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azer o aluno conhecer
a liberdade, tornando-se
apto a se construir criti-
ca e responsavelmente: foi este
o noble objetivo ao qual Paulo
Freire se dedicou durante toda
a vida. Mas como altar um voo
tio alto num mundo onde, cada
vez mais, "a pedagogia domi-
nante 6 a pedagogia da classe
dominante"?
Pedagogia do oprimido, obra
que figura entre as principais de
suavasta bibliografia, 6 uma das
respostasmais relevantes a essa
pergunta. Aqui, consciente da si-
tuagao em que se encontram os
oprimidos do Brasil e da Ame-
rica Latina, Paulo nos oferece
uma anilise penetrante do fun-
cionamento de nossasclassesso-
ciais e indica os caminhos para
uma pedagogia eficiente, capaz
de suscitar, nos educandos, o
dialogo e o saberdesi.
Nio 6 preciso muito para que
aamplitudedopensamentodesta
obra serevele: do conte6do pro-
gramitico is estruturas opres-
sorasda sociedade,asreflex6es
Reirianas se debrugam sobre
todososfatoresqueinfluenciam
PEDAGOGIADO
OPRIMIDO
Copyright C)Herdciros Paulo Freire
Dircitos dc cdigaoda obra em lingua pormgucsaadquiridos pda
EoiTOKApxz ETzKXA.Todos osdircitos reservados.Ncnhuma parte
dcstaobra pods ser apropriada c cstocadacm sisremadc banco dc
dados ou proccssosimilar, em qualqucr forma ou mao, ucla clctr6-
nico, dc fotoc6pia,gravagio ctc., scm apermissio do dctentor do
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mdireto@record.com.for ou(21) 2585-2002
Texto Kvisto pesonovo Acordo Onografico daLingua PomJguesa
indicesparacatflogo sistemitico
1. Frcirc,Paulo : Pcdagogiado oprimido:
Educagio370.1
Impressono Brasil
2014
r' CIPBRASIL.CATALOGAQAONAFONTEI
SINDICATONACIONALDOSEDITORESDE LIVROS.N
Frcire. Paulo, 1921-1997 1
Pcdagogiado oprimido/ PauloFrcirc.-
58.cd.nv. c amal.-- Rio dcJaneiro:Pazc Terra, 2014.
Bibliografia
ISBN 978 85-7753-164-6
1. Educagio Z. Frcirc, Paulo, 1921-1997.Pedagogia
do oprimido 3. Pedagogia1.Titulo
IJ l-03203 CDD-370'1
Sumfrio
PREFACIO: APRENDERA DIZER A SUAPALAVRA
PROFESSOREIWANI MARIA FION n
PRIMEIRAS PALAVRAS
l Justificativa da pedagogiado oprimido 39
4i
61
67
A contradigio opressores-oprimidos
Suasuperagao
A situag5o concreta de opressio e os
opressores
A situagio concreta de opress5oe os
oprimidos
Ningu&m liberia ningu&m,ningu6m se
libertasozinho:oshomensselibertam
emcomunh5o 71
2;!'FA concepgao "bancfda" da educagio
como instrumento da opressao.Seus
pressupostos,suacritica 79
86
-tA concepgaoproblematizadora e liberta
dora da educagao.Seuspressupostos
A concepgao'bancfl.ia" eacontradigao
educador-educando 87
4 A peoriadaagroantidia16gica i67
Ningu6meducaningu6m,ningu6meduca
a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizadospelomundi 95
A peoria da agro antidia16gica e suas
caracteHsticas:aconquista, dividir para
manter a opressao,amanipulagao ea
invasio cultural i85
zz6
O homem coma um ser inconcluso,
consciente de sua inconclusao, e seu
permanente movimento debusca do
ser?naH
Altboriitla aWaDdia16gKlje suasca-
racteristicas: a co-laboragao, a uniao, a
organizagao e asintese cultural
101
3 A dialogicidade:ess6nciadaeducagao
comopraticadaliberdade i07
Educagao dia16gica e dialogo 110
O didogo comeganabuscado conteQdo
programaticon5
As relag6eshomen$-mundi, os.te04s
geradoreseoconteQdoprogramftico
destaeducagao n9
A investigag5odostemas geradores e
suametodologia l33
A significagaoconscientizadora aa inves
tigagao dos temas geradores.
Os vfrios mementos da investigag5o i38
PREF;ACIO
APRENDER A DIZER A SUA PALAVRA
Paulo FRnREf UMPENSADORcomprometido com avida: nio
pensaideias, pensa a exist6ncia. f tamb&m educador: exis-
tencia seupensamentonuma pedagogiaem que o es6orgo
totalizador da praxis humana busca, na interioridade desta,
retotalizar-se como "prftica da liberdade". Em sociedades
cuja dinimica estrutural conduz a dominagao de consci6n-
cias, "a pedagogia dominance 6 a pedagogia das classes
dominantes".Os m&todosda opressaonio podem, con-
traditoriamente, servir a libertagao do oprimido. Nessas
sociedades, governadas pecos interesses de grupos, classes
e nag6esdominantes,a "educagaocomoprftica daliber-
dade" postula, necessariamente,uma "pedagogiado opri-
mido". Nio pedagogia para ele, mas dele. Os caminhos da
liberagaosio os do oprimido que selibera: ele nio & coisa
que se resgata,& sujeito que se deveautoconfigurarres-
ponsavelmente. A educag5oliberadora & incompativel com
uma pedagogia que, de maneira consciente ou mistificada,
tem side pratica de dominagao.A pratica da liberdade s6
encontrarf adequada expressaonuma pedagogia em quc
o oprimido tenha condig6esde, reflexivamente,descobrir-
se e conquistar-se coma sujeito de sua pr6pria destinag5o
hist6rica. Uma culture tecida com a dramada dominagao,
por mais generosos que sejam os prop6sitos de seus educa-
dores, 6 barrcira cerrada is possibilidades educacionais dos
que se situam nas subculturas dos proletfrios e marginais.
Ao contrario, uma novapedagogiaenraizadana vida des-
sassubculturas,apartir delase com das, serf um continuo
retomar reflexivo de seuspr6prios caminhos de liberagao;
nio serasimples reflexo, senio reflexiva criagaoe recriagao,
um it adiantenessescaminhos:"m6todo", "prftica deliber-
dade" que, por ser tal, este intrinsecamente incapacitada
para o exercicioda dominagao.A pedagogiado oprimido
&,pois, liberadora de ambos, do oprimido e do opressor.
Hegelianamente, diriamos: a verdade do opressor residena
consci6nciado oprimido.
Assim apreendemosa ideia-contede dois livros' em que
Paulo Freire traduz, em forma de IQcidosabersociopeda-
g6gico,suagrande e apaixonanteexperi6nciade educador.
Experi6ncia e saber que se dialetam, densificando-se,alon-
gando-se e dandy, com nitidez cadavez maior, o contorno e
o relevode suaprofunda intuigaocentral: a do educadorde
vocag5o humanista que, ao inventar suast&cnicas pedag6gi-
cas,redescobreatrav6sdegaso processohist6rico em que e
por queseconstituia consci6nciahumana.Ou, aproveitan-
do uma sugestaode Ortega, o processoem que avida coma
biologia passaa servida coma biografia.
Talvez seja esteo sentido mais exato da alfabetizag5o:
aprender a escrevera suavida como autor e como teste-
munha de suahist6ria, into &,biografar-se, existenciar-se,
historicizar-se. Por into, a pedagogiade Paulo Freire, sen-
do m&todode alfabetizagao,tem comaideia animadora
codaa amplitude humana da "educagaocomo pratica da
I Paulo Frcire, Educafdoromoprdticada Zfbnr dc. Rio deJaneiro: Paz e Terra,
1967;e Pe(Zag(Ibiddoopr£mido.Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1967.
liberdade",o que,em regimede dominagao,s6 sepode
produzir e desenvolver na dinfmica de uma "pedagogia
do oprimido '
As t&cnicasdo referido m6todo acabampor ser a es-
tilizagao pedag6gica do processo em que o homem
constituie conquista,historicamente,.suapr6priaforma: a
pedagogia faz-seantropologia. Esta conquista nio sepode
comparar com o crescimento espontaneodos vegetais:
participa da ambiguidade da condigaohumana e dialetiza-
se nas contradig6es da aventura hist6rica, projeta-se na
continua recriagaode um mundo que, aomesmotempo,
obstaculiza e provoca o esforgo de superagaoliberadora
daconsci6nciahumana.A antropologiaacabapor exigir e
comandarumapolitica.
E o que pretendemos insinuar em tr6s relances.Primei-
ro: o movimento interno que unifica oselementosdo m6-
todo eosexcedeem amplitude dehumanismo pedag6gico.
Segundo; essemovimento reproduz e manifesta o processo
hist6rico em que o homem se reconhece.Terceiro: os ru-
mos possiveisdesseprocessos5opossiveisprojetos e, por
conseguinte, a conscientizagao nio &apenasconhecimento
ou reconhecimento,masopgao,decisis, compromisso.
As t6cnicasdo m6todo de alfabetizagaode Paulo Freire,
embora em si valiosas,tomadas isoladamentenio dizem
nadado m6todo. Tamb&mnio seajuntaram ecleticamente
segundo um crit&rio de simples efici6ncia t6cnico-pedag6-
gica. Inventadas ou reinventadas numa s6 diregao de pensa-
mento, resultam da unidade que transparecena linha axial
do m&todo e assinalao sentidoe o alcancedeseuhumanis-
mo: alfabetizar &conscientizar.
12 I PAULOFROM
PEDAGOGIADO OPRIMIDO I I3
Um minima depalavras,com amfxima poliva16nciafo-
n6mica, 6 o ponte de partida para a conquista do univer-
sevocabular.Essaypalavras,oriundas do pr6prio universe
vocabular do alfabetizando,uma vez transfiguradaspda
critica, a ele retornam em agro transformadora do mundi.
Como saem de seu universo e coma a ele voltam?
Uma pesquisapr6via investigao universo daspalavras
faladas,no meir cultural do alfabetizando.Dai sio extrai-
dos os vocfbulos de mais ricas possibilidades fon6micas e de
maior cargasemintica -- os que nio s6 permitem rapids
dominio do universe da palavraescrita como, tamb&m, o
mais eficaz engajamento de quem a pronuncia, com a forma
pragmaticaque instaurae transforma o mundo humana.
Estaspalavrassio chamadasgeradorasporque, atrav6s
da combinagao de seuselementos bfsicos, propiciam a for-
magaode outras.Como palavrasdo universo vocabulardo
alfabetizando,sio significag6esconstituidasou reconstitui-
dasem comportamentosseus,que configuram situag6es
existenciaisou, dentro delas,seconfiguram. Tais significa-
g6essio plasticamente codificadasem quadros, s! des,filmi-
nas etc., representatives das respectivas situag6es, que, da
experi6nciavivida do alfabetizando,passampara o mundo
dosobjetos. O alfabetizandogangadistincia para ver suaex-
peri6ncia: "admiral". Nesse instance, comega adescodificar.
A descodificagao6 anflise e consequente reconstitui-
gao da situag5o vivida: reflexo, reflexio e abertura de
possibilidades concretas de ultrapassagem. Mediada pda
objetivag5o, a imediatez da experi&ncialucidifica-se, inte-
riormente, em reflexio de si mesma e critica animadora de
novos prqetos existenciais.O que antes era fechamento,
pouco a pouco se vai abrindo; a consci6ncia passa a escu-
tar os apelosque a convocam sempre mais a16mde seus
limites: faz-secritica.
Ao objetivar seu mundo, o alfabetizandonele reencon-
tra-secom os outros e nos outtos, companheirosde seu
pequeno "circulo de cultura". Encontram-see reencon-
tram-se todos no mesmo mundo comum e,da coincid6ncia
das inteng6es que o objetivam, ex-surge a comunicagao,
o dialogs que criticiza e promove os participantesdo ck-
culo. Assim, juntos, re-criam criticamente o seu mundi:
o que antes os absorvia, agora podem ver ao rev6s. No
circulo de cultura, a rigor, nio se ensina, aprende-seem
'reciprocidade de consci6ncias"; nio hf professor,ha um
coordenador, que tem por fungao dar asinformag6es soli-
citadas pecosrespectivos participantes e propiciar condig6es
favoriveis a dinimica do grupo, reduzindo ao minimo sua
intervengaodiretano curso do dialogo.
A "codificagao"e a"descodificagao"permitem ao alfabe-
tizando integrar a significagao das respectivas palavras gera-
dorasem seucontexto existencial-- ele a redescobrenum
mundo expressadoem seucomportamento. Conscientizaa
palavra como significagaoque se constitui em suaintengao
significante, coincidente com inteng6esde outros que sig-
nificam o mesmo mundi. Este-- o fundo -- 6 o lugar do
encontro de cada um consign mesmo e os demais.
A essaaltura do processo, a respectiva palavra geradora
pode ser,ela mesma, objetivada como combinagao de lone-
mas suscetiveis de representagao grffica. O alfabetizando ja
sabeque alingua tamb6m 6 cultura, que o homem &sujeito:
dente-sedesafiado a desvelar ossegredos de sua constituigao,
U I PAULOFREIm PEOAGOGIA DO OPRIMIDOI T5
r
a partir da construg5o de suaspalavras-- tamb&m constru-
gio de seu mundi. Para esseefeito, como tamb&m para
a descodificagaodas situag6essignificadaspdas palavras
geradoras,a que nos referimos,6 de particular interessea
etapa preliminar do m&todo, que nio haviamos ainda men-
cionado. Nessa etapa, sio descodificadas pelo grupo vfrias
unidades basicas,codificag6es simples e sugestivas, que, dia-
logicamente descodificadas,vio redescobrindoo homem
como sujeito de dodoo processohist6rico da cultura e, ob-
viamente, tamb6m da cultura letrada.O qtle o homem fda
eescrevee como fda e escreve,judo &expressao objetiva de
seuespirito. Por isto, pode o espirito refazer o feith, neste
redescobrindo o processoque o faz e refaz.
Assim, ao objetivar uma palavra geradora -- integra,
primeiro, e depois decompostaem seuselementos silfbi-
cos--, o alfabetizandoja estemotivado para nio s6 bus-
car o mecanismo de sua recomposigao e da composigao
de novas palavras, mas tamb€1mpara escrever seu pen-
samento.A palavra geradora, ainda que objetivada em
suacondigao de simples vocfbulo escrito, nio pode mais
libertar-se de seu dinamismo semintico e de sua forma
pragmatica, de que o alfabetizandoja sefizera conscience
na repetida descodificagaocritica.
Nio se deixara, pois, aprisionar nos mecanismos de
composigaovocabular.E buscarf novaspalavras,n5o para
colecionf-las na mem6ria, maspara dizer e escrevero seu
mundo, o seupensamento,para contarsuahist6ria. Pensar
o mundi &julga-lo; e a experi6nciadoscirculos de cultura
mostra que o alfabetizando,ao comegar a escreverlivre-
mente, nio copiapalavras,masexpressajuizos. Estes,de
certamaneira,tentam reproduzir o movimento de suapr6-
pria experi6ncia; o alfabetizando, ao dar-lhes forma escrita,
vai assumindo,gradualmente, aconsci6ncia de testemunha
deuma hist6ria de que sesabe3utor. Na medida em que se
apercebe coma testemunha de sua hist6ria, sua consci6ncia
sefaz reflexivamente mais responsaveldessahist6ria.
O m&todo Paulo Freire n5o ensina arepetir palavras,nio
serestringe a desenvolver a capacidade de pensa-las segun-
do asexig6ncias16gicasdo discurso abstrato; simplesmente
coloca o alfabetizando em condig6esde poder re-existenciar
criticamente aspalavrasde seu mundo, para, na oportuni-
dade devida, saber epoder dizer a sua palavra.
Eis por que, em uma cultura letrada, aprendealer e
escrever,masaintengao Qltima com que o fazvai al&mda
alfabetizagao. Atravessa e amma toda a empresa educati-
va, que nio 6 sen5oaprendizagem permanente dessees-
forgo de tota]izagao --jamais acabada-- atrav6sdo qual
o homem tenta abragar-seinteiramente na plenitude de
sua forma. f a pr6pria dial&tica em que se existencia o
homem. Mas, para isto, para assumir responsavelmente
sua missio de homem, ha de aprender a dizer a sua pa-
lavra, pois, com ela, constituia si mesmo e a comunh5o
humana em que seconstitui; instaura o mundi em que
sehumaniza, humanizando-o.
Com a palavra,o homem sefaz homem. Ao dizer a sua
palavra, pols, o homem assume conscientemente sua essen-
cial condigaohumana. E o m&todo que Ihe propicia essa
aprendizagemcomensura-seao homem dodo,e seusprin-
cipios fundam toda pedagogia, desde a alfabetizagao at& os
maisautosniveisdo laboruniversitirio.
I6 I PAULOFROM
PKOXGOCiAD0 0PRiMi00 1 i7
r
A educagao reproduz, assim, em seu plano pr6prio, a es-
trutura dinimica eo movimento dial&tico do processohist6-
rico de produg5o do homem. Para o homem, produzir-se 6
conquistar-se, conquistar sua forma humana. A pedagogia
&antropologia.
Tudo foi resumido por uma mulher simples do povo,
num circulo de cultura, diantede uma situagaorepresen-
tadaem quadro: "Gosto de discutir sabreisto porque viva
assim.Enquanto vivo, por&m, nio vejo. Agora sim, observo
como vivo.
A consci6ncia 6 essamisteriosa e contradit6ria capacida-
de que tem o homem de distanciar-se dascoisas para faze-las
presences,imediatamente presentes. E a presenga que tem
o poder depresentificar: nio &representagao,mas condigao
de apresentagao.f um comportar-se do homem frente ao
meio que o envolve,transformando-oem mundo huma-
no. Absorvido pele meio natural, respondea estimulos; e
o 6xito de suasrespostasmede-sepor suamaior ou menor
adaptagao:naturaliza-se. Despegadode seu meir vital, por
virtude da consci6ncia,enfrenta as coisasobjetivando-as, e
enfrenta-secom das, que deixam de ser simpler estimulos,
para setornarem desafios.O meio envolventenio o fecha,
limita-o -- o que sup6e a consci6ncia do a16m-limite. Por
isto,porqueseproyetaintencionalmentea16mdo limite
que tenta encerra-la, pode aconsci6nciadesprender-sedele,
liberar-see objetivar, transubstanciandoo meir fisico em
mundi humano.
A "hominizagao" nio &adaptagao:o homem nio sena-
turaliza, humaniza o mundo. A "hominizagao" nio & s6
processobio16gico,mastamb6mhist6ria.
A intencionalidadeda consci6nciahumananio morre na
espessurade um envolt6rio sem reverso. Ela tem dimensio
sempremaior do que oshorizontes que a circundam. Per-
passaa16m das coisas que alcanga e, porque as sobrepassa,
podeenfrenti-lascomo objetos.
A objetividade dos objetos & constituida na intenciona-
lidade da consci6ncia,mas, paradoxalmente, esta atinge,
no objetivado, o que ainda nio seobjetivou: o objetimavel.
Portanto, o objeto nio & s6 objeto, 6, ao mesmo tempo,
problema: o que esteem dente, coma obsticulo e interro-
gagao.Na dial&ticaconstituinte da consci6ncia,em que esta
sepedaz na medida em que faz o mundo, a interrogagao
nunca 6pergunta exclusivamente especulativa: no processo
de totalizagao da consci6ncia& sempre provocagaoque a
incita a totalizar-se.O mundo 6 espetfculo, massobretudo
convocagao. E, como a consci6ncia se constitui necessaria-
mente como consci6nciado mundi, ela6, pois, simultinea
e implicadamente,apresentagaoe elaboragaodo mundo.
A intencionalidadetranscendentalda consci6nciaper-
mite-the recuar indefinidamente seushorizontes e, dentro
deles,ultrapassarosmementos e assituag6es,que tentam
ret6-la e enclausurf-la. Liberia pda formade seu impulse
transcendentalizante, pode volver reflexivamente sobretais
situag6ese momentos, parajulga-los ejulgar-se. Por isto 6
capaz de critica. A reflexividade & a raiz da objetivagao. Se
a consci6nciasedistanciado mundo e o objetiva, &porque
suaintencionalidade transcendental a faz reflexiva. Desde
o primeiro momento de sua constituigao,ao objetivar seu
mundo originario, ja 6 virtualmente reflexiva. E presengae
distincia do mundo: a distincia & a condigao da presenga.
I8 I PAULOFAIRE PEDAGOGIADOOPRIMIDOI I9
r
Ao distanciar-sedo mundi, constituindo-se na objetividade,
surpreende-se, ela, em sua subjetividade. Nessa linha do en-
tendimento, reflexio e mundo, subjetividadee objetividade
n5o seseparam:op6em-se,implicando-sedialeticamente.
A verdadeirareflexio critica origina-se e dialetiza-sena in
terioridade da "praxis" constitutivado mundi humano -- &
tamb&m"praxis'
Distanciando-sede seu mundo vivido, problematizando-o,
'descodificando-o"criticamente, no mesmo movimento da
consci6nciao homem seredescobrecomo sujeito instaura-
dor dessemundo de suaexperi6ncia.Testemunhando obje-
tivamente suahist6ria,mesmo a consci6nciaing6nua acaba
por despertarcriticamente, para identificar-secomo perso'
nagem que se ignorava e &chamada a assumir seupaper A
consci6nciado mundi e a consci6nciade si crescemjuntas
e em razio direta;uma &a luz interior da outta, uma com-
prometida com aoutra. Evidencia-seaintrinseca correlagao
entre conquistar-se,fazer-semaid si mesmo, e conquistar o
mundo, faze-lo mais humano. Paulo Freire nio inventou
o homem; apenaspensae pratica um m&todo pedag6gico
queprocura dar aohomem a oportunidade de re-descobrir-se
atrav&sda retomada reflexiva do pr6prio processo em que
vai ele se descobrindo, manifestando e configurando --
'm&tododeconscientizagao'
Mas ningu&m se conscientiza separadamentedos de-
mais. A consci6nciase constitui como consci6nciado
mundi. Se cada consci6nciatjv'==e o seu mundi, as
consci6nciassedesencontrariam em mundos diferentes e
separados-- seriam m6nadas incomuniciveis. As consci6n-
ciasnio se encontramno vazio de si mesmas,pois a
consci6ncia& sempre,radicalmente, consci6nciado mun-
do. Seulugar de encontro necessfrio6 o mundo, que,
se nio for originariamente comum, nio permitira mais
a comunicagao.Cada um teri seuspr6prios caminhos
de entrada nessemundo comum, mas a converg6ncia
dasinteng6es,que o significam, & a condigao de possibi-
lidade dasdiverg6nciasdos que, nele, se comunicam. A
nio ser assim,os caminhos seriam paralelos e intranspo-
niveis.As consci6nciasnio sio comunicantesporque se
comunicam; mas comunicam-seporque comunicantes.A
intersubjetivagao dasconsci6ncias& t5o originaria quanto
sua mundanidade ou sua subjetividade. Radicalizando, po-
deriamos dizer, em linguagem nio mais fenomeno16gica,
que a intersubjetivagao das consci6ncias& a progressiva
conscientizagao,no homem, do "parentescoonto16gico'
dosseresno ser.E o mesmo mist6rio que nosinvadee nos
envolve, encobrindo-se e descobrindo-sena ambiguidade
do nossocorpo consciente.
Na constituigaodaconsci6ncia,mundo econsci6nciase
poemcomo consci6nciado mundi ou mundo consciencee,
ao mesmotempo, seop6em como consci6nciade sie cons-
ci6ncia do mundi. Na intersubjetivagao, as consci6ncias
tamb&m sepoem como consci6nciasde um certo mundo
comum e, nessemundo, seop6em como consci6nciadesi e
consci6nciado outro. Comunicamo-nos na oposig5o,que &
amica via de encontro para consci6nciasque seconstituem
namundanidadeena intersubjetividade.
O mon61ogo,enquanto isolamento, & a negagaodo ho-
mem; 6fechamento da consci6ncia, uma vez que consci6ncia
&abertura. Na solidao, uma consci6ncia, que &consci&ncia do
20 I PAULOFREIRE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 21
r'
mundo, adentra-seem si, adentrando-semais em seumun-
do,que, reflexivamente, faz-semais IQcidamediagaoda ime-
diatez intersubjetiva das consci6ncias.A solidio -- n5o o
isolamento-- s6semant&menquantorenovae revigoraas
condig6esdodialogo.
O dialogo fenomenizae historiciza a essencialinter-
subjetividade humana; ele 6 relacional e, neue,ningu6m
tem iniciativa absoluta.Osdialogantes"admiram" um
mesmomundo; afastam-sedele e com ele coincidem;
neuepoem-see op6em-se.Vimos que, assim,a consci6ncia
se existencia e busca perfazer-se. O dialogo nio & um
produto hist6rico, 6 a pr6pria historicizagao. E ele, pois, o
movimentoconstitutivodaconsci6nciaque,abrindo-separa
ainfinitude, venceintencionalmente asfronteiras da fi-
nitude e, incessantemente, buscareencontrar-se al&m de
si mesma. Consci6ncia do mundi, busca-seela a si mes-
ma num mundo que 6 comum; porque & comum esse
mundi, buscar-sea si mesma & comunicar-se com o ou-
tro. O isolamento n5o personaliza porque nio socializa.
Intersubjetivando-semais, mais densidadesubjetiva ga-
nha o sujeito.
A consci6ncia e o mundo nio se cstruturam sincro-
nicamente numa estftica consci6ncia do mundi: visio e
espetfculo. Essaestrutur8 funcionaliza-se diacronicamente
numa hist6ria. A consci6nciahumana buscacomensurar-se
a si mesma num movimento que transgride, continuamen-
te, todos osseuslimites. Totalizando-sea16mde si mesma,
nunca chega a totalizar-se inteiramente, pois sempre se
transcende a si mesma. Nio 6 a consci6ncia vazia do mun-
di que sedinamiza, nem o mundo 6 simples projegaodo
movimento que a constitui como consci6nciahumana.A
consci6ncia &consci&ncia do mundo: o mundi ea consci6n-
cia, juntos, coma consci6ncia do mundo, constituem-se
dialeticamente num mesmo movimento -- puma mesma
hist6ria. Em outros termos: objetivar o mundi 6 historici-
zf-lo, humanize-lo. Entao, o mundo da consci6ncianio 6
criagao,mas,sim, elaboragaohumana.Essemundi nio se
constitui na contemplagao,masno trabalho.
Na objedvag5o transparece, pois, a responsabilidade his-
t6rica do sujeito: ao reproduzi-la criticamente, o homem
sereconhececoma sujeito que elabora o mundo; nele, no
mundi, efetua-sea necessfria mediagao do autorreconheci-
mento que o personalizae o conscientizacoma autor res-
ponsavel de sua pr6pria hist6ria. O mundo conscientiza-se
comaprojeto humana: o homem faz-selivre. Oque parece-
ria serapenasvisio &,efetivamente,"provocag5o";o espeta-
culo, em verdade,6 compromisso.
Seo mundo 6 o mundo dasconsci6nciasintersubjetiva-
das,sua elaboragaoforgosamente hf de ser colaboragao.
