Aspectos da crise financeira e as maleitas do capitalismo
1. Aspectos da crise financeira e as maleitas do capitalismo
1- Alguns elementos sobre a distribuição dos rendimentos
A primavera traz, habitualmente, as andorinhas mas, também notícias
sobre os festins dos abutres.
São revelados por essa altura, os lucros das grandes empresas que, no
respeitante às cotadas na bolsa (PSI-20) se cifraram em 5339 milhões de
euros em 2007 (+3,7% que em 2006).
Esclareça-se que os lucros aquela vintena de empresas, em 2006,
representava 17,1% de tudo o que o Banco de Portugal classificou
como “rendimentos da propriedade e da empresa” no mesmo ano,
rendimentos que se mantém praticamente … constante desde 2003.
Gostaríamos de apresentar a nossa sincera lástima aos empresários,
proprietários e outros parasitas que vêm vivendo, sem um gemido, uma
perda real de rendimentos, ao contrário da malandragem dos
trabalhadores sempre a berrar por aumentos de salários… Convém
aliviar a compaixão de alguns referindo que a economia subterrânea,
cerca de 15% do total em meados dos anos 80 é agora de 23%, a
despeito dos cruzamentos de dados, da postura “agressiva” da DGCI,
do cenho franzido do ministro. Acreditar nisso é o mesmo que crer serem
as prendas aos árbitros o cerne dos problemas do futebol.
Apesar do aumento modesto dos lucros revelados, os dividendos a
pagar aos accionistas crescem bem mais substancialmente. Vejamos:
Aumento percentual do dividendo por acção entre 2006 e 2007
Altri 100,0 BCP 29,7 Banif 41,8
BPI 33,3 BES 29,0 Brisa 3,7
Cimpor 13,2 Cofina 40,0 Corticeira Amorim 10,0
EDP * 10,0 Esp. Santo FG 90,0 Finibanco 26,7
10,0
Galp Energia 52,0 Ibersol 0,0 Mota-Engil
Portucel 50,5 Telecom 0,0 PTM 9,1
SAG 126,9 Semapa -45,2 Sonae SGPS 20,0
Teixeira Duarte 13,3 Salvador Caetano 70,0
*A “simpática” EDP contudo reduziu os lucros em 3,6% face a 2006 e, para não
prejudicar mais os accionistas encomendou à ERSE que defenda a distribuição, por
todos os consumidores pagantes dos valores de consumos não pagos. Se isso se
concretizar, comecem já a não pagar, não fiquem para o fim, pois o último irá
pagar por todos !
Esta amostra revela vários aspectos interessantes:
2. • Ninguém conhece determinações governamentais a restringir a
distribuição de lucros para além de uma tributação que orça os
20%, muito menos do que os salários de escalões médios de
trabalhadores. Porém, os rendimentos do trabalho são contidos
em parâmetros próximos da taxa de inflação intencionalmente
subavaliada pelos “técnicos” às ordens do governo: a contenção
salarial é uma peça central da política económica capitalista.
• Foram emitidas pelos socratóides alterações às condições de
remuneração dos certificados de aforro, penalizadoras,
naturalmente, das pequenas poupanças. Se os certificados se
vocacionassem para a captação dos milhões do Belmiro ou do
Berardo, Sócrates teria feito as alterações que fez?
• Aumentos “excessivos” de salários são tidos como responsáveis
por perdas de competitividade das empresas e, até do
desemprego. A distribuição de volumosos dividendos que retira às
empresas fundos próprios para investimento, tornando-as mais
dependentes do capital alheio não é, igualmente criminalizada
pelos plumitivos dos media.
• Os aumentos reais dos salários têm como limite superior os ganhos
da produtividade que, na realidade, tendem a ser absorvidos na
íntegra pelo capital. Os aumentos dos dividendos não têm limites,
constituem até o elemento mais sagrado de cumprimento por
parte das empresas, desejosas de manter o apoio dos accionistas
e dos “mercados financeiros”.
• Os aumentos dos preços dos combustíveis, da farinha, do arroz
justificam uma repercussão nos bens e serviços em que são
incorporados, a qualquer momento e mais do que uma vez por
ano. Os rendimentos do trabalho, a mola real que sustenta
qualquer economia, esses têm aumentos parcos e anuais quando
os têm; e, se os detentores do factor de produção chamado
trabalho quiserem repercutir os aumentos acima referidos, logo
zurrarão, ameaçadores, vários ministros, orquestrados pelos
vanzelleres.
