O documento discute o potencial da Internet para além da comunicação, analisando se ela pode ser usada para "maximizar o potencial para emergir" de situações de convívio ou se há um "efeito contraproducente paradoxal". Também analisa se a estrutura descentralizada da Internet pode ser usada para fins insurrecionais ou se acabou se tornando mais uma ferramenta de vigilância e controle pelo capital global.
BEY, Hakim (1997) - Sedução dos zumbis cibernéticos
1. Sedu¸˜o dos Zumbis Cibern´ticos
ca e
Hakim Bey
18 de agosto de 1997
(Para Konrad e Marie)
Para come¸ar, ajudaria se pud´ssemos falar sobre redes (nets) em vez de A Rede (The
c e
Net). Apenas os mais extr´picos crentes na Net ainda sonham com ela como solu¸˜o
o ca
final. Pensadores mais realistas rejeitaram a cyber-soteriologia, mas aceitam a Rede como
ferramenta (ou arma) vi´vel. Eles concordariam que outras redes devem ser configuradas
a
e mantidas simultaneamente com ”a”Rede – de outra maneira, ela se torna apenas outro
meio de aliena¸˜o, mais envolvente que a TV, talvez, mas de qualquer maneira mais total
ca
em sua hipnose.
As outras redes obviamente incluem – primeira e principalmente – padr˜es de conv´
o ıvio
e comunicatividade. Empresto este termo da frenologia do s´culo XIX – aparentemente
e
existe um calombo de comunicatividade em algum lugar no crˆnio – mas eu o uso para
a
significar algo como o ”di´logo”de Bakhtin transposto para o registro do social; onde o
a
conv´ıvio implica presen¸a f´
c ısica, a comunicatividade pode tamb´m incluir outras m´
e ıdias.
Mas – como o hermetismo nos ensina – o ato positivo do significado comunicativo, seja
cara-a-cara (mesmo que sem fala), ou mediado simbolicamente (por texto, imagem, etc.),
´ sempre confrontado por sua negatividade. Nem toda a ”comunica¸˜o”comunica, mapa
e ca
n˜o ´ territ´rio, e assim vai. ”Programas interativos”n˜o tˆm o menor sentido entre seres
a e o a e
vivos, mas, de fato, nenhum meio ´ privilegiado ou completamente aberto. Como Blake
e
poderia dizer, cada meio tem a sua forma e o seu espectro.
O que precisamos, ent˜o, ´ uma ”an´lise espectral”Blakeana da Net. Uma ”an´lise
a e a a
Fourierista”tamb´m poderia ser util (n˜o o Fourier matem´tico, mas o Fourier Socialista
e ´ a a
Ut´pico). Mas estes fil´sofos eram verdadeiros hermeticistas, enquanto n´s podemos
o o o
apenas colar alguns cacos sobre o que quer que seja.
A quest˜o impl´
a ıcita: – a Net vai al´m do prop´sito de comunicatividade, e pode
e o
ser usada como ferramenta para ”maximizar o potencial para emergir”de situa¸˜es de
co
conv´ıvio? Ou existe um ”efeito contraproducente paradoxal”(como Ilich diria)? Em ou-
tras palavras: a sociologia das institui¸˜es (e.g. educa¸˜o, medicina) chega ` rigidez
co ca a
monopol´ ıstica e come¸a a produzir o oposto do efeito pretendido (a educa¸˜o estupidi-
c ca
fica, a medicina faz adoecer). A m´ ıdia tamb´m pode ser analisada desta maneira. A
e
m´ıdia de massa, considerada como entidade paradoxal, se aproximou de um limite de
enclausuramento total pela imagem – uma crise da estase da imagem – e de completo
desaparecimento da comunicatividade. O que se considerava que tornava a Net t˜o singu-
a
lar eram os seus padr˜es ”de-muitos-para-muitos”, tendo como implica¸˜o a possibilidade
o ca
1
2. de uma democracia popular eletrˆnica. A Net ´ uma institui¸˜o, pelo menos no sentido
o e ca
lato da palavra. Ela serve ao seu prop´sito ”original”, ou h´ um efeito contraproducente
o a
paradoxal?
