1) O documento discute a organização dos tempos e espaços escolares no Brasil nos séculos XIX e início do XX, período em que houve intensos debates sobre o assunto.
2) Na época, as escolas funcionavam em locais improvisados e precários, sem regulamentação sobre estrutura física.
3) Novos métodos de ensino surgidos no período passaram a definir tempos e espaços escolares de forma mais racionalizada, visando maior eficiência e expansão educacional, em linha com o ideário de modernidade da
aula de bioquímica bioquímica dos carboidratos.ppt
Organização dos tempos e espaços escolares
1. 1
Organização dos tempos e espaços escolares: dimensões do trabalho
pedagógico no Brasil no século XIX e início do século XX
Resumo
A organização dos tempos e dos espaços escolares fez-se presente nos debates sobre a
instrução no Brasil, de forma mais intensa, no século XIX e no início do século XX. Tal
processo de organização esteve diretamente relacionado com os métodos de ensino que
se propunham a oferecer melhores resultados e ampliar a oferta de ensino através da
racionalização do uso do tempo e do espaço escolar. Por sua vez, os novos métodos são
propostos na época em que o ideário de modernidade, de civilização e de consolidação
de um Estado nacional se fez mais presente. Diante dessas tantas mudanças, é
necessário refletir sobre aspectos pedagógicos que tangenciam toda essa reestruturação
da instrução, que culminará, no início do século XX com a implantação das escolas
graduadas, corporificadas no projeto dos grupos escolares. Este artigo apresenta uma
revisão bibliográfica relacionada a esta temática. A partir da pesquisa pode-se
identificar a relação entre a organização dos tempos e espaços escolares e os impactos
para o trabalho pedagógica, refletindo numa constante demanda formativa para os
professores.
Palavras-chave: Educação brasileira; espaços escolares; métodos de ensino;
organização do trabalho pedagógico; tempos escolares.
Abstract
The organization of school time and space presented itself in debates about education in
Brazil, more intense in the XIX and beginning of the XX century. This process of
organization was directly related to teaching methods that they proposed to offer better
results and expand the provision of education through the rational use of school time
and space. In turn, the new methods are proposed at the time the ideas of modernity,
civilization and consolidation of a national state has become more present. Given these
many changes, it is necessary to reflect on pedagogical aspects that graze this whole
restructuring of education, which will culminate in beginning of the XX century with
the establishment of graduate schools, embodied in the design of school groups. This
article presents a literature review related to this subject. From the research we can
identify the relationship between the organization of school time and space and impacts
on the pedagogical work, reflecting a constant demand for training teachers.
Keywords: Brazilian education; Organization of educational work; School spaces;
School times; Teaching methods.
I Encontro Luso-Brasileiro sobre Trabalho Docente VI Encontro Brasileiro da Rede Estrado
Período: 02 a 05/11/11
http://www.lusobrastd.com/trabalhosoriginais/Organiza%E7%E3o_dos_tempos_e_es
pa%E7os_escolares__dimens%F5es_do_trab
alho_pedag%F3gico_no_Brasil_no_s%E9culo_XIX_e_in%EDcio_do_s%E9culo_XX.doc
2. 2
Introdução
Históricos eles também, o espaço e o tempo
escolares foram sendo produzidos
diferenciadamente ao longo da nossa história
da educação e se constituíram em dois
grandes desafios enfrentados para se criar,
no Brasil, um sistema de ensino primário ou
elementar que viesse atender, minimamente
que fosse, às necessidades impostas pelo
desenvolvimento social e/ou às
i
reivindicações da população .
Partindo dos referenciais contemporâneos, se formos convidados a pensar numa
escola e descrevê-la, de certo, a representação da maioria das pessoas será bastante
diferenciada das diversas representações que existiram ao longo da História da
Educação Brasileira.
Faria Filho apresenta um ponto de vista que delineia qual noção de escola era
comum à época.
Herdamos do período colonial um número muito reduzido de escolas
régias ou de cadeiras públicas de primeiras letras. Eram escolas cujos
professores eram reconhecidos ou nomeados pelos órgãos de governos
responsáveis pela instrução e funcionavam em espaços improvisados,
geralmente, na casa dos professores, os quais algumas vezes, recebiam
uma pequena ajuda para o pagamento do aluguel. (FARIA FILHO,
2000, p. 144)
Naquela época, havia a previsão de implantação de escolas, no entanto, não
existia uma regulamentação específica acerca da estrutura física necessária para a oferta
do ensino. À despeito da inexistência da regulamentação para o funcionamentoii das
instituições escolares, Vidal e Faria Filho destacam que este era um anseio da
sociedade, desde o Brasil setecentista, não se restringindo apenas a questão espacial,
mas também temporal.
