SlideShare una empresa de Scribd logo
1 de 81
Descargar para leer sin conexión
1 
Revisão da Literatura 
Religião, psicologia, filosofia e sociedade. 
Diego de G. Nascimento 
RESUMO 
Certamente que são muitas as pessoas que acreditam em divindades e seguem as doutrinas do mundo religioso. Pesquisas indicam que, num cálculo aproximado, ao longo dos últimos dez mil anos a humanidade produziu dez mil religiões com cerca de mil deuses. A própria vida humana, portanto, se apresenta como um grande manifesto de religiosidade ao longo dos tempos. Isso porque o comportamento está de acordo à compreensão da realidade e da imaginação. O campo da psicologia, durante muito tempo, tentou responder a essas questões de uma forma empírica e precisa. Através de estudos apurados e longa observação do comportamento individual e social, os cientistas puderam então especular razões pelas quais os seres humanos tendem a apresentar ou desenvolver manifestações religiosas. De certo modo, parece existir uma razão pela qual nos damos por vencer e deixamos o inconsciente prevalecer sobre nossas ações. A alma humana certamente deva esconder segredos. O modo empírico de conhecimento parece afirmar ao longo do tempo que todas as experiências religiosas consistem em um estado especial da mente. Uma espécie de delírio conforme a realidade propriamente dita da razão. A religião (do ponto de vista científico) são teorias que geram dogmas e doutrinas a serem seguidas e aceitas como verdades absolutas. Estes ensinamentos, ou seja, a doutrina religiosa pode se mostrar muito perigosa quando se pensada do campo de vista
2 
sociológico. Isto pelo fato de que, ao mesmo tempo em que é muito mal compreendida, a religião também potencializa sobre a maior parte da sociedade, ideais deturpados sobre a condição da natureza humana. A religiosidade já foi à causa, e ainda é em muitos casos, de muitas mortes e muita injustiça. 
Palavras-chave: Religião, psicologia, sociedade, comportamento. 
INTRODUÇÃO Nossa premissa intelectual como seres humanos é acharmos que para tudo nessa vida é preciso uma explicação. Vivemos em busca de um sentido, algo que nos faça compreender as coisas em nossa volta, Estamos sempre a questionar; como, onde, quando. E quando não possuímos estas definições às vezes o criamos e as compreendemos como verdades. Estas verdades, por sua vez, acabam entrando em nosso subconsciente e nos levando a convicções completamente equivocadas da realidade. O conhecimento advém das relações do homem com o meio e, portanto, o indivíduo deve procurar entender o meio partindo dos pressupostos de interação do homem com os objetivos e sempre baseado partir de uma realidade plausível. A grande questão é - O que estamos tomando como realidade? Qual nível de compreensão do universo que o mundo mítico pode nos proporcionar como sociedade? Será que não estamos estacionados no tempo perante esta condição religiosa impregnada em nossa cultura? Certamente a forma de explicar e entender o conhecimento passa por várias vertentes como o conhecimento empírico (vulgar ou senso comum), conhecimento filosófico, conhecimento científico e até mesmo o conhecimento teológico. Porém, em nosso tempo, com
3 
todas estas vertentes do conhecimento uma coisa não se pode negar... Não teríamos muitas chances neste mundo se não fosse pelo conhecimento científico. Posição que é inteiramente contestada pela grande maioria das religiões, principalmente a religião cristã que sempre esteve contrapondo afirmações científicas incontestáveis pelo sentido da razão. Esta posição, de contrapor-se diante a veracidade das descobertas e afirmações científicas, levas estas religiões a agirem demagogicamente. Uma vez que, contrapor a verdade incita demagogia. A manifestação religiosa leva suas massas a exercer sobre toda a sociedade uma severa coerção, assim como resultado de uma ação social. Isto acontece através de seus dogmas e suas doutrinas. Precisamos construir civilidade através de uma posição ideológica neutra que utiliza apenas a arma do conhecimento. Está ideologia é compreendida perfeitamente como uma visão laica de um mundo que não considera como base da compreensão, divindades e mitos. Mas por fim, o mundo está ai pra nós conhecermos e devemos ir sempre além. Precisamos nos debruçar sobre as formas válidas do conhecimento. O que importa mesmo é aprender a investigar e ir sempre à busca de uma compreensão que faça ao menos um sentido particular. O fundamental mesmo é analisar os fatos e argumentos para que se possa se fazer juízo sobre as verdades. Poder entender que o mundo está repleto de falsas verdades e que estas se encontram quase sempre em “verdades prontas”, aquelas que nos são induzidas durante a nossa vivencia. Começam bem no início da nossa formação cognitiva e acabam nos tornando convictos de sua veracidade.
4 
PSICOLOGIA SOCIAL E DISSONÂNCIA COGNITIVA 
A singularidade do manifesto da vida, o ato de sobreviver, ou apropriadamente, “o sentido da natureza”, sugere que criemos arquétipos uniformes (modelos ideais inteligíveis) como condutas. Mas ao mesmo tempo em que somos induzidos a criar esses tipos de mecanismos que favorecem a sobrevivência, nos deparamos com realidades incompatíveis. É a partir desse mecanismo que ocorre a dissociação da realidade. Em 1949, o escritor e jornalista inglês Georg Owell escreveu sobre o manifesto de incoerência social em seu romance Nineteen Eighty-Four (1984). Duplopensar ou duplipensar foi o termo que ele usou para batizar “o ato de aceitar simultaneamente duas crenças contraditórias como corretas”, muitas vezes de distintos contextos sociais. De acordo com a obra de Orwell, o termo duplipensar se resume em: 
“Saber e não saber, estar consciente de sua completa sinceridade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões que se cancelam mutuamente, sabendo que se contradizem, e ainda assim acreditar em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade e apropriar-se dela, esquecer-se de qualquer fato que tornou- se inconveniente e, quando ele se torna novamente necessário, recuperá-lo do esquecimento apenas enquanto for útil. Negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo levar em consideração a realidade já negada”. 
Este termo embora esteja relacionado, é diferente da hipocrisia e da neutralidade. Algo relacionado é a Dissonância Cognitiva, onde as duas crenças causam conflito. George Orwell foi um dos escritores mais influentes do século XX. Autor de 1984, A Revolução dos Bichos, Lutando na Espanha e outros importantes livros do século passado.
5 
A dissonância cognitiva é o termo da psicologia social que se refere ao conflito entre ideias, crenças ou opiniões incompatíveis. Trata-se da percepção da incompatibilidade entre duas cognições diferentes, onde "cognição" é definida como qualquer elemento do conhecimento, incluindo as atitudes, emoção, crenças ou comportamentos. A dissonância ocorre a partir de uma inconsistência lógica entre as suas crenças ou cognições (por exemplo, se uma ideia implicar a sua contradição). A consciência ou a percepção de contradição pode tomar a forma de ansiedade, culpa, vergonha, fúria, embaraço, stress e outros estados emocionais negativos. A teoria da dissonância cognitiva afirma que cognições contraditórias entre si servem como estímulos para que a mente obtenha ou produza novos pensamentos ou crenças, ou modifique crenças pré-existentes, de forma a reduzir a quantidade de dissonância (conflito) entre as cognições. Desta forma, a dissonância pode resultar na tendência de confirmação, a negação de evidências e outros mecanismos de defesa do ego. Quanto mais enraizada nos comportamentos do indivíduo uma crença estiver geralmente mais forte será a reação de negar crenças opostas. Pois em defesa ao ego, o humano é capaz de contrariar mesmo o nível básico da lógica, podendo negar evidências, criar falsas memórias, distorcer percepções, ignorar afirmações científicas e até mesmo desencadear uma perda de contato com a realidade (surto psicótico). Sendo assim, se torna evidente que em razão do nosso intelecto, há uma condição de conflito entre a percepção e a realidade que compromete e afeta em muitos casos o próprio comportamento humano. Estes conflitos entre realidades divergentes permite ao ser cognitivo fazer inferências em prol de uma razão, e é exatamente nesse momento que o ser humano cria artifícios como dispositivo de defesa à própria consciência para contestar a lógica.
6 
A percepção da certeza em ser enganado é indubitavelmente arbitrária a qualquer razão. As pessoas quando são apresentadas a realidade conflitante, geralmente se encontram em situações de extremo orgulho ao ego e por isso se sentem extremamente envergonhadas quando percebem que estão sendo enganadas, muitas vezes negando a própria realidade. Está ação de negarmos a realidade, embora seja uma condição de defesa do nosso mecanismo psicológico, fere o equilíbrio natural da razão e infere na veracidade da própria realidade. Estes fenômenos da pisque humana pode ter sido, ao longo do tempo, o causador de deturpados preceitos de comportamentos morais. Dotando em muitos casos, falsos valores a uma conduta ética amplamente inconsequentemente e nociva aos direitos primordiais de liberdade e igualdade. Dentre os principais manifestos de paradoxos éticos da história está a conduta religiosa no período medieval como a Santa Inquisição que feria o principal direito constituído pela razão, o direito a vida, em função da própria vida. Em consequência das ineptas doutrinas cristãs daquela época, pessoas em toda a Europa foram perseguidas e assassinadas em razão ao direito religioso de uma supremacia. Evidenciando assim, uma consciência nocente de uma hegemonia com padrões de comportamentos baseados em uma razão distorcida da realidade. Esta consciência religiosa feriu e fere até os dias atuais os princípios da natureza humana pautadas na razão do consciente. Embora o tempo tenha nos permitido constatar esta consciência como sendo maléfica ao âmbito social, algumas destas razões religiosas sobreviveram ao tempo e parecem possuir raízes mais firmes que se possa imaginar. É evidente que houve uma “evolução” nos padrões éticos ao longo dos tempos, porém esta ainda é uma realidade muito questionável. O que se pode compreender como “evoluído” parece ser tão utópico quanto os fundamentos religiosos. A questão
7 
antropológica parece evidenciar um conflito entre civilidade e as próprias questões culturais. Considerando que cada cultura é dotada uma identidade própria, e que essa identidade reflete-se em crenças e costumes que quase sempre se divergem com outras crenças e costumes. Fica altamente improvável se pensar em uma sociedade unida por interesses compatíveis entre si. O manifesto cultural cria “bandeiras” identitárias tão fortes que chegam a compreender, em muitos casos, o próprio princípio da razão. Desconsiderando assim os verdadeiros princípios universais de justiça. O poder cultural faz com que nossas convicções se solidificarem antes mesmo de refletir sobre tal. As ciências antropológicas alegam que é muito difícil definir, entre as espécies da natureza, aquelas mais “evoluídas” de outras “menos evoluídas”, quando se percebe que EVOLUÍDO, como conceito, é bastante subjetivo e EVOLUÇÃO, como processo, não é retilíneo, mas ramificado, como uma árvore. Entretanto, o termo evoluir para concepção humana, sugere um avanço no que diz respeito à consciência do individuo junto ao seu comportamento, dando a ideia exatamente de uma conciliação harmônica entre ambos. Diferentemente da problemática em questão, que é o manifesto incoerente da razão humana. Este conceito evolutivo parece estar intimamente ligado à condição do conhecimento apreendido. O ser só pode ser “evoluído” uma vez que compreende a realidade no contexto temporal. Esta condição o permite adaptar-se melhor a consciência. Embora a antropologia critique conceito do termo “evolução”, a humanidade evolui incessantemente, promovendo e permitindo novas consciências, ideias e convicções. O fator evolutivo da consciência humana parece intrigantemente ter tardado a se manifestar em favor aos princípios humanos. A liberdade de manifesto em razão da vida e os princípios de igualdade perante a condição humana foram
8 
completamente ignorados ao longo do tempo devido a essas incoerências do intelecto. Foram necessárias muitas lutas sociais, revoluções e guerras sangrentas para que se ponderasse uma nova consciência. Somente em meados do século XX uma organização defensora dos interesses humanos publicou em direitos universais uma declaração coerente com a razão humana. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Talvez toda essa realidade circunstancial cotidiana, de um mundo atroz e selvagem em que vivemos hoje, se deva a estes tipos de comportamentos “espirituais” irracionais, inflexíveis e irredutíveis contida na história do ser humano. Estas condutas incoerentes, uma vez incorporadas à dinâmica social no contexto temporal, pode causar uma espécie de “anomalia social”. Ou seja, um processo dinâmico insustentável no âmbito social. A percepção da insatisfação por grande parte dos cidadãos pode levar a graves consequências como o enfraquecimento da sociedade e a sua própria ordem. ESPIRITUALIDADE E COGNIÇÃO A Filosofia da mente é o estudo filosófico dos fenômenos psicológicos, incluindo investigações sobre a natureza da mente e dos estados mentais em geral. A filosofia da mente envolve estudos metafísicos sobre o modo de ser da mente, sobre a natureza dos estados mentais e sobre a consciência. Envolve estudos epistemológicos sobre o modo como a mente conhece a si mesma e sobre a relação entre os estados mentais e os estados de
9 
coisa que os mesmos representam (intencionalidade), incluindo estudos sobre a percepção e outros modos de aquisição de informação, como a memória, o testemunho (fundamental para a aquisição da linguagem) e a introspecção. Envolve ainda a investigação de questões éticas como a questão da liberdade, normalmente considerada impossível caso a mente siga, como tudo o mais, leis naturais. A investigação filosófica da mente se concentra em parte, na questão espiritual que pressupõe que exista alguma entidade - uma alma ou espírito - separada ou distinta do corpo ou do cérebro. Esta condição implica na razão objetiva e está relacionada a vários estudos da ciência cognitiva, da neurociência, da linguística e da inteligência artificial. Considerando-se o termo Espirito como o princípio de imaterialidade, podemos concluir que, a espiritualidade se apresenta apenas como uma condição psíquica, relativa ao campo das ideias, que por sua vez, está intrinsecamente ligado ao campo da percepção. Para as ciências cognitivas, principalmente a psicologia, esta condição do inconsciente é a principal causa de indução, a qual nos leva a promover diversas acepções incorpóreas incompatíveis com a realidade, como é o caso das entidades sobrenaturais. Por exemplo, Espírito e Alma são conceitos que figuram apenas no campo da imaginação. Logo, não podemos tomar consciência de tal realidade. É através do nosso inconsciente que geralmente criamos falsas concepções. Deste modo, a concepção destes termos, neste sentido antinatural, é evidentemente gerada por devaneios da pisque humana. Hoje, a Ciência Cognitiva engloba o principal grupo de ciências as quais são as principais responsáveis por tentar responder as questões dos processos mentais (experiências subjetivas inferidas através do comportamento). Entre ela está a Psicologia, ciência
10 
responsável por estudar a cognição, ou seja, os processos mentais que estão por detrás do comportamento. Como os processos mentais não podem ser observados, mas apenas inferidos. Torna-se o comportamento o alvo principal da descrição, explicação e previsão. Até mesmo as novas técnicas visuais da neurociência, as quais permitem visualizar o funcionamento do cérebro, não permitem a visualização dos processos mentais, mas somente de seus correlatos fisiológicos, isto é, daquilo que acontece no organismo enquanto os processos mentais se desenrolam. Descrever o comportamento de um indivíduo significa, em primeiro lugar, o desenvolvimento de métodos de observação e análise que sejam os mais objetivos possíveis e em seguida, a utilização desses métodos para o levantamento de dados confiáveis. A observação e a análise do comportamento podem ocorrer em diferentes níveis - desde complexos padrões de comportamento, como a personalidade, até a simples reação de uma pessoa a um sinal sonoro ou visual. A introspecção é uma forma especial de observação. Consiste num voltarmo-nos para nós mesmos e analisarmos aquilo que está dentro do nosso “espírito” (nossa mente), seja um ato praticado, uma reflexão ou um sentimento. A introspecção é o sentido que te prende a essa análise interior. Qualquer pessoa pode e deve fazer introspecção. No entanto, o método introspectivo ultrapassa um pouco essa introspecção espontânea do ser humano, pois apresenta um carácter mais sistemático, guiado pela alienação inevitável que sofre o nosso intelecto. August Comte, positivista, defende que é impossível ao mesmo tempo sentirmos e analisarmos com clareza aquilo que sentimos. Diz ele: “(...) ninguém pode estar à janela para se ver passar na rua".
11 
Isso significa dizer que, a tomada de consciência de um fenómeno modifica esse mesmo fenómeno. A psicologia parte do princípio de que o comportamento se origina de uma série de fatores distintos: variáveis orgânicas (disposição genética, metabolismo, etc.), disposicionais (temperamento, inteligência, motivação, etc.) e situacionais (influências do meio ambiente, da cultura, dos grupos de que a pessoa faz parte, etc.). As previsões em psicologia procuram expressar, com base nas explicações disponíveis, a probabilidade com que um determinado tipo de comportamento ocorrerá ou não. Com base na capacidade dessas explicações de prever o comportamento futuro se determina também a sua validade. Controlar o comportamento significa aqui a capacidade de influenciá-lo, com base no conhecimento adquirido. Essa é a parte mais prática da psicologia, que se expressa, entre outras áreas, na psicoterapia. Para o psicólogo soviético Alexander Romanovich Luria (1979), um dos fundadores da neuropsicologia, a psicologia do homem deve ocupar-se da análise das formas complexas de representação da realidade, que se constituíram ao longo da história da sociedade e são realizadas pelo cérebro humano, incluindo as formas subjetivas da atividade consciente sem substituí-las pelos estudos dos processos fisiológicos que lhes servem de base nem limitar-se a sua descrição exterior. Segundo esse autor, fenômenos como a formação das necessidades complexas e da personalidade, são produto da história social (conhecimento compartilhado). PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA E RELIGIÃO Nos últimos 20 anos, psicólogos, neurocientistas, filósofos e sociólogos se puseram esquadrinhar e teorizar sobre a religião, dando
12 
origem à nova ciência da fé. A ideia central é que, independentemente do fato de Deus existir ou não, a religião é um fenômeno real, mensurável e com a qual podemos fazer experimentos. É claro que nada nessa área é muito consensual, mas dessas duas décadas de pesquisas emergiram algumas linhas de explicação que são relativamente bem aceitas. Ao que tudo indica, o cérebro humano vem de fábrica com uma série de vieses cognitivos que tornam a religião um subproduto natural. Mas de onde vem à religião? O fato de que todas as sociedades humanas conhecidas acreditam (ou acreditavam) em algum tipo de divindade – seja ela Deus, Alá, Zeus, o Sol, a Montanha ou espíritos da floresta – intriga os cientistas, que há tempos buscam uma explicação evolutiva para esse fenômeno. Seria a religião uma característica com raiz evolutiva própria, selecionada naturalmente por sua capacidade de promover a moralidade e a cooperação entre indivíduos não aparentados de uma população? Ou seria ela um subproduto de outras características evolutivas que favorecem esse comportamento social independentemente de crenças religiosas? A Psicologia evolucionista ou evolucionária baseia-se na presunção de que a cognição se desenvolveu, como o coração, os pulmões, o sistema imunológico, por via da seleção natural, resolvendo problemas cruciais de sobrevivência e reprodução. Sob essa ótica, a Psicologia evolucionista procura entender os processos cognitivos enquanto funções de sobrevivência e de reprodução. Coloca-se, nesse ponto, a questão não apenas de conhecimentos, atribuições, representações, imaginações e processos semelhantes, mas da “consciência” religiosa, isto é, das ideias relativas a deus. Esse é um campo do conhecimento bastante novo que surgiu em meados da década de 90. Um dos pesquisadores mais importante nesse segmento é o antropólogo francês Pascal Boyer, atualmente professor do departamento de Antropologia e de Psicologia da
13 
Washington University, em St. Louis. Boyer possui diversos estudos sobre memória e desenvolvimento cognitivo. Entre eles estão, os livros “The Naturalness of Religious Ideas” (BOYER, 1994) e “Religion Explained” (BOYER, 2001). Na concepção de Boyer, a universalidade cultural das propriedades dos conceitos e as orientações religiosas são subprodutos de sistemas cognitivos padrão, desenvolvidos fora da religião. Em suas pesquisas, Boyer resume que, os sistemas neuro-cognitivos são: parte do equipamento normal da mente humana como resultado da evolução por seleção natural; e também sustentam a aquisição do conhecimento, dos conceitos e das normas da cultura. Desta forma a cultura não é deixada de lado, mas é vista como uma superestrutura da Neurologia. Como se percebe, a posição de Boyer tende mais para a Biologia do que para a Psicologia. Um outro autor, Ilkka Pyysiäinen, da Universidade de Helsinki, embora também não psicólogo, mantém-se mais diretamente na escala da Psicologia. Apoiando-se em Boyer e em Damásio (1999), Pyysiäinen elaborou mais concretamente algumas noções, entre elas está a noção de “contra-intuição”. As contra-intuições são entendidas como as representações de objetos que colidem com as representações intuitivas, isto é, as percepções “ontológicas” de espaço, tempo, extensão, qualidades físicas dos objetos, espécies naturais, relações de causalidade e ação intencional de agentes. Essas percepções intuitivas constituem a Psicologia Cotidiana ou Ingênua, as quais regem com adequação a vida e as relações humanas. O conhecimento intuitivo pode ser descrito como “o conhecimento tácito usado espontaneamente no pensamento prático, sem que dele estejamos necessariamente conscientes” (PYYSIÄINEN, 2003). A Psicologia Ingênua, por sua vez, repousa na chamada ontologia intuitiva, que crê enxergar as coisas em sua realidade. Para Pyysiäinen, as representações contra- intuitivas são “subprodutos” da psicologia ingênua. É válido ressaltar
14 
que tal psicologia, como pode ser demonstrado, continua governando o comportamento mesmo de pessoas de instrução intelectual sofisticada. Esta psicologia, dadas às características apontadas, subsistirá sempre como recurso cognitivo, independentemente dos progressos da Neurobiologia. No que se refere à religião, vários estudiosos abstêm-se de termos religiosos como “transcendência”, “sobre-humano”, “sobrenatural”, “sagrado” e “deus”, por julgarem tributários de uma particular tradição religiosa. Para a psicologia evolutiva, a raiz psíquica religiosa propõem, ao invés desses termos, a contra- intuição, em especial a contra-intuição resultante de um agente intencional. Em outras palavras, a evolução, ao contrário da religião, dotou a espécie humana de uma estrutura neurofisiológica que torna possível, por exemplo, ajustar conceitualmente até certo ponto, as estranhezas da experiência cognitiva, sem que precisasse produzir nenhum tipo de corpo de doutrinas ou rituais associados a ela. Comparando a contra-intuição religiosa com a contra-intuição psicopatológica, explicitam os autores que, ao contrário da última, inteiramente idiossincrática e não-comunicativa, a contra-intuição religiosa é partilhada dentro de um sistema de comunicação. A contra-intuição religiosa tem seus efeitos principalmente no campo das ações intencionais ou ações conscientes. Denomina-se contra- intuição religiosa quando é feito apelo a um agente dotado de características distintas dos agentes intuitivamente percebidos: excesso de força, invisibilidade, imprevisibilidade, ubiquidade e abrangência totalizadora. Insiste-se, então, na peculiaridade da evocação de um agente intencional contra-intuitivo, pois esse é um agente que dispensa outras instâncias de causalidade, uma vez que é concebido como princípio de ação, dotado de conhecimento e capaz de visar um objetivo. Sendo assim, em relação à psicopatologia, além de possível disfunção cerebral que impede a meta-representação, a
15 
diferença reside na incomunicabilidade da representação do pensamento patológico e na alta comunicabilidade do pensamento religioso que é facilmente aprendido, lembrado e divulgado. Embora, como a ficção, a religião se possa dizer metafórica quanto à descrição de seu objeto, ela é literal quanto à dimensão misteriosa da realidade. Uma característica das contra-intuições religiosas, relativamente às contra-intuições da ficção e da ciência, é a de que não basta tê-las, mas é preciso usá-las. De certo, a ciência produz a tecnologia, mas é independente dela. Ao contrário, a religião, além da esfera da representação, abrange a esfera da ação e isso pela associação de emoções e sentimentos atribuídos às representações. Portanto, embora muito trabalho ainda precise ser feito, as diretrizes da psicologia evolucionista apontam que, o fator religioso além de ser um subproduto do sistema cognitivo, tem como objeto um agente intencional, diferentemente da contra-intuição patológica que visa apenas agentes mecânicos. Entretanto, apesar de termos tais evidências, os estudos e avanços proporcionados pela psicologia evolucionista ainda são muito recentes e pouca coisa entendemos destes fenômenos tão complexos e comuns nos grupos de seres humanos. PSICOLOGIA E COGNIÇÃO: DISTORÇÃO DA REALIDADE E MANIFESTAÇÕES PSEUDOCOGNITIVAS As cognições são todas as formas de conhecimento as quais englobam o pensamento. Ou seja, o raciocínio, a compreensão, a imaginação e, por exemplo, o julgamento. A psicologia cognitiva é a vertente da psicologia que salienta a importância da cognição como
16 
fator regulatório do comportamento humano. O procedimento cognitivo visa diminuir o afeto negativo que o individuo tem da realidade. Portanto, o papel do psicólogo cognitivo é perceber a distorção que o individuo faz da realidade externa. A descoberta de que as pessoas não reagem diretamente aos acontecimentos, mas sim à representação mentais que fazem de tais acontecimentos, e que tais representações se encontram reguladas pelos princípios e parâmetros da aprendizagem, lançou os psicólogos na exploração dos mais diversos modelos cognitivos. Os modelos cognitivos apresentam determinadas características gerais, entre elas, salientam-se os seguintes pontos em comum aos diversos modelos: a atividade cognitiva afeta o comportamento, isto é, o que nós sentimos e fazemos depende daquilo que pensamos; a atividade cognitiva pode ser registrada, acompanhada e alterada; e as alterações do comportamento podem ser efetuadas através de mudanças cognitivas, ou seja, alterando a forma como pensamos, raciocinamos, etc. Entre as terapias cognitivas destacam-se a Terapia Racional Emotiva de Albert Ellis e a Terapia de Restruturação Cognitiva de Aaron Beck. Na Terapia Racional Emotiva, Albert Ellis, estipula que se deve compreender os comportamentos (consequências) a partir dos acontecimentos que os provocam, para depois entender e modificar os processos cognitivos e as crenças que daí derivam. Para ele as crenças podem ser irracionais (ideias ou filosofias ilógicas e que impedem a obtenção de satisfação de necessidades e objetivos dos indivíduos) ou racionais (lógicas e apoiadas pela maioria dos indivíduos). Na terapia de Aaron Beck, a novidade está na apresentação de um conjunto de erros que o nosso processamento cognitivo pode formular, ou seja, estipulou que nós humanos fazemos, por exemplo, deduções que levam a formular conclusões sem evidência para tal,
17 
isto é, sem comprovação (erro de processamento denominado inferência arbitrária). A inferência arbitrária é um tipo de distorção cognitiva. Em outras palavras, é uma forma ou padrão de perceber o mundo de forma errada, muitas vezes divorciada da realidade. Isto é, quando chegamos a uma conclusão ou julgamento rápido ou impulsivamente, com base em informações incompletas ou erradas. Exemplo; quando alguém diz gostar de outra pessoa à primeira vista, por qualquer razão, e atribui qualidades negativas ou positivas a pessoa quando nem mesmo a conhece. Outro exemplo; se um jogador acredita que ele vai ganhar porque ele apostou em um número específico na roleta e esse número não pode falhar. Na verdade não tem nenhuma prova desta crença só desejo seu. A partir do aprofundamento da origem desses pensamentos automáticos, é possível chegar às crenças centrais do indivíduo, que são as ideias mais fixas e enraizadas, oriundas do processo de desenvolvimento, experiências e formação do individuo desde a infância, aceitas por eles como verdades absolutas. As distorções cognitivas influenciam a resposta emocional, comportamental e fisiológica do indivíduo. Pessoas com transtornos psicológicos com frequência interpretam erroneamente situações neutras ou até mesmo positivas, ou seja, seus pensamentos automáticos são tendenciosos. Surge então assim, o raciocínio teórico subjacente da terapia cognitiva de que o afeto e o comportamento de um indivíduo são amplamente determinados pelo modo como ele estrutura o seu mundo cognitivo (cognições/pensamentos).
18 
VIÉS COGNITIVO E RELIGIÃO A mente humana é uma coisa maravilhosa. Nosso cérebro é capaz de executar 1016 processos por segundo, o que o torna mais poderoso do que qualquer computador do mundo atual. Porém, isto não quer dizer que ele não tenha limitações. Uma pequena calculadora pode calcular muito melhor do que nós, e, além disso, algumas de nossas memórias são inúteis. Toda vez que nossos olhos estão abertos, nosso cérebro é constantemente bombardeado com estímulos. Somado a isso, estamos sujeitos a vieses cognitivos que nos fazem tomar decisões questionáveis e chegarmos a conclusões erradas. Você pode estar pensando conscientemente sobre uma coisa específica, mas seu cérebro está processando milhares de ideias subconscientes. Infelizmente, a nossa cognição não é perfeita, por isso existem alguns erros de julgamento que estamos propensos a fazer. Essa situação é conhecida no campo da psicologia como viés cognitivo. Viés cognitivo é um termo utilizado para expressar o sentido de parcialidade, onde uma análise é feita de maneira tendenciosa, baseadas não em evidências, mas na percepção pura e simples que a pessoa tem de uma situação. Em outras palavras, são padrões de comportamentos sob controle de determinadas generalizações. Antes de começarmos, é importante distinguirmos os vieses cognitivos das falácias lógicas. A falácia, como poderemos ver mais adiante, é um erro de lógica argumentativa (ataque ad hominem, declives escorregadios, argumentos circulares, apelo à força e etc). Um viés cognitivo também pode ser considerado como uma distorção cognitiva ou limitação do nosso pensamento – como um erro de julgamento causado por uma falha de memória, atribuição social ou erro de cálculo (como erro estatístico ou um falso senso de
19 
