1. Universidade Federal do Amazonas
Instituto de Ciências Humanas e Letras
Programa de Pós-Graduação “Sociedade e Cultura na Amazônia”
Patrimônio e Memória da Cidade:
Monumentos do Centro Histórico de Manaus
Maria Evany do Nascimento
Orientação: Luiz Balkar Sá Peixoto
Manaus
Agosto de 2003
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 1
2. Introdução
A cidade é uma teia de significações e (re) significações de uma complexidade
tamanha que para decodifica-la é necessário um olhar multidisciplinar. Este tipo de
abordagem é muito comum hoje em debates, encontros, seminários e publicações sobre o
tema. Compreender a cidade a partir de um único ponto de vista não é mais possível, e
profissionais de vários setores são chamados a lançar seu olhar sobre a urbis para traçar-lhe
um mapa mais completo. Psicólogos, arquitetos, médicos, engenheiros, artistas, poetas,
todos têm uma contribuição para dar ao estudo sobre a cidade contemporânea. Dentro dessa
teia, este trabalho se propõe a apresentar um enfoque temático pontual e atual em se
tratando da cidade de Manaus: memória, patrimônio e monumento. Discussão que permeia
encontros e debates sobre as mudanças e adaptações da sociedade moderna em todas as
cidades.
Memória e Patrimônio da Cidade: Monumentos do Centro Histórico de Manaus
trata-se de um trabalho cuja trajetória se iniciou com o Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica – PIBIC, em 1997, na Universidade Federal do Amazonas. O projeto
intitulado Inventário e Catalogação de Obras de Arte em Logradouros Públicos do Centro
Histórico de Manaus, objetivava fazer um mapeamento das obras escultóricas localizadas
na área do Centro Histórico da Cidade, com o levantamento de alguns dados históricos
sobre as peças. O trabalho agradou e obteve o 1o lugar na Área de Ciências Humanas da
UFAM, em 1998, participando ainda neste ano do VI Seminário de Iniciação Científica da
Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais. Em uma segunda etapa, a pesquisa
foi ampliada, com enfoque sobre questões como a cidade e a preservação de suas obras dos
espaços públicos. Obras de Arte em Logradouros Públicos do Centro Histórico de Manaus
foi monografia de final de curso da Especialização em História e Crítica da Arte. Parte
desta monografia encontra-se na Editora Valer aguardando publicação com o título
Monumentos Urbanos de Manaus, com previsão de lançamento para este ano de 2003.
Com nova reestruturação e enfoque mais pontual sobre memória e patrimônio o
presente trabalho se apresenta em três capítulos. No primeiro, sentiu-se a necessidade de
localizar o objeto de pesquisa, revisando as principais modificações no traçado urbano da
cidade de Manaus desde sua construção. Procurou-se registrar as ideologias que
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 2
3. conferiram à cidade o traçado, as obras, a imagem e os conflitos da modernidade. Buscou-
se a partir de Argan e Munford compreender, em Manaus, as mudanças de sistema que
substituíram a cidade como obra para a cidade considerada produto e o espaço público
sofrendo essas transformações. No segundo capítulo o enfoque versou sobre questões de
memória e patrimônio, com pequeno histórico sobre cada tema e a importância destas
discussões para a cidade com a inclusão da memória e da história dos logradouros públicos
do Centro Histórico. Utilizando-se alguns dos principais teóricos sobre o assunto
pretendeu-se articular as idéias centrais destes, com a realidade da cidade de Manaus no
que se refere ao tema estudado: a memória e o patrimônio da cidade. Verificou-se a
legislação vigente sobre a proteção e conservação dos bens artísticos e culturais da cidade e
a atuação das entidades competentes. O terceiro capítulo apresenta os quatro monumentos
selecionados e estudados. Consta de histórico, condições atuais de conservação e
preservação, valor histórico e valor artístico de cada obra e a relação da sociedade com
estes bens. Aproveitando-se das idéias de Argan, Françoise Choay e Cristina Freire, traçou-
se a participação dos monumentos selecionados na vida do cidadão amazonense, de que
forma ele interage e se apropria desses bens, que significados possui estes monumentos, de
que forma a memória registrada nas obras chega à população e que importância esta lhe
confere. Nos comentários finais um olhar particular sobre como o poder público e os
setores governamentais competentes tratam o patrimônio da cidade, as políticas
desenvolvidas e a atuação conferida à proteção e conservação da memória e patrimônio, no
que se refere ao Centro Histórico. A partir deste estudo aponta-se possibilidades de se
potencializar o conhecimento e a valorização do patrimônio da cidade de Manaus para que
se resguarde a cultura, a memória e a história da cidade. Em documento anexo, encontram-
se imagens das obras escultóricas localizadas nas praças do Centro de Manaus com um
mapa do seu histórico e suas condições atuais de conservação.
Não se trata de uma pesquisa concluída, mesmo porque no que se refere à cidade,
nenhum estudo está acabado, pois a cidade está sempre em transformação. Mas externa
uma preocupação com a memória e a história da cidade de Manaus que aos poucos está se
perdendo com a descaracterização de seus registros cristalizados em monumentos
espalhados pelas praças do Centro, um bairro que abriga o centro comercial cuja política de
sobrevivência é a valorização do produto novo.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 3
4. Capítulo 1 - Manaus: concepção e organização do espaço público
Cidade de Manaus: suas origens e transformações ao longo da história
Manaus foi um povoado que nasceu ao redor de uma fortaleza, fato comum em
muitas cidades, transformou-se em vila, passou de vila à cidade. Não foi planejada
inicialmente. O forte foi construído para proteger a região de expedições invasoras.
Depois da fundação da cidade de Belém (a partir do Forte do Presépio, em 1616), as
terras do Rio Negro passaram a ser alvo de expedições que traziam soldados e missionários.
Estas expedições procuravam garantir as terras que ficavam além dos limites do Tratado de
Tordesilhas e também aprisionar índios, não só para serem usados como escravos em
Belém, mas para serem levados para os aldeamentos indígenas (agrupamentos formados
inicialmente pelos jesuítas para catequizar os índios, ensinando-lhes uma nova cultura).
Este trabalho dos jesuítas funcionava como um equilíbrio entre as prisões e o povoamento
efetivo da região, uma vez que os soldados regressariam com os índios capturados e os
jesuítas ficariam instalados em aldeamentos. Mas, por volta de 1661, os jesuítas começam a
ser expulsos da região. Neste mesmo período, os holandeses começavam a atacar pelo
Orinoco e os espanhóis pelo Solimões. O Governo do Estado do Grão-Pará, mandou então
construir uma fortaleza para defender o rio Negro e o Solimões.
Manaus: de aldeia à capital da Província (1669-1852)
Da fortaleza o primeiro nome da cidade
O forte que deu origem à cidade de Manaus, foi construído em 1669 e recebeu o
nome de: forte de São José da Barra do Rio Negro. Ao seu redor reuniram-se índios de
vários grupos; índios e militares deram início à aldeia que passou a se chamar Lugar da
Barra.
A construção do forte marca também a chegada da "civilização", de uma cultura que
se impõe e que, tempos depois determinará os costumes da cidade. O professor Otoni
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 4
5. Mesquita1, citando o historiador José Ribamar Bessa Freire, fala sobre o aspecto simbólico
da construção do forte:
...o historiador José Ribamar Bessa Freire afirma que a fortaleza foi
construída sobre um cemitério indígena e interpreta esse ato como "um fato
sugestivo carregado de simbolismo que, como imagem, sintetiza por si todo o
processo colonial". Sem dúvida, a imagem é bastante forte e pode ser interpretada
como a real intenção dos portugueses em relação às manifestações nativas.
Quanto aos aspectos formais tratava-se de uma construção muito simples, em
relação às outras fortalezas construídas em outras cidades brasileiras. No entanto, como diz
o professor Otoni2:
Apesar da simplicidade da obra, essa edificação assumiu grande
importância, por ser a primeira construção de vulto na região, tornando-se um
marco do domínio português na área do Rio Negro e a instalação de uma
arquitetura européia.
Em 1783, após a instalação da capitania de São José do Rio Negro, em 1757 e sem o
perigo das ameaças dos holandeses e espanhóis, o forte da Barra foi desativado. A artilharia
foi transferida para Mariuá por ser a capital e por estar próxima aos limites da área
disputada pelas coroas portuguesa e espanhola. O que nos resta do forte hoje, é uma placa
indicativa do lugar de sua construção, em uma área pouco visitada da cidade, pois
pertencente à administração do Porto de Manaus.
O Lugar da Barra
A partir de 1695, os padres carmelitas vieram substituir os jesuítas e construíram a
primeira capela de Nossa Senhora da Conceição. A presença dos missionários serviu para
legalizar a mestiçagem através dos casamentos entre portugueses e índios. No período
colonial, a igreja não desempenhava apenas um papel religioso: "Uma das funções urbanas
mais importantes no período colonial foi a função religiosa, sendo a Igreja não somente o
centro das práticas religiosas como da sociabilidade e da vida cultural."3
1
MESQUITA, Otoni. Manaus: História e Arquitetura (1852-1910). Manaus: Editora Valer, 1999, p. 24.
2
Idem, p. 26.
3
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Editora Grijalbo,
1977, p. 184.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 5
6. O professor Mário Ypiranga4 fala do trabalho dos jesuítas nesse período:
Ali estavam, diligentes, os missionários e oficiais, assistindo e disciplinando
o gentio. E ao abrigo dessas duas forças díspares desenvolveu-se, no terreno
adjacente ao forte, o povoado da Barra, simples arraial mal organizado a que os
teupares transmitiam impressão bárbara de promiscuidade.
Ao falar das ruas, as palavras de Ypiranga5 lembram Munford, quando se refere ao
planejamento das primeiras cidades. Nada mais natural, a cidade está se organizando.
No período colonial a rua é apenas o caminho sem expressão, desvestido do
tônus estético, aberto à revelia dos pés caminheiros nas manchas verdes do mato,
por necessidade urgente ou por comodidade, não raro para abreviar distâncias.
O Lugar da Barra modifica-se lentamente neste período provincial. Mas alguns
melhoramentos urbanos são executados, como a abertura de ruas e praças e a construção de
pontes. De acordo com Mário Ypiranga6, a praça como logradouro público surge nesse
período. Continuando, afirma que as ruas e becos recebiam o nome do morador em
evidência ou do acontecimento mais marcante. As mudanças políticas ocorridas em 1833,
promovem o lugar à categoria de vila, que passa a se chamar então Vila de Manáos,
permanecendo como capital da nova comarca.7 Por esse período a vila já possuía casas de
estilo europeu, segundo relatos de viajantes, e onze ruas e uma praça, possivelmente a
Praça Dom Pedro II. A partir de 1848, quando a vila é elevada à categoria de cidade, com o
nome de Cidade da Barra do Rio Negro, e com a elevação do Amazonas à categoria de
Província, em 1850, a região passa a receber inúmeros estrangeiros:
... a região passou a despertar um crescente interesse internacional,
atraindo grande número de viajantes: pesquisadores, cronistas, cientistas e
aventureiros que eventualmente divulgavam os relatos de suas investigações e
observações sobre vários aspectos da cidade.8
Percebe-se pelas falas dos visitantes que aqui desembarcaram e que vinham com
uma visão burquesa-européia, o preconceito externado em relação ao comportamento das
4
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. Manaus, 1948, p. 33.