O mundo comum mediatizaaoriginfria intersubjetivagao
das consci6ncias:o autorreconhecimento plenifica-seno
reconhecimento do outro; no isolamento, a consci6ncia
modifica-se.A intersubjetividade, em que as consci6ncias
seenfrentam, dialetizam-se, promovem-se, &a tessitura il-
tima do processohist6rico de humanizagao.Este.nasori-
gensda "hominizagao" e anunciaasexig6ncias61timasda
humanizagio.Reencontrar-secoma sujeito,e liberar-se,6
dodoo sentido do compromisso hist6rico. Jaa antropolo-
gia sugcreque a "praxis", sehumana e humanizadora, &a
"praticadaliberdade
22 I PAULOFRnRE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 23
r'
O circulo decultura -- no m&todo Paulo Freire-- re-vi-
ve a vida em profundidade critica. A consci6ncia emerge do
mundi vivido, objetiva-o, problematiza-o, compreende-o
como prqeto humana. Em dialogo circular, intersubjetivan-
do-semais emais, vai assumindo, criticamente, odinamismo
de suasubjetividade criadora.Todosjuntos, em circulo, e
em colaboragao,re-elaboramo mundo e, ao reconstrui-lo,
apercebem-sede que, embora construido tamb&m por des,
essemundo nio 6 verdadeiramentepara des. Humaniza-
do por des, essemundo ngo oshumaniza. As m5os que o
fazem n5o sio as que o dominam. Destinado a libero-los
como sujeitos, escraviza-oscomo objetos.
Reflexivamente, retomam o movimento da consciCncia
que osconstitui sujeitos,desbordando aestreitezadassitua-
g6esvividas; resumem o impulso dial&tico da totalizagao
hist6rica. Presentificadoscomo objetosno mundo da cons-
ci6ncia dominadora, nio se davam congade que tamb&m
eram presengaque presentificaum mundo que n5o &de
ningu6m, porque originariamente6 de todos. Restituida
em sua amplitude, a consci6nciaabre-separa a "pratica da
liberdade": o processo de "hominizagao", desde suasobscu-
rasprofundezas,vai adquirindo a translucidez de um pro'
jeto de humanizag5o. Nio 6 crescimento, 6 hist6ria: aspero
esforgo de superag5o dial&tica dascontradig6es que entrete-
cemo drama existencialda finitude humana. O m&todo de
conscientizagaodePaulo Freirerefazcriticamente essepro-
cessodial&ticodehistoricizagao.Coma todo bom m6todo
pedag6gico,nio pretende ser m&todo de ensino,mas sim
de aprendizagem; com ele, o homem nio cria suapossi-
bilidade de serlivre, mas aprendea efetivi-la e exerc6-la.
A pedagogia aceita a sugestao da antropologia: imp6e-se
pensar e viver "a educagao coma pratica da liberdade
Nio foi por acaso que esse m6todo de conscientiza-
gaooriginou-se como m&todo de alfabetizagao.A cultu-
ra letrada nio &invengaocaprichosado espirito; surgeno
momento em que a cultura, como reflex5o de si mesma,
consegue dizer-se a si mesma, de maneira definida, clara e
permanente. A cultura marca o aparecimento do homem
no largo processoda evolugao c6smica. A ess6nciahumana
existencia-se, autodesvelando-se como hist6ria. Mas essa
consci6nciahist6rica, objetivando-se reflexivamente, sur-
preende-se a si mesma, passa a dizer-se, torna-se consci&n-
cia historiadora: o homem &levado a escreversuahist6ria.
Alfabetizar-se &aprender a ler cssapalavra escrita em que a
cultura sediz e, dizendo-secriticamente, deixa de serrepe-
tigao intemporal do que passou,para temporalizar-se, para
conscientizar suatemporalidade constituinte, que e anQn-
cio e promessado que ha de vir. O destino, criticamente,
recupera-secomo projeto.
Nessesentido, alfabetizar-sengo 6 aprender a repetir
palavras,mas a dizer a suapalavra, criadora de cultura. A
cultura letrada conscientizaa cultura: a consci6nciahisto-
riadora automanifestaa consci&nciasuacondigaoessencial
de consci6nciahist6rica. Ensinar a ler aspalavrasdivase
ditadas & uma forma de mistificar as consci6ncias, desper-
sonalizando-asna repetigao-- 6 a t6cnica da propaganda
massificadora.Aprender adizer asuapalavra &toda apeda-
gogia, e tamb&mtoda aantropologia.
A "hominizagao" opera-se no moments em que a cons-
ci6ncia ganha a dimensio da transcendentalidade. Nesse
U I PAULOFREIRE
PEDAGOGIA DOOPNMIDO 1 25
r'
instante, liberada do meir envolvente, despega-sedele, en-
6enta-o, num comportamento que a constitui como cons-
ci6ncia do mundi. Nessecomportamento, as coisassio
objetivadas,into 6, significadase expressadas:o homem
asdiz. A palavra instaura o mundi do homem. A palavra,
como comportamento humana, significante do mundi,
nio designa apenasascoisas,transforma-as; nio 6 s6 pen-
samento, 6 "praxis". Assim considerada, a semintica 6 exis-
t6ncia e apalavravivaplenifica-seno trabalho.
Expressar-se,expressandoo mundo, implica o comunicar-se.
A partir da intersubUetividadeoriginaria, poderiamosdizer
que a palavra,matsque instrumento, 6 origem da comuni-
cagao-- apalavra&essencialmentediflogo. A palavraable a
consci6ncia para o mundi comum das consci6ncias, em dia-
logo, portanto.Nessalinha de entendimento,a expressaodo
mundo consubstancia-seem elaboragaodo mundo ea comu-
nicagao em colaboragao. E o homem s6 se expressaconve-
nientementequandocolaboracom todos na construgaodo
mundo comum -- s6 sehumanizano processodia16gicode
humanizagaodo mundo. A palavra,porque lugar do encontro
e do reconhecimento das consci6ncias,tamb&m o &do reen-
contro e do reconhecimento de simesmo. A pa]avrapessoa],
criadora, pois apalavra repetida &mon61ogo das consci&ncias
que perderam suaidentidade, isoladas,imersas na multidio
an6nima e submissasa um destino que Ices 6 imposto eque
nio s5o capazesde superar, com a decisis de um projeto.
f verdade: nem a cultura iletrada 6 a negag5odo ho-
mem, nem a cultura letrada chegou a ser sua plenitude.
Nio ha homem absolutamente inculto: o homem "homi-
niza-se" expressando,dizendo o seu mundi. Ai comegam
a hist6ria e a cultura. Mas o primeiro instanceda palavra
6 terrivelmente perturbador: presentifica o mundo a cons-
ci6ncia c, ao mesmo tempo, distancia-o. O enfrentamen-
to com o mundi 6 ameagae cisco.O homem substitui o
envolt6rio protetor do meir natural por um mundo que
o provocae desafia.Num comportamento ambiguo,en-
quanto ensaiao dominio t&cnicodessemundo, rentavoltar
a seuseio, imergir nell, enleando-sena indistingao entre
palavra ecoisa. A palavra, primitivamente, &mito. Interior
ao mito e condigao sua, o logoshumano vai conquistando
primazia, com a intelig6ncia das mios que transformam
o mundi. Os prim6rdios dessahist6ria aindasio mitolo-
gia: o mito 6 objetivadopda palavraque o diz. A narra-
gaodo mita, no entanto,objetivandoo mundi mitico e
entrevendo o seu conteOdo racional, acaba por devolver
a consci6nciaa autonomia da palavra, distinta das coisas
que elasignifica e transforma. Nessaambiguidade com que
a consci6nciafaz o seu mundi, afastando-ode si, no dis-
tanciamento objetivante que o presentifica como mundo
consciente,apalavra adquire a autonomia que a lorna dis-
ponivel para serrecriadana expressaoescrita.Embora nio
tenha side um produto arbitrfrio do espirito inventivo do
homem, a cultura letrada 6 um epifen6meno da cultura,
que, atualizando sua reflexividade virtual, encontra na pa-
lavra escrita uma maneira mais formee definida dedizer-se,
isto &,de existenciar-sediscursivamente naprfxis hist6rica.
Podemos conceber a ultrapassagem da cultura letrada: o
que, em dodo caso, ficarf &o sentido profundo que ela ma-
nifesta: escrevere nio conservar e repetir a paiavra dita,
mas diz6-la com a formareflexiva que sua autonomia Ihe
H I PAULOFREIM PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 27
r'
di -- a formaing6nita que a iaz instauradora do mundo da
consci6ncia,criadoradacultura.
Com o m&todo de Paulo Freire, os alfabetizandos par-
tem de algumas poucas palavras que Ihes servem para ge-
rar seuuniverse vocabular. Antes, por6m, conscientizam
o poder criador dessaspalavras:sio das que geram o seu
mundi. Sio significag6esque seconstituem em compor-
tamentos seus;portanto, significag6esdo mundo, mas
suastamb&m.Assim, aovisualizarem apalavra escrita,em
sua ambigua autonomia, ja estio consciencesda dignidade
de que ela 6portadora -- a alfabetizagao nio &umjogo de
palavras,& a consci6nciareflexiva da cultura, a reconstru-
gaocritica do mundo humana, a abertura de novos cami-
nhos,o projeto hist6rico de um mundo comum. a bravura
dedizer asuapalavra.
A alfabetizagao,portanto, 6 toda a pedagogia:aprender
a ler 6 aprender a dizer a sua palavra. E a palavra humana
imita a palavra divina: 6 criadora.
A palavra 6 entendida, aqui, como palavra e aWaD;nio 6
o termo que assinalaarbitrariamente um pensamentoque,
por suavez, discorre separadoda exist6ncia. E significagao
produzida pda prfxis, palavra cqa discursividade flui da
historicidade -- palavraviva e dinamica, nio categoria iner-
te, exinime. Palavraque diz e transforma o mundo.
A palavraviva &diflogo existencial.Expressae elaborao
mundo, em comunicagaoecolaboragao.O dialogo aut6ntico
-- reconhecimento do outro e reconhecimento de si,no ou-
tro -- &decisis e compromisso de colaborar na construgao
do mundo comum. Nio ha consci&nciasvazias;por isto os
homens nio sehumanizam, senio humanizando o mundo.
Em linguagem direta: oshomens humanizam-se,traba-
Ihandojuntos para fazerdo mundo, sempremais, a media-
gaodeconsci6nciasque secoexistenciam em liberdade. Aos
que constroemjuntos o mundo humano, compete assumi-
rem a responsabilidade de dar-the diregao. Dizer a sua pala-
vra equivale aassumir conscientemente, coma trabalhador,
afungao de sujeito de suahist6ria, em colaboragaocom os
demaistrabalhadores-- o povo
Ao Pbvo cabedizer a palavra de comando no processo
hist6rico-cultural. Sea diregaoracional de tal processoj£ 6
politica, entio conscientizar&politizar. E acultura popular
setraduz por politica popular; n5o ha cultura do Povosem
politicado Povo.
O m&todo de Paulo Freire 6, fundamentalmente, um
m6todo decultura popular: conscientizaepolitiza. Nio ab-
sorveo politico no pedag6gico,mas tamb6m nio p6e ini-
mizade entre educagaoepolitica. Distingue-as, sim, masna
unidadedo mesmo movimento em que o homem sehisto-
riciza ebuscareencontrar-se, isto 6, buscaserlivre. Nio tem
aingenuidade de supor que a educagao, s6 ela, decidirf dos
rumos da hist6ria, mas tem, contudo, a coragem suficien-
te para afirmar que a educagaoverdadeira conscientizaas
contradig6es do mundo humana, sejam estruturais, supe-
restruturais ou interestruturais, contradig6esque impelem
o homem a it adiante. As contradig6es conscientizadas n5o
Ihe dio maid descanso, tornam insuportfvel aacomodagao.
Um m6todo pedag6gico de conscientizagaoalcangaasal-
timas fronteiras do humano. E como o homem semprese
excede,o m&todo tamb6m o acompanha.E "a educag5o
comopraticadaliberdade
z8 I PAULOFRnRE
PEOAGOGIA OO OPRIMIDO 1 29
r'
Em regime de dominagao de consci6ncias,em que os
que mais trabalham menos podem dizer a sua palavra e
em que multid6es imensasnem sequer t6m condig6es para
trabalhar, os dominadoresmant6m o monop61io da pala-
vra, com que mistificam, massificame dominam. Nessasi-
tuagao, os dominados, para dizerem a sua palavra, t&m que
lutar para tomb-la. Aprender atami-la dos que a det&m ea
recusam aos demais &um dificil, mas imprescindivel apren-
dizado-- &a "pedagogiado oprimido '
PRIMEIRAS PALAVRAS
As pAaiNASQuuSESEGUEMe que propomoscomo uma
introdug5o a Pedagogiado oprim£dosio o resultado de nos-
sasobservag6es nestes cinco anos de exilio. Observag6es
que se v6m juntando is que fizemos no Brasil, nos vfrios
setoresem que tivemos oportunidade de exercerativida-
deseducativas.
Um dos aspectosque surpreendemos,quer nos curios
de capacitagaoque damose em que analisamoso papel da
conscientizagao, quer na aplicagao mesma de uma educa-
gao realmentelibertadora, & o "medo da liberdade", a que
faremosrefer6ncianoprimeiro capitulodenteensaio.
Nio s5o raras asvezes em que participantes destes cur-
ios, numa atitude em que manifestamo seu "medo da
liberdade", sereferem ao que chamam de "perigo da cons-
cientizagao". 'H. consci6ncia critica (dizem) & anarquica.'
Ao que outros acrescentam: "Nio poderf a consci6ncia
critica conduzir a desordem?"Ha, contudo, os que t2m-
b&mdizem: "Por que negar?Eu temia aliberdade.Janio
atemol
Certa vez, em um dessescurios, de que fazia parte um
homem que fora, durante longo tempo, operario,seestabe-
leceu uma dessasdiscuss6esem que seafirmava a "pericu-
losidade da consci6ncia critica". No meir da discussao, disse
este homem: "Talvez scja eu, entre os senhores, o Qnico de
origem operaria.Nio possedizer que hajaentendidosodas
ProfessorErnani Maria Fiori
Santiago, Chile,
dezembrode] 967
30 I PAULOFREIRE
aspalavrasque foram divasaqui,mas uma coisapossoafir-
mar: chegueia essecurso {ng?ttKOe, ao descobrir-me ing6-
nuo, comeceia tornar-me crftico.Estadescoberta,contudo,
nem me Cazfanatico, nem me df asensagaode desmorona-
mento." Discutia-se, na oportunidade, sea conscientizagao
de uma situag5oexistencial,concreta,de injustiga nio po-
deria conduzir os homens deja conscientizados a um "fana-
tismo destrutivo" ou auma "sensagaodedesmoronamento
total do mundo em que estavamesseshomens'
A davida,assimexpressa,implicita uma afirmagio nem
sempreexp]icitada,no que teme a ]iberdade: "Melhor serf
que a situagaoconcretade injustiga nio seconstitua num
'percebido' claro para aconsci&nciadosque a sofrem.'
Na verdade, por6m, nio 6 a conscientizagao que pode
levar o povo a ''fanatismosdestrutivos". Pele contrario, a
conscientizagao,que Ihe possibilita inserir-se no processo
hist6rico, como sujeito, evita osfanatismose o inscrevena
buscadesuaafirmagio.
'Sea tomada de consci6ncia abre o caminho a express5o
dasinsatisfag6es sociais, sedeve a que estassio componen-
tes reais de uma situagao de opressao.":
O medo da liberdade, de que necessariamente nio tem
consci6nciao seuportador, o faz ver o que nio existe.No
funds, o que teme aliberdade serefugia na segurangavital,
como dina Hegel,' preferindo-aaliberdade arriscada.
Rare,por6m, 6 o que manifestaexplicitamente estere-
ceio da liberdade. Sua tend6ncia 6, antes, camufla-lo, num
jogo manhoso, ainda que, is vezes, inconsciente. Jogo ar-
tificioso de palavrasem quc apareceou pretende aparecer
coho o que defende a liberdade e nio como o que a temp.
As suasdQvidase inquietag6es empresta um ar de pro-
funda seriedade.Seriedadede quem fosseo zelador da li-
berdade. Liberdade que seconfunde com a manutengao do
statenquo.Por isto, sea conscientizagaop6e em discussio
estestatenqxo, ameaga, entao, a liberdade.
As afirmag6es que fazemos nesteensaio nio sao,de um
dado,auto de devaneios intelectuais nem, tampouco, de
outro, resultam apenasde leituras, por mais importantes
que das nos denhamsido. Estio sempreancoradas,como
sugerimos no inicio destaspfginas, em situag6esconcretas.
Expressam reag6es de proletarios, camponeses ou urbanos,
e dehomens de classemedia, que vimos observando,dire-
ta ou indiretamente, em nosso trabalho educativo. Nossa
inteng5o 6 continuar com estasobservag6espara retificar
ou ratificar, em estudosposteriores, pontos afirmados neste
ensaio.Ensaioque, provavelmente, irf provocar, em alguns
de seuspossiveisleitores, reag6essectfrias.
Entre estes,havera,talvez, os que nio ultrapassaraosuas
primeiras paginas. Uns, por considerarem a nossaposigao,
diante do problema da libertagao dos homens, coma uma
posigao idealista a maid, quando nio um "blf-bla-bla" rea-
cionfrio. "Bla-blf-bla" dequem seperdefdando em vocagao
onto16gica,em amor,em diflogo, em esperanga,em humil-
dade,em simpatia. Outros, por n5o quererem ou nio pode
rem aceitar ascriticas e adenincia que fazemos dasituagao
: FranciscoWenort, em prefacid a Paulo Frcire, Dlucafao romoprdtica da
liberdade.
' [...] And it k solely ty risking it#e t tat.Feedom is obtained. [...] The ilzd{ dual, w]to
flds Itot stakedotis!€1emay,lto doubt, berecognizedm aperxolt; bKt hehm trot attaitted
lite truth of tilts recognition anindepmdmtselFcomciomness.Georg W F.Hegel,
7'1zePltentommot(Kyof A ind. Nova York: Harper and Row, 1967,p. 233.
32 I PAUL.OFREIRE
PEDAGOGIADO OPRIMIDO 1 33
r'
opressora,situag5oem que os opressoresse "gratificam",
atrav6sde sua balsagenerosidade.
Dai que seja este, com sodas as defici6ncias de um ensaio
puramente aproximativo, um trabalho para homens radi-
cais.Cristios ou marxistas,aindaque discordando de nossas
posig6es,em grande parte, em parte ou em sua totalidade
estes,estamos certos, poderao chegar ao fim do texto.
Na medida, por6m, em que, sectariamente, assumam
posig6es fechadas, "irracionais", rechagarao o dialogo que
pretendemos estabelecerIJ:ravesdestelivro.
E que asectarizagao&senhprecastradora,pelo fanatismo de
quesenutre. A radicalizagadpele contrario, &sempK criadcF
ra, petacriticidade que a alirhenta.Enquanto a sectarizagao6
mitica, por isto ahenante,aradcalizagao &critica, por isto hber-
tadora. Libertadora porque, implicando o enraizamento que os
homens fmem na opgaoque fizeram, osengaja cadavez mats
no esiorgode transformagao da realidadeconcreta, objedva.
A sectarizagao,porquemitica eirracional, transforma area-
lidade numa fisa realidade,que, assim,n5o pode sermudada.
Parta de quem parka,a sectarizagao& um obstfculo a
emancipag5o dos homens. Dai que seja doloroso observar
que nem sempre o sectarismo de direita provoque o seu
contrario, isto &,a radicalizag5odo revolucionfrio.
Nio sio raros os revolucionfrios que se tornam reacio-
nfrios pda sectarizagao em que sedeixam cair, ao respon'
derasectarizagaodireitista.
Nio queremos,por&m,com isto dizer -- e o deixamos
clara no ensaioanterior' -- que o radicalsetome d6cil ob-
jeto dadominag5o.
' Paulo Freire, Ed cafdo comaprdtica da liberdade.
Precisamenteporque inscrito, coma radical,num pro-
cessode libertagao, nio pode vicar passivo dianne da vio16n-
cia do dominador.
Por outro lada,jamais serf o radical um subjetivista.E
que,paraele, o aspectssubjetivo loma corpo numa unida-
de dial&tica com a dimensio objetiva da pr6pria ideia, isto
&,com os conteQdosconcretos da realidadesobre a qual
exerce o ato cognoscente. Subjetividade e objetividade, des-
ta forma, se encontram naquela unidade dia16ticade que
resulta um conhecer solidfrio com o atuar e este com aque-
le. f exatamente estaunidade dia16ticaquegera um atuar e
um pensarcertos na e sabre a realidade para transforms-la.
O sectfrio, por sua vez, qualquer que sejaa opgao de
onde parka na sua "irracionalidade" que o cega, nio per-
cebe ou nio pode perceber a dinimica da realidade, ou a
percebe equivocadamente
At& quandosepensana dial&tica,a sua6 uma "dial&tica
domesticada
Esta&arazao, por exemplo, por que o sectfrio de direita,
que, no nosso ensaio anterior, chamamos de "sectfrio de
nascenga",pretende frear o processo, "domesticar" o tem-
po e, assim,os homens. Esta 6 a raz5o tamb&mpor que o
homemdeesquerda,aosectarizar-se,seequivocatotalmen-
te na suainterpretagao "dia16tica"da realidade,da hist6ria,
deixando-se cair em posig6es fundamentalmente fatalistas.
Distinguem-se,na medidaem que o primeiro preten-
de "domesticar" o presentepara que o futuro, na melhor
das hip6teses, repita o presence "domesticado", enquanto
o segundo transforma o futuro em argo preestabelecido,
uma esp&ciede dado,de sina ou de destino irremedifveis.
H I PAUL.OFREIM PEDAGOGIA DO OPRIMIDO t 35
r'
Enquanto, parao primeiro, o hoje ligado ao passado&algo
dado e imutivel, para o segundo, o amanhi &argo pr6-dado,
prefixado inexoravelmente.Amboy sefazem reacionfrios
porque, a partir de sua falsa visio da hist6ria, desenvolvem
um e outro formas de agro negadoras da liberdade. E que
o tata de um concebero presente'bem-comportado" e o
outro, o futuro como predeterminado, nio significaque se
tornem espectadores,que cruzem os brazos, o primeiro,
esperando a manutengio do presence, uma esp6cie de volta
ao passado;o segundo, a esperade que o futuro ja "conhe-
cido" seinstate.
Pelecontrario, fechando-seem um "circulo de seguran-
ga", do qual nio podem sair,estabelecemambosa suaver-
dade.E estanio 6 a dos homens na luta para construir o
futuro, correndoo ciscodestapr6pria construg5o.Nio 6
a doshomens lutando e aprendendo,uns com os outros, a
edificar este futuro, que ainda nio este dado, como sefosse
destino,coma sedevesseser recebidopelts homens 6 nio
criadoporeles.
A sectarizag5o,em ambososcastes,6reacionfria porque,
um e outro, apropriando-sedo tempo, de cujo sabersesen-
tem igualmente proprietarios, terminam semo povo, uma
forma de estarcontra ele.
Enquantoo sectfrio dedireita, fechando-seem "sua'
verdade,nio faz maisdo que o que Ihe 6 pr6prio, o ho-
mem de esquerda,que sesectarizae tamb6m seencerra, &
a negagao do si mesmo.
Um, naposigaoque Ihe&pr6pria; o outro, na queo nega,
ambos girando em torno de "sua" verdade, sentem-se abala-
dos na suaseguranga,sealgu&ma discute. Dai que shesseja
necessfrio considerarcoma mentira tudo o que nio sejaa
suaverdade. "So6'em ambos da feta de dQvida."s
O radical,comprometido com a libertagao doshomens,
n5o sedeixaprender em "circulos de seguranga",nosquais
aprisione tamb&m a realidade. Tio mais radical quanto
mais seinscreve nesta realidade para, conhecendo-a melhor,
melhor poder transforms-la.
Nio hemeenRentar,n5o hemeouvir, n5o teme o desve-
lamento do mundi. Nio hemeo encontro com o povo.Nio
hemeo dialogocom ele, de que resultao crescentesaberde
ambos.'Nio se sensedono do tempo, nem dono dos ho-
mens,nem libertadordosoprimidos.Com des secompro-
mete,dentro do tempo,paracom des lutar.
Seasectarizagao,comoafhmamos,6opr6priodoreacionf-
rio, aradicalizagao6 o pr6prio do revolucionirio. Dai que ape-
dagogiado oprimido, que implica uma tarefaradical,cujasli-
nhasintrodut6riaspretendemosapresentarnesteensaio,eapr6'
pda leitura destetexts nio possamserrealizadaspor sectfiios.
Queremos expressaraquio nosso agradecimento aElba,de
modo gerd nossaprimeiraleitora, por suacompreensaoe es-
dmulos constantesanosso trabalho, que tamb&m 6 seu.Agra-
dedmento que estendemos a todos quangosleram osoriginais
desteensaiopdas criticas que nos fizeram, o que nio nos retira
ou diminuia responsabihdadepdas anmag6es neuefeitas.
PauloFreire
Santiago, CltiZe,
oatonode1968
5 Mfrcio Moreira Alves, em conversacom o actor.
Enquantoo conhecimentote6rico permanecercomo privil&gio de uns
quangos'acad6micos' dentro do Partido, este se cncontrari em grande peri-
no de it aoftacasso."Rosa Luxemburgo, "ZReforma o Revoluci6n?",in Wright
Mills, I,oslntarxistw.Mexico: Ed. Era S.A., 1964,p. 171.
36 I PAULOFREIRE
PEDAGOGIA DOOPNMIDO 1 37
l
JUSTIFICA'nVADA
PEDAGOGIADOOPRIMIDO
RKcoNHECEMosAAMPUTUnEdo fema que nospropomos
tratar nesteensaio,com o qual pretendemos,em certo
aspects,aprofundar alguns pontos discutidos em nosso
trabalho anterior, Edticafaocoho prdtica da Ziberdade.Dai
que o consideremoscomo mera introdugao, coma dim-
ples aproximagao a assuntoque nos parecede importan-
ciafundamental.
Mais uma vez os homens, desafiadospda dramaticidade
dahora atual, seprop6em a si mesmoscoma problema. Des-
cobrem que pouco sabemdesi, dc seu "poscono cosmos",e
seinquietam por saber mais. Estara, alias, no reconhecimento
do seupouco saber de si uma das raz6es desta procura. Ao se
instalarem na quase, sen5o tragica, descoberta do seu pouch
saberde si, sefazem problema a des mesmos. Indagam. Res-
pondem, e suasrespostasoslevam a novasperguntas.
O problema de sua humanizagao, apesar de sempre dever
haver side, de um ponto de vista axio16gico, o seu problems
central, assume,h(!je,carater de preocupagaoiniludivel.'