• Os protagonistas das trafulhices recentes que envolveram o BCP
foram despedidos e à saída levaram no bornal milhões de
indemnização, de reforma, seguros e acções. Se o crime
compensa deste modo, quem dele terá sido beneficiado para ser
tão generoso? E os chamados pequenos investidores, cândidos
crentes do capitalismo popular assistiram impávidos e serenos ao
negócio, esperando as próximas migalhas.
3. 2 – O contínuo enriquecimento dos ricos causa subdesenvolvimento
Na teologia neoliberal, o aumento dos rendimentos dos ricos, dos
capitalistas, é a peça vital que garante o investimento, uma vez que os
pobres, os trabalhadores não são jogadores de bolsa. O que está longe
de ser tão virtuoso como a propaganda afirma.
• Por maior que seja a propensão dos ricos para consumir, o volume
global dos seus gastos está longe de poder contribuir para o
crescimento económico como o conseguem os gastos de milhões
de trabalhadores. E, daí, a quase ausência de crescimento
económico.
• O investimento e, apesar das loas sobre o “empreendorismo”, a
iniciativa privada, nas sociedades de hoje, o investimento público
ou possibilitado pelos poderes estatais é determinante para o
investimento global.
• Os capitalistas não preferem a imobilização dos seus capitais sob
a forma de investimentos produtivos, mormente materiais mas,
antes sob a forma imaterial de títulos. A febre da titularização em
cadeia de créditos (securitização), torna os títulos rapidamente
transaccionáveis, objecto de jogos bolsistas geradores de lucros
rápidos e isso torna pouco atraente a actividade produtiva, com
investimentos materiais, com ciclos longos de retorno do capital,
ainda que associados claramente à satisfação das necessidades
humanas.
• É espantoso e revelador das enormes desigualdades existentes
em Portugal saber que quatro portugueses (Belmiro, Amorim,
Berardo e Horácio Roque) constam na lista dos mil mais ricos do
mundo, elaborada pela revista Forbes. É espantoso como um país
que não se destaca pelo seu domínio sobre tecnologias; pelo seu
controlo sobre mercados ou pela sua dimensão; pelo nível de
vida e consumo dos seus habitantes, está tão bem representado
naquele círculo tão selecto do poder económico. Um relance
sobre as principais actividades económicas daqueles indivíduos
revela, claramente, o subdesenvolvimento do país – imobiliário,
distribuição retalhista, serviços telefónicos, actividades financeira.
Tudo tecnologias banais em situação de oligopólio com
promíscuos favores concedidos pelo Estado e com elevados
lucros. Somente Amorim detém real importância na actividade
industrial.
3 – A crise financeira
4. Pode pensar-se que de um ponto de vista moral (se é que isso existe na
política e no confronto social entre o trabalho e o capital) não é
defensável que, numa conjuntura recessiva, volumes enormes de
capitais sejam desviados das empresas para o usufruto de uma estreita
elite de privilegiados.
Não existe ciência social neutra, mormente quando se fala de
economia. A teoria económica baseia-se sempre em pressupostos
políticos e filosóficos que revelam a estrutura do poder, em certo
espaço e determinada época. A teoria neoliberal pretende ressuscitar a
ideia da economia como ciência natural, com mecanismos tão
inelutáveis como a sucessão entre os dias e as noites; baseada numa
teologia da harmonia universal, em que uns estão destinados a sofrer e
outros a gozar ou, uns a obedecer, outros a mandar. Desvalorizando na
palavra a intervenção da política, os Estados intervêm clara e
decididamente quando se trata de penalizar a multidão, aumentar a
riqueza dos capitalistas ou assumir os estragos provocados por estes.
A nacionalização recente de um banco inglês, vítima da orgia
financeira, foi definida como temporária e irá terminar quando o erário
público sanear as finanças do banco, devolvendo-o, limpinho, às
competências privadas que provocaram os desmandos. Alguém ouviu
protestos contra esta intrusão do governo inglês? Mas, quando a Bolívia
ou a Venezuela procuram assenhorear-se das suas riquezas, subtraindo-
as às multinacionais, é ensurdecedora a gritaria do capital e dos
escribas de serviço.
