A situação do Brasil está a exigir a constituição de um governo de união nacional para evitar que seja capaz de unir o povo brasileiro em torno de um projeto comum de desenvolvimento. Lamentavelmente, nenhum dos dois candidatos tem condições de constituir um governo de união nacional para conquistar a paz social que é um estado de equilíbrio e entendimento entre os habitantes de um mesmo Estado nacional, onde o respeito entre eles é adquirido pela aceitação das diferenças e os conflitos são resolvidos através do diálogo, os direitos das pessoas são respeitados e suas vozes são ouvidas e todos estão em seu ponto mais alto de serenidade sem tensão social. Se não é possível constituir um governo de união nacional no Brasil, é preciso que os candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad assumam antes do segundo turno das eleições presidenciais o compromisso de construir a paz social qualquer que seja o resultado das eleições presidenciais.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
A Nau dos Insensatos e o Brasil
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O BRASIL E A NAU DOS INSENSATOS
Fernando Alcoforado*
A “nau dos insensatos” é uma antiga alegoria muito usada na cultura ocidental em
literatura e pinturas. Imbuída de um senso de autocrítica, ela descreve o mundo e seus
habitantes humanos como uma nau cujos passageiros perturbados nem sabem nem se
importam para onde estão indo. A nau dos insensatos é uma alegoria cada vez mais
familiar no Brasil haja vista que a sociedade brasileira é como se fosse um barco indo a
pique. E nós, passageiros que rumamos a lugar algum, estamos afundando com a nau
dos insensatos chamada Brasil.
Esta imagem faz parte de uma alegoria medieval representada das mais distintas formas
ao longo dos últimos quinhentos anos: A Nau dos insensatos. Não foram poucos os que
trouxeram à luz todo o esplendor desta ideia. Destacaria Erasmo de Roterdã na literatura
com o Elogio da Loucura, Michel Foucault com A História da Loucura na Idade
Clássica e Federico Fellini no cinema com E la nave va, entre outros. Imagine a
situação de um navio indo a pique sem que seus ocupantes percebam a catastrófica
situação que lentamente se impõe como é o caso do Brasil que tende a evoluir
politicamente para o agravamento dos conflitos políticos entre as forças de esquerda e
de direita e economicamente para a inviabilidade na solução da crise econômica devido
à incapacidade de conquistar a governabilidade por qualquer dos candidatos que vença
as eleições presidenciais.
O Elogio da Loucura (Porto Alegre: L&PM Editores, 2013) de Erasmo de Rotterdam é
uma sátira escrita em 1508 dirigindo críticas mordazes à vida numa sociedade medieval
impregnada de uma cultura tradicional medíocre e hipócrita. As críticas são realizadas
em defesa da personagem central, a Loucura. Nesta obra a Loucura é personificada na
forma de uma deusa que conduz as ações humanas. Para o autor, Loucura é o estado
natural do ser humano. Para Erasmo, a Loucura está por toda parte sendo infinito o
número de loucos. Michel Foucault, em História da Loucura na Idade Clássica (São
Paulo, Perspectiva, 1997), relembra que "heróis imaginários, modelos éticos ou tipos
sociais, embarcam para uma grande viagem simbólica que lhes traz, senão a fortuna,
pelo menos a figura de seus destinos ou suas verdades”. Em E la nave va — batizado
como O Navio, em português — de Fellini, a alta classe artística e social italiana
embarca em uma viagem de despedida da cantora de ópera Edmea Tetua. Lá, em meio
ao caos instaurado pelo ego, pela morte e pela non-grata presença de refugiados sérvios
no navio, afloram as facetas mais obscuras e egoístas do ser humano. Ao reproduzir
com magistral destreza os aspectos mais perturbadores da individualidade sobre o meio,
Fellini expõe a face mais lamentável da existência humana.
Pensar em uma alegoria concebida ainda no período medieval, anterior ao
descobrimento da América, poderia nos levar a crer que estamos tratando da
representação de uma sociedade completamente distante e diferente da nossa era. A má
notícia é que grande parte dos elementos que compõem a Nau dos Insensatos ainda se
notam em nossa própria realidade. Não é preciso ser expert em psicologia social para
perceber que, nas eleições presidenciais do Brasil, o País está profundamente dividido
com algumas pessoas se posicionando politicamente ao lado de Lula e do PT e outras
em oposição radical ao lulismo e ao petismo. De modo geral, a escolha dos candidatos
presidenciais no 1º e 2º turnos não é feita pelos eleitores com base na avaliação da
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capacidade dos candidatos de exercer o governo e de suas propostas de governo visando
solucionar a crise econômica atual e promover o desenvolvimento do País.
A população brasileira está embarcando na mesma Nau que os personagens de Fellini
em uma viagem rumo a lugar algum ou rumo ao fim, se quisermos ser pessimistas,
enfrentando as mais terríveis tempestades, ventos fortes, intempéries naturais e
acidentes de percurso. Em uma Nau como o Brasil que se caracteriza por ter seus
passageiros (população brasileira) em conflito, profundamente dividida, os quais alguns
deles justificam a ausência de uma postura altruísta, isto é, que se dedica aos outros que
é solidário aos outros pelo simples fato de que os demais ocupantes do navio também
não se importarem com eles. E assim, preocupados em destruir seus inimigos, as partes
em conflito na Nau chamada Brasil olham com obstinação para frente sem se aperceber
que a nau está afundando e a água já está tocando a cintura e que já não há mais nada a
fazer a não ser todos se unirem para evitar o naufrágio da Nau chamada Brasil.
Esta é a situação do Brasil atual que estaria a exigir a constituição de um governo de
união nacional para evitar que a Nau chamada Brasil naufrague e que seja capaz de unir
o povo brasileiro em torno de um projeto comum de desenvolvimento.
Lamentavelmente, nenhum dos dois candidatos tem condições de constituir um governo
de união nacional para conquistar a paz social que é um estado de equilíbrio e
entendimento entre os habitantes de um mesmo Estado nacional, onde o respeito entre
eles é adquirido pela aceitação das diferenças e os conflitos são resolvidos através do
diálogo, os direitos das pessoas são respeitados e suas vozes são ouvidas e todos estão
em seu ponto mais alto de serenidade sem tensão social. Se não é possível constituir um
governo de união nacional no Brasil, é preciso que os candidatos Jair Bolsonaro e
Fernando Haddad assumam antes do segundo turno das eleições presidenciais o
compromisso de construir a paz social qualquer que seja o resultado das eleições
presidenciais.
A antítese da paz social é a guerra civil que é caracterizada por ser um conflito armado
entre grupos organizados dentro de um mesmo Estado nacional. O principal objetivo
entre os contendores das guerras civis é o de assumir o controle do aparelho de Estado
nacional para adotar as políticas do governo em função de seus interesses. As guerras
civis (também conhecidas por guerras internas) são conflitos de grande gravidade para a
nação envolvida, seja no âmbito politico, econômico ou social que podem resultar na
instauração de uma ditadura pelas forças vencedoras do conflito. Estes conflitos são
responsáveis pela morte de um elevado número de civis, pois são caracterizados pela
participação ativa do povo nos combates. As principais vítimas são as crianças, as
mulheres e os idosos, que mesmo sem lutar nos conflitos, são os mais atingidos pelos
atentados. Os candidatos Fernando Haddad e Jair Bolsonaro têm o dever de assumir o
compromisso de construir a paz social no Brasil após o segundo turno das eleições
presidenciais. A construção da paz social é a condição sine qua non para que a crise
econômica possa ser superada no Brasil e reduzir os níveis de desemprego que afeta 13
milhões de brasileiros. A condição para haver paz social é assegurar em um estado
nacional efetiva governabilidade e governança para promover o progresso econômico e
social que seja compartilhado por toda a população. Só assim será possível fazer com
que a Nau chamada Brasil se encaminhe a um porto seguro.
*Fernando Alcoforado, 78, detentor da Medalha do Mérito do Sistema CONFEA/CREA, membro da
Academia Baiana de Educação, Sócio Benemérito da AEPET- Associação dos Engenheiros da Petrobras,
engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
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Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento
empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros
Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem
Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000),
Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável-
Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do
Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social
(Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas,
Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo
Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017) e Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Bahiana de
Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria).