Em 2017, uma série de convênios entre unidades administrativas do Governo do Estado de Mato Grosso e uma associação sem fins lucrativos, a Associação Casa de Guimarães, apontava uma série de indícios de irregularidades, cuja confirmação dependeria de acesso a processos e documentos indisponibilizados pelos setores. Dadas tais dificuldades, a melhor opção era encaminhar os indícios à autoridade de controle externo apta à fazer as apurações necessárias e, em caso de confirmação, acionar o poder judiciário para a defesa do patrimônio público contra aqueles, no governo ou na referida associação, atentassem contra ele.
In 2017, a series of agreements between administrative units of the Government of the State of Mato Grosso and a non-profit association, the Casa de Guimarães Association, pointed out a series of indications of irregularities, the confirmation of which would depend on access to processes and documents unavailable by the sectors . Given these difficulties, the best option was to forward the evidence to the external control authority able to make the necessary investigations and, in case of confirmation, activate the judiciary to defend public property against those, in the government or in that association, against him.
1. À
Procuradoria de Justiça Especializada na Defesa da Probidade Administrativa e do Patrimônio
Público
Prezados Senhores,
Edmar Roberto Prandini, RG 2574769-0, CPF 131.723.438-39, divorciado, servidor público
estadual, residente na Av. Mário Augusto Vieira, 269 – Condomínio Morada do Parque, Apto 904 F,
no bairro Morada do Ouro, cep. 78053-734, em Cuiabá,
Vem, por meio deste, requerer, a seu juízo, a adoção das medidas cabíveis para averiguação de
possíveis irregularidades administrativas e criminais envolvendo cidadãos e agentes públicos, após
o exame dos documentos que anexo quanto:
a) à desobediência da Lei Federal 12527/2011, na concessão de informações públicas
oficialmente requeridas, no que concerne aos prazos estabelecidos;
b) à análise dos relacionamentos firmados entre Secretarias de Estado e a Associação Casa
de Guimarães.
DOS FATOS
No dia 07 de março pp., em leitura habitual que realizo das publicações de sinopses do Diário
Oficial, através da página eletrônica do IOMAT (www.iomat.mt.gov.br), deparei-me com um
“TERMO EX OFICIO DE PRORROGAÇÃO DE VIGÊNCIA AO CONVÊNIO 1329/2016
SEDEC”, cujo objeto era prorrogar em mais quarenta e seis dias o referido convênio, cujo produto
deveria ser um material promocional do destino turístico Nobres, em que a Concedente é a SEDEC
– Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e a Convenente a Associação Casa de
Guimarães.
Na medida em que existe disponível muita informação sobre Nobres, como destino turístico, o
referido instrumento de cooperação pareceu-me possivelmente desnecessário, o que despertou-me a
curiosidade em saber mais acerca da Associação cooperante com a administração pública na
proposição acolhida pela autoridade pública.
O exame da existência da referida Associação ante a Receita Federal confirmou a existência do
CNPJ 08.783.898/0001-23 em status de atividade, enquanto foi possível identificar o cadastro da
mesma organização no registro do sistema Fiplan com o código de credor de número 2009-06699-1.
Uma consulta ao Fiplan sobre os empenhos da Secretaria de Cultura, de Turismo e de
Desenvolvimento Econômico identificou 36 (trinta e seis) procedimentos entre estas Secretarias e a
referida Associação desde 2009, que teriam resultado na efetivação de pagamentos totais de R$
10.913.183,64 (Dez milhões, novecentos e treze mil e cento e oitenta e três reais e sessenta e
quatro centavos) neste período.
2. Na medida em que a Associação é uma organização sem fins lucrativos ou, na expressão do atual
Código Civil, sem fins econômicos, ante a frequência com que a organização consegue acordos com
os entes da administração estadual e a vultosidade dos valores envolvidos, constatei a existência de
uma situação digna de uma atenção especial tanto no que concerne à justa motivação dos acordos
firmados com a entidade quanto no que diz respeito ao efetivo fornecimento dos serviços acordados
ou à justeza dos valores com quais a administração pública estadual concordou em conceder.
Na condição de servidor público estadual, talvez fosse possível requerer administrativamente acesso
aos documentos necessários para firmar compreensão, mas minha experiência pessoal no Governo
do Estado de Mato Grosso já produziu-me forte ceticismo quanto à tramitação de informações e ao
acesso à documentação no seu interior, ainda muito fortemente truncada por uma cultura
organizacional avessa à transparência e fortemente marcada pelas “reservas de mercado” para o
direito à informação.
Como agravante, realizei consulta ao portal do Tribunal de Contas do Estado, em que evidenciou-
se, de um lado, que a mesma Associação manteve também acordos com a SECOPA, de valor
superior a R$ 13 milhões, e de outro, que diversos processos apurados pelo TCE apontaram
problemas insanáveis de prestação de contas em procedimentos firmados com o Governo estadual,
resultantes, por exemplo, na imposição de penalizações, inclusive à ex-Secretária Estadual de
Turismo, sra. Tetê Bezerra. Na pesquisa realizada pela página eletrônica do TCE, obtivemos
informações de três processos, de números 85581/2012, 29165/2014 e 114928/2014.