Assim, a tal mão invisível, quiçá divina, mostra várias faces. Nos EUA
diante uma previsão, para 2008 de crescimento de 1,7% e uma inflação
de 4,3%, o Fed baixa as taxas directoras de juros para animar a
economia, sem receio das pressões inflaccionistas. Na Europa, o BCE,
com um crescimento previsto para o PIB de 2,2% e uma inflação de
3,2% permite o real aumento dos juros para as pessoas e as empresas
para conter a inflação! Decididamente, as diferenças não são grandes
ao ponto de justificarem medidas tão antagónicas.
As diferenças tornam arrepiante e perigosa a política do BCE. As
empresas europeias têm um endividamento de 77%, muito superior ao
das empresas americanas; ora, dívida vence juros e, se estes sobem
numa conjuntura desfavorável, as dificuldades aumentam e sobram
para os trabalhadores, elementos facilmente descartáveis ou com
custos bastante compressíveis, no âmbito da famosa flexisegurança. As
empresas americanas têm um endividamento médio muito mais baixo,
da ordem dos 41%, pelo que uma baixa das taxas de juro pode suscitar
mais endividamento, investimento e uma melhoria do crescimento
económico.
5. Mais, agravando o impacto das diferenças atrás referidas, o peso do
endividamento bancário é, na Europa de 36% contra 9% nos EUA. E,
como se sabe, o BCE não é particularmente sensível às grandes
diferenças entre os vários países do euro, aos impactos sobre os outros
que o não adoptaram e, menos ainda, sobre os cidadãos que têm
empréstimos para aquisição de habitação. O volume destes últimos, em
Portugal, em final de 2006 era superior ao dos empréstimos titulados por
empresas, o que sublinha, não só a sua dimensão, como a
vulnerabilidade dos bancos portugueses a um incumprimento maciço,
como ainda a política suicida que é o aumento dos juros em contexto
de baixos e estagnados salários, precariedade e desemprego elevados.
O que conta é a economia real, os bens e serviços que se consomem,
os rendimentos dos trabalhadores e não a financiarização da
economia, a especulação, a geração artificial de rendimentos sem
base na produção de bens e serviços, como é prática do sistema
financeiro, com titularizações e emissões de produtos derivados.
As empresas globais perante um crescimento anémico tendem a
conter-se na subida dos preços, só o fazendo manipulando o impacto
de factores externos transversais, como o aumento da energia.
As instâncias comunitárias, tão lestas em apontar as virtudes da
desregulamentação, da flexi-segurança, da precariedade, do “livre”
funcionamento do chamado mercado de trabalho, procuram utilizar
uma pretensa luta anti-inflacionista para manipular as taxas de juro,
procurando conciliar os interesses de empresas comerciais e industriais
em encontrar capitais baratos, com especuladores mais vocacionados
para os negócios cambiais e de títulos. Se, de permeio, uma enorme
quantidade de europeus se vê em dificuldades para pagar os seus
empréstimos, que importa?
Pormenor lateral mas não despiciendo é a lotaria (ou tontaria) em que
se transformou a economia global. Assim, o futuro próximo é uma
verdadeira nebulosa, nada se podendo afirmar do ponto de vista
qualitativo ou quantitativo, apesar do enorme manancial de
informação estatística disponível e dos poderosos meios técnicos para a
tratar. E nesse contexto, as previsões dos economistas, não passam de
palpites.
Recordamos duas situações divertidas protagonizadas por dois
iluminados economistas da praça. Um, Braga de Macedo, enquanto
ministro do Cavaco (outra lâmpada fundida) afirmava que Portugal era
um oásis, quando comparado com a Europa nos primeiros anos da
década de 90 verificando-se aqui, na realidade, uma recessão em
1993-95. Outro cérebro brilhante é o do Abel Mateus ex-presidente da
Autoridade da Concorrência que, a partir do seu modelo macro-
6. económico previa para meados da década de 80 um crescimento de
10% aqui para a paróquia. Teve azar, pois o “tigre lusitano” não passou
de um gatinho com fome; afinal caiu-nos em cima uma recessão.