probabilidade). Ao que tudo indica, o cérebro humano vem de fábrica com uma série de vieses cognitivos. Nossa propensão a inferir estados mentais alheios favorece para que possamos criar “entidades sobrenaturais”, condição que testifica o fenômeno da religiosidade como um subproduto do inconsciente. Alguns psicólogos acreditam que nossos vieses cognitivos nos ajudam a processar as informações de forma eficiente, especialmente em situações de perigo. Ainda assim, eles nos levam a cometer erros graves. Um dos exemplos mais clássicos de viés cognitivo é o comportamento preconceituoso. Portanto, nós podemos estar inclinados a tais erros de julgamento, mas pelo menos podemos estar atentos a eles. Aqui estão alguns destes erros cognitivos mais comuns e perniciosos: Viés de confirmação: Nós adoramos concordar com pessoas que concordam conosco. Por isso nós normalmente acessamos sites que expressam nossa opinião política e andamos com pessoas que têm gostos parecidos com os nossos. Tendemos a nos distanciar de pessoas, grupos e noticiários que nos deixam desconfortáveis ou inseguros sobre nosso modo de ver as coisas _ o que o psicólogo do comportamento B.F. Skinner chama de dissonância cognitiva. É um modo preferencial de comportamento que nos leva ao viés de confirmação _ o constante ato inconsciente de referência apenas a aquelas perspectivas que alimentam nossa visão pré-existente, enquanto ao mesmo tempo, ignoramos ou desconsideramos opiniões _ mesmo que válidas _ que ameaçam nosso ponto de vista. E paradoxalmente, a internet piora esta tendência. Viés de grupo ou Mentalidade de rebanho: Parecido com o viés de confirmação, é uma manifestação de nossa inata tendência tribalista a adotar os comportamentos da maioria, para sentir mais segurança e evitar conflitos. Em sua forma mais comum, o sujeito agrega
20 
roupas, carros, hobbies, estilos para se identificar com um grupo de pessoas. Fato interessante: As coisas que são pouco atraentes, não parecem legais ou populares sempre acabam ganhando seguidores devido à mentalidade de rebanho. Os exemplos incluem as calças paraquedas, pedras de estimação, tainhas, sutiãs de cone e outras coisas mais. Estranhamente, muito disso tem a ver com a oxitocina, apelidada de “hormônio do amor”. Este neurotransmissor, enquanto nos ajuda a fortalecer nossos laços com as pessoas de nosso grupo, faz exatamente o contrário com as pessoas fora deste grupo _ nos deixa com medo ou nos faz desdenhar os outros. Este viés nos faz superestimar as habilidades e valores de nosso grupo, mesmo que nós não as conheçamos realmente. Falácia do Apostador: Tendemos a dar peso enorme em eventos passados, acreditando que eles afetarão eventos futuros. O exemplo clássico é o cara e coroa. Depois de tirar cara, digamos, umas 5 vezes seguidas, começamos a achar que as chances de virar cara, são maiores, quando na verdade a chance de tirar cara ou coroa, ainda é de 50%. Existe o viés do pensamento positivo, que frequentemente alimenta o vicio da aposta. É a sensação que nossa sorte mudou e agora tudo será melhor. Isto contribui para o conceito errôneo de “mão boa”. É a mesma sensação que temos quando começamos um novo relacionamento, de que tudo será melhor que antes. Racionalização pós-compra: Lembra-se daquela vez que comprou algo completamente desnecessário, errado ou muito caro e depois de pensar um pouco, se convenceu que aquela foi uma boa compra?
21 
Pois é, este é o ato de racionalização pós-compra, um tipo de mecanismo que nos faz sentirmos melhor depois de uma decisão IDIOTA. Também é conhecida como Síndrome de Estocolmo do Comprador, é um modo subconsciente de justificar nossas compras _ principalmente as mais caras. [Síndrome de Estocolmo é quando a pessoa sequestrada sente algum tipo de afeição por quem a sequestrou] Psicólogos dizem que isto vem do princípio do compromisso, nosso desejo psicológico de ser consistente e evitar uma dissonância cognitiva. [Dissonância cognitiva, como já citado, se refere ao conflito entre duas ideias, crenças ou opiniões incompatíveis. Exemplo disso seria você ter vontade de comprar algo e não ter dinheiro para fazê-lo. Para dirimir esta dissonância (este conflito), você diz para si mesmo que você não quer aquilo, não precisa tanto assim, que pode esperar ou qualquer outra coisa que te faça sentir-se melhor com sua decisão]. Viés Atencional: Poucos de nós têm problema de dirigir carro, mas muitos tremem ao estarem em um avião a centenas de metros de altura. Voar, obviamente é uma atividade não natural e aparentemente perigosa. Mas sabemos que a probabilidade de morrer em um acidente de carro é muito maior do que morrer em um acidente de avião, mas nosso cérebro não nos liberta para a lógica. É o mesmo fenômeno que nos faz termos medo de morrer em um ataque terrorista, mais do que uma ocorrência mais corriqueira, como cair da escada ou morrer envenenado. É o que o psicólogo Cass Sustein chama de negligenciar probabilidades _ nossa incapacidade de compreender adequadamente
22 
os riscos _ isto nos leva a exagerar os riscos de atividades inofensivas enquanto nos faz subestimar as mais perigosas. Observação Seletiva: É o efeito repentino de começarmos a perceber coisas que não percebíamos antes, e afirmarmos que a frequência que vemos tais coisas, aumentou. Por exemplo, mulheres grávidas percebem mais mulheres grávidas. Não é que a frequência de tais eventos aumentou, é que algumas imagens ficam selecionadas (tipo em destaque) em nossa mente (por qualquer razão), e por estarmos com aquilo na cabeça, achamos que estamos vendo mais vezes tal evento. O problema é que a maioria das pessoas não reconhece isso como um viés de observação, e de fato acreditam que estes fatos passaram a ocorrer mais vezes. Isto contribui com a sensação de que certos eventos não poderiam ser mera coincidência _ e normalmente são. Status-quo: [Status quo é uma expressão do latim que tem o sentido de: "o estado atual das coisas". Quando se ouve alguém dizendo que quer manter o status quo, a pessoa quer dizer que pretende manter as coisas tal como elas estão]. Nós humanos temos medo da mudança, quando somos levados a tomar alguma decisão, normalmente escolhemos a que menos mude alguma coisa. Este tipo de atitude acaba se refletindo na nossa rotina diária onde acabamos por frequentar os mesmos lugares, e num âmbito maior, influencia na política, na economia e etc. Um dos problemas desse viés, é que assumimos que outra escolha será inferior, e piorará as coisas.
23 
Negatividade: As pessoas prestam mais atenção às más notícias _ e isto não apenas por mera morbidez. Cientistas sociais teorizam que é por conta de nossa atenção seletiva, e dada uma escolha, percebemos as notícias ruins como sendo mais importantes ou profundas. Tendemos também a dar maior credibilidade para notícias ruins, talvez porque estamos desconfiados (ou entediados) de algo que diga o contrário. Se pensarmos em termos de evolução, dar atenção para más notícias pode ser melhor para nossa adaptação do que dar ouvido as boas notícias (por exemplo: pegar uma maçã saborosa ou tomar uma mordida de onça?). Hoje em dia, corremos o risco de nos determos sobre a negatividade em detrimento de uma boa notícia. Steven Pinkler, em seu livro The Better Angles of Our Nature: Why Violence Has Declined, argumenta que crimes, violência, guerra e outras injustiças estão em constante declínio, mas ainda as pessoas argumentam que as coisas estão piorando _ o que é um ótimo exemplo do viés de negatividade. [Os jornais diários (tv ou papel) sabem disso, e normalmente veiculam notícias ruins para aumentar a audiência]. Efeito de arrasto ou oportunismo: [em inglês é chamado de bandwagon effect. Bandwagon é uma carroça ou vagão ou caminhão que carrega uma banda sobre ele _ você brasileiro: pense num trio elétrico no carnaval baiano cheio de gente em cima, então, é quase isso]. Apesar de normalmente não estarmos conscientes disso, nós amamos ir na onda da galera. Quando a massa escolhe um vencedor ou um favorito, é quando nosso cérebro individualizado começa a desligar e entra uma espécie de “pensamento de grupo”. Mas não precisa ser um grupo muito grande ou uma nação inteira; podem ser pequenos
24 
grupos, como a família ou até mesmo um grupo de trabalhadores de um escritório. O efeito de arrasto é o que normalmente causa comportamentos, normas sociais e memes que se propagam entre os grupos de indivíduos _ independentemente de evidências ou motivos. É por isso que muitas pesquisas de opinião são frequentemente maliciosas, por elas poderem guiar as perspectivas dos indivíduos como elas quiserem. Muito deste viés tem a ver com nosso desejo de nos adaptarmos e nos conformarmos. Viés da projeção: Estamos presos em nossas mentes e é difícil para nós nos projetarmos fora dos limites de nossa consciência e de nossas preferências. Nós costumamos a achar que a maioria das pessoas pensa como nós _ embora não haja justificativa para isto. Esta deficiência cognitiva normalmente leva para um efeito relacionado, conhecido como viés do falso consenso, onde tendemos a acreditar que não somente as pessoas pensam como nós, mas também concordam conosco. É um viés onde superestimamos como somos normais, e assumimos que existe consenso onde ele não existe. Além disso, pode criar um efeito em membros de grupos radicais que assumirem que mais pessoas concordam com eles ou uma confiança exagerada em prever o vencedor de alguma eleição ou jogo de algum esporte. Viés do momento presente: Nós temos muita dificuldade em nos imaginarmos no futuro e alterar nossas atitude de acordo com estas perspectivas. Muitos de nós preferirmos o prazer do momento atual, enquanto deixa a dor para depois. Este viés é uma preocupação comum de economistas e pessoas da área da saúde. Um estudo em 1998 mostrou que ao fazer a escolha da comida para a próxima semana, 74% dos participantes escolheram frutas. Mas quando a comida a ser escolhida era a de hoje, 70% preferiam chocolate.
25 
Efeito de ancoragem: Também conhecido como armadilha da relatividade, é a tendência que temos em comparar e constatar apenas um número limitado de itens. É chamado efeito de ancoragem porque tendemos a fixar um valor ou um número e usá-lo como base de comparação para tudo mais. Um exemplo clássico é um item a venda numa loja; tendemos a ver (e valorizar) a diferença no preço, mas não o preço total. Por isso a característica dos menus de alguns restaurantes de terem entradas caras, enquanto também incluem preços (aparentemente) razoáveis. É também porque, quando dado uma escolha, tentemos a escolher a opção média _ nem tão cara e nem tão barata. Reatividade: Reatividade é a tendência das pessoas a agir ou aparecer de forma diferente quando sabem que estão sendo observadas. Na década de 1920, uma obra em Hawthorne (uma fábrica) encomendou um estudo para analisar se os diferentes níveis de luminosidade influenciavam na produtividade do trabalhador. O que se descobriu foi incrível. Infelizmente, quando o estudo foi concluído, a produtividade voltou para os seus níveis regulares. Isto porque a mudança não foi devido aos níveis de luz, mas porque os trabalhadores estavam sendo vigiados. Isto demonstrou uma forma de reação. Quando os indivíduos sabem que estão sendo vigiados, eles são motivados a mudar seu comportamento, para se mostrarem com uma aparência melhor. A reatividade é um problema sério em pesquisas e precisa ser controlada com experimentos cegos (quando os indivíduos envolvidos em um estudo de investigação não sabem que estão sendo analisados, de modo a não influenciar os resultados).
26 
Pareidolia: Pareidolia é quando imagens aleatórias ou sons são percebidos como significativos. Ver imagens que parecem ter significado em nuvens ou ouvir mensagens quando um disco é tocado de trás para frente são exemplos comuns. É um estímulo inconsciente, e não tem significado definido. O significado está na percepção do espectador. Fato interessante: O Teste de Rorschach, que utiliza uma mancha de tinta, foi desenvolvido para utilizar a pareidolia numa análise mental das pessoas. São mostradas imagens ambíguas para que as pessoas possam descrevê-las. As respostas são analisadas para descobrir os pensamentos ocultos de cada indivíduo. A profecia autorrealizável: A profecia autorrealizável gera comportamentos que levam a resultados que confirmam perspectivas existentes. Por exemplo, se alguém acredita que se sairá péssimo na escola, ela diminui o esforço para fazer suas tarefas. Assim, acaba realmente indo mal, exatamente como pensava. Outro exemplo comum são os relacionamentos. A pessoa acha que o seu relacionamento amoroso vai falhar, então começa a agir de modo diferente, afastando-se emocionalmente. Por causa disso, realmente é possível fazer com que o relacionamento fracasse. Esta é uma ferramenta poderosa, usada por “médiuns” que querem implantar uma ideia na mente das pessoas. Fato interessante: As recessões econômicas são profecias autorrealizáveis. Uma recessão se configura após dois trimestres de queda do Produto Interno Bruto (PIB). Sendo assim, você não pode saber que está em recessão até que esteja há pelo menos seis meses em uma. Infelizmente, ao primeiro sinal de diminuição do PIB, a
27 
mídia relata uma possível recessão, as pessoas entram pânico, gerando uma cadeia de eventos que realmente causam recessão. Efeito Halo: O efeito halo é a possibilidade de que a avaliação de uma característica possa interferir no julgamento de outros fatores, contaminando um resultado geral. Esse viés acontece muito em avaliações de desempenho de funcionários. Por exemplo: um determinado empregado chegou atrasado para o trabalho nos últimos três dias, eu percebi isso e conclui que ele é preguiçoso. Há muitas razões possíveis pelas quais ele possa ter chegado tarde, talvez o carro quebrou, sua babá não apareceu ou a chuva prejudicou o trânsito. O problema é que, por causa de um aspecto negativo que pode estar fora do controle do empregado, presumo que ele é um mau trabalhador. Fato interessante: No caso da atração física, isso acontece quando as pessoas assumem que os indivíduos atraentes possuem outras qualidades socialmente desejáveis, tais como sucesso, felicidade e inteligência. Isto se torna uma profecia autorrealizável, quando as pessoas atraentes recebem tratamento privilegiado, como melhores oportunidades de trabalho e salários mais elevados. Reatância: Reatância é o desejo de fazer o oposto do que alguém quer que você faça, numa necessidade de resistir a uma tentativa de alguém restringir sua liberdade de escolha. Isso é comum com adolescentes rebeldes, mas qualquer tentativa de resistir à autoridade, devido às ameaças à liberdade, é uma relutância. O indivíduo pode não ter a necessidade de executar o comportamento específico, mas o fato de que ele não pode fazê-lo o faz querer.
28 
Fato interessante: A psicologia reversa é uma tentativa de influenciar as pessoas que utilizam reatância. Diga para alguém (especialmente crianças) para fazer o oposto do que você realmente quer e eles vão se rebelar e acabar por fazer o certo. Desconto hiperbólico: Desconto hiperbólico é a tendência das pessoas de preferir um menor retorno imediato a um maior retorno tardio. Pesquisas mostram que diversos fatores contribuem para o processo de tomada de decisão individual. Curiosamente, o tempo de atraso é um fator importante na escolha de uma alternativa. Simplificando, a maioria das pessoas prefere receber 50 reais hoje em vez de conseguir 100 reais em um ano. Normalmente, faz sentido escolher uma maior quantidade de dinheiro imediatamente e não menos no futuro. É interessante como estamos mais dispostos a tomar imediatamente ao invés de esperar, você preferiria ter R$ 100 daqui a um ano ou R$ 50 imediatamente? Escalada de compromissos: A escalada de compromissos é a tendência das pessoas a continuar apoiando os esforços anteriormente fracassados. Com tantas decisões que as pessoas têm de tomar, é inevitável que algumas não deem certo. Claro, a única coisa lógica a fazer nesses casos é mudar essa decisão ou tentar revertê-la. No entanto, às vezes, as pessoas sentem-se compelidas não só a ficar com a sua decisão, mas também a continuar a investir nela devido aos custos irrecuperáveis. Por exemplo, digamos que você use metade de suas economias para começar um negócio. Após seis meses, é evidente que o negócio não vai dar certo. A única coisa lógica a fazer é desistir. No entanto, devido aos custos já gastos,
29 
você se sente comprometido com o negócio e investe ainda mais dinheiro para o projeto na esperança de que a situação se reverta. Efeito placebo: O efeito placebo é quando uma substância ineficaz produz o efeito desejado. Especialmente comum com medicamentos, o efeito placebo tem sido observado quando os indivíduos recebem uma pílula de açúcar ou farinha para uma melhoria real de uma determinada doença. Os placebos são ainda um mistério científico. Teoriza-se que eles causem um “efeito esperança” (em caso de dúvida, a expectativa é o mais provável de acontecer). Indivíduos esperam que os comprimidos curem suas doenças, assim eles se sentem curados. No entanto, isto não explica a forma como os comprimidos ineficazes realmente causam uma redução nos sintomas. Fato interessante: O termo placebo é usado quando os resultados são considerados favoráveis. 
FALÁCIAS E ERROS DE RACIOCÍNIO O termo “falácia” deriva do verbo latino fallere, que significa enganar. Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência de verdadeiro. Na lógica e na retórica, uma falácia é um argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega. Argumentos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande parte do público apesar de conterem falácias, mas não deixam de ser falsos por causa disso. Reconhecer as falácias é por vezes difícil. Os argumentos falaciosos podem ter validade emocional, íntima, psicológica, mas não validade lógica. É importante conhecer
30 
os tipos de falácia para evitar armadilhas lógicas na própria argumentação e para analisar a argumentação alheia. As falácias que são cometidas involuntariamente designam-se por paralogismos e as que são produzidas de forma a confundir alguém numa discussão designam-se por sofismas. Segundo Othon M. Garcia, “ainda que cometamos um número infinito de erros, só há, na verdade, do ponto de vista lógico, duas maneiras de errar: raciocinando mal com dados corretos ou raciocinando bem com dados falsos. (Haverá certamente uma terceira maneira de errar: raciocinando mal com dados falsos). O erro pode, portanto, resultar de um vício de forma — raciocinar mal com dados corretos — ou de matéria — raciocinar bem com dados falsos”. De acordo com o mesmo autor, o que diferencia o sofisma da falácia, é que, embora ambos sejam basicamente raciocínios errados, a falácia é involuntária. Ao passo que o sofisma tem como objetivo induzir a audiência ao engano, o raciocínio falacioso decorre de uma falha de quem argumenta. Quem usa sofismas, sabe o que está fazendo quando, por exemplo, tenta nos empurrar uma conclusão para a qual não dispõe de dados ou demonstrações suficientes. Quem se vale de falácias, por sua vez, simplesmente se enganou. O conhecimento do que é ou não um raciocínio falacioso certamente é um dos mais úteis que existem quando vamos analisar criticamente qualquer assunto. As falácias e inconsistências lógicas abundam em nossa sociedade e são utilizadas o tempo todo, como podemos verificar facilmente nos pronunciamentos de políticos demagogos, entre outros casos. Elas permitem que alguém faça declarações aparentemente racionais e aceitáveis sem o mínimo necessário de conhecimento ou ainda fugindo de um tema e embaraçando os interlocutores, fazendo-os se desviarem do assunto tratado. Reconhecê-las nem sempre é fácil, especialmente quando
31 
aparecem em diálogos, onde podemos acabar engolindo coisas que, uma vez submetidas a uma análise mais profunda, se revelam sem fundamento. Existem áreas, até, onde uma falácia acaba se tornando o discurso predominante pelo qual um determinado grupo se manifesta. Na área de que tratamos, a religiosa, não é demais dizer que é o campo onde mais se cometem esses erros. Portanto, não é de se admirar que determinados incrédulos sejam tão resistentes aos assuntos religiosos: eles simplesmente se recusam, e com razão, a aceitar como verdades absolutas afirmações e raciocínios que violam a própria lógica. Vamos agora examinar rapidamente algumas falácias e truques retóricos mais frequentes, a fim de que possamos não apenas nos prevenir contra eles, como também, quem sabe, mudarmos nossa maneira de falar às pessoas. Mas antes, é importante salientar que, existem falácias de tal forma cristalizadas em certos grupos ou comunidades, tão repetidas e consagradas no seu discurso, que dificilmente terão sua falsidade reconhecida. Em se tratando de assuntos religiosos, isso se complica, pois o que é uma falácia para um, pode ser uma verdade irretorquível para outro. Raciocínio circular ou petição de princípios: Esse é um erro comuníssimo em debates ou pregações religiosas. Trata-se simplesmente de afirmar a mesma coisa com outras palavras. Alguns exemplos: 1. “Por que a Bíblia é a Palavra de Deus? Ora, porque ela foi inspirada pelo próprio Criador.” …ou ainda o que eu chamaria de “variação Tostines” 2. “A Bíblia é perfeita porque é a Palavra de Deus. E como sabemos que ela é a Palavra de Deus? Pela sua perfeição.”
32 
Esse exemplo é fácil de encontrar, especialmente nos meios evangélicos mais conservadores. É importante ressaltar que ele foi posto aqui apenas para ilustrar um tipo de raciocínio falacioso muito frequente, não para desmerecer a Bíblia ou a crença de quem quer que seja. Um exemplo laico agora: 3. “Eu acho que alpinismo é um esporte perigoso porque é inseguro e arriscado.” Dizer que algo é “inseguro e arriscado” não é o mesmo que dizer que ele é “perigoso”? Ora, o que essa “explicação" acrescentou que justificasse a ideia de que alpinismo é perigoso? Nada. Simplesmente repetiu-se a primeira afirmação com outras palavras. 4. “Por que eu sou a pessoa mais indicada para o trabalho? Porque eu descobri que, dentre todos os outros candidatos, e considerando minhas qualificações, eu sou a melhor pessoa para o trabalho.” Valem as mesmas observações. Porém prestemos atenção num detalhe: às vezes, quando a “justificativa” é muito longa, podemos nos perder e não notarmos que a pessoa acabou não dando evidências para aquilo que disse. Um exemplo trágico poderia ser a frase de Goebbels, propagandista do regime nazista alemão: “Uma mentira, repetida muitas vezes, acaba se tornando uma verdade”. Afirmações muito repetidas podem ganhar um status tal que as pessoas podem nunca ter parado para pensar realmente no porquê de acreditarem nelas. Crenças inculcadas desde a infância ou em períodos de fragilidade emocional são casos típicos. Por isso, tenhamos a máxima prudência com aquilo que nos chega aos
33 
ouvidos e com a maneira como abordaremos certas crenças arraigadas num debate; antes de questionar os outros, convém darmos uma olhada na nossa própria fé em certas premissas, que talvez nunca tenhamos analisado criticamente. Egocentrismo ideológico: Essa provavelmente não será achada em manuais de lógica. O que eu batizei de “egocentrismo ideológico” nada mais é do que um primo do raciocínio circular. Trata-se da incapacidade ou recusa sistemática em se pôr de um ponto neutro para analisar alguma coisa. O cerne do problema, aqui, é mais a atitude do debatedor do que propriamente sua lógica. Mais uma vez, recorramos a exemplos reais e muito comuns: 1. “Como eu sei que a Bíblia contém toda a Palavra de Deus, perfeita e eterna? Ora, porque, conforme vemos em Segunda Timóteo 3:16…” 2. “Você tem que crer naquilo que Jesus disse, porque ele falou ‘Ninguém vai ao Pai senão por mim.’” 3. “A minha religião é a única verdadeira, e você não pode questionar isso. Veja só o que nosso fundador diz em…” 4. “Por que o Papa, em questões doutrinárias, é infalível? Porque o Concílio de…, sob a inspiração da Assistência Extraordinária do Espírito Santo dada ao líder da Igreja, que o promulgou, declarou assim.” Onde o erro? Ora, todos os declarantes estavam conversando com alguém que é cético e está questionando a autoridade da fé que eles têm. E o que eles fazem para demonstrar que estão certos? Recorrem à mesma autoridade que está sendo questionada.
34 
Apelar para uma autoridade que só é reconhecida por uma das partes é sempre desaconselhável quando a finalidade é a persuasão. Se em matérias científicas, por exemplo, o currículo de alguém pode dar uma boa ideia de sua capacidade para opinar sobre um assunto, em religião tal não se aplica da mesma forma. Por isso, é sempre bom recorrer a outros argumentos diante de um cético; a imposição de autoridade simplesmente não funcionará. Supersimplificação e raciocínio “8 ou 80”: Essas são praticamente inevitáveis, e se você não se deparar com elas, é porque está debatendo filosofia ou seu interlocutor é diplomata profissional. Um bom argumento deve resumir as questões em debate e simplificá-las para o leitor ou a audiência. Dizemos que há “supersimplificação” quando isso é feito de tal forma que muitos detalhes importantes são deixados de lado e o resumo feito só permite uma única conclusão. Exemplo: 1. “Os nazistas usaram alguns escritos de Nietzsche em sua propaganda. A irmã de Nietzsche era nazista. Portanto, Nietzsche era nazista.” Já o raciocínio “8 ou 80”, conhecido também como falso dilema, é aquele que só admite duas possibilidades antagônicas numa determinada questão, mesmo que haja muitas mais, sendo que a pessoa que o utiliza está, claro, do lado certo. Essa falácia pode ser assim resumida:
35 
2. “Ou você está totalmente certo ou eu estou totalmente errado.” Exemplo radical, não? No entanto, essa é a forma como muitas pessoas pensam em determinadas áreas: sem meios-termos, tudo ou é preto ou é branco, sem variações de cinza. Esse é um meio confortável de simplificar demais assuntos complexos como moral e espiritualidade, pois é a negação do diálogo. Eis algumas possíveis aplicações religiosas desse raciocínio falacioso: 3. “A Bíblia alega ser a Palavra de Deus e sem erros. Se você achar um erro nela, então ela tem de estar totalmente errada.” 4. “Fulana tinha câncer e fez uma ‘cirurgia espiritual’ para ajudar na cura. E, de fato, ela se curou. Ou a cura de Fulana na ‘cirurgia espiritual’ foi um milagre de Deus ou um prodígio do demônio. Deus não age nessa religião. Então, só pode ter sido obra de Satanás.” Cito esses exemplos por já ter visto alguém usá-los num debate. Fora a questão de fé envolvida aí, o erro de raciocínio é evidente, pois, no primeiro caso, o fato de achar um erro na Bíblia ou em qualquer outro livro religioso não significa invalidá-lo por inteiro, obviamente, mas apenas exigir do leitor um pouco mais de discernimento ao lê-los, sem o falso conforto de formar uma opinião inflexível e julgar tudo que ali está sem o trabalho de um maior exame. Já no segundo, fora o egocentrismo ideológico que não contribui para persuadir a audiência nem apresenta evidências para comprovar sua tese, excluem-se as outras possibilidades de explicação: da cura ter-se dado naturalmente, em virtude dos tratamentos médicos a que Fulana estava se submetendo, ou do fenômeno de sugestão, etc. Essas falácias nos levam diretamente a uma outra, também muito comum, chamada…
36 
Generalização apressada: Falácia de generalização apressada, como o nome indica, é aquela em que uma pessoa constrói algumas premissas para um argumento e, em seguida, o conclui rápido demais. Noutras palavras, é tirar uma conclusão com base em evidências insuficientes, julgar todas as coisas de um determinado universo com base numa amostragem muito pequena. Consequentemente, ela passa por cima de detalhes, fatores, circunstâncias e mesmo dos casos que poderiam refutar a universalidade de suas premissas. É claro que todo argumento presume algum grau de generalização, mas, neste caso, ela é excessiva. Vejamos dois exemplos: 1. “Minha avó tem dor de cabeça crônica. Meu vizinho também tem e descobriu que o motivo é um câncer. Logo, minha avó tem câncer.” 2.. “Nas duas vezes em que fui assaltado, os bandidos eram negros. Bem que minha mãe fala que todo negro tem tendência para ladrão!” Dito assim, parece um erro tão idiota que uma pessoa teria de ter muito pouca inteligência ou instrução para incorrer nele. Mas não é bem assim. Esse tipo de falácia é muito frequente, dentre outras coisas, em certas frases discriminatórias muito usadas. Quem nunca ouviu algo parecido com os exemplos a seguir? 3. “O pastor da igreja X roubou o dinheiro dos fiéis. Fulano é pastor. Logo, também é ladrão.” 4. “Meu tio é candomblecista e já matou um bode para oferecer ao orixá. Beltrano foi ao terreiro de candomblé. Logo, ele também mata animais para o orixá.” 5. “Fulano entrou para a igreja X e ficou fanático. Logo, todos os fiéis da igreja X são fanáticos.” 6. “Fulano entrou para uma igreja protestante e ficou fanático. Logo, todos os protestantes são fanáticos.”
37 
7. “Crentes/muçulmanos/bramanistas/etc. são todos fanáticos.” 8. “Todo americano é racista.” É no dia-a-dia que esse tipo de erro, muito bom para cunhar bordões preconceituosos, é mais encontrado. Alguns de nós pode até ter crescido ouvindo frases dessa espécie, tendo-as incorporado de tal maneira que sequer lembramos de questioná-las. Frequentemente são generalizações feitas com base num único episódio particular, ignorando as diversas nuances que ele possa ter e aplicando suas características a todo um grupo de pessoas ou doutrinas. Devemos ter cuidado com elas, são falácias que podem simplesmente passar despercebidas por anos. Ataque pessoal ou argumento ad hominem: Essa falácia é fácil de reconhecer. Consiste simplesmente em atacar uma pessoa em vez dos argumentos que ela expõe, usar um traço de seu caráter como pretexto para desqualificar ou ignorar o que ela diz. Pode ser usado quando não se sabe como refutar o que o oponente diz ou simplesmente por excesso de preconceito, sendo um meio muito cômodo (e desonesto) de fugir do debate. Vejamos: 1. “O que Fulano diz sobre o balanço da empresa não pode ser levado a sério, afinal ele traiu a mulher.” 2. “O senhor não tem autoridade para criticar nossa política educacional, pois nunca concluiu uma faculdade.” 3. “Beltrano não entende nada de espiritualidade, ele é gay.” 4. “A religião é uma coisa má. Veja só quantas guerras foram provocadas por ela.” 5. “Não deem ouvidos ao que ele diz. Como ele abandonou nossa fé, as críticas dele à nossa organização só podem ser mentiras.”
38 
Talvez nesta última modalidade o argumento ad hominem seja a falácia com mais possibilidades de ser explorada autoritariamente, pois a melhor forma de se manter o controle sobre um grupo é justamente fazer com que ele evite qualquer contato com informações ou opiniões dissidentes. Não é por outra razão que uma das primeiras medidas de regimes políticos ilegítimos é a censura e perseguição a seus críticos e dissidentes. Religiosamente falando, isso é feito pela difamação de ex-membros, especialmente se eles tentam explicar as razões por que deixaram o grupo religioso a que pertenciam. Em vários casos, generalizações excessivas, termos pejorativos e mesmo a proibição de qualquer contato são usados para se criar a ideia de que todos os ex-membros têm falhas de caráter, ignorando a possibilidade de abandono por razões de consciência, discordância doutrinária e toda uma série de fatores que podem levar alguém a reavaliar honestamente suas crenças. Assim, abafa-se na fonte a possibilidade de um debate ou questionamento por parte dos que ficaram, já que eles serão desencorajados a procurar entender os motivos dos dissidentes. 6. “Os argumentos da empresa X contra nossa fusão não merecem crédito, pois eles são nossos concorrentes e seus interesses comerciais estão em jogo.” (Também chamado de culpa por associação). Neste último exemplo, o fato de que a empresa X tem motivos comerciais para se opor à fusão das concorrentes não invalida os seus argumentos e tampouco faz com que os daqueles a favor da fusão mereçam mais crédito. Fosse assim, por exemplo, poderíamos invalidar a priori todos os argumentos de defesa do réu de um processo judicial, já que são motivados pelo seu interesse em continuar livre. Embora em questões como essa, o interesse ou as