Outro padr˜o original dentro da Net ´ a sua descentralidade (sua heran¸a ”militar”);
a e c
isto lan¸ou a Net numa esp´cie de guerra com os governos. A Net ”cruza fronteiras”como
c e
um v´ ırus. Mas nisto a Net partilha certas qualidades com, digamos, as corpora¸˜es co
transnacionais (”zaibatsus”) – e com o pr´prio Capital nˆmade. O ”nomadismo”tem sua
o o
pr´pria forma e espectro. Como a Na¸˜o Islˆmica dos Cinco Porcento coloca, ”nem todo
o ca a
irm˜o ´ um irm˜o”. A molecularidade ´ uma t´tica que pode ser usada contra e a favor da
a e a e a
nossa autonomia. Estar informado compensa. E podemos ter certeza que a Inteligˆncia e
Global paga bem por sua informa¸˜o; – certamente a Net j´ est´ completamente penetrada
ca a a
pela vigilˆncia... cada bit de um email ´ um cart˜o postal para Deus.
a e a
Os nossos exemplos favoritos do uso imaginativo e insurreicion´rio da Net – o Caso
a
McCal´nia, o Caso da Cientologia, e acima de tudo os Zapatistas – provam que a es-
u
trutura descentralizada de muitos-para-muitos tem potencial de verdade (o McDonalds
ganhou a batalha mas parece estar perdendo a guerra – as franquias ca´ ıram em 50%!).
Ludditas que negam isto simplesmente est˜o se fazendo parecer desinformados – e muito
a
mal dispostos na dire¸˜o das boas causas. Os Ludditas originais n˜o eram quebradores
ca a
de m´quina indiscriminados – eles tencionavam defender seus teares manuais e o trabalho
a
em casa contra a mecaniza¸˜o e centraliza¸˜o nas f´bricas. Tudo depende da situa¸˜o, e
ca ca a ca
a tecnologia ´ apenas um fator numa situa¸˜o complexa e superestimada. Exatamente o
e ca
que ´ que precisa ser esmagado?
e
O Capital Global abra¸a abertamente a Net por que a Net parece ter a mesma estrutura
c
do Capital Global. Ele anuncia a Net como O Futuro Agora, e protege os cidad˜os a
virtuais desses governos velhos e maus. Afinal, a Net ´ mesmo o paradigma de um
e
Mercado Livre, n˜o? O sonho de um Libert´rio. Mas secretamente o Capital Global
a a
(perdoem pela fal´cia pat´tica – puxa, eu n˜o consigo parar de reificar o Capital...)...
a e a
secretamente, o Capital Global deve estar doente de preocupa¸˜o. Bilh˜es de d´lares de
ca o o
investimento foram tragados pela Net, mas a Net parece agir como um astro eclipsado: –
h´ um efeito de penumbra, mas o planeta est´ negro. Talvez um buraco negro. Afinal,
a a
Hawking provou que mesmo buracos negros produzem uma quantidade m´ ınima de energia
– alguns milh˜es de pratas, talvez. Mas essencialmente n˜o h´ dinheiro circulando na
o a a
Net, nem dinheiro saindo dela. Parece que a Net pode agir metaforicamente como uma
”feira livre”at´ certo ponto (possivelmente bem mais do que j´ age) – mas falhou em
e a
se desenvolver como um Grande Mercado. A WWW n˜o parece estar ajudando muito
a
neste ponto. A ”Realidade Virtual”come¸a a se parecer com mais um futuro perdido.
c
IntraNets, transmiss˜o personalizada de dados e ”televis˜o interativa”s˜o as estrat´gias
a a a e
propostas pelos Zaibatsus para colonizar o que resta da Net. O e-cash n˜o parece estar
a
dando conta.
Enquanto isso, a Net toma o aspecto n˜o apenas de uma feira livre sem corpo, mas
a
tamb´m de uma favela ps´
e ıquica. Avatares predat´rios – desinformacionistas – dados so-
o
bre trabalho escravo nas pris˜es americanas – cyber-estupro (viola¸˜o do corpo de dados)
o ca
– vigilˆncia invis´ – ondas de pˆnico (Pedofilia, Nazistas-na-Net, etc) – invas˜es mas-
a ıvel a o
sivas de privacidade – propaganda – todo tipo de polui¸˜o ps´
ca ıquica. Sem mencionar a
possibilidade de lavagem cerebral biˆnica, s´
o ıdrome do t´nel carpal, e a sinistra presen¸a
u c
2
3. em cinza e verde das pr´prias m´quinas, como nos cen´rios dos velhos filmes de ficc¸˜o
o a a ca
cient´
ıfica (o futuro como design pobre).
De fato, como Gibson previu, a Net j´ est´ virtualmente assombrada. Cemit´rios
a a e
na web para cyber-mascotes mortos – obitu´rios falsos – Tim Leary ainda mandando
a
mensagens pessoais – mestres ascensos do ”Heaven’s Gate-- sem mencionar a j´ vasta ar-
a
queologia da pr´pria Net, os n´
o ıveis da Arpa, velhas BBSs, linguagens esquecidas, p´ginas
a
da web abandonadas. De fato, como algu´m disse na ultima conferˆncia da NETTIME
e ´ e
em Liubliana, a Net j´ se tornou um tipo de ru´ romˆntica. E aqui, no n´ mais ”es-
a ına a ıvel
pectral”da nossa an´lise, repentinamente a Net come¸a a parecer... interessante de novo.
a c
Uma pitada de horror g´tico. A sedu¸˜o dos Zumbis Cibern´ticos. Fin-de-millenium,
o ca e
flores de estufa, l´udano.
a
Enfim.
Vivemos num pa´ em que 1% da popula¸˜o controla metade do dinheiro – num mundo
ıs ca
onde menos que 400 pessoas controlam metade do dinheiro – onde 94.2% de todo o di-
nheiro se refere apenas a dinheiro, n˜o a produ¸˜o de qualquer tipo (exceto de dinheiro);
a ca
– um pa´ com a maior popula¸˜o carcer´ria per capita do mundo, onde ”seguran¸a”´ a
ıs ca a c e
unica ind´stria que cresce (fora a do entretenimento), onde uma insana guerra `s drogas
´ u a
e ao meio-ambiente ´ concebida como a ultima fun¸˜o v´lida do governo; – um mundo
e ´ ca a
de ecoc´ıdio, agrobusiness, desflorestamento, assassinato de popula¸˜es ind´
co ıgenas, bioen-
genharia, trabalho for¸ado – um mundo constru´ na afirma¸˜o de que o lucro m´ximo
c ıdo ca a
para 500 empresas ´ o melhor plano para toda a humanidade – um mundo em que a
e
imagem total absorveu e sufocou as vozes e mentes de cada falante – em que a imagem
da troca tomou o lugar de todas as rela¸˜es humanas.
co
Em vez de resmungar clichˆs liberais sobre tudo isto – ou levantar a perturbadora
e
quest˜o da ”´tica-- permita-me simplesmente comentar como um anarquista Stirneriano
a e
(um ponto de vista que ainda acho util depois de todos estes anos): – presumindo que o
´
mundo seja a minha ostra, eu estou em guerra pessoal contra todos os ”fatos”acima, por
que eles violam os meus desejos e impedem os meus prazeres. Portanto, procuro alian¸a c
com outros indiv´ıduos (numa ”uni˜o de independentes”) que partilham de minhas metas.
a
Para os Stirnerianos de esquerda, a t´tica favorita sempre foi a Greve Geral (o mito
a
Soreliano). Em resposta ao Capital Global n´s precisamos de uma nova vers˜o deste mito
o a
que possa incluir estruturas sindicalistas mas n˜o se limitar a elas. O velho inimigo dos
a
anarquistas sempre foi o Estado. Ainda temos o Estado para nos preocupar (seguran¸as c
no Shopping universal), mas claramente os inimigos reais s˜o os zaibatsus e bancos (o
a
maior erro na hist´ria revolucion´ria foi a falha em dominar o Banco em Paris, 1871).
o a
Num futuro muito pr´ximo haver´ uma guerra contra a estrutura OMC/FMI/GATT do
o a
Capital Global – uma guerra de desespero claro, alimentada por um mundo de indiv´ ıduos
e grupos orgˆnicos contra as corpora¸˜es e ”o poder do dinheiro”(i.e., o pr´prio dinheiro).
a co o
De preferˆncia uma guerra pac´
e ıfica, como uma grande Greve Geral – mas realisticamente
cada um deve se preparar para o pior. E o que precisamos saber ´, o que a InterNet pode
e
fazer por n´s?
o
Obviamente uma boa revolta precisa de bons sistemas de comunica¸˜o. Neste mo-
ca
mento no entanto eu preferiria transmitir meus segredos conspirat´rios (se eu tivesse
o
algum) pelos Correios em vez da Net. Uma conspira¸˜o realmente bem-sucedida n˜o
ca a
3
4. deixa rastro em papel, como a Revolu¸˜o da L´
ca ıbia de 1969 (mas, na ´poca, os gram-
e
pos telefˆnicos ainda eram bastante primitivos). Mais do que isto, como poder´
o ıamos ter
certeza que o que vimos na Net era informa¸˜o e n˜o desinforma¸˜o? Especialmente se
ca a ca
nossa organiza¸˜o existe apenas na Net? Falando como Stirnerita, eu n˜o quero banir
ca a
assombra¸˜es da minha cabe¸a apenas para encontr´-las de novo na tela. Luta de rua
co c a
virtual, ru´
ınas virtuais. N˜o parece uma proposi¸˜o vantajosa.
a ca
Mais perturbador para n´s seria a qualidade ”gn´stica”da Net, sua tendˆncia ` ex-
o o e a
clus˜o do corpo, sua promessa de transcendˆncia tecnol´gica da carne. Mesmo que algu-
a e o
mas pessoas tenham ”se conhecido pela Net”, o movimento geral ´ rumo ` atomiza¸˜o –
e a ca
”ca´ sozinho em frente ` tela”. O ”movimento”hoje presta muita aten¸˜o ` m´
ıdo a ca a ıdia em
geral por que o poder virtualmente nos iludiu – e dentro do speculum da Net o seu reflexo
zomba de n´s. A Net como substituto ao conv´
o ıvio e ` comunicatividade. A Net como
a
uma m´ religi˜o. Parte do transe midi´tico. A comoditiza¸˜o da diferen¸a.
a a a ca c
`
A parte a cr´ ıtica da Net do ponto de vista da Soberania Individual, n´s poder´
o ıamos
tamb´m lan¸ar uma an´lise de uma posi¸˜o Fourierista. Aqui no lugar de indiv´
e c a ca ıduos
n´s considerar´
o ıamos a ”s´rie”, o grupo b´sico Passional sem o qual cada ser humano
e a
permanece incompleto – e o Falanst´rio, ou S´rie completa de S´ries (m´
e e e ınimo de 1620
membros). Mas a meta permanece a mesma: – o agrupamento ocorre para maximizar os
prazeres ou o ”luxo”para os membros do grupo, Paix˜o sendo a unica for¸a vi´vel de coes˜o
a ´ c a a
social (de fato, nesta base n´s poder´
o ıamos considerar uma ”s´ ıntese”de Stirner e Fourier,
na aparˆncia polarmente opostos). Para Fourier, a Paix˜o ´ por defini¸˜o incorporada;
e a e ca
todo o ”networking”´ mantido via presen¸a f´
e c ısica (apesar dele permitir pombos-correio
para comunica¸˜o entre Falanst´rios). Como um m´
ca e ıstico dos n´meros, Fourier bem que
u
poderia gostar do computador – na verdade ele inventou o ”namoro por computador”, de
certa maneira – mas ele provavelmente desaprovaria qualquer tecnologia que envolvesse
a separa¸˜o f´
ca ısica (eu creio que foi Balzac quem disse que para Fourier o unico pecado
´
era almo¸ar sozinho). Conv´
c ıvio no sentido mais literal – idealmente, a orgia. ”Atra¸˜o ca
Passional”funciona por que cada um tem Paix˜es diferentes: a diferen¸a j´ ´ ”luxo”. O
o c ae
corpo de dados, o corpo na tela, ´ apenas metaforicamente um corpo. O espa¸o entre n´s
e c o
– o ”medium-- deve ser preenchido com Raios Aromais, zod´ ıacos de luz brilhante (novas
cores!), profus˜es de frutas e flores, os aromas da cozinha gastros´fica – e finalmente o
o o
espa¸o deve ser fechado, curado.