' Os movimcntos de rebeliio, sobretudo dejovens, no mundi atual, que nc-
cessariamenterevelampeculiaridades doscspagosonde sedio, mani6cstam,em
suaprofundidade, etta preocupagaoem porno do homem e doshomens, coma
sexesno mundi e com o mundi. Em torno do qace deromocstio sends.Ao
questionarem a "civilizagao do consume"; aodenunciarem as"burocracias" dc
r'
Constatar estapreocupagao implica, indiscutivelmente,
reconhecer adesumanizagio, nio apenascomo viabilidade
onto16gica,mascomo realidadehist6rica. E tamb6m, e tal-
vez sobretudo, a partir desta dolorosa constatag5o que os
homens seperguntam sobre a outra viabilidade -- a de sua
humanizagao. Ambas, na raiz de suainconclusio, os inscre-l
vem num permanentemovimento de busca.Humanizagao
e desumanizagao,dentro da hist6ria, num contexto real,
concrete, objetivo, sio possibilidadesdos homens como se-
resinconclusoseconsciencesdesuainconclusio.
Mas, se ambassio possibilidades, s6 a primeira nos pa-
rece sero que chamamos de vocagaodos homens. Vocagao
negada,mas tamb&m afirmada na pr6pria negagao.Voca-
g5onegadana injustiga, na exploragao, na opressao,navio-
16nciados opressores.Mas afirmada no anseio de liberdade,
de justiga, de luta dos oprimidos, pda recuperagao de sua
humanidade roubada.
A desumanizagao, que nio se verifica apenas nos que
t6m sua humanidade roubada, mas tamb&m, ainda que de
forma diferente, nos que a roubam, 6 distorgao da voca-
gao do sa mats. f distorgao possivel na hist6ria, mas ngo
vocagaohist6rica. Na verdade,se admitissemosque a de-
sumanizagao6 vocagaohist6rica dos homens, nada mais
reriamosque fazed,a n5o ser adotar uma atitude cinica ou
detotal desespero.A luta pda humanizag5o,pele trabalho
livre, pda desalienagao,pda afirmagaodos homens como
pessoas,coma "serespara si", n5o celia significagao.Esta
somente 6 possivelporque a desumanizagao,mesmo que
um fate concretona hist6ria, n5o 6, por6m, desti?to(hdo,
masresultado de uma "ordem" injusta que gera a vio16ncia
dosopressoreseetta,o serramos.
A CONTItADIgAO OPRESSORES-OPRIMIOOS. SUA SUPERAgAO
A vio16nciados opressores,que os faz tamb6m desumaniza-
dos,nio instaura uma outra vocagao-- ado sermenos.Como
distorgao do ser mais, o ser menos leva osoprimidos, cede ou
garde,a lugar contra quem os fez menos. E estalula somen-
te tem sentido quando os oprimidos, ao buscaremrecuperar
sua humanidade, que 6 uma forma de crib-la, nio sesentem
idealistamenteopressores,nem setornam, decato,opressores
dos opressores,mas restauradores da humanidade em ambos.
E ai estea grande tarefahumanista e hist6i.icadosoprimi-
dos -- libertar-se a sie aos opressores. Estes, que oprimem,
explorame violentam, em razio de seupoder,n5o podem
ter, nestepoder, a formade libertagao dos oprimidos nem de
si mesmos.S6 o poder que nasgada debibdadedos oprimi-
dos sera suficientemente forte para libertar a ambos. Por isto
&que o poder dosopressores,quandosepretendeamenizar
ante a debihdadedos oprimidos, nio apenasquasesempre
seexpressaem fisa generosidade,como jamais a ultrapassa.
Os opressores, fdsamente generosos, t6m necessidade,para
que a sua "generosidade"continue tendo oportunidade de
lodos os matizes; ao exigipem a transformagao das universidades, de que resul-
tem, de um lada, o desaparecimento da rigidez nasrelag6es professor-aluno; de
outro, a insergao delay na realidade; ao proporem a transformagao da realidade
mesma para quc as universidades possum renovar-se; ao rechagarem velhas or-
dens e instituig6es estabelecidas,buscando a afirmag5o dos homens coma sujei-
tos dedecisis, todos estesmovimentos refletem o sentido mais antropo16gico
do que antropoc6ntrico de nossa6poca.
40 I PAULOFRnRE
PEDAGOGIA DO OPNMIDO 1 41
r'
realizar-se,da perman6nciada idustiga. A "ordem" social
injusta&acontegeradora,permanente,desta"generosidade'
que senutre da morse, do desalento e da mis&iia.'
Dado desesperodelta "generosidade"diannede quail
quer ameaga,embora t6nuc, a suafonts. Nio podejamais
engender esta "generosidade" que a verdadeira generosida-
de esb em ]utar para que desaparegamasraz6es que ali-
ment2m o falso amor. A balsacaridade,da qual decorre a
m5o estendidado "demitido da vida", medroso e inseguro,
esmagadoe vencido.Mio estendidae tr6mula dos esfar-
rapadosdo mundi, dos "condenadosda terra". A grande
generosidade este em lutar para que, cada vez mais, estas
maos, sejamde homens ou de povos,seestendamments
em gestosde saplica. Saplicadehumildes a poderosos. E se
vio fazendo, cadavez mais, mios humanas, que trabalhem
e transformem o mundo. Este ensinamento e este aprendi-
zadot6m de partir, por6m, dos"condenadosda terra", dos
oprimidos, dos esfarrapadosdo mundo e dos que com des
realmentesesolidarizem.Lutando pda restauragaode sua
humanidade estarao,sejamhomens ou povos, tentando a
restauragaodagenerosidadeverdadeira.
Quem, mellor que os oprimidos,se encontrarf prepa-
rado para engender o significado terrivel de uma sociedade
opressora? Quem sentira, mellor que des, os efeitos da opres-
s5o?Quem, mais que des, para it compreendendoa neces-
sidadeda libertagao? Libertagao a que nio chegarao pelo acaso,
mas pda praxis de suabusca; pesoconhedmento e reconhecF
mento da necessidade de lugar por ela.
Lula que, pda finalidade que Ihe derem os oprimidos,
serf um ato de amor,com o qualseoporao ao desamorcon-
tido na vio16nciados opressores,at6 mesmo quando estase
revista da balsagenerosidadereferida.
A nossa preocupagao, neste trabalho, 6 apenas apresen'
tar algunsaspectosdo que nos parececonstituir o quevi-
mos chamando de pedagogia do oprimido: aquelaque tem
de ser forjada comele e nio para ele, enquanto homensou
povos, na lula incessantede recuperagao de suahumanida-
de. Pedagogia que nagada opressao e de suas causasobjeto
da reflexio dos oprimidos,de que resultarf o seuengaja-
mento necessfrio na luta por sua libertagao, em que esta
pedagogiasebarferefari.
O grande problema este em como poder5o os oprimi-
dos,que "hospedam" o opressor em si, participar da ela-
borag5o, coma seresduplos, inaut6nticos, da pedagogia de
sualibertagao.Somente na medida em que sedescubram
'hospedeiros"do opressorpoderao contribuir para o par'
tejamento de suapedagogialibertadora. Enquanto vivam
a dualidadena qual ser & parecer e parecer & parecercom
o opressor,&impossivel £az6-1o.A pedagogiado oprimido,
que n5o pode serelaborada pelos opressores,&um dos ins-
trumentos para estadescobertacritica -- a dosoprimidos
por si mesmose a dos opressorespelts oprimidos, coma
manifestag6esdadesumanizagio.
B "Talvez d6s esmolas. Mas, de ondc asbras, sen5o de tuas rapinas cru&is, do
sofnmento, daslagrimas, dossuspiros?Sc o pobre soubessede onde vem o teu
6bolo, ele o recusariaporque teria aimpressaode murder a carnede seusir-
mios e de sugar o langue de seu pr6ximo. Ele te dina estaspalavras corajosas:
nio sacies a minha cede com as lagrimas de meus irmios. Nio d6s ao pobre o
pao endurecido com os solugos demeus companheiros de mis6ria. Devolve a
teu semelhanteaquinoque reclamastee eu te sereimuito grata. De que vale
consular um pobre. se tu fazedoutros cem?"S5o Greg6rio de Nissa(330-395),
'Sermio contra os usurfrios'
42 I PAULOFREIRE PEI)AGOGIADO OPRIMIDO 1 43
r
Ha argo,por6m, a considerarnestadescoberta,que este
diretamente ligado a pedagogialibertadora. E que, quase
semprc,num primeiro memento destedescobrimento,os
oprimidos, em vezde buscara libertagao na luta e por ela,
tendem a ser opressorestamb6m, ou subopressores.A es-
trutura de seu pensar se encontra condicionada peta con-
tradigaovivida na situagaoconcreta,existencial,em que se
'formam". O seuideal 6, realmente, ser homens, mas, para
des, ser homens, na contradigao em que sempre estiveram
e cubasuperagao nio sheseste clara, &ser opressores. Estes
sio o seutestemunho de humanidade.
lsto decorre, coma analisaremosmais adiahte, com mais
vagar,do fasode que,em certo memento de suaexperi6n-
cia existencial,os oprimidos assumem uma postura que
chamamos de "ader6ncia" ao opressor. Nestas circunstin-
cias,nio chegam a "admire-lo", o que os levaria a objedva-lo, a
descobri-lo fora de si.
Ao Cazermosesta afirmagao, n5o queremos dizer que os
oprimidos,nestecasa,nio sesaibamoprimidos. O seuconhe-
cimento de si mesmos,como oprimidos, se encontra, contu-
do, piqudicado pda "imers5o" em que seacham na reahdade
opressora. "Reconhecerem-se", a estenavel,contrfrios ao ou-
tro nio signMca ainda lugar pda superagao da contradigao. Dai
cstaquaseaberragao: um dos polos da contradigao pretenden-
do nio ahbertagao,mas aidentincagaocom o seucontrilio.
O "homem novo", em tal caso, para os oprimidos, nio
6 o homem a nascerda superagaoda contradigao, com a
trans6ormagao da velha situagio concreta opressora, que
cedeseulugar a uma nova,de libertagao.Para des, o novo
homem sio des mesmos,tornando-seopressoresdeoutros.
A suavisio do homem novo 6 uma visio individualista. A
sua ader6ncia ao opressor nio Ihes possibilita a consci6ncia
de si como pessoa, nem a consci6ncia de classe oprimida.
Destaforma, por exemplo,querem a reforma agraria,
nio para se libertarem, mas para passarema ter terra c,
com etta, tornar-se proprietfrios ou, maid precisamente,
patr6es de novos empregados.
Raros s5o os camponeses que, ao serem "promovidos" a
capatazes, nio se tornam maid duros opressores de deusanti-
goscompanheiros do que o patrao mesmo. Poder-se-idizer
-- e com razio -- que isto sedeveao catode que asituagio
concreta, vigente, de opressao, n5o foi transformada. E que,
nesta hip6tese, o capataz, para assegurar seu posto, tem de
encarnar, com mais dureza ainda, adureza do patrao. Ta] afir-
magao nio nega a nossa-- a de que, nestascircunstancias, os
opHmidost6m no opressoro seutestemunhode "homem'
At6 as revolug6es, que transformam a situagao concreta
de opressio em uma nova, em que a libertagao seinstaura
como processo, enfrentam esta manifestagao da consci6n-
ciaoprimida.Muitos dos oprimidos que,direta ou indire-
tamente, participaram da revolugao, marcados pecosvelhos
mites da estrutura anterior, pretendem fazer da revolugao
a suarevolugao privada. Perdura neles, de certo modo, a
sombra testemunhal do opressor antigo. Estecontinua aser
oseutestemunhode"humanidade
O "medodaliberdade",9de quesefmem objetoosopi.imi-
dos,meds daliberdade que tanto pode conduzi-los apretender
' Estemedo da liberdade tamb6m se instala nos opressores,mas, obviamente
de maneira diierente. Nos oprimidos, o medo da libetdade 6 o modo dc assumi-la
Nos opressores, 6 o medo de perder a "liberdade" de oprimir.
H I PAULOFKnnE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 45
rser opressorestamb&m, quanto pode mant6-1osatadosao Si-
tu.sde oprimidos, 6 outro aspectoque merece igualmente nos-
sareflexio.
Um dos elementosbfsicos na mediagao opressores-opri-
midos & a prescnfdo. coda prescrigao 6 a imposigao da op-
gao de uma consci6ncia a outra. Dado sentido alienador das
prescrig6esque transformam a consci6nciarecebedorano
que vimos chamando de consci6ncia "hospedeira" da cons-
ci6ncia opressora. Por isto, o comportamento dos oprimi-
dos &um comportamento prescrito. Faz-seabase de pautas
estranhas a des -- aspautas dos opressores.
Os oprimidos, que introjetam a "sombra" dos opresso-
res e seguem suas pautas, temem a liberdade, na medida
em que esta,implicando a expulsaodestasombra, exigiria
delesque "preenchessem"o "vazio" deixadopda expulsao
com outro "conteQdo"-- o de sua autonomia. O de sua
responsabilidade, sem o que ngo seriam livres. A liberdade,
que & uma conquista, e nio uma doagao,exige uma per-
manente busca. Busca permanente que s6 existe no ato res-
ponsavelde quem a faz. Ningu6m tem liberdade para ser
livre: pelo contrario, lucapor elaprecisamenteporque n5o
atem. N5o &tamb€1ma liberdade um panto ideal, fora dos
homens, aoqual inclusive des sealienam. Nio &ideia que se
nagamite. f condigao indispensavel ao movimento de busca
em que estio inscritos oshomens como seresinconclusos.
Data necessidade que se imp6e de superar a situagao
opressora.lsto implica o reconhecimento critics, a "razio '
destasituagao,paraque,atrav&sdeuma agrotransformado-
ra que incida sobreela,seinstaure uma outra, quepossibibte
aquelabuscado sermats.
No moments, por&m,em que secomeceaaut6nticaluta
para criar a situagao que nascerf da superagao da velha, ja
seeste lutando pelo sa mats. E, sea situag5o opressora gera
uma totalidadedesumanizadae desumanizante,que atinge
os que oprimem e osoprimidos, nio vai caber, comoja afir-
mamos, aosprimeiros, que se encontram desumanizados
s6 pesomotivo de oprimir, mas aos segundos, gerar de seu
serramosabuscado sermai.sdetodos.
Os oprimidos, contudo, acomodados e adaptados,
"imersos" na pr6pria engrenagemda estrutura dominado-
ra, temem a liberdade,enquanto nio sesentemcapazesde
correr o ciscode assumi-la. E a temem, tamb&m, na medida
em que lugarpor ela significauma ameaga,nio s6aosque
a usam para oprimir, como seus "proprietfrios" exclusivos,
mas aoscompanheirosoprimidos, que se assustamcom
maiores repressoes.
Quandodescobremem sio anseiopor libertar-se,perce'
bem que esteanseiosomente sefaz concretudena concre-
tude de outros anseios.
Enquanto tocados pesomedo da liberdade, se negam a
apelar a outros e a escutar o apelo que se Ihes nagaou que
setenham feith a si mesmos,preferindo a gregarizagaoa
conviv&nciaaut6ntica. Preferindo a adaptagaoem que sua
nio liberdade osmant&m a comunhio criadora a que a ]i-
berdade leva, at& mesmo quando ainda somente buscada.
Sofrem uma dualidadeque seinstalana "interioridade'
do seu ser. Descobrem que, nio sendo livres, nio chegam a
ser autenticamente. Querem ser,mas temem ser.Sio des e
aomesmotempo sio o outro introjetado neles,como cons-
ci6nciaopressora.Sualuta setrava entre serem des mesmos
46 I PAULOFAIRE PEDAGOGIADO OPRIMIDO 1 47
r'ou seremduplos.Entreexpulsaremou nio o opressorde
dentro" de si. Entre sedesalienaremou se manterem alie-
nados. Entre seguirem prescrig6es ou terem opg6es. Entre
seremespectadoresou adores.Entre atuarem ou terem a
ilus5o de que atuam na atuagaodos opressores.Entre dize-
rem a palavraou nio terem voz, castradosno seupoder de
criar e recriar, no seupoder detransformar o mundo.
Este 6o trfgico dilema dos oprimidos, que a sua pedago-
giatem deenfrentar.
A libertag5o,por into,&um panto.E um pardodoloroso.O
homem que nascedestepardo6um homem novo que s6 &vif-
vel na epetasuperagaodacontradigaoopressores-oprimidos,
que &a libertagao de todos.
A superagio da contradigao &o parto que grazaomundo
estehomem novo nio mais opressor;nio mais oprimido,
mashomem libertando-se.
Este superag5onio pode dar-se,por6m, em termos pu-
ramente idealistas.Sesefaz indispensfvel aos oprimidos,
para a luta por sua libertagao, que a realidade concreta de
opressaoja n5o sejapara des uma esp&ciede "mundo fe-
chado" (em que segera o seumedo da liberdade) do qual
nio pudessemsail,mas uma situagaoque apenasos limita
e que des podem transformar, 6 fundamental, entao, que,
aoreconheceremo limite que a realidadeopressorashes
imp6e, denham, ncste reconhecimento, o motor de sua
agaolibertadora.
Vale dizer, pris, que reconhecerem-selimitados pda si-
tuagao concreta de opressio, de que o falso sujeito, o falso
'serpara si", 6 o opressor,nio significa aindaa sualiberta-
gio. Coma contradigaodo opressor,que tem nelesa sua
verdade,como disseHegel,'' somente superama contradi-
gaoem que seacham quando o reconhecerem-seoprimidos
osengajanaluta por libertar-se.
Nio basta saberem-senuma relag5o dial&tica com o
opressor -- seu contrfrio antag6nico --, descobrindo, por
exemplo, que sem des o opressor nio existiria (Hegel), para
estaremde fate libertados. E precise, enfatizemos,que se
entreguem apraxis libertadora.
O mesmose pode dizer ou afirmar com relagaoao
opressor, tomado individualmente, coma pessoa.Desco-
brir-se na posigio de opressor,mesmo que safra por este
cato, nio & ainda solidarizar-se com os oprimidos. Solidari-
zar-se com estes &argo mais que prestar assist&nciaa trinta
ou a cem, mantendo-osatados,contudo, a mesmaposigao
de depend6ncia. Solidarizar-se nio 6 ter a consci6ncia de
que explora e "racionalizar" sua culpa paternalistamente.
A solidariedade,exigindo de quem sesolidarizaque "assu-
ma" a situagaode com quem se solidarizou,&uma atitu-
deradical.
Seo que caracterizaos oprimidos, como "consci6ncia
servil" em relag5o aconsci&ncia do senhor, 6fazer-sequase
'coisa" e transformar-se, como salienta Hegel,'' em "cons-
ci6ncia para outro", a solidariedadeverdadeira com des
esteem comdes lutar para a transformagao da realidade
objetiva que os faz ser este "ser para outro '
10The [ru h of theitzdelendmtco cio nessis (accordingZYJhecomciomwssof lite
boniisman.Hegel, op. cit., p. 237
11 Referindo-sea consci6ncia senhorial e a consci6nciaservil, diz Hegel: theom
is indepmdmt, and its essentialntdtureis to bejor itself lite otheris depmdmtand {ts
essenceis l€#for cxisimcejur anotltn Thejormer is theMmtcb or h)rd, litelatter tlu
Bottdsmatt.Op.cit..p.234.
48 I PAULOFREIRE PEDAGOGIADOOPRIMIDO1 49
O opressor s6 se solidariza com os oprimidos quando o
seu gesto deixa de ser um gesto piegas e sentimental, de ca-
rfter individual, epassaaserum atode amor aqueles.Quan-
do, para ele, os oprimidos deixam de ser uma designagao
abstrata e passam a ser os homens concretos, injustigados e
roubados. Roubados na sua palavra, por isto no seu trabalho
comprado, quesignifica a suapessoavendida. S6 na plenitu-
dedeste ato de amal, na sua existenciagao,na sua praxis, se
constituia solidariedadeverdadeira. Dizer que os homens
s5opessoase,como pessoas,sio livres, enada concretamen-
te razer para que esta afirmagao seobjetive, &uma farsa.
Da mesma forma como &em uma situagao concreta -- a
da opressao -- que seinstaura a contradigao opressor-opri-
midos, a superagaodestacontradigao s6 se pode verificar
oUet£vammretamb&m.
Dai estaexig6ncia radical, tanto para o opressor que sedes-
cobre opressor,quandopara os oprimidos que, reconhecen-
do-se contradigao daquele, desvelam o mundo da opressao
epercebem osmites que o alimentam -- a radical exig6ncia
da transformagao da situagao concreta que gera a opressao.
Parece-nosmuito claro, nio apenasneste, mas noutros
momentos do ensaio,que, ao apresentarmosesta radical
exig6ncia -- a da transformagao objetiva da situagao opres-
sora --, combatendo um imobilismo subjetivista que
transformasse o ter consci6ncia da opressaonuma esp&cie
de espera paciente de que um dia a opress5o desapareceria
por si mesma, nio estamosnegando o papel da subjetivida-
dena luta pda modificagao dasestruturas.
Nio sepode pensarem objetividade semsubjetividade.
Nio ha uma sem aoutra, que nio podem serdicotomizadas.
A objetividade dicotomizada da subjetividade, a nega-
gao desta na anflise da realidade ou na agro sobre ela, &
objetfHsmo.Da mesma forma, a negagao da objetividade,
na anflise como na agro, conduzindo ao subjetivismo que
sealonga em posig6essolipsistas, nega a agro mesma, por
negar a realidade objetiva, desde que esta passaa ser cria-
gao da consci6ncia.Nem objetivismo, nem subjetivismo
ou psicologismo,massubjetividade e objetividadeem per'
Hanente dialeticidade.
Confundir subjetividadecom subjetivismo,com psico-
logismo, e negar-the aimportancia que tem no processode
transformagaodo mundo, dahist6ria, &cair num simplismo
ing&nuo.E admitir o impossivel:um mundo sem homens,
tal qual a outra ingenuidade, a do subjetivismo, que implica
homens sem mundi.
Nio ha um sem os outros, mas ambos em permanente
integragao.
Em Marx, como em nenhum pensadorcdtico, realista,
jamaisseencontrarf astadicotomia. O que Marx criticou,
e cientificamente destruiu, nio foia subjetividade, mas o
subjetivismo,o psicologismo.
A realidade social, objetiva, que n5o existe por acaso,
mas como produto da agro dos homens, tamb6m nio se
transforma por acaso. Se os homens s5o os produtores desta
realidade e se esta, na "invers5o da praxis", se volta sobre
des e os condiciona,transformar a realidadeopressora&
tarefa hist6rica, &tarefa dos homens.
Ao fazer-seopressora, a realidade implica a exist6ncia
dosque oprimem e dos que sio oprimidos. Estes,a queen
caberealmentelutar por sualibertagaojuntamente com os
50 I PAULO FLIM PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 51
que com des em verdadesesolidarizam,precisamganhara
consci6ncia critica da opressao, na prfxis desta busca.
Este 6um dos problemas mais graves que sepoem aliber-
tag5o. f que arealidade opressora, ao constituir-se coma um
quase mecanismo de absorgao dos que nela se encontram,
funciona coma uma formadeimersio dasconsci6ncias.''
Neste sentido, em si mesma, etta realidade 6 funcional-
mente domesticadora. Libertar-se de suaformaexide, indiscu-
tivelmente, a emersio dela, a volta sobre ela. E por issoque
s6 atrav6sda praxis aut6nticaque,nio sendo "bla-bla-bla",
nem ativismo, mas aWaDe reflexao, 6 possivel £az6-1o.
Hay elie }tacerh opres67treal to(bda mh opresivaatiadten-
do a aq elh la conscfmdade h opresi6tt,Itacimdo Za{t!#amia
to(hHa mds i71#amante,a! p7t;gottarla.is
Estefazer "a opress5oreal ainda mais opressori, acres-
centando-thea consci6nciada opress5o",a que Mam se
revere,correspondea relag5odial&ticasubjetividade-objeti-
vidade. Somente na sua solidariedade, em que o subjetivo
constitui com o objetivo uma unidadedia16tica,&possivela
praxisautCntica.
A praxis, por&m,& reflexio e agro doshomens sobreo
mundo para transforms-lo. Semela, 6 impossivel a supera'
gaoda contradigao opressor-oprimidos.
Delta forma, esta superagao exige a insergao critica dos
oprimidos na realidade opressora, com que, objetivando-a,
simultaneamente atuam sobre ela.
Por isto, insergao critica e agaoja sio a mesma coisa. Por
isto tamb&m6 que o mero reconhecimento de umarealida-
de que nio leve a estainsergao critica (agaoja) nio conduz a
nenhuma transformagao da realidade objetiva, precisamen-
te porque n5o 6 reconhecimento verdadeiro.
Este & o casode um "reconhecimento" de carfter pura-
mente subjetivista, que &anteso resultado daarbitrariedade
do subjetivista,o qual,fugindo da realidadeobjetiva,cria
uma balsarealidade"em si mesmo". E nio 6 possiveltrans-
formar a realidade concreta na realidade imaginfria.
E o que ocorre, igualmente, quando a modificagao da
realidadeobjetiva gereosinteressesindividuais ou de classe
de quem faz o reconhecimento.
No primeiro caso, nio ha insergao critica na realidade,
porque esta6ficticia; no segundo,porque ainsergaocontra-
diria os interessesde classe do reconhecedor.
A tend6ncia deste 6, entao, comportar-se "neurotica-
mente". O fasoexiste,mas tanto ele quanto o que dele
talvez resulte Ihe podem ser adversos. Dai que dejanecessa-
rio, numa indiscutivel "racionalizagao", n5o propriamente
nega-lo,mas v6-1ode forma diferente. A "racionalizagao",
como mecanismode defesa,termina por identificar-secom
o subjetivismo. Ao nio negar o cato, mas distorcer suas
verdades,a "racionalizag5o" "retira" asbasesobjetivasdo
mesmo. O faso deixa de ser ele concretamente e passaa ser
um miro criadoparaa defesadaclassedo que6ezo reco-
nhecimento,que, assim,se lorna falso.Destaforma, mais
': 'A agro Libertadora implica um memento necessaliamenteconsciencee voli-
dvo, configurando-se coma a prolongag5o e a inserg5o continuadas dentena
hist6ria. A agro dominadora,entretanto.n5o sup6eetta dimensio com a mesma
necessalicdadc,pols a pi6pria fiincionalidade mecinica e inconsciente da estrutura
6 mantenedora dc si mesma e, portanto, da domina$o." De um trabalho deJose
Luiz Fish, a quem o autor agradece a possibilidade da citagao.
n Karl Marx e FriedrichEngels,La sagradajumilia y otrosescritos.M&xico:
Grijalbo, 1962, p. 6.(O gri£o 6 nosso.)
S2 I PAULOFREIRE
PEDAGOGIA DO OPNMIDO 1 53
uma vez, 6 impossivela "insergaocritica", que s6 exlstena
dialeticidade objetividade-subjetividade.
Ai esteuma dasraz6espara a proibigao, para asdificul-
dades-- como veremosno Qltimo capitulo desteensaio--,
no sentidodeque asmassaspopularescheguem a "inserir-se",
criticamente, na realidade. E que o opressor sabe muito
bem que esta "insergaocritica" das massasoprimidas, na
realidade opressora, em nada pode a ele interessar. O que
Ihe interessa,pesocontrario, &a perman6nciadelasem seu
estadode "imersio" em que,de modo gerd, seencontrRm
impotentes em faceda realidadeopressora,como "situagao
limite" queIhespareceintransponivel.
