1 - O documento critica a abordagem economicista e neoliberal que tem dominado as políticas econômicas e sociais em Portugal. 2 - A universidade é apontada como uma fábrica de obediência que produz "especialistas" imbuídos da ideologia neoliberal. 3 - O "economês" é apontado como uma linguagem vazia que ignora a realidade social.
O economicismo ou o discurso do empobrecimento compulsivo
1. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13/5/201 1
O economicismo ou o discurso do empobrecimento compulsivo
(continua)
Os sacerdotes do excel, como aqueles que na
Antiguidade antecipavam o futuro lendo as vísceras de
uma galinha inscrevem-se numa longa linhagem. A
modernidade na história da aldrabice é hoje bem
representada pelos economicistas.
Convém que se aponte a dívida como elemento de
ordem política – e não apenas financeira - para a
duradoura submissão de povos. Tão ilegítima é a dívida,
como criminosa a classe política que a suporta.
Sumário
1 - A magia do excel
2 – Universidade, fábrica de obediência
3 – O economês, a linguagem do poder
4 - A ortodoxia economicista
5 – Desigualdades, pobreza e controlo político
++++++++++++++++ xxx ++++++++++++++++
1 - A magia do excel
Recentemente, foram emanados pela escolástica economicista portuguesa dois textos.
Uma “Proposta de Programa de Estabilidade 2015/19” vindo da área governamental e
um relatório designado “Uma década para Portugal” encomendado por uma área
política que quer ser governo.
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O primeiro tem o selo de um ignorante chamado Passos e o segundo não é assumido
pelo manhoso Costa. Neste último caso, não é preciso vários doutoramentos para
perceber a jogada; o homem manda 12 sumidades configurar o futuro dos
portugueses para uma década, como balão de ensaio, resguardando-se, para mais
tarde aparecer como o corretor ortográfico do documento ou, um género de polícia
bom que se demarca do polícia mau.
O excel pode ter muitos defeitos mas um não tem; não deixa de reproduzir de modo
irrepreensível o resultado dos números que lhe metem dentro. O problema,
naturalmente, não é do instrumento mas, de quem o manuseia e do que vai na sua
cabeça. Se tiver bom senso e ética, procura incorporar e relacionar variáveis que
conduzam ao bem-estar coletivo; se ética e cidadania lhe tiverem sido ensinados como
reles produtos sem cotação na bolsa, sobressai o ridículo ou o prejuízo da coletividade.
O excel do Gaspar falhou e o homem, reconhecidamente lento na expressão, precisou
de dois anos para ver que os dados que havia colocado na folha de excel obedeciam a
uma aritmética diferente da que revela as relações económicas e sociais. Bateu com a
porta e cedeu o lugar ao Portas, bem mais habilidoso a gerir numerário.
Simbolicamente, a folha de excel do Gaspar terá ficado perdida num computador do
ministério e encontrada pelas duas turmas de economicistas.
Do ponto de vista dos interesses da esmagadora maioria da comunidade dos
sobreviventes em Portugal, o resultado das folhas de excel dos entes encarregados de
os produzir é um aglomerado de bestialidades bem adornadas pela insípida linguagem
técnica que disfarça a petulância, o espírito antissocial ou a desonestidade intelectual
de muitos universitários de topo.
Será algo semelhante a folhas de excel que emite as previsões do FMI, corrigidas
constantemente para que no final batam certo com a realidade, numa esperteza
infantil indigna de crânios viciados na laboriosa configuração das reformas estruturais,
cujos benefícios os povos – ignorantes - nunca conseguem almejar. O excel também
veicula as previsões dos resultados da denodada ação governamental que a realidade
se recusa a subscrever, como no caso da dívida pública, do deficit, das exportações, do
investimento estrangeiro, etc. Ainda não havia excel e já o planeamento soviético se
mostrava expedito na aldrabice; os dados que descreviam a realidade eram inventados
para ultrapassarem as previsões do plano e revelarem assim a maestria dos gloriosos
líderes da classe operária.
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Os sacerdotes do excel, como aqueles que na Antiguidade antecipavam o futuro lendo
as vísceras de uma galinha inscrevem-se numa longa linhagem. A modernidade na
história da aldrabice é hoje bem representada pelos economicistas.
2 – Universidade, fábrica de obediência
Num país de pacóvios, com o nível de instrução mais baixo da Europa (se excluirmos a
Turquia) e onde muitos se inscrevem na categoria de homo videns, dado o tempo
passado defronte da televisão, é cultivada a deferência por políticos comentaristas ou
por produtos da universidade, sobretudo se bem-falantes, de onde sai, empacotado, o
“Conhecimento”, a escolástica economicista, neoliberal.
Essa deferência tem raízes que remontam a uma passada e miserável ruralidade, à
Inquisição e ao fascismo. No tempo de Salazar era hábito, em Coimbra, tratar-se por
doutor qualquer adolescente com capa preta. Hoje, continua a usar-se, na linguagem
verbal ou escrita, como prefixo para o nome de qualquer produto da universidade, um
Dr., um Doutor, um Professor, quando não um Professor Doutor. E, entretanto, voltou
a usar-se em escolas superiores aquela farda que se tornou símbolo da idiotia
alcoolizada das praxes, que merecem a infinita benevolência de acomodados reitores.
É evidente que este modelo cultural elitista se esboroa quando dezenas de milhares de
jovens doutrinados na obediência emigram sem retorno, como quaisquer reles
proletários; ou, quando se observa, nos que ainda vivem em Portugal - desobedecendo
a Passos, com a recusa da emigração - um desemprego massivo ou pagas precárias de
€ 500. Mas, mantém-se, na plebe, a deferência pela opinião de uns quantos
comentaristas, construtores do conservadorismo que torna passiva e atávica a
sociedade portuguesa. Veja-se a notoriedade televisiva daquele lente capaz de ler 50
índices e prefácios de livros por dia e de promover um livro sobre caroços de pêssego,
entre duas irrelevâncias de caráter político. Na realidade, o pior não é o lente nem as
suas vacuidades mas, os que se apoucam ao sorver as suas palavras.
A universidade tornou-se uma fábrica de especialistas1
apesar de a palavra apontar
para o conhecimento da globalidade, da realidade, forçosamente una. A universidade
1
Fala-se que o deslumbrante Crato prepara uma licenciatura em Teoria do Parafuso, com duas opções;
a do Aparafusamento e a do Desaparafusamento, obviamente a permitir diplomas como os obtidos por
Sócrates, Relvas e outros que constam na lista recente dos alunos da Lusófona com créditos fornecidos
de forma pouco límpida.
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é capaz de promover a ciências, simples técnicas empresariais ou contábeis e o
empreendedorismo, a competição e o individualismo são os instrumentos privilegiados
de atuação, em detrimento da lógica colaborativa que promoveu o alargamento, a
densificação e a difusão do conhecimento, desde os tempos mais remotos. Nessa
lógica competitiva, o desempenho mede-se pelo número de papers, de bolseiros
precarizados, em rácios de custo/benefício, com a utilização frequente de colagens de
textos retirados da internet e longas referências bibliográficas para impressionar; a
criatividade será a possível desde que se não melindre as opiniões expendidas pelo
supervisor e não sejam esquecidas as referências aos seus papers. Por último, o
produto final tenderá a não ser grande coisa.
O facto de o economicismo2
se ter tornado a ideologia do neoliberalismo torna os seus
práticos soberbos, verdadeiros sacerdotes que revelam aos donos do dinheiro os
enigmas dos oráculos. São duas das suas faces mais desacreditadas e ridículas, as
predições das empresas de rating que os media regurgitam com ar solene; e a
informação fornecida, várias vezes ao dia, sobre a marcha das cotações na bolsa, neste
caso, particularmente esclarecedora quando nos informam que a evolução está
“mista”.
James Galbraith, economista de relevo, refere que há um fosso entre o exercício
profissional dos economistas e a realidade. Segundo ele, na geração de seu pai (John
Kenneth), os economistas sabiam que a economia é apenas parte de uma realidade
complexa e de difícil previsão; e por isso eram humildes, ao contrário dos atuais que
vivem num verdadeiro claustro3
. Dessa soberba vivem professores universitários cujos
elementos mais “avançados” conseguem ultrapassar a imbecilidade para chegar ao
fascismo, como um tal Cosme Vieira4
3 – O economês, a linguagem do poder
Os relatórios ou programas acima citados recentemente revelados, escritos no mais
puro economês, são a antítese da economia enquanto disciplina social. De facto, o
economês, nada tem de social, os economicistas reviram os olhos de êxtase perante
2
Em maio de 2006 um tal Correia de Campos, ministro da Saúde afirmou que a palavra economicista não existe. O
imbecil catedrático, emitiu uma fatwa. http://www.slideshare.net/durgarrai/economicismo-doena-mental-do-
neoliberalismo
3
Parágrafo adaptado de um artigo sobre Varoufakis inserto no Courrier Internacional, Abril/2015
4
http://economico.sapo.pt/noticias/universidade-esta-a-avaliar-caso-do-professor-que-se-assume-racista_217608.html
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uma célebre frase da santificada Thatcher: “A sociedade não existe”. Nos dicionários
do economês, a sociedade é uma ilusão de óptica típica dos ignorantes e que os
impede de ver o pendular funcionamento dos divinos mercados.