5
Idem, p. 51.
6
Idem, p. 55.
7
MESQUITA, op. cit, p. 28.
8
Idem, p. 29.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 6
7. pessoas. A partir desses relatos, começa-se a se formar a imagem do homem amazônico
como de "costumes decadentes", preguiçoso. Isso porque, segundo Otoni9:
Os acidentes geográficos, a topografia e os hábitos regionais faziam do
lugar um exótico aglomerado urbano, que misturava elementos ocidentais aos
traços nativos e em muito pouco se assemelhava ao padrão europeu surpreendendo
e impressionando os viajantes estrangeiros, cuja formação cultural e hábitos eram
completamente diferentes. Manaus era uma cidade com características que em
nada deveria assemelhar-se aos aglomerados europeus, que naquela época já
usufruíam alguns benefícios introduzidos pela indústria e pelas modernas noções de
higiene. O traçado da capital da Província do Amazonas obedecia praticamente
aos ditames da natureza: era desenhada por vários igarapés, seu relevo era
bastante acidentado, com morros e ladeiras; além disso, era comum nas
construções residenciais o uso de materiais da região, tais como a madeira, a palha
e o barro.
Em relação ao espaço urbano ocupado nesse período, sabe-se que:
À época da instalação da Província do Amazonas (1852) o sítio urbano de
Manaus compreendia seis bairros (São Vicente, Campina, Costa d'África, Espírito
Santos, República e Remédios) e estava restrito nos espaços compreendidos entre
dois grandes igarapés, o da Cachoeira Grande e o da Cachoeirinha, segundo
informações deixadas por Bento Aranha que também esboçou um croqui da cidade
naquele período.10
O primeiro presidente da Província, João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha,
ao chegar em 1852 e instalar definitivamente a Província, descreveu em seu relatório as
condições do lugar e a falta de melhoramentos urbanos, principalmente em relação aos
prédios públicos, que se encontravam em ruínas. A partir da autonomia da Província,
Manaus começa a receber melhoramentos e enfrenta as dificuldades da falta de material e
mão-de-obra. A cidade começa a mudar sua aparência e as pessoas, os hábitos.
As ruas vão sendo alargadas, arejadas pela própria necessidade das
edificações, do trânsito de pedestres, de carroças de condução ou de transporte de
água à domicílio. Praças são abertas com o feitio de uma cidade orgânica e para
que em futuro remoto fossem aterradas, pois algumas delas ficavam colocadas em
covões, outras em bôca-de-lobos.11
9
Idem, p. 36.
10
PINHEIRO, M ª Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros: trabalho e conflito no porto de Manaus -
1889-1925. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999, p. 28.
11
MONTEIRO, Ypiranga. Op. cit., p. 62.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 7
8. O professor Ypiranga12 fala ainda sobre o "Arruador", que seria um substituto do
engenheiro ou técnico urbanista, profissional que atuava desde, pelo menos, o período da
Vila de Manaus. A ele competia marcar os limites dos bairros e alinhamentos das casas.
Manaus: as transformações urbanas na capital da Província (1852-1890)
Obras públicas no período imperial
A partir da elevação do Amazonas à categoria de Província, fato ocorrido em 1850,
mas efetivado em 1852, com a chegada do então presidente João Baptista de Figueiredo
Tenreiro Aranha, a cidade começa a sofrer transformações relevantes. As informações
sobre as obras públicas deste período foram tiradas da obra de Antônio Loureiro13, "O
Amazonas na época Imperial".
Obras Públicas: 1852-1860
No início do Período Imperial, a cidade sofreu muito com a falta de mão-de-obra
especializada, de materiais e ferramentas. Não existiam pedreiras,
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ÄÊäèÞ@ÊÚ@bpjlv@o início da construção da atual Matriz; a contratação da iluminação a
gasogênio, num total de 26 lampiões.
12
Idem, p. 130/131.
13
LOUREIRO, Antonio José Souto. O Amazonas na época imperial. Edição Comemorativa 45º aniversário
de T. Loureiro Ltda. Manaus, 1989. Informações retiradas do capítulo "Obras Públicas".
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 8
9. Obras públicas: 1860-1870
Neste período foi dado prosseguimento às obras do período anterior e iniciadas
outras novas como: a abertura da estrada Epaminondas, em 1865, e o aterro e calçamento
da praça Tamandaré e algumas ruas. Em 1867, era aberta a praça de São Sebastião e uma
rua a seu lado, a rua do Progresso, hoje 10 de Julho. Em março de 1868 foram divulgadas
algumas medidas em relação ao urbanismo, como: a proibição do corte de árvores, varas e
arbustos de mais de cinco palmos, nos riachos e igarapés, sob pena de multa. Também foi
proibido fazer escavações, revolver lama, deitar paus, lixo, material orgânico apodrecido ou
qualquer matéria que pudesse afetar a pureza das águas. Ficou proibido a lavagem de roupa
e animais nos igarapés da Cachoeira grande e Pequena. Essas determinações foram tomadas
porque toda a população usava a água dos igarapés para beber e cozinhar alimentos. Mas
também, porque queria-se imprimir práticas e comportamentos "civilizados" à população
que era constituída em sua maioria de índios e mestiços. Em relação a energia, em 1869, foi
contratada a iluminação por 60 lampiões a querosene, em postes de madeira, de 20 palmos
de altura, e a cidade voltou a ser iluminada a noite, o que não ocorria desde 1863. Os
lampiões seriam acesos meia hora após o pôr do sol e até as cinco horas da manhã, e, nas
noites de luar, meia hora após a saída da lua. Essa realidade era comum em muitas cidades
do interior do Brasil, como atesta Emília Viotti14:
Nas cidades do interior os únicos edifícios dignos de registro eram as
igrejas e conventos, e mais raramente os edifícios da Câmara e da cadeia. O
abastecimento de água era precário, ficando os moradores na dependência de
poços e chafarizes. Dada a falta de esgotos, os dejetos eram despejados nos
ribeirões ou no mar (quando a cidade era litorânea), escorregando,
freqüentemente, pelo meio das ruas. A iluminação era precária, prevalecendo o
óleo de peixe. Nas noites de luar a cidade ficava às escuras, iluminada apenas pela
luz da lua.
Obras públicas: 1870-1879
14
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Editora Grijalbo,
1977, p. 186.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 9
10. Em 1871, foram calçadas as ruas Marcílio Dias e Flores (atual Guilherme Moreira).
No ano seguinte estava sendo feito o desaterro da Praça 28 de Setembro (hoje Praça
Heliodoro Balbi, ou Praça da Polícia), nesta obra foram empregados 35 índios.
Em 1875 chegaram os sinos da Matriz, que em agosto de 1877 já estava concluída,
mas só foi benta e inaugurada a 15 de agosto de 1878. Neste ano, a praça da Matriz foi
desaterrada e outras praças e ruas foram melhoradas, com o trabalho dos cearenses. A
iluminação a querosene foi substituída por gás globe, pela Lei n.º 411, de 7 de abril de
1879.
A professora Luiza Ugarte15, complementa:
As intervenções iniciais do poder público no sentido do "aformoseamento"
urbano ocorreram por volta da década de 1870 na praça da Imperatriz, onde
também havia sido construído o primeiro cais da cidade, chamado de "Cais da
Imperatriz".
Obras públicas: 1880-1889
Este foi o período mais fértil de obras públicas de todo o Império, devido ao
aumento da produção da borracha. Antônio Loureiro16 descreve bem esse crescimento:
A cidade de Manaus dobrou de tamanho e de população, crescendo,
a partir da praça Pedro II, ao longo da estrada Epaminondas, até a praça
da Saudade; pela atual 7 de Setembro, rumo à praça 28 de Setembro; para
os Remédios, com a inauguração da nova ponte de ferro, sobre o igarapé do
Aterro, e para a praça de São Sebastião; além do início do povoamento da
estrada Correa de Miranda, a atual Joaquim Nabuco.
E, 1883, a iluminação pública ainda era feita com gás globe, e estava sendo
ampliada com a encomenda de 182 colunas de ferro, das quais 39 já haviam chegado. No
ano seguinte, o contrato foi rescindido para a instalação da luz elétrica.
Quanto ao serviço de águas, só foi providenciado a partir de 1880, antes, a
população apanhava a água no igarapé de Manaus, onde se lavava roupa, limpava-se
animais e tomava-se banho (sem roupa). Esses banhos foram considerados imorais e
proibidos em 1880, também por uma questão de implementação de novos comportamentos
e costumes à população local. A partir desse período começaram a ser idealizados projetos
15
PINHEIRO, M ª Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros: trabalho e conflito no porto de Manaus -
1889-1925. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999, p. 29.
16
Op. cit., p. 170.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 10
11. para a construção de reservatórios. Inicialmente foram descartados o reservatório do Mocó
e da Castelhana, pela necessidade de represamento e bombas a vapor para a elevação da
água. Foi escolhido então o igarapé da Cachoeira Grande, que possuía a 3 quilômetros da
foz, uma cachoeira, além de ter água limpa, sem matérias orgânicas ou ferrosas. A represa
ficou construída em 1884, um ano antes, todo o material para a distribuição da água já
havia sido contratado, inclusive várias fontes, para a população que não receberia a água
diretamente.
Durante os anos seguintes, as obras foram paralisadas por diversas vezes; até 1887,
nada havia sido entregue e já se chegava à conclusão de que o abastecimento não atenderia
a toda a população. O serviço começou a funcionar, após algumas experiências, em
dezembro de 1888. No ano seguinte, o abastecimento atendia diretamente a poucos prédios
públicos, tendo a população que pegar a água das fontes e bicas espalhadas pela cidade.
Agnello Bittencourt17 registra uma passagem interessante:
De certa feita, passava eu numa esquina, onde fora instalada uma bica
d'água para o público, quando uns seis ou sete garotos brincavam de abrir a
torneira e jogar água uns nos outros. Eis que surge a cavalo o Governador
[Eduardo Ribeiro] acompanhado de um cavalariano e, rebenque em punho, põe a
correr a meninada, aos gritos de - "Moleques! Esta água é para as lavadeiras!"
