propõe uma outra denominação para a transferência na psicose. Esta é chamada por ela de “transferência fundamental”. A forma como ela caracteriza esta a transferência de um psicótico com seu analista é a seguinte: “Num certo sentido ele (psicótico) permanece fusionado com o outro. Recusando-se o estatuto de sujeito distinto e autônomo, ele não pode tampouco conceder ao Outro este direito fundamental de ser. Na impossibilidade de se comunicar com partes importantes de si mesmo, ele trata o Outro como uma parte de si próprio: na análise, essa forma de se relacionar será repetida com o analista. Nestes casos, constatamos movimentos de transferência que não têm muita coisa em comum com a relação transferencial que se estabelece entre o sujeito neurótico-normal (para quem a psicanálise foi inventada) e a representação que este faz do analista. O analista vê-se confrontado ao que poderíamos chamar de transferência fundamental, transferência original que procura anular a diferença entre o ser e o Outro, ao mesmo tempo em que se teme uma fusão mortífera. Para mobilizar este elo arcaico, seria necessário que a separação, vivida como morte psíquica, se transformasse num sinal de desejo, de identidade, de vida.” (pág. 112) McDougall (1978) correlaciona a “transferência fundamental” com a forma de comunicação que se estabelece na relação entre o paciente e o analista: “Essa língua privativa procura de uma certa maneira restaurar a unidade mãe-criança, o que torna a comunicação simbólica supérflua. Nesse sentido, a capacidade do analisando de se fazer compreender através de
  • 27. 27 meias palavras, e a do analista de ouvi-lo, não diferem da comunicação entre a mãe e seu bebê.” (pág. 112) A forma com ela entende o que Winnicott (1947) caracterizou como a impossibilidade de o psicótico de perceber símbolos, ou seja, que o analista se torne “a mãe” do paciente para este, seria a não realização de uma separação inicial entre a mãe e o bebê. Não tendo havido este luto inicial, o indivíduo estaria impossibilitado de distinguir entre o analista real e o imaginário, fruto de sua transferência: “(...) em outros pacientes, aqueles para quem a necessidade de existir invade inteiramente o território do desejo, nenhum espaço entre o analista real e o analista imaginário pode ser preservado. Não se pode elaborar o luto de um objeto cuja perda jamais foi reconhecida.” (pg114) A relação analítica pode ser pensada como não possuindo uma relação de causalidade: em função de uma transferência ocorre uma contratransferência, mas dialética, onde a transferência e a contratransferência se determinam mutuamente em um processo de constante transformação. Que processos essa modalidade de transferência provoca no analista? Aqui adentramos à questão da contratransferência. 4 A Contratransferência Será apresentado um breve histórico do conceito de contratransferência na psicanálise. Freud, em toda sua obra, utiliza poucas vezes o termo. O conceito foi introduzido em 1910 no texto “O futuro da terapia psicanalítica”, onde ele escreve: “Outras inovações da técnica se referem à própria pessoa do médico. Se nos fez visível a ‘contra-transferência’ que surge no médico, sob a influência do doente, sobre seu sentir inconsciente, e nos achamos muito inclinados a exigir, como norma geral, o reconhecimento desta ‘contra- transferência’ pelo médico e seu vencimento. Desde que a prática
  • 28. 28 psicanalítica vem sendo exercida por um número considerável de pessoas, as quais trocam entre si suas impressões, temos observado que nenhum psicanalista chega além de onde lhe permitem seus próprios complexos e resistências, razão pela qual exigimos que todo principiante inicie sua atividade com uma auto-análise e se aprofunde cada vez mais, conforme vá ampliando sua experiência no tratamento dos doentes.” (pág. 1.566, trad. livre) Para Freud, neste momento, os sentimentos surgidos no analista a partir dos sentimentos transferenciais de seu paciente, seus sentimentos contratransferenciais, deveriam ser sobrepujados em sua própria análise. Posteriormente, Freud afirma em seu artigo “O inconsciente”, de 1915: “É muito singular e digno de atenção o feito de que o sistema Inc. de um indivíduo possa relacionar-se ao de outro, eludindo absolutamente o sistema Cc. Este feito merece ser objeto de uma penetrante investigação, encaminhada precisamente a comprovar se a atividade pré-consciente fica excluída em tal processo; mas de qualquer forma, descritivamente o feito é irrebatível.” (pág. 2.077, trad. livre) Assim, se por um lado Freud considera a existência da contratransferência um empecilho a ser vencido na relação analítica, ele também dá margem, a partir das considerações sobre as formas de comunicação inconsciente, a toda a teoria da contratransferência que se desenvolveu posteriormente. Ferenczi, ainda nesta década (1919), defende que tudo o que se passa do lado do analista pode ser considerado contratransferência, e não apenas seus pontos cegos. Ele chegou a desenvolver a técnica de análise mútua (1932), onde o analista trocaria de papel com o paciente. Depois de realizar algumas experiências, abandonou a técnica. Klein usa o termo raríssimas vezes e, como Freud, considera que a contratransferência indica aspectos não analisados do analista. Por sua vez, Klein (1946) introduziu o conceito de identificação projetiva, a ser discutido à frente.
