1. Horizonte O poema “Horizonte” encontra-se na segunda parte de Mensagem, que tem o título de “Mar Português”. Pretende Fernando Pessoa, nesta segunda parte, falar da história dos Descobrimentos, de como a nobreza que ele descreveu na primeira parte (“Brasão”) agiu agora e como os seus actos tiveram importância, mas não esgotaram essa mesma nobreza. Neste poema, Pessoa descreve o encantamento dos navegadores, ao aproximarem-se de costas desconhecidas . O descobrimento como revelação, segue o tema geral de Mensagem. “Ò mar anterior a nós” (os descobridores), “teus medos tinham coral (…)” mas “desvendadas a noite (…) as tempestades passadas e o mistério” (o desconhecido) “abria em flor o Longe” (o conhecimento) e o “Sul-sidério resplendia sobre as naus da iniciação”. O que Pessoa nos diz é que o mar anterior, o mar a que se referiam aqueles que o temiam por desconhecimento e medo, foi desvendado, tiraram-lhe a noite (o escuro representa o medo e o desconhecido) e passando pelas dificuldades do caminho, revelou-se enfim o seu mistério. Na segunda estrofe, há uma insistência no mesmo tema. “Linha severa da longínqua costa (…) ergue-se a encosta (…) onde era só, de longe abstracta linha”. O abstracto torna-se concreto, com a revelação do mistério. Na terceira estrofe Pessoa, aproveitando o balanço do raciocínio anterior, faz a conclusão: “formas invisíveis da distância imprecisa” (a linha distante da costa), “buscar na linha fria do horizonte a árvore, a praia (…) os beijos merecidos da Verdade”. O Canto IX dos Lusíadas, conta do regresso dos Portugueses da Índia, onde pelo caminho encontram a «Ilha dos Amores». A Ilha aparece como uma recompensa, mas também como símbolo do povo Português. A comparação possível entre este Canto IX e o poema “Horizonte” é a oposição quase total entre o que Camões considera a “Recompensa” e Pessoa considera a “Verdade”. Camões idealiza uma recompensa para os sentidos, um festim material, enquanto Pessoa quer a verdade do conhecimento oculto. O Mostrengo O Monstrengo, um poema originalmente escrito em 1918 (Pessoa tem então 30 anos) é menos sombrio e hermético que outros que viriam a constituir a Mensagem,
O poema
O Mostrengo
enquadra-se na segunda parte de Mensagem: O Mar Português.Na segunda parte de Mensagem, Fernando Pessoa expressa a nobreza dos actos, que acompanhou a nobreza da intenção, revelada na primeira parte. O Monstrengo, embora reduzido em simbolismo – parece-me apenas uma aproximação a um tema de Camões, e uma aproximação lírica não-simbólica ao tema da acção dos homens – tem, ainda assim, algo de simbólico na presença do número três. Três foram os heterónimos principais (ou heterónimos únicos, desenvolvidos, pois Bernardo Soares é um pseudónimo e só Alexander Search teria eventualmente dimensão de heterónimo mas nunca foi desenvolvido enquanto tal pelo poeta), três são as estrofes de “O Monstrengo” e três um número que paira sobre o poema, como uma sombra de misticismo, como que dizendo que mesmo nas puras acções de coragem há a presença do divino ou pelo menos do conhecimento oculto. Isto significa que mesmo na mais simples das acções há desígnio e destino, que nunca pode ser negado, quer no homem, quer na natureza. O pobre homem do leme ou o Monstrengo são armas sensíveis de um poder maior do que eles mesmos, ou até do que o destino de ambos”. O que o Gigante Adamastor é para Os Lusíadas é para a Mensagem “O mostrengo”. Ambos, cardeais, axiais; ambos de tal importância, que foram colocados, pelos seus autores, exactamente, pensadamente, mesmo materialmente, no meio do grande poema. No caso da Mensagem, o rigor e a exactidão são matemáticos: 21 poemas antes, 21 poemas depois de “O mostrengo”. Estes episódios, estão no meio pois isto é a meio da viagem e é o ponto mais alto e difícil para o povo português.