Além do melhoramento dos serviços básicos, começaram a ser projetados e
construídos grandes edifícios, como o Teatro Amazonas, cuja construção foi autorizada
pela Lei n.º 546, de 14 de janeiro de 1881, e iniciada em 1884, no governo de Teodoreto
Souto; seguiu-se a construção da Igreja de São Sebastião, cuja pedra fundamental foi
lançada em 1879; continuou-se as obras do Palacete provincial (hoje Quartel da Polícia, na
Praça da Polícia); o chalet de ferro da praça Dom Pedro II começou a ser colocado a 9 de
maio de 1887 e foi concluído em fevereiro de 1888.
Manaus: a borracha e a modernização do espaço urbano (1890-1920)
17
Op. cit. p. 39.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 11
12. A fase áurea da borracha, compreendida entre os anos de 1890 e 1910, não foi a
única razão para a total mudança estrutural e cultural da cidade de Manaus, embora essa
mudança já viesse sendo efetivada. Outros fatores colaboraram para isso: a Proclamação da
República; a imigração nordestina por conta da seca no nordeste e da oferta de emprego nos
seringais; a abertura dos portos do Amazonas às nações amigas, que possibilitou a entrada
de produtos e empresas estrangeiras, e com eles costumes e hábitos de outras culturas; o
desenvolvimento da indústria automobilística que exigia grande quantidade de goma
elástica; e a administração do governador Eduardo Ribeiro, responsável pela reformulação
estrutural da cidade, seguindo os padrões mais modernos ditados pela França.
Por volta da Proclamação da República (1889), Manaus possuía 10.000 habitantes,
enquanto Belém, possuía 60.000 e era uma das grandes cidades brasileiras desse tempo. O
que favoreceu, sem precedentes, as mudanças acontecidas na cidade de Manaus foi a
economia da borracha e toda a estrutura que se formou por ela e para ela. No período de
1890 a 1920, a população passou de 10.000 para 75.000 habitantes. Antes mesmo que toda
essa população chegasse à cidade, sua estrutura já estava modificada pela importante
função comercial e portuária que a cidade possuía. Seu crescimento rápido é comparado ao
crescimento da cidade de São Paulo, que no mesmo período cresceu devido a produção de
café. No entanto, enquanto São Paulo controlou a expansão ferroviária, a imigração
estrangeira e a indústria; Manaus com sua economia de coleta extensiva, dependia da
imigração interna e do comércio pelos rios, além do fato de não estar sozinha, pois Belém
também produzia borracha e era a maior cidade do norte do país, deixando Manaus em
segundo lugar.
No limiar da década de 1890, estava desenhada no cenário, uma nova
cidade, com calçamento, coreto na praça, obediente ao figurino francês, percebido
nos muitos chalets e palacetes com compoteiras ou subordinados ao modelo inglês
de parques e jardins, com seus indefectíveis chafarizes de ferro fundido.18
Estruturalmente Manaus foi modificada seguindo os padrões modernos ditados pela
França e seguidos por todas as cidades que queriam fazer parte deste mundo moderno. No
Brasil, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, entre outras, tinham o
18
MARTINS, Ana Luiza. A invenção e/ou eleição dos símbolos urbanos: história e memória da cidade
paulista. In Imagens da Cidade - Séculos XIX e XX. São Paulo: ANPUH/São Paulo - Marco Zero -
FAPESP, 1993, p. 186.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 12
13. mesmo cenário urbano. Foram abertas largas avenidas; urbanizadas as praças, que
receberam monumentos e diversas obras decorativas; foram aterrados os igarapés;
construído o porto (na época, o maior porto fluvial do país), o mercado e o Teatro
Amazonas.
De 1892 a 1896, o Estado viveu o seu período mais próspero em receitas, pelo
imposto cobrado da saída da borracha (nesse período, a Amazônia era a única exportadora
mundial de borracha). E como a exportação só crescia, os cofres do Estado estavam fartos.
Foi o período da administração de Eduardo Ribeiro, que muito investiu no melhoramento
urbano.
Os costumes da elite manauara eram os mesmos europeus, com as devidas
adaptações. O comércio estava abarrotado de produtos importados, os mais raros, caros e
inacessíveis. Neste período, as opções de lazer não deixavam nada a desejar à qualquer
cidade européia. As inúmeras apresentações teatrais, óperas, concertos, ou mesmo
encontros nos cafés, eram boas opções para este público, pequeno mas muito exigente e
rico. Quanto aos mais pobres ou os pequenos comerciantes, chegavam a trabalhar 14 horas
por dia. Somente a partir de 1908, com a determinação do fechamento do comércio às 6 da
tarde, as pessoas podiam se dedicar ao lazer ou a cursos de artes e mesmo de primeiras
letras, antes impossível pela rotina de trabalho.
A cidade, na administração de Eduardo Ribeiro, passou por uma reformulação e
planejamento urbano; todas as praças foram arborizadas e foram construídos os mais
imponentes prédios de Manaus (alguns dos quais, passam hoje por uma restauração).
Os prédios construídos nesse período são adaptações de estilos europeus, como
português, francês, inglês e italiano. Correspondem aos estilos muito difundidos nesses
países no final do século XIX. Entre as principais construções encontram-se:
O Teatro Amazonas, inaugurado em 1896; erguido no topo de uma colina, pode ser
visto de quase todos as partes do centro. Suas características são predominantemente art
nouveau, fachadas neoclássicas; além dos detalhes venezianos com os mármores, espelhos
e candelabros importados de Veneza.
O Palácio da Justiça em estilo neoclássico. O Palácio Rio Negro (hoje Centro
Cultural), possui elementos que identificam o gosto francês do início do século, o
neoclássico e o art nouveau. Foi construído pelo comerciante alemão Ernesto Scholtz, e
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 13
14. vendido ao Estado em 1917. A Cervejaria Miranda Corrêa, à margem do Rio Negro é uma
reprodução da arquitetura alemã do gênero. O prédio da Alfândega veio da Inglaterra em
peças, de arquitetura eclética, é reprodução de prédio inglês comum nas ruas de Londres de
1900. O mercado Adolfo Lisboa, em alguns aspectos arquitetônicos, é uma miniatura do
mercado de Paris.
O professor Otoni Mesquita19, em sua obra Manaus: História e Arquitetura,
descreve e analisa esses e outros prédios importantes do período e conclui que a arquitetura
de Manaus é uma arquitetura eclética. Além desses marcos, podemos encontrar ainda na
maioria das ruas do centro, os inúmeros palacetes (que correspondem às mansões de hoje) e
que pertencia à elite manauara que enriqueceu com a borracha. A população adquiriu
gostos europeus e se acostumou com a presença constante de empresas européias, como
menciona a professora Luiza Ugarte20:
... na Manaus do início do século, praticamente todos os serviços urbanos
estavam, por concessão, nas mãos de firmas inglesas que passaram a agenciar
melhoramentos ou mesmo criar serviços até então insistentes na cidade. Empresas
como a Manáos Markets, Manaus Tramways and Light, Manáos Improvements,
Amazon Engineering, Amazon Telegraph, Booth Line e Amazon River começaram a
fazer parte do cotidiano da população manauara.
A esse conjunto de transformações Otoni Mesquita21 chama de vitrine:
Como resultado das mudanças ocorridas no final do XIX, surgia com o novo
século uma outra cidade, que pode ser interpretada como a imagem da vitrine
instalada, resultado de uma série de transformações. Todo processo de mudanças,
com suas obras públicas, a introdução de novos costumes e a adoção de modernos
serviços públicos podem ser simbolicamente compreendidos como um “rito de
passagem” do processo de branqueamento através do qual a cultura local despia-
se das tradições de origem indígena e vestia-se com características ocidentais.
Esse "processo de branqueamento" ao qual se refere o professor Otoni, começa com
as normas determinantes da mudança de hábitos na população, como os decretos que
proibiam os banhos nos igarapés. As primeiras construções de estilo europeu ainda no
período colonial e as impressões pré-conceituosas deixadas pelos viajantes marcam a
19
Op. cit.
20
Op. Cit., p. 38.
21
MESQUITA, Otoni. Manaus: história e arquitetura (1852-1910). Manaus: Editora Valer, 1999, p. 147.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 14
15. necessidade dessa vitrine para esconder as tradições indígenas, que eram consideradas sinal
de atraso. Mas por traz desta vitrine, a população mais pobre via este crescimento mas não
usufruía dele. A cidade não se modernizava para todos, apenas para uma parcela da
população. Sobre esta época de luxo tem-se vasta bibliografia, mas sobre os contrastes
existentes, pouco se tem registrado. De acordo com a professora Luiza Ugarte Pinheiro,
Essa memória de uma Manaus enquanto "cidade criada pela borracha”
ganhou força nas palavras de Eduardo Ribeiro, que ao entregar o cargo de
governador, orgulhava-se de ter recebido uma aldeia e ter deixado em seu lugar
uma cidade moderna, o que acabou por cristalizar-se na produção historiográfica
sobre o tema.22
No período da borracha, dois espaços se apresentavam contrastantes para a
historiografia regional: de um lado tinha-se o seringal, um lugar de morte, um verdadeiro
inferno; do outro, a cidade, um lugar de prazeres e riqueza. A professora Luiza Ugarte 23
argumenta sobre a origem dessa historiografia de caráter saudosista, que vê nesse período,
apenas a cidade próspera e moderna, negligenciando suas desigualdades e conflitos
internos. Segundo ela, os escritores que ajudaram a cristalizar a imagem da cidade como
"Paris das Selvas", pertencem a gerações que presenciaram o declínio da economia
gomífera e que se voltam à "ilusão do fausto", pela sensação de perda vivenciada nos anos
40.
A professora Francisca Deusa24 também comenta sobre as duas realidades que
conviviam no mesmo espaço urbano neste período:
Parafraseando Giulio Carlo Argan, a Manaus ideal e a Manaus real,
existiram concomitantemente. O trabalhador e outros segmentos populares
habitavam o centro - lugar de ostentação do luxo - e os limites do perímetro
urbano. Eles aí se mantiveram em maioria, segregados não do espaço físico, mas
da visibilidade pública. as reformas que deram novo visual à cidade por meio de
desapropriações, demolições, e a renovação do parque arquitetônico ou os bens
culturais, objetivaram suplantar a imagem do atraso e do antiprogresso ligado à
pobreza.
22
PINHEIRO, M ª Luiza Ugarte. A cidade sobre os ombros: trabalho e conflito no Porto de Manaus -
1889-1925. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999, p. 25.
23
Op. cit.
24
COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando viver ameaça a ordem urbana. In Cidades. São Paulo:
Programa de História PUC-SP / Editora Olho d'Água, 1999, p. 86.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 15
16. As mudanças puderam ser observadas principalmente no centro da cidade, onde os
sistemas mais modernos eram instalados, como bondes, energia elétrica, teatros, praças
arborizadas e ornamentadas com esculturas e monumentos. Deusa Sena25 explica o porquê
das mudanças nesta área:
A principal área de investimentos durante as décadas de 1890 e 1910 foi o
centro da cidade. Sua valorização se deu por fatores conhecidos: transporte,
arruamento e pavimentação, iluminação pública, água encanada, esgotos etc.
enfim, serviços urbanos que, somados à proximidade do local de trabalho, faziam
desse espaço o lugar preferencial para a população da cidade.
Em relação às praças comenta: As praças, o ajardinamento, as grandes avenidas
tinham como função social trazer para dimensão pública um setor elitizado da
população.26 A função das praças era levar a público a riqueza de uma minoria. Os passeios
de bondes aos domingos era uma diversão de muitas famílias. Dos bondes se via a Manaus
glamourosa, seus prédios requintados, praças ornamentadas.27 Mas as classes mais pobres
insistiam em usar o espaço e as praças eram palco para manifestações e comemorações pós-
conquistas, até esse "privilégio" também ser negado, pois o poder público se aliava aos
interesses da elite, ou melhor, esta classe impunha determinações ao poder público. Durante
a greve geral de 1919, conta-nos a professora Luiza Ugarte28, vários setores reivindicavam
o cumprimento das 8 horas de trabalho, após uma trégua solicitada pelo governo, este
aplica uma punhalada aos trabalhadores, tirando-lhe o direito de se reunirem nas praças
para se organizarem em protesto aos empresários, a maioria ingleses. Foi construída uma
cidade para um grupo específico, para atender ao gosto reinante da época; buscando-se
com isso, apagar a imagem de povoado indígena. Desapropriou-se do uso do espaço,
grande parte da população.
25
Idem, p. 98.
26
COSTA, Deusa. Op. cit, p. 94.
27
COSTA, Selda Vale da. Eldorado das ilusões: Cinema e Sociedade: Manaus (1897-1935). Manaus:
Editora da Universidade do Amazonas, 1996, p. 7.
28
Op. cit.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 16
17. Mas o ciclo ostentoso chega ao fim imprimindo drásticas mudanças, segundo
Agnello Bittencourt29 que presenciou este período:
Durante os anos da Guerra de 1914-1918 e no período seguinte, com a
depressão econômica mundial, Manaus entrou em crise. Mais de um milhar de
prédios residenciais desalugados. Era comum pedir-se por favor que alguém
ocupasse uma casa, a título gratuito, ao menos para conservá-la.
Nesse período, é claro, praticamente nada se construiu. Apenas o
Governador Pedro d Alcântara Bacelar adquiriu o Palacete Scholz, hoje Palácio
Rio Negro, para sede própria (a primeira!) do Governo Estadual, em 1918, por
duzentos contos de réis.
Manaus depois da crise da borracha (1920-1967)
O período entre 1920 a 1967, é considerado por muitos historiadores como o
período da cidade em crise. Manaus estava vivendo o fim do ciclo da borracha, no período
anterior à instalação da Zona Franca. Mas para o professor José Aldemir30, este é na
verdade um período de festa. O professor José Vicente31, em seu trabalho Manaus: praça,
café, colégio e cinema nos anos 50 e 60, também segue esse pensamento e apresenta a vida
pública pulsante neste período.
Com a expansão da borracha, toda a cidade teve de se adaptar e modificar sua
estrutura para esse momento. As pessoas também tiveram seus modos e costumes
adaptados à riqueza do período. No entanto, nem todos participavam disso igualmente, a
grande maioria vivia das migalhas e era afastada das transformações que a cidade pudesse
lhe oferecer. Nesse período, tentou-se construir uma paisagem homogênea, rica e
glamourosa, afastando os pobres desse cenário. Isso pode ser observado nos textos que
tratam do período da borracha e principalmente nas fotografias e postais da época. Vê-se
uma cidade organizada e planejada, fruto de um urbanismo técnico e racional, que para
29
BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus: pródromos e seqüências. Manaus: Governo do Estado
do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura e Turismo/Editora da Universidade do Amazonas, 1999, p. 46.
30
OLIVEIRA, José Aldemir de. Cidade de Manaus: a homogeneidade do conjunto e a fragmentação do
detalhe. Texto extraído da Tese de Concurso Titular do autor apresentado no ICHL em 1999.
31
AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: praça, café, colégio e cinema nos anos 50 e 60. Manaus:
Editora Valer/Governo do Estado do Amazonas, 2002.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 17
18. abrir as grandes avenidas, construir palacetes, cafés e teatros, varre para fora da cidade rica,
a parte pobre da população.
Com o declínio da borracha, essa cidade dos ricos dá lugar à cidade dos pobres, e
vieram à tona os contrastes e conflitos antes abafados. A cidade em crise para os ricos é a
festa dos pobres pelo acesso, pelo direito à cidade. Esse acesso era facilitado pelas catraias,
pelos bondes, depois os ônibus, pelas balsas e pequenas embarcações. Até os anos quarenta,
as catraias eram o único meio de transporte coletivo para os bairros de Educandos e de São
Raimundo. Nos anos cinqüenta, eram o transporte alternativo 50% mais barato que os
ônibus. Quanto aos bondes, mais que transporte, era estilo de vida, diversão, ponto de
encontro. Entre as diversões estava o “Morcegar”, pegar o bonde em movimento e saltar
em seguida, e fazer “cerol”, colocando vidro nos trilhos para os bondes transformarem em
pó. Depois dos bondes vieram os ônibus, e a primeira empresa privada de transporte
coletivo de Manaus foi a Ana Cássia, na avenida Waupés, no bairro da Cachoeirinha.
O porto, na escadaria dos Remédios, era o ponto de chegada de muitas pessoas do
interior para a capital. Na década de cinqüenta, os barcos ancoravam na cidade flutuante,
que para quem chegava, dava a impressão de passageiro, improvisado, feio.
Os igarapés que antes funcionavam como lazer para a elite extrativista,
consolidaram-se como locais de encontro e festa para grande parte da população. Nesse
espaço e nesse tempo todos pareciam iguais. As pessoas divertiam-se mais porque era
exigido menos tempo para o trabalho. Foi um período de proliferação de clubes por toda a
cidade, que ofereciam festas aos adultos (com recomendação de elegância para os homens e
boa conduta para as mulheres), e manhãs de sol aos jovens, das 10:00 às 12:00, aos
domingos e com entrada franca.
Na área esportiva, além do futebol (que até a década de sessenta era amador), havia,
no bairro da Cachoeirinha (no quarteirão formado pelas ruas Santa Izabel, Urucará e
Silves), o Velódromo. Era um amplo estádio com pistas de patinação e quadras para vários
esportes. Nele aconteciam corridas ciclísticas e de motocicletas, das quais participavam
corredores de todo o Brasil e do exterior. O Velódromo foi construído no final do século
XIX e funcionou até a década de cinqüenta.
A partir de 1957, começou a acontecer o Festival Folclórico do Amazonas,
realizado inicialmente na Praça General Osório (hoje campo do Colégio Militar), passando
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 18
19. depois para a Praça da Bola da Suframa. As festas religiosas também encontraram mais
espaço. Além das festas católicas, outras aconteciam fora da área da igreja. Um dos marcos
foi o Centro Umbandista de Joana Galante “situado na subida da estrada de São Jorge, que
teve papel importante na expansão da cidade, pois foi a partir do terreiro, que se iniciou a
ocupação da parte noroeste da cidade, culminando com a construção da ponte sobre o
igarapé da Cachoeira Grande e a abertura da estrada para a Ponta Negra”.
Na área cultural o que marcou esse período foi o Clube da Madrugada, surgido a 22
de novembro de 1954. Os integrantes (intelectuais, músicos, escritores) se propunham a
compensar meio século de atraso na área da literatura e das artes na cidade. Outro evento
foi o cinema, inicialmente exibido para a elite no Teatro Amazonas e Polytheama e
posteriormente popularizando-se em locais mais acessíveis e também nas praças públicas.
Quanto às obras públicas, o professor Agnello Bittencourt32 comenta:
... o Dr. Araújo Lima, quando Prefeito (1926-1930), promoveu o
embelezamento dos jardins da Capital, com a realização de algumas obras
públicas, como o Relógio da Avenida Eduardo Ribeiro, próximo ao edifício dos
Correios, além da demolição de muitos cortiços existentes no perímetro urbano,
vários cobertos de palha.
Diante desses fatos podemos ter um outro pensamento: que a Manaus da crise é
uma cidade com espaço mais socializável; que o tempo da crise é um tempo de menos
trabalho e mais diversão; que as pessoas varridas para fora da cidade, nesse período fazem
parte dela e são usuárias de uma estrutura que antes lhes era negada.
Manaus: cidade-comércio
Manaus, antes mesmo de se constituir cidade, já despontava como entreposto
comercial, devido a sua localização, um ponto estratégico na confluência dos rios Negro e
Solimões. Otoni33 registra que:
Elizabeth Agassiz (ao passar por Manaus em 1865) ressaltou que a situação
da cidade, na junção dos rios Negro e Amazonas, fora uma das mais felizes
32
Op. cit., p. 46.
33
MSQUITA, Otoni. Op. cit., p. 40.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 19
20. escolhas, pois apesar de "insignificante" naquela época, mais tarde seria, sem
dúvida, "um grande centro de comércio e navegação".
O comércio em Manaus já havia sido desenvolvido no período da borracha, no
entanto, a criação da Zona Franca implementa um comércio mais intensivo e transforma a
estrutura urbana da cidade.
A Zona Franca: os progressos e problemas causados em Manaus
Criada pela Lei 3173, de 6 de junho de 1957, a partir do projeto do Deputado
Federal Francisco Pereira da Silva, a Zona Franca de Manaus só foi regulamentada em
1960 e começou a funcionar em agosto de 1967. Tinha o objetivo de promover o
desenvolvimento do interior da Amazônia, de acordo com a política desenvolvimentista do
governo militar e funcionaria por 30 anos.
A partir de seu funcionamento, a vida em Manaus foi modificada radicalmente.
Como uma avalanche foram surgindo novas casas comerciais e novamente a cidade se
encheu de gente nova em busca de enriquecimento rápido. Novamente a estrutura urbana de
Manaus teve de se adaptar às necessidades do comércio livre: houve um desenvolvimento
dos meios de transporte (navios de longo curso e aviões), começam a ser realizados vôos
diários; também há um crescimento dos meios de comunicação, como a TV (havia quatro
estações, uma educativa montada pelo Governo do Estado e três particulares e em cores);
canais de telefonia (com a instalação de uma delegacia da EMBRATEL). Também
expandiram o turismo (pelas belezas naturais e pela facilidade da compra de produtos
estrangeiros) e o setor imobiliário, inclusive com edifícios. A receita tributária do
município aumentou e o poder aquisitivo das pessoas também. Com isso, era alto o
consumo de gêneros alimentícios importados. Como uma segunda fase desse projeto de
desenvolvimento, foi construído um distrito industrial com infra-estrutura própria
(urbanização, serviços de água e iluminação). Como esse pólo necessitava também de mão-
de-obra qualificada, instituiu-se como apoio a Universidade Tecnológica do Amazonas
(UTAM).