39 
crenças particulares de alguém possam sugerir que os argumentos apresentados provavelmente serão tendenciosos, isso não é desculpa para que sejam ignorados ou abordados apenas de forma indireta e inadequada através de um truque retórico. Outra variante nos leva ao famoso ditado “faça o que eu digo, não o que eu faço”, o chamado tu quoque (latim para “você também”). 7. “Você diz que o cigarro é um vício horrível, mas ainda não conseguiu parar. Por que eu deveria lhe dar ouvidos, então?” O fato de a pessoa que nos fala ainda fuma não quer dizer que o cigarro seja menos prejudicial. Ela pode não ser o melhor exemplo de conduta, mas nem por isso deixa de ter razão nesse ponto. Um argumento ad hominem não é necessariamente uma falácia, desde que aplicado numa circunstância adequada. Por exemplo, se o seu banco nomeia para o cargo de diretor uma pessoa com um passado de notórios crimes financeiros, você não pode ser recriminado por procurar outra instituição. Neste caso, a probidade da pessoa da pessoa é tão relevante quanto a lógica do que ela diz. Trata-se, então, de uma precaução razoável e justificada. Agora, se essa mesma pessoa, por outro lado, resolve debater a possibilidade de vida após a morte, já é outra história… Apelo à ignorância: Resume-se na frase “ausência de evidência não é evidência de ausência”. Consiste em usar a falta de provas (ou a inabilidade do oponente em apresentá-las) a favor ou contra algo para provar uma outra tese. 1. “Você não tem provas de que Deus existe. Logo, ele não existe.”
40 
2. “Você não tem provas de que Deus não existe. Logo, ele existe.” 3. “É claro que houve um dilúvio; ninguém nunca conseguiu provar que não houve.” Acontece que a mera falta de provas não prova nada. No máximo, pode sugerir, mas nunca fechar questão. O fato de eu não poder provar empiricamente que, digamos, os buracos negros existem não quer dizer que eles não podem existir necessariamente. Ora, se temos duas teses opostas, e uma não tem evidências confiáveis a seu favor e a outra sim, fiquemos com esta. Mas se ela também não possui evidências, não será o problema da outra que a tornará legítima. Por isso, devemos tomar todo o cuidado para não cair num falso dilema (vide acima) e nos deixemos enganar por dicotomias falsas, como no exemplo a seguir: 4. “O ‘elo perdido’ entre o homem e os primatas não foi encontrado até hoje. Isso nos mostra que a Teoria da Evolução está errada e o livro bíblico de Gênese é que está com a razão ao falar da criação do primeiro casal por Deus.” Aqui o autor da frase, além de reduzir toda a Teoria da Evolução ao caso do Homo sapiens, esqueceu que o fato de que se ela, hipoteticamente, está errada, não quer dizer que o Gênese esteja certo. Apelo à multidão: Quem conhece a expressão “maria-vai-com-as-outras” certamente saberá quando uma falácia de apelo à multidão está sendo usada. Basicamente, esse é o tipo de raciocínio que diz “se todos fazem, então eu devo fazer também”. Políticos bons de voto adoram essa linha de argumento, religiosos proselitistas também.
41 
1. “Você não acha que se uma religião cresce tanto em tão pouco tempo é porque Deus está com ela?” 2. “Dez milhões de pessoas não podem estar erradas. Junte-se à nossa igreja você também.” 3. “Isso é uma verdade tão sublime que um milhão de pessoas já a aceitaram como regra de fé.” A questão essencial aqui é que quantidade não é critério da verdade. O que esse tipo de falácia faz é desviar a atenção do tema tratado para um outro, aparentemente importante, mas que é um tópico à parte. O fato de tantas pessoas acreditarem em algo não significa que seja verdade. Por exemplo, há poucos séculos, acreditava-se que o oceano era repleto de monstros que inviabilizariam viagens transatlânticas, e hoje podemos viajar em cruzeiros ao redor do mundo com uma boa margem de segurança. Em religião, especificamente, é algo ainda pior: se dez milhões acreditam numa coisa, uns 300 milhões acreditam em outra bastante diferente; e mesmo a religião mais significativa numericamente não tem uma vantagem tão grande, pois a soma das outras é ainda superior ao número de fiéis dela. Existem formas mais inteligentes e honestas de se buscar o consenso do interlocutor e da audiência. Apelo ao medo ou argumento ad baculum: Aqui, o instrumento de coerção não é a pressão da maioria, mas o temor das consequências de não adotarmos o ponto de vista da pessoa com quem debatemos. Mais um exemplo tirado de diálogos religiosos: 1. “Quanto ao inferno, veja só: eu acredito, você não. Se eu estiver errado, e você certo, não terei perdido nada. Mas já parou para
42 
pensar que, se eu estiver certo e você errado, você pode sofrer eternamente por isso?” Ora, isso é um raciocínio ou uma ameaça? Pois um raciocínio é uma demonstração racional da validade de uma determinada ideia, o que não é o caso. Então como analisar esse tipo de argumento? Bem, existem dois tipos de razão para se adotar uma determinada crença: a racional e a prudente. A primeira é baseada na lógica e na objetividade; a segunda, em algum outro fator importante para a pessoa, como medo ou benefício pessoal, mas que não influi na veracidade ou falsidade da crença. Quando alguém usa um argumento ad baculum, está na realidade dizendo que, se uma ideia ou concepção nos assusta, então é melhor crer que ela é verdade, mesmo que não haja uma razão lógica para demonstrá-la. É fácil mostrar o absurdo disso, bastando mudar o motivo do medo: 2. “Eu acredito que o bicho-papão mora no armário, você não acredita. Se eu estiver errado, não terei perdido nada. Mas já parou para pensar que, se eu estiver certo e você errado, ele pode devorar você?” Ou ainda, mais sutilmente: 3. “É melhor você votar pela condenação do réu ou você pode ser a próxima vítima dele.” Se para condenar o réu é necessário apelar para o medo dos jurados em vez de para as provas, então algo muito errado deve estar acontecendo…
43 
Apelo à tradição: Uma variedade do apelo à multidão, só que o argumento fundamental neste caso é “quanto mais antigo, melhor”. Quando uma pessoa apela para a tradição, está apostando que crenças antigas estão sempre certas, o que obviamente não é verdade, como a medicina demonstra quase todos os dias. Vejamos alguns exemplos: 1. “A Astrologia é uma arte adivinhatória praticada há milhares de anos no Oriente. Conta-se que os antigos reis da Babilônia teriam feito uso dela para saber os dias mais propícios para as batalhas. Até os imperadores chineses recorriam aos astros para guiarem seus passos no governo. Com esse currículo respeitável, é inadmissível que ainda não a considerem uma ciência.” 2. “É claro que existem duendes, as lendas sobre eles têm séculos e séculos de existência.” 3. “Nosso livro sagrado têm mais de 3 mil anos de idade e está intacto, logo, só ele pode conter a verdadeira revelação divina.” 4. “Os primeiros mártires costumavam fazer ou acreditar nisso. Então deve ser bom.” 5. “Essas práticas remontam aos primeiros séculos da nossa igreja. Como você pode questioná-las?” Familiar? Esse tipo de argumentação ignora que o fato de um grande número de pessoas, durante muito tempo, crer que uma coisa é verdade não é motivo para se continuar crendo. Por exemplo, a escravidão era considerada justificável em inúmeras nações durante milênios, e nem por isso, hoje, temos que aceitá-la como uma prática legítima.
44 
Apelo à autoridade: Quando queremos reforçar nossa tese, podemos recorrer à opinião de pessoas respeitáveis para corroborá-la. Assim, por exemplo, se quero defender o uso de uma determinada substância no tratamento de uma doença, poderei citar médicos renomados e idôneos, desde que eles tenham experiência no combate a essa enfermidade e que tenham testado a eficácia da substância em questão. Isso é perfeitamente válido, e até desejável. No entanto, nem sempre se tem esse cuidado na seleção de citações, e acabamos por citar quaisquer personalidades célebres como se tivessem mais autoridade que qualquer outro mortal em questões em que não são especialistas. Ser famoso não quer dizer estar certo sobre tudo. Por exemplo: 1. “Dionne Warwick é uma boa cantora, mas isso não significa que o serviço esotérico por telefone para o qual ela faz propaganda realmente funcione e seja a solução de todos os problemas da vida.” 2. “O mesmo vale para Mayara Magri e o Instituto Omar Cardoso, bem como para todos os anúncios publicitários envolvendo celebridades do show-business.” Da mesma maneira, principalmente ao se tratar de assuntos polêmicos, fazer citações breves de especialistas famosos, ainda que afins com a questão em pauta, não significa necessariamente que eles estão defendendo a tese em questão ou concordando com todos os pontos que a compõem. Depoimentos de somente uma ou duas frases aparentemente favoráveis em geral não nos permitem ter uma ideia clara de até que ponto aquele suposto especialista se aprofundou no assunto e no contexto em que aquelas palavras foram ditas. Para termos uma maior segurança nesse ponto, ao nos depararmos com o depoimento dessas autoridades, é melhor que eles
45 
sejam suficientemente detalhados para que possamos ter certeza de que sabiam do que estavam falando e das razões pelas quais são favoráveis ou não a uma determinada ideia. O bom senso exige que, antes de nos curvarmos a títulos e fama, procuremos saber que argumentos estão sendo usados e se eles realmente merecem crédito. Afinal, mesmo os sábios têm suas falhas e equívocos. Eufemismos: São palavras que designam coisas potencialmente desagradáveis de forma mais suave. Usadas pretensiosamente por políticos e religiosos, são uma forma polida e ilusória de tornar belo o feio, e fazer com que mesmo as ideias mais repugnantes se tornem mais aceitáveis. Seu apogeu está no uso de expressões consideradas politicamente corretas, tão populares nos Estados Unidos, e que chegam a ser ridículas: 1. “Indivíduo verticalmente desafiado — anão.” 2. “Homem afro-americano — homem negro (e por que não nipo- americano, sino-americano, teuto-americano?).” Já outros são mais universais e menos risíveis: 3. “Apropriar-se ilicitamente de dinheiro público — roubar dinheiro público.” 4. “Ser convidado a retirar-se do recinto — ser expulso do recinto.” Eufemismos normalmente são dispensáveis, só tendo alguma utilidade quando se quer evitar ferir a suscetibilidade de alguém, que, no caso do politicamente correto, é exagerada. Um bom argumento deve ser claro, conciso e de preferência sem eufemismos que possam atrapalhar a comunicação. Se eles são usados com muita frequência,
46 
pode ser o caso de que nosso interlocutor esteja tentando minimizar ou disfarçar alguma coisa. Premissas contraditórias: Quando as bases do argumento são mutuamente excludentes. Por exemplo: 1. “O que acontece quando uma força irresistível encontra um obstáculo irremovível?” Ora, o erro aqui é que não existe força irresistível. Se existisse, então não haveria um obstáculo irremovível, e vice-versa. Logo, se a pergunta não é coerente consigo mesma, não pode haver resposta. 2. “Se Deus pode tudo, ele poderia fazer uma pedra tão pesada que nem ele mesmo pudesse levantar?” Novamente, a pergunta não faz sentido, pois admitir que Deus pode criar tal pedra é admitir também que ele não pode tudo; e admitir que ele não pode criar a pedra é o mesmo que negar sua onipotência. Então, não se tem aí nenhum fundamento que possa dar margem a um raciocínio legítimo. Mais um exemplo, desta vez peculiar às religiões salvacionistas, em especial as cristãs: 3. “Deus é o criador onisciente de todas as coisas. Então ele também criou o mal? Não, o mal é criação das suas criaturas.” Vejamos: se Deus é o criador de tudo, e ainda por cima onisciente (ou seja, sabedor de tudo, mesmo do futuro), como se pode dizer que o mal não é também criação dele? Tal como estão, as afirmações se contradizem, pois mesmo que Deus não tenha criado o mal diretamente, se ele é onisciente e cria os seres já sabendo que
47 
praticarão atos maus, o máximo que se pode dizer é que ele é seu criador indireto. A própria ideia de ser a origem de tudo que existe implica não só ser criador daquilo que consideramos bom como também do que consideramos mau. Mas se o mal foi criado a despeito da vontade ou do conhecimento de Deus, o que faz mais sentido, então ele não seria onipotente. E aí teríamos mais uma contradição. Redução ao absurdo: É um raciocínio levado indevidamente ao extremo. Designado apropriadamente em inglês pela expressão “slippery slope”, ou seja, rampa escorregadia, na qual um simples empurrão basta para que se perca totalmente o controle. Essa falácia pode ser expressa assim: 1. “Você permite que seu filho de seis anos roube um beijo na bochecha da coleguinha de escola hoje e logo ele vai querer agarrá-la e, mais tarde, se tornará um maníaco sexual. Você não tem vergonha?” Ou seja, quem faz uso dessa falácia parte do princípio de que um evento qualquer vai necessariamente levar a outro sem qualquer possibilidade de gradação ou razão aparente, como numa bola de neve montanha abaixo. É uma mistura de generalização apressada com um determinismo pessimista, pois só reconhece uma cadeia de eventos possíveis a partir de um fato. No exemplo citado, pode até ser que o menino tenha alguma tendência problemática, mas certamente não terá sido o beijo na coleguinha o fator responsável por isso e de uma criança que dá um beijo na bochecha aos seis anos até o adulto sexualmente perturbado vai uma boa distância. A falácia
48 
relaciona o beijo ao comportamento doentio sem qualquer motivo aparente, ignorando todos os graus entre uma coisa e outra. Mais alguns exemplos: 2. “Se você permite o aborto em casos de risco de vida para a mãe nos hospitais públicos, logo todo o mundo vai querer abortar por qualquer motivo, ninguém mais vai valorizar a gravidez e a taxa de natalidade vai acabar despencando, prejudicando a economia do país.” 3. “A crença na vida após a morte é perniciosa, pois quem acredita nisso sempre vai achar que as coisas vão melhorar no Além e, portanto, vai se acomodar à sua situação atual, não lutar por seus direitos e permanecer em tamanha inatividade que a nação logo vai estar subjugada pelos exploradores internacionais. É por isso que nosso país seria muito melhor se todos fossem ateus.” Agora alguns só aparentemente mais aceitáveis: 4. “Se deixarmos o governo vender uma estatal hoje, daqui a dois ou três anos o país inteiro vai estar nas mãos do empresariado internacional.” 5. “Não podem censurar meu livro. Eles começam censurando só o meu e logo vão estar queimando todos os livros em praça pública e voltaremos ao tempo da Inquisição!” 6. “Se eu fizer uma exceção para você vou ter de fazer para todo o mundo.” 7. “Se você cumprimentar aquele seu amigo que abandonou nossa igreja, ele vai encher sua cabeça de mentiras, você vai perder a fé e vamos ter de tratar você como um traidor também.” (cf. Apelo ao medo ou argumento ad baculum e Ataque pessoal ou argumento ad hominem, acima).
49 
Por fim, é importante observar que o simples fato de alguém cometer uma falácia não invalida toda a sua argumentação. Ninguém pode dizer: "Li um livro de Rousseau, mas ele cometeu uma falácia, então todo o seu pensamento deve estar errado". A falácia invalida imediatamente o argumento no qual ela ocorre, o que significa que só esse argumento específico será descartado da argumentação, mas pode haver outros argumentos que tenham sucesso. Por exemplo, se alguém diz: "O fogo é quente e sei disso por dois motivos: 1. ele é vermelho; e 2. medi sua temperatura com um termômetro". Nesse exemplo, foi de fato comprovado que o fogo é quente por meio da premissa 2. A premissa 1 deve ser descartada como falaciosa, mas a argumentação não está de todo destruída. O básico de um argumento é que a conclusão deve decorrer das premissas. Se uma conclusão não é consequência obrigatória das premissas, o argumento é inválido. Deve-se observar que um raciocínio pode incorrer em mais de um tipo de falácia, assim como que muitas delas são semelhantes. PSICOSE E RELIGIÃO Nas ultimas décadas, prestou-se maior atenção ao estudo científico da religião e sua relação com a saúde e as doenças mentais. Embora haja muito trabalho ainda a se fazer, evidências têm-se acumulado para que se possa ter respostas mais objetivas às
50 
perguntas, tais como: qual a relação entre religião, espiritualidade e psicose? Pessoas psicóticas são mais religiosas? A religião conduz à psicose? A psicose conduz a religião? A conversão religiosa pode precipitar a psicose? A psicose pode precipitar a conversão religiosa? Qual a freqüência dos delírios religiosos entre aqueles que são psicóticos? Como diferenciar experiências religiosas ou espirituais “normais” de sintomas psicóticos? Qual o efeito do envolvimento religioso no curso e evolução dos transtornos psicóticos? Que efeito tem a psicose nas crenças espirituais ou religiosas das pessoas? Estas são perguntas importantes que apenas agora começam a ser respondidas por pesquisas sistemáticas. Segundo o cientista e professor norte americano Harold G. Koenig, o qual é Doutor Especialista em Psiquiatria e Ciências do Comportamento, frequentemente psiquiatras tratam pacientes religiosos com transtornos psicóticos ou que possuem alguma forma de espiritualidade. Para Koenig, cerca de um terço das psicoses tem conteúdo religioso, porém nem todas as experiências religiosas são psicóticas. Em sua visão, devem ser compreendidos, por parte dos clínicos, os papéis positivos e negativos que a religião desempenha nos pacientes com transtornos psicóticos. A maioria dos psiquiatras e outros profissionais de saúde mental, cientificamente treinados, acreditam em uma visão de mundo secular, científica. Sigmund Freud acreditava que a religião causava sintomas neuróticos e, possivelmente, até mesmo sintomas psicóticos. Em O Futuro de uma Ilusão, Freud (1962) escreveu: “Religião seria assim a neurose obsessiva universal da humanidade... A ser correta essa conceituação, o afastamento da religião está fadado a ocorrer com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento… Se, por um lado, a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, em um indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de ilusões plenas de desejo com um repúdio da realidade, tal como não
51 
encontramos, em forma isolada, em parte alguma senão na amência, em um estado de confusão alucinatória beatífica…”. Freud também tenta chamar a nossa atenção para o futuro que aguarda a cultura humana. No processo de desenvolvimento de seu pensamento, ele acha necessário lidar com a origem e o propósito da cultura humana como tal. Por cultura humana Freud significa todos os aspectos em que a vida humana tem se levantado acima da condição animal e que difere da vida de uma fera. Para Freud, a cultura humana inclui, por um lado, todo o conhecimento e poder que os homens acumularam, a fim de dominar as forças da natureza, e do outro todas as providências necessárias para que as relações dos homens uns com os outros possam ser reguladas. Estas duas condições para a cultura não são separáveis uma da outra, porque na medida em que os recursos existentes satisfazem os nossos desejos e instintos, eles estão entrelaçados. Embora o homem forme a cultura, ele é, ao mesmo tempo, sujeito a ela porque ela doma seus instintos selvagens e faz com que ele se comporte de uma forma socialmente aceitável. Assim, Freud escreve: "Parece mais provável que cada cultura deve ser construída em cima de . .. coerção e renúncia ao instinto. " Freud sustenta que a essência da cultura não está na conquista da natureza pelo homem como forma de dar suporte à vida, mas na esfera psicológica a qual permite a cada homem conter seus instintos predatórios. Um dos refreadores do instinto que o homem criou para perpetuar sua cultura é a religião. O aspecto particular da religião como reflexo da consciência moral foi reconhecido por Freud quando ele escreve que uma de suas funções é tentar, "... corrigir as tão dolorosamente sentidas imperfeições da cultura”. Freud define a religião como uma ilusão que consiste em "certos dogmas, afirmações sobre fatos e condições da realidade externa e interna, que dizem algo que não foi descoberto, e afirmam que se deve dar- lhes credibilidade”.
52 
Conceitos religiosos são transmitidos em três formas e, assim, reivindicam nossa crença "em primeiro lugar porque os nossos antepassados primitivos já acreditavam neles, segundo lugar, porque possuímos provas que foram entregues até nós desde a antiguidade, e em terceiro lugar porque é proibido levantar a questão de sua autenticidade em tudo. “Psicologicamente falando, estas crenças apresentam o fenômeno da realização do desejo”. Desejos que são as realizações dos desejos mais antigos, mais fortes e mais urgentes da humanidade” Entre eles estão a necessidade de agarrar-se a existência do pai, o prolongamento da existência terrena por uma vida futura e da imortalidade da alma humana. Para diferenciar entre uma ilusão e um erro, Freud cita duas das crenças científicas que hoje já foram refutadas pela ciência, tais como: “a crença de Aristóteles de que os parasitas se desenvolvem do esterco”, como também “a afirmativa feita por alguns nacionalistas de que a raça indo-germânica é a única capaz de civilização". Ambas estão erradas e constituem uma ilusão, simplesmente por causa do desejo envolvido. Isso dito de uma forma mais explícita: o que é característico das ilusões é que elas são derivadas de desejos humanos. Ele acrescenta, porém, que, "Ilusões não precisam ser necessariamente falsas." Ele dá o exemplo de uma menina de classe média ter a ilusão de que um príncipe vai se casar com ela. Enquanto isso é improvável, não é impossível. O fato de que baseia-se em seus desejos é o que faz com que seja uma ilusão. Freud acredita que todo indivíduo é, essencialmente, um inimigo da sociedade e tem urgências instintivas que devem ser refreadas em função do funcionamento da própria sociedade. Ele considera “a natureza destrutiva do homem como definidora de uma predisposição ao desastre, enquanto os seres humanos devem interagir com os outros em sociedade”. “Isso acontece “porque as massas são preguiçosas e pouco inteligentes, pois eles não têm amor à renúncia instintual e não são convencidos pelo argumento de
53 
inevitabilidade”“. “Os indivíduos que as compõem apoiam uns aos outros em dar rédea livre à sua indisciplina”. Assim, é destrutiva a natureza humana. Ele afirma, que "é só através da influência de indivíduos que podem dar o exemplo e a quem as massas reconhecem como seus líderes que elas podem ser induzidas a realizar o trabalho e passar as renúncias em que a existência da civilização depende”. Tudo isso define uma sociedade terrivelmente hostil que poderia implodir se não fosse pelas forças da civilização e pelo desenvolvimento do governo. Por fim, Freud conclui que “a religião é um desdobramento do complexo de Édipo e representa o desamparo do homem no mundo, tendo que enfrentar o destino final da morte, a luta da civilização e as forças da natureza”. Ele vê Deus como uma manifestação de um desejo da criança por “um” pai. Em suas palavras, "os deuses retêm a tarefa tripla: devem exorcizar os terrores da natureza, devem reconciliar os homens com a crueldade do Destino, particularmente, como é mostrado na morte, e devem compensá-los pelos sofrimentos e privações que uma vida civilizada em comum impôs a eles”. ALIENAÇÃO E FANATISMO RELIGIOSO A alienação é a diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar ou agir por si próprios e está relacionada ao estado mental do ser humano. Os indivíduos alienados não têm interesse em ouvir opiniões alheias, e apenas se preocupam com o que lhe interessa, por isso são pessoas alienadas. A alienação faz com que o indivíduo perca parcialmente a capacidade de percepção da realidade, passando a viver mentalmente em um mundo fechado constituído por suas próprias ideias. Um indivíduo alienado pode ser também alguém que perdeu a razão, está louco. Em psicologia, o termo
54 
"alienação" designa os conteúdos reprimidos da consciência e também os estados de despersonalização em que o sentimento e a consciência da realidade se encontram fortemente diminuídos. A alienação também compreende outras esferas como a esfera social e a esfera religiosa. Em ambas, a alienação está relacionada com o estado mental do ser humano. No caso da alienação social, o individuo não compreende que é o formador da sociedade e da política, e aceita tudo sem questionar. A alienação social incapacita o pensamento independente do ser humano, e ele passa a aceitar tudo como algo natural, racional ou divino. Já a alienação religiosa é caracterizada pelo processo o qual o homem cria ídolos, distantes, poderosos e tirânicos, e a eles transfere o domínio sobre si mesmo. O fanatismo religioso é uma forma de alienação baseada na rejeição de qualquer outra ideia que não seja a da interpretação religiosa particular de quem a possui, considerando-se geralmente quem diverge como inimigo. Não é típico de nenhuma religião em particular, embora as religiões mais fundamentalistas sejam extremamente alienadoras e mais propensas ao fanatismo. A consequência imediata do fanatismo religioso é o sectarismo, que encarcera a liberdade de consciência, pretendendo uma liberdade dirigida na espera do pensamento, que torna o homem escravo de postulados que lhe proíbem a expansão da alma pela ideia e pela razão. Portanto, o alienado religioso assume sempre uma atitude de intolerância às ideias alheias. As religiões, pelo seu caráter transcendental, são muito mais que a política, as grandes formadoras de adeptos fanáticos. A palavra fanatismo - do latim fanaticus -, que vem de fanum = templo, lugar consagrado, significa aquele que era o possuído pelo deus. Assim, o fanatismo religioso é a cega obediência a uma ideia, servida com zelo obstinado, que chega muitas vezes a exercer
55 
violência para obrigar outros a segui-la e punir quem não está disposto a abraçá-la. KARL MARX E A RELIGIÃO Karl Marx define a religião pura e simplesmente como uma projeção de nossa realidade terrena para um plano superior metafísico. A religião consiste para ele em um mundo fantástico, criado pela mente humana que tenta dar a certos fenômenos naturais um ar sobrenatural, isto significa que religião com o seu Deus não passa de uma mera ilusão, algo a que não se deve dar crédito. Para aqueles que estudam, estudaram ou têm pelo menos uma noção de história da filosofia, veremos que vários autores em sua antropologia não hesitaram em afirmar que o homem é um ser dotado de carência. Marx certamente é um destes. Pois ele define a natureza humana por suas carências ou necessidades e pela dialética da satisfação dessas necessidades, desdobrando-se seja na relação do homem com a natureza exterior pelo trabalho, seja em sua relação com os outros homens pela natureza (LIMA VAZ, 2000). O homem, segundo Marx, é aquele que produz, homo faber (NOGARE, 1990). Ele está sempre a produzir algo para suprir suas necessidades para facilitar sua vida, gerando assim seu bem- estar. Sendo o homem, como vimos, frágil, isso significa que ele necessita de algo para preencher sua existência. A partir de suas dificuldades ele passou a criar não só elementos materiais, mas criou também um ente e um lugar metafísico, uma espécie de muleta para suportar o peso e as exigências de sua vida, visto que a matéria não consegue preencher ou responder certas questões que envolvem a vida humana tais como a morte e o sofrimento. Daí a criação de um
56 
Deus transcendente, que possa apoiar todas as suas dificuldades e esperar que este mesmo Deus possa acalentá-lo em seu desterro e recompensá-lo futuramente com bens celestiais e uma vida eterna. A religião, portanto, para Karl Marx, passa a uma ilusão, alienação, ou num dizer mais marxista “um ópio” para amenizar o sofrimento. Uma das teorias marxistas sustenta que a religião surgiu através do espanto e do medo. Ao observar a fúria de certos fenômenos naturais que ocorriam ao seu redor os homens primitivos começaram a atribuir tais forças a alguma entidade sobrenatural, e a partir desta descoberta ele passou a criar certos ritos e oferecer determinados sacrifícios para apaziguar a divindade ofendida. Passaram a acreditar também que certas dádivas, tais como chuva para os campos, boa colheita são sinais da benevolência divina (FADDEN, 1963). O que deve ficar bem claro, nesta teoria, é que o medo criou a divindade. Deus, portanto, nada mais é que o reflexo do próprio homem. Foi o homem quem criou a divindade e não o contrário. A religião com os seus ritos são apenas manifestações de um homem desesperado e indefeso diante da fúria da natureza. “A religião nasceu com o método supersticioso para mitigar os horrorosos efeitos das forças naturais” (FADDEM, 1963). Um fator que provavelmente influenciou o pensamento de Marx contra a religião foi a sua história de vida. Ele viveu em um ambiente em que os cidadãos não podiam exercer as profissões se não fossem cristãos. A família de Marx era de origem judaica, seu pai aceitou o batismo na igreja luterana, simplesmente para exercer sua profissão. “A imposição externa de um credo religioso certamente contribuiu para orientar religiosamente o espírito de Marx, que, com toda a probabilidade, foi ateu desde a mocidade” (ROVIGHI, 1990). Outra grande influência que marcou Karl Marx foi o pensamento filosófico de Feuerbach: “Consta que nos primeiros e mais decisivos
57 
anos de sua atividade filosófica, entre 1841, data da publicação da obra a Essência do cristianismo, e 1844 Marx foi um entusiasta feuerbachiano” (NOGARE,1990). Feuebarch, em Essência do cristianismo, afirma que a criatura inventou o criador e, portanto, é ela verdadeiramente o criador. Deus é um reflexo do próprio homem, uma projeção, uma inversão dos desejos humanos, um produto no qual o homem finito precário e dependente projeta seus desejos e possibilidades de perfeição, onipotência. A religião consiste no sentimento mais puro e absoluto do homem. O homem deseja para si o que nele mesmo não encontra, como por exemplo: o ideal de justiça, bondade e virtude. Deus é um homem genérico que idealizamos e que não conseguimos realizar por nós mesmos (NOGARE, I990). Marx viu na ideologia de Feuerbach a resposta para destronar a grande farsa que é a religião. Talvez tenha encontrado em suas palavras o forte instrumento que tanto precisava para a libertação do homem de uma ideologia religiosa, alucinante, que ensinava que o homem deveria rejeitar o sensível tendo em vista o imaterial, abstrato, aceitar o sofrimento, a exclusão, deveria negar a si próprio, ou seja, perder a sua identidade visando o próximo. Ter uma atitude passiva diante de seus opressores tendo assim uma atitude de pseudo-humildade. Por fim, a religião alienava o povo fazendo-o acreditar que quanto mais lhe faltasse algo nesta vida mais teria na eternidade. A religião transformava os homens em marionetes fazendo-os cumprir sem reclamar ou blasfemar as leis que lhes foram impostas por Deus, pela moral e por uma sociedade decadente. Marx certamente vibrou ao ler estas audaciosas palavras de Feuerbach: Temos de colocar no lugar do amor de deus, o amor dos homens, como uma única, verdadeira religião, no lugar da fé em um deus, a fé no homem em si, em sua força, a fé em que o destino da
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta
Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta

Más contenido relacionado

La actualidad más candente

O sistemas de ideias matheus kielek
O sistemas de ideias   matheus kielekO sistemas de ideias   matheus kielek
O sistemas de ideias matheus kielek
Matheus Kielek
 
Sugestão Material Encontro Bloco Leste
Sugestão Material Encontro Bloco LesteSugestão Material Encontro Bloco Leste
Sugestão Material Encontro Bloco Leste
Norberto Tomasini Jr
 
Entendendo a vida evo consolador
Entendendo a vida evo consoladorEntendendo a vida evo consolador
Entendendo a vida evo consolador
marciot
 
Plano de aula o problema da fé e da razão
Plano de aula o problema da fé e da razãoPlano de aula o problema da fé e da razão
Plano de aula o problema da fé e da razão
Antonio Marcelo Campos
 
Genealogia da moral nietzsche
Genealogia da moral  nietzscheGenealogia da moral  nietzsche
Genealogia da moral nietzsche
masalas
 
Planos e conteúdos 2º bimestre
Planos e conteúdos 2º bimestrePlanos e conteúdos 2º bimestre
Planos e conteúdos 2º bimestre
mtolentino1507
 
Para que filosofia capítulo 1 resenha chauí - atualizado
Para que filosofia   capítulo 1 resenha  chauí -  atualizadoPara que filosofia   capítulo 1 resenha  chauí -  atualizado
Para que filosofia capítulo 1 resenha chauí - atualizado
Rita Gonçalves
 
Filosofia 2º bimestre -1ª série - o conhecimento
Filosofia   2º bimestre -1ª série - o conhecimentoFilosofia   2º bimestre -1ª série - o conhecimento
Filosofia 2º bimestre -1ª série - o conhecimento
mtolentino1507
 
Curso De Direitos Humanos Aula Itesp Dia 03 MarçO De 2010
Curso De Direitos Humanos   Aula Itesp Dia 03 MarçO De 2010Curso De Direitos Humanos   Aula Itesp Dia 03 MarçO De 2010
Curso De Direitos Humanos Aula Itesp Dia 03 MarçO De 2010
ElenitaPimentel
 
As implicações morais do darwinismo
As implicações morais do darwinismoAs implicações morais do darwinismo
As implicações morais do darwinismo
Diegofortunatto
 

La actualidad más candente (20)

O sistemas de ideias matheus kielek
O sistemas de ideias   matheus kielekO sistemas de ideias   matheus kielek
O sistemas de ideias matheus kielek
 
Sugestão Material Encontro Bloco Leste
Sugestão Material Encontro Bloco LesteSugestão Material Encontro Bloco Leste
Sugestão Material Encontro Bloco Leste
 
Aula ética na administração
Aula ética na administraçãoAula ética na administração
Aula ética na administração
 
Entendendo a vida evo consolador
Entendendo a vida evo consoladorEntendendo a vida evo consolador
Entendendo a vida evo consolador
 
Plano de aula o problema da fé e da razão
Plano de aula o problema da fé e da razãoPlano de aula o problema da fé e da razão
Plano de aula o problema da fé e da razão
 
Cosmovisão cristã bentes
Cosmovisão cristã bentesCosmovisão cristã bentes
Cosmovisão cristã bentes
 
Genealogia da moral nietzsche
Genealogia da moral  nietzscheGenealogia da moral  nietzsche
Genealogia da moral nietzsche
 
Planos e conteúdos 2º bimestre
Planos e conteúdos 2º bimestrePlanos e conteúdos 2º bimestre
Planos e conteúdos 2º bimestre
 
Para que filosofia capítulo 1 resenha chauí - atualizado
Para que filosofia   capítulo 1 resenha  chauí -  atualizadoPara que filosofia   capítulo 1 resenha  chauí -  atualizado
Para que filosofia capítulo 1 resenha chauí - atualizado
 
Nietzsche e Foucault
Nietzsche e FoucaultNietzsche e Foucault
Nietzsche e Foucault
 
Conhecimento Religioso
Conhecimento ReligiosoConhecimento Religioso
Conhecimento Religioso
 
Racionalismo lelícia 25 tp
Racionalismo lelícia 25 tpRacionalismo lelícia 25 tp
Racionalismo lelícia 25 tp
 
realidade em filosofia
realidade em filosofiarealidade em filosofia
realidade em filosofia
 
Antropologia e filosofia II
Antropologia e filosofia IIAntropologia e filosofia II
Antropologia e filosofia II
 
Cosmovisao
CosmovisaoCosmovisao
Cosmovisao
 
Filosofia 2º bimestre -1ª série - o conhecimento
Filosofia   2º bimestre -1ª série - o conhecimentoFilosofia   2º bimestre -1ª série - o conhecimento
Filosofia 2º bimestre -1ª série - o conhecimento
 
Curso De Direitos Humanos Aula Itesp Dia 03 MarçO De 2010
Curso De Direitos Humanos   Aula Itesp Dia 03 MarçO De 2010Curso De Direitos Humanos   Aula Itesp Dia 03 MarçO De 2010
Curso De Direitos Humanos Aula Itesp Dia 03 MarçO De 2010
 
Fides et ratio 1
Fides et ratio 1Fides et ratio 1
Fides et ratio 1
 
Fe&razão
Fe&razãoFe&razão
Fe&razão
 
As implicações morais do darwinismo
As implicações morais do darwinismoAs implicações morais do darwinismo
As implicações morais do darwinismo
 

Destacado

Trabalho de filosofia religiões
Trabalho de filosofia religiõesTrabalho de filosofia religiões
Trabalho de filosofia religiões
Liliane Ennes
 
Didática e metodologia do ensino religioso
Didática e metodologia do ensino religiosoDidática e metodologia do ensino religioso
Didática e metodologia do ensino religioso
Werkson Azeredo
 
Cap 20 origem, conceitos e caracteristicas das religiões
Cap 20 origem, conceitos e caracteristicas das religiõesCap 20 origem, conceitos e caracteristicas das religiões
Cap 20 origem, conceitos e caracteristicas das religiões
Joao Balbi
 
Respeito a diversidade religiosa
Respeito a diversidade religiosaRespeito a diversidade religiosa
Respeito a diversidade religiosa
Paulo Gomes
 

Destacado (20)

Psicologia da religião
Psicologia da religiãoPsicologia da religião
Psicologia da religião
 
Palestra 25 grandes vultos feminino no espiritismo
Palestra 25 grandes vultos feminino no  espiritismoPalestra 25 grandes vultos feminino no  espiritismo
Palestra 25 grandes vultos feminino no espiritismo
 
Religião
ReligiãoReligião
Religião
 
Introdução à Filosofia da Religião
Introdução à Filosofia da ReligiãoIntrodução à Filosofia da Religião
Introdução à Filosofia da Religião
 
O Problema Religioso e a Origem da religião
O Problema Religioso e a Origem da religiãoO Problema Religioso e a Origem da religião
O Problema Religioso e a Origem da religião
 
O fenômeno religioso
O fenômeno religioso O fenômeno religioso
O fenômeno religioso
 
Sagrado E Profano
Sagrado E ProfanoSagrado E Profano
Sagrado E Profano
 
Religião
ReligiãoReligião
Religião
 
Trabalho de filosofia religiões
Trabalho de filosofia religiõesTrabalho de filosofia religiões
Trabalho de filosofia religiões
 
Intolerancia Religiosa
Intolerancia ReligiosaIntolerancia Religiosa
Intolerancia Religiosa
 
Didática e metodologia do ensino religioso
Didática e metodologia do ensino religiosoDidática e metodologia do ensino religioso
Didática e metodologia do ensino religioso
 
Fenomeno religioso
Fenomeno religiosoFenomeno religioso
Fenomeno religioso
 
Cap 20 origem, conceitos e caracteristicas das religiões
Cap 20 origem, conceitos e caracteristicas das religiõesCap 20 origem, conceitos e caracteristicas das religiões
Cap 20 origem, conceitos e caracteristicas das religiões
 
Psicologia da religião
Psicologia da religião  Psicologia da religião
Psicologia da religião
 
Sociologia - Religião
Sociologia - ReligiãoSociologia - Religião
Sociologia - Religião
 
Conhecendo as religiões
Conhecendo as religiõesConhecendo as religiões
Conhecendo as religiões
 
Respeito a diversidade religiosa
Respeito a diversidade religiosaRespeito a diversidade religiosa
Respeito a diversidade religiosa
 
psicologia da religião
psicologia da religiãopsicologia da religião
psicologia da religião
 
Historia da psicologia
Historia da psicologiaHistoria da psicologia
Historia da psicologia
 
Introdução à psicologia
Introdução à psicologiaIntrodução à psicologia
Introdução à psicologia
 

Similar a Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta

O surgimento da filosofia na grégia antiga
O surgimento da filosofia na grégia antigaO surgimento da filosofia na grégia antiga
O surgimento da filosofia na grégia antiga
EdvaldoArajo2
 
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
Helena Serrão
 
Trabalho de filosofia 22mp lepo lepo
Trabalho de filosofia 22mp lepo lepoTrabalho de filosofia 22mp lepo lepo
Trabalho de filosofia 22mp lepo lepo
Alexandre Misturini
 
Texto: Pensar e conhecer
Texto: Pensar e conhecerTexto: Pensar e conhecer
Texto: Pensar e conhecer
Mary Alvarenga
 

Similar a Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta (20)

Etica e religiao
Etica e religiaoEtica e religiao
Etica e religiao
 
Para que serve a religião
Para que serve a religiãoPara que serve a religião
Para que serve a religião
 
O surgimento da filosofia na grégia antiga
O surgimento da filosofia na grégia antigaO surgimento da filosofia na grégia antiga
O surgimento da filosofia na grégia antiga
 
Sobre o pensamento dogmático
Sobre o pensamento dogmáticoSobre o pensamento dogmático
Sobre o pensamento dogmático
 
Trabalho de Filosofia
Trabalho de Filosofia Trabalho de Filosofia
Trabalho de Filosofia
 
Espiritualidade
EspiritualidadeEspiritualidade
Espiritualidade
 
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
A religião. Trabalho realizado pelos alunos António Fernandes, Diogo Mendonça...
 