E interessante observar aadvert6ncia que faz Lukfcs'' ao
partido revo]ucionfrio de que [...] iZdoit, pouremploysles
mots de Mam, expliqaer dKtxramses Imrpropre actio?t aon smZe-
mmt a0?zd'asstlrer h conti?tuitd desa?irimces revoZationnaires
dK proto arial, mats a ssi d'waiver comciemmmt le d6veloppe-
mmt It6rimr decesexp&fmces.
Ao afirmar etta necessidade,Lukfcs coloca, indiscutivel-
mente, a questao da "insergao critica" a que nos referimos.
Expliqaer aiu massesImrp70preaction &esclarecer eilumi-
nar a agro, de um lada, quandoa sua relagio com os dados
objetivosque a provocam;de outro, no que diz respeito is
finalidadesdapr6priaagro.
Quando mais as massaspopulares desvelam a realidade
objetiva edesafiadora sobre aqual das devem incidir suaagro
transformadora,tanto maisse"inserem" nela criticamente.
Desta forma, estario ativandocomdemmmt le ddveloppe-
mmt uZtdrieurde suasexperi6ncias.
f que nio haveria agro humana sc nio houvesseuma
realidadeobjetiva, um mundi como "nio cu" do homem,
capazde desafia-lo;como tamb&m nio haveria aWaDhu-
manaseo homem nio fosseum "projeto", um maisa16m
de si, capazde captar a sua realidade, dc conhec6-lapara
trans6ormf-la.
Num pensardia16tico,agro e mundo, mundo e agro,
estio intimamentesolidfrios. Mas a agro s6 & humana
quando,maisque um puro fazer,&quefazcr,isto &,quando
tamb&m nio se dicotomiza da reflexio. Esta, necessfriaa
agro, esteimplicita na exig6ncia que faz Lukfcs da "explica-
gaois massasde suapr6pria agro" -- coma esteimplicita
na finalidade que ele da a essaexplicagao, a de "ativar cons-
cientemente o desenvolvimento ulterior da experi6ncia:
Para n6s, contudo, a quest5o nio esb propriamente
em explicar is massas,mas em dialogar com das sobre
a suaagro. De qualquer forma, o dever que Lukfcs re-
conheceao partido revolucionfrio de "explicar is mas-
sasa sua agro" coincide com a exig6ncia que fazemos
da insergao critica das massasna sua realidade atrav&sda
praxis, pelo fato de nenhuma realidade se transformar a
simesma.''
A pedagogiado oprimido que, no fundo, & a pedagogia
dos homens empenhando-sena luta por sualibertagao, tem
suasraizesai. E tem que ter nospr6prios oprimidos, que se
15 la peoria matedalista de qKe Zoshombres son prodmto de Zm circamultcim y dc
ta educacfdit,y de qKe,por [attto, los Itombresmod$cados son products de cirmm-
taltdas disrintm y dealta educacidndistfnta. oZHfh queI cirrumtancim sebach
cambfarprrcbammte por los hombresy que el proprf o educator necesitaser educado.
Karl Mam, 'TerceraTesissabreFeuerbach",in Karl Marx e FriedrichEngels,
Obrm esc(:gidm.Moscou: Editorial Progresso, 1966,v. 11,p. 404.'' Gy69y Lukacs, Irttiw. Paris:Etudeset Documentation Intemadonalcs, 1965,p 62.
54 I PAUL.OFREIRE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 55
saibamou comecemcriticamente asaber-seoprimidos, um
dos deus sujeitos.
Nenhuma pedagogiarealmente libertadora pode fi-
car distancedos oprimidos, quer dizer, pode fazer deles
seresdesditados, objetos de um "tratamento" humanita-
rista, para tentar, atrav&sde exemplos retirados de entre
osopressores,modelos para a sua "promogao". Os opri-
midos hio de ser o exemplo para si mesmos, na luta por
suaredengao.
A pedagogiado oprimido, que busca a restauragaoda
intersubjetividade,seapresentacomo pedagogiado Ho-
mem. Somente ela, que seammade generosidadeaut6n-
tica, humanista e nio "humanitarista", pode alcangareste
objetivo. Pelo contrario, a pedagogia que, partihdo dos
interesses egoistas dos opressores, egoismo camuflado
de balsagenerosidade,faz dosoprimidos objetosde seu
humanitarismo,mant&meencarnaapr6pria opressao.E
instrumento de desumanizagao.
Esta6a raz5o pda qual, comoja afirmamos, etta pedago-
gia nio pode serelaborada nem praticada pecosopressores.
Serrauma contradigio seos opressores n5o s6 defendes-
sem,maspraticassemumaeducagaolibertadora.
Se,por6m, a pratica delta educagaoimplica o poder po-
litico e seos oprimidos nio o t6m, coma entio realizar a
pedagogia do oprimido antes da revolugao?
Esta&,sem davida, uma indagagaoda mais alta impor-
tancia, cubarespostanos pareceencontrar-semais ou me-
nos clarano Qltimo capitulo desteensaio.
Ainda que nio queiramos antecipar-nos,poderemos,
contudo, afirmar que um primciro aspecto desta indagagao
se encontra na distingao entre edKcafdosktemdtica,a que
s6 pode ser mudadacom o poder, e os trabaZltos edticattvos,
que devem ser realizados com os oprimidos, no processo de
sua organmagao.
A pedagogiado oprimido, coma pedagogiahumanista
e libertadora; teri dois momentos distintos. O primeiro,
em que os oprimidos v5o desvelandoo mundi da opres'
sio e vio comprometendo-se, na prfxis, com a suatrans-
formag5o; o segundo, em que, transformada a realidade
opressora,estapedagogia deixa de ser do oprimido epasha
a ser a pedagogia dos homens em processo de permanen-
telibertag5o.
Em qualquerdestesmomentos, serf semprea agropro-
funda, atrav6sda qual se enfrentarfj;culturalmente, a cul-
tura dadominagao.'' No primeiro momento, por meio da
mudangada percepg5odo mundo opressorpor parte dos
oprimidos; no segundo, pda expulsao dos milos criados e
desenvolvidosna estrutura opressorae que se preservam
.como espectrosmiticos, na estrutura nova que surgeda
transformagao revolucionfria.
No primeiro momento,o da pedagogiado oprimido,
objeto da anflise destecapitulo, estamosem face do pro-
blema da consci6ncia oprimida e daconsci&ncia opressora;
doshomens opressorese doshomens oprimidos, em uma
situagaoconcretade opressao.Em racedo problemade
seu comportamento, de sua visio do mundo, de sua &tica.
Da dualidadedosoprimidos.E & comoseresduais,con-
tradit6rios, divididos, que temps de encarf-los. A situag5o
de opressaoem que se "formam", em que "realizam" sua
la Estenosparecescr o aspectsfundamental da "revolugao culmral '
56 I PAULOFAIRE
PEDAGOGIA OO OPNMDO 1 57
existancia,os constitui nestadualidade, na qual seencon-
tram proibidos de ser.Basra,por6m, que homens estejam
sends proibidos de ser mais para que a situagaoobjetiva
em que tal proibigaoseverifica seja,em si mesma,uma
vio16ncia.Vio16nciareal, nio importa que, muitas vezes,
adocicadapda fisa generosidadeaque nos referimos, por'
que gerea onto16gica e hist6rica vocagao dos homens -- a
dosermats.
Dai que, estabelecida a relagao opressora, esteja inaugu-
rada a vio16ncia,quejamais foi at&hoje, na hist6ria, defla-
gradapecosopiimidos.
Como poderiam osoprimidos dar inicio a vio16ncia,se
des sio o resultado de uma vio16ncia?
Coma poderiam ser ospromotores de argoque, ao ins-
taurar-seobjetivamente,osconstitui?
Nio haveria oprimidos, senio houvesse uma relagao de
vio16nciaque os conforma como'violentados, numa situa-
gao objetiva de opressao.
Inauguram alvio16nciaos que oprimem, os que explo-
ram, os que nio serecbnhecemnos outros; n5o osopriml '
dos, os explorados, os que nio sio reconhecidos pecosque
osoprimemcoma outta.
Inauguram o desamor, nio os desamados, mas os que
nio amam,porqueapenasseamam.
Os que inauguram o terror nio s5o os d&beis,que a
ele sio submetidos,masos violentos que, com seu poder,
creama situagaoconcretaem que segeram os "demitidos
davida",osesfarrapadosdomundo.
Quem inaugura a tirania nio sio os tiranizados,mas
os ttr&nos.
Quem inaugura o 6dio nio sio os odiados,masos que
primeiroodiaram.
Quem inaugura a negagaodos homens nio sio osque
tiveram a suahumanidadenegada,masos que a negaram,
negandotamb&masua.
Quem inauguraaformanio sio osquesetornaram tacos
sob a robustez dos cortes, mas os cortes que os debilitaram.
Para os opressores, por6m, na hipocrisia de sua "generosi-
dade", sio sempreos oprimidos, que elesjamais obviamente
chamam de oprimidos, mas, conforme sesituem, interna
ou externamente,de "essagente"ou de "essamassacega
e invejosa", ou de "selvagens", ou de "nativos", ou de "sub-
versivos",s5o sempreos oprimidos os que desamam.Sio
sempredes os"violentos", os 'bfrbaros", os"malvados",os
'ferozes", quando reagem a vio16ncia dos opressores.
Na verdade, por6m, por paradoxal que possaparecer, na
resposta dos oprimidos a vio16ncia dos opressores &que va-
mos encontrar o gestode amor. Conscienteou inconscien-
temente, o ato de rebeliio dosoprimidos, que 6 sempretio
ou quase tio violento quanto a vio16ncia que os chia, este
ato dosoprimidos, sim, podeinaugurar o amor.
Enquanto a vio16nciados opressoresfaz dos oprimidos
homens proibidos de ser,a respostadestesa vio16nciada-
queles seencontra infundida do anseio de busca do direito
deser.
Os opressores,violentando e proibindo que os outros
sejam,n5o podem igualmente ser; os oprimidos, lutando
por ser, ao retirar-shes o podef de oprimir e de esmagar.
shesrestauram a humanidade que haviam perdido no uso
da opressao.
58 I PAULOFROM
PEDAGOGIA DOOPNMIDO 1 59
Por into 6 que somente osoprimidos, libertando-se,po-
dem libertar osopressores.Estes,enquanto dasseque opri-
me, nem hbertam, nemselibertam.
O importante, por isto mesmo, 6 que aluta dos oprimidos
senagapara superar acontradigao em que seacham. Que esta
superagaosegao surgimento do homem novo --- n5o mats
opressor, n5o mais oprimido, mas homem hbertando-se. Pred-
samenteporque,sesualuta &no sentidodefazer-seHomem,
que estavamsendoproibidos de ser,nio o conseguirio se
apenasinvertem os termosda contradig5o.lsto &,seapenas
mudam de lugar nospolos da contradigao.
Etta afirmagao pode parecer ing6nua. Na verdade, n5o o &.
Reconhecemosque, na superagao'.'dacontradigao
opressores-oprimidos,:;quesomente pode ser tentada e
realizadapor estes,esteimplicito o desaparecimentodos
primeiros, enquanto classeque oprime:Os freios que os
antigos oprimidos devem impor aos antigos opressores
para que nio voltem a oprimir n5o s5oopressdodaquelesa
estes.A opressaos6 existequando seconstitui em um ato
proibitivo do sermatsdos homens. Por esta razao, estes
freios, que sio necessarios,n5o significam, em si mesmos,
que os oprimidos de ontem sedenhamtransformado nos
opressoresde h(2je.
Os oprimidos de ontem, que det6m os antigosopresso-
res na sua india de oprimir, estario gerando, com seu ato,
liberdade, na medida em que,com ele,'evitam a volta do re-
gime opressor.Um ato queproibe a restauragaodesteregi:
me n5o pode ser comparado com o que o cria e o mant&m;
nio pode ser comparado com aquele atrav6s do qual alguns
homens negam is maiorias o direito deser.
No moments, por6m, em que o novo poder seendyece
em 'burocracia"'' dominadora, seperde a dimensio huma-
nista da lula ejf nio sepode falar em libertagao.
Data afirmagaoanteriormente feita, de que a superagio
aut&ntica da contradigao opressores-oprimidos nio esb na
pura troca de lugar,na passagemde um polo a outro. Maid
ainda:n5o esteem que os oprimidos de hole, em nome de
sua libertag5o, passem a ter novos opressores.
A SITUAgAO CONCRETA DE OPRESSAO E OS OPRESSORES
Maso que ocorre, ainda quando a superagaoda contradi-
gaosenagaem termos aut6nticos, com ainstalagaode uma
nova situagaoconcreta, de uma nova realidAdeinaugura-
dapelts oprimidos que se libertam, & que os opressores
de ontem nio se reconhegam em libertagao. Pele con-
trfrio, vio sentir-secomo serealmente estivessemsends
oprimidos. f que, para des, "formados" na experi6ncia
de opressores,rudd o que n5o sejao seudireito antigo de
oprimir significa opressaoa des. V5o sentir-se, agora, na
nova situagao,como oprimidos porque, seantespodiam
comer, vestir, calgar, educar-se,passear,ouvir Beethoven,
enquanto milh6es nio comiam, nio calgavam,n5o ves-
tiam, nio estudavamnem tampouco passeavam,quando
i7 Esteenrijecimen;to nio se confunde, pris, com os &cios referidos anteiior-
mente e que t6m de serimpostos aos antigos opressores,para que nio res-
taurem a ordem dominadora.f de outra natureza. Implica arevolugio que,
estagnando-se,volta-se contra o povo, usando o mesmo aparato burocrftico
Kpressivo do Estado, que devia ter side radicalmente suplimido, coma tantas
vezessalientouMarx.
60 I PKuu) FAIRE PEDAGOGIADO OPRIMIDO 1,61
mais podiam ouvir Beethoven,qualquer restrigao a tudo
isto, em nome do direito de todos, Ihespareceuma pro-
funda vio16ncia a seu direito de pessoa. Direito de pessoa
que, na situagaoanterior,nio respeitavamnos milh6es
de pessoasque softiam e morriam de tome, de dor, de
tristeza, de desesperanga.
E que, parades, pessoahumana sio apenasdes. Os ou-
tros, estessio "coisas".Parades, hfum s6 direito -- o seu
direito de viverem em paz, ante o direito de sobreviverem,
que talvez nem sequer reconhegam,mas somente admi-
t8m aosoprimidos. E isto ainda porque, afinal, 6 precise
que os oprimidos existam,para que des existam e sejam
generosos
asta maneira deproceder, de compreender o mundi e os
homens (que necessariamenteosfaz reagir a instalagaode
um novopoder),explica-se,comoja dissemos,naexperi6n-
ciaem que seconstituem comodasse dominadora.
Em verdade,instauradauma situag5ode vio16ncia,de
opress5o,ela gera toda uma forma de ser e comportar-se
nos que estio envolvidos nela. Nos opressorese nos oprimi-
dos. Uns e outros, porque concretamentebanhadosnesta
situagao, refletem aopress5o.que os marca.
Na anflise dasituagaoconcreta, existencial, de opress5o,
n5o podemosdeixar desurpreendero seunascimentonum
ato de violQncia que 6 inaugurado, repetimos, pelos quc
t6m poder.
Esta vio16ncia, coma um processo, passade geragao a
geragaode opressores,que sev5o fazendo legatarios dela e
foraando-se no seuclima gerd. Este clima cria nos opres-
sores uma consci6ncia fortemente possessiva. Possessiva do
C
mundo e dos homens. Fora da possedireta, concreta, mate-
rial, do mundo e doshomens, os opressoresnio sepodem
entender asimesmos.Nio podem ser.Delescomo consci6n-
cias necr6Has, dina Fromm que, sem esta posse, perderian el
cotttactocoltelm ndo.'' Dai que tendam a transformar judo
o que oscercaem objetosde seudomingo.A terra, osbens,
a produgao,a criagaodos homens, os homers mesmos,o
tempo em que estio oshomens, judo sereduz a obyetodc
seucomando.
Nesta india irrefleada de posse,desenvolveih em si a
convicgao de que Ihes6 possivel transformar tudo aseupo-
der de compra. Data suaconcepgaoestritamentemateria-
listada exist6ncia.O dinheiro &a medida de ladasascoisas.
E olucro,seu objetivo principal.
Por isto 6 que, para os opressores, o que vale 6 ta amis e
cadavez luis, a custa,inclusive, do ta tttmosou do ?ta£hkr
dos oprimidos. Ser,para des, &tereter coma dasseque tem.
Nio podem perceber. na situag5o opressora em que es-
t5o, como usuRutufrios, que, seta' 6condig5o paraser,etta
6 uma condigao necessfria a todos os homens. Nio podem
perceber que, na busca egoista do ter como dasse que tem,
seafogam naposseeja n5o sio. Jan5o podem ser.
Por isto tudo 6 que a suagenerosidade,como salienta-
mos, & balsa.
Por isto tudo & que a humanizagao 6 uma "coisa" que
possuemcomo direito exclusivo,como atributo herda-
do. A humanizagao 6 apenassua. A dos outros, dos seus
contrarios, se apresentacomo subversio. Humanizar &,
n Erich Fromm, EZcoruz6ltdet}tomhe,breviario.Mexico: R)ndo de Cultura
Econ6mica, 1967, p. 41.l
62 I PAULOFREIRE
PEnxcociA nOOPmMinO 1 63
naturalmente,, segundo seu ponto de vista, subverter, c
nao sermats.
Ter mais, na exc]usividade,n5o 6 um privi]6gio desuma-
nizante e inaut6ntico dos demaise de si mesmos,masum
direito intocivel. Direito que"conquistaramcom seueslor-
go,com suacoragemdecorrer risco". Seosoutros -- "esses
invejosos"-- nio t&m, e porque sio incapazese preguigo-
sos,a quejuntam aindaum injustificfvel mau agradecimen-
to a seus"gestosgenerosos".E,porque "mal-agradecidose
invejosos",s5osemprevistos os oprimidos como seusini-
migos potenciaisa quemt6m de observare vigiar.
Nio poderia deixarde ser assim.Sea humanizagaodos
oprimidos &subversao, sua liberdade tamb&m o 6. Data ne-
cessidadede seu constancecontrole. E, quanto mais con-
trolam osoprimidos, mais ostransformam em "coisa", em
algoque &como sefosseinanimado.
asta tend6ncia dosopressoresde inanimar judo e todos,
que seencontra em suainsia de posse,seidentifica, indis-
cutivelmente, com a tend6ncia sadista. EZphca deZdomittjo
compZetosobre okra persotta (o sabre atta creat ru attimadaJ, diz
Fromm, esh esmda misma del mp ko sddico. Okra ma era de
jormaZar h misma ideaesdear qKeel.PltdeZsadismoescottvertir
an Itombre m cosa,argo attimado m argo {Ka?timado,ya qtle me-
dfante eZcontrol compZeto y absoZKto eZHdr pierce ttQ c aZfdad
esettcial de h da: h i bHtdd.19
O sadismo aparece, assim, coma uma das caracteristicas
da consci6nciaopressora,na sua visio necr6fila do mundi.
Por isto 6 que o seuamor &um amor is avessas-- um Amor
a morsee nio a vida.
Na medida em que,para dominar, seesforgampor deter
aindia de busca, a inquietagao, o poder de criar, que carac-
terizam avida, osopressoresmatam avida.
Dai quc vio se apropriando, cada vez mais, da ci6ncia
tamb&m, como instrumento para suasfinalidades. Da tec-
nologia, que usam como formaindiscutivel de manutengao
da"ordem" opressora,com a qualmanipulam eesmagam.:'
Os oprimidos, como objetos, como quase"coisas",nio
t6m finahdades.Assuas,sio asfinalidadesqueshesprescre-
vem os opressores.
Em face de tudo isto 6 que se coloca a n6s maisum
problema de importancia inegavel a serobservadono cor-
po destasconsiderag6es,que 6 o da adesio e consequen-
cepassagemque fazem representantesdo polo opressor
ao polo dos oprimidos. De sua adesio a luta destespor
libertar-se,
Cabe a des um paper fundamental, como sempretem
cabido na hist6ria delta luta.
Acontece, por6m, que, ao passaremde exploradores ou
de espectadoresindiferentes ou de herdeiros da explorag5o
-- o que & uma coniv6nciacom ela -- ao polo dos explo-
rados, quase sempre levam consigo, condicionados pda
'cultura do si16ncio",:'codaa marca de sua origem. Seus
preconceitos. Suasdeformag6es, entre estas,a desconfianga
" A prop6sito das"formas dominantes de controle social", cf. Herbert Marcuse,.
I,'Homme undfmmsionel e Eros et Cidllsa fait. ,Paris: Editions de Minuit; 1968-1961,
obras ja traduzidas para o portugu6s.
:' A prop6silo de "culture do si16ncio", cf. "Paulo Faire: aWaDcu]tura] para li-
bertagio", Cambridge,Massachusetts,Centerfor the Study of Developmentand
SocialChange, 1970.Este ensaioapareceu primeiramente em Harvard Educatio Z
Renew, nos seus ndmeros de maid e agosto de 1970; 6 publicado no Brasil em
1976,pda Paz e Terra, no livro Aldo mlturalpann a libe71iadee OKtrosescri£os.ip Fromm, op cit., p.30.(Os grifossio nossos.)
64 I PAULOFREIRE
PEDAGOGIADO OPRIMIOO 1 65
do povo. Desconfiangade que o povo seja capazde pensar
certo. Dg querer. De saber.
Deste modo, estio sempre correndo o risco de cair num
outro tips degenerosidade,tio funesto quandoo que criti-
camos nos dorhinadores.
Seestagenerosidadcnio se nutre, como no casodos
opressores,da ordem injusta que precisaser mantida para
justifica-la; sequerem realmente transforms-la, na suade-
6oimagao,contudo, acreditam que devemser osfazedores
da trans6ormagao.
Comportam-se, assim,coma quem n5o cr6 no povo, ain-
da que nele salem.E crer no povo &a condigaopr&via, indis-
pensavel,a mudangarevolucionfria.Um revolucionfrio se
reconhece mais por esta crenga no povo, que o engaja, do
quepor mil agnessemela.
Aqueles que se comprometem autenticamente com o
povo 6 indispensfvelque serevejamconstantemente. Esta
adesio 6de tal forma radicalque nio permite a quem a iaz
comportamentosambiguos.
Fazer esta adesio e considerar-seproprietfrio do saber
revolucionario, que deve,destamaneira, ser doado ou im-
posto aopovo, &manter-secomo era antes.
Dizer-se comprometido com alibertag5o e n5o ser capaz
de comKngarcom o povo, a quem continua considerando
absolutamenteignorante,6um dolorosoequivoco.
Aproximar-se dele, mas sentir, a cadapasse,a cadadivi- .
da, a cada expressao sua, uma esp6cie de susto, e pretender
impor o seu swatHS,6 manter-se nostflgico de sua origem.
Dai que esta passagemdeva ter o sentido profundo do
renascer.Os que passamt6m de assumir uma forma nova
de estersends;ja n5o podem atuar como atuavam;ji nio
podempermanecercoma estavamsmdo.
A SITUAgAO CONCRETA DE OPRESSAOE OS OPRIMIDOS
Serf na suaconviv6ncia com os oprimidos, sabendo-setam-
b6mum deles-- somenteaum naveldiferentedepercepgao
darealidade--, que poderacompreenderasfornlas desere
comportar-sedos oprimidos, que refletem, em mementos
diversos,aestruturadadominag5o.
Uma destas,de que ja falamos rapidamente, 6 a duali-
dadeexistencialdosoprimidos que, "hospedando"o opres-
sor, cuba"sombra" des "introjetam", sio des e ao mesmo
tempo s5oo outro. Dai que, quasesempre,enquanto n5o
chegam a localizar o opressorconcretamente, como {am-
b6m enquanto n5o cheguema ser "consci6nciapara si",
assumamatitudes fatalistas em face da situagaoconcreta
deopressaoem que estio.::
Este fatalismo, is vezes, df a impressao, em anflises su-
perficiais, de docilidade, como carfter nacional, o que &um
engano. Este fatalismo, alongado em docilidade, &fruto de
uma situagao hist6rica e socio16gica e nio um trago essen-
cial da forma de serdo povo.
Quasesempre estefatalismo este referido ao poder do
destino ou da sina ou do fade -- pot6ncias irremoviveis
-- ou a uma distorcida visio de Deus. Dentro do mundo
22"0 campon6s, que 6 um dependence, comega a ter inimo para superar sua
depend6ncia quando se da conga de sua depend6ncia. Antes disco, segue o pa-
trio e diz quake sempre:'Que possofazer, se sou um campon6s?"'-- Palavras
deum campon6sdurante entrevista com o actor, no Chile:
66 I PAULOFREIRE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 67
magico ou mistico em que seencontra, a consci6nciaopri-
mida, sobretudo camponesa, quase imersa na natureza,:'
encontrano sofhmento,produto da exploragaoem que
este, a vontade de Deus, como seEle fosseo fazedor desta
'desordem organizada '
Na "imersio" em que se encontram, nio podem os
oprimidos divisar, claramente, a "ordem" que serve aos
opressores que, de certa forma, "vivem" neles.. "Ordem '
que, frustrando-os no seuatuar, muitas vezesosleva aexer-
cer um lipo de vio16nciahorizontal com que agridem os
pr6prios companheiros.:'E possivelque, ao agirem assim,
mais uma vez explicitem suadualidade. Ao agredirem seus
companheiros oprimidos estario agredindo neles, indireta-
mente, o opressor tamb&m "hospedado" neles e nos outros.
Agridem, coma opressores,o opressornosoprimidos.
Ha, por outro lado,em cerromomento da experi6nciaexis-
tencia[ dos oprimidos, uma irresistive] atragao peso opressor.
Pelts seus padr6es de vida. Participar destes padr6es constitui
uma incontida aspiragao.Na suaalienag5oquerem, atodo cus-
to, parecer com o opressor.Imitf-lo. Segui-lo. lsto se verMca,
sobretudo,nos oprjmidos de "dassemedia", cujo anseio6 se-
rum iguais ao "homem ilustre" da chamada dasse"superior '
E interessanteobservarcomo Memmi,:s em uma excep-
tional anflise da "consci6nciacolonizada", se reverea sua
repulsade colonizado ao colonizador mesclada,contudo,
de"apaixonada"atragaopor ele.
A autodesvalia& outra caracteristicados oprimidos. Re-
sulta da introjegao que fazem des davisio que delest6m os
opressores.'
De tanto ouvirem de si mesmosque sio incapazes,que
nio sabemnada, que n5o podem saber,que sio enfermos,
indolentes, que nio produzem em virtude de tudo isto, ter-
minam por seconvencerde sua"incapacidade".z' Falamde
si coma osque ngo sabeme do "doutor" coma o que sabe
e a quem devemescutar.Os crit&rios de saberque Ihe sio
impostor sio os convencionais.
Nio sepercebem, quase sempre, conhecendo, nas rela-
g6esque estabelecemcom o mundi e com os outros ho-
mens,ainda que um conhecimento ao nigel dapura Zola.