Sendo a cidade um produto artístico, Argan34 declara que é natural que a mudança
do sistema de produção tenha transformado o que era um produto artístico, em produto
34
ARGAN, G. C. op. cit.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 20
21. industrial. E que essa mudança acarretou grandes infortúnios à ordem urbana, como os
acontecidos em Manaus. Em meio ao desenvolvimento vieram os problemas causados pela
implantação da Zona Franca como: o deslocamento em massa da população do interior,
causando um esvaziamento nesses municípios e vilarejos e um inchaço em Manaus,
resultando na formação de muitas favelas; o comércio ilegal de mercadorias; o
aparecimento de falsas indústrias, que se estabeleciam e algum tempo depois desapareciam
deixando o prejuízo ao Estado; o aumento da prostituição feminina e masculina,
principalmente na área central; o prejuízo ecológico causado pelos desmatamentos para a
construção de conjuntos habitacionais e a poluição dos igarapés e balneários; também uma
diminuição na produção de alimentos. Aos poucos, nas praças e ruas de Manaus, foi
destacando-se mais o valor de troca que o valor de uso. A busca pelo novo modificou a
paisagem do antigo centro, as casas tornaram-se lojas de departamentos, novas vitrines
modernas. Nesse período muitas praças cederam seu espaço a estacionamentos e novas
construções como o terminal de integração da Matriz. Muitas esculturas e monumentos que
ornamentavam estas praças foram removidos ou destruídos, enfim, a paisagem urbana foi
novamente renovada visando esquecer o período da crise.
Mas o declínio de muitas empresas da Zona Franca fez crescer nas ruas um grande
número de vendedores autônomos que se apropriaram das praças e ruas, tornando-as
espaços de troca. Hoje a área central da cidade é um espaço onde reina o comércio em
todos os sentidos. Não existe mais a perspectiva de construir a cidade para o futuro;
constrói-se para o aqui e agora. O fascínio pelo novo impede a valorização de monumentos
e construções antigas. E a falta desse olhar cuidadoso para o passado nos impede de
cristalizar as memórias presentes nas obras, nos impede de construir nossa própria
identidade.
Manaus foi perdendo as características de aldeia e foi transformada, no período da
borracha, em uma cidade cosmopolita, com uma estrutura urbana seguindo padrões
europeus. O centro da cidade foi projetado para a elite. Com o declínio da produção
gomífera, o espaço urbano recebeu novos usos, as praças principalmente, se transformaram
em ambiente coletivo. Nova adaptação acontece quando da implantação da Zona Franca,
onde a estrutura precisa se adequar aos novos padrões comerciais, à era dos arranha-céus. O
centro histórico se transforma em centro comercial e com o declínio de algumas empresas,
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 21
22. passa a ser palco do comércio informal. O centro sofre grandes degradações, é reinventado
e repossuído pela população.
Hoje, a área do Centro Histórico passa por algumas intervenções. São projetos como
Belle époque, que está restaurando alguns prédios antigos e conferindo-lhes uso; as praças
também estão sendo recuperadas, mas esse processo muitas vezes não é cuidadoso e, na
intenção de melhorar, descaracteriza-se os lugares e obras. A própria seleção do que
restaurar é um ato arbitrário, pois prevê a conservação de alguns marcos enquanto outros,
de igual importância são fadados ao desaparecimento. As intervenções operadas no tecido
urbano não seguem um pensamento contínuo, mas idéias individuais de seus
administradores.
De cidade-obra para cidade-produto: as mudanças da modernidade
Cada período da história pede transformações, as necessidades se modificam, o
homem evolui. Com isso, transforma tudo à sua volta e a cidade é o reflexo de todas essas
mudanças. E como ela vai assimilando essas transformações, podemos usar bem as palavras
de Argan ... nenhuma cidade jamais nasceu da invenção de um gênio, a cidade é o produto
de toda uma história que se cristaliza e manifesta35. Os vários períodos históricos da cidade
de Manaus, estão cristalizados nas obras. Complementando, podemos usar Munford, que
assim a descreve:
Em verdade, a partir de suas origens, a cidade pode ser descrita como uma
estrutura especialmente equipada para armazenar e transmitir os bens da
civilização e suficientemente condensada para admitir a quantidade máxima de
facilidades num mínimo de espaço, mas também capaz de um alargamento
estrutural que lhe permite encontrar um lugar que sirva de abrigo às necessidades
mutáveis e às formas mais complexas de uma sociedade crescente e de sua herança
acumulada. 36
Com o objetivo de concentrar facilidades num único espaço, a cidade organizou
uma força de trabalho mais qualificada, concentrou a distribuição de renda e operou uma
distinção entre seus moradores e os moradores de núcleos vizinhos, tirando-lhes a condição
35
ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.
244.
36
MUNFORD, Lewis. p. 38/39.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 22
23. de igualdade e reduzindo-os a súditos. E eis que surge a cidade: a partir do domínio de
técnicas agrícolas, da produção do excedente e da divisão de classes. Embora sendo
universal, a cidade é concebida a partir das particularidades de cada cultura, de acordo com
os utensílios, conhecimento, economia, sociedade e política. E essas formas são
modificadas com o tempo.
Entre outras necessidades, o homem busca a cidade para viver bem, nesse sentido é
a cidade grega que vai estabelecer inicialmente padrões estéticos e artísticos, como modelo
para o viver bem na cidade. A sociedade grega é quem estabelece os padrões culturais para
todo o ocidente, é o modelo de organização em todos os aspectos. Munford37 conta-nos que
o cidadão grego não vivia confortavelmente, mas que a beleza que encantava-lhe os olhos e
ouvidos, o mantinha satisfeito. Contudo, os avanços tecnológicos que, procuravam
melhorar a vida cotidiana, lhe tiravam a criatividade. O moderno urbanismo helenístico
produziu uma cidade de fachadas. O comércio e o crescente número de pessoas aumentou a
circulação. Na arquitetura, esse efeito se deu na padronização de prédios e fachadas. Os
monumentos eram vistos de vários ângulos, mas o edifício público helenístico deveria ser
visto por uma avenida principal. Tal princípio também fundamentou o processo de
urbanização adotado no século XIX, no qual se inspirou Eduardo Ribeiro, ao projetar o
Palácio do Governo ao final da grande avenida (hoje Av. Eduardo Ribeiro), cujos prédios
tinham fachadas padronizadas.
As ruas largas, a arquitetura, monumentos e obras de arte, fizeram da cidade helenística a
cidade do espetáculo, um recipiente de espectadores. E esse papel de espectador unia a
todos, pobres e ricos, nobres e humildes. O Império Romano também deixou suas marcas
na história da cidade. Os espaços abertos das cidades romanas, não sofreram mudanças
radicais até o século XVII. As cidades gregas e romanas serviam de museu a céu aberto, e
funcionaram assim até a institucionalização destes, no século XVIII. A beleza era usada
como um bálsamo para curar a perda da liberdade política e a criatividade cultural das
cidades gregas. Arquitetos e planejadores da era helenística, trabalhavam para alcançar
efeitos estéticos. O imperador Augusto orgulhava-se de ter encontrado uma cidade em
tijolos e ter deixado-a em mármore (a Eduardo Ribeiro costumou-se empregar que ele
encontrou uma aldeia e a transformou em cidade). Toda essa ostentação e vaidade, apego
37
Idem.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 23
24. ao materialismo e às riquezas na cidade grega, segundo Munford, deu origem às religiões
que exaltavam o espírito, em detrimento dos bens materiais. Foi uma revolta contra o nível
que atingira a civilização e sua sede por poder e riqueza. Mas se a beleza produzida em
Roma juntava pobres e ricos, em Manaus a classe mais pobre não se apropriava dela, não a
vivenciava como sua, não se sentiam parte dela.
Na concepção de cidade antiga, o uso dos espaços públicos e dos monumentos
merecia destaque. As plantas obedeciam o caminhar, o traçado natural, eram plantas
orgânicas. Durante a Antigüidade Clássica, Idade Média e Renascença, havia uma
preocupação artística em harmonizar prédios públicos, praças e monumentos. A cidade era
construída como uma obra, privilegiando o caminhar e o deliciar-se com fontes, esculturas
e monumentos. As ruas tortuosas possibilitavam o descobrir belezas. Havia uma
preocupação estética, uma necessidade de beleza.
A cidade barroca primou pela organização, e a avenida foi o fator principal. Passou
a ser um lugar para reunir espectadores; estes contemplavam o que se passava à sua frente
sem lhes pedir licença. Esse passar sem pedir licença era colocado em prática pelo
engenheiro militar italiano, que idealizava um plano para a cidade e o executava, ainda que
para isso tivesse que destruir habitações, monumentos, lojas, igrejas. É interessante notar a
semelhança de funções entre o engenheiro militar barroco e o engenheiro militar do século
XX. Eduardo Ribeiro era engenheiro militar e, inspirado nas mudanças promovidas pelo
barão Haussmann, implementou modificações significativas no tecido urbano da cidade,
abrindo avenidas e aterrando igarapés. Munford, critica a ação do barão, pois ao abrir
avenidas, abriu também feridas nas relações sociais e na história do lugar. Esse mesmo
pensamento pôs em prática o prefeito Jorge Teixeira, que em 1975, a fim de
descongestionar a cidade, abriu inúmeras avenidas e construiu pontes. Por outro lado,
passou por cima de praças e monumentos do Centro Histórico da Cidade.
Essa visão que presa pela geometria, pelo progresso, pela necessidade de
modernidade, é chamada de planejamento progressista, é ele que rege as modificações
operadas em Manaus. Em oposição a essa concepção de cidade, o século XIX também
discute o urbanismo culturalista, que toma como modelo a cidade antiga. Camillo Sitte38, é
considerado o iniciador do urbanismo culturalista, era arquiteto e historiador da arte.
38
SITTE, Camillo. Op. cit.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 24
25. Defende os padrões da cidade antiga em detrimento aos da cidade moderna. Seu livro A
Construção das Cidades Segundo seus Princípios Artísticos, defende essa tese de modelo
ideal da cidade baseada na antiga concepção de organização urbana: espaços fechados,
praças cercadas por prédios públicos e adornadas por esculturas.
Quanto aos espaços abertos, a praça não desapareceu na cidade barroca, apenas
ganhou uma nova finalidade urbana. Até então não havia sido utilizada para fins
residenciais. No barroco, a praça servia para aglomerar pessoas do mesmo ofício e posição,
ou melhor.
As novas praças, na verdade, atendiam a uma nova necessidade da classe
superior, ou melhor, a toda uma série de necessidades. Eram originariamente
construídas para famílias aristocráticas ou de mercadores, com o mesmo padrão de
vida, os mesmos hábitos. Se as fachadas uniformes da praça ocultavam diferenças
de opinião política e fé religiosa, havia talvez, no século XVII, necessidade extra
justamente deste tipo de arbítrio manto de classe, ocultar suas disparidades,
rivalidades e inimizades emergentes: gente nobre mostrava uma frente comum de
classe, que polidamente ocultava suas diferenças ideológicas e de partido. Aqueles
que residiam numa praça tinham, por esse simples fato, alcançado uma distinção
extra; e presumivelmente, poderia ter uma carruagem e cavalos...