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt
Aspectos da crise financeira e as maleitas do capitalismo
1- Alguns elementos sobre a distribuição dos rendimentos
A primavera traz, habitualmente, as andorinhas mas, também notícias sobre os
festins dos abutres.
São revelados por essa altura, os lucros das grandes empresas que, no
respeitante às cotadas na bolsa (PSI-20) se cifraram em 5339 milhões de euros
em 2007 (+3,7% que em 2006).
Esclareça-se que os lucros aquela vintena de empresas, em 2006,
representava 17,1% de tudo o que o Banco de Portugal classificou como
"rendimentos da propriedade e da empresa" no mesmo ano, rendimentos que
se mantém praticamente … constante desde 2003.
Gostaríamos de apresentar a nossa sincera lástima aos empresários,
proprietários e outros parasitas que vêm vivendo, sem um gemido, uma perda
real de rendimentos, ao contrário da malandragem dos trabalhadores sempre
a berrar por aumentos de salários… Convém aliviar a compaixão de alguns
referindo que a economia subterrânea, cerca de 15% do total em meados dos
anos 80 é agora de 23%, a despeito dos cruzamentos de dados, da postura
"agressiva" da DGCI, do cenho franzido do ministro. Acreditar nisso é o mesmo
que crer serem as prendas aos árbitros o cerne dos problemas do futebol.
Apesar do aumento modesto dos lucros revelados, os dividendos a pagar aos
accionistas crescem bem mais substancialmente. Vejamos:
7. Aumento percentual do dividendo por acção entre 2006 e 2007
Altri 100,0 BCP 29,7 Banif 41,8
BPI 33,3 BES 29,0 Brisa 3,7
Cimpor 13,2 Cofina 40,0 Corticeira Amorim 10,0
EDP * 10,0 Esp. Santo FG 90,0 Finibanco 26,7
10,0
Galp Energia 52,0 Ibersol 0,0 Mota-Engil
Portucel 50,5 Telecom 0,0 PTM 9,1
SAG 126,9 Semapa -45,2 Sonae SGPS 20,0
Teixeira
13,3 Salvador Caetano 70,0
Duarte
*A "simpática" EDP contudo reduziu os lucros em 3,6% face a 2006 e, para
não prejudicar mais os accionistas encomendou à ERSE que defenda a
distribuição, por todos os consumidores pagantes dos valores de consumos
não pagos. Se isso se concretizar, comecem já a não pagar, não fiquem
para o fim, pois o último irá pagar por todos !
Esta amostra revela vários aspectos interessantes:
• Ninguém conhece determinações governamentais a restringir a
distribuição de lucros para além de uma tributação que orça os 20%,
muito menos do que os salários de escalões médios de trabalhadores.
Porém, os rendimentos do trabalho são contidos em parâmetros
próximos da taxa de inflação intencionalmente subavaliada pelos
"técnicos" às ordens do governo: a contenção salarial é uma peça
central da política económica capitalista.
• Foram emitidas pelos socratóides alterações às condições de
remuneração dos certificados de aforro, penalizadoras, naturalmente,
das pequenas poupanças. Se os certificados se vocacionassem para a
captação dos milhões do Belmiro ou do Berardo, Sócrates teria feito as
alterações que fez?
• Aumentos "excessivos" de salários são tidos como responsáveis por
perdas de competitividade das empresas e, até do desemprego. A
distribuição de volumosos dividendos que retira às empresas fundos
próprios para investimento, tornando-as mais dependentes do capital
alheio não é, igualmente criminalizada pelos plumitivos dos media.
8. • Os aumentos reais dos salários têm como limite superior os ganhos da
produtividade que, na realidade, tendem a ser absorvidos na íntegra
pelo capital. Os aumentos dos dividendos não têm limites, constituem
até o elemento mais sagrado de cumprimento por parte das empresas,
desejosas de manter o apoio dos accionistas e dos "mercados
financeiros".
• Os aumentos dos preços dos combustíveis, da farinha, do arroz
justificam uma repercussão nos bens e serviços em que são
incorporados, a qualquer momento e mais do que uma vez por ano. Os
rendimentos do trabalho, a mola real que sustenta qualquer economia,
esses têm aumentos parcos e anuais quando os têm; e, se os detentores
do factor de produção chamado trabalho quiserem repercutir os
aumentos acima referidos, logo zurrarão, ameaçadores, vários ministros,
orquestrados pelos vanzelleres.
• Os protagonistas das trafulhices recentes que envolveram o BCP foram
despedidos e à saída levaram no bornal milhões de indemnização, de
reforma, seguros e acções. Se o crime compensa deste modo, quem
dele terá sido beneficiado para ser tão generoso? E os chamados
pequenos investidores, cândidos crentes do capitalismo popular
assistiram impávidos e serenos ao negócio, esperando as próximas
migalhas.
2 – O contínuo enriquecimento dos ricos causa subdesenvolvimento
Na teologia neoliberal, o aumento dos rendimentos dos ricos, dos capitalistas,
é a peça vital que garante o investimento, uma vez que os pobres, os
trabalhadores não são jogadores de bolsa. O que está longe de ser tão
virtuoso como a propaganda afirma.
• Por maior que seja a propensão dos ricos para consumir, o volume
global dos seus gastos está longe de poder contribuir para o
crescimento económico como o conseguem os gastos de milhões de
trabalhadores. E, daí, a quase ausência de crescimento económico.
9. • O investimento e, apesar das loas sobre o "empreendorismo", a iniciativa
privada, nas sociedades de hoje, o investimento público ou possibilitado
pelos poderes estatais é determinante para o investimento global.
• Os capitalistas não preferem a imobilização dos seus capitais sob a
forma de investimentos produtivos, mormente materiais mas, antes sob
a forma imaterial de títulos. A febre da titularização em cadeia de
créditos (securitização), torna os títulos rapidamente transaccionáveis,
objecto de jogos bolsistas geradores de lucros rápidos e isso torna
pouco atraente a actividade produtiva, com investimentos materiais,
com ciclos longos de retorno do capital, ainda que associados
claramente à satisfação das necessidades humanas.
• É espantoso e revelador das enormes desigualdades existentes em
Portugal saber que quatro portugueses (Belmiro, Amorim, Berardo e
Horácio Roque) constam na lista dos mil mais ricos do mundo,
elaborada pela revista Forbes. É espantoso como um país que não se
destaca pelo seu domínio sobre tecnologias; pelo seu controlo sobre
mercados ou pela sua dimensão; pelo nível de vida e consumo dos seus
habitantes, está tão bem representado naquele círculo tão selecto do
poder económico. Um relance sobre as principais actividades
económicas daqueles indivíduos revela, claramente, o
subdesenvolvimento do país – imobiliário, distribuição retalhista, serviços
telefónicos, actividades financeira. Tudo tecnologias banais em
situação de oligopólio com promíscuos favores concedidos pelo Estado
e com elevados lucros. Somente Amorim detém real importância na
actividade industrial.
3 – A crise financeira
Pode pensar-se que de um ponto de vista moral (se é que isso existe na
política e no confronto social entre o trabalho e o capital) não é defensável
que, numa conjuntura recessiva, volumes enormes de capitais sejam desviados
das empresas para o usufruto de uma estreita elite de privilegiados.
Não existe ciência social neutra, mormente quando se fala de economia. A
teoria económica baseia-se sempre em pressupostos políticos e filosóficos que
revelam a estrutura do poder, em certo espaço e determinada época. A
teoria neoliberal pretende ressuscitar a ideia da economia como ciência
natural, com mecanismos tão inelutáveis como a sucessão entre os dias e as
noites; baseada numa teologia da harmonia universal, em que uns estão
10. destinados a sofrer e outros a gozar ou, uns a obedecer, outros a mandar.
Desvalorizando na palavra a intervenção da política, os Estados intervêm clara
e decididamente quando se trata de penalizar a multidão, aumentar a
riqueza dos capitalistas ou assumir os estragos provocados por estes.
A nacionalização recente de um banco inglês, vítima da orgia financeira, foi
definida como temporária e irá terminar quando o erário público sanear as
finanças do banco, devolvendo-o, limpinho, às competências privadas que
provocaram os desmandos. Alguém ouviu protestos contra esta intrusão do
governo inglês? Mas, quando a Bolívia ou a Venezuela procuram assenhorear-
se das suas riquezas, subtraindo-as às multinacionais, é ensurdecedora a
gritaria do capital e dos escribas de serviço.
Assim, a tal mão invisível, quiçá divina, mostra várias faces. Nos EUA diante
uma previsão, para 2008 de crescimento de 1,7% e uma inflação de 4,3%, o
Fed baixa as taxas directoras de juros para animar a economia, sem receio
das pressões inflaccionistas. Na Europa, o BCE, com um crescimento previsto
para o PIB de 2,2% e uma inflação de 3,2% permite o real aumento dos juros
para as pessoas e as empresas para conter a inflação! Decididamente, as
diferenças não são grandes ao ponto de justificarem medidas tão
antagónicas.
As diferenças tornam arrepiante e perigosa a política do BCE. As empresas
europeias têm um endividamento de 77%, muito superior ao das empresas
americanas; ora, dívida vence juros e, se estes sobem numa conjuntura
desfavorável, as dificuldades aumentam e sobram para os trabalhadores,
elementos facilmente descartáveis ou com custos bastante compressíveis, no
âmbito da famosa flexisegurança. As empresas americanas têm um
endividamento médio muito mais baixo, da ordem dos 41%, pelo que uma
baixa das taxas de juro pode suscitar mais endividamento, investimento e uma
melhoria do crescimento económico.
Mais, agravando o impacto das diferenças atrás referidas, o peso do
endividamento bancário é, na Europa de 36% contra 9% nos EUA. E, como se
sabe, o BCE não é particularmente sensível às grandes diferenças entre os
vários países do euro, aos impactos sobre os outros que o não adoptaram e,
menos ainda, sobre os cidadãos que têm empréstimos para aquisição de
habitação. O volume destes últimos, em Portugal, em final de 2006 era superior
ao dos empréstimos titulados por empresas, o que sublinha, não só a sua
dimensão, como a vulnerabilidade dos bancos portugueses a um
incumprimento maciço, como ainda a política suicida que é o aumento dos
juros em contexto de baixos e estagnados salários, precariedade e
desemprego elevados.
11. O que conta é a economia real, os bens e serviços que se consomem, os
rendimentos dos trabalhadores e não a financiarização da economia, a
especulação, a geração artificial de rendimentos sem base na produção de
bens e serviços, como é prática do sistema financeiro, com titularizações e
emissões de produtos derivados.
As empresas globais perante um crescimento anémico tendem a conter-se na
subida dos preços, só o fazendo manipulando o impacto de factores externos
transversais, como o aumento da energia.
As instâncias comunitárias, tão lestas em apontar as virtudes da
desregulamentação, da flexi-segurança, da precariedade, do "livre"
funcionamento do chamado mercado de trabalho, procuram utilizar uma
pretensa luta anti-inflacionista para manipular as taxas de juro, procurando
conciliar os interesses de empresas comerciais e industriais em encontrar
capitais baratos, com especuladores mais vocacionados para os negócios
cambiais e de títulos. Se, de permeio, uma enorme quantidade de europeus se
vê em dificuldades para pagar os seus empréstimos, que importa?
Pormenor lateral mas não despiciendo é a lotaria (ou tontaria) em que se
transformou a economia global. Assim, o futuro próximo é uma verdadeira
nebulosa, nada se podendo afirmar do ponto de vista qualitativo ou
quantitativo, apesar do enorme manancial de informação estatística
disponível e dos poderosos meios técnicos para a tratar. E nesse contexto, as
previsões dos economistas, não passam de palpites.
Recordamos duas situações divertidas protagonizadas por dois iluminados
economistas da praça. Um, Braga de Macedo, enquanto ministro do Cavaco
(outra lâmpada fundida) afirmava que Portugal era um oásis, quando
comparado com a Europa nos primeiros anos da década de 90 verificando-se
aqui, na realidade, uma recessão em 1993-95. Outro cérebro brilhante é o do
Abel Mateus ex-presidente da Autoridade da Concorrência que, a partir do
seu modelo macro-económico previa para meados da década de 80 um
crescimento de 10% aqui para a paróquia. Teve azar, pois o "tigre lusitano" não
passou de um gatinho com fome; afinal caiu-nos em cima uma recessão.
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt