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A TV, a janela e a rua1
Vera Regina Veiga França
A análise de programas televisivos (no nosso caso, programas populares na TV) é
necessariamente precedida por uma indagação sobre o próprio conceito de “televisão” - seu
lugar, suas características, sua linguagem. Não se trata, naturalmente, de promover uma
completa revisão teórica sobre o tema (o que ultrapassaria em muito nosso propósito aqui) ou
de reivindicar respostas e definições precisas a tais indagações, mas tão somente da
identificação do lugar de onde estamos falando, bem como das referências que balizam nosso
olhar sobre a TV. Desde seu surgimento, a televisão vem sendo exaustivamente tratada – mas
seus estudos se caracterizam por abordagens distintas e pouco confluentes, dificultando a
construção de uma “teoria da televisão”. Ao contrário do jornalismo, por exemplo, que,
enquanto um fazer específico, constitui um domínio de conhecimento relativamente
estruturado2
, possui uma dimensão estratégica e princípios operacionais mais ou menos
definidos, a televisão é um meio que vem se recriando continuamente enquanto linguagem,
passível de diferentes usos, alojando práticas distintas, acolhendo múltiplos discursos. Como
então falar de “televisão”? Mas como não falar, se a natureza televisiva é fundamental na
constituição de nossos programas?
É preciso, assim, encarar de alguma forma o panorama geral dos estudos sobre a televisão,
para estabelecer nosso ponto de partida. Sem qualquer pretensão classificatória, mas para
orientar nosso caminho e nossas escolhas, podemos, grosso modo (assumindo os riscos da
simplificação), identificar três grandes tendências dentro deste panorama. Não se trata de uma
ordenação das teorias, menos ainda de inserir de forma definitiva obras e autores em cada
uma delas, mas de identificar ênfases.
A primeira delas diz respeito às abordagens mais gerais, que falam da relação televisão e
sociedade, buscando delinear seu papel, funções, efeitos. Numerosas obras se dedicam a
discutir o que a televisão significou e trouxe à sociedade. Com freqüência esta perspectiva
promove uma identificação entre televisão e meios de comunicação, entre TV e cultura de
massa, por vezes atribuindo à televisão as principais características da produção midiática. Os
primeiros estudos sobre a cultura de massa, até aproximadamente os anos 1960, tratavam de
1
Primeiro capítulo do livro Narrativas televisivas: programas populares na tv. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
2
forma relativamente indistinta os novos meios técnicos de produção e distribuição massiva de
informações e imagens (fotografia, cinema, rádio, TV, além da imprensa de grande tiragem).
Era ainda a infância da televisão. Mas os traços desde o início apontados como definidores
dos então chamados MCM (meios de comunicação de massa) encontraram na TV sua melhor
expressão: produção industrial em larga escala; homogeneização da produção e busca de um
termo médio; mercantilização e busca de grandes audiências; ênfase no entretenimento e no
caráter lúdico; mistura de elementos (sincretismo); especialização técnica e caráter coletivo da
produção3
. A ampliação da penetração e importância da TV vão torná-la o carro-chefe da
indústria cultural; o cinema e a fotografia ganham auras de arte; o rádio, a despeito de sua
força e penetração, é relegado a um plano secundário. É a televisão que encarna por
excelência o espírito e o espaço da nova cultura de massa.
Neste caminho de leitura, vários autores desenvolvem uma crítica às vezes arrasadora da
televisão: para Baudrillard, a televisão – expressão mais acabada dos meios de massa - veio
retirar a palavra da cena pública e eliminar a comunicação4
:
“O que caracteriza os media de massa é que eles são antimediadores, intransitivos, fabricam
não comunicação – se aceitarmos definir a comunicação como uma troca, como um espaço
recíproco de uma palavra e de uma resposta, portanto, de uma responsabilidade –, e não uma
responsabilidade psicológica e moral, mas uma correlação pessoal de um com outro na
troca. Por outras palavras, se definirmos como algo diferente da simples emissão/recepção
de uma informação, mesmo que essa fosse reversibilizada pelo feedback. Ora, toda
arquitetura atual dos media se funda nessa última definição: eles são o que proíbe para
sempre a resposta, o que torna impossível qualquer processo de troca (a não ser sob a forma
de simulação de resposta, elas próprias integradas no processo de emissão, o que não altera
em nada a unilateralidade da comunicação). Aí reside sua verdadeira abstração. É nessa
abstração que se funda o sistema de controle social e de poder” (Baudrillard, 1972, p. 217).
Para Bourdieu, a televisão ameaça as esferas culturais, artísticas, científicas e inclusive a vida
política e a democracia. Através do jogo da visibilidade e da invisibilidade, do esconder
mostrando, do jogo remissivo e do fast-thinking, a televisão exerce ao extremo aquilo que o
2
Não estamos falando aqui de marcos teóricos consensuais, mas de parâmetros consensuais que estabelecem os
delimitações do jornalismo como campo de conhecimento.
3
Veja-se, a propósito, o estudo clássico de Adorno e Horkheimer (1985), sobre a industria cultural ; também o
trabalho de E. Morin (1997) sobre cultura de massa.
4
Perspectiva também desenvolvida por Muniz Sodré: “Os media, a relação informativa, ao estabelecerem o
monopólio do discurso, eliminam a possibilidade de resposta e erigem um poder absoluto, inédito na História, a
hegemonia tecnológica do falante sobre o ouvinte” (Sodré, 1977, p. 26).
3
autor nomeia em outras obras de ‘poder simbólico’: a dominação pela imagem. A imagem
televisiva tem a particularidade de poder “fazer ver e fazer crer no que faz ver” (Bourdieu,
1997, p.28); “a televisão se torna o árbitro do acesso à existência social e política (Idem, p.29)
G. Sartori aponta o surgimento do homo videns, que pouco a pouco substitui o homo sapiens;
a televisão estaria mudando a natureza humana, levando a um “predomínio do visível sobre o
inteligível que conduz para um ver sem entender”.5
Outros, no entanto, como D. Wolton,
ressaltam o potencial democratizador e o lugar ímpar da TV aberta:
“A idéia de programação inerente à televisão de massa, obriga a conceber uma programação
para todos os públicos: ela traduz assim uma aceitação da heterogeneidade de gostos e de
aspirações e é, portanto, uma espécie de reconhecimento de sua legalidade.
Quanto ao que diz respeito à recepção, a televisão de massa acentua, quase na mesma
proporção das incertezas da diversidade da grade, a heterogeneidade das mensagens e dos
públicos. Essa dispersão dos sentidos é, na verdade, um fator de comunicação, uma vez que
a televisão é um assunto sobre o qual os indivíduos conversam com maior facilidade. Não só
podemos assistir, se quisermos, às mesmas imagens, como também nada nos obriga a
assistir à mesma coisa. (...)
A força principal da televisão generalista, pública ou privada, continua sendo o seu registro:
ela se dirige a todo mundo, constituindo um dos laços sociais das sociedades individualistas
de massa, em que as ocasiões de se participar simultânea e livremente de atividades
coletivas são muito menos numerosas do que se pensa” (Wolton, 1996, p. 113- 114).
Nesses vários enfoques a televisão é ressaltada alternativamente como lugar de alienação e
empobrecimento cultural, criação de valores e mitos contemporâneos, instrumento de poder e
reprodução da estrutura de dominação, espaço público e canal de acesso e participação (para
citar apenas os traços mais marcantes ressaltados por um ou outro autor).
Um segundo enfoque, mais interno, diz respeito à caracterização técnica do meio e de sua
linguagem. Tais estudos são desenvolvidos, geralmente, por autores que trabalham não
especificamente sobre a TV, mas sobre estética, imagens, meios visuais. Além dos modos
operatórios e da configuração técnica do meio, indaga-se sobretudo sobre a natureza do seu
produto – o que é a imagem televisiva, que tipo de representação ela constrói. Para U. Eco, a
5
Conforme Sartori, “ na televisão o fato de ver predomina sobre o falar, no sentido que a voz ao vivo, ou de um
locutor, é secundária, pois está em função da imagem e comenta a imagem. É por causa disto que o telespectador
passa a ser mais um animal vidente do que um animal simbólico. (.....) Este fato constitui realmente uma virada
radical de direção, pois enquanto a capacidade simbólica distancia o homo sapiens do animal, o predomínio da
4
grande característica da televisão foi abolir as fronteiras da ficção e realidade; mais
contemporaneamente, ele distingue a Paleo e a Neotelevisão; uma televisão que falava sobre o
mundo é substituída hoje por uma televisão que fala sobretudo de si e do contato que
estabelece com o próprio público.6
Para F. Jost, a linguagem televisiva se constrói em torno
de três grandes gêneros televisivos (três mundos aos quais a TV se dirige): o real, a ficção e o
lúdico. No Brasil, de forma particular, vale ressaltar as contribuições significativas de D.
Pignatari e A. Machado, entre outros, na caracterização do meio e da linguagem televisiva7
.
Por último, encontramos um vasto repertório de análises circunscritas a programas
específicos. Fugindo das abordagens muito amplas e totalizantes, vamos encontrar,
contemporaneamente, uma grande proliferação de estudos tratando ora dos aspectos da
produção de tal ou tal produto, ora da sua audiência. São estudos mais pontuais que, evitando
generalizações excessivas, buscam caracterizar dinâmicas particulares que conformam
múltiplas TVs. Como exemplo, no Brasil, destaca-se sobretudo o estudo das telenovelas8
, mas
também de telejornais, programas de auditório, reality shows (tendo o Big Brother
catapultado um bom volume de reflexões nos últimos anos). Os estudos de recepção9
também
respondem por uma boa parcela da produção da área, seja numa linha de etnografia dos usos
e/ou das audiências, seja buscando o diálogo e interlocução entre programas e sociedade.10
Este é o nosso caso – estudo de alguns programas. Mas não queremos fazê-lo (ou não
podemos fazê-lo) a partir do próprio programa, negligenciando os enquadramentos mais
amplos da “interação televisiva” que resignificam características especificas encontradas em
cada um. Como dissemos no início, a televisão é um meio de comunicação11
– dotado de
configurações técnicas e padrões de funcionamento próprios, que obedece uma lógica de
visão o aproxima de novo às suas capacidades ancestrais, isto é, ao gênero do qual o homo sapiens é a espécie.”
(Sartori, 2001, p. 15-16).
6
“(...) em contato com uma tevê que fala de si, privada do direito à transparência, isto é, do contato com o
mundo exterior, o espectador volta a si próprio. Volta a ser valida uma velha definição de tevê: ‘uma janela
aberta sobre um mundo fechado’ ” (Eco, 1984, p. 200).
7
Ver sobretudo Signagem da televisão, de D. Pignatari, e A televisão levada a sério, de A. Machado.
8
Vale ressaltar, na ECA-USP, o Núcleo de Estudos de Telenovelas, que agrega vários autores e uma
significativa contribuição aos estudos nacionais sobre a telenovela, além de pesquisadores de outras
universidades.
9
Na linha dos estudos de recepção, vale citar alguns estudos precursores – Leitura social da novela das 8, de
Ondina Leal; Muito além do Jardim Botânico, de Carlos Eduardo Lins da Silva, e, nos últimos anos, numerosas
teses e dissertações desenvolvidas nos programas de pós-graduação em Comunicação no país.
10
Constituem um capitulo à parte diversos trabalhos de cunho mais histórico sobre o surgimento da televisão
e/ou de determinadas emissoras (com destaque, nos últimos anos, para publicações da própria Globo sobre a sua
trajetória e seus diversos programas).
11
Conforme discutido no texto Mídia: um aro, um halo e um elo, publicado no primeiro livro desta coleção,
buscamos ultrapassar uma abordagem “midiacêntrica”, que se restringe ao estudo do meio em si, entendendo-o
antes como algo capaz de transmissão que permite uma modalidade de experiência assentada no transporte e
deslocamento incessante de signos. A mídia, assim, é vista como um fluxo, um lugar e uma forma.
5
produção e se realiza, historicamente, dentro de um determinado modelo e prática de
distribuição e de recepção. Tais características indicam, sim, a presença de um modo
operatório singular (uma linguagem), que buscaremos delinear a seguir. Em outras palavras, e
remetendo-nos às três grandes tendências indicadas acima, entendemos que o estudo da
televisão compreende a atenção e leitura de produtos e relações concretas (fenômenos
empíricos recortáveis, identificáveis) – o que não nos exime, mas nos obriga a falar, ainda que
indiretamente, sobre o que é televisão (linguagem) e como ela se insere na sociedade.
Situações especificas são índices e parte de uma situação maior e mais complexa, que são as
múltiplas experiências vividas com e através da TV por uma sociedade.