c
Outra cr´ıtica da Net poderia ser feita de uma perspectiva Proudhoniana (Proudhon
foi influenciado por Fourier, apesar de fingir que n˜o foi. Ambos eram de Bezan¸on, como
a c
Victor Hugo). Proudhon era mais ”progressivo”quanto a tecnologia do que nossos outros
exemplos, e seria interessante ver que tipo de papel ele teria para a Net em seu futuro ideal
de Mutualismo e anarco-federa¸˜o. Para ele, ”governo”era meramente uma quest˜o de
ca a
administra¸˜o da produ¸˜o e troca. Os computadores poderiam se provar como ferramen-
ca ca
tas uteis sob estas condi¸˜es. Mas Proudhon, assim como Marx, sem d´vida modificaria
´ co u
sua vis˜o otimista da tecnologia se fosse consultado hoje da sua opini˜o: – a m´quina
a a a
como polui¸˜o social, a pr´pria tecnologia (e por implica¸˜o, o Trabalho) como aliena¸˜o.
ca o ca ca
Este argumento foi obviamente feito por Marxistas libert´rios, anarquistas Verdes, etc.
a
– descendentes leg´ ıtimos de Marx e Proudhon, como Marcuse ou Ilich. N˜o seria justo
a
considerar a InterNet fora desta cr´ ıtica da tecnologia. (Tampouco a bioengenharia.) O
trabalho de Benjamin, Debord e at´ Baudrillard (at´ ele ter ca´ exausto) torna claro que
e e ıdo
4
5. a imagem total – ”a m´ ıdia-- tem um papel central nesta cr´
ıtica. Proudhon questionaria a
Net quanto a justi¸a, e quanto a presen¸a.
c c
Mas eu preferiria focar mais estritamente na quest˜o da imagem. Aqui n´s poder´
a o ıamos
retornar a Blake como nosso ”martelo filos´fico”(Nietzsche queria realmente dar a enten-
o
der uma esp´cie de diapas˜o), uma vez que estamos falando do ´
e a ıdolo, da imagem. Eu
argumentaria que estamos sofrendo uma crise de superprodu¸˜o da imagem. N´s esta-
ca o
mos, como Giordano Bruno colocou, ”acorrentados”, hipnotizados pela imagem. Em tal
caso n´s precisamos ou de uma dose saud´vel de iconoclastia, ou ent˜o (ou tamb´m) um
o a a e
tipo mais sutil de senso cr´ıtico herm´tico, uma libera¸˜o da imagem pela imagem. Na
e ca
verdade, Blake nos supriu com ambos – ele era tanto um esmagador-de-´ ıdolos quanto si-
multaneamente um hermetista que usava imagens para a liberta¸˜o, tanto pol´
ca ıtica quanto
espiritual. Hermetistas entendem que o ”hier´glifo”, a imagem/texto ou comunica¸˜o me-
o ca
diada (simb´lica), tem um efeito ”m´gico”, ultrapassando a consciˆncia racional linear e
o a e
e ´
influenciando profundamente a psiquˆ. E por isso que Blake dizia que uma pessoa deve
fazer seu pr´prio sistema ou ent˜o ser escravo do sistema de outros. A autonomia da
o a
imagina¸˜o ´ um alto valor para o hermetismo – e a cr´
ca e ıtica da imagem ´ a defesa da ima-
e
gina¸˜o. A tela ´ um aspecto da imagem que n˜o pode escapar desta ”an´lise espectral--
ca e a a
a m´ıdia como ”moedores satˆnicos”.