Perante a observação das monótonas centúrias de economicistas que por aí andam,
Tchekov, se fosse vivo, voltaria a dizer, como há uns 150 anos “A universidade
desenvolve todas as capacidades, inclusive a estupidez”; e falava com conhecimento
de causa, pois era médico. Guerra Junqueiro, um pouco mais tarde dizia que a
universidade iluminará o mundo no dia em que lhe largarem fogo; e sabia do que
falava, pois licenciara-se em direito. Em tempos mais recentes, Agostinho da Silva e
Bento Jesus Caraça, entre outros, foram expulsos da universidade como indignos de
ombrear com os doutos colegas de Salazar, em tempos de feroz combate ao
cosmopolitismo destruidor das virtudes pátrias.
Os escolásticos durante muito tempo entendiam que as obras de um tal Shakespeare
pertenceriam a várias pessoas distintas daquele, pois achavam inconcebível que o
William tivesse aquela maestria na análise social e na construção literária sem… nunca
sequer ter frequentado a escola. Um reitor da universidade de Coimbra, ao ser
confrontado com a gravidade, conceptualizada por Newton, entendeu recusá-la com o
lapidar argumento de que não constava da Bíblia. Inversamente, David Graber
antropólogo pouco dado a recitar o que convém ao poder, foi dispensado da
universidade de Yale, enquanto ninguém persegue os muitos professores
universitários de recorte trotsko-estalinista, dada a sua utilidade na promoção do
Estado, da hierarquia e da propriedade, peças essenciais à fogosidade do capital.
Confundir conhecimento com religião e chamar factos a construções preconceituosas
é de todas as épocas onde se assista ao casamento entre o poder de estado e a
autoridade escolástica, par definidor do bem e do mal, como antes se observava, entre
o rei e o clero.
4 - A ortodoxia economicista
A ortodoxia economicista no capítulo das dívidas soberanas da periferia Sul da zona
euro – particularmente da Grécia e de Portugal – pretende, como objetivo supremo,
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que aquela seja paga. O que é absolutamente falso; a dívida é impagável e todos
sabem isso5
.
Essa ortodoxia coloca-se tanto do lado do sistema financeiro (BCE incluído)
acomodados nas suas funções de (eternos6
) credores, como do lado dos poderes nos
países endividados que se afincam na punção fiscal dos povos, com o argumento de
que “não somos caloteiros”. Os primeiros, discretos, colocam-se atrás dos funcionários
de Bruxelas e Frankfurt que os representam; e os governos dos países endividados
colocam-se na posição confortável de cobradores, (falsos) impotentes intermediários
que lastimam a exação fiscal que aplicam aos povos, por imposição ou melhor, por
diktat externo.
Acontece que a dívida – particularmente nos casos grego e português - não é pagável7
.
Primeiro, porque em termos estritamente financeiros, um plano de amortização, com
escrupuloso pagamento de capital e juros, não se coaduna com os objetivos impostos
para o deficit e para o crescimento do PIB, sem a remessa dos povos dos países
endividados para uma nova idade das trevas. Em segundo lugar, porque ao capital
financeiro interessa somente manter o fluxo de uma renda eterna de juros, com a
pressão necessária e suficiente para o seu pagamento, para a substituição de fatias de
dívida pagas por novas dívidas, numa reciclagem perfeita. Em terceiro lugar, a
manutenção da pressão para o pagamento da dívida e dos seus juros embaratece
privatizações, precariza o trabalho, reduz salários, aumenta jornadas de trabalho,
promove o assalto aos fundos de pensões, facilitando a acumulação de capital. O
capital financeiro é bom conhecedor da fábula da galinha dos ovos de ouro…
Por outro lado, uma dívida imputável a Estados-nação periféricos e dependentes é
uma aplicação segura, pois tem toda uma população como garante e por tempo
ilimitado, o que não acontece com nenhuma instituição privada.