Os espaços abertos da praça não eram concebidos, na verdade, como
lugares para caminhar e relaxar os músculos ao ar livre, como são usados hoje em
dia; constituíam, antes, locais de estacionamentos para veículos... Aquelas praças
abertas, ademais, podiam-se conduzir os convidados para uma grande festa, em
carruagens, sem causar exagerado congestionamento.39
No século XVIII, as praças tornaram-se jardins comuns, sem a visível barreira
social.
Após três revoluções: inglesa, americana e francesa, que derrubaram o poder
centralizado, o Estado pode tomar o poder de novo. O novo traçado urbano deveria
favorecer o poder do Estado, o que pode ser observado na construção de Washington, para
a qual foi chamado, segundo Munford, o francês Pierre – Charles L‟Efant.
L’Efant acreditava, em suas próprias palavras, que o “modo de tomar posse
de um distrito inteiro e melhorá-lo deve a princípio deixar à posteridade uma
grande idéia do interesse patriótico que o promoveu”: assim, até mesmo suas
praças deveriam ser transformadas em santuários com figuras esculpidas, “para
39
MUNFORD, Lews. Op. cit. p. 429.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 25
26. convidar a Juventude de gerações sucessivas a passar pelos caminhos daqueles
sábios ou heróis que seu país julgava conveniente celebrar”.40
As praças e ruas de Manaus, à época da República, ganharam elementos
(monumentos, nomes, esculturas), referentes a figuras importantes do momento político.
Assim como em todo o Brasil, ganhou obras para celebrar a República.
Da industrialização resulta a urbanização, o uso do espaço como mercadoria. Onde
predomina a troca pelas possibilidades de uso, embora toda mercadoria tenha seu valor
monetário e de uso. A forma da cidade é modificada. As ruas tornam-se retas e largas e não
há mais a preocupação com a harmonização de prédios, praças e monumentos. Inicia-se um
período de velocidade no olhar e no caminhar. Sobre esse caminhar na cidade moderna,
James Hillman41 diz que:
Caminhar hoje é principalmente um caminhar com os olhos. Não queremos
labirintos, nem surpresas. Sacrificamos os pés pelos olhos. Cidades mais antigas
quase sempre cresciam em torno dos rastros dos pés: trilhas, esquinas, caminhos,
entroncamentos. Essas cidades seguiam os padrões inerentes aos pés, em vez de
plantas desenhadas pelos olhos.
Há grande nostalgia nas palavras de Camillo Sitte, apaixonado pela cidade-obra-de-
arte, ao dizer que: As transformações em nossa vida pública foram tantas e tão irreparáveis
que muitas das antigas formas de construção perderam seu sentido – e quanto a isso nada
podemos fazer42. E uma das grandes mudanças foi a nova concepção de praça. Sitte43
estabelece a diferença entre as praças da cidade antiga e as praças da cidade moderna.
Nestas, as obras, de caráter monumental para produzir efeito, são colocadas ao centro,
ocupando assim todo o espaço; enquanto que naquelas, as obras eram dispostas ao longo da
praça, permitindo a colocação de várias obras e deixando o centro livre. Podemos visualizar
estas definições com a Praça São Sebastião, com um único monumento ao centro e a Praça
Heliodoro Balbi, um jardim onde várias obras estão dispostas.
40
Idem, p. 437.
41
HILLMAN, James. Cidade e Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
42
SITTE, Camillo. A Construção das Cidades Segundo Seus Princípios Artísticos. São Paulo: Ática, 1992,
p. 112.
43
Idem.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 26
27. Mas tudo isto são características da sociedade moderna pós Revolução Industrial,
quando a cidade, antes obra, passou a ser considerada produto. Antes da industrialização, a
estrutura da cidade correspondia a: centros de vida social e política, onde se acumulam não
apenas as riquezas como também os conhecimentos, as técnicas e as obras (obras de arte,
monumentos)44. Os investimentos aconteciam na cidade porque ela representava um
patrimônio, por isso eram construídas as obras de arte. Mas a cidade como obra, na visão
do período industrial, era muito dispendiosa e não oferecia vantagem econômica. A
realidade era outra, o capitalismo comercial e bancário tornou móvel a riqueza e
possibilitou a transferência; e a cidade tornou-se produto.
Nesse contexto, os núcleos urbanos transformaram-se para continuar existindo na
cidade tomada pela indústria; os centros antigos então, passaram a desempenhar dois
papéis: tornaram-se ao mesmo tempo lugar de consumo e consumo do lugar, tornaram-se
centros de consumo. E quanto ao centro comercial, ressurgiu, mas apenas como lembrança
do que foi a cidade antiga45. Este é o caso de Manaus e das suas praças que ganharam nova
função: lugar de consumo, sem perder a função de consumo do lugar.
Arte urbana e espaço público
A arte pública só se torna necessária
quando tem uma função,
quando é necessária para alguém.
Claudia Büttner46
Na obra História da Arte como História da Cidade47, Giulio Carlo Argan, fala do
espaço urbano como espaço de objetos. Estes objetos, por sua vez, constituirão e
qualificarão a imagem da cidade, sendo o monumento a auto-representação da cidade e de
sua história. Cita que: O que a produz [a obra de arte] é a necessidade, para quem vive e
opera no espaço, de representar para si de uma forma autêntica ou distorcida a situação
espacial em que opera.48
44
LEFEBVRE, Henry. O Direito à Cidade. São Paulo; Editora Moraes, 1991, p. 4.
45
Idem, p. 12/13.
46
BÜTTNER, Claudia. Projetos artísticos nos espaços não institucionais de hoje. In Cidade e Cultura:
esfera pública e transformação urbana. Vera M. Pallamin (org). São Paulo: Estação Liberdade, 2002, p. 88.
47
ARGAN, J. C. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 27
28. Vera Pallamin49 também fala do significado da arte urbana e sua relação com o
espaço público e a sociedade:
Sendo partícipe na produção simbólica do espaço urbano, a arte urbana -
compreendida no plano das relações sociais e não reduzida a uma sua dimensão
estetizada - repercute as contradições, conflitos e relações de poder que o
constituem. Nesse registro específico de sua tematização, associa-se direta e
indiretamente à natureza constituinte do espaço público, a questões de identidade
social e urbana, de gênero e expressões culturais que possam ou não nele vir a
ocorrer, às condições de cidadania e democracia.
Em relação às representações sociais que a arte nos espaços públicos tem para a
sociedade, Vera complementa:
Em meio aos espaços públicos, as práticas artísticas são apresentação e
representação dos imaginários sociais. Sendo um campo de indeterminação, a arte
urbana adentra a camada das construções simbólicas dos espaços públicos
urbanos, intervindo nos modos diferenciais da produção de seus valores de uso, sua
validade ou legitimação, assim como de discursos e formas sedimentadas de
representação cultural ali expostas. Pode criar situações de visibilidade e presença
inéditas, apontar ausências notáveis no domínio público ou resistências às
exclusões aí promovidas, desestabilizar expectativas e criar novas convivências,
abrindo-se a uma miríade de motivações.50
As manifestações artísticas efetivadas em locais públicos da área urbana, dizem
respeito à sociedade que a manifesta e usufruiu. Certamente estão embutidas nela, o poder e
as características peculiares do momento histórico. Hoje, especialmente, as formas de arte
apresentadas em locais públicos precisam inserir a população, ou melhor, precisam dar
espaço para que as pessoas se sintam parte dessas obras, precisam dar-lhe oportunidade de
interagir. Cláudia Büttner comenta a respeito:
Uma forma de arte a ser assimilada em público e que representa sobretudo
o próprio cidadão no espaço público parece ser uma das funções mais importantes
da arte pública numa democracia.
Vivemos num tempo em que funções importantes do ambiente público, como,
por exemplo, a de ver e ser visto, desapareceram das praças para serem
49
PALLAMIN, Vera M. Arte urbana como prática crítica. In Cidade e Cultura. Op. cit, p. 106.
50
Idem, p. 108.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 28
29. substituídas - de modo insatisfatório - por aqueles quinze minutos de fama nos talk
shows da TV a que, segundo Warshol, todos têm direito.51
Claudia acrescenta que por causa dessa necessidade, os artistas procuram inserir o
nome das pessoas nos espaços públicos, para que estas sintam atendidas as suas
necessidades de se destacarem no anonimato que as grandes cidades causam. E ainda que,
representar os moradores e incentivar a comunicação entre as pessoas, deveriam ser os
objetivos da arte pública.
Como possibilidade de comunicação, Claudia defende a função da arte como
transformadora da sociedade:
... é justamente a arte que oferece a possibilidade de dar forma aos
processos de comunicação. Enquanto na sociedade não existir um consenso sobre
conteúdo, tipo e função de monumentos, a falta de capacidade para o discurso
político exigirá uma arte que se estenda como uma oportunidade de comunicação
ou catalisadora de participação ativa e debate discursivo.
A arte é uma linguagem altamente desenvolvida, que criou estratégias e
processos diversos para transmitir conteúdos e atitudes. Já que ela foi capaz de
explicar realidades complexas em séculos passados, poderia passar a ver hoje a
sua missão mais nobre na tarefa de transformar indivíduos apolíticos e associais
em cidadão comunicativos e responsáveis.52
Observando os espaços públicos do Centro de Manaus e suas obras, percebemos o
inverso às tendências atuais da arte pública, mesmo porque há muito não se empreende
objetos artísticos nos locais públicos. As obras encontradas dizem respeito a um outro
tempo que não encontra significado para a maioria das pessoas porque estas desconhecem
sua própria história. As transformações urbanas, tão inevitáveis, acabam por destruir as
referências que as pessoas tentam formar dos lugares. Sobre esse processo de
transformação urbana que provoca incessante transformação na sociedade, Ana Fani
comenta:
A vida das pessoas se modifica com a mesma rapidez com que se reproduz a
cidade. O lugar da festa, do encontro quase desaparecem; o número de
brincadeiras infantis nas ruas diminui - as crianças quase não são vistas; os
51
BÜTTNER, Claudia. Op. cit, p. 85.
52
Idem, p. 79.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 29
30. pedaços da cidade são vendidos, no mercado, como mercadorias; árvores são
destruídas, praças transformadas em concreto...
