1. Neurofisiologia
Felipe Franco da Graça - XLVIII
Alguns conceitos em neuroplasticidade
NEUROPLASTICIDADE: Conceito amplo que se estende desde respostas a lesões traumáticas até as sutis
alterações decorrentes dos processos de aprendizagem e memória.
PERÍODO CRÍTCO: fase na qual o sistema nervoso do indivíduo é mais suscetível a transformações
provocadas pelo ambiente externo.
REGENERAÇÃO NEURAL: capacidade própria das populações neurais cujos prolongamentos são
atingidos por um insulto ambiental (essa regeneração é muito comum em reimplantes de membros
amputados e no sistema nervoso periférico de maneira geral).
Condições para a regeneração neural:
1) Sobrevivência no corpo neuronal.
2) Existência de um microambiente propício.
Etapas da regeneração neural no SNP:
Inicialmente há fragmentação do coto distal (com remoção dos fragmentos por macrófagos) e posterior
proliferação das células de Schwann que realizam remielinização e sintetizam moléculas da matriz
extracelular, como a laminina e a fibronectina, que terão, como função, estimular o crescimento do
axônio lesado.
O corpo celular, por sua vez, passará por uma etapa inicial de sofrimento que será evidenciada por
diminuição da substância de Nissl (REG) o que torna o soma neuronal mais claro e vacuolizado
(cromatólise). Logo, entretanto, observa-se a recuperação do corpo celular de modo que ele volta a
apresentar sua estrutura normal. O coto proximal por fim, não sofre degeneração, havendo, por outro
lado, fusão da membrana e formação de um cone de crescimento.
Em casos em que a lesão ocorreu próxima ao órgão inervado a recuperação costuma ser satisfatória.
Quando a distância, porém, é maior o cone de crescimento tenta guiar-se pelas estruturas
remanescentes do coto distal degenerado (funcionam como arcabouço para a nova fibra) podendo esse
processo funcionar ou não. No caso dos cirurgiões que tentam unir os cotos proximal e distal, o objetivo
é que esse coto distal, que será degenerado de qualquer maneira, sirva como guia para a fibra nascente.
Regeneração do SNC:
Ao contrário do que ocorre no SNP a lesão de axônios centrais leva a morte da maioria dos neurônios
envolvidos e os que sobrevivem são incapazes de realizar uma reinervação e recuperação funcional
eficientes.
O cientista chileno Albert Aguayo realizou experimentos que chegaram à conclusão de que axônios
centrais são capazes de se regenerar quando expostos ao microambiente do SNP. Concluiu também que
o microambiente do SNC de alguma forma não favorecia o crescimento regenerativo dos axônios
centrais.
Vários fatores são indicados como sendo responsáveis por esta inibição da regeneração neural no SNC.
Primeiramente, isso decorre do fato de que os neurônios centrais parecem precisar de mais estímulos
provenientes de seus alvos e transportados por via axonal retrógrada para a ocorrência do processo
regenerativo. Além disso, fatores inibitórios liberados Por astrócitos e oligodendrócitos (proteoglicanos
e NIs) somados à barreira física provocada pelo acúmulo cicatricial de glia e a ausência de conduto
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tubular organizado também dificultam a regeneração.
PLASTICIDADE AXÔNICA : É o termo genérico que se utiliza para modificações axônicas decorrentes da
influência ambiental e que não decorrem necessariamente de lesões. A plasticidade axônica ocorre de
maneira mais intensa e efetiva em um determinado espaço de tempo, dependendo de cada grupo de
fibras, denominado PERÍODO CRÍTICO.
A plasticidade axônica ontogenética – O exemplo do sistema visual.
O entendimento do desenvolvimento e das projeções dos nervos ópticos nas áreas talâmicas e corticais
equivalentes é uma boa forma de se compreender a importância de estímulos externos na definição da
plasticidade ontogenética.
Uma vez exposto a estímulos visuais em ambas as retinas, observa-se a existência de uma organização
espacial bem definida dos neurônios responsáveis pela visão de cada um dos olhos que se caracteriza
por regiões intercaladas com a representação de cada olho que ocorrem bilateralmente tanto no tálamo
quanto no córtex visual. Ou seja, tanto no córtex visual esquerdo quanto no córtex visual direito
observamos representações intercaladas de ambos os olhos, às quais são denominadas bandas ou
colunas de dominância ocular.