5
Draghi quando se comprometeu a comprar € 1.1 biliões de títulos de dívida, mormente pública (cerca
de 4.5 vezes a dívida pública portuguesa), até setembro de 2016, sabe que irão alimentar uma grandiosa
fogueira, um dia mais tarde; mas, nunca o dirá. E, entretanto coloca dinheiro fresco nos bancos, com a
troca desses títulos, rezando para que o investimento surja, o consumo retome a economia cresça.
6
Num raro momento de sinceridade, no início da actual crise, Sócrates (o presidiário) disse que a dívida
externa não era para pagar. Como se trata de um mentiroso compulsivo, houve indignação e protestos
pois ninguém supunha que, no caso, ele falava verdade
7
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
7. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13/5/201 7
Por seu turno, as classes políticas, pretendem manter o papel de cobradores,
perpetuando as suas comissões pelo serviço que prestam. Os governos assumem o seu
odioso papel, usando a persuasão ou o cacete; e as oposições mantêm o circo a
funcionar, mostrando-se alheias ou combatendo as reclamações radicais das vítimas
da punção fiscal e da austeridade8
.
Uma coisa as classes políticas na sua generalidade não farão: apontar a dívida como
elemento de ordem política – e não apenas financeira - para a duradoura submissão de
povos.
Nesse contexto, tão ilegítima é a dívida, como criminosa a classe política que a
suporta. Nesta frente de recusa da ilegitimidade há um consenso entre a classe política
e o economicismo universitário, como natural produto da simbiose entre ambos.
Essa dívida (grega ou portuguesa) não é pagável, de todo, a não ser após uma
reestruturação que contemple uma verdadeira tosquia que conduza o endividamento
público aos níveis máximos admitidos pela UE – 60% do PIB - associado a um
alongamento de prazos de pagamento e rebaixamento das taxas de juro. Para que não
haja recaída torna-se também necessário proceder a alterações políticas que extingam
a classe política e avancem para reformas estruturais (essas sim) na gestão das
empresas e na redistribuição do rendimento.
A mais alarmante situação grega resume-se a uma escolha dicotómica: tosquia nos
créditos dos bancos ou ceifa de vidas entre os 11 M de gregos. No caso português as
coisas não são muito distintas; porém, a ausência de uma contestação social e a
conivência da “esquerda” deixa todo o espaço mediático para o governo que anuncia a
retoma e o fim da austeridade “do ano passado, para o mês que vem”, como diz
Buarque. A propósito, não deixamos de achar curiosa a incoerência dos que querem
pagar a dívida escrupulosamente e, ao mesmo tempo, acusam o euro de todos os
8
http://www.slideshare.net/durgarrai/sobre-a-ideia-enganadora-da-auditoria-dvida
http://www.slideshare.net/durgarrai/questes-sobre-a-auditoria-s-contas-pblicas
http://www.slideshare.net/durgarrai/precisa-se-esprito-crtico-sobre-esta-auditoria-cidad-dvida-pblica
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/05/a-iac-mandou-toalha-ao-chao.html
http://www.slideshare.net/durgarrai/dvida-pblica-entre-o-pagamos-e-depois-logo-se-v-e-o-no-
pagamos-at-ver-vai-uma-grande-distncia
8. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13/5/201 8
males pátrios; em futebol, seria como querer ganhar o jogo com a mudança de cor das
camisolas.
Para pagar a renda que alimenta o capital financeiro global por intermédio da dívida, a
escolástica neoliberal é mais ou menos unânime nas medidas a adoptar; reformas
estruturais como redução da despesa pública a partir de despedimentos, liberalização
do “mercado” laboral, redução das pensões, privatizar, captar investimento
estrangeiro com a oferta de reduções fiscais e exportar, exportar, investindo e
ganhando competitividade no âmbito do livre comércio...
A pressão do Centro europeu sobre os países mais endividados da periferia Sul não se
alivia com uma saída do euro, como se não modificarão as estruturas produtivas,
europeia ou nacionais, estas, decorrentes da globalização capitalista. Esta globalização,
de que a UE foi precursora, vai tornando as economias periféricas subalternas
relativamente ao Centro, torna-as espaços atravessados por redes multinacionais de
negócios, sem que daí resulte qualquer reforço da coerência interna da estrutura
produtiva “nacional”; finalmente, reduzindo-se a relevância dos capitalistas
autóctones, assim como a existência de centros de decisão dali oriundos ou ali
instalados9
, estão criadas as condições para uma consolidação de economias
neocoloniais.