  • 29. 29 Em 1950 Paula Heiman publicou um artigo que se tornou um marco na história da psicanálise, e o motivo de seu rompimento com Melanie Klein. Este se chama “Sobre a contratransferência”, onde afirma: “Minha tese é de que a resposta emocional do analista ao paciente na situação analítica representa uma das ferramentas mais importantes para seu trabalho. A contratransferência do analista constitui um instrumento de pesquisa do inconsciente do paciente.” (pág. 105) O que justifica esta afirmação é a premissa básica de que o inconsciente do analista entenderia o inconsciente do paciente. Para ela, todos os sentimentos do analista na relação analítica devem ser considerados para sua interpretações. Este artigo se tornou um clássico na teoria da contratransferência. Na época foi muito polêmico, e mesmo hoje levanta questões sobre o uso dos sentimentos contratransferenciais na análise. 5 A Contratransferência na Psicose É possível pensar que as características peculiares da transferência psicótica estabeleçam uma relação peculiar, um tipo de contratransferência específica no trabalho com psicóticos. A “concretude” da transferência psicótica poderia exigir uma resposta contratransferencial da mesma natureza? E que não apenas o analista, mas também outras pessoas que tivessem um contato próximo com psicóticos, poderiam viver este tipo de experiência? Meltzer (apud Fédida, 1988) descreve a transferência psicótica como sendo adesiva e a relaciona à contratransferência. Segundo ele: “A transferência ‘colante’ na qual é o analista, mais do que o processo e os objetos internos, que é sentido como sendo único, manifesta-se através de uma enorme pressão sobre a contratransferência do analista.”(pág. 77)
  • 30. 30 Assim, a transferência psicótica possui, segundo Meltzer, uma relação muito próxima à contratransferência. Winnicott (1947), sobre este fenômeno, escreve: “Pacientes insanos representam sempre um pesado fardo emocional para os que cuidam deles.” (pág. 341). Esse “fardo emocional” a que se refere Winnicott poderia ser observado a partir das manifestações contratransferenciais em uma relação analítica. Em suas palavras: “Na análise (análise de pesquisa) ou no manejo comum do tipo mais psicótico de paciente, uma grande pressão é exercida sobre o analista (psiquiatra, enfermeira) e é importante que estudemos as maneiras através das quais a ansiedade de qualidade psicótica, assim como o ódio, são produzidos naqueles que trabalham com pacientes psiquiátricos seriamente doentes. Somente desta maneira pode haver qualquer esperança de se evitar a terapia que se adapta às necessidades do terapeuta em vez de se adaptar às necessidades do paciente.” (pág. 353) Também Winnicott considera a existência de uma forma de “pressão” sentida pelo analista a partir da transferência, mas ele abre a possibilidade de este tipo de transferência ocorrer em outras relações _ ”psiquiatras, enfermeiras” _ o que poderia ser pensado para o acompanhante terapêutico. Neste artigo de 1947, “O ódio na contratransferência”, Winnicott distingue três diferentes possibilidades de aspectos presentes na relação analítica que podem estar sendo chamados de contratransferência: 1. as identificações reprimidas do analista que se atualizam na relação com um paciente, o que indicaria falta de análise do analista; 2. as identificações do analista que fazem parte de sua experiência pessoal e possibilitariam a relação analítica e 3. a “verdadeira e objetiva contratransferência”, ou seja, a partir da personalidade e dos comportamentos “reais” do paciente, a reação de amor e ódio do analista baseado em sua observação “objetiva”.
  • 31. 31 Haveria, segundo Winnicott, a possibilidade de uma contratransferência “objetiva”. No entanto, ele restringe o uso da contratransferência na relação analítica apenas para o caso da análise de psicóticos e antissociais (1947, 1960). Segundo ele, a contratransferência em uma relação analítica com um paciente neurótico perturbaria a objetividade do analista. Em 1960 ele escreve: “(...) o significado da palavra contratransferência só pode ser o de aspectos neuróticos que estragam a atitude profissional e perturbam o curso do processo analítico determinado pelo paciente.” ( pág. 148) Em 1947 ele já escrevia o seguinte a respeito da importância da contratransferência na análise de pacientes psicóticos: “Sugiro que se um analista quer analisar psicóticos ou antissociais, ele deve conseguir ter uma consciência tão completa da contratransferência que seja capaz de isolar e estudar suas reações objetivas ao paciente. Estes incluindo ódio. Os fenômenos da contratransferência, às vezes, serão as coisas mais importantes da análise.” (pág. 342) Assim, o entendimento da contratransferência é fundamental quando se refere a este tipo específico de relação analítica. Inclusive porque, segundo Winnicott (1947), é preciso estar consciente das reações contratransferenciais para que elas permaneçam latentes e não sejam atuadas. Winnicott (1960) escreve que pacientes psicóticos ou borderline precisam de um movimento de regressão muito intenso e que seria este movimento na direção da fusão que provocaria a contratransferência da forma em que ela se dá neste tipo de relação analítica. Segundo ele: “O psicótico borderline atravessa gradativamente as barreiras que denominei de técnica do analista e atitude profissional e força um relacionamento direto de tipo primitivo, chegando até o limite da fusão.” (pág. 150)
  • 32. 32 Esta possibilidade de uma resposta total exige uma grande disponibilidade do analista na relação analítica. Winnicott descreve a possibilidade de um “uso” primitivo do analista pelo paciente em seu artigo “O uso de um objeto” (1971). Neste artigo, ele afirma que este uso só é possível quando o analista consegue tolerar que o paciente se relacione com ele de maneira que pertencem a estágios muito iniciais da vida. Nessa experiência, a busca inconsciente do paciente é a de encontrar um objeto que possa sobreviver a ser ‘destruído’, e nesta relação é fundamental que o analista/objeto sobreviva à destruição. Esta vivência pode exercer grande pressão sobre o analista e ele só deveria entrar neste tipo de relação na medida em que se sentisse “seguro” de poder suportar as pressões contratransferenciais existentes em consequência desta relação primitiva. Winnicott propõe que haveria no analista um ego observador que escaparia à contratransferência, e que permaneceria “sadio”. Sobre a regressão do analista, Money-Kyrle (1956) também descreve uma identificação temporária do analista com seu paciente. Segundo ele, esta identificação só seria possível em função do analista reconhecer no seu paciente partes de seu self arcaico já analisado. Segundo Rocha (1994), Bion mudou de posição com relação ao uso da contratransferência. Em 1955, no artigo “A linguagem e o esquizofrênico”, Bion possui uma posição favorável ao uso da contratransferência. Segundo ele: “O analista que ensaia, em nosso atual estado de ignorância, o tratamento de tais pacientes, deve estar preparado para descobrir que, em uma considerável extensão do tempo analítico, a única evidência em que uma interpretação pode basear-se é a que se propicia através da contratransferência.” (Bion apud Rocha 1994, pág. 121) Em 1962 Bion não se utiliza mais da contratransferência, apesar de estar atento às sensações e sentimentos do analista a fim de interpretar a identificação projetiva, conceito que será retomado adiante. Segundo Bion (1962):