Introdução à filosofia
Introdução à filosofiaIntrodução à filosofia
Introdução à filosofia
 
Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )
Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )
Cosmovisão cristã ( As Lentes da Fé )
 
Apostila do projeto integrador i
Apostila do projeto integrador iApostila do projeto integrador i
Apostila do projeto integrador i
 
2º anos (Filosofia) Consciência
2º anos (Filosofia) Consciência2º anos (Filosofia) Consciência
2º anos (Filosofia) Consciência
 
Consciência e verdade
Consciência e verdadeConsciência e verdade
Consciência e verdade
 
Ética e Moral _ Da Filosofia a Psicanálise.pdf
Ética e Moral _ Da Filosofia a Psicanálise.pdfÉtica e Moral _ Da Filosofia a Psicanálise.pdf
Ética e Moral _ Da Filosofia a Psicanálise.pdf
 
Ética
Ética Ética
Ética
 
A razão ou não razão - Carlos Varela
A razão ou não razão - Carlos VarelaA razão ou não razão - Carlos Varela
A razão ou não razão - Carlos Varela
 
Doutrina da Humanidade
Doutrina da HumanidadeDoutrina da Humanidade
Doutrina da Humanidade
 
D1 - Fernanda Rocha Valim - Introdução a Pesquisa Científica - Senso Comum e ...
D1 - Fernanda Rocha Valim - Introdução a Pesquisa Científica - Senso Comum e ...D1 - Fernanda Rocha Valim - Introdução a Pesquisa Científica - Senso Comum e ...
D1 - Fernanda Rocha Valim - Introdução a Pesquisa Científica - Senso Comum e ...
 
Trabalho de filosofia 22mp lepo lepo
Trabalho de filosofia 22mp lepo lepoTrabalho de filosofia 22mp lepo lepo
Trabalho de filosofia 22mp lepo lepo
 
Unamuno miguel de_verdade_e_vida
Unamuno miguel de_verdade_e_vidaUnamuno miguel de_verdade_e_vida
Unamuno miguel de_verdade_e_vida
 
Texto: Pensar e conhecer
Texto: Pensar e conhecerTexto: Pensar e conhecer
Texto: Pensar e conhecer
 

Último (6)

Bilhete de Identidade sobre o Tungsténio.pptx
Bilhete de Identidade sobre o Tungsténio.pptxBilhete de Identidade sobre o Tungsténio.pptx
Bilhete de Identidade sobre o Tungsténio.pptx
 
Planejamento do viveiro de mudas florestais
Planejamento do viveiro de mudas florestaisPlanejamento do viveiro de mudas florestais
Planejamento do viveiro de mudas florestais
 
Apresentação sobre o cientista linus pauling.pptx
Apresentação sobre o cientista linus pauling.pptxApresentação sobre o cientista linus pauling.pptx
Apresentação sobre o cientista linus pauling.pptx
 
Historia da Agricultura Agronomia 2017.pptx
Historia da Agricultura Agronomia 2017.pptxHistoria da Agricultura Agronomia 2017.pptx
Historia da Agricultura Agronomia 2017.pptx
 
Estudo Dirigido Sistema Cardiovascular - 8°.docx
Estudo Dirigido Sistema Cardiovascular - 8°.docxEstudo Dirigido Sistema Cardiovascular - 8°.docx
Estudo Dirigido Sistema Cardiovascular - 8°.docx
 
NEUROCIENCIA I (1).ppt aula explicativa 1
NEUROCIENCIA I (1).ppt aula explicativa 1NEUROCIENCIA I (1).ppt aula explicativa 1
NEUROCIENCIA I (1).ppt aula explicativa 1
 

Deus, uma ideia improvável -- Religião, psicologia, filosofia e sociedade. - Parte 1 - versão incompleta