Essas disfunções não são recentes, não nasceram no seguimento da crise financeira do
subprime, nem da adopção do euro10
. O capitalismo gera, por inerência, desigualdades
e hierarquias territoriais e, em cada espaço, essas desigualdades e hierarquias
evidenciam-se, entre os povos e as suas camadas possidentes, entre os de baixo e os
de cima; e não é uma moeda própria que viabiliza uma soberania como o pretendem
os nacionalistas lusos, sonhadores de uma saída negociada do euro, com Bruxelas e
Frankfurt. As atuais dificuldades da Grécia, mesmo sem ter na agenda uma saída do
euro, são premonitórias.
Uma abordagem histórica simples relembra que a América Latina chegou à
independência, com bandeiras, hinos e moedas próprias, há 200 anos e que em África
a colonização europeia terminou com o fim do império colonial português. Foram as
9
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/02/soberania-soberania-nacional-e.html
10
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/07/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-1.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/08/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-2.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/09/a-nao-solucao-com-um-novo-escudo-1.html
9. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13/5/201 9
formais soberanias nacionais e esses símbolos e instrumentos suficientes para livraram
esses povos da subalternidade, das fortes desigualdades internas mantidas pelas suas
elites, das crises de dívida, das intervenções do FMI, de guerras, golpes militares ou
ditaduras? Agora o foco está colocado nas periferias europeias, a Sul e Leste,
abarcando até antigas potências coloniais, como há 100 anos a uma focagem
semelhante desfez o atrasado império otomano, distribuindo as terras do petróleo
pelas grandes potências europeias.
Estas questões com pesado lastro histórico, são absolutamente estruturais e não se
resolvem com mais intervenção estatal ou com um imposto mundial (como defende a
estrela Piketty e, antes dele, Tobin); essas são as soluções piedosas dos que acreditam
que a causa das desigualdades até se pode manter desde que os seus causadores
sejam menos avaros, menos… capitalistas! É a lógica da remissão dos pecados através
da esmola.
Uma saída voluntária de Portugal do euro poderia ser um instrumento importante, se
(e só se) num âmbito ibérico, com a Espanha ou as nações do actual estado espanhol,
como mínimo de viabilidade. Essa situação abalaria sem dúvida o processo centrípeto
do Centro e, tanto mais se acompanhado pela Grécia, pela Itália e por Chipre, num
projeto que abrangesse o Sul da Europa; que poderia ter maior impacto se coincidisse
com uma eventual saída da Inglaterra (com ou sem Escócia) da UE, em 201711
. Essas
conjeturas exigiriam previamente o afastamento dos margraves ibéricos, profundas
alterações na organização política, do modelo de representação e a construção de uma
economia comum, baseada na satisfação das necessidades dos povos.
Voltando aos dias de hoje. A suserania de Frankfurt não admite secessões, tal como
Madrid recusa a saída da rica Catalunha ou Lisboa reagiria a uma independência
trasmontana. O poder transnacional da UE não é diferente dos poderes nacionais
enquanto carcereiro de povos e beneficiário da extração do produto do seu trabalho.
5 – Desigualdades, pobreza e controlo político
11
Para quem ache que do desmantelamento da actual UE surgirá, de imediato, uma guerra, numa
perspetiva de repetição da História, convém esclarecer que a Alemanha, a principal afetada com esse
desmoronamento tem umas forças armadas de 132000 pessoas (que não lhe permitiriam grandes feitos
militares) e sobretudo quando se sabe que somente uns 9000 daquele total estão operacionais. E como
temos sentido de humor, podemos referir que a forças armadas portuguesas (31000 pessoas), para
manter a proporção face à Alemanha, deveriam pertencer de um país com… 20 M de habitantes!
10. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13/5/201 10
Ignorar o que se vem expondo, o necessário relacionamento das realidades
económicas, sociais, culturais e geopolíticas traduz-se nesta imagem:
O alargamento acelerado da UE a partir dos anos 80 e, particularmente após a
implosão do bloco soviético, foi um instrumento do Centro, com relevo para a
reforçada Alemanha, para a redefinição das hierarquias na Europa e suas decorrentes
e inerentes desigualdades. O Centro reforçou a relevância de setores capitalizados, de
alto valor acrescentado, incorporando periferias de mais baixos salários,
vocacionando-os para a produção de bens de consumo ou intermédios, destinados de
preferência ao Centro que, acumulando excedentes financeiros, ficou apto a colocá-los
sob a forma de empréstimos nos bancos e nas empresas da periferia, altamente
descapitalizadas e endividadas.