1.1. Uma técnica de produção e veiculação de imagem e som
Um primeiro aspecto diz respeito à configuração técnica da televisão, àquilo que ela é capaz
de fazer, ao tipo de produto que ela é capaz de gerar. O primeiro conceito de televisão se
refere antes de tudo a uma técnica de produção de imagem em movimento e som, e
veiculação instantânea à distância. Começamos do óbvio – mas também daquilo onde ela
revolucionou. Ela se distingue do rádio, pela presença da imagem; se distingue da fotografia,
pela presença do som e da imagem em movimento; também se distingue do cinema, pelo tipo
de imagem (eletrônica)12
e, sobretudo, por sua forma de veiculação: à distância, para
múltiplos aparelhos receptores, e imediata (geração e recebimento a domicilio).
Nos seus primórdios, essas características técnicas (imagem eletrônica, distribuição à
distância) trouxeram alguns condicionantes. A ainda baixa qualidade da imagem dificultava
planos abertos e composições mais elaboradas, estimulando planos menores, enquadramentos
simples. Também o tamanho da tela dos receptores domésticos sugeriu um trabalho mais
comedido com as imagens.
A tecnologia evoluiu: a imagem digital ganhou em precisão e recursos de criação e
montagem; a oferta de receptores domésticos inclui hoje várias opções de tela, que vão do
widescreen (o “cinema em casa”) à tela do celular. Isto significa que muito se pôde avançar na
construção e criação das imagens e na formatação dos produtos. A televisão trabalha hoje com
padrões sofisticados, e superou há muito a mera transmissão de imagens do mundo: ela
fabrica suas imagens e um mundo próprio. Cria cenários, formas, movimentos; recupera e
12
Hoje o cinema se utiliza também da imagem eletrônica, e a hibridação das linguagens opera nos dois sentidos.
Mas esta apenas acontece hoje, quando linguagens específicas foram configuradas (existe o cinema, existe a
televisão, o que nos permite perceber as influências recíprocas).
6
reedita trilhas sonoras e musicais; acoplada aos novos recursos multimídia, gera imagens e
sons criativos e inusitados.
Esta mesma tecnologia se desdobrou em um outro meio, ou linguagem, que é o vídeo13
, e
onde as novas possibilidades criativas são particularmente exploradas; a televisão, contudo,
permanece (e é reconhecida) enquanto tal. Mais do que exercício de formas, ela se sustenta na
possibilidade da distribuição massiva e instantânea, para telespectadores (e aparelhos
receptores) os mais diversificados.
Um outro recurso técnico que incidiu de maneira muito intensa naquilo que a televisão se
tornou é o controle remoto, instituindo o zapping14
. Se a televisão compreende a oferta de
imagens a domicílio – e esta oferta está pautada em uma seleção feita pelo produtor - o
zapping acrescenta a seleção e uma nova montagem do lado da recepção. O telespectador é
um receptor que recebe à sua maneira a produção ofertada, transformando o “poder ver”
possibilitado pela televisão em um “ver como” (ver de que maneira). As limitações desse
suposto poder de escolha do receptor são ressaltadas por vários autores (ele pode escolher –
mas dentre aquilo que lhe é ofertado); atentando para tais limites, não se deve negligenciar,
contudo, que sua montagem também é instituinte. O ritmo, as junções temporais e temáticas, a
costura do zapping criam algo novo - algo que não está dado de antemão pela produção, e que
não estava dado em nenhum outro meio anteriormente.15
Este movimento instituinte faz parte
do que é a televisão, indicando uma linguagem que se faz no processo da interlocução.
1.2. Centralização da produção e lógica comercial
O conceito de televisão inclui mas ultrapassa sua dimensão técnica, e diz respeito também a
seu modo de produção e organização. A televisão tem uma vida e um lugar institucional na
sociedade, e compreende um sistema de produção centralizada e de veiculação à distância
para um público amplo e diversificado.
Esse lugar institucional tem implicações políticas e econômicas; um sistema amplo de
fornecimento de imagens a domicílio é tão importante quanto o sistema de distribuição de
água ou energia na vida de uma sociedade. Por isso mesmo, por sua força e potencial, é
sujeito a controle e regulamentação (concessão, normas de propriedade e funcionamento),
13
Também o vídeo se desdobra em várias modalidades, que incluem a videoarte, os vídeos domésticos, os
vídeos documentários, antropológicos etc.
14
Uma interessante análise do zapping na televisão é desenvolvida por Sarlo (1997).
15
A internet, hoje, potencializa ao infinito este poder de busca e montagem do sujeito usuário.
7
bem como objeto de acirradas disputas políticas. Trata-se também de um empreendimento de
alto custo, o que restringe a possibilidade de estabelecimento dessas centrais de produção
àqueles que detêm o capital financeiro e político necessários, gerando uma situação de
monopólio ou oligopólio de grupos, e um modelo de funcionamento pautado pela lógica do
lucro e leis do mercado16
. A televisão é um “negócio” que se organiza em moldes
empresariais.
Este modelo – centralização da produção, lógica comercial – traz profundas implicações na
natureza do produto: transformado em mercadoria, tanto está comprometido com o máximo
consumo (portanto, conquista do consumidor) como é porta-voz de interesses específicos. A
reflexão de Adorno e Horkheimer sobre a indústria cultural trouxe uma contribuição
definitiva para nossa compreensão da mercantilização dos produtos culturais (Adorno;
Horkheimer, 1985).
A crítica contundente desses autores, no entanto, deixou escapar as contradições que
permeiam já o processo de produção. Tanto é necessário atentar para a natureza sui generis do
produto – o terreno movediço do simbólico, avesso ao aprisionamento – quanto para aspectos
internos da própria produção. A natureza complexa desta produção envolve intensa divisão de
trabalho e a participação de profissionais e especialistas com orientações diversas, o que gera
diferenças, impossibilita um controle estrito da natureza do produto. A produção de uma
novela, por exemplo, traz a marca do autor, mas também outras marcas – do diretor de TV, do
ator, acrescentando matizes ao produto, e comprometendo a idéia de autoria como algo
fechado17
. O volume e diversidade de produtos, por sua vez, bem como o ritmo da produção,
estabelecem um fluxo desenfreado e uma extrema fragmentação da oferta; a pressão do
tempo, a necessidade de encher a grade tanto ocasionam a repetição de moldes e de um
padrão dominante (racionalização da produção), quanto possibilitam a inclusão de
“estranhezas”, ou “qualquer coisa”. O filtro da produção (da emissora, ou do proprietário) não
tem como funcionar de forma absoluta. Falar em homogeneização da produção, portanto, é
uma leitura um tanto imediata e simplificadora; trata-se de um cenário marcado antes pela
presença de misturas, tensões e contradições – o que, entretanto, nunca é demais ressaltar, não
elimina (não chega a neutralizar) os traços fundantes de seu modo de organização.
16
Em que pese a existência, no Brasil e na maior parte dos países, de emissoras públicas, predomina no sistema
de televisão o regime de propriedade privada. São empresas comerciais, regidas pela lógica do investimento e
retorno de capital.
17
Um livro interessante a este propósito, e um pouco esquecido em nossa bibliografia, é Tio Patinhas e os mitos
da comunicação, de Orlando Miranda, publicado pela Summus em 1976.
8
1.3. Diversidade de público e condições de recepção
Muito já foi dito sobre a extensão e diversidade do público televisivo: a audiência de TV
atravessa clivagens de classe, gênero, faixa etária, cultura, localização geográfica. Alguns
autores ressaltam: a televisão (no caso, a TV aberta) é um meio absolutamente democrático,
atingindo a todos indistintamente. No Brasil, quase a totalidade dos lares dispõe de pelo
menos um aparelho receptor; nas classes médias e altas a existência de mais de um aparelho
por domicilio é um dado comum. Não é preciso se estender sobre este aspecto, mas é
importante tirar dele todas as conseqüências: esta horizontalidade da recepção de TV
claramente diz alguma coisa da própria televisão, e tem implicações tanto no seu conteúdo
quanto na criação de um repertório social comum. A presença da televisão, mais que qualquer
outro meio, é responsável pela disseminação e partilhamento de códigos, referências,
representações, e pelo estabelecimento de uma pauta ou roteiro de atenção. A televisão
sintoniza todos numa agenda coletiva: copa do mundo, olimpíadas, catástrofes, efemérides
(casamentos, nascimentos no mundo dos olimpianos18
), momentos fortes da programação
(final de telenovela, paredão de um personagem de sucesso no Big Brother são alguns dos
múltiplos exemplos). E a televisão é consciente disto; faz parte do seu jogo e dos seus
objetivos, inserindo-a num círculo vicioso. Ela tanto aposta e cuida de criar referências que
tenham ampla repercussão, quanto não pode se eximir de pautar-se por aquilo que,
supostamente, suscita amplo interesse (ela cria uma pauta, mas também se submete à pauta da
vida cotidiana). Ela está presa neste malha, digamos assim: a busca de audiência é mais que
um imperativo de sua lógica comercial; é também algo que realiza sua “natureza”19
, sua
condição de estar potencialmente em todos os lugares.20
Nas primeiras análises da televisão (bem como de outros meios de veiculação massiva), o
conceito de massa foi utilizado para designar essa audiência ampla, esse coletivo diversificado
que se supunha amorfo. Tal conceito já mostrou seus limites, e estudos diversos vieram
questionar definitivamente a idéia de homogeneidade e/ou homogeneização da audiência, e
18
O termo “olimpianos” é tomado, aqui, como trabalhado por Morin (1997). Ver discussão no capítulo seguinte,
Dramas do cotidiano na programação popular da TV brasileira.
19
Sabemos que “natureza” é uma palavra perigosa; nosso uso aqui não é conceitual, mas retórico. Não queremos
dizer que existe uma natureza da televisão, mas ressaltar uma prática que, no nosso contexto, se tornou natural,
naturalizada.
20
Assim é que mesmo emissoras públicas, menos presas aos imperativos de mercado, também se preocupam
com seu índice de aceitação.
9
indicar não apenas a manutenção da heterogeneidade no seio dessa pretensa massa21
, como
formas diferenciadas de apreensão e uso dos meios. Tais avanços reflexivos nos trazem outros
elementos para pensar a televisão: dirigindo-se a distintos públicos, ela sofre leituras
diversificadas e atende a múltiplos usos. Ela realiza, portanto, interlocuções diferenciadas – e
também isto faz parte de seu “modo de ser”.
Realçamos acima a ampla disseminação de aparelhos receptores; um outro aspecto a ser
lembrado, ao falar dos múltiplos usos, são as condições de acesso e recepção da TV. Um meio
ou uma tecnologia, em si mesma, orienta mas não determina a maneira como vai ser usada; o
uso é construído na prática, na realidade específica de uma sociedade, de uma cultura. A
televisão, na sociedade brasileira, se disseminou intensamente: ela faz parte do cotidiano e
está em todos os lugares, numa condição sobretudo de recepção doméstica ou privada. A
televisão chegou na sala de visita dos lares; ganhou em seguida (em residências de classes
mais abastadas) uma sala própria, para finalmente adentrar para as demais dependências –
quarto, sala de refeição, cozinha, área de lazer. Ela também se disseminou por diversos locais
públicos (salas de espera de hospitais, consultórios, repartições públicas, bares e restaurantes).
Mesmo nestes espaços, permanece a recepção privada, salvo em momentos de alta
efervescência, como jogos de futebol, desfecho de situações críticas etc. Deste tipo de
presença e uso se depreende que ela é assistida tanto individualmente quanto em grupo ou na
presença de outros (com ou à revelia dos outros), e mais: a audiência da televisão, via de
regra, é entrecortada com outras atividades. Assiste-se à TV fazendo outras coisas, no
intervalo de outras coisas, conversando, sendo inclusive muito freqüente o televisor ligado
sem que ninguém esteja particularmente assistindo. Neste último caso ela funciona mais como
áudio; um som que se ouve na casa, uma interlocução da qual não se faz parte, salvo se
provocado por uma interpelação (através de vinhetas sonoras, ela tem o poder de convocar).
Também estes aspectos configuram a realidade televisiva: uma presença às vezes silenciosa e
invisível, mas permanente; portanto, uma onipresença. Ao mesmo tempo, uma atenção volátil
ou falta de atenção por parte de seu público. A televisão teve que aprender a falar para um
telespectador pouco atento, dividido – e, para tal, desenvolver seu poder de interpelar, de
chamar a atenção, tirando partido (mas ao mesmo tempo sabendo dos limites) de sua
onipresença22
.
21
Ocasionando o que é chamado de segmentos de mercado.
22
Abusar de sua onipresença pode torná-la uma presença incômoda, e provocar uma ruptura do pacto. Estar
presente em todos os lugares significa também respeitar esses ambientes (atuar de forma comedida e neutra).
10
1.4. Funções da TV
Presente em quase todos os lugares, prestando-se a diferentes usos, há que se perguntar: a
televisão serve para quê? Uma resposta marxista ortodoxa aponta para a reprodução da
estrutura de classes: a televisão cumpre uma função ideológica, mantendo a alienação e
assegurando o processo de dominação. Concordando com o papel político-ideológico da TV
(as formas discursivas, permeadas pela vida e pelas contradições sociais, são ideológicas), é
preciso desconfiar, no entanto, das visões monolíticas, e reagir a uma visão puramente
instrumental da TV. Sua inserção na vida social é antes polivalente: a televisão é um veiculo
de informação e de socialização, estabelecendo um repertório coletivo (tanto no que diz
respeito a temas como vocabulário, formas expressivas, representações e imagens) e
estendendo o mundo comum. A metáfora da aldeia global de McLuhan é bem apropriada para
dar conta do grau de trocas e compartilhamentos alcançado na era televisiva. A televisão torna
o mundo (ou um certo mundo) acessível e conhecido por todos, e fornece os assuntos que
povoam as conversas cotidianas. Suspendendo, por ora, uma apreciação valorativa, é preciso
dizer que nenhum meio disponibiliza tanto e tão rapidamente informações como a TV (as
novidades vêm através dela – o jornal impresso, e mesmo o rádio, vêm a reboque).
Inserida na rotina da vida cotidiana, e prioritariamente no lar, ela preenche o espaço
doméstico como possibilidade de lazer e descanso: a televisão distrai, descansa, alivia as
tensões do trabalho e das diversas relações. Na perspectiva do grupo, ela suscita conversas e
partilhamentos; numa perspectiva individual, ela abre janelas próprias (para o futebol, para a
novela, para o desenho animado) e inclusive ajuda a quebrar a solidão.23
A televisão também
cumpre uma função identitária, ao criar referências comuns, estabelecer partilhamentos; o
papel da rede Globo, de forma particular, já foi ressaltado como um dos fatores estratégicos
de apoio à política nacionalista dos governos militares (pós-68).
Através da publicidade direta e indireta, ela nos estimula para o mundo do consumo; cria
modas, suscita necessidades de toda ordem (relacionadas com a aparência, valores, bens de
consumo). Formatos mais contemporâneos estariam ainda cumprindo novas funções: uma
função de justiça (TVs tribunais, e de ajuda à caça de bandidos), além de questionáveis
funções terapêuticas (TV-divã, TV-aconselhamento) e psicológicas (o sucesso do Big Brother
estaria fundado numa exacerbação contemporânea dos traços de exibicionismo e voyeurismo).
11
A maneira como ela cumpre essas diferentes funções é largamente criticada; ressalta-se, como
mencionado inicialmente, não apenas sua vinculação ideológica, mas ainda a qualidade (ou
falta de qualidade) das informações e entretenimento que ela fornece. Mas a televisão é
sobretudo criticada por aquilo que ela não faz, ou prejudica, que é a reflexão. Comparada aos
meios impressos (jornais, mas sobretudo o livro), a linguagem visual é apontada como
simplificadora (a linguagem alcança uma tradução direta da imagem e dispensa a mediação do
pensamento).24
Comparada a outros meios visuais (fotografia, cinema), critica-se a falta de
problematização das imagens televisivas, que trabalham no nível das evidências e clichês.
De nossa parte, achamos apressado esse caminho das generalizações; cumprindo várias
funções, ofertando produtos variados, e marcada por usos e leituras distintas, a televisão deve
ser sempre pensada no plural – as muitas televisões, que devem ser investigadas com cuidado,
em si próprias e nas diferentes relações que estabelecem com os receptores e com o mundo.
Quanto ao seu possível papel anti-reflexivo, é preciso atentar e evitar cair em posições
essencialistas – que tanto criam uma dicotomia entre diversão e reflexão25
, como
desenvolvem uma análise por demais internalista, conformando no interior dos produtos (e
não na relação de interlocução) os efeitos e a leitura a ser produzida pelo receptor.
Isto dito, é importante perceber, pelo lugar que a televisão ocupa hoje na nossa sociedade,
pelo uso que lhe é conferido, que o entretenimento é seu nicho e função preferencial (com o
que isto significa de limites e de positividade).
1.5. Discursos, gêneros, dispositivos
Alguns conceitos são usados, corriqueiramente, quase como sinônimos, para se referir ao que
seria uma “linguagem” da TV. De forma apenas didática, para clarear o terreno que estamos
trilhando, achamos oportuno promover algumas distinções. Na perspectiva usada por Bakhtin,
falamos de discurso enquanto fala social – conformação de falas específicas de grupos
sociais. Discursos traduzem um posicionamento social: as relações com o outro, as
estratégias, a ideologia, enfim, de um determinado grupo ou classe social. Os discursos não
nos pertencem: “[a palavra] é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como
23
É muito freqüente as pessoas chegarem em casa e ligarem a TV, enquanto se ocupam de outras coisas (no
caso, apenas a voz da TV ocupa um espaço e faz companhia).
24
A linguagem visual precede a abstração da escrita, e seria a linguagem dos povos primitivos (do anthropos) e
das crianças.
25
Benjamin (1986), avesso a dicotomias rígidas, e no movimento de mistura que caracterizava seu pensamento,
fala do espectador de cinema que se distrai - e presta atenção.
12
pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do
locutor e do ouvinte” (Bakhtin, 1992, p. 113). O que significa também que não estão prontos
em algum lugar; eles são construídos em nossas práticas cotidianas, nas nossas relações de co-
presença (entre o um e o outro). Assim, e a partir desta acepção, não é de todo apropriado
falar de um discurso da TV26
, mas entender antes que esta é permeada ou acolhe múltiplos
discursos: tanto os discursos de práticas comunicativas estratégicas ou bem conformadas (o
discurso publicitário, o discurso jornalístico), como discursos políticos (o discurso do
governo, o discurso da direita), sociais (o discurso de minorias, o discurso ecologista),
culturais (o discurso mineiro), religiosos (estes, aliás, em intensa disputa no cenário midiático
nos últimos tempos).27
Esta distinção ou constatação nos permite entender um pouco mais da
natureza polimorfa ou eclética da televisão, ou seu lugar de espaço público, lugar de
acolhimento e caixa de ressonância de diferentes falas sociais. Podemos falar da TV como
uma arena de discursos – lugar onde ecoam e ganham visibilidade os diferentes atores da vida
social. Esta constatação, no entanto, não deve obliterar o reconhecimento da dominância de
certos discursos (os grupos não falam em igualdade de condições, e empiricamente é possível
constatar a presença de falas hegemônicas28
) – o que, no entanto, não advém ou não é uma
característica do meio televisão, mas da própria estrutura social da qual a atividade televisiva
faz parte.29
Uma tendência mais recente nas pesquisas sobre televisão enfatiza o estudo dos gêneros como
forma de entrada não apenas para alcançar os diferentes discursos televisivos, mas sobretudo
para tratar da audiência, ou das relações com a recepção. Gêneros são enunciados regulares,
facilmente reconhecíveis; Bakhtin falou de gênero enquanto “um padrão relativamente estável
de estruturação de um todo” (1997, p.301), ou “formas típicas de dirigir-se a alguém” (Idem,
p. 325). O estudo dos gêneros pode conduzir para dentro, para as características internas do
enunciado, ou para fora - para o trabalho de conformação de estímulos em diálogo com uma
estrutura de reconhecimento; para a interlocução, portanto. Tal perspectiva foi seguida por
Martín-Barbero, quando aponta os gêneros como “estratégia de comunicabilidade”, lugar
26
Dizemos corriqueiramente “discurso da TV” para nos referirmos aos produtos, mensagens ou textos
televisivos. Nada nos impede de fazê-lo (usar “discurso” como equivalente de “texto”), sendo apenas necessário,
em cada uso, discriminar o sentido que está sendo acionado.
27
Tais discursos não estão na televisão em estado puro, mas normalmente imbricados uns nos outros; por
exemplo, identificamos claramente o discurso publicitário, mas podemos perceber dentro dele um discurso
machista, ou ecologista, e assim por diante.
28
O discurso do MST, por exemplo, se manifesta em vários momentos através da televisão; certamente numa
presença muito menos significativa que o discurso capitalista, de defesa da propriedade privada.
29
Inusitado seria, numa sociedade de classes, marcada pela desigualdade social, desigualdade política,
esperarmos encontrar na televisão um terreno (ou uma ilha) de fato democrático(a).
13
privilegiado de mediação, espaço de negociação entre objetivos do produtor e expectativas do
receptor.30
Os gêneros, assim, devem ser buscados e definidos tanto do ponto de vista da construção de
sentido (regras semânticas), quanto do estabelecimento de um contrato de interlocução com o
outro (regras pragmáticas); eles dizem respeito à relação entre o enunciado e o mundo, e à
comunicabilidade com o outro a propósito do sentido de mundo que se quer construir: “Todo
gênero, de fato, repousa sobre uma promessa de uma relação a um mundo cujo modo ou grau
de existência condiciona a adesão ou a participação do receptor” (Jost, 2003, p. 19).
O estudo dos gêneros televisivos, no entanto, não tem se mostrado tarefa fácil, pelas
dificuldades de sua caracterização (sabemos que são uma estratégia de interação, que são
reconhecíveis pelo receptor, mas como recortá-los e trabalhar com eles?). Trata-se de uma
área nova, ainda não convenientemente conceitualizada – e o estudo de uma nova área é
sempre feito com as ferramentas e com o olhar advindo de áreas já construídas. O estudo dos
gêneros televisivos tem sido marcado pela tipologia dos gêneros literários, o que provoca
evidentes desencaixes e distorções. A novidade, diferença e mobilidade dos produtos
televisivos nem sempre se deixa apreender bem pela classificação emprestada da literatura, ou
mesmo pela noção de gênero, dada a mistura e movimento de formas que marcam a produção
televisiva.
Duas grandes categorias de referência – ficção e realidade – são evocadas pelos vários autores
para dizer do tipo de relação com o mundo criado pelos produtos televisivos, que oscilam
entre o polo realidade (representado, em princípio, pelos telejornais) e o polo ficção (as
novelas, por exemplo), mas com freqüência borrando suas fronteiras. Se Eco dizia que o
caracteriza a televisão é a mistura e indistinção crescente entre ficção e realidade, Jost, por seu
lado, apresenta três grandes gêneros, ao incluir um terceiro mundo, que é o do lúdico (o
espaço do jogo, onde se inscrevem programas de auditório, certo tipo de entrevistas, os reality
shows etc – e onde esta distinção ficção / realidade é de certa forma suspensa ou
reconfigurada).
30
“Entre a lógica do sistema produtivo e as lógicas dos usos, mediam os gêneros. São suas regras que
configuram basicamente os formatos, e nestes se ancora o reconhecimento cultural dos grupos. Claro que a
noção de gênero que estamos trabalhando tem pouco a ver com a velha noção literária do gênero como
'propriedade' de um texto, e muito pouco também com a sua redução taxonômica, empreendida pelo
estruturalismo. No sentido em que estamos trabalhando, um gênero não é algo que ocorra no texto, mas sim pelo
texto, pois é menos questão de estrutura e combinatórias do que de competência. Assumimos então a proposta de
uma equipe de investigadores italianos segundo a qual um gênero é, antes de tudo, uma estratégia de
comunicabilidade, e é como marca dessa comunicabilidade que um gênero se faz presente e analisável no texto”
(Martín-Barbero, 1997, p 313)
14
Ao lado dessas categorizações mais amplas, várias outras tipologias têm sido apresentadas,
criadas pelos próprios produtores31
e/ou consagradas pela estrutura de reconhecimento dos
receptores.32
Alguns formatos são mais facilmente identificáveis, como o telejornal,
telenovela, programa de auditório; esses formatos seriam caracterizados tanto por sua
estrutura interna (a maneira como são construídos e identificados enquanto forma33
) quanto
pelo mundo a que nos acessam (realidade, ficção, jogo). Mas ao nos debruçarmos sobre os
produtos, já no primeiro movimento analítico vamos nos dar conta das dificuldades; as
misturas se alargam, num processo de permanente hibridação, e dificultam uma caracterização
definida ou definitiva: Brasil Urgente, por exemplo, é um telejornal que se apóia
constantemente em recursos dramáticos (performance do apresentador, recursos sonoros e
visuais); o Programa do Ratinho é um programa de auditório, um programa de variedades,
que incorpora ainda recursos dramáticos (encenações), informativos (pequenas reportagens); é
show, é denúncia – enfim, uma mistura. Frente a tais dificuldades, o estudo dos gêneros
arrisca-se a ficar nas evidências (formatos-padrão) ou, buscando as particularidades de um
produto, ater-se por demais às características internas da forma em si, perdendo de vista a
dialogicidade que lhe é inerente (a proposta de relação com o outro e com o mundo). Também
tratar o gênero apenas a partir de suas estratégias de interpelação ou endereçamento pode
causar alguns equívocos, pois gêneros diferentes podem compartilhar alguma estratégias
comuns.34
É preciso, assim, tratá-lo em contexto, ou seja, atentar para o quadro interlocutivo
mais amplo em que está inserido.