  • 33. 33 “A teoria das contratransferências apenas oferece explicação satisfatória pela metade, por voltar-se para a manifestação como sintoma das motivações inconscientes do analista, deixando pois por explicar a psicopatologia do paciente.” (pág. 46) Na revisão de uma série de artigos que foram publicados com o nome “Estudos psicanalíticos revisados”, Bion, segundo Rocha (1994), haveria suprimido diversas referências à contratransferência. Ele teria passado a utilizar o termo, assim como Freud e Klein, referindo-se aos sentimentos patológicos inconscientes do analista, o que indicaria necessidade de mais análise por parte do analista. Rosenfeld, autor que possui muitos pontos de concordância com Bion, diverge quanto à questão da contratransferência. Ele utiliza o conceito de contratransferência em sua teoria. Em 1952, Rosenfeld defende o uso da contratransferência como “aparelho receptor sensível” do analista. Em trabalho bastante posterior, Rosenfeld (1987) escreve sobre a existência e o uso da contratransferência: “Concordo, naturalmente, com muitos outros analistas em que nossa contratransferência é um aspecto muito importante do nosso trabalho. Ajuda-nos consideravelmente a entender a diferença entre o que o paciente nos diz e o que nos vem à mente. Usamos nossa contratransferência para captar o significado mais oculto do que está sendo expresso pelo paciente e para ter consciência daquilo que diz. Esse é um aspecto muito importante de nossa tentativa de descobrir a verdade psíquica.” (pág. 308) Rosenfeld, além de escrever sobre a importância da contratransferência, também defende que em um processo analítico o analista deve ter consciência de seus sentimentos para que não corra o risco de aceitar o lugar na transferência atuando contratransferencialmente. Segundo Rosenfeld (1987), caberia ao analista sustentar o papel atribuído a ele pelo paciente, aceitar seu
  • 34. 34 lugar na transferência do outro sem, no entanto, atuar (acting out) este papel. Caso isto ocorra, a relação analítica seria levada a um impasse. Segundo Rosenfeld (1987): “Às vezes é muito difícil conter as projeções do paciente, principalmente se o analista ou o paciente ficar muito perturbado com o processo (...). Para lidar com a situação é fundamental que o analista esclareça para si mesmo o que sente a respeito do paciente. Então pode elaborar os problemas por si mesmo.” (pág. 253) Rosenfeld destaca os momentos em que as projeções do paciente podem ser difíceis de serem contidas pelo analista, o qual deve estar atento para sua contratransferência. Em algumas situações Rosenfeld (1987) considera que a contratransferência pode ser a melhor forma de se entender a transferência existente. Segundo ele: “(...) o analista precisará observar muito atentamente seus próprios sentimentos e reações, porque em situações de forte identificação projetiva essa pode ser a principal pista que ele tem a respeito da relação transferencial psicótica.” (pág. 204) Já citada por Bion e Rosenfeld, a identificação projetiva é um conceito que possibilita um novo pensamento sobre o que se passa na relação analítica com um indivíduo psicótico. Afinal, o que é identificação projetiva e quais suas características? 6 A Identificação Projetiva Klein em seu artigo “Notas sobre alguns mecanismos esquizoides”, de 1946, define pela primeira vez identificação projetiva. Segundo ela: “A investida fantasiada contra a mãe segue duas linhas principais: uma é o impulso predominantemente oral para sugar, morder, esvaziar de todo conteúdo bom. (...) A outra linha de ataque se deriva dos impulsos anais e
  • 35. 35 uretrais e implica a evacuação de substâncias venenosas (excrementos), que são expelidos do eu e introduzidos na mãe. Em conjunto com esses excrementos nocivos, expelidos com ódio, as partes destacadas do ego também são projetadas ou, como prefiro dizer, para dentro da mãe. Esses excrementos e partes más do eu têm o intuito não só de causar dano, mas também de controlar e tomar posse do objeto. Na medida em que a mãe passa a conter as partes más do eu, ela não é sentida como um indivíduo separado, mas como o eu mau. Muito do ódio contra algumas partes do eu é agora dirigido para a mãe. Isso conduz a uma forma particular de identificação que estabelece o protótipo de uma relação objetal agressiva. Sugiro para esses processos a expressão ‘identificação projetiva’.” (pág. 322) Ou seja, a identificação projetiva é uma fantasia na qual as partes consideradas más do ego do bebê seriam destacadas e projetadas para “dentro” da mãe, a qual passaria a conter as partes más do eu, não sendo mais sentida como um indivíduo separado do bebê, mas como perseguidora, como o eu mau. Também as partes boas podem ser projetadas, o que levaria a um fortalecimento do ego e a boas relações de objeto. Segundo Klein, a identificação projetiva não é um problema em si. O que caracteriza a patologia é o grau em que este mecanismo de defesa é utilizado. Na psicose há um uso excessivo da identificação projetiva, onde as partes más do eu são projetadas criando uma forma de relação objetal agressiva. A partir de Klein, diversos autores passaram a utilizar este conceito. Bion (1952, 1957, 1959) escreve sobre a identificação projetiva e descreve sua capacidade de despertar emoções no analista, o que caracterizaria tanto aspectos defensivos quanto comunicativos da identificação projetiva. Ele enfatiza a identificação projetiva como uma forma de comunicação. Segundo Bion (1959), a projeção na identificação projetiva se dá de tal forma que leva o analista a vivenciar os sentimentos projetados, e este se sente pressionado a atuar estes sentimentos. Seria uma característica da parte psicótica da personalidade e atuaria muitas vezes como um ataque aos elos de ligação.
  • 36. 36 A definição dada por Bion (1957) para identificação projetiva é que se trata de um mecanismo onde “(...) o paciente excinde uma parte da sua personalidade e projeta para dentro de um objeto onde se instala, por vezes como um perseguidor, deixando correspondentemente empobrecida a psique da qual foi excindida.” (pág. 70) Sobre a função da identificação projetiva, Bion (1959) escreve: “A identificação projetiva lhe possibilita (ao paciente) investigar seus próprios sentimentos dentro de uma personalidade forte o suficiente para contê-los.” (pág. 106) O analista tem a função de ser o continente destes sentimentos projetados pelo paciente. Estes são projetados por serem insuportáveis e podem ser considerados, por serem muitas vezes violentos, como um ataque “(...) à paz de espírito do analista e, originalmente, da mãe.” (Bion 1959, pág. 105) Ele considera este um conceito fundamental na clínica da psicose. Sobre a importância clínica deste conceito, Bion (1956) escreve: “A experiência clínica com essas teorias convenceu-me, na prática, de que o tratamento da personalidade psicótica não terá êxito a menos que se elaborem não só os ataques destrutivos do paciente contra seu ego, mas também o fato de ele substituir a repressão e a introjeção pela identificação projetiva. E mais, admito que mesmo em se tratando de neuróticos graves existe uma personalidade psicótica que tem de ser trabalhada, de modo análogo, para que se obtenha êxito.” (pág. 54) Assim, este é um mecanismo pertencente à parte psicótica da personalidade e pode estar presente em neuróticos graves. Bion correlaciona o uso da identificação projetiva com a incapacidade de vivenciar a frustração por parte do paciente. Segundo ele (1962), “O impulso do paciente a subtrair a fantasia onipotente de identificação projetiva à realidade, diretamente se vincula à sua incapacidade para tolerar a frustração.” (pág. 55)
  • 37. 37 Posteriormente, ele questiona a identificação projetiva como uma fantasia onipotente, no sentido em que ela efetivamente provocaria sentimentos no analista e, portanto, deixaria de ser somente uma fantasia. Segundo Bion (1973): “A teoria de Melanie Klein é que os pacientes têm uma fantasia onipotente, e o modo de verbalizar essa fantasia é que o paciente se sente capaz de expelir certos sentimentos desagradáveis e indesejáveis e colocá-los no analista. Não tenho certeza, pela prática da análise, que se trate apenas de uma fantasia onipotente; ou seja, de algo que o paciente, de fato, não pode fazer. Tenho certeza e que é assim como a teoria deveria ser usada - o modo correto de usar a teoria correta. Mas acho que a teoria correta e a formulação correta não acontecem no consultório. Tenho sentido, e também assim alguns dos meus colegas, que quando o paciente parece estar vivenciando uma identificação projetiva ele pode me fazer sentir perseguido, como se pudesse, na verdade, expelir certos sentimentos maus e empurrá-los para dentro de mim, de modo que, na realidade, eu experimento sentimentos de perseguição e ansiedade. Se isto está correto, ainda é possível sustentar a teoria de uma fantasia onipotente, mas, ao mesmo tempo poderíamos pensar na possibilidade de alguma outra teoria que explicasse aquilo que o paciente faz ao analista, que o leva a sentir-se assim, ou qual o problema do analista, que assim se sente.” (pág. 133/134) Assim, Bion considera a possibilidade de se pensar outra teoria que pudesse explicar o fato do analista sentir o que é projetado pelo paciente, o que tornaria esta fantasia onipotente do paciente algo mais que fantasia. Rosenfeld (1971) também considera fundamental o entendimento da identificação projetiva ao tratar a parte psicótica da personalidade do paciente, e escreve sobre as várias formas de uso da identificação projetiva. Segundo ele, esta pode ser utilizada como forma de comunicação, como foi descrito por Bion. A continência destas experiências pelo analista altera a qualidade assustadora e insuportável dessas experiências. Rosenfeld considera fundamental que o analista seja capaz de colocar em palavras estas experiências através das interpretações, o que possibilitaria ao paciente tolerar e pensar sobre estas experiências que antes eram assustadoras e sem sentido
  • 38. 38 Além de ser uma forma de comunicação, a identificação projetiva também pode ser usada como uma forma de “evacuação”, quando o paciente procura negar sua realidade psíquica, e como forma de controle do analista, onde a partir de uma crença onipotente, o paciente acredita ter se forçado para dentro do analista, o qual neste momento é percebido como tendo enlouquecido. Neste momento é frequente o perigo de desintegração do paciente. Sobre esta situação Rosenfeld (1971) observa: “É a excessiva identificação projetiva no processo psicótico que oblitera a diferença entre self e objetos, que causa confusão entre realidade e fantasia e uma regressão ao pensamento concreto devido à perda da capacidade de simbolização e de pensamento simbólico.” (pág. 130) Segundo Rosenfeld (1971, 1987), estes três tipos de identificação projetiva podem existir de forma