A liberalização crescente do comércio dentro da UE e, entre esta e o exterior, veio a
conduzir à desindustrialização da periferia Sul e à sua sobredependência de atividades
não transacionáveis com o exterior, a cargo de capitalistas indígenas em reconversão
e, desenvolvidas com fundos comunitários ou fornecidos por bancos do Centro,
alimentando uma prosperidade e níveis de consumo só temporariamente virtuosos,
sem conduzirem a qualquer reforço da harmonia da estrutura económica ou do
emprego sustentável, a prazo.
As desigualdades que se acumularam entre Centro e periferias, resultaram em
desequilíbrios financeiros e estruturas produtivas enviesadas no sentido do imobiliário
e do turismo, entusiasticamente alimentadas pelos bancos nacionais (com dinheiro
emprestado pelo Centro) e que se pretendia reciclável pelos fluxos do turismo ou
11. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13/5/201 11
através do duradouro endividamento dos nativos, incitados a adquirir imobiliário, com
o engodo da sua constante valorização.
Tamanhas disfunções, alimentadas durante cerca de década e meia (com a entrada do
euro a meio do percurso) nunca seriam sustentáveis e iriam agudizar as desigualdades
entre Centro e periferias; e também, porque no seio dos países periféricos a
estagnação política facilitava a vida das elites económicas e politicas. Como se vem
observando.
As disfunções agudizadas pela crise tendem a modificar o panorama político-
partidário; e, são de tal ordem que rebentaram na Grécia com a direita ND/Pasok,
criaram uma coligação de perfil social-democrata12
(Syriza) vencedora das eleições de
Janeiro, bem como o crescimento de um grupo xenófobo e nazi (Aurora Dourada) e a
redução da relevância do estalinista KKE. Tudo isto num contexto de forte abstenção
eleitoral (apesar do voto obrigatório) e do desenvolvimento de densas redes populares
de solidariedade, reveladoras de um forte distanciamento de parte da população face
ao sistema político e à economia de mercado.
Em Espanha, a crise atinge particularmente o PP que herdou o poder do PSOE,
derrotado nas eleições de 2012 mas, coligados, ambos, na introdução na constituição
da prioridade do pagamento da dívida sobre as responsabilidades sociais do Estado.
Grandes movimentações sociais recolocaram no terreno as consignas libertárias, de
uma democracia radical ou, fórmulas de autogestão que vieram a ser aproveitadas
pela deriva partidocrata e social-democrata do Podemos ou, de uma direita renovada
(Ciudadanos), para além do reforço das ambições autonomistas e independentistas,
mormente na Catalunha. Aparentemente, também em contexto de elevada abstenção,
como se observou na Andaluzia e que se poderá repetir nas eleições autárquicas de dia
24 de maio.
Em Portugal o sistema político tem resistido bem à crise apenas com um afundamento
previsível do BE, cujos despojos são ambicionados por entidades de cariz tão pouco
12
Por social-democrata entendemos a defesa de um modelo de intervenção keynesiana do Estado com
retorno ou reforço do “modelo social europeu” o que no nosso entender, não é viável porque os tempos
são muito diferentes da época 1933/70. Como é óbvio, esse conceito de social-democracia não tem
relação alguma com os partidos sociais-democratas e socialistas europeus que mantêm aquelas
referências como forma de ocultar o seu caráter de direita neoliberal.
12. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 13/5/201 12
interessantes como o Livre (que procura integrar o PS) e o Agir que prolonga a burla
política do “Que Se Lixe a Troika”13
.
Depois do golpe militar de 25 de novembro de 1975, o sistema cristalizou em torno de
um partido-estado, bicéfalo (PSD/PS) com um CDS como contrapeso e um PC com um
sucesso inegável na tarefa do controlo social que anulou a memória do radicalismo de
1974/75. Verificou-se com a crise um controlo partidário destruidor do frágil
movimento social surgido na sequência do 15M espanhol e que tem facilitado a
aceitação passiva e resignada da austeridade por parte da população.
(continua)
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
13
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/11/os-movimentos-sociais-e-as-vigarices.html