Reclamada desde o século XVIII (Cardoso, 1998), a construção de
espaços adequados para o ensino, bem como a definição de tempos de
aprendizagem, estava relacionada não apenas à possibilidade de a
escola vir a cumprir as funções sociais que lhe foram crescentemente
delegadas mas, também, à produção da singularidade da instituição
3. 3
escolar e da cultura que lhe é própria. (FARIA FILHO e VIDAL,
2000, p. 20)
No entanto, frente a mobilizações em prol da institucionalização dos espaços de
aprendizagem, a realidade comum à época é descrita tanto por Vasconcelos (2005)
quanto por Faria Filho (2000), a qual atendia a prerrogativas legais relativas à
implantação de escolas, mas estavam aquém do que a sociedade e os ideais políticos
demandavam.
Vasconcelos afirma que
O século XIX no Brasil caracteriza-se, com relação à educação, como
o momento histórico em que se firma, pelas necessidades impostas ao
sistema de vida constituído na época, a educação doméstica. E
particularmente os seus agentes: os mestres das Casas que se
ocupavam da prática de educar no espaço doméstico meninas e
meninos das camadas abastadas da sociedade.
No entanto, da mesma forma como esse século é palco da ampliação
sem precedentes da prática de educação doméstica, também ela vai
fragilizando-se diante das pressões do Estado e cedendo lugar à escola
formal, que surge tanto como transformação do sistema vigente quanto
como negação do espaço doméstico da educação (VASCONCELOS,
2005, p.223).
Para Faria Filho (2000, p. 140), “Até então a escola que existia funcionava, na
maioria das vezes, nas casas dos professores, ou sobretudo, nas fazendas, em espaços
precários [...].”
Todos os aspectos mencionados acima, no contexto do Brasil Império e no início
da Primeira República, convergem para a necessidade de se pensar sobre a organização
e estruturação dos tempos e dos espaços escolares. Tal preocupação revelava um ideário
civilizatório iluminista, o qual tinha como base a ampliação das “possibilidades de
acesso de um número maior de pessoas às instituições e práticas civilizatórias.” (FARIA
FILHO, 2000, p. 140.). O ideário de modernidade também impulsionou novas práticas
educativas, as quais foram mais fortemente percebidas no final do Império e na Primeira
Repúblicaiii, principalmente no que se refere aos temas relacionados à higiene, à moral e
ao civismo.
Martinez de Shueler e Gonçalves Gondra (2008) apresentam aspectos de como
essa reconfiguração da escola relacionou-se com o conceito de modernidade.
No que se refere aos pontos que o Inspetor pernambucano pôde ver na
Capital do Império, as escolas municipais mantidas pela Câmara
Municipal, a Escola de São Sebastião e de São José, erigidas na
década de 1870, foram positivamente destacadas não apenas pelo
aspecto moderno e grandioso da arquitetura (os “palácios escolares”),
4. 4
mas pela adoção de novos métodosiv e programas de ensino, nos
quais surgiam alguns elementos da modernidade pedagógica
(Nunes, 2000): a adoção do ensino seriado e graduado em três anos ou
séries, das classes simultâneas e da forma escolar organizada sob um
novo modelo com novos espaços, tempos e modos de funcionamento
escolar. Modernidade que também implicava em um único prédio
escolar, específico para a instrução de crianças de ambos os sexos;
vários professores, homens e mulheres, inclusive um especialmente
destinado ao ensino de música; a presença de uma hierarquia na gestão
do ensino e de novas funções no espaço escolar (diretor, inspetor,
professor, bedéis, servente, jardineiro). (p. 441-442)
É importante destacar, como mencionado por Martinez de Shueler e Gonçalves
Gondra, que a adoção de novos métodos de ensino contribuiu para corporificar o ideário
modernista, pois os mesmos trazem, no seu bojo, elementos organizadores dos tempos e
dos espaços escolares, inclusive com orientações e determinações bastante detalhadas
sobre o uso dos materiais, a organização espaço-temporal da classe e das atividades, e
da metodologia utilizada.