simultânea ou alternada no mesmo paciente. Para o autor, a identificação projetiva não é idêntica à simbiose. Isto porque, para que haja identificação projetiva é necessário que tenha havido alguma diferenciação entre “eu” e “não eu”, o que não ocorre na simbiose. Rosenfeld (1987) correlaciona a contratransferência à identificação projetiva. Sentimentos muito fortes do paciente podem ser transmitidos ao analista através da identificação projetiva, e isto pode causar dificuldades na contratransferência, tornando difícil o trabalho do analista e um impasse na relação analítica. O primeiro ponto descrito é o risco do rompimento da comunicação verbal entre paciente e analista. Segundo Rosenfeld (1987): “Ao investigar tais situações, observei que a identificação projetiva onipotente interfere na capacidade de pensamento verbal e abstrato para produzir uma concretude dos processos mentais, o que acarreta confusão entre realidade e fantasia.“ (pág. 195)
  • 39. 39 Ainda segundo Rosenfeld (1987): “O analista nessa situação pode ter a nítida experiência, em sua contratransferência, de que não é bom e não tem nada de valor a dar para o paciente. Até mesmo sintomas físicos podem ser experimentados pelo analista com tais pacientes, porque as expulsões do paciente podem ser concretas; ele pode sentir náuseas, assim como o paciente pode realmente vomitar.“ (pág. 196) Sobre a situação em que a identificação projetiva é utilizada como forma de defesa contra a realidade psíquica, escreve Rosenfeld (1987): “O fato de a identificação projetiva poder ser usada para evacuar e negar a realidade psíquica tem de ser reconhecido juntamente com o fato de que, quando o paciente está tentando lançar o conteúdo mental insuportável para dentro do analista, ele também está forçando a compartilhar as experiências desagradáveis.(...) Tal comportamento por parte do paciente é frequentemente entendido de forma equivocada e interpretado por alguns terapeutas como totalmente agressivo.” (pág. 199) Rosenfeld (1987) alerta que em uma situação de identificação projetiva muito intensa, o analista pode não se dar conta dos problemas do paciente até o momento em que se sente “esmagado“ por eles. Ele sugere que a projeção recebida pelo analista “espelha” com exatidão os sentimentos do paciente, e portanto, que o entendimento da reação contratransferencial do analista é um meio “fundamental” de compreensão das comunicações de pacientes psicóticos via identificação projetiva. Segundo Rosenfeld (1987): “Emoções muito violentas de amor e ódio, sentimentos confusionais agudos e estados mentais gravemente desintegrados podem ser transmitidos por meio de formas primitivas de identificação projetiva, que às vezes não são registradas de modo facilmente compreensível pelo analista. Quando as emoções são particularmente violentas, o analista pode sentir-se esmagado e ser incapaz de funcionar como continente. Em tais momentos, o paciente comunica-se não-verbalmente por uma força hipnótica primitiva. O analista pode, então, apresentar reações contratransferenciais defensivas, talvez se sentindo irritado. É possível
  • 40. 40 que somente mais tarde ele perceba que o que está sentindo é desespero e depressão ligados a uma sensação de fracasso.“ (pág. 277) É essencial que as ansiedades expressas pelo paciente na forma de identificação projetiva sejam “reconciliadas” na mente do analista, inicialmente sentindo o que foi projetado e identificando para si o que foi projetado. 7 As sensações provocadas pela identificação projetiva As descrições existentes sobre as sensações vividas pelo analista na situação analítica de psicóticos são muitas. Rosenfeld (1987) descreve alguns dos efeitos do processo de identificação projetiva no analista: “A experiência frequentemente produz um forte efeito físico no analista e provoca sonolência ou mal-estar físico. Pode causar grandes dificuldades para a capacidade de pensar ou se concentrar. É como se algo tivesse sido projetado para dentro do analista de modo real e concreto.” (pág. 193) E continua: “A identificação projetiva pode abranger a transformação do self e do objeto, acarretando confusão, despersonalização, vazio, fraqueza e vulnerabilidade à influência, a qual pode chegar a ponto de o indivíduo ser hipnotizado ou até mesmo levado a dormir.(...) Contudo, quando o analista adquire experiência na compreensão da maneira como o paciente psicótico se comunica, está claro que a esmagadora influência da identificação projetiva diminui.” (pág. 204) Rosenfeld (1987) ainda cita os riscos para a personalidade do analista, pois a relação com a parte psicótica da personalidade do outro estimula “inevitavelmente” os sentimentos de impotência e de onipotência no analista. Além disso, ele se refere ao medo mais frequente ao se tratar de psicóticos, que seria o medo de enlouquecer. Segundo ele: “O paciente psicótico projeta, com frequência, seus sentimentos e problemas de modo bastante violento, e qualquer analista que tenha medo