Dentro dos marcos concretosem que sefazem duais &
natural que descreiamde si mcsmos.a
Nio sio poucos os camponesesque conhecemosem
nossaexperi6ncia educativa que, ap6salguns momentos de
discussio viva em torno de um tema queshes6problemfti-
co,param de repentee dizem ao educador:"Desculpe,n6s
excessivedemands? How noah he Irate rite coZottizerxatd yet admire them so pmsio-
mteiy? rl tooJtlt this admiration, diz Memmi, in spiteof mosey).Albert Memmi,
TateCoZottizerald theColottized.Boston: BeaconPress,1967,p. X. Em portugues,
Retrato do colonizacZoprcccdidopolo retraro do colonizador, 2' ed. Rio de Janeiro:
PazeTerra, 1977.
z' "0 campon6s sesante inferior ao patr5o porque este Ine parece coma o que
temo m6ritode saberedirigir."(Entrevista do autor comum campon&s)
zz Cf. a esterespeito o livro citado de Albert Memmi.
'Por que o senhor(disse certa vezum campondsparticipante de um 'circuto
dc cultura' ao educador)n5o explica primeiramente osquadros(referia-seis
codificag6es)?Assim(concluiu) nos custard ments en5o nos d6ia cabega.'
:s Cf Cindido Mendes, Afemmto dos dvds; a esqaerda cat61{catto Broil. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966.
z' Frantz canon, I,os coTdmadosde Zat ezra.M&xico:Fonda de Cultura
Econ6mica, 1965:[,..] e] coZonizadolto dga de Zibaarse mire Z n evede Za}tocltey
las sek de h }ntafhata.Esaagresil'Madsedtmmta(h m s mhmZos vu a mant#estarZa
al coZottizadopdmero contra lossunos.(p. 46)
25 How co Zdlite coZonfzerlook a#cr his workers wh ZcpedodicalZyguttning dowlt a
crowd of rite coZolttzed?How could tke colorized deny ;titttseg 'so crKeZZyyet 7 ke s ch
68 I PAuLoFREIRE PEDAGOGIA DOOPNMIDO 1 69
Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire
Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire
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Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire

  • 1. azer o aluno conhecer a liberdade, tornando-se apto a se construir criti- ca e responsavelmente: foi este o noble objetivo ao qual Paulo Freire se dedicou durante toda a vida. Mas como altar um voo tio alto num mundo onde, cada vez mais, "a pedagogia domi- nante 6 a pedagogia da classe dominante"? Pedagogia do oprimido, obra que figura entre as principais de suavasta bibliografia, 6 uma das respostasmais relevantes a essa pergunta. Aqui, consciente da si- tuagao em que se encontram os oprimidos do Brasil e da Ame- rica Latina, Paulo nos oferece uma anilise penetrante do fun- cionamento de nossasclassesso- ciais e indica os caminhos para uma pedagogia eficiente, capaz de suscitar, nos educandos, o dialogo e o saberdesi. Nio 6 preciso muito para que aamplitudedopensamentodesta obra serevele: do conte6do pro- gramitico is estruturas opres- sorasda sociedade,asreflex6es Reirianas se debrugam sobre todososfatoresqueinfluenciam PEDAGOGIADO OPRIMIDO
  • 2. Copyright C)Herdciros Paulo Freire Dircitos dc cdigaoda obra em lingua pormgucsaadquiridos pda EoiTOKApxz ETzKXA.Todos osdircitos reservados.Ncnhuma parte dcstaobra pods ser apropriada c cstocadacm sisremadc banco dc dados ou proccssosimilar, em qualqucr forma ou mao, ucla clctr6- nico, dc fotoc6pia,gravagio ctc., scm apermissio do dctentor do copyright. Editora Pazc Terra Lada. Rua do Paraiso, 139, 10' andar, conjunto 101 Paraiso Sio Paulo,SP--04103-000 wwwrecord.com.for AOSESFARRAPADOSDO MUNDOE AOSQUENILES SE DESCOBREME, ASSAMDESCOBRINDO-SE,COM ELMS SOFREM, MAS, SOSKZTuno, COM ELEMLUTAM Segaum leitor preferencialRecord. Cadaslre-se e receba inR)rmag6es sobre nossos langamentos e nossaspromogoes. Atendimento e venda direta ao leitor mdireto@record.com.for ou(21) 2585-2002 Texto Kvisto pesonovo Acordo Onografico daLingua PomJguesa indicesparacatflogo sistemitico 1. Frcirc,Paulo : Pcdagogiado oprimido: Educagio370.1 Impressono Brasil 2014 r' CIPBRASIL.CATALOGAQAONAFONTEI SINDICATONACIONALDOSEDITORESDE LIVROS.N Frcire. Paulo, 1921-1997 1 Pcdagogiado oprimido/ PauloFrcirc.- 58.cd.nv. c amal.-- Rio dcJaneiro:Pazc Terra, 2014. Bibliografia ISBN 978 85-7753-164-6 1. Educagio Z. Frcirc, Paulo, 1921-1997.Pedagogia do oprimido 3. Pedagogia1.Titulo IJ l-03203 CDD-370'1
  • 3. Sumfrio PREFACIO: APRENDERA DIZER A SUAPALAVRA PROFESSOREIWANI MARIA FION n PRIMEIRAS PALAVRAS l Justificativa da pedagogiado oprimido 39 4i 61 67 A contradigio opressores-oprimidos Suasuperagao A situag5o concreta de opressio e os opressores A situagio concreta de opress5oe os oprimidos Ningu&m liberia ningu&m,ningu6m se libertasozinho:oshomensselibertam emcomunh5o 71 2;!'FA concepgao "bancfda" da educagio como instrumento da opressao.Seus pressupostos,suacritica 79 86 -tA concepgaoproblematizadora e liberta dora da educagao.Seuspressupostos
  • 4. A concepgao'bancfl.ia" eacontradigao educador-educando 87 4 A peoriadaagroantidia16gica i67 Ningu6meducaningu6m,ningu6meduca a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizadospelomundi 95 A peoria da agro antidia16gica e suas caracteHsticas:aconquista, dividir para manter a opressao,amanipulagao ea invasio cultural i85 zz6 O homem coma um ser inconcluso, consciente de sua inconclusao, e seu permanente movimento debusca do ser?naH Altboriitla aWaDdia16gKlje suasca- racteristicas: a co-laboragao, a uniao, a organizagao e asintese cultural 101 3 A dialogicidade:ess6nciadaeducagao comopraticadaliberdade i07 Educagao dia16gica e dialogo 110 O didogo comeganabuscado conteQdo programaticon5 As relag6eshomen$-mundi, os.te04s geradoreseoconteQdoprogramftico destaeducagao n9 A investigag5odostemas geradores e suametodologia l33 A significagaoconscientizadora aa inves tigagao dos temas geradores. Os vfrios mementos da investigag5o i38
  • 5. PREF;ACIO APRENDER A DIZER A SUA PALAVRA Paulo FRnREf UMPENSADORcomprometido com avida: nio pensaideias, pensa a exist6ncia. f tamb&m educador: exis- tencia seupensamentonuma pedagogiaem que o es6orgo totalizador da praxis humana busca, na interioridade desta, retotalizar-se como "prftica da liberdade". Em sociedades cuja dinimica estrutural conduz a dominagao de consci6n- cias, "a pedagogia dominance 6 a pedagogia das classes dominantes".Os m&todosda opressaonio podem, con- traditoriamente, servir a libertagao do oprimido. Nessas sociedades, governadas pecos interesses de grupos, classes e nag6esdominantes,a "educagaocomoprftica daliber- dade" postula, necessariamente,uma "pedagogiado opri- mido". Nio pedagogia para ele, mas dele. Os caminhos da liberagaosio os do oprimido que selibera: ele nio & coisa que se resgata,& sujeito que se deveautoconfigurarres- ponsavelmente. A educag5oliberadora & incompativel com uma pedagogia que, de maneira consciente ou mistificada, tem side pratica de dominagao.A pratica da liberdade s6 encontrarf adequada expressaonuma pedagogia em quc o oprimido tenha condig6esde, reflexivamente,descobrir- se e conquistar-se coma sujeito de sua pr6pria destinag5o hist6rica. Uma culture tecida com a dramada dominagao, por mais generosos que sejam os prop6sitos de seus educa- dores, 6 barrcira cerrada is possibilidades educacionais dos
  • 6. que se situam nas subculturas dos proletfrios e marginais. Ao contrario, uma novapedagogiaenraizadana vida des- sassubculturas,apartir delase com das, serf um continuo retomar reflexivo de seuspr6prios caminhos de liberagao; nio serasimples reflexo, senio reflexiva criagaoe recriagao, um it adiantenessescaminhos:"m6todo", "prftica deliber- dade" que, por ser tal, este intrinsecamente incapacitada para o exercicioda dominagao.A pedagogiado oprimido &,pois, liberadora de ambos, do oprimido e do opressor. Hegelianamente, diriamos: a verdade do opressor residena consci6nciado oprimido. Assim apreendemosa ideia-contede dois livros' em que Paulo Freire traduz, em forma de IQcidosabersociopeda- g6gico,suagrande e apaixonanteexperi6nciade educador. Experi6ncia e saber que se dialetam, densificando-se,alon- gando-se e dandy, com nitidez cadavez maior, o contorno e o relevode suaprofunda intuigaocentral: a do educadorde vocag5o humanista que, ao inventar suast&cnicas pedag6gi- cas,redescobreatrav6sdegaso processohist6rico em que e por queseconstituia consci6nciahumana.Ou, aproveitan- do uma sugestaode Ortega, o processoem que avida coma biologia passaa servida coma biografia. Talvez seja esteo sentido mais exato da alfabetizag5o: aprender a escrevera suavida como autor e como teste- munha de suahist6ria, into &,biografar-se, existenciar-se, historicizar-se. Por into, a pedagogiade Paulo Freire, sen- do m&todode alfabetizagao,tem comaideia animadora codaa amplitude humana da "educagaocomo pratica da I Paulo Frcire, Educafdoromoprdticada Zfbnr dc. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1967;e Pe(Zag(Ibiddoopr£mido.Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1967. liberdade",o que,em regimede dominagao,s6 sepode produzir e desenvolver na dinfmica de uma "pedagogia do oprimido ' As t&cnicasdo referido m6todo acabampor ser a es- tilizagao pedag6gica do processo em que o homem constituie conquista,historicamente,.suapr6priaforma: a pedagogia faz-seantropologia. Esta conquista nio sepode comparar com o crescimento espontaneodos vegetais: participa da ambiguidade da condigaohumana e dialetiza- se nas contradig6es da aventura hist6rica, projeta-se na continua recriagaode um mundo que, aomesmotempo, obstaculiza e provoca o esforgo de superagaoliberadora daconsci6nciahumana.A antropologiaacabapor exigir e comandarumapolitica. E o que pretendemos insinuar em tr6s relances.Primei- ro: o movimento interno que unifica oselementosdo m6- todo eosexcedeem amplitude dehumanismo pedag6gico. Segundo; essemovimento reproduz e manifesta o processo hist6rico em que o homem se reconhece.Terceiro: os ru- mos possiveisdesseprocessos5opossiveisprojetos e, por conseguinte, a conscientizagao nio &apenasconhecimento ou reconhecimento,masopgao,decisis, compromisso. As t6cnicasdo m6todo de alfabetizagaode Paulo Freire, embora em si valiosas,tomadas isoladamentenio dizem nadado m6todo. Tamb&mnio seajuntaram ecleticamente segundo um crit&rio de simples efici6ncia t6cnico-pedag6- gica. Inventadas ou reinventadas numa s6 diregao de pensa- mento, resultam da unidade que transparecena linha axial do m&todo e assinalao sentidoe o alcancedeseuhumanis- mo: alfabetizar &conscientizar. 12 I PAULOFROM PEDAGOGIADO OPRIMIDO I I3
  • 7. Um minima depalavras,com amfxima poliva16nciafo- n6mica, 6 o ponte de partida para a conquista do univer- sevocabular.Essaypalavras,oriundas do pr6prio universe vocabular do alfabetizando,uma vez transfiguradaspda critica, a ele retornam em agro transformadora do mundi. Como saem de seu universo e coma a ele voltam? Uma pesquisapr6via investigao universo daspalavras faladas,no meir cultural do alfabetizando.Dai sio extrai- dos os vocfbulos de mais ricas possibilidades fon6micas e de maior cargasemintica -- os que nio s6 permitem rapids dominio do universe da palavraescrita como, tamb&m, o mais eficaz engajamento de quem a pronuncia, com a forma pragmaticaque instaurae transforma o mundo humana. Estaspalavrassio chamadasgeradorasporque, atrav6s da combinagao de seuselementos bfsicos, propiciam a for- magaode outras.Como palavrasdo universo vocabulardo alfabetizando,sio significag6esconstituidasou reconstitui- dasem comportamentosseus,que configuram situag6es existenciaisou, dentro delas,seconfiguram. Tais significa- g6essio plasticamente codificadasem quadros, s! des,filmi- nas etc., representatives das respectivas situag6es, que, da experi6nciavivida do alfabetizando,passampara o mundo dosobjetos. O alfabetizandogangadistincia para ver suaex- peri6ncia: "admiral". Nesse instance, comega adescodificar. A descodificagao6 anflise e consequente reconstitui- gao da situag5o vivida: reflexo, reflexio e abertura de possibilidades concretas de ultrapassagem. Mediada pda objetivag5o, a imediatez da experi&ncialucidifica-se, inte- riormente, em reflexio de si mesma e critica animadora de novos prqetos existenciais.O que antes era fechamento, pouco a pouco se vai abrindo; a consci6ncia passa a escu- tar os apelosque a convocam sempre mais a16mde seus limites: faz-secritica. Ao objetivar seu mundo, o alfabetizandonele reencon- tra-secom os outros e nos outtos, companheirosde seu pequeno "circulo de cultura". Encontram-see reencon- tram-se todos no mesmo mundo comum e,da coincid6ncia das inteng6es que o objetivam, ex-surge a comunicagao, o dialogs que criticiza e promove os participantesdo ck- culo. Assim, juntos, re-criam criticamente o seu mundi: o que antes os absorvia, agora podem ver ao rev6s. No circulo de cultura, a rigor, nio se ensina, aprende-seem 'reciprocidade de consci6ncias"; nio hf professor,ha um coordenador, que tem por fungao dar asinformag6es soli- citadas pecosrespectivos participantes e propiciar condig6es favoriveis a dinimica do grupo, reduzindo ao minimo sua intervengaodiretano curso do dialogo. A "codificagao"e a"descodificagao"permitem ao alfabe- tizando integrar a significagao das respectivas palavras gera- dorasem seucontexto existencial-- ele a redescobrenum mundo expressadoem seucomportamento. Conscientizaa palavra como significagaoque se constitui em suaintengao significante, coincidente com inteng6esde outros que sig- nificam o mesmo mundi. Este-- o fundo -- 6 o lugar do encontro de cada um consign mesmo e os demais. A essaaltura do processo, a respectiva palavra geradora pode ser,ela mesma, objetivada como combinagao de lone- mas suscetiveis de representagao grffica. O alfabetizando ja sabeque alingua tamb6m 6 cultura, que o homem &sujeito: dente-sedesafiado a desvelar ossegredos de sua constituigao, U I PAULOFREIm PEOAGOGIA DO OPRIMIDOI T5
  • 8. r a partir da construg5o de suaspalavras-- tamb&m constru- gio de seu mundi. Para esseefeito, como tamb&m para a descodificagaodas situag6essignificadaspdas palavras geradoras,a que nos referimos,6 de particular interessea etapa preliminar do m&todo, que nio haviamos ainda men- cionado. Nessa etapa, sio descodificadas pelo grupo vfrias unidades basicas,codificag6es simples e sugestivas, que, dia- logicamente descodificadas,vio redescobrindoo homem como sujeito de dodoo processohist6rico da cultura e, ob- viamente, tamb6m da cultura letrada.O qtle o homem fda eescrevee como fda e escreve,judo &expressao objetiva de seuespirito. Por isto, pode o espirito refazer o feith, neste redescobrindo o processoque o faz e refaz. Assim, ao objetivar uma palavra geradora -- integra, primeiro, e depois decompostaem seuselementos silfbi- cos--, o alfabetizandoja estemotivado para nio s6 bus- car o mecanismo de sua recomposigao e da composigao de novas palavras, mas tamb€1mpara escrever seu pen- samento.A palavra geradora, ainda que objetivada em suacondigao de simples vocfbulo escrito, nio pode mais libertar-se de seu dinamismo semintico e de sua forma pragmatica, de que o alfabetizandoja sefizera conscience na repetida descodificagaocritica. Nio se deixara, pois, aprisionar nos mecanismos de composigaovocabular.E buscarf novaspalavras,n5o para colecionf-las na mem6ria, maspara dizer e escrevero seu mundo, o seupensamento,para contarsuahist6ria. Pensar o mundi &julga-lo; e a experi6nciadoscirculos de cultura mostra que o alfabetizando,ao comegar a escreverlivre- mente, nio copiapalavras,masexpressajuizos. Estes,de certamaneira,tentam reproduzir o movimento de suapr6- pria experi6ncia; o alfabetizando, ao dar-lhes forma escrita, vai assumindo,gradualmente, aconsci6ncia de testemunha deuma hist6ria de que sesabe3utor. Na medida em que se apercebe coma testemunha de sua hist6ria, sua consci6ncia sefaz reflexivamente mais responsaveldessahist6ria. O m&todo Paulo Freire n5o ensina arepetir palavras,nio serestringe a desenvolver a capacidade de pensa-las segun- do asexig6ncias16gicasdo discurso abstrato; simplesmente coloca o alfabetizando em condig6esde poder re-existenciar criticamente aspalavrasde seu mundo, para, na oportuni- dade devida, saber epoder dizer a sua palavra. Eis por que, em uma cultura letrada, aprendealer e escrever,masaintengao Qltima com que o fazvai al&mda alfabetizagao. Atravessa e amma toda a empresa educati- va, que nio 6 sen5oaprendizagem permanente dessees- forgo de tota]izagao --jamais acabada-- atrav6sdo qual o homem tenta abragar-seinteiramente na plenitude de sua forma. f a pr6pria dial&tica em que se existencia o homem. Mas, para isto, para assumir responsavelmente sua missio de homem, ha de aprender a dizer a sua pa- lavra, pois, com ela, constituia si mesmo e a comunh5o humana em que seconstitui; instaura o mundi em que sehumaniza, humanizando-o. Com a palavra,o homem sefaz homem. Ao dizer a sua palavra, pols, o homem assume conscientemente sua essen- cial condigaohumana. E o m&todo que Ihe propicia essa aprendizagemcomensura-seao homem dodo,e seusprin- cipios fundam toda pedagogia, desde a alfabetizagao at& os maisautosniveisdo laboruniversitirio. I6 I PAULOFROM PKOXGOCiAD0 0PRiMi00 1 i7
  • 9. r A educagao reproduz, assim, em seu plano pr6prio, a es- trutura dinimica eo movimento dial&tico do processohist6- rico de produg5o do homem. Para o homem, produzir-se 6 conquistar-se, conquistar sua forma humana. A pedagogia &antropologia. Tudo foi resumido por uma mulher simples do povo, num circulo de cultura, diantede uma situagaorepresen- tadaem quadro: "Gosto de discutir sabreisto porque viva assim.Enquanto vivo, por&m, nio vejo. Agora sim, observo como vivo. A consci6ncia 6 essamisteriosa e contradit6ria capacida- de que tem o homem de distanciar-se dascoisas para faze-las presences,imediatamente presentes. E a presenga que tem o poder depresentificar: nio &representagao,mas condigao de apresentagao.f um comportar-se do homem frente ao meio que o envolve,transformando-oem mundo huma- no. Absorvido pele meio natural, respondea estimulos; e o 6xito de suasrespostasmede-sepor suamaior ou menor adaptagao:naturaliza-se. Despegadode seu meir vital, por virtude da consci6ncia,enfrenta as coisasobjetivando-as, e enfrenta-secom das, que deixam de ser simpler estimulos, para setornarem desafios.O meio envolventenio o fecha, limita-o -- o que sup6e a consci6ncia do a16m-limite. Por isto,porqueseproyetaintencionalmentea16mdo limite que tenta encerra-la, pode aconsci6nciadesprender-sedele, liberar-see objetivar, transubstanciandoo meir fisico em mundi humano. A "hominizagao" nio &adaptagao:o homem nio sena- turaliza, humaniza o mundo. A "hominizagao" nio & s6 processobio16gico,mastamb6mhist6ria. A intencionalidadeda consci6nciahumananio morre na espessurade um envolt6rio sem reverso. Ela tem dimensio sempremaior do que oshorizontes que a circundam. Per- passaa16m das coisas que alcanga e, porque as sobrepassa, podeenfrenti-lascomo objetos. A objetividade dos objetos & constituida na intenciona- lidade da consci6ncia,mas, paradoxalmente, esta atinge, no objetivado, o que ainda nio seobjetivou: o objetimavel. Portanto, o objeto nio & s6 objeto, 6, ao mesmo tempo, problema: o que esteem dente, coma obsticulo e interro- gagao.Na dial&ticaconstituinte da consci6ncia,em que esta sepedaz na medida em que faz o mundo, a interrogagao nunca 6pergunta exclusivamente especulativa: no processo de totalizagao da consci6ncia& sempre provocagaoque a incita a totalizar-se.O mundo 6 espetfculo, massobretudo convocagao. E, como a consci6ncia se constitui necessaria- mente como consci6nciado mundi, ela6, pois, simultinea e implicadamente,apresentagaoe elaboragaodo mundo. A intencionalidadetranscendentalda consci6nciaper- mite-the recuar indefinidamente seushorizontes e, dentro deles,ultrapassarosmementos e assituag6es,que tentam ret6-la e enclausurf-la. Liberia pda formade seu impulse transcendentalizante, pode volver reflexivamente sobretais situag6ese momentos, parajulga-los ejulgar-se. Por isto 6 capaz de critica. A reflexividade & a raiz da objetivagao. Se a consci6nciasedistanciado mundo e o objetiva, &porque suaintencionalidade transcendental a faz reflexiva. Desde o primeiro momento de sua constituigao,ao objetivar seu mundo originario, ja 6 virtualmente reflexiva. E presengae distincia do mundo: a distincia & a condigao da presenga. I8 I PAULOFAIRE PEDAGOGIADOOPRIMIDOI I9
  • 10. r Ao distanciar-sedo mundi, constituindo-se na objetividade, surpreende-se, ela, em sua subjetividade. Nessa linha do en- tendimento, reflexio e mundo, subjetividadee objetividade n5o seseparam:op6em-se,implicando-sedialeticamente. A verdadeirareflexio critica origina-se e dialetiza-sena in terioridade da "praxis" constitutivado mundi humano -- & tamb&m"praxis' Distanciando-sede seu mundo vivido, problematizando-o, 'descodificando-o"criticamente, no mesmo movimento da consci6nciao homem seredescobrecomo sujeito instaura- dor dessemundo de suaexperi6ncia.Testemunhando obje- tivamente suahist6ria,mesmo a consci6nciaing6nua acaba por despertarcriticamente, para identificar-secomo perso' nagem que se ignorava e &chamada a assumir seupaper A consci6nciado mundi e a consci6nciade si crescemjuntas e em razio direta;uma &a luz interior da outta, uma com- prometida com aoutra. Evidencia-seaintrinseca correlagao entre conquistar-se,fazer-semaid si mesmo, e conquistar o mundo, faze-lo mais humano. Paulo Freire nio inventou o homem; apenaspensae pratica um m&todo pedag6gico queprocura dar aohomem a oportunidade de re-descobrir-se atrav&sda retomada reflexiva do pr6prio processo em que vai ele se descobrindo, manifestando e configurando -- 'm&tododeconscientizagao' Mas ningu&m se conscientiza separadamentedos de- mais. A consci6nciase constitui como consci6nciado mundi. Se cada consci6nciatjv'==e o seu mundi, as consci6nciassedesencontrariam em mundos diferentes e separados-- seriam m6nadas incomuniciveis. As consci6n- ciasnio se encontramno vazio de si mesmas,pois a consci6ncia& sempre,radicalmente, consci6nciado mun- do. Seulugar de encontro necessfrio6 o mundo, que, se nio for originariamente comum, nio permitira mais a comunicagao.Cada um teri seuspr6prios caminhos de entrada nessemundo comum, mas a converg6ncia dasinteng6es,que o significam, & a condigao de possibi- lidade dasdiverg6nciasdos que, nele, se comunicam. A nio ser assim,os caminhos seriam paralelos e intranspo- niveis.As consci6nciasnio sio comunicantesporque se comunicam; mas comunicam-seporque comunicantes.A intersubjetivagao dasconsci6ncias& t5o originaria quanto sua mundanidade ou sua subjetividade. Radicalizando, po- deriamos dizer, em linguagem nio mais fenomeno16gica, que a intersubjetivagao das consci6ncias& a progressiva conscientizagao,no homem, do "parentescoonto16gico' dosseresno ser.E o mesmo mist6rio que nosinvadee nos envolve, encobrindo-se e descobrindo-sena ambiguidade do nossocorpo consciente. Na constituigaodaconsci6ncia,mundo econsci6nciase poemcomo consci6nciado mundi ou mundo consciencee, ao mesmotempo, seop6em como consci6nciade sie cons- ci6ncia do mundi. Na intersubjetivagao, as consci6ncias tamb&m sepoem como consci6nciasde um certo mundo comum e, nessemundo, seop6em como consci6nciadesi e consci6nciado outro. Comunicamo-nos na oposig5o,que & amica via de encontro para consci6nciasque seconstituem namundanidadeena intersubjetividade. O mon61ogo,enquanto isolamento, & a negagaodo ho- mem; 6fechamento da consci6ncia, uma vez que consci6ncia &abertura. Na solidao, uma consci6ncia, que &consci&ncia do 20 I PAULOFREIRE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 21