Para este trabalho, decidiu-se discutir a organização do trabalho pedagógico,
considerando a estruturação dos tempos e espaços escolares no Brasil, no século XIX e
no início do século XX, a partir dos novos métodos de ensino. Desse modo, acredita-se
ser possível compreender como as diretrizes para a estruturação dos tempos e dos
espaços escolares impactou a organização do trabalho pedagógico, diferenciando-o das
proposições implementadas com as Reformas Pombalinas. Este artigo encontra-se
dividida em grandes tópicos. O primeiro aborda os tempos escolares e suas implicações
pedagógicas, e, o segundo, os espaços escolares e suas implicações pedagógicas. Apesar
da separação do tempo e do espaço para fins de detalhamento de cada um, se faz
necessário destacar que ambos mantêm uma relação de interdependência e influenciam-
se, como será percebido em passagens dos capítulos em que essas duas dimensões se
complementam.
As fontes utilizadas para esta pesquisa são, essencialmente, de origem
bibliográfica, privilegiando-se aquelas que situadas dentro da nova historiografia da
educação brasileira e discutem a institucionalização da educação e os métodos de
ensino, no recorte temporal que compreende ao final do Império, a fim de encontrar
evidências da relação entre a estruturação dos tempos e espaços escolares e as suas
implicações para a organização do trabalho pedagógico.
A organização dos tempos escolares e suas implicações pedagógicas
5. 5
Como foi mencionado na introdução deste trabalho, a organização dos tempos
escolares relacionou-se ao ideário de modernidade – estratégia para o fortalecimento do
Estado nacional – e fomentou a incorporação da concepção eficientista no contexto
educacional.
As discussões em torno do tempo e do seu uso, conforme Vidal e Faria Filho
(2000) era tema recorrente nos discursos das elitesv, ao mesmo tempo em que sinalizam
aspectos do ponto de vista da organização do trabalho pedagógico em função do tempo.
Essa preocupação, que se refere ao tempo e à sua utilização, escolar
ou não, não era apanágio das elites mineiras nas primeiras décadas dos
oitocentos. Estava no cerne mesmo da modernidade, e não poderia
deixar de ser um aspecto central no interior dos processos de
escolarização. A discussão voltava-se, por um lado, para a relação
entre a escola e outras instituições ou ocupações sociais (família,
trabalho...), pretendendo fazer com que os pais, sobretudo, tomassem
consciência da importância da escola e fizessem com que seus (suas)
filhos (as) a freqüentassem [sic] regularmente.
No entanto, essa não era, parece-nos, a questão principal. O aspecto
central, aqui, referia-se ao fato de que mais e mais ia-se afirmando o
tempo escolar que precisava estar em constante diálogo com os outros
tempos sociais. Esse tempo escolar pouco a pouco assumia, nos
discursos da época, uma especificidade, traduzida na percepção mais
produtiva do ensino, possível a partir da repartição e da organização
seqüencial [sic] dos conteúdos escolares, necessárias às atividades dos
alunos-monitores na sua relação com o grupo de aprendizes
(divisões): uma das principais características do método mútuo.
(VIDAL e FARIA FILHO, 2000, 22-23)
O momento histórico em que essas constatações e contestações acerca do tempo
vão se disseminando, coincide com a intensificação das discussões sobre a ineficiência
do método de ensino individual, cuja principal característica é o fato de que o professor,
mesmo quando tinha vários alunos, continuava ensinando aos alunos individualmente.
(FARIA FILHO, 2000).
Para Faria Filho (2000, p. 140-141)
O método individual caracterizava-se, pois, pelo fato de os alunos
ficarem muito tempo sem o contato direto com o professor, fazendo
com que a perda de tempo fosse grande e a indisciplina um problema
sempre presente. [...]
Nessas circunstâncias, podemos calcular, numa época em que se
procurava afirmar a necessidade de se utilizar racionalmente o tempo,
ensinando rápido e de maneira mais econômica possível, o quanto tal
método era criticado.
6. 6
Inácio (2003) apresenta um relatório produzido por Marink em 1828, o qual trata
sobre o uso do tempo no método individual. Estudos como o apresentado a seguir
permitiram a conclusão de que o método individual só se adequava à instrução
doméstica.
Figuremos porém uma escola com todas as condições favoráveis[:]
um bom professor, uma reunião de 40 alunos em um local
suficientemente grande, bem arejado, etc, uma disciplina firme sem
ser brutal, e vejamos quais os resultados que aqui se podem obter do
sistema individual .