Por outro lado, os habitantes parecem perderem na cidade suas próprias
referências. A imagem de uma grande cidade hoje é tão mutante que se assemelha à
de um grande guindaste, aliás, a presença maciça destes, das britadeiras, das
betoneiras nos dão o limite do processo de transformação diária ao qual está
submetida a cidade.53
A esse respeito, Nicolau Sevcenko fala que, no momento em que a sociedade atinge
seu mais alto nível de tecnologia e crescimento econômico, enfrentamos uma crise de
valores morais. E essa crise se dá pelo imediatismo reinante, ou seja, por uma "prática ética
do presentismo", que valoriza apenas o "presente imediatamente definido", e esquece o
passado.54 Sem a atenção ao passado, destrói-se os lugares e a vida reinante neles,
comprometendo as referências das pessoas e a própria história e memória destes lugares.
Essas transformações têm ainda outra razão de ser:
... o espaço da cidade é o instrumento ideal de exteriorização do poder. Aos
governantes, não bastam marcos edificados, obeliscos de vitórias, edificações
alusivas de suas gestões. Importa interferir na imagem da cidade, pois registram
nela, indelével, a marca de sua perpetuidade.55
Essa marca hoje se faz com a interferência, por vezes inescrupulosa, nos lugares
públicos e em suas obras. A retirada e colocação de objetos de um lugar para outro é uma
característica não só da nossa cidade, mas da cidade que se moderniza e prima pelo
presente imediato. A falta de cuidados com as obras e monumentos reflete o descuido com
a história e a memória da cidade.
53
CARLOS, Ana Fani A. A Cidade. São Paulo: Contexto, 2001, p. 19.
54
SEVCENKO, Nicolau. O desafio das tecnologias à cultura democrática. In Cidade e Cultura. Op. cit., p.
39.
55
MARTINS, Luiza. Op. cit, p.189.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 30
31. Capítulo 2 - Memória e Patrimônio
Memória: conceitos e classificações
Introdução aos conceitos de memória
A memória é um elemento essencial do que se costuma
chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma
das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades
de hoje, na febre e na angústia.56
No século XVIII, o Século das Luzes, a história declara independência da religião.
Há uma necessidade de reescrever uma história racional, universal, sem os infortúnios das
crenças. Segundo Edgar Salvadori57:
... o campo da memória, entendido como o lugar da transmissão dos valores
e das crenças, deveria ser investigado incansavelmente, por métodos adequados
para que se pudesse extrair desse universo de erros e equívocos a própria verdade
histórica.
A memória torna-se objeto da história que a transforma em dicionários e
enciclopédias. É a lógica do período, todo o conhecimento é disposto de forma ordenada;
conhecer é classificar. Por isso, "o dicionário e a enciclopédia tornaram-se o conhecimento
do mundo por meio do uso do método racional".58
Mas esta iniciativa não é inovadora, as civilizações antigas, segundo Le Goff 59, a
partir da escrita passaram a criar listas, glossários e tratados, para eles nomear também
significava conhecer. E acrescenta que "A memorização pelo inventário, pela lista
56
LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Fundação Editora
da UNESP, 1998, p, 476.
57
DECCA, Edgar Salvadori de. As desavenças da história com a memória. In: SILVA, Zélia Lopes da (Org.).
Cultura Histórica em Debate. São Paulo: Editora Unesp, 1995.
58
Idem.
59
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1992, p. 435.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 31
32. hierarquizada não é unicamente uma atividade nova de organização do saber, mas um
aspecto da organização de um poder novo".60
A instalação desta “historiografia profana”, que se opunha aos mitos, lendas e
superstições, "comprometeu sensivelmente o campo da memória coletiva e também as
percepções sobre a memória e seu lugar no campo do conhecimento”61. “Com o
desenvolvimento da escrita estas “memórias vivas” transformam-se em arquivistas.”62
O passado deveria ser sistematizado, para tanto, a memória no século XVIII,
... deveria ser objeto de uma nova definição, para que ela pudesse servir de
fonte para a crítica racionalista e ao mesmo tempo ser reinventada como um novo
lugar possível de acumulação e ampliação de conhecimentos. Não mais um lugar
onde imperasse as superstições e as crenças religiosas, mas o espaço material de
transmissão do conhecimento racional por meio de enciclopédias e dicionários e de
organização documental sistemática pela constituição de arquivos do passado.63
No século XIX, diz Le Goff, levanta-se uma civilização da inscrição, valorizando
monumentos, placas comemorativas,
... o movimento científico, destinado a fornecer à memória coletiva das
nações os monumentos de lembrança, acelera-se.
Entre as manifestações importantes ou significativas da memória coletiva,
encontra-se o aparecimento, no século XIX e no início do século XX, de dois
fenômenos. O primeiro, em seguida a Primeira Guerra Mundial, é a construção de
monumentos aos mortos. (...)64
O segundo é a fotografia, que revoluciona a memória: multiplica-a e
democratiza-a, dá-lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas,
permitindo assim guardar a memória do tempo e da evolução cronológica.65
Em relação aos monumentos aos mortos, Françoise Choay66 os classifica de
"comemorativos", e exemplifica com algumas "relíquias" das guerras transformadas em
60
Idem, p. 436.
61
DECCA, Edgar Salvadori de. Op. cit.
62
LE GOFF, Jacques. Op. cit., p. 437.
63
Idem.
64
LE GOFF, op. cit., p. 464.
65
Idem, p. 465 e 466.
66
CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: editora UNESP, 2001,
p.23/24.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 32
33. monumentos. Os quais não precisam da mão do artista para edificá-lo e que, por seu caráter
trágico e simbólico para a sociedade, produzem tanto efeito.
No século XIX, Manaus passa por um grande processo de modernização e
embelezamento das praças, com a importação de obras monumentais e artísticas, efeito das
recentes transformações pelas quais passava a Europa. A lembrança deste período está
presente nos logradouros e prédios erguidos à essa época e são fontes constantes para a
retomada da história da cidade nesse período. É o que Michael Pollak67 menciona como
dispositivos da memória, pontos de referência para a memória coletiva, e o que Pierre
Nora68 denominou de lugares de memória.
Memória individual - Memória coletiva - Memória histórica
Maurice Halbwachs69 escreveu depois da II Guerra Mundial, publicou seu
livro sobre as memórias coletivas em 1950, no momento em que se começava a ter
noção do papel do indivíduo; quando se constitui as ciências sociais e estas
transformam a memória coletiva. Colaboram a sociologia, a psicologia social, a
antropologia, aliados ao medo de uma perda de memória; é nesse período então,
diz Le Goff, que a memória torna-se objeto da sociedade de consumo. Halbwachs
definiu esses três conceitos de memória: memória individual, memória coletiva e
memória histórica.
Segundo ele, a memória individual precisa da coletiva, embora não se confunda
com ela e o indivíduo participa dessas duas espécies de memória. Não está totalmente
fechada, isolada, precisa emprestar palavras e idéias do seu meio. E como somos produto
do meio, a memória individual é construída a partir da memória coletiva. Halbwachs
trabalha com duas categorias: tempo e lugar.
67
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Rio de Janeiro: Estudos históricos, vol. 2.1989.
68
NORA, Pierre, op. cit.
69
HALBWACHS, Maurice. Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 33
34. Memória oficial
Como memória oficial, compreende-se aquela registrada e ensinada nas escolas.
Escrita por quem está no poder. Cristalizada nas denominações oficiais de ruas e praças e
na construção de monumentos. Caracteriza-se também por criar heróis simbólicos, datas e
festas comemorativas de interesse do Estado. Os monumentos analisados neste trabalho,
dizem respeito à este tipo de iniciativa, são classificados como monumentos
comemorativos, implantados para a construção de uma memória histórica e coletiva.
Memória subterrânea
Quem trabalha o conceito de memória subterrânea é Michael Pollak70, no seu artigo
“Memória, Esquecimento, Silêncio”, onde estabelece também o conceito de memória em
disputa:
... Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das
minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas que,
como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à
“memória oficial”, no caso a memória nacional. (...) essas memórias subterrâneas
que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase
imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e
exacerbados. A memória entra em disputa. Os objetos de pesquisa são escolhidos
de preferência onde existe conflito e competição entre memórias concorrentes71.
Ainda sobre a memória subterrânea, Pollak acrescenta:
A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável,
separa, em nossos exemplos, uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil
dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada que
resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam passar e
impor.72
70
POLLAK, Michael, op. cit.
71
Idem, p. 4.
72
Idem, p. 8.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 34
35. A cidade de Manaus, hoje se depara com a imersão em alguns pontos, de elementos
que estão trazendo à tona a memória subterrânea. São os artefatos indígenas que estão
sendo encontrados e que revelam uma cidade subterrânea com história e memória diferente
da cidade construída. A cidade construída no período da borracha, visava passar uma
imagem de modernidade por uma necessidade de fazer parte do mundo moderno,
enterrando e escondendo qualquer resquício de atraso, representado não só pela cultura
indígena, mas por vários grupos que foram excluídos. Essa visão surge hoje, com alguns
trabalhos acadêmicos que colocam em disputa essa memória da cidade moderna com a
memória subterrânea, vivida por essa sociedade esquecida. A análise que se pretende com
este trabalho, busca localizar entre essas memórias, a importância dos monumentos
construídos, como reflexo da modernização, da necessidade de construir uma memória
coletiva, de guardar datas, mas também de materializar momentos históricos importantes
para a cidade. Porque, como afirma Pierre Nora73, as memórias não são espontâneas, é
necessário que se mantenham os "lugares de memória" e esses monumentos incorporam
essa função. Outro fator importante, é o de que não há um passado uníssono, bem como não
existem lugares sem conflito, daí surgem as memórias em disputa. Logo, cada monumento
analisado, cada espaço da cidade guarda diferentes memórias e histórias.
O lugar como cristalização da memória
Pierre Nora74 discute a questão dos lugares como cristalização da memória e sua
localização entre a memória e a história. Declara o fim das sociedades–memória, das
ideologias-memória e por isso a necessidade desses lugares de memória. Esse estudo dos
lugares, segundo ele, está entre dois movimentos, um estritamente historiográfico e outro
histórico, que declara o fim da memória.
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória
espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários,
organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas
operações não são naturais. É por isso a defesa, pelas minorias, de uma memória
refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais faz do
73
NORA, Pierre, op. cit.
74
Idem.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 35
36. que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem
vigilância comemorativa, a história depressa os varreria. São bastões sobre os
quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria,
tampouco, a necessidade de construí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as
lembranças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, a
história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e
petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os
constitui: momentos de história arrancados do movimento da história, mas que lhe
são devolvidos. Não mais inteiramente a vida, nem mais inteiramente a morte, como
as conchas na praia quando o mar se retira da memória viva.75
Além dos monumentos, objeto desta pesquisa, algumas construções do entorno da
Praça Dom Pedro II, constituem lugares de memória, como o Palácio Rio Branco, o prédio
da antiga Prefeitura, o Arquivo Público e o Hotel Cassina. Valem aqui algumas reflexões
sobre eles.