  • 1. 1 Revisão da Literatura Religião, psicologia, filosofia e sociedade. Diego de G. Nascimento RESUMO Certamente que são muitas as pessoas que acreditam em divindades e seguem as doutrinas do mundo religioso. Pesquisas indicam que, num cálculo aproximado, ao longo dos últimos dez mil anos a humanidade produziu dez mil religiões com cerca de mil deuses. A própria vida humana, portanto, se apresenta como um grande manifesto de religiosidade ao longo dos tempos. Isso porque o comportamento está de acordo à compreensão da realidade e da imaginação. O campo da psicologia, durante muito tempo, tentou responder a essas questões de uma forma empírica e precisa. Através de estudos apurados e longa observação do comportamento individual e social, os cientistas puderam então especular razões pelas quais os seres humanos tendem a apresentar ou desenvolver manifestações religiosas. De certo modo, parece existir uma razão pela qual nos damos por vencer e deixamos o inconsciente prevalecer sobre nossas ações. A alma humana certamente deva esconder segredos. O modo empírico de conhecimento parece afirmar ao longo do tempo que todas as experiências religiosas consistem em um estado especial da mente. Uma espécie de delírio conforme a realidade propriamente dita da razão. A religião (do ponto de vista científico) são teorias que geram dogmas e doutrinas a serem seguidas e aceitas como verdades absolutas. Estes ensinamentos, ou seja, a doutrina religiosa pode se mostrar muito perigosa quando se pensada do campo de vista
  • 2. 2 sociológico. Isto pelo fato de que, ao mesmo tempo em que é muito mal compreendida, a religião também potencializa sobre a maior parte da sociedade, ideais deturpados sobre a condição da natureza humana. A religiosidade já foi à causa, e ainda é em muitos casos, de muitas mortes e muita injustiça. Palavras-chave: Religião, psicologia, sociedade, comportamento. INTRODUÇÃO Nossa premissa intelectual como seres humanos é acharmos que para tudo nessa vida é preciso uma explicação. Vivemos em busca de um sentido, algo que nos faça compreender as coisas em nossa volta, Estamos sempre a questionar; como, onde, quando. E quando não possuímos estas definições às vezes o criamos e as compreendemos como verdades. Estas verdades, por sua vez, acabam entrando em nosso subconsciente e nos levando a convicções completamente equivocadas da realidade. O conhecimento advém das relações do homem com o meio e, portanto, o indivíduo deve procurar entender o meio partindo dos pressupostos de interação do homem com os objetivos e sempre baseado partir de uma realidade plausível. A grande questão é - O que estamos tomando como realidade? Qual nível de compreensão do universo que o mundo mítico pode nos proporcionar como sociedade? Será que não estamos estacionados no tempo perante esta condição religiosa impregnada em nossa cultura? Certamente a forma de explicar e entender o conhecimento passa por várias vertentes como o conhecimento empírico (vulgar ou senso comum), conhecimento filosófico, conhecimento científico e até mesmo o conhecimento teológico. Porém, em nosso tempo, com
  • 3. 3 todas estas vertentes do conhecimento uma coisa não se pode negar... Não teríamos muitas chances neste mundo se não fosse pelo conhecimento científico. Posição que é inteiramente contestada pela grande maioria das religiões, principalmente a religião cristã que sempre esteve contrapondo afirmações científicas incontestáveis pelo sentido da razão. Esta posição, de contrapor-se diante a veracidade das descobertas e afirmações científicas, levas estas religiões a agirem demagogicamente. Uma vez que, contrapor a verdade incita demagogia. A manifestação religiosa leva suas massas a exercer sobre toda a sociedade uma severa coerção, assim como resultado de uma ação social. Isto acontece através de seus dogmas e suas doutrinas. Precisamos construir civilidade através de uma posição ideológica neutra que utiliza apenas a arma do conhecimento. Está ideologia é compreendida perfeitamente como uma visão laica de um mundo que não considera como base da compreensão, divindades e mitos. Mas por fim, o mundo está ai pra nós conhecermos e devemos ir sempre além. Precisamos nos debruçar sobre as formas válidas do conhecimento. O que importa mesmo é aprender a investigar e ir sempre à busca de uma compreensão que faça ao menos um sentido particular. O fundamental mesmo é analisar os fatos e argumentos para que se possa se fazer juízo sobre as verdades. Poder entender que o mundo está repleto de falsas verdades e que estas se encontram quase sempre em “verdades prontas”, aquelas que nos são induzidas durante a nossa vivencia. Começam bem no início da nossa formação cognitiva e acabam nos tornando convictos de sua veracidade.
  • 4. 4 PSICOLOGIA SOCIAL E DISSONÂNCIA COGNITIVA A singularidade do manifesto da vida, o ato de sobreviver, ou apropriadamente, “o sentido da natureza”, sugere que criemos arquétipos uniformes (modelos ideais inteligíveis) como condutas. Mas ao mesmo tempo em que somos induzidos a criar esses tipos de mecanismos que favorecem a sobrevivência, nos deparamos com realidades incompatíveis. É a partir desse mecanismo que ocorre a dissociação da realidade. Em 1949, o escritor e jornalista inglês Georg Owell escreveu sobre o manifesto de incoerência social em seu romance Nineteen Eighty-Four (1984). Duplopensar ou duplipensar foi o termo que ele usou para batizar “o ato de aceitar simultaneamente duas crenças contraditórias como corretas”, muitas vezes de distintos contextos sociais. De acordo com a obra de Orwell, o termo duplipensar se resume em: “Saber e não saber, estar consciente de sua completa sinceridade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões que se cancelam mutuamente, sabendo que se contradizem, e ainda assim acreditar em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade e apropriar-se dela, esquecer-se de qualquer fato que tornou- se inconveniente e, quando ele se torna novamente necessário, recuperá-lo do esquecimento apenas enquanto for útil. Negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo levar em consideração a realidade já negada”. Este termo embora esteja relacionado, é diferente da hipocrisia e da neutralidade. Algo relacionado é a Dissonância Cognitiva, onde as duas crenças causam conflito. George Orwell foi um dos escritores mais influentes do século XX. Autor de 1984, A Revolução dos Bichos, Lutando na Espanha e outros importantes livros do século passado.
  • 5. 5 A dissonância cognitiva é o termo da psicologia social que se refere ao conflito entre ideias, crenças ou opiniões incompatíveis. Trata-se da percepção da incompatibilidade entre duas cognições diferentes, onde "cognição" é definida como qualquer elemento do conhecimento, incluindo as atitudes, emoção, crenças ou comportamentos. A dissonância ocorre a partir de uma inconsistência lógica entre as suas crenças ou cognições (por exemplo, se uma ideia implicar a sua contradição). A consciência ou a percepção de contradição pode tomar a forma de ansiedade, culpa, vergonha, fúria, embaraço, stress e outros estados emocionais negativos. A teoria da dissonância cognitiva afirma que cognições contraditórias entre si servem como estímulos para que a mente obtenha ou produza novos pensamentos ou crenças, ou modifique crenças pré-existentes, de forma a reduzir a quantidade de dissonância (conflito) entre as cognições. Desta forma, a dissonância pode resultar na tendência de confirmação, a negação de evidências e outros mecanismos de defesa do ego. Quanto mais enraizada nos comportamentos do indivíduo uma crença estiver geralmente mais forte será a reação de negar crenças opostas. Pois em defesa ao ego, o humano é capaz de contrariar mesmo o nível básico da lógica, podendo negar evidências, criar falsas memórias, distorcer percepções, ignorar afirmações científicas e até mesmo desencadear uma perda de contato com a realidade (surto psicótico). Sendo assim, se torna evidente que em razão do nosso intelecto, há uma condição de conflito entre a percepção e a realidade que compromete e afeta em muitos casos o próprio comportamento humano. Estes conflitos entre realidades divergentes permite ao ser cognitivo fazer inferências em prol de uma razão, e é exatamente nesse momento que o ser humano cria artifícios como dispositivo de defesa à própria consciência para contestar a lógica.
  • 6. 6 A percepção da certeza em ser enganado é indubitavelmente arbitrária a qualquer razão. As pessoas quando são apresentadas a realidade conflitante, geralmente se encontram em situações de extremo orgulho ao ego e por isso se sentem extremamente envergonhadas quando percebem que estão sendo enganadas, muitas vezes negando a própria realidade. Está ação de negarmos a realidade, embora seja uma condição de defesa do nosso mecanismo psicológico, fere o equilíbrio natural da razão e infere na veracidade da própria realidade. Estes fenômenos da pisque humana pode ter sido, ao longo do tempo, o causador de deturpados preceitos de comportamentos morais. Dotando em muitos casos, falsos valores a uma conduta ética amplamente inconsequentemente e nociva aos direitos primordiais de liberdade e igualdade. Dentre os principais manifestos de paradoxos éticos da história está a conduta religiosa no período medieval como a Santa Inquisição que feria o principal direito constituído pela razão, o direito a vida, em função da própria vida. Em consequência das ineptas doutrinas cristãs daquela época, pessoas em toda a Europa foram perseguidas e assassinadas em razão ao direito religioso de uma supremacia. Evidenciando assim, uma consciência nocente de uma hegemonia com padrões de comportamentos baseados em uma razão distorcida da realidade. Esta consciência religiosa feriu e fere até os dias atuais os princípios da natureza humana pautadas na razão do consciente. Embora o tempo tenha nos permitido constatar esta consciência como sendo maléfica ao âmbito social, algumas destas razões religiosas sobreviveram ao tempo e parecem possuir raízes mais firmes que se possa imaginar. É evidente que houve uma “evolução” nos padrões éticos ao longo dos tempos, porém esta ainda é uma realidade muito questionável. O que se pode compreender como “evoluído” parece ser tão utópico quanto os fundamentos religiosos. A questão
  • 7. 7 antropológica parece evidenciar um conflito entre civilidade e as próprias questões culturais. Considerando que cada cultura é dotada uma identidade própria, e que essa identidade reflete-se em crenças e costumes que quase sempre se divergem com outras crenças e costumes. Fica altamente improvável se pensar em uma sociedade unida por interesses compatíveis entre si. O manifesto cultural cria “bandeiras” identitárias tão fortes que chegam a compreender, em muitos casos, o próprio princípio da razão. Desconsiderando assim os verdadeiros princípios universais de justiça. O poder cultural faz com que nossas convicções se solidificarem antes mesmo de refletir sobre tal. As ciências antropológicas alegam que é muito difícil definir, entre as espécies da natureza, aquelas mais “evoluídas” de outras “menos evoluídas”, quando se percebe que EVOLUÍDO, como conceito, é bastante subjetivo e EVOLUÇÃO, como processo, não é retilíneo, mas ramificado, como uma árvore. Entretanto, o termo evoluir para concepção humana, sugere um avanço no que diz respeito à consciência do individuo junto ao seu comportamento, dando a ideia exatamente de uma conciliação harmônica entre ambos. Diferentemente da problemática em questão, que é o manifesto incoerente da razão humana. Este conceito evolutivo parece estar intimamente ligado à condição do conhecimento apreendido. O ser só pode ser “evoluído” uma vez que compreende a realidade no contexto temporal. Esta condição o permite adaptar-se melhor a consciência. Embora a antropologia critique conceito do termo “evolução”, a humanidade evolui incessantemente, promovendo e permitindo novas consciências, ideias e convicções. O fator evolutivo da consciência humana parece intrigantemente ter tardado a se manifestar em favor aos princípios humanos. A liberdade de manifesto em razão da vida e os princípios de igualdade perante a condição humana foram
  • 8. 8 completamente ignorados ao longo do tempo devido a essas incoerências do intelecto. Foram necessárias muitas lutas sociais, revoluções e guerras sangrentas para que se ponderasse uma nova consciência. Somente em meados do século XX uma organização defensora dos interesses humanos publicou em direitos universais uma declaração coerente com a razão humana. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Talvez toda essa realidade circunstancial cotidiana, de um mundo atroz e selvagem em que vivemos hoje, se deva a estes tipos de comportamentos “espirituais” irracionais, inflexíveis e irredutíveis contida na história do ser humano. Estas condutas incoerentes, uma vez incorporadas à dinâmica social no contexto temporal, pode causar uma espécie de “anomalia social”. Ou seja, um processo dinâmico insustentável no âmbito social. A percepção da insatisfação por grande parte dos cidadãos pode levar a graves consequências como o enfraquecimento da sociedade e a sua própria ordem. ESPIRITUALIDADE E COGNIÇÃO A Filosofia da mente é o estudo filosófico dos fenômenos psicológicos, incluindo investigações sobre a natureza da mente e dos estados mentais em geral. A filosofia da mente envolve estudos metafísicos sobre o modo de ser da mente, sobre a natureza dos estados mentais e sobre a consciência. Envolve estudos epistemológicos sobre o modo como a mente conhece a si mesma e sobre a relação entre os estados mentais e os estados de
  • 9. 9 coisa que os mesmos representam (intencionalidade), incluindo estudos sobre a percepção e outros modos de aquisição de informação, como a memória, o testemunho (fundamental para a aquisição da linguagem) e a introspecção. Envolve ainda a investigação de questões éticas como a questão da liberdade, normalmente considerada impossível caso a mente siga, como tudo o mais, leis naturais. A investigação filosófica da mente se concentra em parte, na questão espiritual que pressupõe que exista alguma entidade - uma alma ou espírito - separada ou distinta do corpo ou do cérebro. Esta condição implica na razão objetiva e está relacionada a vários estudos da ciência cognitiva, da neurociência, da linguística e da inteligência artificial. Considerando-se o termo Espirito como o princípio de imaterialidade, podemos concluir que, a espiritualidade se apresenta apenas como uma condição psíquica, relativa ao campo das ideias, que por sua vez, está intrinsecamente ligado ao campo da percepção. Para as ciências cognitivas, principalmente a psicologia, esta condição do inconsciente é a principal causa de indução, a qual nos leva a promover diversas acepções incorpóreas incompatíveis com a realidade, como é o caso das entidades sobrenaturais. Por exemplo, Espírito e Alma são conceitos que figuram apenas no campo da imaginação. Logo, não podemos tomar consciência de tal realidade. É através do nosso inconsciente que geralmente criamos falsas concepções. Deste modo, a concepção destes termos, neste sentido antinatural, é evidentemente gerada por devaneios da pisque humana. Hoje, a Ciência Cognitiva engloba o principal grupo de ciências as quais são as principais responsáveis por tentar responder as questões dos processos mentais (experiências subjetivas inferidas através do comportamento). Entre ela está a Psicologia, ciência
  • 10. 10 responsável por estudar a cognição, ou seja, os processos mentais que estão por detrás do comportamento. Como os processos mentais não podem ser observados, mas apenas inferidos. Torna-se o comportamento o alvo principal da descrição, explicação e previsão. Até mesmo as novas técnicas visuais da neurociência, as quais permitem visualizar o funcionamento do cérebro, não permitem a visualização dos processos mentais, mas somente de seus correlatos fisiológicos, isto é, daquilo que acontece no organismo enquanto os processos mentais se desenrolam. Descrever o comportamento de um indivíduo significa, em primeiro lugar, o desenvolvimento de métodos de observação e análise que sejam os mais objetivos possíveis e em seguida, a utilização desses métodos para o levantamento de dados confiáveis. A observação e a análise do comportamento podem ocorrer em diferentes níveis - desde complexos padrões de comportamento, como a personalidade, até a simples reação de uma pessoa a um sinal sonoro ou visual. A introspecção é uma forma especial de observação. Consiste num voltarmo-nos para nós mesmos e analisarmos aquilo que está dentro do nosso “espírito” (nossa mente), seja um ato praticado, uma reflexão ou um sentimento. A introspecção é o sentido que te prende a essa análise interior. Qualquer pessoa pode e deve fazer introspecção. No entanto, o método introspectivo ultrapassa um pouco essa introspecção espontânea do ser humano, pois apresenta um carácter mais sistemático, guiado pela alienação inevitável que sofre o nosso intelecto. August Comte, positivista, defende que é impossível ao mesmo tempo sentirmos e analisarmos com clareza aquilo que sentimos. Diz ele: “(...) ninguém pode estar à janela para se ver passar na rua".
  • 11. 11 Isso significa dizer que, a tomada de consciência de um fenómeno modifica esse mesmo fenómeno. A psicologia parte do princípio de que o comportamento se origina de uma série de fatores distintos: variáveis orgânicas (disposição genética, metabolismo, etc.), disposicionais (temperamento, inteligência, motivação, etc.) e situacionais (influências do meio ambiente, da cultura, dos grupos de que a pessoa faz parte, etc.). As previsões em psicologia procuram expressar, com base nas explicações disponíveis, a probabilidade com que um determinado tipo de comportamento ocorrerá ou não. Com base na capacidade dessas explicações de prever o comportamento futuro se determina também a sua validade. Controlar o comportamento significa aqui a capacidade de influenciá-lo, com base no conhecimento adquirido. Essa é a parte mais prática da psicologia, que se expressa, entre outras áreas, na psicoterapia. Para o psicólogo soviético Alexander Romanovich Luria (1979), um dos fundadores da neuropsicologia, a psicologia do homem deve ocupar-se da análise das formas complexas de representação da realidade, que se constituíram ao longo da história da sociedade e são realizadas pelo cérebro humano, incluindo as formas subjetivas da atividade consciente sem substituí-las pelos estudos dos processos fisiológicos que lhes servem de base nem limitar-se a sua descrição exterior. Segundo esse autor, fenômenos como a formação das necessidades complexas e da personalidade, são produto da história social (conhecimento compartilhado). PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA E RELIGIÃO Nos últimos 20 anos, psicólogos, neurocientistas, filósofos e sociólogos se puseram esquadrinhar e teorizar sobre a religião, dando
  • 12. 12 origem à nova ciência da fé. A ideia central é que, independentemente do fato de Deus existir ou não, a religião é um fenômeno real, mensurável e com a qual podemos fazer experimentos. É claro que nada nessa área é muito consensual, mas dessas duas décadas de pesquisas emergiram algumas linhas de explicação que são relativamente bem aceitas. Ao que tudo indica, o cérebro humano vem de fábrica com uma série de vieses cognitivos que tornam a religião um subproduto natural. Mas de onde vem à religião? O fato de que todas as sociedades humanas conhecidas acreditam (ou acreditavam) em algum tipo de divindade – seja ela Deus, Alá, Zeus, o Sol, a Montanha ou espíritos da floresta – intriga os cientistas, que há tempos buscam uma explicação evolutiva para esse fenômeno. Seria a religião uma característica com raiz evolutiva própria, selecionada naturalmente por sua capacidade de promover a moralidade e a cooperação entre indivíduos não aparentados de uma população? Ou seria ela um subproduto de outras características evolutivas que favorecem esse comportamento social independentemente de crenças religiosas? A Psicologia evolucionista ou evolucionária baseia-se na presunção de que a cognição se desenvolveu, como o coração, os pulmões, o sistema imunológico, por via da seleção natural, resolvendo problemas cruciais de sobrevivência e reprodução. Sob essa ótica, a Psicologia evolucionista procura entender os processos cognitivos enquanto funções de sobrevivência e de reprodução. Coloca-se, nesse ponto, a questão não apenas de conhecimentos, atribuições, representações, imaginações e processos semelhantes, mas da “consciência” religiosa, isto é, das ideias relativas a deus. Esse é um campo do conhecimento bastante novo que surgiu em meados da década de 90. Um dos pesquisadores mais importante nesse segmento é o antropólogo francês Pascal Boyer, atualmente professor do departamento de Antropologia e de Psicologia da
  • 13. 13 Washington University, em St. Louis. Boyer possui diversos estudos sobre memória e desenvolvimento cognitivo. Entre eles estão, os livros “The Naturalness of Religious Ideas” (BOYER, 1994) e “Religion Explained” (BOYER, 2001). Na concepção de Boyer, a universalidade cultural das propriedades dos conceitos e as orientações religiosas são subprodutos de sistemas cognitivos padrão, desenvolvidos fora da religião. Em suas pesquisas, Boyer resume que, os sistemas neuro-cognitivos são: parte do equipamento normal da mente humana como resultado da evolução por seleção natural; e também sustentam a aquisição do conhecimento, dos conceitos e das normas da cultura. Desta forma a cultura não é deixada de lado, mas é vista como uma superestrutura da Neurologia. Como se percebe, a posição de Boyer tende mais para a Biologia do que para a Psicologia. Um outro autor, Ilkka Pyysiäinen, da Universidade de Helsinki, embora também não psicólogo, mantém-se mais diretamente na escala da Psicologia. Apoiando-se em Boyer e em Damásio (1999), Pyysiäinen elaborou mais concretamente algumas noções, entre elas está a noção de “contra-intuição”. As contra-intuições são entendidas como as representações de objetos que colidem com as representações intuitivas, isto é, as percepções “ontológicas” de espaço, tempo, extensão, qualidades físicas dos objetos, espécies naturais, relações de causalidade e ação intencional de agentes. Essas percepções intuitivas constituem a Psicologia Cotidiana ou Ingênua, as quais regem com adequação a vida e as relações humanas. O conhecimento intuitivo pode ser descrito como “o conhecimento tácito usado espontaneamente no pensamento prático, sem que dele estejamos necessariamente conscientes” (PYYSIÄINEN, 2003). A Psicologia Ingênua, por sua vez, repousa na chamada ontologia intuitiva, que crê enxergar as coisas em sua realidade. Para Pyysiäinen, as representações contra- intuitivas são “subprodutos” da psicologia ingênua. É válido ressaltar
  • 14. 14 que tal psicologia, como pode ser demonstrado, continua governando o comportamento mesmo de pessoas de instrução intelectual sofisticada. Esta psicologia, dadas às características apontadas, subsistirá sempre como recurso cognitivo, independentemente dos progressos da Neurobiologia. No que se refere à religião, vários estudiosos abstêm-se de termos religiosos como “transcendência”, “sobre-humano”, “sobrenatural”, “sagrado” e “deus”, por julgarem tributários de uma particular tradição religiosa. Para a psicologia evolutiva, a raiz psíquica religiosa propõem, ao invés desses termos, a contra- intuição, em especial a contra-intuição resultante de um agente intencional. Em outras palavras, a evolução, ao contrário da religião, dotou a espécie humana de uma estrutura neurofisiológica que torna possível, por exemplo, ajustar conceitualmente até certo ponto, as estranhezas da experiência cognitiva, sem que precisasse produzir nenhum tipo de corpo de doutrinas ou rituais associados a ela. Comparando a contra-intuição religiosa com a contra-intuição psicopatológica, explicitam os autores que, ao contrário da última, inteiramente idiossincrática e não-comunicativa, a contra-intuição religiosa é partilhada dentro de um sistema de comunicação. A contra-intuição religiosa tem seus efeitos principalmente no campo das ações intencionais ou ações conscientes. Denomina-se contra- intuição religiosa quando é feito apelo a um agente dotado de características distintas dos agentes intuitivamente percebidos: excesso de força, invisibilidade, imprevisibilidade, ubiquidade e abrangência totalizadora. Insiste-se, então, na peculiaridade da evocação de um agente intencional contra-intuitivo, pois esse é um agente que dispensa outras instâncias de causalidade, uma vez que é concebido como princípio de ação, dotado de conhecimento e capaz de visar um objetivo. Sendo assim, em relação à psicopatologia, além de possível disfunção cerebral que impede a meta-representação, a
  • 15. 15 diferença reside na incomunicabilidade da representação do pensamento patológico e na alta comunicabilidade do pensamento religioso que é facilmente aprendido, lembrado e divulgado. Embora, como a ficção, a religião se possa dizer metafórica quanto à descrição de seu objeto, ela é literal quanto à dimensão misteriosa da realidade. Uma característica das contra-intuições religiosas, relativamente às contra-intuições da ficção e da ciência, é a de que não basta tê-las, mas é preciso usá-las. De certo, a ciência produz a tecnologia, mas é independente dela. Ao contrário, a religião, além da esfera da representação, abrange a esfera da ação e isso pela associação de emoções e sentimentos atribuídos às representações. Portanto, embora muito trabalho ainda precise ser feito, as diretrizes da psicologia evolucionista apontam que, o fator religioso além de ser um subproduto do sistema cognitivo, tem como objeto um agente intencional, diferentemente da contra-intuição patológica que visa apenas agentes mecânicos. Entretanto, apesar de termos tais evidências, os estudos e avanços proporcionados pela psicologia evolucionista ainda são muito recentes e pouca coisa entendemos destes fenômenos tão complexos e comuns nos grupos de seres humanos. PSICOLOGIA E COGNIÇÃO: DISTORÇÃO DA REALIDADE E MANIFESTAÇÕES PSEUDOCOGNITIVAS As cognições são todas as formas de conhecimento as quais englobam o pensamento. Ou seja, o raciocínio, a compreensão, a imaginação e, por exemplo, o julgamento. A psicologia cognitiva é a vertente da psicologia que salienta a importância da cognição como
  • 16. 16 fator regulatório do comportamento humano. O procedimento cognitivo visa diminuir o afeto negativo que o individuo tem da realidade. Portanto, o papel do psicólogo cognitivo é perceber a distorção que o individuo faz da realidade externa. A descoberta de que as pessoas não reagem diretamente aos acontecimentos, mas sim à representação mentais que fazem de tais acontecimentos, e que tais representações se encontram reguladas pelos princípios e parâmetros da aprendizagem, lançou os psicólogos na exploração dos mais diversos modelos cognitivos. Os modelos cognitivos apresentam determinadas características gerais, entre elas, salientam-se os seguintes pontos em comum aos diversos modelos: a atividade cognitiva afeta o comportamento, isto é, o que nós sentimos e fazemos depende daquilo que pensamos; a atividade cognitiva pode ser registrada, acompanhada e alterada; e as alterações do comportamento podem ser efetuadas através de mudanças cognitivas, ou seja, alterando a forma como pensamos, raciocinamos, etc. Entre as terapias cognitivas destacam-se a Terapia Racional Emotiva de Albert Ellis e a Terapia de Restruturação Cognitiva de Aaron Beck. Na Terapia Racional Emotiva, Albert Ellis, estipula que se deve compreender os comportamentos (consequências) a partir dos acontecimentos que os provocam, para depois entender e modificar os processos cognitivos e as crenças que daí derivam. Para ele as crenças podem ser irracionais (ideias ou filosofias ilógicas e que impedem a obtenção de satisfação de necessidades e objetivos dos indivíduos) ou racionais (lógicas e apoiadas pela maioria dos indivíduos). Na terapia de Aaron Beck, a novidade está na apresentação de um conjunto de erros que o nosso processamento cognitivo pode formular, ou seja, estipulou que nós humanos fazemos, por exemplo, deduções que levam a formular conclusões sem evidência para tal,
  • 17. 17 isto é, sem comprovação (erro de processamento denominado inferência arbitrária). A inferência arbitrária é um tipo de distorção cognitiva. Em outras palavras, é uma forma ou padrão de perceber o mundo de forma errada, muitas vezes divorciada da realidade. Isto é, quando chegamos a uma conclusão ou julgamento rápido ou impulsivamente, com base em informações incompletas ou erradas. Exemplo; quando alguém diz gostar de outra pessoa à primeira vista, por qualquer razão, e atribui qualidades negativas ou positivas a pessoa quando nem mesmo a conhece. Outro exemplo; se um jogador acredita que ele vai ganhar porque ele apostou em um número específico na roleta e esse número não pode falhar. Na verdade não tem nenhuma prova desta crença só desejo seu. A partir do aprofundamento da origem desses pensamentos automáticos, é possível chegar às crenças centrais do indivíduo, que são as ideias mais fixas e enraizadas, oriundas do processo de desenvolvimento, experiências e formação do individuo desde a infância, aceitas por eles como verdades absolutas. As distorções cognitivas influenciam a resposta emocional, comportamental e fisiológica do indivíduo. Pessoas com transtornos psicológicos com frequência interpretam erroneamente situações neutras ou até mesmo positivas, ou seja, seus pensamentos automáticos são tendenciosos. Surge então assim, o raciocínio teórico subjacente da terapia cognitiva de que o afeto e o comportamento de um indivíduo são amplamente determinados pelo modo como ele estrutura o seu mundo cognitivo (cognições/pensamentos).
  • 18. 18 VIÉS COGNITIVO E RELIGIÃO A mente humana é uma coisa maravilhosa. Nosso cérebro é capaz de executar 1016 processos por segundo, o que o torna mais poderoso do que qualquer computador do mundo atual. Porém, isto não quer dizer que ele não tenha limitações. Uma pequena calculadora pode calcular muito melhor do que nós, e, além disso, algumas de nossas memórias são inúteis. Toda vez que nossos olhos estão abertos, nosso cérebro é constantemente bombardeado com estímulos. Somado a isso, estamos sujeitos a vieses cognitivos que nos fazem tomar decisões questionáveis e chegarmos a conclusões erradas. Você pode estar pensando conscientemente sobre uma coisa específica, mas seu cérebro está processando milhares de ideias subconscientes. Infelizmente, a nossa cognição não é perfeita, por isso existem alguns erros de julgamento que estamos propensos a fazer. Essa situação é conhecida no campo da psicologia como viés cognitivo. Viés cognitivo é um termo utilizado para expressar o sentido de parcialidade, onde uma análise é feita de maneira tendenciosa, baseadas não em evidências, mas na percepção pura e simples que a pessoa tem de uma situação. Em outras palavras, são padrões de comportamentos sob controle de determinadas generalizações. Antes de começarmos, é importante distinguirmos os vieses cognitivos das falácias lógicas. A falácia, como poderemos ver mais adiante, é um erro de lógica argumentativa (ataque ad hominem, declives escorregadios, argumentos circulares, apelo à força e etc). Um viés cognitivo também pode ser considerado como uma distorção cognitiva ou limitação do nosso pensamento – como um erro de julgamento causado por uma falha de memória, atribuição social ou erro de cálculo (como erro estatístico ou um falso senso de