Admitamos três horas de escola de manhã, e três de tarde: uma hora e
meia será de manhã e de tarde consagrada à leitura, uma hora à
escrita, e meia ao cálculo. Visto que vamos sempre por suposições
nada nos impede de supor ainda que o professor tem o talento de se
fazer amar, e temer; que por isso
nunca será obrigado a fazer advertências, e a punir; que não será
interrompido por visitas estranhas, ou das autoridades, e que
finalmente consagra todo o tempo à instrução de seus alunos. Vê-se
pois que 1 e ½ hora de leitura dividida por 40 alunos dão dois minutos
e 15 segundos a cada um, sendo porém repetida à tarde a lição de
leitura tocam 4 1/2 minutos por dia a cada um. Duas horas diárias de
escrita dão a cada aluno três minutos, incluindo-se neste espaço o
tempo que o Professor gasta em aparar penas, debuxar, etc. Resta-nos
uma hora diária para a lição de cálculo, a qual pela mesma sorte
dividida dá 1 1/2 minuto a cada aluno, sendo este tempo apenas
suficiente para examinar os cadernos, comparar os resultados com
outros achados anteriormente, porque seria fisicamente impossível
poder o professor efetuar as operações com cada um dos seus alunos.
Assim pois supondo uma multidão de circunstâncias favoráveis, que
nunca jamais se podem encontrar, temos que, no sistema individual,
cada aluno tem por dia 4 1/2 minutos de lição de leitura, 3 de escrita, e
1/2 de cálculo.
Porém porquanto tempo poderia um professor, por mais robusta que
fosse a sua constituição, resistir a um tão monótono e continuo
trabalho? E dado mesmo o caso que resistisse, quão mesquinhos
seriam os resultados para os alunos!
Entretanto quase todas as escolas do 2º grau e muitas do 1º são
freqüentadas por mais de 70 alunos, e por isso muito menor espaço de
tempo vem a tocar a cada um.
Tal é em miniatura o sistema individual, que infelizmente é o único,
que conhecemos, e isso mesmo com todos os defeitos que ele sempre
acarreta na prática (SP 236, folha 2 – verso, folha 3 frente).
(MARINK, 1828 apud INÁCIO, 2003, p. 60-61)
Se o método individual era criticado pelo uso ineficiente do tempo, o método
lancasterianovi – também conhecido como mútuo ou monitorial – implantado
oficialmente no Brasil através da Lei de 15 de outubro de 1827, mostrava-se mais
apropriado, pois trabalhando no sistema monitorial era possível atingir um número
maior de estudantes e acelerar o processo de aprendizagem, pois o professor formava os
alunos mais experientes para atuarem como monitores e deixava ao encargo destes o
7. 7
trabalho com as atividades pedagógicas.
Assim, um dos grandes alicerces característicos da eficiência do método era
atribuído ao fato de que os estudantes permaneciam
[...] o tempo todo ocupados e vigiados pelos colegas e o
estabelecimento de uma intensa emulação entre os estudantes, o tempo
necessário ao aprendizado das primeiras letras seria bastante
abreviado em comparação ao método individual. (FARIA FILHO,
2000, p. 141)
Contudo, a eficiência não advinha apenas dos aspectos apontados por Faria Filho
(2000), mas também à rígida rotina própria do método lancasteriano, como se pode
observar em Miranda e Cury (2008)
A disciplina era algo a ser atingido e a palmatória era um dos
caminhos eficazes para isso. Além é claro, do controle sobre o tempo
escolar, com seus toques de entrada e saída, sendo as aulas divididas
entre os horários de 8:00 às 11:00 hs da manhã e da 14:00 às 17:00 hs
da tarde.
Tudo deveria ser regido, tal qual uma orquestra que por nenhuma
hipótese poderia perder o compasso. Ao entrar nas salas, os alunos
deveriam cumprimentar o seu mestre, em seguida retirar o chapéu e
pendurá-lo no local indicado com seu nome. Após essa primeira etapa,
os alunos deveriam encaminhar-se aos seus bancos e sentar-se
silenciosamente, a sua frente já estavam os materiais que deveriam ser
utilizados por eles durante a aula, que foram colocados nas mesas,
meia hora antes do toque de entrada pelos então monitores. (p. 5-6)
Siqueira (2007, p. 110), também contribui para debate acerca do tempo escolar
afirmando que “na escola de ensino mútuo o tempo era uma ferramenta essencial
porque permitia o domínio das ações didáticas e o controle sobre a divisão das
disciplinas que se tinha de instruir. Tudo era regulado pela ação do relógio.”
Este mesmo autor ainda apresenta a organização das atividades pedagógicas,
longo do dia numa escola que adota o método lancasteriano. Cabe destacar a
semelhança entre a distribuição das atividades apresentada por Siqueira com a descrição
sobre o tempo escolar supracitado, com base em Miranda e Cury (2008).