  • 11. r' mundo, adentra-seem si, adentrando-semais em seumun- do,que, reflexivamente, faz-semais IQcidamediagaoda ime- diatez intersubjetiva das consci6ncias.A solidio -- n5o o isolamento-- s6semant&menquantorenovae revigoraas condig6esdodialogo. O dialogo fenomenizae historiciza a essencialinter- subjetividade humana; ele 6 relacional e, neue,ningu6m tem iniciativa absoluta.Osdialogantes"admiram" um mesmomundo; afastam-sedele e com ele coincidem; neuepoem-see op6em-se.Vimos que, assim,a consci6ncia se existencia e busca perfazer-se. O dialogo nio & um produto hist6rico, 6 a pr6pria historicizagao. E ele, pois, o movimentoconstitutivodaconsci6nciaque,abrindo-separa ainfinitude, venceintencionalmente asfronteiras da fi- nitude e, incessantemente, buscareencontrar-se al&m de si mesma. Consci6ncia do mundi, busca-seela a si mes- ma num mundo que 6 comum; porque & comum esse mundi, buscar-sea si mesma & comunicar-se com o ou- tro. O isolamento n5o personaliza porque nio socializa. Intersubjetivando-semais, mais densidadesubjetiva ga- nha o sujeito. A consci6ncia e o mundo nio se cstruturam sincro- nicamente numa estftica consci6ncia do mundi: visio e espetfculo. Essaestrutur8 funcionaliza-se diacronicamente numa hist6ria. A consci6nciahumana buscacomensurar-se a si mesma num movimento que transgride, continuamen- te, todos osseuslimites. Totalizando-sea16mde si mesma, nunca chega a totalizar-se inteiramente, pois sempre se transcende a si mesma. Nio 6 a consci6ncia vazia do mun- di que sedinamiza, nem o mundo 6 simples projegaodo movimento que a constitui como consci6nciahumana.A consci6ncia &consci&ncia do mundo: o mundi ea consci6n- cia, juntos, coma consci6ncia do mundo, constituem-se dialeticamente num mesmo movimento -- puma mesma hist6ria. Em outros termos: objetivar o mundi 6 historici- zf-lo, humanize-lo. Entao, o mundo da consci6ncianio 6 criagao,mas,sim, elaboragaohumana.Essemundi nio se constitui na contemplagao,masno trabalho. Na objedvag5o transparece, pois, a responsabilidade his- t6rica do sujeito: ao reproduzi-la criticamente, o homem sereconhececoma sujeito que elabora o mundo; nele, no mundi, efetua-sea necessfria mediagao do autorreconheci- mento que o personalizae o conscientizacoma autor res- ponsavel de sua pr6pria hist6ria. O mundo conscientiza-se comaprojeto humana: o homem faz-selivre. Oque parece- ria serapenasvisio &,efetivamente,"provocag5o";o espeta- culo, em verdade,6 compromisso. Seo mundo 6 o mundo dasconsci6nciasintersubjetiva- das,sua elaboragaoforgosamente hf de ser colaboragao. O mundo comum mediatizaaoriginfria intersubjetivagao das consci6ncias:o autorreconhecimento plenifica-seno reconhecimento do outro; no isolamento, a consci6ncia modifica-se.A intersubjetividade, em que as consci6ncias seenfrentam, dialetizam-se, promovem-se, &a tessitura il- tima do processohist6rico de humanizagao.Este.nasori- gensda "hominizagao" e anunciaasexig6ncias61timasda humanizagio.Reencontrar-secoma sujeito,e liberar-se,6 dodoo sentido do compromisso hist6rico. Jaa antropolo- gia sugcreque a "praxis", sehumana e humanizadora, &a "praticadaliberdade 22 I PAULOFRnRE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 23
  • 12. r' O circulo decultura -- no m&todo Paulo Freire-- re-vi- ve a vida em profundidade critica. A consci6ncia emerge do mundi vivido, objetiva-o, problematiza-o, compreende-o como prqeto humana. Em dialogo circular, intersubjetivan- do-semais emais, vai assumindo, criticamente, odinamismo de suasubjetividade criadora.Todosjuntos, em circulo, e em colaboragao,re-elaboramo mundo e, ao reconstrui-lo, apercebem-sede que, embora construido tamb&m por des, essemundo nio 6 verdadeiramentepara des. Humaniza- do por des, essemundo ngo oshumaniza. As m5os que o fazem n5o sio as que o dominam. Destinado a libero-los como sujeitos, escraviza-oscomo objetos. Reflexivamente, retomam o movimento da consciCncia que osconstitui sujeitos,desbordando aestreitezadassitua- g6esvividas; resumem o impulso dial&tico da totalizagao hist6rica. Presentificadoscomo objetosno mundo da cons- ci6ncia dominadora, nio se davam congade que tamb&m eram presengaque presentificaum mundo que n5o &de ningu6m, porque originariamente6 de todos. Restituida em sua amplitude, a consci6nciaabre-separa a "pratica da liberdade": o processo de "hominizagao", desde suasobscu- rasprofundezas,vai adquirindo a translucidez de um pro' jeto de humanizag5o. Nio 6 crescimento, 6 hist6ria: aspero esforgo de superag5o dial&tica dascontradig6es que entrete- cemo drama existencialda finitude humana. O m&todo de conscientizagaodePaulo Freirerefazcriticamente essepro- cessodial&ticodehistoricizagao.Coma todo bom m6todo pedag6gico,nio pretende ser m&todo de ensino,mas sim de aprendizagem; com ele, o homem nio cria suapossi- bilidade de serlivre, mas aprendea efetivi-la e exerc6-la. A pedagogia aceita a sugestao da antropologia: imp6e-se pensar e viver "a educagao coma pratica da liberdade Nio foi por acaso que esse m6todo de conscientiza- gaooriginou-se como m&todo de alfabetizagao.A cultu- ra letrada nio &invengaocaprichosado espirito; surgeno momento em que a cultura, como reflex5o de si mesma, consegue dizer-se a si mesma, de maneira definida, clara e permanente. A cultura marca o aparecimento do homem no largo processoda evolugao c6smica. A ess6nciahumana existencia-se, autodesvelando-se como hist6ria. Mas essa consci6nciahist6rica, objetivando-se reflexivamente, sur- preende-se a si mesma, passa a dizer-se, torna-se consci&n- cia historiadora: o homem &levado a escreversuahist6ria. Alfabetizar-se &aprender a ler cssapalavra escrita em que a cultura sediz e, dizendo-secriticamente, deixa de serrepe- tigao intemporal do que passou,para temporalizar-se, para conscientizar suatemporalidade constituinte, que e anQn- cio e promessado que ha de vir. O destino, criticamente, recupera-secomo projeto. Nessesentido, alfabetizar-sengo 6 aprender a repetir palavras,mas a dizer a suapalavra, criadora de cultura. A cultura letrada conscientizaa cultura: a consci6nciahisto- riadora automanifestaa consci&nciasuacondigaoessencial de consci6nciahist6rica. Ensinar a ler aspalavrasdivase ditadas & uma forma de mistificar as consci6ncias, desper- sonalizando-asna repetigao-- 6 a t6cnica da propaganda massificadora.Aprender adizer asuapalavra &toda apeda- gogia, e tamb&mtoda aantropologia. A "hominizagao" opera-se no moments em que a cons- ci6ncia ganha a dimensio da transcendentalidade. Nesse U I PAULOFREIRE PEDAGOGIA DOOPNMIDO 1 25
  • 13. r' instante, liberada do meir envolvente, despega-sedele, en- 6enta-o, num comportamento que a constitui como cons- ci6ncia do mundi. Nessecomportamento, as coisassio objetivadas,into 6, significadase expressadas:o homem asdiz. A palavra instaura o mundi do homem. A palavra, como comportamento humana, significante do mundi, nio designa apenasascoisas,transforma-as; nio 6 s6 pen- samento, 6 "praxis". Assim considerada, a semintica 6 exis- t6ncia e apalavravivaplenifica-seno trabalho. Expressar-se,expressandoo mundo, implica o comunicar-se. A partir da intersubUetividadeoriginaria, poderiamosdizer que a palavra,matsque instrumento, 6 origem da comuni- cagao-- apalavra&essencialmentediflogo. A palavraable a consci6ncia para o mundi comum das consci6ncias, em dia- logo, portanto.Nessalinha de entendimento,a expressaodo mundo consubstancia-seem elaboragaodo mundo ea comu- nicagao em colaboragao. E o homem s6 se expressaconve- nientementequandocolaboracom todos na construgaodo mundo comum -- s6 sehumanizano processodia16gicode humanizagaodo mundo. A palavra,porque lugar do encontro e do reconhecimento das consci6ncias,tamb&m o &do reen- contro e do reconhecimento de simesmo. A pa]avrapessoa], criadora, pois apalavra repetida &mon61ogo das consci&ncias que perderam suaidentidade, isoladas,imersas na multidio an6nima e submissasa um destino que Ices 6 imposto eque nio s5o capazesde superar, com a decisis de um projeto. f verdade: nem a cultura iletrada 6 a negag5odo ho- mem, nem a cultura letrada chegou a ser sua plenitude. Nio ha homem absolutamente inculto: o homem "homi- niza-se" expressando,dizendo o seu mundi. Ai comegam a hist6ria e a cultura. Mas o primeiro instanceda palavra 6 terrivelmente perturbador: presentifica o mundo a cons- ci6ncia c, ao mesmo tempo, distancia-o. O enfrentamen- to com o mundi 6 ameagae cisco.O homem substitui o envolt6rio protetor do meir natural por um mundo que o provocae desafia.Num comportamento ambiguo,en- quanto ensaiao dominio t&cnicodessemundo, rentavoltar a seuseio, imergir nell, enleando-sena indistingao entre palavra ecoisa. A palavra, primitivamente, &mito. Interior ao mito e condigao sua, o logoshumano vai conquistando primazia, com a intelig6ncia das mios que transformam o mundi. Os prim6rdios dessahist6ria aindasio mitolo- gia: o mito 6 objetivadopda palavraque o diz. A narra- gaodo mita, no entanto,objetivandoo mundi mitico e entrevendo o seu conteOdo racional, acaba por devolver a consci6nciaa autonomia da palavra, distinta das coisas que elasignifica e transforma. Nessaambiguidade com que a consci6nciafaz o seu mundi, afastando-ode si, no dis- tanciamento objetivante que o presentifica como mundo consciente,apalavra adquire a autonomia que a lorna dis- ponivel para serrecriadana expressaoescrita.Embora nio tenha side um produto arbitrfrio do espirito inventivo do homem, a cultura letrada 6 um epifen6meno da cultura, que, atualizando sua reflexividade virtual, encontra na pa- lavra escrita uma maneira mais formee definida dedizer-se, isto &,de existenciar-sediscursivamente naprfxis hist6rica. Podemos conceber a ultrapassagem da cultura letrada: o que, em dodo caso, ficarf &o sentido profundo que ela ma- nifesta: escrevere nio conservar e repetir a paiavra dita, mas diz6-la com a formareflexiva que sua autonomia Ihe H I PAULOFREIM PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 27
  • 14. r' di -- a formaing6nita que a iaz instauradora do mundo da consci6ncia,criadoradacultura. Com o m&todo de Paulo Freire, os alfabetizandos par- tem de algumas poucas palavras que Ihes servem para ge- rar seuuniverse vocabular. Antes, por6m, conscientizam o poder criador dessaspalavras:sio das que geram o seu mundi. Sio significag6esque seconstituem em compor- tamentos seus;portanto, significag6esdo mundo, mas suastamb&m.Assim, aovisualizarem apalavra escrita,em sua ambigua autonomia, ja estio consciencesda dignidade de que ela 6portadora -- a alfabetizagao nio &umjogo de palavras,& a consci6nciareflexiva da cultura, a reconstru- gaocritica do mundo humana, a abertura de novos cami- nhos,o projeto hist6rico de um mundo comum. a bravura dedizer asuapalavra. A alfabetizagao,portanto, 6 toda a pedagogia:aprender a ler 6 aprender a dizer a sua palavra. E a palavra humana imita a palavra divina: 6 criadora. A palavra 6 entendida, aqui, como palavra e aWaD;nio 6 o termo que assinalaarbitrariamente um pensamentoque, por suavez, discorre separadoda exist6ncia. E significagao produzida pda prfxis, palavra cqa discursividade flui da historicidade -- palavraviva e dinamica, nio categoria iner- te, exinime. Palavraque diz e transforma o mundo. A palavraviva &diflogo existencial.Expressae elaborao mundo, em comunicagaoecolaboragao.O dialogo aut6ntico -- reconhecimento do outro e reconhecimento de si,no ou- tro -- &decisis e compromisso de colaborar na construgao do mundo comum. Nio ha consci&nciasvazias;por isto os homens nio sehumanizam, senio humanizando o mundo. Em linguagem direta: oshomens humanizam-se,traba- Ihandojuntos para fazerdo mundo, sempremais, a media- gaodeconsci6nciasque secoexistenciam em liberdade. Aos que constroemjuntos o mundo humano, compete assumi- rem a responsabilidade de dar-the diregao. Dizer a sua pala- vra equivale aassumir conscientemente, coma trabalhador, afungao de sujeito de suahist6ria, em colaboragaocom os demaistrabalhadores-- o povo Ao Pbvo cabedizer a palavra de comando no processo hist6rico-cultural. Sea diregaoracional de tal processoj£ 6 politica, entio conscientizar&politizar. E acultura popular setraduz por politica popular; n5o ha cultura do Povosem politicado Povo. O m&todo de Paulo Freire 6, fundamentalmente, um m6todo decultura popular: conscientizaepolitiza. Nio ab- sorveo politico no pedag6gico,mas tamb6m nio p6e ini- mizade entre educagaoepolitica. Distingue-as, sim, masna unidadedo mesmo movimento em que o homem sehisto- riciza ebuscareencontrar-se, isto 6, buscaserlivre. Nio tem aingenuidade de supor que a educagao, s6 ela, decidirf dos rumos da hist6ria, mas tem, contudo, a coragem suficien- te para afirmar que a educagaoverdadeira conscientizaas contradig6es do mundo humana, sejam estruturais, supe- restruturais ou interestruturais, contradig6esque impelem o homem a it adiante. As contradig6es conscientizadas n5o Ihe dio maid descanso, tornam insuportfvel aacomodagao. Um m6todo pedag6gico de conscientizagaoalcangaasal- timas fronteiras do humano. E como o homem semprese excede,o m&todo tamb6m o acompanha.E "a educag5o comopraticadaliberdade z8 I PAULOFRnRE PEOAGOGIA OO OPRIMIDO 1 29
  • 15. r' Em regime de dominagao de consci6ncias,em que os que mais trabalham menos podem dizer a sua palavra e em que multid6es imensasnem sequer t6m condig6es para trabalhar, os dominadoresmant6m o monop61io da pala- vra, com que mistificam, massificame dominam. Nessasi- tuagao, os dominados, para dizerem a sua palavra, t&m que lutar para tomb-la. Aprender atami-la dos que a det&m ea recusam aos demais &um dificil, mas imprescindivel apren- dizado-- &a "pedagogiado oprimido ' PRIMEIRAS PALAVRAS As pAaiNASQuuSESEGUEMe que propomoscomo uma introdug5o a Pedagogiado oprim£dosio o resultado de nos- sasobservag6es nestes cinco anos de exilio. Observag6es que se v6m juntando is que fizemos no Brasil, nos vfrios setoresem que tivemos oportunidade de exercerativida- deseducativas. Um dos aspectosque surpreendemos,quer nos curios de capacitagaoque damose em que analisamoso papel da conscientizagao, quer na aplicagao mesma de uma educa- gao realmentelibertadora, & o "medo da liberdade", a que faremosrefer6ncianoprimeiro capitulodenteensaio. Nio s5o raras asvezes em que participantes destes cur- ios, numa atitude em que manifestamo seu "medo da liberdade", sereferem ao que chamam de "perigo da cons- cientizagao". 'H. consci6ncia critica (dizem) & anarquica.' Ao que outros acrescentam: "Nio poderf a consci6ncia critica conduzir a desordem?"Ha, contudo, os que t2m- b&mdizem: "Por que negar?Eu temia aliberdade.Janio atemol Certa vez, em um dessescurios, de que fazia parte um homem que fora, durante longo tempo, operario,seestabe- leceu uma dessasdiscuss6esem que seafirmava a "pericu- losidade da consci6ncia critica". No meir da discussao, disse este homem: "Talvez scja eu, entre os senhores, o Qnico de origem operaria.Nio possedizer que hajaentendidosodas ProfessorErnani Maria Fiori Santiago, Chile, dezembrode] 967 30 I PAULOFREIRE
  • 16. aspalavrasque foram divasaqui,mas uma coisapossoafir- mar: chegueia essecurso {ng?ttKOe, ao descobrir-me ing6- nuo, comeceia tornar-me crftico.Estadescoberta,contudo, nem me Cazfanatico, nem me df asensagaode desmorona- mento." Discutia-se, na oportunidade, sea conscientizagao de uma situag5oexistencial,concreta,de injustiga nio po- deria conduzir os homens deja conscientizados a um "fana- tismo destrutivo" ou auma "sensagaodedesmoronamento total do mundo em que estavamesseshomens' A davida,assimexpressa,implicita uma afirmagio nem sempreexp]icitada,no que teme a ]iberdade: "Melhor serf que a situagaoconcretade injustiga nio seconstitua num 'percebido' claro para aconsci&nciadosque a sofrem.' Na verdade, por6m, nio 6 a conscientizagao que pode levar o povo a ''fanatismosdestrutivos". Pele contrario, a conscientizagao,que Ihe possibilita inserir-se no processo hist6rico, como sujeito, evita osfanatismose o inscrevena buscadesuaafirmagio. 'Sea tomada de consci6ncia abre o caminho a express5o dasinsatisfag6es sociais, sedeve a que estassio componen- tes reais de uma situagao de opressao.": O medo da liberdade, de que necessariamente nio tem consci6nciao seuportador, o faz ver o que nio existe.No funds, o que teme aliberdade serefugia na segurangavital, como dina Hegel,' preferindo-aaliberdade arriscada. Rare,por6m, 6 o que manifestaexplicitamente estere- ceio da liberdade. Sua tend6ncia 6, antes, camufla-lo, num jogo manhoso, ainda que, is vezes, inconsciente. Jogo ar- tificioso de palavrasem quc apareceou pretende aparecer coho o que defende a liberdade e nio como o que a temp. As suasdQvidase inquietag6es empresta um ar de pro- funda seriedade.Seriedadede quem fosseo zelador da li- berdade. Liberdade que seconfunde com a manutengao do statenquo.Por isto, sea conscientizagaop6e em discussio estestatenqxo, ameaga, entao, a liberdade. As afirmag6es que fazemos nesteensaio nio sao,de um dado,auto de devaneios intelectuais nem, tampouco, de outro, resultam apenasde leituras, por mais importantes que das nos denhamsido. Estio sempreancoradas,como sugerimos no inicio destaspfginas, em situag6esconcretas. Expressam reag6es de proletarios, camponeses ou urbanos, e dehomens de classemedia, que vimos observando,dire- ta ou indiretamente, em nosso trabalho educativo. Nossa inteng5o 6 continuar com estasobservag6espara retificar ou ratificar, em estudosposteriores, pontos afirmados neste ensaio.Ensaioque, provavelmente, irf provocar, em alguns de seuspossiveisleitores, reag6essectfrias. Entre estes,havera,talvez, os que nio ultrapassaraosuas primeiras paginas. Uns, por considerarem a nossaposigao, diante do problema da libertagao dos homens, coma uma posigao idealista a maid, quando nio um "blf-bla-bla" rea- cionfrio. "Bla-blf-bla" dequem seperdefdando em vocagao onto16gica,em amor,em diflogo, em esperanga,em humil- dade,em simpatia. Outros, por n5o quererem ou nio pode rem aceitar ascriticas e adenincia que fazemos dasituagao : FranciscoWenort, em prefacid a Paulo Frcire, Dlucafao romoprdtica da liberdade. ' [...] And it k solely ty risking it#e t tat.Feedom is obtained. [...] The ilzd{ dual, w]to flds Itot stakedotis!€1emay,lto doubt, berecognizedm aperxolt; bKt hehm trot attaitted lite truth of tilts recognition anindepmdmtselFcomciomness.Georg W F.Hegel, 7'1zePltentommot(Kyof A ind. Nova York: Harper and Row, 1967,p. 233. 32 I PAUL.OFREIRE PEDAGOGIADO OPRIMIDO 1 33
  • 17. r' opressora,situag5oem que os opressoresse "gratificam", atrav6sde sua balsagenerosidade. Dai que seja este, com sodas as defici6ncias de um ensaio puramente aproximativo, um trabalho para homens radi- cais.Cristios ou marxistas,aindaque discordando de nossas posig6es,em grande parte, em parte ou em sua totalidade estes,estamos certos, poderao chegar ao fim do texto. Na medida, por6m, em que, sectariamente, assumam posig6es fechadas, "irracionais", rechagarao o dialogo que pretendemos estabelecerIJ:ravesdestelivro. E que asectarizagao&senhprecastradora,pelo fanatismo de quesenutre. A radicalizagadpele contrario, &sempK criadcF ra, petacriticidade que a alirhenta.Enquanto a sectarizagao6 mitica, por isto ahenante,aradcalizagao &critica, por isto hber- tadora. Libertadora porque, implicando o enraizamento que os homens fmem na opgaoque fizeram, osengaja cadavez mats no esiorgode transformagao da realidadeconcreta, objedva. A sectarizagao,porquemitica eirracional, transforma area- lidade numa fisa realidade,que, assim,n5o pode sermudada. Parta de quem parka,a sectarizagao& um obstfculo a emancipag5o dos homens. Dai que seja doloroso observar que nem sempre o sectarismo de direita provoque o seu contrario, isto &,a radicalizag5odo revolucionfrio. Nio sio raros os revolucionfrios que se tornam reacio- nfrios pda sectarizagao em que sedeixam cair, ao respon' derasectarizagaodireitista. Nio queremos,por&m,com isto dizer -- e o deixamos clara no ensaioanterior' -- que o radicalsetome d6cil ob- jeto dadominag5o. ' Paulo Freire, Ed cafdo comaprdtica da liberdade. Precisamenteporque inscrito, coma radical,num pro- cessode libertagao, nio pode vicar passivo dianne da vio16n- cia do dominador. Por outro lada,jamais serf o radical um subjetivista.E que,paraele, o aspectssubjetivo loma corpo numa unida- de dial&tica com a dimensio objetiva da pr6pria ideia, isto &,com os conteQdosconcretos da realidadesobre a qual exerce o ato cognoscente. Subjetividade e objetividade, des- ta forma, se encontram naquela unidade dia16ticade que resulta um conhecer solidfrio com o atuar e este com aque- le. f exatamente estaunidade dia16ticaquegera um atuar e um pensarcertos na e sabre a realidade para transforms-la. O sectfrio, por sua vez, qualquer que sejaa opgao de onde parka na sua "irracionalidade" que o cega, nio per- cebe ou nio pode perceber a dinimica da realidade, ou a percebe equivocadamente At& quandosepensana dial&tica,a sua6 uma "dial&tica domesticada Esta&arazao, por exemplo, por que o sectfrio de direita, que, no nosso ensaio anterior, chamamos de "sectfrio de nascenga",pretende frear o processo, "domesticar" o tem- po e, assim,os homens. Esta 6 a raz5o tamb&mpor que o homemdeesquerda,aosectarizar-se,seequivocatotalmen- te na suainterpretagao "dia16tica"da realidade,da hist6ria, deixando-se cair em posig6es fundamentalmente fatalistas. Distinguem-se,na medidaem que o primeiro preten- de "domesticar" o presentepara que o futuro, na melhor das hip6teses, repita o presence "domesticado", enquanto o segundo transforma o futuro em argo preestabelecido, uma esp&ciede dado,de sina ou de destino irremedifveis. H I PAUL.OFREIM PEDAGOGIA DO OPRIMIDO t 35
  • 18. r' Enquanto, parao primeiro, o hoje ligado ao passado&algo dado e imutivel, para o segundo, o amanhi &argo pr6-dado, prefixado inexoravelmente.Amboy sefazem reacionfrios porque, a partir de sua falsa visio da hist6ria, desenvolvem um e outro formas de agro negadoras da liberdade. E que o tata de um concebero presente'bem-comportado" e o outro, o futuro como predeterminado, nio significaque se tornem espectadores,que cruzem os brazos, o primeiro, esperando a manutengio do presence, uma esp6cie de volta ao passado;o segundo, a esperade que o futuro ja "conhe- cido" seinstate. Pelecontrario, fechando-seem um "circulo de seguran- ga", do qual nio podem sair,estabelecemambosa suaver- dade.E estanio 6 a dos homens na luta para construir o futuro, correndoo ciscodestapr6pria construg5o.Nio 6 a doshomens lutando e aprendendo,uns com os outros, a edificar este futuro, que ainda nio este dado, como sefosse destino,coma sedevesseser recebidopelts homens 6 nio criadoporeles. A sectarizag5o,em ambososcastes,6reacionfria porque, um e outro, apropriando-sedo tempo, de cujo sabersesen- tem igualmente proprietarios, terminam semo povo, uma forma de estarcontra ele. Enquantoo sectfrio dedireita, fechando-seem "sua' verdade,nio faz maisdo que o que Ihe 6 pr6prio, o ho- mem de esquerda,que sesectarizae tamb6m seencerra, & a negagao do si mesmo. Um, naposigaoque Ihe&pr6pria; o outro, na queo nega, ambos girando em torno de "sua" verdade, sentem-se abala- dos na suaseguranga,sealgu&ma discute. Dai que shesseja necessfrio considerarcoma mentira tudo o que nio sejaa suaverdade. "So6'em ambos da feta de dQvida."s O radical,comprometido com a libertagao doshomens, n5o sedeixaprender em "circulos de seguranga",nosquais aprisione tamb&m a realidade. Tio mais radical quanto mais seinscreve nesta realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transforms-la. Nio hemeenRentar,n5o hemeouvir, n5o teme o desve- lamento do mundi. Nio hemeo encontro com o povo.Nio hemeo dialogocom ele, de que resultao crescentesaberde ambos.'Nio se sensedono do tempo, nem dono dos ho- mens,nem libertadordosoprimidos.Com des secompro- mete,dentro do tempo,paracom des lutar. Seasectarizagao,comoafhmamos,6opr6priodoreacionf- rio, aradicalizagao6 o pr6prio do revolucionirio. Dai que ape- dagogiado oprimido, que implica uma tarefaradical,cujasli- nhasintrodut6riaspretendemosapresentarnesteensaio,eapr6' pda leitura destetexts nio possamserrealizadaspor sectfiios. Queremos expressaraquio nosso agradecimento aElba,de modo gerd nossaprimeiraleitora, por suacompreensaoe es- dmulos constantesanosso trabalho, que tamb&m 6 seu.Agra- dedmento que estendemos a todos quangosleram osoriginais desteensaiopdas criticas que nos fizeram, o que nio nos retira ou diminuia responsabihdadepdas anmag6es neuefeitas. PauloFreire Santiago, CltiZe, oatonode1968 5 Mfrcio Moreira Alves, em conversacom o actor. Enquantoo conhecimentote6rico permanecercomo privil&gio de uns quangos'acad6micos' dentro do Partido, este se cncontrari em grande peri- no de it aoftacasso."Rosa Luxemburgo, "ZReforma o Revoluci6n?",in Wright Mills, I,oslntarxistw.Mexico: Ed. Era S.A., 1964,p. 171. 36 I PAULOFREIRE PEDAGOGIA DOOPNMIDO 1 37
  • 19. l JUSTIFICA'nVADA PEDAGOGIADOOPRIMIDO RKcoNHECEMosAAMPUTUnEdo fema que nospropomos tratar nesteensaio,com o qual pretendemos,em certo aspects,aprofundar alguns pontos discutidos em nosso trabalho anterior, Edticafaocoho prdtica da Ziberdade.Dai que o consideremoscomo mera introdugao, coma dim- ples aproximagao a assuntoque nos parecede importan- ciafundamental. Mais uma vez os homens, desafiadospda dramaticidade dahora atual, seprop6em a si mesmoscoma problema. Des- cobrem que pouco sabemdesi, dc seu "poscono cosmos",e seinquietam por saber mais. Estara, alias, no reconhecimento do seupouco saber de si uma das raz6es desta procura. Ao se instalarem na quase, sen5o tragica, descoberta do seu pouch saberde si, sefazem problema a des mesmos. Indagam. Res- pondem, e suasrespostasoslevam a novasperguntas. O problema de sua humanizagao, apesar de sempre dever haver side, de um ponto de vista axio16gico, o seu problems central, assume,h(!je,carater de preocupagaoiniludivel.' ' Os movimcntos de rebeliio, sobretudo dejovens, no mundi atual, que nc- cessariamenterevelampeculiaridades doscspagosonde sedio, mani6cstam,em suaprofundidade, etta preocupagaoem porno do homem e doshomens, coma sexesno mundi e com o mundi. Em torno do qace deromocstio sends.Ao questionarem a "civilizagao do consume"; aodenunciarem as"burocracias" dc