  • 19. 19 probabilidade). Ao que tudo indica, o cérebro humano vem de fábrica com uma série de vieses cognitivos. Nossa propensão a inferir estados mentais alheios favorece para que possamos criar “entidades sobrenaturais”, condição que testifica o fenômeno da religiosidade como um subproduto do inconsciente. Alguns psicólogos acreditam que nossos vieses cognitivos nos ajudam a processar as informações de forma eficiente, especialmente em situações de perigo. Ainda assim, eles nos levam a cometer erros graves. Um dos exemplos mais clássicos de viés cognitivo é o comportamento preconceituoso. Portanto, nós podemos estar inclinados a tais erros de julgamento, mas pelo menos podemos estar atentos a eles. Aqui estão alguns destes erros cognitivos mais comuns e perniciosos: Viés de confirmação: Nós adoramos concordar com pessoas que concordam conosco. Por isso nós normalmente acessamos sites que expressam nossa opinião política e andamos com pessoas que têm gostos parecidos com os nossos. Tendemos a nos distanciar de pessoas, grupos e noticiários que nos deixam desconfortáveis ou inseguros sobre nosso modo de ver as coisas _ o que o psicólogo do comportamento B.F. Skinner chama de dissonância cognitiva. É um modo preferencial de comportamento que nos leva ao viés de confirmação _ o constante ato inconsciente de referência apenas a aquelas perspectivas que alimentam nossa visão pré-existente, enquanto ao mesmo tempo, ignoramos ou desconsideramos opiniões _ mesmo que válidas _ que ameaçam nosso ponto de vista. E paradoxalmente, a internet piora esta tendência. Viés de grupo ou Mentalidade de rebanho: Parecido com o viés de confirmação, é uma manifestação de nossa inata tendência tribalista a adotar os comportamentos da maioria, para sentir mais segurança e evitar conflitos. Em sua forma mais comum, o sujeito agrega
  • 20. 20 roupas, carros, hobbies, estilos para se identificar com um grupo de pessoas. Fato interessante: As coisas que são pouco atraentes, não parecem legais ou populares sempre acabam ganhando seguidores devido à mentalidade de rebanho. Os exemplos incluem as calças paraquedas, pedras de estimação, tainhas, sutiãs de cone e outras coisas mais. Estranhamente, muito disso tem a ver com a oxitocina, apelidada de “hormônio do amor”. Este neurotransmissor, enquanto nos ajuda a fortalecer nossos laços com as pessoas de nosso grupo, faz exatamente o contrário com as pessoas fora deste grupo _ nos deixa com medo ou nos faz desdenhar os outros. Este viés nos faz superestimar as habilidades e valores de nosso grupo, mesmo que nós não as conheçamos realmente. Falácia do Apostador: Tendemos a dar peso enorme em eventos passados, acreditando que eles afetarão eventos futuros. O exemplo clássico é o cara e coroa. Depois de tirar cara, digamos, umas 5 vezes seguidas, começamos a achar que as chances de virar cara, são maiores, quando na verdade a chance de tirar cara ou coroa, ainda é de 50%. Existe o viés do pensamento positivo, que frequentemente alimenta o vicio da aposta. É a sensação que nossa sorte mudou e agora tudo será melhor. Isto contribui para o conceito errôneo de “mão boa”. É a mesma sensação que temos quando começamos um novo relacionamento, de que tudo será melhor que antes. Racionalização pós-compra: Lembra-se daquela vez que comprou algo completamente desnecessário, errado ou muito caro e depois de pensar um pouco, se convenceu que aquela foi uma boa compra?
  • 21. 21 Pois é, este é o ato de racionalização pós-compra, um tipo de mecanismo que nos faz sentirmos melhor depois de uma decisão IDIOTA. Também é conhecida como Síndrome de Estocolmo do Comprador, é um modo subconsciente de justificar nossas compras _ principalmente as mais caras. [Síndrome de Estocolmo é quando a pessoa sequestrada sente algum tipo de afeição por quem a sequestrou] Psicólogos dizem que isto vem do princípio do compromisso, nosso desejo psicológico de ser consistente e evitar uma dissonância cognitiva. [Dissonância cognitiva, como já citado, se refere ao conflito entre duas ideias, crenças ou opiniões incompatíveis. Exemplo disso seria você ter vontade de comprar algo e não ter dinheiro para fazê-lo. Para dirimir esta dissonância (este conflito), você diz para si mesmo que você não quer aquilo, não precisa tanto assim, que pode esperar ou qualquer outra coisa que te faça sentir-se melhor com sua decisão]. Viés Atencional: Poucos de nós têm problema de dirigir carro, mas muitos tremem ao estarem em um avião a centenas de metros de altura. Voar, obviamente é uma atividade não natural e aparentemente perigosa. Mas sabemos que a probabilidade de morrer em um acidente de carro é muito maior do que morrer em um acidente de avião, mas nosso cérebro não nos liberta para a lógica. É o mesmo fenômeno que nos faz termos medo de morrer em um ataque terrorista, mais do que uma ocorrência mais corriqueira, como cair da escada ou morrer envenenado. É o que o psicólogo Cass Sustein chama de negligenciar probabilidades _ nossa incapacidade de compreender adequadamente
  • 22. 22 os riscos _ isto nos leva a exagerar os riscos de atividades inofensivas enquanto nos faz subestimar as mais perigosas. Observação Seletiva: É o efeito repentino de começarmos a perceber coisas que não percebíamos antes, e afirmarmos que a frequência que vemos tais coisas, aumentou. Por exemplo, mulheres grávidas percebem mais mulheres grávidas. Não é que a frequência de tais eventos aumentou, é que algumas imagens ficam selecionadas (tipo em destaque) em nossa mente (por qualquer razão), e por estarmos com aquilo na cabeça, achamos que estamos vendo mais vezes tal evento. O problema é que a maioria das pessoas não reconhece isso como um viés de observação, e de fato acreditam que estes fatos passaram a ocorrer mais vezes. Isto contribui com a sensação de que certos eventos não poderiam ser mera coincidência _ e normalmente são. Status-quo: [Status quo é uma expressão do latim que tem o sentido de: "o estado atual das coisas". Quando se ouve alguém dizendo que quer manter o status quo, a pessoa quer dizer que pretende manter as coisas tal como elas estão]. Nós humanos temos medo da mudança, quando somos levados a tomar alguma decisão, normalmente escolhemos a que menos mude alguma coisa. Este tipo de atitude acaba se refletindo na nossa rotina diária onde acabamos por frequentar os mesmos lugares, e num âmbito maior, influencia na política, na economia e etc. Um dos problemas desse viés, é que assumimos que outra escolha será inferior, e piorará as coisas.
  • 23. 23 Negatividade: As pessoas prestam mais atenção às más notícias _ e isto não apenas por mera morbidez. Cientistas sociais teorizam que é por conta de nossa atenção seletiva, e dada uma escolha, percebemos as notícias ruins como sendo mais importantes ou profundas. Tendemos também a dar maior credibilidade para notícias ruins, talvez porque estamos desconfiados (ou entediados) de algo que diga o contrário. Se pensarmos em termos de evolução, dar atenção para más notícias pode ser melhor para nossa adaptação do que dar ouvido as boas notícias (por exemplo: pegar uma maçã saborosa ou tomar uma mordida de onça?). Hoje em dia, corremos o risco de nos determos sobre a negatividade em detrimento de uma boa notícia. Steven Pinkler, em seu livro The Better Angles of Our Nature: Why Violence Has Declined, argumenta que crimes, violência, guerra e outras injustiças estão em constante declínio, mas ainda as pessoas argumentam que as coisas estão piorando _ o que é um ótimo exemplo do viés de negatividade. [Os jornais diários (tv ou papel) sabem disso, e normalmente veiculam notícias ruins para aumentar a audiência]. Efeito de arrasto ou oportunismo: [em inglês é chamado de bandwagon effect. Bandwagon é uma carroça ou vagão ou caminhão que carrega uma banda sobre ele _ você brasileiro: pense num trio elétrico no carnaval baiano cheio de gente em cima, então, é quase isso]. Apesar de normalmente não estarmos conscientes disso, nós amamos ir na onda da galera. Quando a massa escolhe um vencedor ou um favorito, é quando nosso cérebro individualizado começa a desligar e entra uma espécie de “pensamento de grupo”. Mas não precisa ser um grupo muito grande ou uma nação inteira; podem ser pequenos
  • 24. 24 grupos, como a família ou até mesmo um grupo de trabalhadores de um escritório. O efeito de arrasto é o que normalmente causa comportamentos, normas sociais e memes que se propagam entre os grupos de indivíduos _ independentemente de evidências ou motivos. É por isso que muitas pesquisas de opinião são frequentemente maliciosas, por elas poderem guiar as perspectivas dos indivíduos como elas quiserem. Muito deste viés tem a ver com nosso desejo de nos adaptarmos e nos conformarmos. Viés da projeção: Estamos presos em nossas mentes e é difícil para nós nos projetarmos fora dos limites de nossa consciência e de nossas preferências. Nós costumamos a achar que a maioria das pessoas pensa como nós _ embora não haja justificativa para isto. Esta deficiência cognitiva normalmente leva para um efeito relacionado, conhecido como viés do falso consenso, onde tendemos a acreditar que não somente as pessoas pensam como nós, mas também concordam conosco. É um viés onde superestimamos como somos normais, e assumimos que existe consenso onde ele não existe. Além disso, pode criar um efeito em membros de grupos radicais que assumirem que mais pessoas concordam com eles ou uma confiança exagerada em prever o vencedor de alguma eleição ou jogo de algum esporte. Viés do momento presente: Nós temos muita dificuldade em nos imaginarmos no futuro e alterar nossas atitude de acordo com estas perspectivas. Muitos de nós preferirmos o prazer do momento atual, enquanto deixa a dor para depois. Este viés é uma preocupação comum de economistas e pessoas da área da saúde. Um estudo em 1998 mostrou que ao fazer a escolha da comida para a próxima semana, 74% dos participantes escolheram frutas. Mas quando a comida a ser escolhida era a de hoje, 70% preferiam chocolate.
  • 25. 25 Efeito de ancoragem: Também conhecido como armadilha da relatividade, é a tendência que temos em comparar e constatar apenas um número limitado de itens. É chamado efeito de ancoragem porque tendemos a fixar um valor ou um número e usá-lo como base de comparação para tudo mais. Um exemplo clássico é um item a venda numa loja; tendemos a ver (e valorizar) a diferença no preço, mas não o preço total. Por isso a característica dos menus de alguns restaurantes de terem entradas caras, enquanto também incluem preços (aparentemente) razoáveis. É também porque, quando dado uma escolha, tentemos a escolher a opção média _ nem tão cara e nem tão barata. Reatividade: Reatividade é a tendência das pessoas a agir ou aparecer de forma diferente quando sabem que estão sendo observadas. Na década de 1920, uma obra em Hawthorne (uma fábrica) encomendou um estudo para analisar se os diferentes níveis de luminosidade influenciavam na produtividade do trabalhador. O que se descobriu foi incrível. Infelizmente, quando o estudo foi concluído, a produtividade voltou para os seus níveis regulares. Isto porque a mudança não foi devido aos níveis de luz, mas porque os trabalhadores estavam sendo vigiados. Isto demonstrou uma forma de reação. Quando os indivíduos sabem que estão sendo vigiados, eles são motivados a mudar seu comportamento, para se mostrarem com uma aparência melhor. A reatividade é um problema sério em pesquisas e precisa ser controlada com experimentos cegos (quando os indivíduos envolvidos em um estudo de investigação não sabem que estão sendo analisados, de modo a não influenciar os resultados).
  • 26. 26 Pareidolia: Pareidolia é quando imagens aleatórias ou sons são percebidos como significativos. Ver imagens que parecem ter significado em nuvens ou ouvir mensagens quando um disco é tocado de trás para frente são exemplos comuns. É um estímulo inconsciente, e não tem significado definido. O significado está na percepção do espectador. Fato interessante: O Teste de Rorschach, que utiliza uma mancha de tinta, foi desenvolvido para utilizar a pareidolia numa análise mental das pessoas. São mostradas imagens ambíguas para que as pessoas possam descrevê-las. As respostas são analisadas para descobrir os pensamentos ocultos de cada indivíduo. A profecia autorrealizável: A profecia autorrealizável gera comportamentos que levam a resultados que confirmam perspectivas existentes. Por exemplo, se alguém acredita que se sairá péssimo na escola, ela diminui o esforço para fazer suas tarefas. Assim, acaba realmente indo mal, exatamente como pensava. Outro exemplo comum são os relacionamentos. A pessoa acha que o seu relacionamento amoroso vai falhar, então começa a agir de modo diferente, afastando-se emocionalmente. Por causa disso, realmente é possível fazer com que o relacionamento fracasse. Esta é uma ferramenta poderosa, usada por “médiuns” que querem implantar uma ideia na mente das pessoas. Fato interessante: As recessões econômicas são profecias autorrealizáveis. Uma recessão se configura após dois trimestres de queda do Produto Interno Bruto (PIB). Sendo assim, você não pode saber que está em recessão até que esteja há pelo menos seis meses em uma. Infelizmente, ao primeiro sinal de diminuição do PIB, a
  • 27. 27 mídia relata uma possível recessão, as pessoas entram pânico, gerando uma cadeia de eventos que realmente causam recessão. Efeito Halo: O efeito halo é a possibilidade de que a avaliação de uma característica possa interferir no julgamento de outros fatores, contaminando um resultado geral. Esse viés acontece muito em avaliações de desempenho de funcionários. Por exemplo: um determinado empregado chegou atrasado para o trabalho nos últimos três dias, eu percebi isso e conclui que ele é preguiçoso. Há muitas razões possíveis pelas quais ele possa ter chegado tarde, talvez o carro quebrou, sua babá não apareceu ou a chuva prejudicou o trânsito. O problema é que, por causa de um aspecto negativo que pode estar fora do controle do empregado, presumo que ele é um mau trabalhador. Fato interessante: No caso da atração física, isso acontece quando as pessoas assumem que os indivíduos atraentes possuem outras qualidades socialmente desejáveis, tais como sucesso, felicidade e inteligência. Isto se torna uma profecia autorrealizável, quando as pessoas atraentes recebem tratamento privilegiado, como melhores oportunidades de trabalho e salários mais elevados. Reatância: Reatância é o desejo de fazer o oposto do que alguém quer que você faça, numa necessidade de resistir a uma tentativa de alguém restringir sua liberdade de escolha. Isso é comum com adolescentes rebeldes, mas qualquer tentativa de resistir à autoridade, devido às ameaças à liberdade, é uma relutância. O indivíduo pode não ter a necessidade de executar o comportamento específico, mas o fato de que ele não pode fazê-lo o faz querer.
  • 28. 28 Fato interessante: A psicologia reversa é uma tentativa de influenciar as pessoas que utilizam reatância. Diga para alguém (especialmente crianças) para fazer o oposto do que você realmente quer e eles vão se rebelar e acabar por fazer o certo. Desconto hiperbólico: Desconto hiperbólico é a tendência das pessoas de preferir um menor retorno imediato a um maior retorno tardio. Pesquisas mostram que diversos fatores contribuem para o processo de tomada de decisão individual. Curiosamente, o tempo de atraso é um fator importante na escolha de uma alternativa. Simplificando, a maioria das pessoas prefere receber 50 reais hoje em vez de conseguir 100 reais em um ano. Normalmente, faz sentido escolher uma maior quantidade de dinheiro imediatamente e não menos no futuro. É interessante como estamos mais dispostos a tomar imediatamente ao invés de esperar, você preferiria ter R$ 100 daqui a um ano ou R$ 50 imediatamente? Escalada de compromissos: A escalada de compromissos é a tendência das pessoas a continuar apoiando os esforços anteriormente fracassados. Com tantas decisões que as pessoas têm de tomar, é inevitável que algumas não deem certo. Claro, a única coisa lógica a fazer nesses casos é mudar essa decisão ou tentar revertê-la. No entanto, às vezes, as pessoas sentem-se compelidas não só a ficar com a sua decisão, mas também a continuar a investir nela devido aos custos irrecuperáveis. Por exemplo, digamos que você use metade de suas economias para começar um negócio. Após seis meses, é evidente que o negócio não vai dar certo. A única coisa lógica a fazer é desistir. No entanto, devido aos custos já gastos,
  • 29. 29 você se sente comprometido com o negócio e investe ainda mais dinheiro para o projeto na esperança de que a situação se reverta. Efeito placebo: O efeito placebo é quando uma substância ineficaz produz o efeito desejado. Especialmente comum com medicamentos, o efeito placebo tem sido observado quando os indivíduos recebem uma pílula de açúcar ou farinha para uma melhoria real de uma determinada doença. Os placebos são ainda um mistério científico. Teoriza-se que eles causem um “efeito esperança” (em caso de dúvida, a expectativa é o mais provável de acontecer). Indivíduos esperam que os comprimidos curem suas doenças, assim eles se sentem curados. No entanto, isto não explica a forma como os comprimidos ineficazes realmente causam uma redução nos sintomas. Fato interessante: O termo placebo é usado quando os resultados são considerados favoráveis. FALÁCIAS E ERROS DE RACIOCÍNIO O termo “falácia” deriva do verbo latino fallere, que significa enganar. Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência de verdadeiro. Na lógica e na retórica, uma falácia é um argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega. Argumentos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande parte do público apesar de conterem falácias, mas não deixam de ser falsos por causa disso. Reconhecer as falácias é por vezes difícil. Os argumentos falaciosos podem ter validade emocional, íntima, psicológica, mas não validade lógica. É importante conhecer
  • 30. 30 os tipos de falácia para evitar armadilhas lógicas na própria argumentação e para analisar a argumentação alheia. As falácias que são cometidas involuntariamente designam-se por paralogismos e as que são produzidas de forma a confundir alguém numa discussão designam-se por sofismas. Segundo Othon M. Garcia, “ainda que cometamos um número infinito de erros, só há, na verdade, do ponto de vista lógico, duas maneiras de errar: raciocinando mal com dados corretos ou raciocinando bem com dados falsos. (Haverá certamente uma terceira maneira de errar: raciocinando mal com dados falsos). O erro pode, portanto, resultar de um vício de forma — raciocinar mal com dados corretos — ou de matéria — raciocinar bem com dados falsos”. De acordo com o mesmo autor, o que diferencia o sofisma da falácia, é que, embora ambos sejam basicamente raciocínios errados, a falácia é involuntária. Ao passo que o sofisma tem como objetivo induzir a audiência ao engano, o raciocínio falacioso decorre de uma falha de quem argumenta. Quem usa sofismas, sabe o que está fazendo quando, por exemplo, tenta nos empurrar uma conclusão para a qual não dispõe de dados ou demonstrações suficientes. Quem se vale de falácias, por sua vez, simplesmente se enganou. O conhecimento do que é ou não um raciocínio falacioso certamente é um dos mais úteis que existem quando vamos analisar criticamente qualquer assunto. As falácias e inconsistências lógicas abundam em nossa sociedade e são utilizadas o tempo todo, como podemos verificar facilmente nos pronunciamentos de políticos demagogos, entre outros casos. Elas permitem que alguém faça declarações aparentemente racionais e aceitáveis sem o mínimo necessário de conhecimento ou ainda fugindo de um tema e embaraçando os interlocutores, fazendo-os se desviarem do assunto tratado. Reconhecê-las nem sempre é fácil, especialmente quando
  • 31. 31 aparecem em diálogos, onde podemos acabar engolindo coisas que, uma vez submetidas a uma análise mais profunda, se revelam sem fundamento. Existem áreas, até, onde uma falácia acaba se tornando o discurso predominante pelo qual um determinado grupo se manifesta. Na área de que tratamos, a religiosa, não é demais dizer que é o campo onde mais se cometem esses erros. Portanto, não é de se admirar que determinados incrédulos sejam tão resistentes aos assuntos religiosos: eles simplesmente se recusam, e com razão, a aceitar como verdades absolutas afirmações e raciocínios que violam a própria lógica. Vamos agora examinar rapidamente algumas falácias e truques retóricos mais frequentes, a fim de que possamos não apenas nos prevenir contra eles, como também, quem sabe, mudarmos nossa maneira de falar às pessoas. Mas antes, é importante salientar que, existem falácias de tal forma cristalizadas em certos grupos ou comunidades, tão repetidas e consagradas no seu discurso, que dificilmente terão sua falsidade reconhecida. Em se tratando de assuntos religiosos, isso se complica, pois o que é uma falácia para um, pode ser uma verdade irretorquível para outro. Raciocínio circular ou petição de princípios: Esse é um erro comuníssimo em debates ou pregações religiosas. Trata-se simplesmente de afirmar a mesma coisa com outras palavras. Alguns exemplos: 1. “Por que a Bíblia é a Palavra de Deus? Ora, porque ela foi inspirada pelo próprio Criador.” …ou ainda o que eu chamaria de “variação Tostines” 2. “A Bíblia é perfeita porque é a Palavra de Deus. E como sabemos que ela é a Palavra de Deus? Pela sua perfeição.”
  • 32. 32 Esse exemplo é fácil de encontrar, especialmente nos meios evangélicos mais conservadores. É importante ressaltar que ele foi posto aqui apenas para ilustrar um tipo de raciocínio falacioso muito frequente, não para desmerecer a Bíblia ou a crença de quem quer que seja. Um exemplo laico agora: 3. “Eu acho que alpinismo é um esporte perigoso porque é inseguro e arriscado.” Dizer que algo é “inseguro e arriscado” não é o mesmo que dizer que ele é “perigoso”? Ora, o que essa “explicação" acrescentou que justificasse a ideia de que alpinismo é perigoso? Nada. Simplesmente repetiu-se a primeira afirmação com outras palavras. 4. “Por que eu sou a pessoa mais indicada para o trabalho? Porque eu descobri que, dentre todos os outros candidatos, e considerando minhas qualificações, eu sou a melhor pessoa para o trabalho.” Valem as mesmas observações. Porém prestemos atenção num detalhe: às vezes, quando a “justificativa” é muito longa, podemos nos perder e não notarmos que a pessoa acabou não dando evidências para aquilo que disse. Um exemplo trágico poderia ser a frase de Goebbels, propagandista do regime nazista alemão: “Uma mentira, repetida muitas vezes, acaba se tornando uma verdade”. Afirmações muito repetidas podem ganhar um status tal que as pessoas podem nunca ter parado para pensar realmente no porquê de acreditarem nelas. Crenças inculcadas desde a infância ou em períodos de fragilidade emocional são casos típicos. Por isso, tenhamos a máxima prudência com aquilo que nos chega aos
  • 33. 33 ouvidos e com a maneira como abordaremos certas crenças arraigadas num debate; antes de questionar os outros, convém darmos uma olhada na nossa própria fé em certas premissas, que talvez nunca tenhamos analisado criticamente. Egocentrismo ideológico: Essa provavelmente não será achada em manuais de lógica. O que eu batizei de “egocentrismo ideológico” nada mais é do que um primo do raciocínio circular. Trata-se da incapacidade ou recusa sistemática em se pôr de um ponto neutro para analisar alguma coisa. O cerne do problema, aqui, é mais a atitude do debatedor do que propriamente sua lógica. Mais uma vez, recorramos a exemplos reais e muito comuns: 1. “Como eu sei que a Bíblia contém toda a Palavra de Deus, perfeita e eterna? Ora, porque, conforme vemos em Segunda Timóteo 3:16…” 2. “Você tem que crer naquilo que Jesus disse, porque ele falou ‘Ninguém vai ao Pai senão por mim.’” 3. “A minha religião é a única verdadeira, e você não pode questionar isso. Veja só o que nosso fundador diz em…” 4. “Por que o Papa, em questões doutrinárias, é infalível? Porque o Concílio de…, sob a inspiração da Assistência Extraordinária do Espírito Santo dada ao líder da Igreja, que o promulgou, declarou assim.” Onde o erro? Ora, todos os declarantes estavam conversando com alguém que é cético e está questionando a autoridade da fé que eles têm. E o que eles fazem para demonstrar que estão certos? Recorrem à mesma autoridade que está sendo questionada.
  • 34. 34 Apelar para uma autoridade que só é reconhecida por uma das partes é sempre desaconselhável quando a finalidade é a persuasão. Se em matérias científicas, por exemplo, o currículo de alguém pode dar uma boa ideia de sua capacidade para opinar sobre um assunto, em religião tal não se aplica da mesma forma. Por isso, é sempre bom recorrer a outros argumentos diante de um cético; a imposição de autoridade simplesmente não funcionará. Supersimplificação e raciocínio “8 ou 80”: Essas são praticamente inevitáveis, e se você não se deparar com elas, é porque está debatendo filosofia ou seu interlocutor é diplomata profissional. Um bom argumento deve resumir as questões em debate e simplificá-las para o leitor ou a audiência. Dizemos que há “supersimplificação” quando isso é feito de tal forma que muitos detalhes importantes são deixados de lado e o resumo feito só permite uma única conclusão. Exemplo: 1. “Os nazistas usaram alguns escritos de Nietzsche em sua propaganda. A irmã de Nietzsche era nazista. Portanto, Nietzsche era nazista.” Já o raciocínio “8 ou 80”, conhecido também como falso dilema, é aquele que só admite duas possibilidades antagônicas numa determinada questão, mesmo que haja muitas mais, sendo que a pessoa que o utiliza está, claro, do lado certo. Essa falácia pode ser assim resumida:
  • 35. 35 2. “Ou você está totalmente certo ou eu estou totalmente errado.” Exemplo radical, não? No entanto, essa é a forma como muitas pessoas pensam em determinadas áreas: sem meios-termos, tudo ou é preto ou é branco, sem variações de cinza. Esse é um meio confortável de simplificar demais assuntos complexos como moral e espiritualidade, pois é a negação do diálogo. Eis algumas possíveis aplicações religiosas desse raciocínio falacioso: 3. “A Bíblia alega ser a Palavra de Deus e sem erros. Se você achar um erro nela, então ela tem de estar totalmente errada.” 4. “Fulana tinha câncer e fez uma ‘cirurgia espiritual’ para ajudar na cura. E, de fato, ela se curou. Ou a cura de Fulana na ‘cirurgia espiritual’ foi um milagre de Deus ou um prodígio do demônio. Deus não age nessa religião. Então, só pode ter sido obra de Satanás.” Cito esses exemplos por já ter visto alguém usá-los num debate. Fora a questão de fé envolvida aí, o erro de raciocínio é evidente, pois, no primeiro caso, o fato de achar um erro na Bíblia ou em qualquer outro livro religioso não significa invalidá-lo por inteiro, obviamente, mas apenas exigir do leitor um pouco mais de discernimento ao lê-los, sem o falso conforto de formar uma opinião inflexível e julgar tudo que ali está sem o trabalho de um maior exame. Já no segundo, fora o egocentrismo ideológico que não contribui para persuadir a audiência nem apresenta evidências para comprovar sua tese, excluem-se as outras possibilidades de explicação: da cura ter-se dado naturalmente, em virtude dos tratamentos médicos a que Fulana estava se submetendo, ou do fenômeno de sugestão, etc. Essas falácias nos levam diretamente a uma outra, também muito comum, chamada…
  • 36. 36 Generalização apressada: Falácia de generalização apressada, como o nome indica, é aquela em que uma pessoa constrói algumas premissas para um argumento e, em seguida, o conclui rápido demais. Noutras palavras, é tirar uma conclusão com base em evidências insuficientes, julgar todas as coisas de um determinado universo com base numa amostragem muito pequena. Consequentemente, ela passa por cima de detalhes, fatores, circunstâncias e mesmo dos casos que poderiam refutar a universalidade de suas premissas. É claro que todo argumento presume algum grau de generalização, mas, neste caso, ela é excessiva. Vejamos dois exemplos: 1. “Minha avó tem dor de cabeça crônica. Meu vizinho também tem e descobriu que o motivo é um câncer. Logo, minha avó tem câncer.” 2.. “Nas duas vezes em que fui assaltado, os bandidos eram negros. Bem que minha mãe fala que todo negro tem tendência para ladrão!” Dito assim, parece um erro tão idiota que uma pessoa teria de ter muito pouca inteligência ou instrução para incorrer nele. Mas não é bem assim. Esse tipo de falácia é muito frequente, dentre outras coisas, em certas frases discriminatórias muito usadas. Quem nunca ouviu algo parecido com os exemplos a seguir? 3. “O pastor da igreja X roubou o dinheiro dos fiéis. Fulano é pastor. Logo, também é ladrão.” 4. “Meu tio é candomblecista e já matou um bode para oferecer ao orixá. Beltrano foi ao terreiro de candomblé. Logo, ele também mata animais para o orixá.” 5. “Fulano entrou para a igreja X e ficou fanático. Logo, todos os fiéis da igreja X são fanáticos.” 6. “Fulano entrou para uma igreja protestante e ficou fanático. Logo, todos os protestantes são fanáticos.”
  • 37. 37 7. “Crentes/muçulmanos/bramanistas/etc. são todos fanáticos.” 8. “Todo americano é racista.” É no dia-a-dia que esse tipo de erro, muito bom para cunhar bordões preconceituosos, é mais encontrado. Alguns de nós pode até ter crescido ouvindo frases dessa espécie, tendo-as incorporado de tal maneira que sequer lembramos de questioná-las. Frequentemente são generalizações feitas com base num único episódio particular, ignorando as diversas nuances que ele possa ter e aplicando suas características a todo um grupo de pessoas ou doutrinas. Devemos ter cuidado com elas, são falácias que podem simplesmente passar despercebidas por anos. Ataque pessoal ou argumento ad hominem: Essa falácia é fácil de reconhecer. Consiste simplesmente em atacar uma pessoa em vez dos argumentos que ela expõe, usar um traço de seu caráter como pretexto para desqualificar ou ignorar o que ela diz. Pode ser usado quando não se sabe como refutar o que o oponente diz ou simplesmente por excesso de preconceito, sendo um meio muito cômodo (e desonesto) de fugir do debate. Vejamos: 1. “O que Fulano diz sobre o balanço da empresa não pode ser levado a sério, afinal ele traiu a mulher.” 2. “O senhor não tem autoridade para criticar nossa política educacional, pois nunca concluiu uma faculdade.” 3. “Beltrano não entende nada de espiritualidade, ele é gay.” 4. “A religião é uma coisa má. Veja só quantas guerras foram provocadas por ela.” 5. “Não deem ouvidos ao que ele diz. Como ele abandonou nossa fé, as críticas dele à nossa organização só podem ser mentiras.”
  • 38. 38 Talvez nesta última modalidade o argumento ad hominem seja a falácia com mais possibilidades de ser explorada autoritariamente, pois a melhor forma de se manter o controle sobre um grupo é justamente fazer com que ele evite qualquer contato com informações ou opiniões dissidentes. Não é por outra razão que uma das primeiras medidas de regimes políticos ilegítimos é a censura e perseguição a seus críticos e dissidentes. Religiosamente falando, isso é feito pela difamação de ex-membros, especialmente se eles tentam explicar as razões por que deixaram o grupo religioso a que pertenciam. Em vários casos, generalizações excessivas, termos pejorativos e mesmo a proibição de qualquer contato são usados para se criar a ideia de que todos os ex-membros têm falhas de caráter, ignorando a possibilidade de abandono por razões de consciência, discordância doutrinária e toda uma série de fatores que podem levar alguém a reavaliar honestamente suas crenças. Assim, abafa-se na fonte a possibilidade de um debate ou questionamento por parte dos que ficaram, já que eles serão desencorajados a procurar entender os motivos dos dissidentes. 6. “Os argumentos da empresa X contra nossa fusão não merecem crédito, pois eles são nossos concorrentes e seus interesses comerciais estão em jogo.” (Também chamado de culpa por associação). Neste último exemplo, o fato de que a empresa X tem motivos comerciais para se opor à fusão das concorrentes não invalida os seus argumentos e tampouco faz com que os daqueles a favor da fusão mereçam mais crédito. Fosse assim, por exemplo, poderíamos invalidar a priori todos os argumentos de defesa do réu de um processo judicial, já que são motivados pelo seu interesse em continuar livre. Embora em questões como essa, o interesse ou as