As práticas de ensino da leitura e da escrita também foram influenciadas pela
necessidade de racionalização do tempo, pois a sociedade começava a requerer
processos mais velozes de leitura e de escrita. Vidal (2000, p. 500) afirma que “nos anos
20 e 30, surgiu novamente a discussão acerca da escrita mais adaptada à modernidade
[...]”. Complementando sua argumentação, Vidal busca fundamentos Orminda
Marquesvii, para aprofundar ainda mais a sua análise “[...] a sociedade moderna
demandava uma escrita clara, legível e rápida. Como meio de comunicação, a escrita
8. 8
deveria ser eficiente na economia de tempo tanto para a leitura [...] quanto para a técnica
de escrever.” (2000, p. 501)
Considerando a demanda existente à época, Vidal explica minuciosamente como
se dava o processo de preparação para a escritaviii.
A partir de exercícios preparatórios, quando a criança era instada a apurar o
controle dos movimentos da mão e do antebraço, seja com desenhos no ar ou
no papel, iniciava-se o aprendizado do traçado das letras, palavras e frases. A
caligrafia muscular prescrevia uma escrita de tipo inclinada e sem talhe,
obtida por tração e não pressão, resultado da unidade entre o movimento dos
músculos do antebraço e da mão, a postura corporal do aluno na carteira, a
posição levemente oblíqua do caderno, o ritmo regular do traçado da letra e
manutenção do lápis ou da pena constantemente sobre o papel. O ritmo era
controlado por palmas ou canções elaboradas para o exercício. À medida que
se aperfeiçoava o trabalho, reduzia-se paulatinamente seu tempo de execução.
(VIDAL, 2000, p. 501)
A chamada caligrafia muscular, descrita acima, atendeu a uma demanda social
de sintonização dos tempos escolares com os tempos sociais, que, cada vez mais
pressupunham agilidade, velocidade, rapidez.
Em relação à leitura Vidal (2000) tece as seguintes considerações
Os anos 20 trouxeram, entretanto, outros desafios ao leitor. A
aceleração do crescimento urbano, a proposta de escolarização de
massas, a contabilização mais pormenorizada do tempo e a profusão
de informações impunham uma leitura mais ágil e individualizada que
a oral. A leitura silenciosa despontou como resposta aos apelos da
nova sociedade moderna. (p. 506)
Naquele contexto, as implicações pedagógicas da nova forma de ler e de
escrever demandaram formação dos professores não apenas para a compreensão do
funcionamento dos métodos, mas, sobretudo, para a aprendizagem sobre os novos
materiais que se incorporaram ao ensino e sobre a configuração espacial da sala de aula,
em adequação ao método adotado.
A organização dos espaços escolares e suas implicações pedagógicas
Assim como a racionalização do uso do tempo foi incorporada à organização
pedagógica, em atendimento ao ideário de modernidade, a estruturação do espaço
escolar também foi alvo de debates no transcurso do século XIX e no início do século
XX.
A questão do espaço para abrigar a escola pública primária começou a
aparecer especialmente a partir da segunda década do século XIX, em
algumas cidades da então Colônia, e, posteriormente à independência,
em várias províncias do Império, quando intelectuais e políticos
puseram em circulação o debate em torno da necessidade de se adotar
9. 9
um novo método de ensino nas escolas brasileiras: o método mútuo
[...]. Afirmavam que a maneira pela qual estava organizada a escola,
com o professor ensinando cada aluno individualmente, mesmo
quando sua classe era formada por vários alunos (método individual),
impedia que a instrução pudesse ser generalizada para um grande
número de indivíduos, tornando a escola dispendiosa e pouco eficiente
(VIDAL e FARIA FILHO, 2005, p.47).
Para além da precariedade, já mencionada, da maioria das escolas existentes no
século XIX, o discurso higienista ganhou corpo e, juntamente com as proposições dos
novos métodos de ensino, a exemplo do lancasteriano, com vistas à melhoria da saúde e
bem-estar da população.
As questões de salubridade neste período envolviam desde as boas
condições dos prédios onde eram efetuadas as aulas de primeiras
letras, tendo que ter salas limpas e arejadas, até mesmo, a própria
higiene pessoal, pois as epidemias e os tantos outros problemas de
saúde eram elementos que atingiam diretamente o bom andamento da
instrução. (MIRANDA e CURY, 2008, p. 7)
Outro aspecto importante a ressaltar é o fato de que o sucesso da instrução seria
diretamente proporcional às condições físicas das escolas.