a
Parece que n˜o h´ mesmo como fugir da tecnologia ou da aliena¸˜o. A pr´pria techn´
a a ca o e
´ pr´tese da consciˆncia, e, portanto, insepar´vel da condi¸˜o humana (linguagem inclusa
e o e a ca
aqui como techn´). A Tecnologia como a fus˜o ´bvia de techn´ e linguagem (a magnitude
e a o e
ou ”raz˜o”da techn´) tem sido simplesmente uma categoria da existˆncia humana desde
a e e
pelo menos o Paleol´ ıtico. Mas – podemos perguntar at´ que ponto o pr´prio cora¸˜o foi
e o ca
substitu´ por um ´rg˜o artificial? At´ que ponto uma determinada tecnologia ”surta”e
ıdo o a e
come¸a a produzir uma contraprodutividade paradoxal? Se pud´ssemos alcan¸ar um
c e c
consenso nisto, ainda existiria motivo para falar de determinismo tecnol´gico, ou o ma-
o
quinismo como destino? Neste sentido, os velhos Ludditas merecem alguma considera¸˜o.
ca
A techn´ deve servir ao ser humano, n˜o definir o ser humano.
e a
Precisamos (aparentemente) aceitar a inevitabilidade da consciˆncia, mas apenas na
e
condi¸˜o de que n˜o ser´ a mesma consciˆncia. Suspeitamos que a consciˆncia racional,
ca a a e e
maqu´ ınica, linear, aufklaerung, universal governou em muito tempo numa tirania – ou
”monop´lio”. N˜o h´ nada de errado com a raz˜o (na verdade n´s poder´
o a a a o ıamos usar bem
mais dela) mas o racionalismo parece uma ideologia fora de moda. A raz˜o deve divi-
a
dir o espa¸o com outras formas de consciˆncia: consciˆncia psicotr´pica, ou consciˆncia
c e e o e
xamˆnica (que n˜o tem nada a ver com ”religi˜o”, como ´ usualmente definida) – bi-
a a a e
oconsciˆncia, o discernimento sistˆmico do ideal herm´tico da terra viva – consciˆncia
e e e e
´tnica ou cultural, modos diferentes de ver – povos ind´
e ıgenas – ou os Celtas – ou o Isl˜ –
a
consciˆncias de ”identidade”de todos os tipos – e consciˆncias de trans-identidade. Uma
e e
variedade de consciˆncias parece ser o unico campo poss´ para a nossa ´tica.
e ´ ıvel e
Ent˜o, e quanto a consciˆncia da InterNet? Ela tem seus aspectos n˜o-lineares, n˜o
a e a a
tem? Se pode existir uma ”racionalidade do maravilhoso”, n˜o h´ um lugar para a Net
a a
no banquete?
No fim, n´s devemos nos contentar com a ambig¨idade. Uma resposta ”pura”´ im-
o u e
poss´ aqui – iria feder a ideologia. Sim e n˜o.
ıvel a
5
6. Mas – ”Entre o Sim e o N˜o, estrelas caem do c´u e cabe¸as voam do pesco¸o”, como
a e c c
o grande sufi Shayk Ibn Arabi disse ao fil´sofo Aristot´lico Aver¨es.
o e o
Uma imagem adequada para uma ru´ romˆntica...
ına a
Revisado por Bruno Cardoso
6