  • 41. 41 desse contato com seu paciente pode ficar também seriamente perturbado, ao tentar tratar de psicóticos. O medo mais frequente, embora muitas vezes inconsciente, é o de ser levado à loucura pelo paciente.” (pág. 51) É bastante curioso como as referências são frequentemente ligadas ao corpo do analista. Não é uma experiência apenas mental, mas também corporal. Rosenfeld (1987) descreve o relato de uma supervisionanda sua sobre sua reação à identificação projetiva da paciente: “Decidi durante a sessão que a deixaria ir, já que ela não conseguia ouvir o que eu estava dizendo. Depois que ela se foi, senti uma dor atroz e tive a impressão de que não conseguiria suportá- la.” (pág. 237) Neste caso, é difícil a distinção entre a realidade e a fantasia tanto para o analista quanto para o paciente, porque envolve o corpo. A analista sente em seu corpo a dor que “seria” da paciente, sem que esta estivesse presente no momento. A análise que Rosenfeld (1987) faz da situação: “(...) creio que, quando esta (a crise da paciente) ocorreu de fato, de início esmagou-a completamente (a analista), deixando-a com a incrível dor que Claire (paciente) havia projetado para dentro dela.” (pág. 238) Esta experiência é bastante confusa, na medida em que parece que há uma mistura entre as projeções do paciente e os sentimentos e o corpo do analista. Há autores que se referem especialmente à influência do paciente sobre o corpo do analista. Fédida (1988) descreve esta influência da seguinte forma: “(...) somos extremamente sensíveis ao poder das palavras e dos gestos: nosso próprio corpo se torna uma cena importante sobre a qual se representam as fantasias mais violentas do inconsciente do paciente.” (pág. 31)
  • 42. 42 Para Fédida, permanecer no corpo seria engano. É necessário que isto seja transformado em palavra, para assim ser passível de representação, tanto para o analista quanto para o paciente. Ainda sobre o aspecto do corpo, Melanie Klein, em 1946, descreve a concretude física das fantasias inconscientes e que as projeções se dariam direcionadas a uma parte específica do corpo do receptor, do analista. É possível pensar que é esta concretude corporal, esta sensação de envolver o corpo do analista, que caracteriza a transferência “concreta” existente na psicose, sendo este o “pesado fardo emocional” a que se refere Winnicott em 1947. Estas descrições das sensações vividas por analistas serão úteis ao serem comparadas às sensações dos acompanhantes terapêuticos de psicóticos. 8 O sinistro na contratransferência vivido a partir da identificação projetiva Haver encontrado estas referências sobre a identificação projetiva me trouxeram a sensação de haver achado meus pares. Ali estava a resposta que buscava. Reencontrei minha experiência teorizada. No entanto, a imagem de dois corpos fechados onde um possuía a capacidade, ainda que não intencional, de “colocar” coisas no outro me trazia certa estranheza. E esta sensação associada às descrições de indescritibilidade, de estranhamento das sensações, me fez levantar a hipótese de ser este fenômeno um fenômeno que poderia ter sido descrito por Freud em seu artigo “Unheimlich”, traduzido como “O estranho”, “O sinistro”, ou “Inquietante estranheza”. Freud (1924) escreve o seguinte sobre o fenômeno do sinistro:
  • 43. 43 “(...) o sinistro não seria realmente nada novo, porém algo que sempre foi familiar à vida psíquica e que só se tornou estranho mediante o processo de repressão. E este vínculo com a repressão nos ilumina agora a definição de Schelling, segundo a qual o sinistro seria algo que, devendo haver ficado oculto, se há manifestado.” (pág. 2.498, trad. livre) Segundo Freud, o sinistro não é a experiência do novo, mas do familiar. Aquilo que é vivido com a sensação de estranhamento estava já presente mas reprimido. Sobre a relação do sinistro com a psicose ele afirma: “O caráter sinistro da epilepsia e da demência tem origem idêntica. O profano vê nelas a manifestação de forças que não suspeitava no próximo, mas cuja existência chega a pressentir obscuramente nos cantos recônditos de sua própria personalidade.” (pág. 2.499, trad. livre) Freud parece apontar para uma familiaridade do “profano” com o louco. Haveria algo já vivido, mas reprimido, que remeteria qualquer ser humano à loucura. Ainda sobre o sinistro, ele escreve: “O sinistro nas vivências se dá quando complexos infantis reprimidos são reanimados por uma impressão exterior, ou quando comunicações primitivas superadas parecem achar uma nova confirmação.” (pág. 2.503, trad. livre) É possível realizar um paralelo entre a afirmação de Freud e a de Melanie Klein sobre as ansiedades psicóticas dos bebês. A vivência do sinistro seria marcada pelo retorno de algo primitivo que foi reprimido. É possível pensar que, exatamente por se encontrar reprimido, algo de um estágio muito inicial da pessoa do analista é “despertado” pelo psicótico. Algo que remeta às relações objetais primárias, e que quando o psicótico nos aproxima disso através de sua transferência concreta e corporal, tenhamos manifestações contratransferenciais. A sensação de estranhamento descrita por alguns analistas, algo que ele sente, mas sente que não lhe pertence, pode estar relacionada à proximidade do reprimido.
  • 44. 44 Fédida (1988) escreve sobre a experiência do sinistro na contratransferência. Segundo ele, as teorizações sobre a contratransferência são tentativas de tornar pensável a experiência subjetiva do sinistro decorrente da transferência. Sobre o sinistro na relação com transferências “delirantes” ele escreve: “O sinistro - particularmente perceptível nos casos de transferências delirantes - faz o analista viver não apenas a sensação de ser despossuído de seu próprio eu, não apenas de se ver no seu paciente numa imagem que explicita formações recalcadas, mas o torna prisioneiro de seus pensamentos de onipotência dos quais não pode mais sair.” (pág. 82) Fédida fala aqui sobre os riscos de o analista manter-se na situação, tornar-se prisioneiro da imagem que o outro lhe fornece. Daí a característica de o sinistro destruir temporariamente a capacidade analítica da contratransferência. Fédida (1988) afirma que uma das características ameaçadoras desta vivência na contratransferência é a perda da capacidade do analista de sua mobilidade mental, em especial a perda da linguagem é sentida como uma ameaça. Segundo ele: “A perda da linguagem é certamente o que é vivido como a mais terrível ameaça. Se o analista chega a se ver vendo-se incapaz de mobilidades cinestésicas que lhe são habituais, (...) a angústia contratransferencial é vivida como uma sideração mortífera antes de permitir entender a necessidade do paciente de criar um duplo simbiótico exatamente igual a si.” (pág. 76) A necessidade do paciente é de criar um duplo simbiótico e a do analista de não se deixar aprisionar neste lugar. Fédida (1988) escreve sobre a dificuldade do analista em compreender o que acontece nestes momentos e que a prática clínica deveria ajudar, a descrever melhor o fenômeno do sinistro vivenciado pelo analista no tratamento.
  • 45. 45 9 A Interpretação A partir de uma experiência na contratransferência proveniente de uma identificação projetiva, o analista poderia utilizar isto para interpretar verbalmente? Seria a interpretação uma possibilidade de tornar o fenômeno consciente e assim evitar a situação de impasse de que fala Rosenfeld (1987), onde o analista perderia sua capacidade analítica? Segundo Winnicott (1947), a contratransferência deve ser observada e “guardada”, podendo ser utilizada para uma interpretação em um momento adequado. Posteriormente, Winnicott parece considerar mais importante a questão ambiental da análise do que a interpretação verbal. Em 1971, em seu livro “O brincar e a realidade”, ele propõe a situação de “uso do objeto” onde, a partir da possibilidade de “uso” do analista, o paciente se ligaria ao princípio de realidade. Winnicott formula o seguinte neste artigo: o uso de um objeto é diferente de uma relação de objeto. O analista deveria permitir seu “uso” por pacientes “fronteiriços”, e isto consistiria em “O analista (...) precisa relacionar-se à capacidade do paciente de colocar o analista fora da área dos fenômenos subjetivos.” (pág. 122) Ou seja, permitir ser usado é poder ser “destruído” pelo paciente. Destruição nesta teoria está intimamente ligada à possibilidade de criação. É fundamental para o paciente que o objeto seja destruído e possa sobreviver, pois isto permite que o paciente se dê conta de sua não onipotência, que seu desejo de destruição não possui este poder sobre o mundo. Este é um dado de realidade capaz de transformar a realidade psíquica porque existe a transferência sobre o objeto, o analista, o qual inicialmente se confunde com as projeções do paciente. O princípio de realidade pode ser alcançado a partir da destruição das projeções para que o analista se torne externo à própria transferência e adquira vida própria. Poder sustentar este lugar na transferência,
  • 46. 46 e não sucumbir atuando contratransferencialmente, por exemplo, é ser analista. É a sobrevivência do analista aos ataques que está em jogo, e é fundamental que isto ocorra para que se dê alguma melhora para o paciente. A destruição “real” do analista, quer por uma ausência concreta ou por uma não permeabilidade deste a esta transferência, apenas confirmaria o trauma inicial. Neste momento da teoria a capacidade do objeto de sobreviver, representado pela figura do analista, é muito mais importante do que a interpretação. A partir do texto de Winnicott (1971) sobre o uso do objeto é possível pensar que se encontramos no acompanhante terapêutico um tipo de ataque/comunicação semelhante ao descrito na psicanálise, o que, segundo Bion, seriam ataques à percepção e ao pensar através do processo de identificação projetiva, é analítica a sobrevivência do AT aos ataques que sofre. É possível pensar que o trabalho conduzido a partir do princípio da sobrevivência do objeto permite uma conexão do acompanhado com o princípio de realidade. Bion possui uma posição diversa da apresentada por Winnicott. Segundo ele (1957) o analista em uma interpretação devolve para o paciente o que foi projetado e nisto se constitui o trabalho analítico: proporcionar o retorno destas partículas de ego expelidas e que está agregado a elas de volta à personalidade. Segundo Bion (1957): “A identificação projetiva é, assim revertida, e esses objetos são trazidos de volta pela mesma via pela qual foram expelidos.” (pág. 83). O processo de reintrojeção do que foi projetado provocaria, muitas vezes, uma intensa reação por parte do paciente, que sente a entrada do objeto como um “assalto”. Bion também considera, como Winnicott, a necessidade de contensão, por parte do analista, das projeções do paciente, mas a interpretação seria um passo fundamental no tratamento.