A observação da não existência destas bandas em animais de experimentação jovens fez surgir a
hipótese de que este processo era determinado por influências ambientais, o que foi comprovado com
experimentos que envolviam sutura de um dos olhos de animais jovens com aplicação de aminoácido
radioativo neles o que evidenciava que nestes casos as bandas não eram bem definidas. A partir daí
soube-se que o olho que recebia mais estímulos era responsável por dominância em áreas
proporcionalmente maiores do córtex cerebral.
Experimentos posteriores demonstraram que havia alterações morfológicas dos próprios axônios visuais
que, inicialmente, possuíam vastas árvores de ramificações que eram “podadas” frente à experiência.
Em suma, a plasticidade neuronal decorre da interação, em especial durante determinado período
crítico, de mecanismos progressivos e regressivos que atuam sobre os axônios e realizam sua
“lapidação” mediada por fatores de influência ambiental.
Diferentes componentes funcionais tem períodos críticos distintos
Estudos e observações de casos atípicos (como os casos dos ‘meninos selvagem’) permitiram que se
constatasse a existência de período que seriam determinantes para o desenvolvimento de certas
habilidades como aprendizado de línguas ou mesmo do canto dos pássaros sendo que em todos os
casos, determinou-se que quanto mais distante do período crítico, maior seria a dificuldade de se obter
resultados nestas tarefas. Um bom exemplo é o caso de crianças com problemas visuais não corrigidos e
que, mesmo após correção posterior, apresentam distribuição de bandas de dominância visual
semelhante à dos animais que tiveram um dos olhos suturado (ambliopia).
A plasticidade neural em adultos.
Apesar de já ter se destacado que a plasticidade neural ocorre preferencialmente e de maneira mais
efetiva no período crítico e que este se inclui, comumente, nos períodos mais iniciais do
desenvolvimento (até a infância). Não se pode desprezar a ocorrência de plasticidade neural também no
indivíduo adulto.
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Um exemplo disso é o de que animais adultos submetidos à secção de tractos somestésicos dos
membros apresentaram uma ocupação das regiões correspondentes no cérebro por circuitos
somestésicos da face, os quais não haviam sido afetados.
Outro exemplo típico são indivíduos que tiveram membros amputados, mas que referem a chamada
“síndrome do membro fantasma”. Nestes indivíduos também se observa o estabelecimento de novas
correspondências entre áreas somestésicas adjacentes à área ocupada pelo coto cirúrgico com as
regiões corticais agora sem aferências e que antes correspondiam ao membro amputado.
Se atribui este fenômeno ao surgimento de brotamentos colaterais nos axônios, Outra possibilidade
ainda é o fim de inibições de comunicação entre neurônios que já se localizavam próximos um do outro
antes da amputação e que agora conseguem se comunicar efetivamente.
De uma forma geral pode-se concluir que, apesar das evidências, a plasticidade neural no adulto não é
tão bem compreendida quanto a plasticidade que ocorre mais precocemente de modo que os
resultados obtidos não devem ser considerados como conclusivos.
PLASTICIDADE SINÁPTICA: a teoria de que a transmissão de mensagens entre neurônios pode ser
regulada por alterações na regularidade de disparos (sincronia) de diferentes neurônios é o modelo
celular e molecular ainda hoje utilizado para explicar a memória.
Os estudos de Kandel sobre plasticidade sináptica na Aplísia.
Estes estudos resultaram da observação das alterações observadas após estímulos distintos
quanto à intensidade e freqüência e conseqüente variação das respostas.
Observou-se, por exemplo, que após repetição de estímulos sutis havia desaparecimento do
reflexo (HABITUAÇÃO). Isso ocorre pelo fato de que, apesar de o PA do estímulo continuar a
existir, o potencial pós-sináptico excitatório (PPSE) declina por diminuição da liberação de
gluatamato por motivos ainda pouco esclarecidos, mas que, provavelmente, se relacionam à
inativação de certos tipos de canais de cálcio e conseqüente diminuição da fusão de vesículas
sinápticas.
Do mesmo modo, uma estimulação muito forte gerava uma resposta mais intensa. Uma nova
estimulação, mesmo que fraca, após o estímulo intenso, por sua vez, resultava em uma
contração ainda mais acentuada (SENSIBILIZAÇÃO). Esse processo, mais complexo que o
anterior, decorre da ativação de interneurônios liberadores de serotonina. A serotonina é um
neurotransmissor com ações metabotrópicas que acionam as vias da adenilato ciclase (AMPc)
e a da PLC (DAG). Ambas as vias resultam em uma excitabilidade aumentada do neurônio pelo
fechamento de canais de K+ e abertura de canais de Ca++ o que aumenta a fusão de vesículas
pré-sinapticas mesmo quando o estímulo subseqüente é muito reduzido em realação à
estimulação prévia.
Por fim, a aplicação de um estímulo forte com exposição a um estímulo inócuo prévio
(estímulo pouco importante) por tempo prolongado leva a resposta reflexa mesmo após a
retirada do estímulo forte e apenas com a aplicação do estímulo inócuo (CONDICIONAMENTO
CLÁSSICO). Este tipo de condicionamento associativo tem componentes moleculares
semelhantes àqueles observados na SENSIBILIZAÇÃO, mas neste caso é demasiado importante
que haja regularidade na aplicação dos estímulos que se pretende associar. Além dos fatores já
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citados no item anterior (como o aumento do AMPc) temos que após a liberação de glutamato
pelas fibras sensitivas há influxo de Ca++ no neurônio motor que por sua vez libera um
neurotransmissor atípico, o NO(óxido nítrico) que atua retrogradamente no terminal pré-
sináptico e estimula uma liberação ainda maior de glutamato. A síntese de óxido nítrico por
ação do glutamato pode ser compreendida de maneira mais simples se recordarmos que o
glutamato se liga a receptores do tipo NMDA, que geram entrada intracelular de Ca++. Este
íon por sua vez é necessário para a ativação da óxido nítrico sintase (neste caso a nNOS, que
sendo uma NOS constitutiva é dependente do influxo de cálcio) que garante a síntese do NO a
partir da arginina. A ação retrógrada do NO é possível graças a sua grande permeabilidade nas
membranas celulares.
O Potencial de longa duração (LTP)
O potencial de longa duração (que ocorre no hipocampo através de neurônios piramidais do
tipo CA1) é o fenômeno que se caracteriza por um aumento (exacerbado e desproporcional)
prolongado da resposta aos estímulos após uma seqüência repetitiva de estimulações fortes.
Este fenômeno pode se prolongar por horas e até mesmo dias e semanas ou toda a vida (no
caso das memórias de longa duração). Esse fator resulta de uma síntese protéica aumentada
nesses neurônios que possuem, também, grande síntese de RNAm. Essa síntese elevada pode
se dever a fatores como a ativação de cinases pelos receptores de NMDA (com ativação dos
fatores de transcrição CREBS) ou mesmo ativação direta da transcrição pelo próprio PA. Como
resultado poderíamos ter maior adesividade entre os terminais pré e pós- sináptico.
Depressão de Longa duração
É contrária ao LTP e ocorre a partir de estímulos repetidos e fracos que geram ativação de
fosfatases (ou seja, repetição de estímulos fortes parece ativar cinases e de estímulos fracos
fosfatases) que atuam na desfosforilação de proteínas. Um dos efeitos é a internalização de
receptores AMPA que também são receptores para glutamato que potencializam a entrada de
Ca++ pelos receptores de NMDA, culminando na diminuição do Ca++ intracelular.
PLASTICIDADE DENDRÍTICA: A plasticidade dendrítica depende, também, da etapa do
desenvolvimento que é analisada. Ao que parece, durante a ontogênese, os dendritos podem
sofrer alterações estruturais extensas (como as provocadas por TTX ou bloqueadores de
receptor de NMDA). Em adultos, por outro lado, acredita-se que apenas as espinhas
dendríticas estejam sujeitas a essa plasticidade (o que pode ser muito importante, já que são
essas as regiões responsáveis pelo estabelecimento de conexões relacionadas à memória).
Este assunto, no entanto é ainda muito obscuro e carece das respostas que devem vir com as
novas descobertas da neurociência.