  • 20. r' Constatar estapreocupagao implica, indiscutivelmente, reconhecer adesumanizagio, nio apenascomo viabilidade onto16gica,mascomo realidadehist6rica. E tamb6m, e tal- vez sobretudo, a partir desta dolorosa constatag5o que os homens seperguntam sobre a outra viabilidade -- a de sua humanizagao. Ambas, na raiz de suainconclusio, os inscre-l vem num permanentemovimento de busca.Humanizagao e desumanizagao,dentro da hist6ria, num contexto real, concrete, objetivo, sio possibilidadesdos homens como se- resinconclusoseconsciencesdesuainconclusio. Mas, se ambassio possibilidades, s6 a primeira nos pa- rece sero que chamamos de vocagaodos homens. Vocagao negada,mas tamb&m afirmada na pr6pria negagao.Voca- g5onegadana injustiga, na exploragao, na opressao,navio- 16nciados opressores.Mas afirmada no anseio de liberdade, de justiga, de luta dos oprimidos, pda recuperagao de sua humanidade roubada. A desumanizagao, que nio se verifica apenas nos que t6m sua humanidade roubada, mas tamb&m, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, 6 distorgao da voca- gao do sa mats. f distorgao possivel na hist6ria, mas ngo vocagaohist6rica. Na verdade,se admitissemosque a de- sumanizagao6 vocagaohist6rica dos homens, nada mais reriamosque fazed,a n5o ser adotar uma atitude cinica ou detotal desespero.A luta pda humanizag5o,pele trabalho livre, pda desalienagao,pda afirmagaodos homens como pessoas,coma "serespara si", n5o celia significagao.Esta somente 6 possivelporque a desumanizagao,mesmo que um fate concretona hist6ria, n5o 6, por6m, desti?to(hdo, masresultado de uma "ordem" injusta que gera a vio16ncia dosopressoreseetta,o serramos. A CONTItADIgAO OPRESSORES-OPRIMIOOS. SUA SUPERAgAO A vio16nciados opressores,que os faz tamb6m desumaniza- dos,nio instaura uma outra vocagao-- ado sermenos.Como distorgao do ser mais, o ser menos leva osoprimidos, cede ou garde,a lugar contra quem os fez menos. E estalula somen- te tem sentido quando os oprimidos, ao buscaremrecuperar sua humanidade, que 6 uma forma de crib-la, nio sesentem idealistamenteopressores,nem setornam, decato,opressores dos opressores,mas restauradores da humanidade em ambos. E ai estea grande tarefahumanista e hist6i.icadosoprimi- dos -- libertar-se a sie aos opressores. Estes, que oprimem, explorame violentam, em razio de seupoder,n5o podem ter, nestepoder, a formade libertagao dos oprimidos nem de si mesmos.S6 o poder que nasgada debibdadedos oprimi- dos sera suficientemente forte para libertar a ambos. Por isto &que o poder dosopressores,quandosepretendeamenizar ante a debihdadedos oprimidos, nio apenasquasesempre seexpressaem fisa generosidade,como jamais a ultrapassa. Os opressores, fdsamente generosos, t6m necessidade,para que a sua "generosidade"continue tendo oportunidade de lodos os matizes; ao exigipem a transformagao das universidades, de que resul- tem, de um lada, o desaparecimento da rigidez nasrelag6es professor-aluno; de outro, a insergao delay na realidade; ao proporem a transformagao da realidade mesma para quc as universidades possum renovar-se; ao rechagarem velhas or- dens e instituig6es estabelecidas,buscando a afirmag5o dos homens coma sujei- tos dedecisis, todos estesmovimentos refletem o sentido mais antropo16gico do que antropoc6ntrico de nossa6poca. 40 I PAULOFRnRE PEDAGOGIA DO OPNMIDO 1 41
  • 21. r' realizar-se,da perman6nciada idustiga. A "ordem" social injusta&acontegeradora,permanente,desta"generosidade' que senutre da morse, do desalento e da mis&iia.' Dado desesperodelta "generosidade"diannede quail quer ameaga,embora t6nuc, a suafonts. Nio podejamais engender esta "generosidade" que a verdadeira generosida- de esb em ]utar para que desaparegamasraz6es que ali- ment2m o falso amor. A balsacaridade,da qual decorre a m5o estendidado "demitido da vida", medroso e inseguro, esmagadoe vencido.Mio estendidae tr6mula dos esfar- rapadosdo mundi, dos "condenadosda terra". A grande generosidade este em lutar para que, cada vez mais, estas maos, sejamde homens ou de povos,seestendamments em gestosde saplica. Saplicadehumildes a poderosos. E se vio fazendo, cadavez mais, mios humanas, que trabalhem e transformem o mundo. Este ensinamento e este aprendi- zadot6m de partir, por6m, dos"condenadosda terra", dos oprimidos, dos esfarrapadosdo mundo e dos que com des realmentesesolidarizem.Lutando pda restauragaode sua humanidade estarao,sejamhomens ou povos, tentando a restauragaodagenerosidadeverdadeira. Quem, mellor que os oprimidos,se encontrarf prepa- rado para engender o significado terrivel de uma sociedade opressora? Quem sentira, mellor que des, os efeitos da opres- s5o?Quem, mais que des, para it compreendendoa neces- sidadeda libertagao? Libertagao a que nio chegarao pelo acaso, mas pda praxis de suabusca; pesoconhedmento e reconhecF mento da necessidade de lugar por ela. Lula que, pda finalidade que Ihe derem os oprimidos, serf um ato de amor,com o qualseoporao ao desamorcon- tido na vio16nciados opressores,at6 mesmo quando estase revista da balsagenerosidadereferida. A nossa preocupagao, neste trabalho, 6 apenas apresen' tar algunsaspectosdo que nos parececonstituir o quevi- mos chamando de pedagogia do oprimido: aquelaque tem de ser forjada comele e nio para ele, enquanto homensou povos, na lula incessantede recuperagao de suahumanida- de. Pedagogia que nagada opressao e de suas causasobjeto da reflexio dos oprimidos,de que resultarf o seuengaja- mento necessfrio na luta por sua libertagao, em que esta pedagogiasebarferefari. O grande problema este em como poder5o os oprimi- dos,que "hospedam" o opressor em si, participar da ela- borag5o, coma seresduplos, inaut6nticos, da pedagogia de sualibertagao.Somente na medida em que sedescubram 'hospedeiros"do opressorpoderao contribuir para o par' tejamento de suapedagogialibertadora. Enquanto vivam a dualidadena qual ser & parecer e parecer & parecercom o opressor,&impossivel £az6-1o.A pedagogiado oprimido, que n5o pode serelaborada pelos opressores,&um dos ins- trumentos para estadescobertacritica -- a dosoprimidos por si mesmose a dos opressorespelts oprimidos, coma manifestag6esdadesumanizagio. B "Talvez d6s esmolas. Mas, de ondc asbras, sen5o de tuas rapinas cru&is, do sofnmento, daslagrimas, dossuspiros?Sc o pobre soubessede onde vem o teu 6bolo, ele o recusariaporque teria aimpressaode murder a carnede seusir- mios e de sugar o langue de seu pr6ximo. Ele te dina estaspalavras corajosas: nio sacies a minha cede com as lagrimas de meus irmios. Nio d6s ao pobre o pao endurecido com os solugos demeus companheiros de mis6ria. Devolve a teu semelhanteaquinoque reclamastee eu te sereimuito grata. De que vale consular um pobre. se tu fazedoutros cem?"S5o Greg6rio de Nissa(330-395), 'Sermio contra os usurfrios' 42 I PAULOFREIRE PEI)AGOGIADO OPRIMIDO 1 43
  • 22. r Ha argo,por6m, a considerarnestadescoberta,que este diretamente ligado a pedagogialibertadora. E que, quase semprc,num primeiro memento destedescobrimento,os oprimidos, em vezde buscara libertagao na luta e por ela, tendem a ser opressorestamb6m, ou subopressores.A es- trutura de seu pensar se encontra condicionada peta con- tradigaovivida na situagaoconcreta,existencial,em que se 'formam". O seuideal 6, realmente, ser homens, mas, para des, ser homens, na contradigao em que sempre estiveram e cubasuperagao nio sheseste clara, &ser opressores. Estes sio o seutestemunho de humanidade. lsto decorre, coma analisaremosmais adiahte, com mais vagar,do fasode que,em certo memento de suaexperi6n- cia existencial,os oprimidos assumem uma postura que chamamos de "ader6ncia" ao opressor. Nestas circunstin- cias,nio chegam a "admire-lo", o que os levaria a objedva-lo, a descobri-lo fora de si. Ao Cazermosesta afirmagao, n5o queremos dizer que os oprimidos,nestecasa,nio sesaibamoprimidos. O seuconhe- cimento de si mesmos,como oprimidos, se encontra, contu- do, piqudicado pda "imers5o" em que seacham na reahdade opressora. "Reconhecerem-se", a estenavel,contrfrios ao ou- tro nio signMca ainda lugar pda superagao da contradigao. Dai cstaquaseaberragao: um dos polos da contradigao pretenden- do nio ahbertagao,mas aidentincagaocom o seucontrilio. O "homem novo", em tal caso, para os oprimidos, nio 6 o homem a nascerda superagaoda contradigao, com a trans6ormagao da velha situagio concreta opressora, que cedeseulugar a uma nova,de libertagao.Para des, o novo homem sio des mesmos,tornando-seopressoresdeoutros. A suavisio do homem novo 6 uma visio individualista. A sua ader6ncia ao opressor nio Ihes possibilita a consci6ncia de si como pessoa, nem a consci6ncia de classe oprimida. Destaforma, por exemplo,querem a reforma agraria, nio para se libertarem, mas para passarema ter terra c, com etta, tornar-se proprietfrios ou, maid precisamente, patr6es de novos empregados. Raros s5o os camponeses que, ao serem "promovidos" a capatazes, nio se tornam maid duros opressores de deusanti- goscompanheiros do que o patrao mesmo. Poder-se-idizer -- e com razio -- que isto sedeveao catode que asituagio concreta, vigente, de opressao, n5o foi transformada. E que, nesta hip6tese, o capataz, para assegurar seu posto, tem de encarnar, com mais dureza ainda, adureza do patrao. Ta] afir- magao nio nega a nossa-- a de que, nestascircunstancias, os opHmidost6m no opressoro seutestemunhode "homem' At6 as revolug6es, que transformam a situagao concreta de opressio em uma nova, em que a libertagao seinstaura como processo, enfrentam esta manifestagao da consci6n- ciaoprimida.Muitos dos oprimidos que,direta ou indire- tamente, participaram da revolugao, marcados pecosvelhos mites da estrutura anterior, pretendem fazer da revolugao a suarevolugao privada. Perdura neles, de certo modo, a sombra testemunhal do opressor antigo. Estecontinua aser oseutestemunhode"humanidade O "medodaliberdade",9de quesefmem objetoosopi.imi- dos,meds daliberdade que tanto pode conduzi-los apretender ' Estemedo da liberdade tamb6m se instala nos opressores,mas, obviamente de maneira diierente. Nos oprimidos, o medo da libetdade 6 o modo dc assumi-la Nos opressores, 6 o medo de perder a "liberdade" de oprimir. H I PAULOFKnnE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 45
  • 23. rser opressorestamb&m, quanto pode mant6-1osatadosao Si- tu.sde oprimidos, 6 outro aspectoque merece igualmente nos- sareflexio. Um dos elementosbfsicos na mediagao opressores-opri- midos & a prescnfdo. coda prescrigao 6 a imposigao da op- gao de uma consci6ncia a outra. Dado sentido alienador das prescrig6esque transformam a consci6nciarecebedorano que vimos chamando de consci6ncia "hospedeira" da cons- ci6ncia opressora. Por isto, o comportamento dos oprimi- dos &um comportamento prescrito. Faz-seabase de pautas estranhas a des -- aspautas dos opressores. Os oprimidos, que introjetam a "sombra" dos opresso- res e seguem suas pautas, temem a liberdade, na medida em que esta,implicando a expulsaodestasombra, exigiria delesque "preenchessem"o "vazio" deixadopda expulsao com outro "conteQdo"-- o de sua autonomia. O de sua responsabilidade, sem o que ngo seriam livres. A liberdade, que & uma conquista, e nio uma doagao,exige uma per- manente busca. Busca permanente que s6 existe no ato res- ponsavelde quem a faz. Ningu6m tem liberdade para ser livre: pelo contrario, lucapor elaprecisamenteporque n5o atem. N5o &tamb€1ma liberdade um panto ideal, fora dos homens, aoqual inclusive des sealienam. Nio &ideia que se nagamite. f condigao indispensavel ao movimento de busca em que estio inscritos oshomens como seresinconclusos. Data necessidade que se imp6e de superar a situagao opressora.lsto implica o reconhecimento critics, a "razio ' destasituagao,paraque,atrav&sdeuma agrotransformado- ra que incida sobreela,seinstaure uma outra, quepossibibte aquelabuscado sermats. No moments, por&m,em que secomeceaaut6nticaluta para criar a situagao que nascerf da superagao da velha, ja seeste lutando pelo sa mats. E, sea situag5o opressora gera uma totalidadedesumanizadae desumanizante,que atinge os que oprimem e osoprimidos, nio vai caber, comoja afir- mamos, aosprimeiros, que se encontram desumanizados s6 pesomotivo de oprimir, mas aos segundos, gerar de seu serramosabuscado sermai.sdetodos. Os oprimidos, contudo, acomodados e adaptados, "imersos" na pr6pria engrenagemda estrutura dominado- ra, temem a liberdade,enquanto nio sesentemcapazesde correr o ciscode assumi-la. E a temem, tamb&m, na medida em que lugarpor ela significauma ameaga,nio s6aosque a usam para oprimir, como seus "proprietfrios" exclusivos, mas aoscompanheirosoprimidos, que se assustamcom maiores repressoes. Quandodescobremem sio anseiopor libertar-se,perce' bem que esteanseiosomente sefaz concretudena concre- tude de outros anseios. Enquanto tocados pesomedo da liberdade, se negam a apelar a outros e a escutar o apelo que se Ihes nagaou que setenham feith a si mesmos,preferindo a gregarizagaoa conviv&nciaaut6ntica. Preferindo a adaptagaoem que sua nio liberdade osmant&m a comunhio criadora a que a ]i- berdade leva, at& mesmo quando ainda somente buscada. Sofrem uma dualidadeque seinstalana "interioridade' do seu ser. Descobrem que, nio sendo livres, nio chegam a ser autenticamente. Querem ser,mas temem ser.Sio des e aomesmotempo sio o outro introjetado neles,como cons- ci6nciaopressora.Sualuta setrava entre serem des mesmos 46 I PAULOFAIRE PEDAGOGIADO OPRIMIDO 1 47
  • 24. r'ou seremduplos.Entreexpulsaremou nio o opressorde dentro" de si. Entre sedesalienaremou se manterem alie- nados. Entre seguirem prescrig6es ou terem opg6es. Entre seremespectadoresou adores.Entre atuarem ou terem a ilus5o de que atuam na atuagaodos opressores.Entre dize- rem a palavraou nio terem voz, castradosno seupoder de criar e recriar, no seupoder detransformar o mundo. Este 6o trfgico dilema dos oprimidos, que a sua pedago- giatem deenfrentar. A libertag5o,por into,&um panto.E um pardodoloroso.O homem que nascedestepardo6um homem novo que s6 &vif- vel na epetasuperagaodacontradigaoopressores-oprimidos, que &a libertagao de todos. A superagio da contradigao &o parto que grazaomundo estehomem novo nio mais opressor;nio mais oprimido, mashomem libertando-se. Este superag5onio pode dar-se,por6m, em termos pu- ramente idealistas.Sesefaz indispensfvel aos oprimidos, para a luta por sua libertagao, que a realidade concreta de opressaoja n5o sejapara des uma esp&ciede "mundo fe- chado" (em que segera o seumedo da liberdade) do qual nio pudessemsail,mas uma situagaoque apenasos limita e que des podem transformar, 6 fundamental, entao, que, aoreconheceremo limite que a realidadeopressorashes imp6e, denham, ncste reconhecimento, o motor de sua agaolibertadora. Vale dizer, pris, que reconhecerem-selimitados pda si- tuagao concreta de opressio, de que o falso sujeito, o falso 'serpara si", 6 o opressor,nio significa aindaa sualiberta- gio. Coma contradigaodo opressor,que tem nelesa sua verdade,como disseHegel,'' somente superama contradi- gaoem que seacham quando o reconhecerem-seoprimidos osengajanaluta por libertar-se. Nio basta saberem-senuma relag5o dial&tica com o opressor -- seu contrfrio antag6nico --, descobrindo, por exemplo, que sem des o opressor nio existiria (Hegel), para estaremde fate libertados. E precise, enfatizemos,que se entreguem apraxis libertadora. O mesmose pode dizer ou afirmar com relagaoao opressor, tomado individualmente, coma pessoa.Desco- brir-se na posigio de opressor,mesmo que safra por este cato, nio & ainda solidarizar-se com os oprimidos. Solidari- zar-se com estes &argo mais que prestar assist&nciaa trinta ou a cem, mantendo-osatados,contudo, a mesmaposigao de depend6ncia. Solidarizar-se nio 6 ter a consci6ncia de que explora e "racionalizar" sua culpa paternalistamente. A solidariedade,exigindo de quem sesolidarizaque "assu- ma" a situagaode com quem se solidarizou,&uma atitu- deradical. Seo que caracterizaos oprimidos, como "consci6ncia servil" em relag5o aconsci&ncia do senhor, 6fazer-sequase 'coisa" e transformar-se, como salienta Hegel,'' em "cons- ci6ncia para outro", a solidariedadeverdadeira com des esteem comdes lutar para a transformagao da realidade objetiva que os faz ser este "ser para outro ' 10The [ru h of theitzdelendmtco cio nessis (accordingZYJhecomciomwssof lite boniisman.Hegel, op. cit., p. 237 11 Referindo-sea consci6ncia senhorial e a consci6nciaservil, diz Hegel: theom is indepmdmt, and its essentialntdtureis to bejor itself lite otheris depmdmtand {ts essenceis l€#for cxisimcejur anotltn Thejormer is theMmtcb or h)rd, litelatter tlu Bottdsmatt.Op.cit..p.234. 48 I PAULOFREIRE PEDAGOGIADOOPRIMIDO1 49
  • 25. O opressor s6 se solidariza com os oprimidos quando o seu gesto deixa de ser um gesto piegas e sentimental, de ca- rfter individual, epassaaserum atode amor aqueles.Quan- do, para ele, os oprimidos deixam de ser uma designagao abstrata e passam a ser os homens concretos, injustigados e roubados. Roubados na sua palavra, por isto no seu trabalho comprado, quesignifica a suapessoavendida. S6 na plenitu- dedeste ato de amal, na sua existenciagao,na sua praxis, se constituia solidariedadeverdadeira. Dizer que os homens s5opessoase,como pessoas,sio livres, enada concretamen- te razer para que esta afirmagao seobjetive, &uma farsa. Da mesma forma como &em uma situagao concreta -- a da opressao -- que seinstaura a contradigao opressor-opri- midos, a superagaodestacontradigao s6 se pode verificar oUet£vammretamb&m. Dai estaexig6ncia radical, tanto para o opressor que sedes- cobre opressor,quandopara os oprimidos que, reconhecen- do-se contradigao daquele, desvelam o mundo da opressao epercebem osmites que o alimentam -- a radical exig6ncia da transformagao da situagao concreta que gera a opressao. Parece-nosmuito claro, nio apenasneste, mas noutros momentos do ensaio,que, ao apresentarmosesta radical exig6ncia -- a da transformagao objetiva da situagao opres- sora --, combatendo um imobilismo subjetivista que transformasse o ter consci6ncia da opressaonuma esp&cie de espera paciente de que um dia a opress5o desapareceria por si mesma, nio estamosnegando o papel da subjetivida- dena luta pda modificagao dasestruturas. Nio sepode pensarem objetividade semsubjetividade. Nio ha uma sem aoutra, que nio podem serdicotomizadas. A objetividade dicotomizada da subjetividade, a nega- gao desta na anflise da realidade ou na agro sobre ela, & objetfHsmo.Da mesma forma, a negagao da objetividade, na anflise como na agro, conduzindo ao subjetivismo que sealonga em posig6essolipsistas, nega a agro mesma, por negar a realidade objetiva, desde que esta passaa ser cria- gao da consci6ncia.Nem objetivismo, nem subjetivismo ou psicologismo,massubjetividade e objetividadeem per' Hanente dialeticidade. Confundir subjetividadecom subjetivismo,com psico- logismo, e negar-the aimportancia que tem no processode transformagaodo mundo, dahist6ria, &cair num simplismo ing&nuo.E admitir o impossivel:um mundo sem homens, tal qual a outra ingenuidade, a do subjetivismo, que implica homens sem mundi. Nio ha um sem os outros, mas ambos em permanente integragao. Em Marx, como em nenhum pensadorcdtico, realista, jamaisseencontrarf astadicotomia. O que Marx criticou, e cientificamente destruiu, nio foia subjetividade, mas o subjetivismo,o psicologismo. A realidade social, objetiva, que n5o existe por acaso, mas como produto da agro dos homens, tamb6m nio se transforma por acaso. Se os homens s5o os produtores desta realidade e se esta, na "invers5o da praxis", se volta sobre des e os condiciona,transformar a realidadeopressora& tarefa hist6rica, &tarefa dos homens. Ao fazer-seopressora, a realidade implica a exist6ncia dosque oprimem e dos que sio oprimidos. Estes,a queen caberealmentelutar por sualibertagaojuntamente com os 50 I PAULO FLIM PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 51
  • 26. que com des em verdadesesolidarizam,precisamganhara consci6ncia critica da opressao, na prfxis desta busca. Este 6um dos problemas mais graves que sepoem aliber- tag5o. f que arealidade opressora, ao constituir-se coma um quase mecanismo de absorgao dos que nela se encontram, funciona coma uma formadeimersio dasconsci6ncias.'' Neste sentido, em si mesma, etta realidade 6 funcional- mente domesticadora. Libertar-se de suaformaexide, indiscu- tivelmente, a emersio dela, a volta sobre ela. E por issoque s6 atrav6sda praxis aut6nticaque,nio sendo "bla-bla-bla", nem ativismo, mas aWaDe reflexao, 6 possivel £az6-1o. Hay elie }tacerh opres67treal to(bda mh opresivaatiadten- do a aq elh la conscfmdade h opresi6tt,Itacimdo Za{t!#amia to(hHa mds i71#amante,a! p7t;gottarla.is Estefazer "a opress5oreal ainda mais opressori, acres- centando-thea consci6nciada opress5o",a que Mam se revere,correspondea relag5odial&ticasubjetividade-objeti- vidade. Somente na sua solidariedade, em que o subjetivo constitui com o objetivo uma unidadedia16tica,&possivela praxisautCntica. A praxis, por&m,& reflexio e agro doshomens sobreo mundo para transforms-lo. Semela, 6 impossivel a supera' gaoda contradigao opressor-oprimidos. Delta forma, esta superagao exige a insergao critica dos oprimidos na realidade opressora, com que, objetivando-a, simultaneamente atuam sobre ela. Por isto, insergao critica e agaoja sio a mesma coisa. Por isto tamb&m6 que o mero reconhecimento de umarealida- de que nio leve a estainsergao critica (agaoja) nio conduz a nenhuma transformagao da realidade objetiva, precisamen- te porque n5o 6 reconhecimento verdadeiro. Este & o casode um "reconhecimento" de carfter pura- mente subjetivista, que &anteso resultado daarbitrariedade do subjetivista,o qual,fugindo da realidadeobjetiva,cria uma balsarealidade"em si mesmo". E nio 6 possiveltrans- formar a realidade concreta na realidade imaginfria. E o que ocorre, igualmente, quando a modificagao da realidadeobjetiva gereosinteressesindividuais ou de classe de quem faz o reconhecimento. No primeiro caso, nio ha insergao critica na realidade, porque esta6ficticia; no segundo,porque ainsergaocontra- diria os interessesde classe do reconhecedor. A tend6ncia deste 6, entao, comportar-se "neurotica- mente". O fasoexiste,mas tanto ele quanto o que dele talvez resulte Ihe podem ser adversos. Dai que dejanecessa- rio, numa indiscutivel "racionalizagao", n5o propriamente nega-lo,mas v6-1ode forma diferente. A "racionalizagao", como mecanismode defesa,termina por identificar-secom o subjetivismo. Ao nio negar o cato, mas distorcer suas verdades,a "racionalizag5o" "retira" asbasesobjetivasdo mesmo. O faso deixa de ser ele concretamente e passaa ser um miro criadoparaa defesadaclassedo que6ezo reco- nhecimento,que, assim,se lorna falso.Destaforma, mais ': 'A agro Libertadora implica um memento necessaliamenteconsciencee voli- dvo, configurando-se coma a prolongag5o e a inserg5o continuadas dentena hist6ria. A agro dominadora,entretanto.n5o sup6eetta dimensio com a mesma necessalicdadc,pols a pi6pria fiincionalidade mecinica e inconsciente da estrutura 6 mantenedora dc si mesma e, portanto, da domina$o." De um trabalho deJose Luiz Fish, a quem o autor agradece a possibilidade da citagao. n Karl Marx e FriedrichEngels,La sagradajumilia y otrosescritos.M&xico: Grijalbo, 1962, p. 6.(O gri£o 6 nosso.) S2 I PAULOFREIRE PEDAGOGIA DO OPNMIDO 1 53