  • 47. 47 Rosenfeld (1952) possui uma posição bastante semelhante à de Bion. Ele também considera a interpretação um aspecto fundamental na relação analítica com psicóticos. Segundo ele (1971): “(a) interpretação verbal dos processos de identificação projetiva quando estes aparecem na transferência, o que considero como sendo de importância central na elaboração dos processos psicóticos na situação transferencial.” (pág. 127) Para Rosenfeld (1987), as “experiências inquietantes” que são criadas pelo paciente no analista, desaparecem na medida em que o analista consiga compreender o que se passa. As projeções devem ser verbalizadas pelo analista, para si mesmo, o mais rápido possível, ou ele não entenderá o que se passa com o paciente e não poderá interpretar. Rosenfeld (1987) também afirma que há pacientes que vivenciam a interpretação verbal como uma separação do analista, o que pode ser vivido como uma rejeição ao desejo de unidade não verbal. Nesses casos, a interpretação verbal poderia ser prejudicial. No entanto, quando o analista consegue transmitir o que o paciente sente e precisa, este pode receber a interpretação como uma forma de acolhimento e contenção. Para isto, é importante que o analista tenha a capacidade de usar seus próprios sentimentos para compreender a comunicação não verbal de seus pacientes. O caminho apresentado por Rosenfeld é, a partir da identificação projetiva, perceber como esta se manifesta na contratransferência, nomeá-la para si, e então elaborar uma interpretação que devolva ao paciente o que ele havia colocado fora.
  • 48. 48 METODOLOGIA Para a realização deste trabalho, a metodologia utilizada foi entrevista semi dirigida. Os sujeitos entrevistados são acompanhantes terapêuticos, M e H, que realizam trabalhos com psicóticos. A partir destas duas entrevistas, uma foi escolhida, a de H, para que fosse realizado um estudo de caso aprofundado. I Sujeitos de pesquisa Para que o sujeito entrevistado pudesse servir como sujeito de pesquisa, considerei ser necessário que o AT desse importância à questão do vínculo no tratamento. Isto porque há correntes teóricas que valorizam o distanciamento e a aplicação de procedimentos comportamentais na relação com os pacientes. Como eu buscava investigar, não apenas as reações emocionais do acompanhante à relação de acompanhamento, pois talvez isto independa da linha teórica seguida, mas também, como estas mesmas reações poderiam ser convertidas em tratamento, achei que seria importante que o AT entrevistado estivesse atento às mobilizações afetivas que pudessem haver ocorrido durante seus acompanhamentos. Foram realizadas duas entrevistas onde a questão inicial foi relativa ao que este sujeito acreditava ser o que tratava no seu trabalho como acompanhante. Isto, para investigar a importância dada à questão do vínculo. Ambos os sujeitos entrevistados deram grande importância ao fator relacional no tratamento. A entrevista escolhida para ser analisada, o foi em decorrência de H possuir experiência como acompanhante terapêutico de psicóticos e como analista de pacientes psicóticos em seu consultório. Isto possibilitou que ele relatasse sua percepção das diferenças e semelhanças entre os dois trabalhos. Na medida em que este é um dos aspectos que esta pesquisa busca enfocar, o fato de H também ser analista se tornou um fator determinante na escolha da entrevista.
  • 49. 49 H é acompanhante terapêutico há seis anos e trabalha tanto com pacientes psicóticos quanto com deficientes mentais. II Entrevista Não havia questões elaboradas antes da entrevista, mas tópicos a serem abordados. No decorrer da entrevista as questões foram formuladas a fim de investigar os tópicos considerados relevantes. A entrevista foi gravada e posteriormente transcrita. Os pontos investigados podem ser divididos da seguinte forma: 1. O que caracteriza o trabalho do acompanhante terapêutico de psicóticos? 2. O acompanhante já notou alterações do pensamento, do sentimento ou teve sensações corporais incomuns no decorrer de algum acompanhamento realizado com um psicótico? 3. Caso tenha havido alguma percepção particular, como isto foi entendido? 4. O que pôde ser feito a partir desta percepção? Esta pesquisa visa descrever e analisar a partir de um ponto de vista psicanalítico as alterações emocionais de acompanhantes terapêuticos, que trabalham com pacientes psicóticos. III Metodologia de análise e discussão da entrevista A análise e a discussão da entrevista foram realizadas simultaneamente. Isto porque não havia sentido em separar os dados fornecidos por H, da tentativa de correlacioná-los com a teoria da psicanálise, apresentada no item “Aspectos teóricos”.
  • 50. 50 A análise e discussão da entrevista está dividida em quatro partes. Cada parte visa enfocar um diferente aspecto do acompanhamento terapêutico, abordado por H. A primeira parte, “O trabalho do AT”, se refere à forma como H pensa este trabalho. O que o faz pensar que esta forma de tratamento seja eficaz no tratamento da psicose. A segunda parte, “O que sente o AT?”, se refere às sensações “estranhas” vividas no trabalho como AT por H: Elas existem? Como são descritas estas vivências? A terceira parte, “Hipóteses sobre o sentir: particularidades do acompanhamento terapêutico”, é a formulação de hipóteses sobre fatores que poderiam favorecer o surgimento das sensações de “estranhamento” descritas por H. As hipóteses foram divididas em cinco grupos: a intimidade: o espaço e o corpo; a relação da dupla com o social; duração: tempo e temporalidade; o lugar do AT e a dificuldade em nomear. A quarta parte, “O que fazer com ‘isso’?”, descreve e discute o que é possível ser feito a partir destes sentimentos, descritos por H, no acompanhamento terapêutico. Ao final do trabalho, na conclusão, busca-se correlacionar os dados encontrados na análise com a questão que originou a pesquisa. Na conclusão também são levantadas questões para novas possíveis investigações dentro do campo do acompanhamento terapêutico.