O Palácio Rio Branco, também conhecido como “prédio da Assembléia
Legislativa”, de acordo com Wanderley Martins76, teve sua construção iniciada em 1905,
mas as obras passaram longo período paralisadas, retornando apenas em 1934. O prédio foi
inaugurado em 7 de setembro de 1938. Em 1993 sofreu reforma. É um ícone da
arquitetura da belle époque, um símbolo do poder do Estado, principalmente pelo seu uso, a
Assembléia Legislativa. Atualmente no seu hall de entrada, funciona um museu. À sua
entrada fica um guarda que orienta quem procura os parlamentares e apresenta as
exposições. Como toda a praça está fechada para reforma, eventualmente este prédio pode
sofrer algumas interferências, além das adaptações feitas em sua estrutura.
Quanto ao prédio da antiga Prefeitura,
Conhecido como “Paço Municipal”, seu verdadeiro nome é “Paço da
Liberdade”, sua construção foi iniciada em 1874. Em 1879 ele passa a abrigar a
sede do Governo Provincial e, posteriormente, com a Proclamação da República,
passa a ser utilizado como Administração do Governo Republicano. Novamente, em
1917, começa a sediar o Governo Municipal, quando o Governo do Estado instala-
se no Palácio Rio Negro.77
Sobre ele Leandro Tocantins escreveu:
75
Idem, p. 13.
76
SANTOS, Wanderley Martins dos. AMAZONAS. Assembléia Legislativa. Sinopse Histórica: 1852-
1994. Manaus: Imprensa Oficial, 1994.
77
CAMINHANDO por Manaus. P. 61.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 36
37. E se há referência a formas gregas, é justo logo salientar o prédio da
Prefeitura Municipal, antigo palácio dos Presidentes de província, na Praça Pedro
II, construído dentro das linhas do neoclassicismo brasileiro de Grandjean de
Montigny. Seu tranqüilo pórtico de colunas gregas e frontão reto empresta-lhe
majestade imperial. É o mais harmonioso edifício da capital. 78
“O mais harmonioso edifício da capital”, encontra-se há um ano, desativado e
cercado por compensados com a intenção de deter a ação de vândalos, o que, segundo as
pessoas na praça, não acontece. O prédio que é o mais antigo da cidade e que foi erguido
durante o período imperial para servir ao Presidente da Província, está abandonado, aguarda
reforma e nova adaptação que o tornará um museu, possivelmente.
No canto da praça, vê-se a estrutura em ruínas do antigo Hotel Cassina,
De propriedade do comerciante italiano Andréa Cassina, foi construído em
1899 e durante anos foi hotel de 1º classe, que hospedava ricos comerciantes e
atores teatrais famosos, de passagem por Manaus, vindos do sul do país ou do
exterior. (...) A Prefeitura de Manaus planeja restaurá-lo para devolvê-lo à
comunidade em toda a sua beleza do início do século, mas pertence ainda, a uma
família local. A história do Amazonas da época da borracha está muito ligada ao
jogo e ao Hotel Cassina, (...) Com a crise dos anos 20 e 30 e o conseqüente
empobrecimento das populações o hotel pouco-a-pouco transformou-se em pensão
e cabaré. Havia dança no térreo e jogo no 1º andar. Nos anos 40 decai mais ainda
tornando-se lugar de prostituição e encerra as suas atividades nos anos 50. Desde
então abandonado, hoje ainda é conhecido como Cabaré Chinelo, em decorrência
da decadência que caracterizou seus últimos anos de boêmia.79
Este prédio representa hoje, um retrato vivo da decadência da borracha. Mas está de
pé, na sua função de lugar de memória, como a "imortalizar a morte".
O prédio onde fica localizado o Arquivo Público, já é um lugar de memória pela sua
idealização, além do seu significado histórico e arquitetônico:
... o prédio onde funciona o Arquivo Público do Estado do Amazonas, [foi]
criado em 1852 e regulamentado em 1897, que possui vasto acervo, inclusive com
manuscritos da época da Província, e documentos oriundos da administração
78
TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida. Manaus: Editora Valer/Edições Governo do Estado, 2000,
p. 229.
79
CAMINHANDO por Manaus, p. 59, 60, 61.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 37
38. pública estadual. A edificação perdeu sua originalidade em decorrência das muitas
transformações sofridas.80
Esse significado se torna maior pelos documentos que guarda. É uma casa da
memória, como falou a professora Socorro Jatobá, em uma palestra intitulada “O museu: a
casa da memória”, proferida no Museu Amazônico, no dia 5 de fevereiro de 2002. Na
ocasião ela explicou que o museu foi criado na Antigüidade por Ptolomeu II, em
homenagem ao personagem mítico Orfeu, que prestava serviço às musas. Era um espaço
para reflexão, nele se reuniam pessoas para falar sobre arte, ler poemas. E essa iniciativa
durou quase 7 séculos. Lembrou que os antigos não tinham as noções de acervo,
patrimônio, obras de arte que temos hoje. Falou da importância do museu hoje, em que
vivemos uma supervalorização do presente. O museu realizaria, através de seus objetos, um
exercício de memória; seria uma força de resistência à manipulação da memória. O museu
teria o papel de educar o olhar. Além dos museus seriam casas de memória os arquivos,
bibliotecas, galerias de arte.
No Arquivo Público da praça Pedro II estão guardados registros antigos da história
da cidade. Alguns ainda podem ser consultados, outros não. Quem precisar ir ao Arquivo
vai se surpreender com as condições do lugar e de seu acervo. Há apenas uma bibliotecária
que é a Diretora; poucos documentos estão organizados em ordem cronológica; não há ar
condicionado, apenas um ventilador na sala do acervo; no espaço destinado a consultas,
cadeiras sem estofamento, uma mesa e as janelas abertas para iluminar o ambiente pois as
lâmpadas estão queimadas. Os próprios funcionários parecem não saber do valor que
aquele ambiente e as obras que ali se encontram, tem para a história e a memória da cidade.
Em relação a guardar a memória em arquivos, fato preponderante em nosso século,
Pierre Nora comenta:
Menos a memória é vivida no interior, mais ela tem necessidade de suportes
exteriores e de referências tangíveis de uma existência que só vive através delas.
Daí a obsessão pelo arquivo que marca o contemporâneo e que afeta, ao mesmo
tempo, a preservação integral de todo o presente e a preservação integral de todo o
passado.81
(...)
80
CAMINHANDO por Manaus. p. 61.
81
NORA, Pierre, op. cit. p. 14.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 38
39. A lembrança é passado completo em sua reconstituição a mais minuciosa. É
uma memória registradora, que delega ao arquivo o cuidado de se lembrar por ela
e desacelera os sinais onde ela se deposita, como a serpente sua pele morta. (...) O
que nós chamamos de memória e, de fato, a constituição gigantesca e vertiginosa
do estoque material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável
daquilo que poderíamos ter necessidade de nos lembrar. (...) À medida em que
desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados a acumular
religiosamente vestígios, testemunhos, documentos, imagens, discursos, sinais
visíveis do que foi, como se esse dossiê cada vez mais prolífero devesse se tornar
prova em não se sabe que tribunal da história. (...)
Assim, a materialização da memória, em poucos anos, dilatou-se
prodigiosamente, desacelerou-se, descentralizou-se, democratizou-se.82
Esse processo é causado pelo efeito globalização, pelos meios de comunicação que
lançam muitas informações com pouco tempo para assimilá-las, então para não esquecer é
necessário registrar, guardar em arquivos. No Globo Repórter, exibido pela Rede Globo em
22 de março de 2002, uma psicóloga comenta a “curta memória” dos jovens, ao estudar os
mecanismos pelos quais os mais velhos conseguiram guardar informações históricas e
lembrar de personalidades e datas marcantes da história do mundo e da história do Brasil.
Para ela, na época lembrada pelos idosos, não havia tanta informação para ser assimilada e
havia tempo para esse processo de fixação; enquanto que hoje, tudo acontece muito rápido,
a realidade é on line, a mente não está preparada para memorizar tantos dados.
Outro dado importante é que não se tem a necessidade de armazenar estes dados na
memória, pois eles estão escritos nos jornais, transmitidos na televisão, saem em revistas,
são publicados em livros, podem ser arquivados no computador, em disquetes. A memória
está à mão, sempre. É o que diz Nora: “Produzir arquivo, é o imperativo da época.”83
Françoise Choay84, refere-se às novas formas de memória citando Victor Hugo, que previu
a morte do monumento depois da invenção da imprensa. Ela diz:
Sua intuição visionária foi confirmada pela criação e pelo
aperfeiçoamento de novas formas de conservação do passado: memória das
técnicas de gravação da imagem e do som, que aprisionam e restituem o passado
sob uma forma mais concreta, porque se dirigem diretamente aos sentidos e à
82
Idem, p. 15.
83
Idem, p. 16.
84
CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: editora UNESP, 2001,
p.21.
Patrimônio e Memória da Cidade – Evany Nascimento / Luiz Balkar Peixoto 39
40. sensibilidade, "memórias" dos sistemas eletrônicos mais abstratos e incorpóreos.
As imagens são meios de transmissão da memória social, são usadas para construir
e ajudar a reter e transmitir memórias. Estão diretamente relacionadas ao poder,
principalmente os monumentos públicos. A esse respeito, Peter Burke85 diz que:
Historiadores dos séculos XIX e XX, em particular, vêm dedicando um
interesse cada vez maior aos monumentos públicos nos últimos anos, precisamente
porque esses monumentos ao mesmo tempo expressavam e formavam a memória
nacional.
Em relação às obras artísticas existentes nas praças de Manaus, é notório que a
grande maioria foi importada e pertencem a um período característico da história da cidade
e das modernas concepções de cidade e espaço público. São ícones da memória nacional,
pois existem obras semelhantes às nossas em outros estados brasileiros. Também
representam, como atestam alguns historiadores, uma imposição, um recurso para uma
espécie de branqueamento da população, para que esta esquecesse sua identidade indígena.
O prof. Otoni Mesquita86, analisando a arquitetura de Manaus da belle époque, diz que:
Todo processo de mudanças, com suas obras públicas, a introdução de
novos costumes e a adoção de modernos serviços públicos podem ser
simbolicamente compreendidos como um “rito de passagem” do processo de
branqueamento através do qual a cultura local despia-se das tradições de origem
indígena e vestia-se com características ocidentais.
A prof. Bernardete Andrade, em palestra proferida na UA, em janeiro deste ano,
apresentou sua tese de mestrado que trata da memória indígena, ou melhor, da inexistência
de uma memória indígena em Manaus. Falou que a presença indígena em nossa cidade
encontra-se no subterrâneo, nos achados arqueológicos, que a paisagem da cidade não fala
dos índios. A professora busca a memória soterrada embaixo da cidade e das obras
européias, busca a memória subterrânea a que se refere Michael Pollak.87
85
BURKE, Peter. Variedades de História Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 75.
86
MESQUITA, Otoni. Manaus: história e arquitetura (1852-1910). Manaus: Editora Valer, 1999, p. 147.
87
Op. cit.
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