  • 27. uma vez, 6 impossivela "insergaocritica", que s6 exlstena dialeticidade objetividade-subjetividade. Ai esteuma dasraz6espara a proibigao, para asdificul- dades-- como veremosno Qltimo capitulo desteensaio--, no sentidodeque asmassaspopularescheguem a "inserir-se", criticamente, na realidade. E que o opressor sabe muito bem que esta "insergaocritica" das massasoprimidas, na realidade opressora, em nada pode a ele interessar. O que Ihe interessa,pesocontrario, &a perman6nciadelasem seu estadode "imersio" em que,de modo gerd, seencontrRm impotentes em faceda realidadeopressora,como "situagao limite" queIhespareceintransponivel. E interessante observar aadvert6ncia que faz Lukfcs'' ao partido revo]ucionfrio de que [...] iZdoit, pouremploysles mots de Mam, expliqaer dKtxramses Imrpropre actio?t aon smZe- mmt a0?zd'asstlrer h conti?tuitd desa?irimces revoZationnaires dK proto arial, mats a ssi d'waiver comciemmmt le d6veloppe- mmt It6rimr decesexp&fmces. Ao afirmar etta necessidade,Lukfcs coloca, indiscutivel- mente, a questao da "insergao critica" a que nos referimos. Expliqaer aiu massesImrp70preaction &esclarecer eilumi- nar a agro, de um lada, quandoa sua relagio com os dados objetivosque a provocam;de outro, no que diz respeito is finalidadesdapr6priaagro. Quando mais as massaspopulares desvelam a realidade objetiva edesafiadora sobre aqual das devem incidir suaagro transformadora,tanto maisse"inserem" nela criticamente. Desta forma, estario ativandocomdemmmt le ddveloppe- mmt uZtdrieurde suasexperi6ncias. f que nio haveria agro humana sc nio houvesseuma realidadeobjetiva, um mundi como "nio cu" do homem, capazde desafia-lo;como tamb&m nio haveria aWaDhu- manaseo homem nio fosseum "projeto", um maisa16m de si, capazde captar a sua realidade, dc conhec6-lapara trans6ormf-la. Num pensardia16tico,agro e mundo, mundo e agro, estio intimamentesolidfrios. Mas a agro s6 & humana quando,maisque um puro fazer,&quefazcr,isto &,quando tamb&m nio se dicotomiza da reflexio. Esta, necessfriaa agro, esteimplicita na exig6ncia que faz Lukfcs da "explica- gaois massasde suapr6pria agro" -- coma esteimplicita na finalidade que ele da a essaexplicagao, a de "ativar cons- cientemente o desenvolvimento ulterior da experi6ncia: Para n6s, contudo, a quest5o nio esb propriamente em explicar is massas,mas em dialogar com das sobre a suaagro. De qualquer forma, o dever que Lukfcs re- conheceao partido revolucionfrio de "explicar is mas- sasa sua agro" coincide com a exig6ncia que fazemos da insergao critica das massasna sua realidade atrav&sda praxis, pelo fato de nenhuma realidade se transformar a simesma.'' A pedagogiado oprimido que, no fundo, & a pedagogia dos homens empenhando-sena luta por sualibertagao, tem suasraizesai. E tem que ter nospr6prios oprimidos, que se 15 la peoria matedalista de qKe Zoshombres son prodmto de Zm circamultcim y dc ta educacfdit,y de qKe,por [attto, los Itombresmod$cados son products de cirmm- taltdas disrintm y dealta educacidndistfnta. oZHfh queI cirrumtancim sebach cambfarprrcbammte por los hombresy que el proprf o educator necesitaser educado. Karl Mam, 'TerceraTesissabreFeuerbach",in Karl Marx e FriedrichEngels, Obrm esc(:gidm.Moscou: Editorial Progresso, 1966,v. 11,p. 404.'' Gy69y Lukacs, Irttiw. Paris:Etudeset Documentation Intemadonalcs, 1965,p 62. 54 I PAUL.OFREIRE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 55
  • 28. saibamou comecemcriticamente asaber-seoprimidos, um dos deus sujeitos. Nenhuma pedagogiarealmente libertadora pode fi- car distancedos oprimidos, quer dizer, pode fazer deles seresdesditados, objetos de um "tratamento" humanita- rista, para tentar, atrav&sde exemplos retirados de entre osopressores,modelos para a sua "promogao". Os opri- midos hio de ser o exemplo para si mesmos, na luta por suaredengao. A pedagogiado oprimido, que busca a restauragaoda intersubjetividade,seapresentacomo pedagogiado Ho- mem. Somente ela, que seammade generosidadeaut6n- tica, humanista e nio "humanitarista", pode alcangareste objetivo. Pelo contrario, a pedagogia que, partihdo dos interesses egoistas dos opressores, egoismo camuflado de balsagenerosidade,faz dosoprimidos objetosde seu humanitarismo,mant&meencarnaapr6pria opressao.E instrumento de desumanizagao. Esta6a raz5o pda qual, comoja afirmamos, etta pedago- gia nio pode serelaborada nem praticada pecosopressores. Serrauma contradigio seos opressores n5o s6 defendes- sem,maspraticassemumaeducagaolibertadora. Se,por6m, a pratica delta educagaoimplica o poder po- litico e seos oprimidos nio o t6m, coma entio realizar a pedagogia do oprimido antes da revolugao? Esta&,sem davida, uma indagagaoda mais alta impor- tancia, cubarespostanos pareceencontrar-semais ou me- nos clarano Qltimo capitulo desteensaio. Ainda que nio queiramos antecipar-nos,poderemos, contudo, afirmar que um primciro aspecto desta indagagao se encontra na distingao entre edKcafdosktemdtica,a que s6 pode ser mudadacom o poder, e os trabaZltos edticattvos, que devem ser realizados com os oprimidos, no processo de sua organmagao. A pedagogiado oprimido, coma pedagogiahumanista e libertadora; teri dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos v5o desvelandoo mundi da opres' sio e vio comprometendo-se, na prfxis, com a suatrans- formag5o; o segundo, em que, transformada a realidade opressora,estapedagogia deixa de ser do oprimido epasha a ser a pedagogia dos homens em processo de permanen- telibertag5o. Em qualquerdestesmomentos, serf semprea agropro- funda, atrav6sda qual se enfrentarfj;culturalmente, a cul- tura dadominagao.'' No primeiro momento, por meio da mudangada percepg5odo mundo opressorpor parte dos oprimidos; no segundo, pda expulsao dos milos criados e desenvolvidosna estrutura opressorae que se preservam .como espectrosmiticos, na estrutura nova que surgeda transformagao revolucionfria. No primeiro momento,o da pedagogiado oprimido, objeto da anflise destecapitulo, estamosem face do pro- blema da consci6ncia oprimida e daconsci&ncia opressora; doshomens opressorese doshomens oprimidos, em uma situagaoconcretade opressao.Em racedo problemade seu comportamento, de sua visio do mundo, de sua &tica. Da dualidadedosoprimidos.E & comoseresduais,con- tradit6rios, divididos, que temps de encarf-los. A situag5o de opressaoem que se "formam", em que "realizam" sua la Estenosparecescr o aspectsfundamental da "revolugao culmral ' 56 I PAULOFAIRE PEDAGOGIA OO OPNMDO 1 57
  • 29. existancia,os constitui nestadualidade, na qual seencon- tram proibidos de ser.Basra,por6m, que homens estejam sends proibidos de ser mais para que a situagaoobjetiva em que tal proibigaoseverifica seja,em si mesma,uma vio16ncia.Vio16nciareal, nio importa que, muitas vezes, adocicadapda fisa generosidadeaque nos referimos, por' que gerea onto16gica e hist6rica vocagao dos homens -- a dosermats. Dai que, estabelecida a relagao opressora, esteja inaugu- rada a vio16ncia,quejamais foi at&hoje, na hist6ria, defla- gradapecosopiimidos. Como poderiam osoprimidos dar inicio a vio16ncia,se des sio o resultado de uma vio16ncia? Coma poderiam ser ospromotores de argoque, ao ins- taurar-seobjetivamente,osconstitui? Nio haveria oprimidos, senio houvesse uma relagao de vio16nciaque os conforma como'violentados, numa situa- gao objetiva de opressao. Inauguram alvio16nciaos que oprimem, os que explo- ram, os que nio serecbnhecemnos outros; n5o osopriml ' dos, os explorados, os que nio sio reconhecidos pecosque osoprimemcoma outta. Inauguram o desamor, nio os desamados, mas os que nio amam,porqueapenasseamam. Os que inauguram o terror nio s5o os d&beis,que a ele sio submetidos,masos violentos que, com seu poder, creama situagaoconcretaem que segeram os "demitidos davida",osesfarrapadosdomundo. Quem inaugura a tirania nio sio os tiranizados,mas os ttr&nos. Quem inaugura o 6dio nio sio os odiados,masos que primeiroodiaram. Quem inaugura a negagaodos homens nio sio osque tiveram a suahumanidadenegada,masos que a negaram, negandotamb&masua. Quem inauguraaformanio sio osquesetornaram tacos sob a robustez dos cortes, mas os cortes que os debilitaram. Para os opressores, por6m, na hipocrisia de sua "generosi- dade", sio sempreos oprimidos, que elesjamais obviamente chamam de oprimidos, mas, conforme sesituem, interna ou externamente,de "essagente"ou de "essamassacega e invejosa", ou de "selvagens", ou de "nativos", ou de "sub- versivos",s5o sempreos oprimidos os que desamam.Sio sempredes os"violentos", os 'bfrbaros", os"malvados",os 'ferozes", quando reagem a vio16ncia dos opressores. Na verdade, por6m, por paradoxal que possaparecer, na resposta dos oprimidos a vio16ncia dos opressores &que va- mos encontrar o gestode amor. Conscienteou inconscien- temente, o ato de rebeliio dosoprimidos, que 6 sempretio ou quase tio violento quanto a vio16ncia que os chia, este ato dosoprimidos, sim, podeinaugurar o amor. Enquanto a vio16nciados opressoresfaz dos oprimidos homens proibidos de ser,a respostadestesa vio16nciada- queles seencontra infundida do anseio de busca do direito deser. Os opressores,violentando e proibindo que os outros sejam,n5o podem igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-shes o podef de oprimir e de esmagar. shesrestauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressao. 58 I PAULOFROM PEDAGOGIA DOOPNMIDO 1 59
  • 30. Por into 6 que somente osoprimidos, libertando-se,po- dem libertar osopressores.Estes,enquanto dasseque opri- me, nem hbertam, nemselibertam. O importante, por isto mesmo, 6 que aluta dos oprimidos senagapara superar acontradigao em que seacham. Que esta superagaosegao surgimento do homem novo --- n5o mats opressor, n5o mais oprimido, mas homem hbertando-se. Pred- samenteporque,sesualuta &no sentidodefazer-seHomem, que estavamsendoproibidos de ser,nio o conseguirio se apenasinvertem os termosda contradig5o.lsto &,seapenas mudam de lugar nospolos da contradigao. Etta afirmagao pode parecer ing6nua. Na verdade, n5o o &. Reconhecemosque, na superagao'.'dacontradigao opressores-oprimidos,:;quesomente pode ser tentada e realizadapor estes,esteimplicito o desaparecimentodos primeiros, enquanto classeque oprime:Os freios que os antigos oprimidos devem impor aos antigos opressores para que nio voltem a oprimir n5o s5oopressdodaquelesa estes.A opressaos6 existequando seconstitui em um ato proibitivo do sermatsdos homens. Por esta razao, estes freios, que sio necessarios,n5o significam, em si mesmos, que os oprimidos de ontem sedenhamtransformado nos opressoresde h(2je. Os oprimidos de ontem, que det6m os antigosopresso- res na sua india de oprimir, estario gerando, com seu ato, liberdade, na medida em que,com ele,'evitam a volta do re- gime opressor.Um ato queproibe a restauragaodesteregi: me n5o pode ser comparado com o que o cria e o mant&m; nio pode ser comparado com aquele atrav6s do qual alguns homens negam is maiorias o direito deser. No moments, por6m, em que o novo poder seendyece em 'burocracia"'' dominadora, seperde a dimensio huma- nista da lula ejf nio sepode falar em libertagao. Data afirmagaoanteriormente feita, de que a superagio aut&ntica da contradigao opressores-oprimidos nio esb na pura troca de lugar,na passagemde um polo a outro. Maid ainda:n5o esteem que os oprimidos de hole, em nome de sua libertag5o, passem a ter novos opressores. A SITUAgAO CONCRETA DE OPRESSAO E OS OPRESSORES Maso que ocorre, ainda quando a superagaoda contradi- gaosenagaem termos aut6nticos, com ainstalagaode uma nova situagaoconcreta, de uma nova realidAdeinaugura- dapelts oprimidos que se libertam, & que os opressores de ontem nio se reconhegam em libertagao. Pele con- trfrio, vio sentir-secomo serealmente estivessemsends oprimidos. f que, para des, "formados" na experi6ncia de opressores,rudd o que n5o sejao seudireito antigo de oprimir significa opressaoa des. V5o sentir-se, agora, na nova situagao,como oprimidos porque, seantespodiam comer, vestir, calgar, educar-se,passear,ouvir Beethoven, enquanto milh6es nio comiam, nio calgavam,n5o ves- tiam, nio estudavamnem tampouco passeavam,quando i7 Esteenrijecimen;to nio se confunde, pris, com os &cios referidos anteiior- mente e que t6m de serimpostos aos antigos opressores,para que nio res- taurem a ordem dominadora.f de outra natureza. Implica arevolugio que, estagnando-se,volta-se contra o povo, usando o mesmo aparato burocrftico Kpressivo do Estado, que devia ter side radicalmente suplimido, coma tantas vezessalientouMarx. 60 I PKuu) FAIRE PEDAGOGIADO OPRIMIDO 1,61
  • 31. mais podiam ouvir Beethoven,qualquer restrigao a tudo isto, em nome do direito de todos, Ihespareceuma pro- funda vio16ncia a seu direito de pessoa. Direito de pessoa que, na situagaoanterior,nio respeitavamnos milh6es de pessoasque softiam e morriam de tome, de dor, de tristeza, de desesperanga. E que, parades, pessoahumana sio apenasdes. Os ou- tros, estessio "coisas".Parades, hfum s6 direito -- o seu direito de viverem em paz, ante o direito de sobreviverem, que talvez nem sequer reconhegam,mas somente admi- t8m aosoprimidos. E isto ainda porque, afinal, 6 precise que os oprimidos existam,para que des existam e sejam generosos asta maneira deproceder, de compreender o mundi e os homens (que necessariamenteosfaz reagir a instalagaode um novopoder),explica-se,comoja dissemos,naexperi6n- ciaem que seconstituem comodasse dominadora. Em verdade,instauradauma situag5ode vio16ncia,de opress5o,ela gera toda uma forma de ser e comportar-se nos que estio envolvidos nela. Nos opressorese nos oprimi- dos. Uns e outros, porque concretamentebanhadosnesta situagao, refletem aopress5o.que os marca. Na anflise dasituagaoconcreta, existencial, de opress5o, n5o podemosdeixar desurpreendero seunascimentonum ato de violQncia que 6 inaugurado, repetimos, pelos quc t6m poder. Esta vio16ncia, coma um processo, passade geragao a geragaode opressores,que sev5o fazendo legatarios dela e foraando-se no seuclima gerd. Este clima cria nos opres- sores uma consci6ncia fortemente possessiva. Possessiva do C mundo e dos homens. Fora da possedireta, concreta, mate- rial, do mundo e doshomens, os opressoresnio sepodem entender asimesmos.Nio podem ser.Delescomo consci6n- cias necr6Has, dina Fromm que, sem esta posse, perderian el cotttactocoltelm ndo.'' Dai que tendam a transformar judo o que oscercaem objetosde seudomingo.A terra, osbens, a produgao,a criagaodos homens, os homers mesmos,o tempo em que estio oshomens, judo sereduz a obyetodc seucomando. Nesta india irrefleada de posse,desenvolveih em si a convicgao de que Ihes6 possivel transformar tudo aseupo- der de compra. Data suaconcepgaoestritamentemateria- listada exist6ncia.O dinheiro &a medida de ladasascoisas. E olucro,seu objetivo principal. Por isto 6 que, para os opressores, o que vale 6 ta amis e cadavez luis, a custa,inclusive, do ta tttmosou do ?ta£hkr dos oprimidos. Ser,para des, &tereter coma dasseque tem. Nio podem perceber. na situag5o opressora em que es- t5o, como usuRutufrios, que, seta' 6condig5o paraser,etta 6 uma condigao necessfria a todos os homens. Nio podem perceber que, na busca egoista do ter como dasse que tem, seafogam naposseeja n5o sio. Jan5o podem ser. Por isto tudo 6 que a suagenerosidade,como salienta- mos, & balsa. Por isto tudo & que a humanizagao 6 uma "coisa" que possuemcomo direito exclusivo,como atributo herda- do. A humanizagao 6 apenassua. A dos outros, dos seus contrarios, se apresentacomo subversio. Humanizar &, n Erich Fromm, EZcoruz6ltdet}tomhe,breviario.Mexico: R)ndo de Cultura Econ6mica, 1967, p. 41.l 62 I PAULOFREIRE PEnxcociA nOOPmMinO 1 63
  • 32. naturalmente,, segundo seu ponto de vista, subverter, c nao sermats. Ter mais, na exc]usividade,n5o 6 um privi]6gio desuma- nizante e inaut6ntico dos demaise de si mesmos,masum direito intocivel. Direito que"conquistaramcom seueslor- go,com suacoragemdecorrer risco". Seosoutros -- "esses invejosos"-- nio t&m, e porque sio incapazese preguigo- sos,a quejuntam aindaum injustificfvel mau agradecimen- to a seus"gestosgenerosos".E,porque "mal-agradecidose invejosos",s5osemprevistos os oprimidos como seusini- migos potenciaisa quemt6m de observare vigiar. Nio poderia deixarde ser assim.Sea humanizagaodos oprimidos &subversao, sua liberdade tamb&m o 6. Data ne- cessidadede seu constancecontrole. E, quanto mais con- trolam osoprimidos, mais ostransformam em "coisa", em algoque &como sefosseinanimado. asta tend6ncia dosopressoresde inanimar judo e todos, que seencontra em suainsia de posse,seidentifica, indis- cutivelmente, com a tend6ncia sadista. EZphca deZdomittjo compZetosobre okra persotta (o sabre atta creat ru attimadaJ, diz Fromm, esh esmda misma del mp ko sddico. Okra ma era de jormaZar h misma ideaesdear qKeel.PltdeZsadismoescottvertir an Itombre m cosa,argo attimado m argo {Ka?timado,ya qtle me- dfante eZcontrol compZeto y absoZKto eZHdr pierce ttQ c aZfdad esettcial de h da: h i bHtdd.19 O sadismo aparece, assim, coma uma das caracteristicas da consci6nciaopressora,na sua visio necr6fila do mundi. Por isto 6 que o seuamor &um amor is avessas-- um Amor a morsee nio a vida. Na medida em que,para dominar, seesforgampor deter aindia de busca, a inquietagao, o poder de criar, que carac- terizam avida, osopressoresmatam avida. Dai quc vio se apropriando, cada vez mais, da ci6ncia tamb&m, como instrumento para suasfinalidades. Da tec- nologia, que usam como formaindiscutivel de manutengao da"ordem" opressora,com a qualmanipulam eesmagam.:' Os oprimidos, como objetos, como quase"coisas",nio t6m finahdades.Assuas,sio asfinalidadesqueshesprescre- vem os opressores. Em face de tudo isto 6 que se coloca a n6s maisum problema de importancia inegavel a serobservadono cor- po destasconsiderag6es,que 6 o da adesio e consequen- cepassagemque fazem representantesdo polo opressor ao polo dos oprimidos. De sua adesio a luta destespor libertar-se, Cabe a des um paper fundamental, como sempretem cabido na hist6ria delta luta. Acontece, por6m, que, ao passaremde exploradores ou de espectadoresindiferentes ou de herdeiros da explorag5o -- o que & uma coniv6nciacom ela -- ao polo dos explo- rados, quase sempre levam consigo, condicionados pda 'cultura do si16ncio",:'codaa marca de sua origem. Seus preconceitos. Suasdeformag6es, entre estas,a desconfianga " A prop6sito das"formas dominantes de controle social", cf. Herbert Marcuse,. I,'Homme undfmmsionel e Eros et Cidllsa fait. ,Paris: Editions de Minuit; 1968-1961, obras ja traduzidas para o portugu6s. :' A prop6silo de "culture do si16ncio", cf. "Paulo Faire: aWaDcu]tura] para li- bertagio", Cambridge,Massachusetts,Centerfor the Study of Developmentand SocialChange, 1970.Este ensaioapareceu primeiramente em Harvard Educatio Z Renew, nos seus ndmeros de maid e agosto de 1970; 6 publicado no Brasil em 1976,pda Paz e Terra, no livro Aldo mlturalpann a libe71iadee OKtrosescri£os.ip Fromm, op cit., p.30.(Os grifossio nossos.) 64 I PAULOFREIRE PEDAGOGIADO OPRIMIOO 1 65
  • 33. do povo. Desconfiangade que o povo seja capazde pensar certo. Dg querer. De saber. Deste modo, estio sempre correndo o risco de cair num outro tips degenerosidade,tio funesto quandoo que criti- camos nos dorhinadores. Seestagenerosidadcnio se nutre, como no casodos opressores,da ordem injusta que precisaser mantida para justifica-la; sequerem realmente transforms-la, na suade- 6oimagao,contudo, acreditam que devemser osfazedores da trans6ormagao. Comportam-se, assim,coma quem n5o cr6 no povo, ain- da que nele salem.E crer no povo &a condigaopr&via, indis- pensavel,a mudangarevolucionfria.Um revolucionfrio se reconhece mais por esta crenga no povo, que o engaja, do quepor mil agnessemela. Aqueles que se comprometem autenticamente com o povo 6 indispensfvelque serevejamconstantemente. Esta adesio 6de tal forma radicalque nio permite a quem a iaz comportamentosambiguos. Fazer esta adesio e considerar-seproprietfrio do saber revolucionario, que deve,destamaneira, ser doado ou im- posto aopovo, &manter-secomo era antes. Dizer-se comprometido com alibertag5o e n5o ser capaz de comKngarcom o povo, a quem continua considerando absolutamenteignorante,6um dolorosoequivoco. Aproximar-se dele, mas sentir, a cadapasse,a cadadivi- . da, a cada expressao sua, uma esp6cie de susto, e pretender impor o seu swatHS,6 manter-se nostflgico de sua origem. Dai que esta passagemdeva ter o sentido profundo do renascer.Os que passamt6m de assumir uma forma nova de estersends;ja n5o podem atuar como atuavam;ji nio podempermanecercoma estavamsmdo. A SITUAgAO CONCRETA DE OPRESSAOE OS OPRIMIDOS Serf na suaconviv6ncia com os oprimidos, sabendo-setam- b6mum deles-- somenteaum naveldiferentedepercepgao darealidade--, que poderacompreenderasfornlas desere comportar-sedos oprimidos, que refletem, em mementos diversos,aestruturadadominag5o. Uma destas,de que ja falamos rapidamente, 6 a duali- dadeexistencialdosoprimidos que, "hospedando"o opres- sor, cuba"sombra" des "introjetam", sio des e ao mesmo tempo s5oo outro. Dai que, quasesempre,enquanto n5o chegam a localizar o opressorconcretamente, como {am- b6m enquanto n5o cheguema ser "consci6nciapara si", assumamatitudes fatalistas em face da situagaoconcreta deopressaoem que estio.:: Este fatalismo, is vezes, df a impressao, em anflises su- perficiais, de docilidade, como carfter nacional, o que &um engano. Este fatalismo, alongado em docilidade, &fruto de uma situagao hist6rica e socio16gica e nio um trago essen- cial da forma de serdo povo. Quasesempre estefatalismo este referido ao poder do destino ou da sina ou do fade -- pot6ncias irremoviveis -- ou a uma distorcida visio de Deus. Dentro do mundo 22"0 campon6s, que 6 um dependence, comega a ter inimo para superar sua depend6ncia quando se da conga de sua depend6ncia. Antes disco, segue o pa- trio e diz quake sempre:'Que possofazer, se sou um campon6s?"'-- Palavras deum campon6sdurante entrevista com o actor, no Chile: 66 I PAULOFREIRE PEDAGOGIA DO OPRIMIDO 1 67
  • 34. magico ou mistico em que seencontra, a consci6nciaopri- mida, sobretudo camponesa, quase imersa na natureza,:' encontrano sofhmento,produto da exploragaoem que este, a vontade de Deus, como seEle fosseo fazedor desta 'desordem organizada ' Na "imersio" em que se encontram, nio podem os oprimidos divisar, claramente, a "ordem" que serve aos opressores que, de certa forma, "vivem" neles.. "Ordem ' que, frustrando-os no seuatuar, muitas vezesosleva aexer- cer um lipo de vio16nciahorizontal com que agridem os pr6prios companheiros.:'E possivelque, ao agirem assim, mais uma vez explicitem suadualidade. Ao agredirem seus companheiros oprimidos estario agredindo neles, indireta- mente, o opressor tamb&m "hospedado" neles e nos outros. Agridem, coma opressores,o opressornosoprimidos. Ha, por outro lado,em cerromomento da experi6nciaexis- tencia[ dos oprimidos, uma irresistive] atragao peso opressor. Pelts seus padr6es de vida. Participar destes padr6es constitui uma incontida aspiragao.Na suaalienag5oquerem, atodo cus- to, parecer com o opressor.Imitf-lo. Segui-lo. lsto se verMca, sobretudo,nos oprjmidos de "dassemedia", cujo anseio6 se- rum iguais ao "homem ilustre" da chamada dasse"superior ' E interessanteobservarcomo Memmi,:s em uma excep- tional anflise da "consci6nciacolonizada", se reverea sua repulsade colonizado ao colonizador mesclada,contudo, de"apaixonada"atragaopor ele. A autodesvalia& outra caracteristicados oprimidos. Re- sulta da introjegao que fazem des davisio que delest6m os opressores.' De tanto ouvirem de si mesmosque sio incapazes,que nio sabemnada, que n5o podem saber,que sio enfermos, indolentes, que nio produzem em virtude de tudo isto, ter- minam por seconvencerde sua"incapacidade".z' Falamde si coma osque ngo sabeme do "doutor" coma o que sabe e a quem devemescutar.Os crit&rios de saberque Ihe sio impostor sio os convencionais. Nio sepercebem, quase sempre, conhecendo, nas rela- g6esque estabelecemcom o mundi e com os outros ho- mens,ainda que um conhecimento ao nigel dapura Zola. Dentro dos marcos concretosem que sefazem duais & natural que descreiamde si mcsmos.a Nio sio poucos os camponesesque conhecemosem nossaexperi6ncia educativa que, ap6salguns momentos de discussio viva em torno de um tema queshes6problemfti- co,param de repentee dizem ao educador:"Desculpe,n6s excessivedemands? How noah he Irate rite coZottizerxatd yet admire them so pmsio- mteiy? rl tooJtlt this admiration, diz Memmi, in spiteof mosey).Albert Memmi, TateCoZottizerald theColottized.Boston: BeaconPress,1967,p. X. Em portugues, Retrato do colonizacZoprcccdidopolo retraro do colonizador, 2' ed. Rio de Janeiro: PazeTerra, 1977. z' "0 campon6s sesante inferior ao patr5o porque este Ine parece coma o que temo m6ritode saberedirigir."(Entrevista do autor comum campon&s) zz Cf. a esterespeito o livro citado de Albert Memmi. 'Por que o senhor(disse certa vezum campondsparticipante de um 'circuto dc cultura' ao educador)n5o explica primeiramente osquadros(referia-seis codificag6es)?Assim(concluiu) nos custard ments en5o nos d6ia cabega.' :s Cf Cindido Mendes, Afemmto dos dvds; a esqaerda cat61{catto Broil. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966. z' Frantz canon, I,os coTdmadosde Zat ezra.M&xico:Fonda de Cultura Econ6mica, 1965:[,..] e] coZonizadolto dga de Zibaarse mire Z n evede Za}tocltey las sek de h }ntafhata.Esaagresil'Madsedtmmta(h m s mhmZos vu a mant#estarZa al coZottizadopdmero contra lossunos.(p. 46) 25 How co Zdlite coZonfzerlook a#cr his workers wh ZcpedodicalZyguttning dowlt a crowd of rite coZolttzed?How could tke colorized deny ;titttseg 'so crKeZZyyet 7 ke s ch 68 I PAuLoFREIRE PEDAGOGIA DOOPNMIDO 1 69