Ante este cenário, identificando a pertinência da interrogação que se me apresentava, optei pelo uso
da autoridade conferida pela Lei Federal de Acesso à Informação, 12.527/2011, apresentando
Requerimento ao Governador de Estado, no dia 07 de março de 2017, protocolado sob o número
112287/2017, em que requisitava:
“… Cópias de Inteiro Teor dos processos em que registram-se os Convênios,
Termos de Cooperação, Termos de Fomento e os respectivos procedimentos
administrativos e contábeis, até os pagamentos realizados registrados no Sistema
Fiplan ou em documentos bancários em favor da Associação Casa de Guimarães...”
Observe-se que, nos precisos termos do inciso II do Artigo 4o
. da Lei Federal citada, é direito do
cidadão obter:
“II – informação contida em registros ou documentos, produzidos ou
acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos;”
A mesma lei assegura o direito de acesso aos documentos e informações utilizadas para
fundamentar a tomada de decisão e a produção do consequente ato administrativo (Art. 4o
., Par. 3o
.).
Por fim, a lei desobriga o ente público de fornecer respostas a pedidos de informação que “exijam
trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações, ou serviço
de produção ou tratamento de dados que não seja de competência do órgão ou entidade” (Art. 16,
IV).
Considerando este fato, o requerimento que elaborei não pedia nenhuma outra manifestação além da
produção das cópias dos processos envolvendo aquela Associação. E, para evitar qualquer negativa
motivada pela produção de custos para geração das cópias, já anexei um comprovante de depósito
financeiro na forma de doação ao Fundo Estadual de Amparo ao Trabalhador, de R$ 150,00,
suficiente para a produção de aproximadamente mil cópias, se necessário fosse.
3. Nos termos da lei, o prazo para resposta a este requerimento era de vinte (20) dias ininterruptos,
com tolerância de mais dez (10) dias se necessário, sob justificativa.
No período referido, o servidor Paulo Sérgio Ferreira, Gestor Governamental, veio pessoalmente até
mim, dizendo ter sido incumbido pela SEDEC – Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Econômico para providenciar que os documentos me fossem apresentados. Além disso, veio
consultar-me sobre a possibilidade de que o exame dos documentos que requeri impusessem a
geração de uma quantidade maior de cópias e a necessidade de que eu fosse convocado a efetuar um
dispêndio mais alto para custeá-las, ao que eu respondi afirmativamente, se houvesse comprovada
necessidade, bastando para tanto que me apresentação o Documento de Arrecadação para o depósito
do valor em favor do Governo Estadual.
Desde o dia 29 de março, então, procurei manter diálogo por e-mail com Paulo Sérgio Ferreira,
conforme anexo, no sentido de assegurar que me fossem entregues os documentos que nos termos
impostos pela Lei correspondem ao meu direito. No mesmo sentido, procurei comunicar-me na
Secretaria de Cultura, com a servidora Andréia Caroline Domingos, expressando o interesse efetivo
no acesso aos documentos dos convênios e congêneres firmados.
Ante a ausência de respostas ao meu requerimento inicial, protocolei nova requisição, alertando
para a ultrapassagem do prazo legal de resposta, no dia 07 de abril de 2017, conforme documento
protocolado com o número 178206/2017, que também segue sem manifestação das autoridades
obrigadas.
Pelo fato de que o TCE também efetivou averiguações sobre a referida Associação e impôs sanções
a agentes públicos envolvidos, apresentei à Presidência do Tribunal de Contas requerimento
semelhante àquele apresentado ao Governador de Estado, no dia 07 de abril pp. protocolado sob o
número 127213/2017, para melhor compreensão do teor das negociações e acordos firmados entre a
Administração Pública Estadual e aquela organização. Também, sobre os procedimentos de registro
da Associação, apresentei requerimento à Junta Comercial.
Na medida em que, apesar da Lei assegurar-me o direito de acesso aos documentos solicitados; de
que minha interrogação é pertinente; e de que apesar dos contatos regulares realizados com o
objetivo de ressaltar meu interesse no acesso às informações, não houve obediência à lei pelas
autoridades do governo estadual quanto ao prazo de resposta, reporto-me ao Ministério Público,
para investigar, se entender que seja necessário, o que há que motiva a ocultação do acesso a
documentos públicos em flagrante descumprimento da Lei.
INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES
1. A grande frequência de contratações, em diferentes modalidades jurídicas, entre entes do
Governo estadual com a mesma associação sem fins lucrativos. Tendo participado da constituição e
da direção de diversas organizações dessa natureza, parece discrepante que uma entidade com esse
perfil disponha de condições operacionais para a viabilização de tantos acordos firmados, tanto do
ponto de vista de sua administração quanto da sua efetivação, em termos de produção dos resultados
acordados. Tal discrepância gera a suspeição de que sob a proteção do formato jurídico de
associação sem fins econômicos, na linguagem do Código Civil, opere uma empresa, que deste
modo se beneficiaria da hipótese de contratação sem submissão aos ritos licitatórios, por
inexigibilidade, ou da hipótese de acordos de mútua colaboração, como convênios, contratos de
gestão, termos de parceria, de colaboração ou de fomento;
4. 2. O fato evidenciado nos extratos do sistema FIPLAN, cujos dados reuni em uma Planilha, de que
os pagamentos firmados pelo Governo do Estado na quase totalidade dos contratos tem exata
correspondência com os valores dos acordos firmados, sem nenhuma diferença, ou a ausência de
informação de possíveis devolução de saldos ou imposição de instrumentos aditivos, o que gera a
suspeição de que a referida Associação, ao gerir valores transferidos pelo Governo do Estado, tenha
efetivado despesas sem licitar suas aquisições e contratações, como se, por causa da transferência, o
recurso deixasse de ser público e de que, nestas condições, não persistisse a vigência da Lei 8666/93
para sua aplicação. Observe-se que, no caso da Lei federal aplicável às OSCIPs, admite-se a adoção
pela OSCIP, assim qualificada pelo Ministério da Justiça, de um procedimento licitatório próprio,
mas vigente antes da operacionalização das despesas, nos repasses firmados sob instrumentos
jurídicos denominados de “Termos de Parceria”, o que não se aplica aos vínculos firmados entre as
Secretarias de Estados e a referida associação sob questão. Na hipótese da realização das licitações,
seria plausível considerar que resultassem variações para menor ou para maior nos valores obtidos
em aquisições dos convênios firmados, como a experiência demonstrou acontecer com frequência,
porquanto o fato de transferir a responsabilidade da execução de um determinado objeto não altera
o fato de que os serviços e os produtos seguem submetidos às lógicas de preço, sempre oscilantes
no mercado, por fatores inflacionários, concorrenciais, etc. Num número tão elevado de
contratações, deveriam haver saldos a devolver em alguns convênios ou pedidos de aditivos de
valores, para atender oscilações imprevistas de preços.
Tais indícios, em si implicantes em desobediências legais, dão espaço para a presença de outras
suspeitas, dentre quais as mais graves parecem ser:
a) possível existência de recorrência de contratações com respectivas formalizações de
convênios para geração de novos pagamentos para produtos anteriormente entregues;
b) a hipótese de repasses de saldos financeiros da Associação para agentes públicos, em
espécie ou mediante outras formas de benefícios indiretos, usando os fundos públicos para
beneficiamento dos agentes públicos, mediante interveniência de terceiros, também
beneficiados.
LISTAGEM DOS DOCUMENTOS EM ANEXO
1. Cópia do Requerimento inicial ao Governador Pedro José Taques, em 07 de março pp., sob
protocolo 112287/2017;
2. Cópia do Requerimento ao Governador Pedro Taques, de 07 de abril, sob protocolo 178206/2017,
acerca da ultrapassagem do prazo de resposta do requerimento inicial;
3. Termo Ex Ofício de Prorrogação de Vigência ao Convênio 1329/2016 SEDEC
4. Planilha dos “Procedimentos Casa de Guimarães – Secretaria de Cultura, SEDTUR e SEDEC;
5. Extratos de Empenho – Relatório FIP 005 do Sistema Fiplan, apontando os pagamentos
superiores a R$ 10,9 milhões para a organização.
6. Cópias dos diálogos mantidos com os servidores Paulo Sérgio Ferreira (sobre os documentos da
SEDEC), Andreia Caroline Domingos, Edevaneth Ferreira da Cruz, Danielle Almeida dos Santos,
Iris Gomes e Julianne de Quadros Moura (sobre a Secretaria da Cultura);
5. 7. Cópia informada pela Coordenadoria de Convênios da Secretaria de Estado de Cultura da
listagem dos processos firmados entre aquela Secretaria e a Associação Casa de Guimarães;
8. Cópia do Requerimento à Presidência do Tribunal de Contas do Estado, datado de 07 de abril pp.
e do protocolo n. 127213/2017;
9. Cópia do Requerimento à Presidência da Junta Comercial de 12 de abril pp., protocolado sob o
número 028960/2017.
CONCLUSÃO
A presente apresentação objetiva motivar o Ministério Público Estadual a examinar os documentos
apresentados, obter informações às quais não me foram concedidas condições de acesso, efetivar
investigações e diligências, se necessário, para apuração das hipóteses e suspeitas trazidas pelos
documentos e informações disponíveis.
Caso seja necessário, coloco-me à disposição para esclarecimentos, se de alguma forma se
considerar útil minha contribuição.
Atenciosamente,
Cuiabá, 25 de abril de 2017
Edmar Roberto Prandini