Uma escola mais rápida, mais barata e com um professor mais bem
formado era o que clamavam nossos políticos e intelectuais. O método
preconizado, utilizado largamente na Europa, possibilitava, segundo
seus defensores, que um único professor desse aula para até 1.000
alunos. Bastava, para isso, que ele contasse com espaço e materiais
adequados e, sobretudo, com a ajuda
dos alunos-monitores. Todos reconheciam que para abrigar dezenas
ou, mesmo, centenas de aprendizes fazia-se necessária a construção de
novos espaços escolares. Mais que isso: tais espaços eram
considerados uma condição imprescindível para o bom êxito da
empresa escolar que se defendia. Esse espaço deveria levar em conta
não apenas a quantidade de alunos mas também a mobilidade dos
monitores por entre as turmas, a mobilidade das turmas dentro da
classe, a necessidade de pendurar “cartazes”
e outras peças na parede, dentre outras inovações propostas. (FARIA
FILHO e VIDAL, 2000, p. 22)
Da afirmação de Faria Filho e Vidal, destaca-se ainda a questão dos materiais
escolares (cartazes, peças) começaram a serem introduzidos formalmente como apoio à
prática do professor. Assim, a organização do espaço também gerou implicações na
prática do professor, que precisou incorporar a nova configuração da sala de aula
simultaneamente ao surgimento da cultura material escolar, que, com a criação dos
grupos escolares consolidou-se como elementos característicos e próprios do fazer
pedagógico.
10. 10
Com o mesmo rigor com que as rotinas de atividades diárias, o método
lancasteriano propôs uma série de exigências em relações ao espaço físico, a começar
pela adequação entre a quantidade de estudantes e as dimensões das salas de aulas.
[...] Para uma escola com 240 alunos o tamanho da sala deveria ser de
17 metros e 30 centímetros de comprimento por 8 metros e 90
centímetros de largura.
Com duzentos e quarenta alunos essa escola funcionaria com 16
classes, sendo que cada classe possuiria 15 alunos. 137 Essas classes
de 15 alunos sentariam em carteiras e bancos justapostos em lugares
determinados. (SIQUEIRA, 2006, p. 107)
Especificando as condições ideais do espaço físico escolar, Siqueira afirma que
Uma escola de ensino mútuo deveria ter a forma de um quadrilongo
com duplo comprimento da sua largura e estar preferivelmente situada
em alguma altura do solo. Também deveria estar situada em um
quarteirão populoso de modo que os estudos não fossem perturbados
pelo barulho exterior, tendo-se o cuidado de dar ao teto da sala altura
suficiente para que se pudesse nela circular o ar necessário à
respiração dos discípulos.
As janelas deveriam estar situadas nos dois maiores lados paralelos e
aberta a dois metros do solo. Desse modo os discípulos não podiam se
distrair com o que acontecesse no exterior da escola. As janelas de
balanço eram preferíveis pela razão de se poderem facilmente
manobrar por meio de uma corda.
O pavimento da escola deveria ser feito de uma camada de salitre, de
tijolos ou de tábuas; estas eram preferíveis por não acumular poeira e
não exigirem freqüentes reparos.
A porta da sala deveria estar situada perto do estrado do professor a
fim de que se pudesse observar a ordem de entrada e saída dos
discípulos sem ter que sair do lugar.
A ante-sala, local onde os discípulos eram reunidos antes da aula,
consistia em uma sala que precedia sempre a das classes. Aí ficavam
nas paredes os cabides para guardar os chapéus e um depósito para
água, com um vaso por baixo e copos de folhas de flandres.
As latrinas deveriam estar situadas no pátio ou no quintal da casa de
modo que o professor pudesse observar os meninos por meio de uma
janela que ficava próxima às classes dos alunos ou discípulos.
O Estrado situado deveria está situado em uma extremidade da sala
sobre o qual se punha a mesa do professor e as mesas menores dos
monitores gerais. A elevação desse estrado e suas dimensões eram
proporcionais ao tamanho da sala; todavia o máximo que se podia
conceber era 65 centímetros de altura, 5 metros de comprimento e 2
de largura. A ele se subia por um degrau e era rodeado por um
baluarte. (2006, p. 107-108)
Em Inácio (2003) ainda é possível encontrar a especificação sobre o teto e as
paredes.