A mistura e mobilidade de gêneros não eliminam sua existência - toda linguagem constrói
seus formatos estandardizados e reconhecíveis de enunciados, sob pena de criar a
incomunicabilidade. E as dificuldades de reconhecimento não diminuem a necessidade de
buscar a sua identificação. Um aprofundamento na reflexão e identificação dos gêneros
televisivos ultrapassa as pretensões deste trabalho35
, e nos limitamos a realçar a importância,
ao nos debruçarmos na análise de produtos específicos, de buscar caracterizar seu formato, ou
seja: a maneira como se estruturam, os elementos de que lançam mão para se apresentarem,
serem reconhecido e interpelarem o receptor. Fazendo isto estaremos localizando-os numa
31
A maneira como uma emissora classifica seus programas na sua grade.
32
O uso ou compreensão comum cristaliza uma forma de identificar e nomear os produtos.
33
Em quase qualquer país, ao ligar a televisão e nos depararmos com um telejornal, saberemos do que se trata,
mesmo se não compreendemos a língua (e, portanto, do que ele esta falando), graças a uma composição muito
semelhante seguida por todos eles.
34
É o caso dos programas que estamos analisando, que partilham certas formas de tratamento e de
endereçamento a um público popular, mas não pertencem, por isto, necessariamente ao mesmo gênero.
35
Ver a propósito Souza (2004), Balogh (2002).
15
grade de tipos ou gêneros – num trabalho mais de aproximação que de encaixe definitivo
(dada a mobilidade e promiscuidade destas formas).
Gêneros ou formatos se constroem através do uso de recursos de construção e formatação, ou
dispositivos. O conceito de dispositivo (do latim dispositus), por sua vez, diz dos instrumentos
e mecanismos usados para construir determinadas formas ou disposições; ele diz das maneiras
como são dispostos os elementos e peças de um aparelho, forma ou, no caso, enunciado
(texto). Os dispositivos estão relacionados com a construção de uma determinada ordem (são
um instrumento de ordenação); incorporam, portanto, uma dimensão estratégica. Trata-se de
um conceito operacional, de grande riqueza para uma análise mais aprofundada dos produtos
e do processo de produção (da mise-en-scène de um discurso, da maneiras como ele é
materializado, se torna matéria viva, disponível). O estudo dos dispositivos auxilia nossa
percepção do caráter construído dos produtos, e de como as intencionalidades (com relação ao
mundo e ao outro) estão presentes nestas construções. No caso do discurso jornalístico, por
exemplo, podemos falar dos dispositivos acionados para produzir um efeito de real; no Brasil
Urgente ou no Hora da Verdade, vamos identificar dispositivos de dramatização, e assim por
diante.
Poder-se-ia tentar elencar os diferentes dispositivos disponíveis no campo da produção
televisiva, mas este conceito é antes fecundo para um trabalho de prospecção das diferentes
formas construídas: em um programa ou gênero especifico, uma telenovela mexicana, por
exemplo, identificar e contrastar os dispositivos usados que aproximam e/ou diferenciam este
produto de um outro semelhante (de um drama cinematográfico ou de uma telenovela da
Globo).
Uma síntese deste item, assim, nos mostra a televisão como um meio que acolhe diferentes
discursos, que oferece diferentes e variados gêneros ou formatos de produtos, construídos
através da utilização de um vasto repertório de dispositivos.
1.6. Prática e experiência
Por fim, vale lembrar que a televisão é uma prática comunicativa, e nomeá-la assim tem
implicações epistemológicas (expressa uma forma de ver, de compreender a televisão).
Primeiramente, entendemos que ela é uma prática, uma ação humana e social - e práticas são
criadoras, são lugar do fazer: é através de suas intervenções, reciprocamente referenciadas,
que os sujeitos sociais se constituem enquanto tal, e constituem o mundo à sua volta. E
16
televisão é uma pratica comunicativa; uma relação mediada simbolicamente, que se efetiva
através da criação e partilhamento de discursos, de sentido. A produção televisiva não
acontece imune ou à revelia da presença de sua audiência (intervenções, interesses), mas é
permanentemente modificada por ela, pela dinâmica viva das intervenções dos diferentes
sujeitos envolvidos na interlocução. Portanto, é uma linguagem em processo, que se faz / se
refaz continuamente - donde a mobilidade de suas formas e gêneros. Como toda linguagem,
orienta tanto quanto é constituída pelas falas que a efetivam.
Lugar de prática, a televisão é, portanto, um lugar de experiência, da nossa experiência
cotidiana. Fazer televisão, assistir à televisão não é algo externo, mas interno à vida social; o
espaço televisivo não existe paralelamente às nossas experiências, mas é uma delas – com um
fortíssimo poder de penetração nos demais âmbitos de nossa vivência36
. Não podemos, hoje,
conceber ou falar da vida cotidiana de uma sociedade, ou de uma pessoa, sem falar da
presença da televisão inserindo e repercutindo imagens, representações, temas, formas de
procedimento e conduta. Para alguns, ela está ai atuando unilateralmente. Se a
compreendemos, entretanto, enquanto interação, espaço de um fazer que se reorienta a partir
da intervenção dos diferentes sujeitos envolvidos, falamos antes de uma relação bilateral, bem
como de uma linguagem atravessada (poluída) pela vida, espaço e dinâmica de experiências
partilhadas, uma televisão banhada em nosso cotidiano, enfim. Neste sentido, nos damos
conta do quanto a televisão é sensível ao seu ambiente, e colada ao que chamamos senso
comum.
1.7 - Enfim: como e de onde fala a TV?
Frente a esse quadro amplo e disperso de características, o que podemos concluir sobre a
televisão, sobre uma possível linguagem televisiva? Já o conceito de linguagem é bastante
complexo e controverso; sem adentrar uma discussão conceitual, partimos inicialmente da
idéia de um sistema estruturado de signos, uma estrutura geral que ordena formas de dizer. Se
entendemos linguagem como uma estrutura definida, fixa e determinante (conforme
trabalhada pela perspectiva estruturalista), estaremos já de inicio fadados ao insucesso. Mas
36
Contrapomo-nos aqui a uma afirmativa corrente, de que a televisão substitui ou esvazia a experiência. Fazer
experiência, experimentar significa vivenciar, afetar, ser afetado, não sair ileso de uma situação. Ora, nossa
relação com a televisão é bem da ordem de uma experiência, ela é uma experiência entre outras: nós afetamos e
somos afetados; somos tocados por algo, nos apropriamos, damos nossa forma ao apropriado. Costuma-se
contrapor a pobreza da TV à (possível) riqueza da vivência “direta” – essa vivência direta, no entanto, não é
evidente, e muitas vezes permanece no nível da idealização.
17
se pensamos em linguagem como processo de estruturação, conformado tanto quanto
conforma as diferentes práticas linguageiras (discursivas), podemos sim, falar de uma
linguagem geral da TV, enquanto um quadro amplo de referências e determinações37
que
orientam a maneira como se constroem os diferentes produtos televisivos. “Estar na” ou “ser”
televisão traz implicações para um produto, e é isto que queremos dizer ao falar de linguagem
televisiva.
Os diferentes aspectos e características discutidos acima nos permitem destacar alguns traços
que marcam um certo enquadramento ou moldura colocados pela produção televisiva (ou por
esta televisão que hoje conhecemos, fazemos e usamos), e que procuraremos sistematizar a
seguir.
a) linguagem visual, com predomínio do icônico
Primeiramente há que se dizer, ou lembrar, que televisão é imagem; uma linguagem visual,
portanto. Há uma certa universalidade na linguagem visual, que trabalha com signos
facilmente reconhecíveis, e que fala mais diretamente aos nossos sentidos. As imagens da
televisão, coladas ao cotidiano, falando dele e de nosso mundo, estabelecendo uma relação de
proximidade e verosimilhança com a realidade, se inscrevem sobretudo no terreno do icônico
(relação de semelhança com o mundo). “Janela para o mundo”, ela não prima exatamente pela
criação e pelo fantástico de suas imagens, mas pelo reconhecimento e identificação;
b) sensorialidade
Conforme já indicado acima, a linguagem visual, icônica, marcada pelo cotidiano, por
relações de proximidade, confere à televisão uma alta sensorialidade: ela fala aos nossos
sentidos, nos afeta, mexe diretamente com nossas emoções38
;
c) instantaneidade e caráter massivo
37
Usamos “determinações” escapando do conceito fechado de determinações mecânicas e definitivas, mas
querendo antes dizer influências fortes.
38
Já foi bastante ressaltado que a televisão exacerba principalmente um dos nossos sentidos - o olhar. A esta
ênfase acrescenta-se ainda a denúncia da superficialidade de um olhar destituído de reflexão. Tratamos
diferentemente essa questão, entendendo antes que a televisão, ao acessar ou nos adentrar diferentemente um
mundo novo de formas, sons, dimensões, espaços, afeta nossos vários sentidos, toca nossa sensorialidade
(capacidade de sentir). Quanto à ausência de reflexão, dois pontos devem ser considerados. Primeiramente, e
pelo conjunto de traços que marcam sua atuação, percebe-se que a TV, hoje, tem como propósito (se propõe e é
buscada) muito mais como um meio de entretenimento que de reflexão. Não obstante, parece-nos que a crítica à
superficialidade do olhar carece totalmente de evidências empíricas; se ela não está lá ou não tem como principal
função suscitar a reflexão, nada indica que ela a impede ou obscurece (ela suscita tanto ou tão pouco nossa
reflexão como a infinidade de nossas outras experiências cotidianas).
18
Uma farta distribuição de imagens, acessadas instantaneamente por milhões e milhões de
telespectadores: a imediaticidade e partilhamento são traços definidores da existência da TV;
d) fragmentação e diversidade
Produtos diversificados, múltiplos; fragmentação, descontinuidade e mistura de temas e
gêneros marcam o vasto repertório de bens distribuídos pela TV;
e) natureza industrial, mercadológica
Produção industrial, em larga escala, atendendo a uma lógica de mercado: esta é a forma de
organização da produção da televisão, o que se traduz em uma tendência à repetição, uso de
clichês e fórmulas consagradas. Se a inovação está presente na TV (como em qualquer
linguagem), só se pode pensá-la dentro do movimento dialético que estabelece com as forças
de padronização39
;
f) inscrição no domínio do senso comum
Sua inserção na vida cotidiana, nos lares, em todos os lugares, confere aos produtos
televisivos uma relação de coloquialidade com seus receptores, e uma inscrição no senso
comum: ela fala dentro dos padrões interativos de uma determinada cultura, e dentro do
universo de referências partilhado por uma sociedade;
g) ficção e realidade
Abertura para o mundo, ficcionalização da realidade: a linguagem da TV oscila
continuamente entre estes dois mundos, sendo a mistura sua forma básica de lidar com as
duas instâncias;
h) caráter lúdico, entretenimento
A forma de inserção da TV – sua onipresença na vida cotidiana – desenvolveu
prioritariamente seu caráter lúdico, e a função de entretenimento. Permeando as demais
atividades, e inscrevendo-se como possibilidade de lazer e escape, a televisão é usada
sobretudo buscando a distração;
i) arena de discursos
A televisão é um espaço público; certamente o espaço público central da sociedade
contemporânea. Trata-se, portanto, de um terreno de grandes disputas, e onde eclodem e se
manifestam os mais diferentes discursos sociais. É um espaço de diversidade, marcado pela
39
Também aqui a referência de Morin (1997), sobre a dialética renovação versus inovação é imprescindível .
