O documento descreve como as eleições e a política portuguesa atual não representam verdadeiramente a democracia. Apesar de eleições periódicas, os partidos no poder usurpam a representação daqueles que não votam e não há legitimidade para seus atos uma vez que não cumprem promessas feitas. A multidão está desiludida com o sistema e desobediência pode estar se aproximando.
1. Terminou há pouco um longo periodo de folclore eleitoral. Acabado o tempo das promessas e
dos sorrisos iniciou-se a fase do cenho franzido e do roubo despudorado.
Para a multidão assaltada pelos gangs no poder que se apresentam sob várias formas - governo,
elencos camarários, empresários e capital em geral - exige-se submissão, resignação, sacrifício e
confiança nas … instituições democráticas.
Democracia ? Em Portugal ?
Para quem entenda que democracia é mais do que eleições periódicas, partidos políticos e poder
dizer mal do governo sem risco de prisão, há um logro democrático que pode ser observado sob
diversos ângulos.
1 - As eleições
A importância das eleições dos deputados para a AR deriva de dois factores: um é, de facto, a de
conduzir à legitimação do gang governamental ao qual irá caber a criação de condições para
facilitar a acumulação capitalista e manter serena a multidão (com televisão mas também com
bastonada, se necessário); o outro é o de encenar uma representação da multidão nas instituições
políticas. Vejamos a questão da representação.
Os 230 lugares na AR visam a representação do eleitorado todo. Eles são o número de
representantes dos cidadãos eleitores (8,934 milhões em 2005), o que corresponde a um por cada
38842 cidadãos. Não interessa, no contexto, aqui vertido se são muitos ou poucos; interessa
apenas que a 5,750 milhões de votantes em partidos corresponde, de facto, à eleição de 148
deputados cabendo aos não votantes os lugares de 82 deputados que não entenderam por bem
eleger.
Como os lugares na AR foram todos preenchidos, existe uma usurpação pelos gangs partidários
dominantes dos lugares afectos à população não votante, aqueles (e são muitos) que
manifestaram desconfiança ou repúdio perante o cardápio de partidos concorrentes.
A abstenção é um indicador fortíssimo da saúde e vitalidade de uma democracia; é um sintoma
de repúdio do mandarinato e das falsas escolhas que se apresentam em democracia de mercado.
Se o mandarinato estivesse preocupado com a democracia aceitaria esses lugares vagos como
medida da sua real legitimidade global e seria obrigado a gerar iniciativas que fomentassem a
participação da multidão nos actos eleitorais; a promover acções que conduzissem a multidão a
um maior empenho na acção política; a um maior respeito pela satisfação das necessidades
globais e maior cuidado nas promessas que saem das gargantas dos mandarins com tanta
ligeireza como de impunidade, nos casos, escandalosamente comuns, de incumprimento.
Não procedem dessa maneira porque eles são os beneficiados com o divórcio entre a política e a
multidão. Quanto mais alheada e mansa andar a multidão mais folga o mandarinato e mais
impunemente funciona o sistema cleptocrático; e por isso eles apresentam aqueles discursos
2. redondos e vazios, de palavras codificadas que se dirigem mais aos seus adversários e menos ao
eleitorado.
Portanto, eles ocupam todos os lugares (com as mordomias e os fundos públicos inerentes),
como se os abstencionistas e aqueles que votaram nulo ou em branco os tivessem, também,
legitimado. Assim, quem se abstém constitui um enorme grupo de despojados de valor político
democrático como se a sua opção tivesse menos legitimidade que a dos votantes.
Nos sistemas mais maduros no sentido do totalitarismo, essa usurpação pode mesmo acentuar-se
nos casos em que se exige uma percentagem (5% na Alemanha) para um partido estar presente
no parlamento, gerando-se assim um outro vector de despojados de representação, constituido
pelos votantes em formações que, por serem minoritárias são colocadas à margem.
Em Portugal, isso vem sendo falado no seio dos gangs dominantes (as duas Torres Gémeas, PS e
PPD) e constitui uma forma de afunilar ainda mais o debate político nos media num estreito
leque de pequenas diferenças formais (é o bipolarismo, o rotativismo…). Caminha-se para uma
putrefacção corrupta idêntica à vigente na monarquia constitucional, cujas características foram
retratadas por Eça de Queirós e outros vultos contemporâneos e que ocultou ou disfarçou os
problemas que se vieram a conduzir ao regicídio e à instauração da república.
Outros sistemas eleitorais torneiam essa questão do divórcio entre a multidão e os gangs
partidários instituindo o voto obrigatório (Brasil, Bélgica, por exemplo) sem contar com aquele
tipo grosseiro de fraude eleitoral que dá votações de 99%, típicas das ditaduras tradicionais e não
concebíveis nas democracias (ou ditaduras) de mercado.
Há muito também que as Torres Gémeas vêm discutindo as vantagens de elencos camarários
monocolores, para “agilizar a gestão”, isto é, facilitar a corrupção, assim tornada restrita a
membros de uma só máfia partidária, sem concorrência ou o incómodo de vereadores da
oposição.
2 – Os arranjos “democráticos” post-eleitorais
Terminada a contagem dos votos até o simulacro de democracia desaparece para tudo se cingir
aos jogos de poder dentro do gang dominante o que se pode tornar ainda mais complexo se
houver necessidade de coligação entre vários gangs. Isso processa-se a vários níveis.
Primeiro, porque a hierarquia nas listas eleitorais é completamente subvertida uma vez que quem
preenche de facto os lugares de deputado são figuras extraidas dos lugares secundários dessas
listas uma vez que os elementos mais mediáticos, colocados nos lugares cimeiros apenas aí
figuram como isco para iludir eleitores menos atentos.
Depois, porque os chefes de gang obrigam os futuros deputados, antes da tomada de posse, a
assinar uma carta de renúncia ao mandato, sem data, que fica na posse da direcção do gang.
Resta assim garantida a “independência” do deputado… a sua intransigente defesa dos interesses
do povo… Os deputados saberão que só falam quando autorizados pelos seus chefes, sobre os
assuntos põe eles determinados e nos termos pelos mesmos definidos.
3. Finalmente, ao nível da constituição do governo muitas atribuições são dadas a não eleitos (ao
contrário, por exemplo da Grã-Bretanha), demasiadas vezes figuras obscuras, simples
incompetentes, traficantes de influências saídos de empresas de advogados ou indicados pelo
poder financeiro e ainda pelos cooptados aos níveis secundários do gang governamental.
E ninguém poderá, seriamente, argumentar que o governo está legitimado pelas eleições
porquanto entre as promessas eleitorais e a política real levada a cabo pela máfia governamental
vai uma grande distância. Quem votou neles decerto se sente vigarizado e para o demonstrar aí
está o resultado do PS através do seu candidato Mário Soares e da votação obtida pelo Alegre.
Recorde-se que o mandarinato para justificar as diferenças entre o prometido e a prescrição a
aplicar à multidão, encenou aquela paródia da consulta ao sumo-sacerdote Constâncio sobre o
estado da economia. Se só depois das eleições de inteiraram do estado da economia é porque são
ignorantes e levianos; logo, não servem.
3 – Legitimidade ?
Neste contexto de sobrerepresentação dos partidos presentes na AR, um deles, o PS com o robot
Sócrates à frente afirma-se com maioria absoluta com base em 28,8% do eleitorado ! Assente na
ausência de qualquer escrutínio durante 4 anos, a mafia socratóide age, como possuidora de um
poder absoluto, em verdadeira ditadura: e, nesse âmbito sente-se legitimada para reduzir o poder
de compra da esmagadora maioria da população de trabalhadores, no activo ou no desemprego e
ex-trabalhadores, mantendo ou melhorando os rendimentos do sector financeiro e dos
promotores de OPAs, exagerando grosseiramente, os resultados do combate à fraude e evasão
fiscal ou contributiva, como se os problemas se resolvessem com um maior rigor junto dos
trabalhadores com subsídio de desemprego ou por doença.
Por outro lado, os resultados valem o que valem, dependem dos contextos e do modo como os
media apresentam as candidaturas. Sete meses antes do 25 de Abril, Caetano ganhou as eleições
e bem se viu então o apoio que realmente detinha. Nos países do Leste europeu, no periodo
1989/91 assistiu-se a todas as reviravoltas políticas, reconversão de mandarins, etc: contudo,
meses antes, os governos ditos comunistas tinham vencido eleições de modo esmagador.
Pretendem, em suma, convencer a multidão que a simples existência de eleições garante a
expressão democrática dos anseios da multidão, o que não é verdade, mais ainda quando o gang
no governo subverte totalmente o que havia proclamado antes do escrutínio. Visa-se, pois, criar
uma ilusão de legitimidade que tende a inibir as vozes discordantes e críticas e garantir a
sonolenta aquiescência dos restantes. Por outro lado, a multidão afastada da acção política,
induzida a aceitar como natural que alguns se especializem nessa área, como em qualquer outra,
tende a votar com um elevado sentimento de resignação ou leviandade.
Perante esta falta de legitimidade e de democracia não tem a multidão qualquer dever de
aceitação das instituições nem daqueles que as dominam. Ainda recentemente um estudo
divulgado na imprensa referia o desencanto dos portugueses face ao país, extraindo ainda os
técnicos, das respostas, a ideia de que se poderá estar no limiar de motins e sublevações
4. populares. Está aberta a larga estrada da desobediência, da contestação, da não colaboração com
o poder dos gangsters.
Voltaremos a este tema.
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