  • 39. 39 crenças particulares de alguém possam sugerir que os argumentos apresentados provavelmente serão tendenciosos, isso não é desculpa para que sejam ignorados ou abordados apenas de forma indireta e inadequada através de um truque retórico. Outra variante nos leva ao famoso ditado “faça o que eu digo, não o que eu faço”, o chamado tu quoque (latim para “você também”). 7. “Você diz que o cigarro é um vício horrível, mas ainda não conseguiu parar. Por que eu deveria lhe dar ouvidos, então?” O fato de a pessoa que nos fala ainda fuma não quer dizer que o cigarro seja menos prejudicial. Ela pode não ser o melhor exemplo de conduta, mas nem por isso deixa de ter razão nesse ponto. Um argumento ad hominem não é necessariamente uma falácia, desde que aplicado numa circunstância adequada. Por exemplo, se o seu banco nomeia para o cargo de diretor uma pessoa com um passado de notórios crimes financeiros, você não pode ser recriminado por procurar outra instituição. Neste caso, a probidade da pessoa da pessoa é tão relevante quanto a lógica do que ela diz. Trata-se, então, de uma precaução razoável e justificada. Agora, se essa mesma pessoa, por outro lado, resolve debater a possibilidade de vida após a morte, já é outra história… Apelo à ignorância: Resume-se na frase “ausência de evidência não é evidência de ausência”. Consiste em usar a falta de provas (ou a inabilidade do oponente em apresentá-las) a favor ou contra algo para provar uma outra tese. 1. “Você não tem provas de que Deus existe. Logo, ele não existe.”
  • 40. 40 2. “Você não tem provas de que Deus não existe. Logo, ele existe.” 3. “É claro que houve um dilúvio; ninguém nunca conseguiu provar que não houve.” Acontece que a mera falta de provas não prova nada. No máximo, pode sugerir, mas nunca fechar questão. O fato de eu não poder provar empiricamente que, digamos, os buracos negros existem não quer dizer que eles não podem existir necessariamente. Ora, se temos duas teses opostas, e uma não tem evidências confiáveis a seu favor e a outra sim, fiquemos com esta. Mas se ela também não possui evidências, não será o problema da outra que a tornará legítima. Por isso, devemos tomar todo o cuidado para não cair num falso dilema (vide acima) e nos deixemos enganar por dicotomias falsas, como no exemplo a seguir: 4. “O ‘elo perdido’ entre o homem e os primatas não foi encontrado até hoje. Isso nos mostra que a Teoria da Evolução está errada e o livro bíblico de Gênese é que está com a razão ao falar da criação do primeiro casal por Deus.” Aqui o autor da frase, além de reduzir toda a Teoria da Evolução ao caso do Homo sapiens, esqueceu que o fato de que se ela, hipoteticamente, está errada, não quer dizer que o Gênese esteja certo. Apelo à multidão: Quem conhece a expressão “maria-vai-com-as-outras” certamente saberá quando uma falácia de apelo à multidão está sendo usada. Basicamente, esse é o tipo de raciocínio que diz “se todos fazem, então eu devo fazer também”. Políticos bons de voto adoram essa linha de argumento, religiosos proselitistas também.
  • 41. 41 1. “Você não acha que se uma religião cresce tanto em tão pouco tempo é porque Deus está com ela?” 2. “Dez milhões de pessoas não podem estar erradas. Junte-se à nossa igreja você também.” 3. “Isso é uma verdade tão sublime que um milhão de pessoas já a aceitaram como regra de fé.” A questão essencial aqui é que quantidade não é critério da verdade. O que esse tipo de falácia faz é desviar a atenção do tema tratado para um outro, aparentemente importante, mas que é um tópico à parte. O fato de tantas pessoas acreditarem em algo não significa que seja verdade. Por exemplo, há poucos séculos, acreditava-se que o oceano era repleto de monstros que inviabilizariam viagens transatlânticas, e hoje podemos viajar em cruzeiros ao redor do mundo com uma boa margem de segurança. Em religião, especificamente, é algo ainda pior: se dez milhões acreditam numa coisa, uns 300 milhões acreditam em outra bastante diferente; e mesmo a religião mais significativa numericamente não tem uma vantagem tão grande, pois a soma das outras é ainda superior ao número de fiéis dela. Existem formas mais inteligentes e honestas de se buscar o consenso do interlocutor e da audiência. Apelo ao medo ou argumento ad baculum: Aqui, o instrumento de coerção não é a pressão da maioria, mas o temor das consequências de não adotarmos o ponto de vista da pessoa com quem debatemos. Mais um exemplo tirado de diálogos religiosos: 1. “Quanto ao inferno, veja só: eu acredito, você não. Se eu estiver errado, e você certo, não terei perdido nada. Mas já parou para
  • 42. 42 pensar que, se eu estiver certo e você errado, você pode sofrer eternamente por isso?” Ora, isso é um raciocínio ou uma ameaça? Pois um raciocínio é uma demonstração racional da validade de uma determinada ideia, o que não é o caso. Então como analisar esse tipo de argumento? Bem, existem dois tipos de razão para se adotar uma determinada crença: a racional e a prudente. A primeira é baseada na lógica e na objetividade; a segunda, em algum outro fator importante para a pessoa, como medo ou benefício pessoal, mas que não influi na veracidade ou falsidade da crença. Quando alguém usa um argumento ad baculum, está na realidade dizendo que, se uma ideia ou concepção nos assusta, então é melhor crer que ela é verdade, mesmo que não haja uma razão lógica para demonstrá-la. É fácil mostrar o absurdo disso, bastando mudar o motivo do medo: 2. “Eu acredito que o bicho-papão mora no armário, você não acredita. Se eu estiver errado, não terei perdido nada. Mas já parou para pensar que, se eu estiver certo e você errado, ele pode devorar você?” Ou ainda, mais sutilmente: 3. “É melhor você votar pela condenação do réu ou você pode ser a próxima vítima dele.” Se para condenar o réu é necessário apelar para o medo dos jurados em vez de para as provas, então algo muito errado deve estar acontecendo…
  • 43. 43 Apelo à tradição: Uma variedade do apelo à multidão, só que o argumento fundamental neste caso é “quanto mais antigo, melhor”. Quando uma pessoa apela para a tradição, está apostando que crenças antigas estão sempre certas, o que obviamente não é verdade, como a medicina demonstra quase todos os dias. Vejamos alguns exemplos: 1. “A Astrologia é uma arte adivinhatória praticada há milhares de anos no Oriente. Conta-se que os antigos reis da Babilônia teriam feito uso dela para saber os dias mais propícios para as batalhas. Até os imperadores chineses recorriam aos astros para guiarem seus passos no governo. Com esse currículo respeitável, é inadmissível que ainda não a considerem uma ciência.” 2. “É claro que existem duendes, as lendas sobre eles têm séculos e séculos de existência.” 3. “Nosso livro sagrado têm mais de 3 mil anos de idade e está intacto, logo, só ele pode conter a verdadeira revelação divina.” 4. “Os primeiros mártires costumavam fazer ou acreditar nisso. Então deve ser bom.” 5. “Essas práticas remontam aos primeiros séculos da nossa igreja. Como você pode questioná-las?” Familiar? Esse tipo de argumentação ignora que o fato de um grande número de pessoas, durante muito tempo, crer que uma coisa é verdade não é motivo para se continuar crendo. Por exemplo, a escravidão era considerada justificável em inúmeras nações durante milênios, e nem por isso, hoje, temos que aceitá-la como uma prática legítima.
  • 44. 44 Apelo à autoridade: Quando queremos reforçar nossa tese, podemos recorrer à opinião de pessoas respeitáveis para corroborá-la. Assim, por exemplo, se quero defender o uso de uma determinada substância no tratamento de uma doença, poderei citar médicos renomados e idôneos, desde que eles tenham experiência no combate a essa enfermidade e que tenham testado a eficácia da substância em questão. Isso é perfeitamente válido, e até desejável. No entanto, nem sempre se tem esse cuidado na seleção de citações, e acabamos por citar quaisquer personalidades célebres como se tivessem mais autoridade que qualquer outro mortal em questões em que não são especialistas. Ser famoso não quer dizer estar certo sobre tudo. Por exemplo: 1. “Dionne Warwick é uma boa cantora, mas isso não significa que o serviço esotérico por telefone para o qual ela faz propaganda realmente funcione e seja a solução de todos os problemas da vida.” 2. “O mesmo vale para Mayara Magri e o Instituto Omar Cardoso, bem como para todos os anúncios publicitários envolvendo celebridades do show-business.” Da mesma maneira, principalmente ao se tratar de assuntos polêmicos, fazer citações breves de especialistas famosos, ainda que afins com a questão em pauta, não significa necessariamente que eles estão defendendo a tese em questão ou concordando com todos os pontos que a compõem. Depoimentos de somente uma ou duas frases aparentemente favoráveis em geral não nos permitem ter uma ideia clara de até que ponto aquele suposto especialista se aprofundou no assunto e no contexto em que aquelas palavras foram ditas. Para termos uma maior segurança nesse ponto, ao nos depararmos com o depoimento dessas autoridades, é melhor que eles
  • 45. 45 sejam suficientemente detalhados para que possamos ter certeza de que sabiam do que estavam falando e das razões pelas quais são favoráveis ou não a uma determinada ideia. O bom senso exige que, antes de nos curvarmos a títulos e fama, procuremos saber que argumentos estão sendo usados e se eles realmente merecem crédito. Afinal, mesmo os sábios têm suas falhas e equívocos. Eufemismos: São palavras que designam coisas potencialmente desagradáveis de forma mais suave. Usadas pretensiosamente por políticos e religiosos, são uma forma polida e ilusória de tornar belo o feio, e fazer com que mesmo as ideias mais repugnantes se tornem mais aceitáveis. Seu apogeu está no uso de expressões consideradas politicamente corretas, tão populares nos Estados Unidos, e que chegam a ser ridículas: 1. “Indivíduo verticalmente desafiado — anão.” 2. “Homem afro-americano — homem negro (e por que não nipo- americano, sino-americano, teuto-americano?).” Já outros são mais universais e menos risíveis: 3. “Apropriar-se ilicitamente de dinheiro público — roubar dinheiro público.” 4. “Ser convidado a retirar-se do recinto — ser expulso do recinto.” Eufemismos normalmente são dispensáveis, só tendo alguma utilidade quando se quer evitar ferir a suscetibilidade de alguém, que, no caso do politicamente correto, é exagerada. Um bom argumento deve ser claro, conciso e de preferência sem eufemismos que possam atrapalhar a comunicação. Se eles são usados com muita frequência,
  • 46. 46 pode ser o caso de que nosso interlocutor esteja tentando minimizar ou disfarçar alguma coisa. Premissas contraditórias: Quando as bases do argumento são mutuamente excludentes. Por exemplo: 1. “O que acontece quando uma força irresistível encontra um obstáculo irremovível?” Ora, o erro aqui é que não existe força irresistível. Se existisse, então não haveria um obstáculo irremovível, e vice-versa. Logo, se a pergunta não é coerente consigo mesma, não pode haver resposta. 2. “Se Deus pode tudo, ele poderia fazer uma pedra tão pesada que nem ele mesmo pudesse levantar?” Novamente, a pergunta não faz sentido, pois admitir que Deus pode criar tal pedra é admitir também que ele não pode tudo; e admitir que ele não pode criar a pedra é o mesmo que negar sua onipotência. Então, não se tem aí nenhum fundamento que possa dar margem a um raciocínio legítimo. Mais um exemplo, desta vez peculiar às religiões salvacionistas, em especial as cristãs: 3. “Deus é o criador onisciente de todas as coisas. Então ele também criou o mal? Não, o mal é criação das suas criaturas.” Vejamos: se Deus é o criador de tudo, e ainda por cima onisciente (ou seja, sabedor de tudo, mesmo do futuro), como se pode dizer que o mal não é também criação dele? Tal como estão, as afirmações se contradizem, pois mesmo que Deus não tenha criado o mal diretamente, se ele é onisciente e cria os seres já sabendo que
  • 47. 47 praticarão atos maus, o máximo que se pode dizer é que ele é seu criador indireto. A própria ideia de ser a origem de tudo que existe implica não só ser criador daquilo que consideramos bom como também do que consideramos mau. Mas se o mal foi criado a despeito da vontade ou do conhecimento de Deus, o que faz mais sentido, então ele não seria onipotente. E aí teríamos mais uma contradição. Redução ao absurdo: É um raciocínio levado indevidamente ao extremo. Designado apropriadamente em inglês pela expressão “slippery slope”, ou seja, rampa escorregadia, na qual um simples empurrão basta para que se perca totalmente o controle. Essa falácia pode ser expressa assim: 1. “Você permite que seu filho de seis anos roube um beijo na bochecha da coleguinha de escola hoje e logo ele vai querer agarrá-la e, mais tarde, se tornará um maníaco sexual. Você não tem vergonha?” Ou seja, quem faz uso dessa falácia parte do princípio de que um evento qualquer vai necessariamente levar a outro sem qualquer possibilidade de gradação ou razão aparente, como numa bola de neve montanha abaixo. É uma mistura de generalização apressada com um determinismo pessimista, pois só reconhece uma cadeia de eventos possíveis a partir de um fato. No exemplo citado, pode até ser que o menino tenha alguma tendência problemática, mas certamente não terá sido o beijo na coleguinha o fator responsável por isso e de uma criança que dá um beijo na bochecha aos seis anos até o adulto sexualmente perturbado vai uma boa distância. A falácia
  • 48. 48 relaciona o beijo ao comportamento doentio sem qualquer motivo aparente, ignorando todos os graus entre uma coisa e outra. Mais alguns exemplos: 2. “Se você permite o aborto em casos de risco de vida para a mãe nos hospitais públicos, logo todo o mundo vai querer abortar por qualquer motivo, ninguém mais vai valorizar a gravidez e a taxa de natalidade vai acabar despencando, prejudicando a economia do país.” 3. “A crença na vida após a morte é perniciosa, pois quem acredita nisso sempre vai achar que as coisas vão melhorar no Além e, portanto, vai se acomodar à sua situação atual, não lutar por seus direitos e permanecer em tamanha inatividade que a nação logo vai estar subjugada pelos exploradores internacionais. É por isso que nosso país seria muito melhor se todos fossem ateus.” Agora alguns só aparentemente mais aceitáveis: 4. “Se deixarmos o governo vender uma estatal hoje, daqui a dois ou três anos o país inteiro vai estar nas mãos do empresariado internacional.” 5. “Não podem censurar meu livro. Eles começam censurando só o meu e logo vão estar queimando todos os livros em praça pública e voltaremos ao tempo da Inquisição!” 6. “Se eu fizer uma exceção para você vou ter de fazer para todo o mundo.” 7. “Se você cumprimentar aquele seu amigo que abandonou nossa igreja, ele vai encher sua cabeça de mentiras, você vai perder a fé e vamos ter de tratar você como um traidor também.” (cf. Apelo ao medo ou argumento ad baculum e Ataque pessoal ou argumento ad hominem, acima).
  • 49. 49 Por fim, é importante observar que o simples fato de alguém cometer uma falácia não invalida toda a sua argumentação. Ninguém pode dizer: "Li um livro de Rousseau, mas ele cometeu uma falácia, então todo o seu pensamento deve estar errado". A falácia invalida imediatamente o argumento no qual ela ocorre, o que significa que só esse argumento específico será descartado da argumentação, mas pode haver outros argumentos que tenham sucesso. Por exemplo, se alguém diz: "O fogo é quente e sei disso por dois motivos: 1. ele é vermelho; e 2. medi sua temperatura com um termômetro". Nesse exemplo, foi de fato comprovado que o fogo é quente por meio da premissa 2. A premissa 1 deve ser descartada como falaciosa, mas a argumentação não está de todo destruída. O básico de um argumento é que a conclusão deve decorrer das premissas. Se uma conclusão não é consequência obrigatória das premissas, o argumento é inválido. Deve-se observar que um raciocínio pode incorrer em mais de um tipo de falácia, assim como que muitas delas são semelhantes. PSICOSE E RELIGIÃO Nas ultimas décadas, prestou-se maior atenção ao estudo científico da religião e sua relação com a saúde e as doenças mentais. Embora haja muito trabalho ainda a se fazer, evidências têm-se acumulado para que se possa ter respostas mais objetivas às
  • 50. 50 perguntas, tais como: qual a relação entre religião, espiritualidade e psicose? Pessoas psicóticas são mais religiosas? A religião conduz à psicose? A psicose conduz a religião? A conversão religiosa pode precipitar a psicose? A psicose pode precipitar a conversão religiosa? Qual a freqüência dos delírios religiosos entre aqueles que são psicóticos? Como diferenciar experiências religiosas ou espirituais “normais” de sintomas psicóticos? Qual o efeito do envolvimento religioso no curso e evolução dos transtornos psicóticos? Que efeito tem a psicose nas crenças espirituais ou religiosas das pessoas? Estas são perguntas importantes que apenas agora começam a ser respondidas por pesquisas sistemáticas. Segundo o cientista e professor norte americano Harold G. Koenig, o qual é Doutor Especialista em Psiquiatria e Ciências do Comportamento, frequentemente psiquiatras tratam pacientes religiosos com transtornos psicóticos ou que possuem alguma forma de espiritualidade. Para Koenig, cerca de um terço das psicoses tem conteúdo religioso, porém nem todas as experiências religiosas são psicóticas. Em sua visão, devem ser compreendidos, por parte dos clínicos, os papéis positivos e negativos que a religião desempenha nos pacientes com transtornos psicóticos. A maioria dos psiquiatras e outros profissionais de saúde mental, cientificamente treinados, acreditam em uma visão de mundo secular, científica. Sigmund Freud acreditava que a religião causava sintomas neuróticos e, possivelmente, até mesmo sintomas psicóticos. Em O Futuro de uma Ilusão, Freud (1962) escreveu: “Religião seria assim a neurose obsessiva universal da humanidade... A ser correta essa conceituação, o afastamento da religião está fadado a ocorrer com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento… Se, por um lado, a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, em um indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de ilusões plenas de desejo com um repúdio da realidade, tal como não
  • 51. 51 encontramos, em forma isolada, em parte alguma senão na amência, em um estado de confusão alucinatória beatífica…”. Freud também tenta chamar a nossa atenção para o futuro que aguarda a cultura humana. No processo de desenvolvimento de seu pensamento, ele acha necessário lidar com a origem e o propósito da cultura humana como tal. Por cultura humana Freud significa todos os aspectos em que a vida humana tem se levantado acima da condição animal e que difere da vida de uma fera. Para Freud, a cultura humana inclui, por um lado, todo o conhecimento e poder que os homens acumularam, a fim de dominar as forças da natureza, e do outro todas as providências necessárias para que as relações dos homens uns com os outros possam ser reguladas. Estas duas condições para a cultura não são separáveis uma da outra, porque na medida em que os recursos existentes satisfazem os nossos desejos e instintos, eles estão entrelaçados. Embora o homem forme a cultura, ele é, ao mesmo tempo, sujeito a ela porque ela doma seus instintos selvagens e faz com que ele se comporte de uma forma socialmente aceitável. Assim, Freud escreve: "Parece mais provável que cada cultura deve ser construída em cima de . .. coerção e renúncia ao instinto. " Freud sustenta que a essência da cultura não está na conquista da natureza pelo homem como forma de dar suporte à vida, mas na esfera psicológica a qual permite a cada homem conter seus instintos predatórios. Um dos refreadores do instinto que o homem criou para perpetuar sua cultura é a religião. O aspecto particular da religião como reflexo da consciência moral foi reconhecido por Freud quando ele escreve que uma de suas funções é tentar, "... corrigir as tão dolorosamente sentidas imperfeições da cultura”. Freud define a religião como uma ilusão que consiste em "certos dogmas, afirmações sobre fatos e condições da realidade externa e interna, que dizem algo que não foi descoberto, e afirmam que se deve dar- lhes credibilidade”.
  • 52. 52 Conceitos religiosos são transmitidos em três formas e, assim, reivindicam nossa crença "em primeiro lugar porque os nossos antepassados primitivos já acreditavam neles, segundo lugar, porque possuímos provas que foram entregues até nós desde a antiguidade, e em terceiro lugar porque é proibido levantar a questão de sua autenticidade em tudo. “Psicologicamente falando, estas crenças apresentam o fenômeno da realização do desejo”. Desejos que são as realizações dos desejos mais antigos, mais fortes e mais urgentes da humanidade” Entre eles estão a necessidade de agarrar-se a existência do pai, o prolongamento da existência terrena por uma vida futura e da imortalidade da alma humana. Para diferenciar entre uma ilusão e um erro, Freud cita duas das crenças científicas que hoje já foram refutadas pela ciência, tais como: “a crença de Aristóteles de que os parasitas se desenvolvem do esterco”, como também “a afirmativa feita por alguns nacionalistas de que a raça indo-germânica é a única capaz de civilização". Ambas estão erradas e constituem uma ilusão, simplesmente por causa do desejo envolvido. Isso dito de uma forma mais explícita: o que é característico das ilusões é que elas são derivadas de desejos humanos. Ele acrescenta, porém, que, "Ilusões não precisam ser necessariamente falsas." Ele dá o exemplo de uma menina de classe média ter a ilusão de que um príncipe vai se casar com ela. Enquanto isso é improvável, não é impossível. O fato de que baseia-se em seus desejos é o que faz com que seja uma ilusão. Freud acredita que todo indivíduo é, essencialmente, um inimigo da sociedade e tem urgências instintivas que devem ser refreadas em função do funcionamento da própria sociedade. Ele considera “a natureza destrutiva do homem como definidora de uma predisposição ao desastre, enquanto os seres humanos devem interagir com os outros em sociedade”. “Isso acontece “porque as massas são preguiçosas e pouco inteligentes, pois eles não têm amor à renúncia instintual e não são convencidos pelo argumento de
  • 53. 53 inevitabilidade”“. “Os indivíduos que as compõem apoiam uns aos outros em dar rédea livre à sua indisciplina”. Assim, é destrutiva a natureza humana. Ele afirma, que "é só através da influência de indivíduos que podem dar o exemplo e a quem as massas reconhecem como seus líderes que elas podem ser induzidas a realizar o trabalho e passar as renúncias em que a existência da civilização depende”. Tudo isso define uma sociedade terrivelmente hostil que poderia implodir se não fosse pelas forças da civilização e pelo desenvolvimento do governo. Por fim, Freud conclui que “a religião é um desdobramento do complexo de Édipo e representa o desamparo do homem no mundo, tendo que enfrentar o destino final da morte, a luta da civilização e as forças da natureza”. Ele vê Deus como uma manifestação de um desejo da criança por “um” pai. Em suas palavras, "os deuses retêm a tarefa tripla: devem exorcizar os terrores da natureza, devem reconciliar os homens com a crueldade do Destino, particularmente, como é mostrado na morte, e devem compensá-los pelos sofrimentos e privações que uma vida civilizada em comum impôs a eles”. ALIENAÇÃO E FANATISMO RELIGIOSO A alienação é a diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar ou agir por si próprios e está relacionada ao estado mental do ser humano. Os indivíduos alienados não têm interesse em ouvir opiniões alheias, e apenas se preocupam com o que lhe interessa, por isso são pessoas alienadas. A alienação faz com que o indivíduo perca parcialmente a capacidade de percepção da realidade, passando a viver mentalmente em um mundo fechado constituído por suas próprias ideias. Um indivíduo alienado pode ser também alguém que perdeu a razão, está louco. Em psicologia, o termo
  • 54. 54 "alienação" designa os conteúdos reprimidos da consciência e também os estados de despersonalização em que o sentimento e a consciência da realidade se encontram fortemente diminuídos. A alienação também compreende outras esferas como a esfera social e a esfera religiosa. Em ambas, a alienação está relacionada com o estado mental do ser humano. No caso da alienação social, o individuo não compreende que é o formador da sociedade e da política, e aceita tudo sem questionar. A alienação social incapacita o pensamento independente do ser humano, e ele passa a aceitar tudo como algo natural, racional ou divino. Já a alienação religiosa é caracterizada pelo processo o qual o homem cria ídolos, distantes, poderosos e tirânicos, e a eles transfere o domínio sobre si mesmo. O fanatismo religioso é uma forma de alienação baseada na rejeição de qualquer outra ideia que não seja a da interpretação religiosa particular de quem a possui, considerando-se geralmente quem diverge como inimigo. Não é típico de nenhuma religião em particular, embora as religiões mais fundamentalistas sejam extremamente alienadoras e mais propensas ao fanatismo. A consequência imediata do fanatismo religioso é o sectarismo, que encarcera a liberdade de consciência, pretendendo uma liberdade dirigida na espera do pensamento, que torna o homem escravo de postulados que lhe proíbem a expansão da alma pela ideia e pela razão. Portanto, o alienado religioso assume sempre uma atitude de intolerância às ideias alheias. As religiões, pelo seu caráter transcendental, são muito mais que a política, as grandes formadoras de adeptos fanáticos. A palavra fanatismo - do latim fanaticus -, que vem de fanum = templo, lugar consagrado, significa aquele que era o possuído pelo deus. Assim, o fanatismo religioso é a cega obediência a uma ideia, servida com zelo obstinado, que chega muitas vezes a exercer
  • 55. 55 violência para obrigar outros a segui-la e punir quem não está disposto a abraçá-la. KARL MARX E A RELIGIÃO Karl Marx define a religião pura e simplesmente como uma projeção de nossa realidade terrena para um plano superior metafísico. A religião consiste para ele em um mundo fantástico, criado pela mente humana que tenta dar a certos fenômenos naturais um ar sobrenatural, isto significa que religião com o seu Deus não passa de uma mera ilusão, algo a que não se deve dar crédito. Para aqueles que estudam, estudaram ou têm pelo menos uma noção de história da filosofia, veremos que vários autores em sua antropologia não hesitaram em afirmar que o homem é um ser dotado de carência. Marx certamente é um destes. Pois ele define a natureza humana por suas carências ou necessidades e pela dialética da satisfação dessas necessidades, desdobrando-se seja na relação do homem com a natureza exterior pelo trabalho, seja em sua relação com os outros homens pela natureza (LIMA VAZ, 2000). O homem, segundo Marx, é aquele que produz, homo faber (NOGARE, 1990). Ele está sempre a produzir algo para suprir suas necessidades para facilitar sua vida, gerando assim seu bem- estar. Sendo o homem, como vimos, frágil, isso significa que ele necessita de algo para preencher sua existência. A partir de suas dificuldades ele passou a criar não só elementos materiais, mas criou também um ente e um lugar metafísico, uma espécie de muleta para suportar o peso e as exigências de sua vida, visto que a matéria não consegue preencher ou responder certas questões que envolvem a vida humana tais como a morte e o sofrimento. Daí a criação de um
  • 56. 56 Deus transcendente, que possa apoiar todas as suas dificuldades e esperar que este mesmo Deus possa acalentá-lo em seu desterro e recompensá-lo futuramente com bens celestiais e uma vida eterna. A religião, portanto, para Karl Marx, passa a uma ilusão, alienação, ou num dizer mais marxista “um ópio” para amenizar o sofrimento. Uma das teorias marxistas sustenta que a religião surgiu através do espanto e do medo. Ao observar a fúria de certos fenômenos naturais que ocorriam ao seu redor os homens primitivos começaram a atribuir tais forças a alguma entidade sobrenatural, e a partir desta descoberta ele passou a criar certos ritos e oferecer determinados sacrifícios para apaziguar a divindade ofendida. Passaram a acreditar também que certas dádivas, tais como chuva para os campos, boa colheita são sinais da benevolência divina (FADDEN, 1963). O que deve ficar bem claro, nesta teoria, é que o medo criou a divindade. Deus, portanto, nada mais é que o reflexo do próprio homem. Foi o homem quem criou a divindade e não o contrário. A religião com os seus ritos são apenas manifestações de um homem desesperado e indefeso diante da fúria da natureza. “A religião nasceu com o método supersticioso para mitigar os horrorosos efeitos das forças naturais” (FADDEM, 1963). Um fator que provavelmente influenciou o pensamento de Marx contra a religião foi a sua história de vida. Ele viveu em um ambiente em que os cidadãos não podiam exercer as profissões se não fossem cristãos. A família de Marx era de origem judaica, seu pai aceitou o batismo na igreja luterana, simplesmente para exercer sua profissão. “A imposição externa de um credo religioso certamente contribuiu para orientar religiosamente o espírito de Marx, que, com toda a probabilidade, foi ateu desde a mocidade” (ROVIGHI, 1990). Outra grande influência que marcou Karl Marx foi o pensamento filosófico de Feuerbach: “Consta que nos primeiros e mais decisivos
  • 57. 57 anos de sua atividade filosófica, entre 1841, data da publicação da obra a Essência do cristianismo, e 1844 Marx foi um entusiasta feuerbachiano” (NOGARE,1990). Feuebarch, em Essência do cristianismo, afirma que a criatura inventou o criador e, portanto, é ela verdadeiramente o criador. Deus é um reflexo do próprio homem, uma projeção, uma inversão dos desejos humanos, um produto no qual o homem finito precário e dependente projeta seus desejos e possibilidades de perfeição, onipotência. A religião consiste no sentimento mais puro e absoluto do homem. O homem deseja para si o que nele mesmo não encontra, como por exemplo: o ideal de justiça, bondade e virtude. Deus é um homem genérico que idealizamos e que não conseguimos realizar por nós mesmos (NOGARE, I990). Marx viu na ideologia de Feuerbach a resposta para destronar a grande farsa que é a religião. Talvez tenha encontrado em suas palavras o forte instrumento que tanto precisava para a libertação do homem de uma ideologia religiosa, alucinante, que ensinava que o homem deveria rejeitar o sensível tendo em vista o imaterial, abstrato, aceitar o sofrimento, a exclusão, deveria negar a si próprio, ou seja, perder a sua identidade visando o próximo. Ter uma atitude passiva diante de seus opressores tendo assim uma atitude de pseudo-humildade. Por fim, a religião alienava o povo fazendo-o acreditar que quanto mais lhe faltasse algo nesta vida mais teria na eternidade. A religião transformava os homens em marionetes fazendo-os cumprir sem reclamar ou blasfemar as leis que lhes foram impostas por Deus, pela moral e por uma sociedade decadente. Marx certamente vibrou ao ler estas audaciosas palavras de Feuerbach: Temos de colocar no lugar do amor de deus, o amor dos homens, como uma única, verdadeira religião, no lugar da fé em um deus, a fé no homem em si, em sua força, a fé em que o destino da