[...] O teto deve ser elevado de 20 a 25 palmos do solo a fim de evitar-
se a rápida corrupção do ar interior. Pode ser de qualquer matéria, mas
convém muito que seja sempre de cor branca. As paredes devem
também ser de cor branca, empregando-se, de preferência, para este
11. 11
fim um reboque de cal, e areia, em razão de ficar muito mais durável,
e fixo, do que a que é dada a pincel. Na parte inferior serão
guarnecidas de uma barra de cor escura e fixa de seis palmos de altura.
(p. 80)
Inácio (2003) destaca, de forma crítica, a demanda pela organização espacial da
escola.
A definição e o ordenamento do espaço escolar, assim como a
disposição dos sujeitos e objetos nele contidos, têm no segundo
quartel do século XIX uma relação direta com o ideal de
racionalização e ordenação da sociedade. Organizar o processo
educativo, dotando-o de um espaço especificamente projetado para a
tarefa de ensinar, tem íntima relação com o desejo de disciplinar,
controlar e normalizar as condutas dos sujeitos envolvidos nesse
processo, sobretudo professores e alunos. As descrições dos trabalhos
encontradas no Compendio explicativo sobre o methodo de ensino
mútuo, na Memória de Peregrino e de forma menos detalhadas nas
dissertações dos alunos da Escola Normal nos permitem ver
claramente como os ideais de racionalização permearam todas as
dimensões do processo educativo escolar. (p. 97)
Mesmo diante do notório controle e normalização – necessários ao projeto
civilizador – Faria Filho e Vidal (2000) constatam que
Apesar de posto desde a segunda metade do século XVIII, o debate
em torno da constituição de espaços dedicados ao ensino e da fixação
de tempos de permanência na escola teria que esperar até meados da
última década do século XIX, primeiro em São Paulo e, depois, em
vários estados brasileiros, para assumir a forma mais acabada da
proposta dos grupos escolares. Neles, e por meio deles, os
republicanos buscaram dar a ver a própria República e seu projeto
educativo exemplar e, por vezes, espetacular. (p. 24)
Da mesma forma que o método mútuo propunha uma estrutura física adequada,
os grupos escolares foram implantados com base num projeto arquitetônico imponente,
com proporções monumentais.
Monumentais, os grupos escolares, na sua maioria, eram construídos a
partir de plantas-tipo em função do número de alunos, em geral 4, 8
ou 10 classes, em um ou dois pavimentos, com nichos previstos para
biblioteca escolar, museu escolar, sala de professores e administração.
Edificados simetricamente em torno de um pátio central ofereciam
espaços distintos para o ensino de meninos e de meninas. À divisão
formal da planta, às vezes, era acrescido um muro, afastando
rigidamente e evitando a comunicação entre os dois lados da escola.
Esses prédios tinham entradas laterais diferentes para os sexos. Apesar
de padronizados em planta, os edifícios assumiam características
diversas, sendo-lhes alteradas as fachadas. (FARIA FILHO e VIDAL,
2000, p. 25)
12. 12
Naquela época, a organização do espaço escolar caminhou pari passu com o
projeto de Estado nacional e os ideários de civilização e modernidade. No bojo das
diferentes propostas de racionalização dos espaços, as questões da formação de
professores e das mudanças na sua prática de ensino tangenciam todo processo de
reconfirguração destes espaços, apesar de não terem sido objeto de estudo deste
trabalho, é importante que seja mencionado.
Considerações Finais
A pretensão de refletir sobre a organização dos tempos e espaços escolares e a
sua relação com a organização do trabalho pedagógico, descortinou algumas
descobertas, das quais se destacam: a compreensão do tempo e do espaço escolar como
dimensões do trabalho pedagógico, assim sendo, é imprescindível não perder de vista
tais dimensões quando da elaboração de propostas de ensino e da organização do
trabalho pedagógico em si (definição de métodos, técnicas, estratégias); a ampliação do
conceito de tempo e espaço escolares, para além da “matéria”, ou seja, não apenas o
tempo e o espaço físico, mas os aspectos subjetivos, os ritmos e os espaços de ação, nos
quais professores e estudantes agenciam sabres, culturas e práticas; as necessidades
formativas postas aos educadores frente às novas configurações dos tempos e dos
espaços escolares.
No que tange o objeto de estudo deste texto, são significativas as contribuições
de Souza (2004) e Faria Filho e Vidal (2000), por suscitarem novas janelas de
questionamentos e interrogações propícias para estudos futuros, inclusive contrapondo
com a realidade vivenciada nos dias atuais. Não para “cobrar do passado” as respostas
do presente, mas para refletir sobre os “porquês” que co-habitam os espaços de trabalho
de tantos educadores.
[...] precariedade dos edifícios escolares, alta seletividade do ensino
primário, carência de mobiliário e material didático, falta de
uniformidade e padronização do ensino, dificuldade de emprego dos
métodos modernos de ensino e de cumprimento integral dos
programas escolares, dificuldades de provimento de professores nas
escolas isoladas, baixos salários dos professores e precárias condições
de trabalho. (SOUZA, 2004, P.124).
Pois, como plurais, espaços e tempos fazem parte da ordem social e
escolar. Sendo assim, são sempre pessoais e institucionais, individuais
e coletivos, e a busca de delimitá-los, controlá-los, materializando-os
em quadros de anos/séries, horários, relógios, campainhas, ou em
13. 13
salas específicas, pátios, carteiras individuais ou duplas, deve ser
compreendida como um movimento que teve ou propôs múltiplas
trajetórias de institucionalização da escola. Daí, dentre outros
aspectos, a sua força educativa e sua centralidade no aparato escolar.
(FARIA FILHO e VIDAL, 2000, p. 23)
Espera-se poder lançar luz sobre esses pontos que, de alguma forma, ainda são
marcantes e presentes na cultura e nas práticas escolares contemporâneas.
i
FARIA FILHO e VIDAL, 2000, p. 20.
ii
Não havia ainda regulação específica relacionada à estrutura física e da organização dos
tempos escolares.
iii
Cf. CARVALHO, M. M. C. de. (2003) A escola e a República e outros ensaios.
CARVALHO, M. M. C. de. (1998) Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral e trabalho
no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924 – 1931). 1998; HORTA, J. S. B.. (1994)
O hino, o sermão e a ordem do dia: regime autoritário e a educação no Brasil (1930 – 1945).
1994; SOUZA, R. F. de. (1998) Templos de civilização: a implantação da escola primária
graduada no Estado de São Paulo (1890 – 1910).
iv
Grifos meus.
v
Os autores situam a discussão sobre o tempo na sociedade mineira, no entanto, entendendo que
o ideário da modernidade era generalizado no Brasil, pode-se estender a necessidade de
discussão sobre essa temática para as demais localidades.
vi
Para Inácio (2003) [...] toda a estrutura se baseia no ensino dos alunos por eles mesmos: os
mais adiantados servindo de professores àqueles que sabem menos. O método mútuo previa a
instrução simultânea dos alunos, com a utilização de monitores, como são chamados aqueles
que ensinam seus colegas [...]. (p. 62)
vii
Professora de Prática de Ensino da Escola de Professores e diretora da Escola Primária que
desenvolveu experimentos relacionados ao ensino da escrita.
viii
Em atendimento às prescrições higiênicas, para uma boa aprendizagem da escrita a escola
deveria ser equipada com carteiras adequadas à estatura dos estudantes e fixas no chão, evitando
a mobilidade. Além disso, a aprendizagem inicial dava-se com o uso de ardósias e,
posteriormente, em cadernos de caligrafia. (VIDAL, 2000)
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FILHO, L. M.; VEIGA, C. G.. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte:
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Minas Gerais (1825-1852). UFMG, 2003. (Dissertação de Mestrado).
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viagem e comparação no Brasil oitocentista: o caso de Uchoa Cavalcanti (1879).
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14. 14
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LANCASTERIANISMO NA PARAÍBA OITOCENTISTA 1822 a 1864. Anais do
XIII Encontro Estadual de História. Guarabira, 2008. Disponível em:
<http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2006%20-
%20Itacyara%20Viana%20Miranda%20TC.PDF>. Acesso em: 12 jul. 2011.
SIQUEIRA, L.. DE LA SALLE A LANCASTER: os métodos de ensino na Escola de
Primeiras letras sergipana (1825-1875). UFS, 2006. (Dissertação de Mestrado)
SOUZA, R. F. de. Espaço da educação e da civilização: origens dos grupos escolares no
Brasil. In: SAVIANI, D. et al. O legado educacional do Século XX. Campinas, SP:
Autores Associados, 2004, p.33-84.
VASCONCELOS, M. C. C.. A casa e os seus mestres: a educação doméstica como prática
das elites no Brasil de oitocentos. PUCRJ, 2004. (Tese de Doutorado).
VIDAL, D. G. Escola nova e processo educativo. In: LOPES, Eliana; FARIA FILHO,
Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil. Belo
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____________; FARIA FILHO, L. M.. As lentes da história: estudos de história e
historiografia da educação no Brasil. São Paulo: Autores Associados, 2005.
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Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14, p. 19-34.