19
presença de muitas vozes. A TV apresenta e reflete a diversidade da vida social, e é o palco
onde diferentes atores, situações, temáticas e problemas se dão a ver;
j) caráter institucional e de classe
A TV é uma instituição dentro de uma determinada estrutura social; ela não é externa nem
avessa a essa estrutura mas, ao contrário, espelha (e ao mesmo tempo reproduz) as relações de
classe, de poder que marcam a vida de uma sociedade. Assim, é de se prever que
predominem, na televisão, os discursos e forças hegemônicas da sociedade. A diversidade
está presente na televisão, mas os diferentes temas, sujeitos, discursos não se apresentam aí
em igualdade de condições. A linguagem da TV é marcada por este lugar institucional e pela
dinâmica de classe;
l) linguagem em construção
Prática comunicativa, a TV se constrói a cada dia, em interação com seu público e com a
dinâmica da vida social; dai a diversidade de gêneros, temáticas, e o permanente movimento e
hibridação de suas formas;
m) interação comunicativa: o lugar da recepção
Por último é importante ressaltar que, interação à distância, ela não elimina e não absorve
nossos outros espaços de vivência e de ação – ela dialoga com eles, mas não retira de nós o
papel e lugar de sujeitos no mundo, e de verdadeiros mediadores. Em um certo sentido, sim, a
televisão é uma mediadora, como o são também a cultura e várias outras instâncias. Mas na
soma final, é em nós e nas nossas ações que acontecem as transições, as junções e disjunções.
É isto que explica a existência das diferentes leituras e usos da televisão; a televisão está
submetida aos sujeitos tanto ou mais que os submete, e seu poder apenas pode ser
compreendido no seio das outras forças que são agregadas e conjugadas pela atuação dos
sujeitos no mundo. Mais que outros meios, a televisão é construída no bojo das interações que
estabelece.
Finalizando, queremos ressaltar que este quadro de características elencadas é sobejamente
conhecido e (pelo menos em sua grande parte), consensual. O objetivo e possível importância
desta compilação é tentar pensá-las em conjunto; uma tendência dominante nos estudos e
autores é privilegiar, em cada momento, um ou outro aspecto como sendo o traço central e
definidor da televisão. Nosso objetivo é ressaltar que ela é a soma e a confluência destes
20
vários traços e fatores; oscilando entre forças às vezes contrárias, ela se situa sempre em
pontos de equilíbrio precários – o que dificulta uma resposta definitiva sobre o que é a TV, e
nos instiga a investigar, em cada caso, as relações e o lugar em que ela se conforma.
A caracterização da TV é também importante no sentido de orientar nossas críticas e busca de
uma televisão melhor e mais crítica; podemos e devemos fazer isto, mas a partir do que ela é
(e não daquilo que ela não é); do que ela pode dar (e não daquilo que lhe imputamos como
necessário). A televisão não é um remédio para todos os males – mas nem tampouco a doença
da sociedade. Ela apenas diz do seu estado de saúde.
1.8. Cultura popular e o popular na TV
Em nosso estudo, estamos falando de programas televisivos, e a esta qualificação se
acrescenta uma outra, programas televisivos populares; o que estamos entendendo por
popular neste contexto? O que ele acrescenta ao campo da televisão?
Popular vem de povo, um conceito complexo, e que vamos tomar aqui, para iniciar nossa
discussão, no seu sentido mais básico - conjunto de homens e mulheres vivendo em uma
sociedade. A palavra popular, em seus vários significados, evoca distintas relações com o
povo: o que vem do povo, o que se destina a ele, o que é característico dele, o que é amado
por ele – distinções estas que precisam ser consideradas.
Este último sentido - aquilo que o povo gosta - corresponde à noção de popularidade: algo
(uma coisa, uma pessoa, um valor) que goza de grande adesão por parte de grupos e membros
de uma sociedade. Tanto podemos aplicá-lo a Sílvio Santos (que goza de uma tal
popularidade no Brasil que, num determinado momento, chegou a pensar em usar este seu
“capital” para se candidatar à presidência da República) como à cerveja, por exemplo, em
certa medida considerada uma bebida nacional (e ela não o é por sua origem, mas exatamente
por sua popularidade).40
Já o “popular” de cultura popular, em suas conceituações mais correntes, expressa mais
propriamente aquilo que vem do povo, que é produzido por ele. Neste momento, as distinções
do coletivo “povo” começam a se fazer sentir: por vezes povo é tomado como sinônimo de
nação (associado à idéia de identidade – é neste sentido que falamos de uma “verdadeira” ou
“autêntica” cultura popular brasileira); outras vezes povo é um coletivo já recortado, do qual
40
Uma das campanhas da cerveja Antarctica tinha como slogan “Antarctica – paixão nacional”.
21
se excluem os grupos dotados de uma cultura sem adjetivação (normalmente os que possuem
também um melhor nível de vida e consumo, maior poder aquisitivo). É no primeiro sentido
que falamos em MPB (Música Popular Brasileira); e quando apresentamos Pixinguinha ou
Chico Buarque como exemplos desta produção, é cheios de orgulho que o fazemos (nesta
perspectiva, o popular espelha o melhor de nós, uma exemplaridade que nos permite idealizar
nossa essência). Já no segundo sentido, povo equivale às classes baixas, aos pobres e setores
mais afastados (tanto do ponto de vista geográfico como de sua prática) dos padrões culturais
dominantes. Restrito a um mundo próprio, este povo se inscreve em um domínio cultural
particular.
A literatura sobre esta temática – cultura popular como “do povo” – é extensa, e as teorias
clássicas se dividem (ou dividem a questão) em duas grandes tendências: a) ou bem ela é
tomada como algo dotado de uma existência própria e isolada – e neste lugar ela é valorizada
em sua pureza original; b) ou ela é vista em relação à cultura dominante (ou “verdadeira
cultura”), quando é então caracterizada pela falta - por aquilo que ela não é, que ela não
alcança.41
No primeiro caso a cultura popular constitui um mundo à parte, e é sua
singularidade, sua ingenuidade primitiva que é exaltada e resguardada. Esta cultura é objeto
de medidas de preservação e incentivo por parte das políticas públicas, e objeto de respeito e
de consumo por parte de setores intelectuais e turistas. Inscrevem-se nesta rubrica, para falar
de exemplos próximos, o artesanato do Vale do Jequitinhonha, festas religiosas como o
congado e o reisado, comunidades identitárias (indígenas, afro-descendentes).
Mas numa outra perspectiva, o lugar dos pobres é antes um lugar de ausência (ausência de
referências, de conhecimento, de hábitos adequados), e, portanto, expressão de não-cultura.
Os pobres não têm acesso à cultura impressa, ao cinema, ao teatro ou às belas artes, ao
conhecimento histórico e, inclusive (e em decorrência), à reflexão e à consciência crítica.
Como lugar de falta, eles são objeto tanto de desprezo como de zelo pedagógico (estimulando
iniciativas de natureza educacional que visam a levar a cultura aos diversos tipos de
excluídos).
Sem entrar no debate sobre a natureza e o valor daquilo que o “povo” produz enquanto
cultura, é preciso dizer, no entanto, que se em algum momento essas clivagens culturais de
fato se apresentaram com nitidez (o mundo da corte, o mundo da plebe; a casa-grande e a
41
Essa questão foi discutida em trabalho anterior (França, 2005), em que retomamos as reflexões de Hall (2003)
e Chartier (2003), sobre as classificações e periodizações da cultura popular.
22
senzala)42
, hoje é absolutamente impossível traçar fronteiras claras entre os diferentes
universos culturais, ou achar uma perfeita equivalência entre classe social e cultura, tal o grau
de mistura e hibridação que marca a dinâmica cultural contemporânea. Através da mídia em
geral, e da televisão em particular, as classes populares (ou classes baixas) têm cada vez mais
acesso a um universo de referências, valores, imagens, representações também acessado e
partilhado pelas classes mais altas. A idéia de um universo cultural próprio foi, digamos
assim, absolutamente comprometida pela horizontalidade da televisão.
Neste momento aqueles que defendiam a existência de uma cultura popular pura, ingênua,
constatam sua (quase) extinção; os que a caracterizavam como um lugar de falta registram
que, lamentavelmente, o vazio foi preenchido por uma cultura de segunda categoria (a cultura
de massa, hoje, mais convenientemente chamada de midiática). De toda maneira, por um ou
outro caminho, a idéia de popular enquanto produzido pelo povo se esvazia: nesta nova
dinâmica cultural, a ele só cabe o papel de recepção.
Resta então um último sentido; pode-se também chamar de popular aquilo que se dirige ao
povo e que, buscando ativar o consumo pelos mecanismos da identificação, se parece com
ele, assume algumas de suas características. Chamamos de popular, por exemplo, certo tipo
de produto e de comércio de baixo preço (identificamos, na cidade, as zonas e lojas
populares). Por este caminho, invariavelmente o popular se associa a baixa qualidade, falta de
sofisticação (nível básico), mau gosto, pobreza.
Ora, é bem este significado que encontramos quando se fala de programas populares (ou
popularescos) da TV; são programas voltados para o consumo das massas, dotados de uma
estética grosseira, de conteúdos pobres (baixo grau de informação, predomínio do
entretenimento), de temas “baixos” (sexo, crime, horrores). No caso do Brasil, o crescimento
destes programas é comumente associado a um pequeno aumento do poder aquisitivo das
classes populares nos últimos anos e ampliação dos domicílios com televisão. As audiências
televisivas se estendem, e algumas emissoras pegam esse novo filão de mercado (processo
que logo contamina, em maior ou menor grau, as demais). Nesta perspectiva, em que o povo
se mantém num lugar de simples destinatário e consumidor, ele sai pelo menos inocentado do
processo; é apenas vitima de uma produção que o avilta ainda mais (o afunda ainda mais em
sua pobreza cultural).
42
Mesmo em momentos passados, em que o universo de convivência das classes sociais era mais nitidamente
demarcado, não se pode negligenciar que toda cultura é resultado de permanentes costuras e assimilações.
23
Não é uma caracterização do processo histórico que nos interessa aqui, mas da natureza
desses programas, o que toca no conceito de “popular”. O elenco de programas que poderiam
se agrupar sob este rótulo é extenso, e inclui os mais variados gêneros e formatos (como será
visto nos capítulos adiante); seu primeiro elemento definidor é a presença de figuras (pessoas)
e temas advindos da realidade das classes populares. Até então a televisão, dirigindo-se a um
público médio (o “homem médio universal”, conforme Morin), situou-se também num
patamar supostamente neutro de interesses, na verdade uma mixagem de temas advindos das
classes altas e médias. Os interesses e a realidade das classes populares, seja pela sua fraca
presença no mercado de consumo, seja pela indesejabilidade ideológica das suas referências,
estavam excluídos.
Algo mudou: os temas, a realidade e os próprios sujeitos dessas classes se apresentam na TV.
Por que mudou? A explicação de mercado é apenas uma delas. Um outro caminho de reflexão
passa por uma revisão e uma outra formulação do próprio conceito de popular, rejeitando as
vias da autenticidade e da carência. Numerosos autores, nos últimos anos43
, marcados por
uma visão não essencialista, e por um outro tratamento da noção de sujeitos sociais,
empreendem uma terceira via, onde o lugar do povo, da cultura popular, passa a ser visto
como um espaço atravessado por tensões - um espaço marcado pela presença das idéias e
valores dominantes, mas também, e sobretudo, por um movimento de resistência e de
negociações; lugar de embates, misturas, contradição.44
Algumas leituras enfatizaram sobremaneira a cultura popular como campo de luta e
resistência (no que foram criticadas por um excesso de idealização); outras destacaram mais o
aspecto das misturas e hibridações. Para o que nos interessa aqui, esta última perspectiva é
particularmente iluminadora. Nosso objeto de estudo não é a cultura popular como um todo e
o vasto campo que ela recobre, mas antes a cultura midiática, ou televisiva, naquilo que ela
incorpora ou expressa os traços dessa nova configuração do sentido de popular45
. Ora, a
43
O trabalho de Hoggart, The Uses of Literacy (1957), teve um papel decisivo na leitura da cultura popular que
será feita a partir de então (via Estudos Culturais), agregando depois novas e inúmeras contribuições, com
destaque para a reflexão de S. Hall. Na América Latina, vale ressaltar as discussões de hibridação, mestiçagem,
desenvolvidas por Martín-Barbero, Canclini, entre outros.
44
Contrapondo-se a uma definição comercial ou de mercado da cultura de massa, e a uma definição descritiva-
antropológica, Hall apresenta uma terceira definição, que considera a cultura popular como dizendo respeito às
“formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas; que
estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares. (....) O essencial em uma definição de cultura popular
são as relações que colocam a 'cultura popular' em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e
antagonismo) com a cultura dominante. Trata-se de uma concepção de cultura que se polariza em torno dessa
dialética cultural” (Hall, 2003-a, p. 257).
45
Continua Hall : “Se as formas de cultura popular comercial disponibilizadas não são puramente
manipuladoras, é porque, junto com o falso apelo, a redução de perspectiva (....) há também elementos de
24
novidade dos programas que estamos apontando, marcados por este veio popular /
popularesco, é exatamente um grau de mistura mais acentuado e mais evidente. Se a cultura
de massa, desde sua origem, teve como uma de suas características centrais o sincretismo,
este acontecia, entretanto, a partir dos imaginários reconhecidos pelas culturas convencionais
(nacionais, religiosas, clássica, etc.). A linha de corte se situava sempre acima desse universo
lodoso que é a vida, a experiência e o cotidiano das classes populares.
Por uma série de aspectos mercadológicos e políticos da nossa realidade contemporânea
(surgimento de novos sujeitos sociais, lutas de identidade), esse quadro vem sofrendo
desequilíbrios, e a amplitude das misturas se faz mais intensa. Esta é a questão que toca
diretamente os programas populares e, de forma mais ampla, a própria televisão ou cultura
televisiva. Dissemos acima, a televisão é ela mesma um espaço de diálogo da vida social;
colada ao cotidiano, aos sentidos que permeiam a vida social, ela reflete e inflete seus temas,
embates, contradições. Essa “nova” televisão é apenas uma televisão que acolhe questões,
temas e sujeitos que saem do gueto e passeiam pela cidade, povoam a rua46
. A dinâmica
ideológica (a briga de sentidos, de representações) transborda o universo de glamour e
assepsia em que por muito tempo foi contida. Esta nova televisão não é uma televisão
revolucionária, nem tampouco uma maré de detritos; ela fala de um cotidiano cada vez mais
saturado de diferenças, de diferenças que reivindicam espaço e claridade. A realidade das
periferias e da exclusão social, afastada dos olhares e das residências das classes abastadas, as
assombra agora nas ruas, e penetra também na televisão. Olhando juntos para a televisão,
confrontando imagens e representações, as diferentes classes estão hoje, mais que antes,
expostas às suas diferenças. O resultado disto extrapola políticas de programação televisuais,
mas diz respeito ao próprio quadro da convivência e estruturação da vida social.
A antiga metáfora da televisão como janela para o mundo mantém sua pertinência: a janela
mostra e esconde, incorpora o dentro e o fora. Ela entra e transforma nossa intimidade
doméstica (nossa casa, lugar da nossa vivência); ela abre para fora e nos dá acesso ao mundo
exterior. Mas não é exatamente “o mundo” que passa em frente de uma janela – é a rua, a
hibridação confusa e perigosamente instável das ruas.
reconhecimento e identificação, algo que se assemelha a uma recriação de experiências e atitudes reconhecíveis,
às quais as pessoas respondem” (Hall, 2003-a, p. 255)
46
Através do conceito bakhtiniano de transgressão carnavalesca, Hall lembra que o dialogismo, nas formas
discursivas, não significa acomodação nem elimina o antagonismo, mas expõe a mistura, a dissolução dos
lugares, a eclosão do baixo “enquanto local de desejos conflituosos e representações mutuamente incompatíveis”
(Hall, 2003-b, p. 226).
25
Referências
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mistificação das massas. In: _________. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.
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Brasiliense, 1986, p. 165-196.
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revisitada. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 85-118.
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26
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Ática, 1996.

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Análise da linguagem e impacto social da TV

  • 1. 1 A TV, a janela e a rua1 Vera Regina Veiga França A análise de programas televisivos (no nosso caso, programas populares na TV) é necessariamente precedida por uma indagação sobre o próprio conceito de “televisão” - seu lugar, suas características, sua linguagem. Não se trata, naturalmente, de promover uma completa revisão teórica sobre o tema (o que ultrapassaria em muito nosso propósito aqui) ou de reivindicar respostas e definições precisas a tais indagações, mas tão somente da identificação do lugar de onde estamos falando, bem como das referências que balizam nosso olhar sobre a TV. Desde seu surgimento, a televisão vem sendo exaustivamente tratada – mas seus estudos se caracterizam por abordagens distintas e pouco confluentes, dificultando a construção de uma “teoria da televisão”. Ao contrário do jornalismo, por exemplo, que, enquanto um fazer específico, constitui um domínio de conhecimento relativamente estruturado2 , possui uma dimensão estratégica e princípios operacionais mais ou menos definidos, a televisão é um meio que vem se recriando continuamente enquanto linguagem, passível de diferentes usos, alojando práticas distintas, acolhendo múltiplos discursos. Como então falar de “televisão”? Mas como não falar, se a natureza televisiva é fundamental na constituição de nossos programas? É preciso, assim, encarar de alguma forma o panorama geral dos estudos sobre a televisão, para estabelecer nosso ponto de partida. Sem qualquer pretensão classificatória, mas para orientar nosso caminho e nossas escolhas, podemos, grosso modo (assumindo os riscos da simplificação), identificar três grandes tendências dentro deste panorama. Não se trata de uma ordenação das teorias, menos ainda de inserir de forma definitiva obras e autores em cada uma delas, mas de identificar ênfases. A primeira delas diz respeito às abordagens mais gerais, que falam da relação televisão e sociedade, buscando delinear seu papel, funções, efeitos. Numerosas obras se dedicam a discutir o que a televisão significou e trouxe à sociedade. Com freqüência esta perspectiva promove uma identificação entre televisão e meios de comunicação, entre TV e cultura de massa, por vezes atribuindo à televisão as principais características da produção midiática. Os primeiros estudos sobre a cultura de massa, até aproximadamente os anos 1960, tratavam de 1 Primeiro capítulo do livro Narrativas televisivas: programas populares na tv. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
  • 2. 2 forma relativamente indistinta os novos meios técnicos de produção e distribuição massiva de informações e imagens (fotografia, cinema, rádio, TV, além da imprensa de grande tiragem). Era ainda a infância da televisão. Mas os traços desde o início apontados como definidores dos então chamados MCM (meios de comunicação de massa) encontraram na TV sua melhor expressão: produção industrial em larga escala; homogeneização da produção e busca de um termo médio; mercantilização e busca de grandes audiências; ênfase no entretenimento e no caráter lúdico; mistura de elementos (sincretismo); especialização técnica e caráter coletivo da produção3 . A ampliação da penetração e importância da TV vão torná-la o carro-chefe da indústria cultural; o cinema e a fotografia ganham auras de arte; o rádio, a despeito de sua força e penetração, é relegado a um plano secundário. É a televisão que encarna por excelência o espírito e o espaço da nova cultura de massa. Neste caminho de leitura, vários autores desenvolvem uma crítica às vezes arrasadora da televisão: para Baudrillard, a televisão – expressão mais acabada dos meios de massa - veio retirar a palavra da cena pública e eliminar a comunicação4 : “O que caracteriza os media de massa é que eles são antimediadores, intransitivos, fabricam não comunicação – se aceitarmos definir a comunicação como uma troca, como um espaço recíproco de uma palavra e de uma resposta, portanto, de uma responsabilidade –, e não uma responsabilidade psicológica e moral, mas uma correlação pessoal de um com outro na troca. Por outras palavras, se definirmos como algo diferente da simples emissão/recepção de uma informação, mesmo que essa fosse reversibilizada pelo feedback. Ora, toda arquitetura atual dos media se funda nessa última definição: eles são o que proíbe para sempre a resposta, o que torna impossível qualquer processo de troca (a não ser sob a forma de simulação de resposta, elas próprias integradas no processo de emissão, o que não altera em nada a unilateralidade da comunicação). Aí reside sua verdadeira abstração. É nessa abstração que se funda o sistema de controle social e de poder” (Baudrillard, 1972, p. 217). Para Bourdieu, a televisão ameaça as esferas culturais, artísticas, científicas e inclusive a vida política e a democracia. Através do jogo da visibilidade e da invisibilidade, do esconder mostrando, do jogo remissivo e do fast-thinking, a televisão exerce ao extremo aquilo que o 2 Não estamos falando aqui de marcos teóricos consensuais, mas de parâmetros consensuais que estabelecem os delimitações do jornalismo como campo de conhecimento. 3 Veja-se, a propósito, o estudo clássico de Adorno e Horkheimer (1985), sobre a industria cultural ; também o trabalho de E. Morin (1997) sobre cultura de massa. 4 Perspectiva também desenvolvida por Muniz Sodré: “Os media, a relação informativa, ao estabelecerem o monopólio do discurso, eliminam a possibilidade de resposta e erigem um poder absoluto, inédito na História, a hegemonia tecnológica do falante sobre o ouvinte” (Sodré, 1977, p. 26).
  • 3. 3 autor nomeia em outras obras de ‘poder simbólico’: a dominação pela imagem. A imagem televisiva tem a particularidade de poder “fazer ver e fazer crer no que faz ver” (Bourdieu, 1997, p.28); “a televisão se torna o árbitro do acesso à existência social e política (Idem, p.29) G. Sartori aponta o surgimento do homo videns, que pouco a pouco substitui o homo sapiens; a televisão estaria mudando a natureza humana, levando a um “predomínio do visível sobre o inteligível que conduz para um ver sem entender”.5 Outros, no entanto, como D. Wolton, ressaltam o potencial democratizador e o lugar ímpar da TV aberta: “A idéia de programação inerente à televisão de massa, obriga a conceber uma programação para todos os públicos: ela traduz assim uma aceitação da heterogeneidade de gostos e de aspirações e é, portanto, uma espécie de reconhecimento de sua legalidade. Quanto ao que diz respeito à recepção, a televisão de massa acentua, quase na mesma proporção das incertezas da diversidade da grade, a heterogeneidade das mensagens e dos públicos. Essa dispersão dos sentidos é, na verdade, um fator de comunicação, uma vez que a televisão é um assunto sobre o qual os indivíduos conversam com maior facilidade. Não só podemos assistir, se quisermos, às mesmas imagens, como também nada nos obriga a assistir à mesma coisa. (...) A força principal da televisão generalista, pública ou privada, continua sendo o seu registro: ela se dirige a todo mundo, constituindo um dos laços sociais das sociedades individualistas de massa, em que as ocasiões de se participar simultânea e livremente de atividades coletivas são muito menos numerosas do que se pensa” (Wolton, 1996, p. 113- 114). Nesses vários enfoques a televisão é ressaltada alternativamente como lugar de alienação e empobrecimento cultural, criação de valores e mitos contemporâneos, instrumento de poder e reprodução da estrutura de dominação, espaço público e canal de acesso e participação (para citar apenas os traços mais marcantes ressaltados por um ou outro autor). Um segundo enfoque, mais interno, diz respeito à caracterização técnica do meio e de sua linguagem. Tais estudos são desenvolvidos, geralmente, por autores que trabalham não especificamente sobre a TV, mas sobre estética, imagens, meios visuais. Além dos modos operatórios e da configuração técnica do meio, indaga-se sobretudo sobre a natureza do seu produto – o que é a imagem televisiva, que tipo de representação ela constrói. Para U. Eco, a 5 Conforme Sartori, “ na televisão o fato de ver predomina sobre o falar, no sentido que a voz ao vivo, ou de um locutor, é secundária, pois está em função da imagem e comenta a imagem. É por causa disto que o telespectador passa a ser mais um animal vidente do que um animal simbólico. (.....) Este fato constitui realmente uma virada radical de direção, pois enquanto a capacidade simbólica distancia o homo sapiens do animal, o predomínio da
  • 4. 4 grande característica da televisão foi abolir as fronteiras da ficção e realidade; mais contemporaneamente, ele distingue a Paleo e a Neotelevisão; uma televisão que falava sobre o mundo é substituída hoje por uma televisão que fala sobretudo de si e do contato que estabelece com o próprio público.6 Para F. Jost, a linguagem televisiva se constrói em torno de três grandes gêneros televisivos (três mundos aos quais a TV se dirige): o real, a ficção e o lúdico. No Brasil, de forma particular, vale ressaltar as contribuições significativas de D. Pignatari e A. Machado, entre outros, na caracterização do meio e da linguagem televisiva7 . Por último, encontramos um vasto repertório de análises circunscritas a programas específicos. Fugindo das abordagens muito amplas e totalizantes, vamos encontrar, contemporaneamente, uma grande proliferação de estudos tratando ora dos aspectos da produção de tal ou tal produto, ora da sua audiência. São estudos mais pontuais que, evitando generalizações excessivas, buscam caracterizar dinâmicas particulares que conformam múltiplas TVs. Como exemplo, no Brasil, destaca-se sobretudo o estudo das telenovelas8 , mas também de telejornais, programas de auditório, reality shows (tendo o Big Brother catapultado um bom volume de reflexões nos últimos anos). Os estudos de recepção9 também respondem por uma boa parcela da produção da área, seja numa linha de etnografia dos usos e/ou das audiências, seja buscando o diálogo e interlocução entre programas e sociedade.10 Este é o nosso caso – estudo de alguns programas. Mas não queremos fazê-lo (ou não podemos fazê-lo) a partir do próprio programa, negligenciando os enquadramentos mais amplos da “interação televisiva” que resignificam características especificas encontradas em cada um. Como dissemos no início, a televisão é um meio de comunicação11 – dotado de configurações técnicas e padrões de funcionamento próprios, que obedece uma lógica de visão o aproxima de novo às suas capacidades ancestrais, isto é, ao gênero do qual o homo sapiens é a espécie.” (Sartori, 2001, p. 15-16). 6 “(...) em contato com uma tevê que fala de si, privada do direito à transparência, isto é, do contato com o mundo exterior, o espectador volta a si próprio. Volta a ser valida uma velha definição de tevê: ‘uma janela aberta sobre um mundo fechado’ ” (Eco, 1984, p. 200). 7 Ver sobretudo Signagem da televisão, de D. Pignatari, e A televisão levada a sério, de A. Machado. 8 Vale ressaltar, na ECA-USP, o Núcleo de Estudos de Telenovelas, que agrega vários autores e uma significativa contribuição aos estudos nacionais sobre a telenovela, além de pesquisadores de outras universidades. 9 Na linha dos estudos de recepção, vale citar alguns estudos precursores – Leitura social da novela das 8, de Ondina Leal; Muito além do Jardim Botânico, de Carlos Eduardo Lins da Silva, e, nos últimos anos, numerosas teses e dissertações desenvolvidas nos programas de pós-graduação em Comunicação no país. 10 Constituem um capitulo à parte diversos trabalhos de cunho mais histórico sobre o surgimento da televisão e/ou de determinadas emissoras (com destaque, nos últimos anos, para publicações da própria Globo sobre a sua trajetória e seus diversos programas). 11 Conforme discutido no texto Mídia: um aro, um halo e um elo, publicado no primeiro livro desta coleção, buscamos ultrapassar uma abordagem “midiacêntrica”, que se restringe ao estudo do meio em si, entendendo-o antes como algo capaz de transmissão que permite uma modalidade de experiência assentada no transporte e deslocamento incessante de signos. A mídia, assim, é vista como um fluxo, um lugar e uma forma.
  • 5. 5 produção e se realiza, historicamente, dentro de um determinado modelo e prática de distribuição e de recepção. Tais características indicam, sim, a presença de um modo operatório singular (uma linguagem), que buscaremos delinear a seguir. Em outras palavras, e remetendo-nos às três grandes tendências indicadas acima, entendemos que o estudo da televisão compreende a atenção e leitura de produtos e relações concretas (fenômenos empíricos recortáveis, identificáveis) – o que não nos exime, mas nos obriga a falar, ainda que indiretamente, sobre o que é televisão (linguagem) e como ela se insere na sociedade. Situações especificas são índices e parte de uma situação maior e mais complexa, que são as múltiplas experiências vividas com e através da TV por uma sociedade. 1.1. Uma técnica de produção e veiculação de imagem e som Um primeiro aspecto diz respeito à configuração técnica da televisão, àquilo que ela é capaz de fazer, ao tipo de produto que ela é capaz de gerar. O primeiro conceito de televisão se refere antes de tudo a uma técnica de produção de imagem em movimento e som, e veiculação instantânea à distância. Começamos do óbvio – mas também daquilo onde ela revolucionou. Ela se distingue do rádio, pela presença da imagem; se distingue da fotografia, pela presença do som e da imagem em movimento; também se distingue do cinema, pelo tipo de imagem (eletrônica)12 e, sobretudo, por sua forma de veiculação: à distância, para múltiplos aparelhos receptores, e imediata (geração e recebimento a domicilio). Nos seus primórdios, essas características técnicas (imagem eletrônica, distribuição à distância) trouxeram alguns condicionantes. A ainda baixa qualidade da imagem dificultava planos abertos e composições mais elaboradas, estimulando planos menores, enquadramentos simples. Também o tamanho da tela dos receptores domésticos sugeriu um trabalho mais comedido com as imagens. A tecnologia evoluiu: a imagem digital ganhou em precisão e recursos de criação e montagem; a oferta de receptores domésticos inclui hoje várias opções de tela, que vão do widescreen (o “cinema em casa”) à tela do celular. Isto significa que muito se pôde avançar na construção e criação das imagens e na formatação dos produtos. A televisão trabalha hoje com padrões sofisticados, e superou há muito a mera transmissão de imagens do mundo: ela fabrica suas imagens e um mundo próprio. Cria cenários, formas, movimentos; recupera e 12 Hoje o cinema se utiliza também da imagem eletrônica, e a hibridação das linguagens opera nos dois sentidos. Mas esta apenas acontece hoje, quando linguagens específicas foram configuradas (existe o cinema, existe a televisão, o que nos permite perceber as influências recíprocas).
  • 6. 6 reedita trilhas sonoras e musicais; acoplada aos novos recursos multimídia, gera imagens e sons criativos e inusitados. Esta mesma tecnologia se desdobrou em um outro meio, ou linguagem, que é o vídeo13 , e onde as novas possibilidades criativas são particularmente exploradas; a televisão, contudo, permanece (e é reconhecida) enquanto tal. Mais do que exercício de formas, ela se sustenta na possibilidade da distribuição massiva e instantânea, para telespectadores (e aparelhos receptores) os mais diversificados. Um outro recurso técnico que incidiu de maneira muito intensa naquilo que a televisão se tornou é o controle remoto, instituindo o zapping14 . Se a televisão compreende a oferta de imagens a domicílio – e esta oferta está pautada em uma seleção feita pelo produtor - o zapping acrescenta a seleção e uma nova montagem do lado da recepção. O telespectador é um receptor que recebe à sua maneira a produção ofertada, transformando o “poder ver” possibilitado pela televisão em um “ver como” (ver de que maneira). As limitações desse suposto poder de escolha do receptor são ressaltadas por vários autores (ele pode escolher – mas dentre aquilo que lhe é ofertado); atentando para tais limites, não se deve negligenciar, contudo, que sua montagem também é instituinte. O ritmo, as junções temporais e temáticas, a costura do zapping criam algo novo - algo que não está dado de antemão pela produção, e que não estava dado em nenhum outro meio anteriormente.15 Este movimento instituinte faz parte do que é a televisão, indicando uma linguagem que se faz no processo da interlocução. 1.2. Centralização da produção e lógica comercial O conceito de televisão inclui mas ultrapassa sua dimensão técnica, e diz respeito também a seu modo de produção e organização. A televisão tem uma vida e um lugar institucional na sociedade, e compreende um sistema de produção centralizada e de veiculação à distância para um público amplo e diversificado. Esse lugar institucional tem implicações políticas e econômicas; um sistema amplo de fornecimento de imagens a domicílio é tão importante quanto o sistema de distribuição de água ou energia na vida de uma sociedade. Por isso mesmo, por sua força e potencial, é sujeito a controle e regulamentação (concessão, normas de propriedade e funcionamento), 13 Também o vídeo se desdobra em várias modalidades, que incluem a videoarte, os vídeos domésticos, os vídeos documentários, antropológicos etc. 14 Uma interessante análise do zapping na televisão é desenvolvida por Sarlo (1997). 15 A internet, hoje, potencializa ao infinito este poder de busca e montagem do sujeito usuário.
  • 7. 7 bem como objeto de acirradas disputas políticas. Trata-se também de um empreendimento de alto custo, o que restringe a possibilidade de estabelecimento dessas centrais de produção àqueles que detêm o capital financeiro e político necessários, gerando uma situação de monopólio ou oligopólio de grupos, e um modelo de funcionamento pautado pela lógica do lucro e leis do mercado16 . A televisão é um “negócio” que se organiza em moldes empresariais. Este modelo – centralização da produção, lógica comercial – traz profundas implicações na natureza do produto: transformado em mercadoria, tanto está comprometido com o máximo consumo (portanto, conquista do consumidor) como é porta-voz de interesses específicos. A reflexão de Adorno e Horkheimer sobre a indústria cultural trouxe uma contribuição definitiva para nossa compreensão da mercantilização dos produtos culturais (Adorno; Horkheimer, 1985). A crítica contundente desses autores, no entanto, deixou escapar as contradições que permeiam já o processo de produção. Tanto é necessário atentar para a natureza sui generis do produto – o terreno movediço do simbólico, avesso ao aprisionamento – quanto para aspectos internos da própria produção. A natureza complexa desta produção envolve intensa divisão de trabalho e a participação de profissionais e especialistas com orientações diversas, o que gera diferenças, impossibilita um controle estrito da natureza do produto. A produção de uma novela, por exemplo, traz a marca do autor, mas também outras marcas – do diretor de TV, do ator, acrescentando matizes ao produto, e comprometendo a idéia de autoria como algo fechado17 . O volume e diversidade de produtos, por sua vez, bem como o ritmo da produção, estabelecem um fluxo desenfreado e uma extrema fragmentação da oferta; a pressão do tempo, a necessidade de encher a grade tanto ocasionam a repetição de moldes e de um padrão dominante (racionalização da produção), quanto possibilitam a inclusão de “estranhezas”, ou “qualquer coisa”. O filtro da produção (da emissora, ou do proprietário) não tem como funcionar de forma absoluta. Falar em homogeneização da produção, portanto, é uma leitura um tanto imediata e simplificadora; trata-se de um cenário marcado antes pela presença de misturas, tensões e contradições – o que, entretanto, nunca é demais ressaltar, não elimina (não chega a neutralizar) os traços fundantes de seu modo de organização. 16 Em que pese a existência, no Brasil e na maior parte dos países, de emissoras públicas, predomina no sistema de televisão o regime de propriedade privada. São empresas comerciais, regidas pela lógica do investimento e retorno de capital. 17 Um livro interessante a este propósito, e um pouco esquecido em nossa bibliografia, é Tio Patinhas e os mitos da comunicação, de Orlando Miranda, publicado pela Summus em 1976.
  • 8. 8 1.3. Diversidade de público e condições de recepção Muito já foi dito sobre a extensão e diversidade do público televisivo: a audiência de TV atravessa clivagens de classe, gênero, faixa etária, cultura, localização geográfica. Alguns autores ressaltam: a televisão (no caso, a TV aberta) é um meio absolutamente democrático, atingindo a todos indistintamente. No Brasil, quase a totalidade dos lares dispõe de pelo menos um aparelho receptor; nas classes médias e altas a existência de mais de um aparelho por domicilio é um dado comum. Não é preciso se estender sobre este aspecto, mas é importante tirar dele todas as conseqüências: esta horizontalidade da recepção de TV claramente diz alguma coisa da própria televisão, e tem implicações tanto no seu conteúdo quanto na criação de um repertório social comum. A presença da televisão, mais que qualquer outro meio, é responsável pela disseminação e partilhamento de códigos, referências, representações, e pelo estabelecimento de uma pauta ou roteiro de atenção. A televisão sintoniza todos numa agenda coletiva: copa do mundo, olimpíadas, catástrofes, efemérides (casamentos, nascimentos no mundo dos olimpianos18 ), momentos fortes da programação (final de telenovela, paredão de um personagem de sucesso no Big Brother são alguns dos múltiplos exemplos). E a televisão é consciente disto; faz parte do seu jogo e dos seus objetivos, inserindo-a num círculo vicioso. Ela tanto aposta e cuida de criar referências que tenham ampla repercussão, quanto não pode se eximir de pautar-se por aquilo que, supostamente, suscita amplo interesse (ela cria uma pauta, mas também se submete à pauta da vida cotidiana). Ela está presa neste malha, digamos assim: a busca de audiência é mais que um imperativo de sua lógica comercial; é também algo que realiza sua “natureza”19 , sua condição de estar potencialmente em todos os lugares.20 Nas primeiras análises da televisão (bem como de outros meios de veiculação massiva), o conceito de massa foi utilizado para designar essa audiência ampla, esse coletivo diversificado que se supunha amorfo. Tal conceito já mostrou seus limites, e estudos diversos vieram questionar definitivamente a idéia de homogeneidade e/ou homogeneização da audiência, e 18 O termo “olimpianos” é tomado, aqui, como trabalhado por Morin (1997). Ver discussão no capítulo seguinte, Dramas do cotidiano na programação popular da TV brasileira. 19 Sabemos que “natureza” é uma palavra perigosa; nosso uso aqui não é conceitual, mas retórico. Não queremos dizer que existe uma natureza da televisão, mas ressaltar uma prática que, no nosso contexto, se tornou natural, naturalizada. 20 Assim é que mesmo emissoras públicas, menos presas aos imperativos de mercado, também se preocupam com seu índice de aceitação.
  • 9. 9 indicar não apenas a manutenção da heterogeneidade no seio dessa pretensa massa21 , como formas diferenciadas de apreensão e uso dos meios. Tais avanços reflexivos nos trazem outros elementos para pensar a televisão: dirigindo-se a distintos públicos, ela sofre leituras diversificadas e atende a múltiplos usos. Ela realiza, portanto, interlocuções diferenciadas – e também isto faz parte de seu “modo de ser”. Realçamos acima a ampla disseminação de aparelhos receptores; um outro aspecto a ser lembrado, ao falar dos múltiplos usos, são as condições de acesso e recepção da TV. Um meio ou uma tecnologia, em si mesma, orienta mas não determina a maneira como vai ser usada; o uso é construído na prática, na realidade específica de uma sociedade, de uma cultura. A televisão, na sociedade brasileira, se disseminou intensamente: ela faz parte do cotidiano e está em todos os lugares, numa condição sobretudo de recepção doméstica ou privada. A televisão chegou na sala de visita dos lares; ganhou em seguida (em residências de classes mais abastadas) uma sala própria, para finalmente adentrar para as demais dependências – quarto, sala de refeição, cozinha, área de lazer. Ela também se disseminou por diversos locais públicos (salas de espera de hospitais, consultórios, repartições públicas, bares e restaurantes). Mesmo nestes espaços, permanece a recepção privada, salvo em momentos de alta efervescência, como jogos de futebol, desfecho de situações críticas etc. Deste tipo de presença e uso se depreende que ela é assistida tanto individualmente quanto em grupo ou na presença de outros (com ou à revelia dos outros), e mais: a audiência da televisão, via de regra, é entrecortada com outras atividades. Assiste-se à TV fazendo outras coisas, no intervalo de outras coisas, conversando, sendo inclusive muito freqüente o televisor ligado sem que ninguém esteja particularmente assistindo. Neste último caso ela funciona mais como áudio; um som que se ouve na casa, uma interlocução da qual não se faz parte, salvo se provocado por uma interpelação (através de vinhetas sonoras, ela tem o poder de convocar). Também estes aspectos configuram a realidade televisiva: uma presença às vezes silenciosa e invisível, mas permanente; portanto, uma onipresença. Ao mesmo tempo, uma atenção volátil ou falta de atenção por parte de seu público. A televisão teve que aprender a falar para um telespectador pouco atento, dividido – e, para tal, desenvolver seu poder de interpelar, de chamar a atenção, tirando partido (mas ao mesmo tempo sabendo dos limites) de sua onipresença22 . 21 Ocasionando o que é chamado de segmentos de mercado. 22 Abusar de sua onipresença pode torná-la uma presença incômoda, e provocar uma ruptura do pacto. Estar presente em todos os lugares significa também respeitar esses ambientes (atuar de forma comedida e neutra).
  • 10. 10 1.4. Funções da TV Presente em quase todos os lugares, prestando-se a diferentes usos, há que se perguntar: a televisão serve para quê? Uma resposta marxista ortodoxa aponta para a reprodução da estrutura de classes: a televisão cumpre uma função ideológica, mantendo a alienação e assegurando o processo de dominação. Concordando com o papel político-ideológico da TV (as formas discursivas, permeadas pela vida e pelas contradições sociais, são ideológicas), é preciso desconfiar, no entanto, das visões monolíticas, e reagir a uma visão puramente instrumental da TV. Sua inserção na vida social é antes polivalente: a televisão é um veiculo de informação e de socialização, estabelecendo um repertório coletivo (tanto no que diz respeito a temas como vocabulário, formas expressivas, representações e imagens) e estendendo o mundo comum. A metáfora da aldeia global de McLuhan é bem apropriada para dar conta do grau de trocas e compartilhamentos alcançado na era televisiva. A televisão torna o mundo (ou um certo mundo) acessível e conhecido por todos, e fornece os assuntos que povoam as conversas cotidianas. Suspendendo, por ora, uma apreciação valorativa, é preciso dizer que nenhum meio disponibiliza tanto e tão rapidamente informações como a TV (as novidades vêm através dela – o jornal impresso, e mesmo o rádio, vêm a reboque). Inserida na rotina da vida cotidiana, e prioritariamente no lar, ela preenche o espaço doméstico como possibilidade de lazer e descanso: a televisão distrai, descansa, alivia as tensões do trabalho e das diversas relações. Na perspectiva do grupo, ela suscita conversas e partilhamentos; numa perspectiva individual, ela abre janelas próprias (para o futebol, para a novela, para o desenho animado) e inclusive ajuda a quebrar a solidão.23 A televisão também cumpre uma função identitária, ao criar referências comuns, estabelecer partilhamentos; o papel da rede Globo, de forma particular, já foi ressaltado como um dos fatores estratégicos de apoio à política nacionalista dos governos militares (pós-68). Através da publicidade direta e indireta, ela nos estimula para o mundo do consumo; cria modas, suscita necessidades de toda ordem (relacionadas com a aparência, valores, bens de consumo). Formatos mais contemporâneos estariam ainda cumprindo novas funções: uma função de justiça (TVs tribunais, e de ajuda à caça de bandidos), além de questionáveis funções terapêuticas (TV-divã, TV-aconselhamento) e psicológicas (o sucesso do Big Brother estaria fundado numa exacerbação contemporânea dos traços de exibicionismo e voyeurismo).
  • 11. 11 A maneira como ela cumpre essas diferentes funções é largamente criticada; ressalta-se, como mencionado inicialmente, não apenas sua vinculação ideológica, mas ainda a qualidade (ou falta de qualidade) das informações e entretenimento que ela fornece. Mas a televisão é sobretudo criticada por aquilo que ela não faz, ou prejudica, que é a reflexão. Comparada aos meios impressos (jornais, mas sobretudo o livro), a linguagem visual é apontada como simplificadora (a linguagem alcança uma tradução direta da imagem e dispensa a mediação do pensamento).24 Comparada a outros meios visuais (fotografia, cinema), critica-se a falta de problematização das imagens televisivas, que trabalham no nível das evidências e clichês. De nossa parte, achamos apressado esse caminho das generalizações; cumprindo várias funções, ofertando produtos variados, e marcada por usos e leituras distintas, a televisão deve ser sempre pensada no plural – as muitas televisões, que devem ser investigadas com cuidado, em si próprias e nas diferentes relações que estabelecem com os receptores e com o mundo. Quanto ao seu possível papel anti-reflexivo, é preciso atentar e evitar cair em posições essencialistas – que tanto criam uma dicotomia entre diversão e reflexão25 , como desenvolvem uma análise por demais internalista, conformando no interior dos produtos (e não na relação de interlocução) os efeitos e a leitura a ser produzida pelo receptor. Isto dito, é importante perceber, pelo lugar que a televisão ocupa hoje na nossa sociedade, pelo uso que lhe é conferido, que o entretenimento é seu nicho e função preferencial (com o que isto significa de limites e de positividade). 1.5. Discursos, gêneros, dispositivos Alguns conceitos são usados, corriqueiramente, quase como sinônimos, para se referir ao que seria uma “linguagem” da TV. De forma apenas didática, para clarear o terreno que estamos trilhando, achamos oportuno promover algumas distinções. Na perspectiva usada por Bakhtin, falamos de discurso enquanto fala social – conformação de falas específicas de grupos sociais. Discursos traduzem um posicionamento social: as relações com o outro, as estratégias, a ideologia, enfim, de um determinado grupo ou classe social. Os discursos não nos pertencem: “[a palavra] é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como 23 É muito freqüente as pessoas chegarem em casa e ligarem a TV, enquanto se ocupam de outras coisas (no caso, apenas a voz da TV ocupa um espaço e faz companhia). 24 A linguagem visual precede a abstração da escrita, e seria a linguagem dos povos primitivos (do anthropos) e das crianças. 25 Benjamin (1986), avesso a dicotomias rígidas, e no movimento de mistura que caracterizava seu pensamento, fala do espectador de cinema que se distrai - e presta atenção.
  • 12. 12 pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte” (Bakhtin, 1992, p. 113). O que significa também que não estão prontos em algum lugar; eles são construídos em nossas práticas cotidianas, nas nossas relações de co- presença (entre o um e o outro). Assim, e a partir desta acepção, não é de todo apropriado falar de um discurso da TV26 , mas entender antes que esta é permeada ou acolhe múltiplos discursos: tanto os discursos de práticas comunicativas estratégicas ou bem conformadas (o discurso publicitário, o discurso jornalístico), como discursos políticos (o discurso do governo, o discurso da direita), sociais (o discurso de minorias, o discurso ecologista), culturais (o discurso mineiro), religiosos (estes, aliás, em intensa disputa no cenário midiático nos últimos tempos).27 Esta distinção ou constatação nos permite entender um pouco mais da natureza polimorfa ou eclética da televisão, ou seu lugar de espaço público, lugar de acolhimento e caixa de ressonância de diferentes falas sociais. Podemos falar da TV como uma arena de discursos – lugar onde ecoam e ganham visibilidade os diferentes atores da vida social. Esta constatação, no entanto, não deve obliterar o reconhecimento da dominância de certos discursos (os grupos não falam em igualdade de condições, e empiricamente é possível constatar a presença de falas hegemônicas28 ) – o que, no entanto, não advém ou não é uma característica do meio televisão, mas da própria estrutura social da qual a atividade televisiva faz parte.29 Uma tendência mais recente nas pesquisas sobre televisão enfatiza o estudo dos gêneros como forma de entrada não apenas para alcançar os diferentes discursos televisivos, mas sobretudo para tratar da audiência, ou das relações com a recepção. Gêneros são enunciados regulares, facilmente reconhecíveis; Bakhtin falou de gênero enquanto “um padrão relativamente estável de estruturação de um todo” (1997, p.301), ou “formas típicas de dirigir-se a alguém” (Idem, p. 325). O estudo dos gêneros pode conduzir para dentro, para as características internas do enunciado, ou para fora - para o trabalho de conformação de estímulos em diálogo com uma estrutura de reconhecimento; para a interlocução, portanto. Tal perspectiva foi seguida por Martín-Barbero, quando aponta os gêneros como “estratégia de comunicabilidade”, lugar 26 Dizemos corriqueiramente “discurso da TV” para nos referirmos aos produtos, mensagens ou textos televisivos. Nada nos impede de fazê-lo (usar “discurso” como equivalente de “texto”), sendo apenas necessário, em cada uso, discriminar o sentido que está sendo acionado. 27 Tais discursos não estão na televisão em estado puro, mas normalmente imbricados uns nos outros; por exemplo, identificamos claramente o discurso publicitário, mas podemos perceber dentro dele um discurso machista, ou ecologista, e assim por diante. 28 O discurso do MST, por exemplo, se manifesta em vários momentos através da televisão; certamente numa presença muito menos significativa que o discurso capitalista, de defesa da propriedade privada. 29 Inusitado seria, numa sociedade de classes, marcada pela desigualdade social, desigualdade política, esperarmos encontrar na televisão um terreno (ou uma ilha) de fato democrático(a).
  • 13. 13 privilegiado de mediação, espaço de negociação entre objetivos do produtor e expectativas do receptor.30 Os gêneros, assim, devem ser buscados e definidos tanto do ponto de vista da construção de sentido (regras semânticas), quanto do estabelecimento de um contrato de interlocução com o outro (regras pragmáticas); eles dizem respeito à relação entre o enunciado e o mundo, e à comunicabilidade com o outro a propósito do sentido de mundo que se quer construir: “Todo gênero, de fato, repousa sobre uma promessa de uma relação a um mundo cujo modo ou grau de existência condiciona a adesão ou a participação do receptor” (Jost, 2003, p. 19). O estudo dos gêneros televisivos, no entanto, não tem se mostrado tarefa fácil, pelas dificuldades de sua caracterização (sabemos que são uma estratégia de interação, que são reconhecíveis pelo receptor, mas como recortá-los e trabalhar com eles?). Trata-se de uma área nova, ainda não convenientemente conceitualizada – e o estudo de uma nova área é sempre feito com as ferramentas e com o olhar advindo de áreas já construídas. O estudo dos gêneros televisivos tem sido marcado pela tipologia dos gêneros literários, o que provoca evidentes desencaixes e distorções. A novidade, diferença e mobilidade dos produtos televisivos nem sempre se deixa apreender bem pela classificação emprestada da literatura, ou mesmo pela noção de gênero, dada a mistura e movimento de formas que marcam a produção televisiva. Duas grandes categorias de referência – ficção e realidade – são evocadas pelos vários autores para dizer do tipo de relação com o mundo criado pelos produtos televisivos, que oscilam entre o polo realidade (representado, em princípio, pelos telejornais) e o polo ficção (as novelas, por exemplo), mas com freqüência borrando suas fronteiras. Se Eco dizia que o caracteriza a televisão é a mistura e indistinção crescente entre ficção e realidade, Jost, por seu lado, apresenta três grandes gêneros, ao incluir um terceiro mundo, que é o do lúdico (o espaço do jogo, onde se inscrevem programas de auditório, certo tipo de entrevistas, os reality shows etc – e onde esta distinção ficção / realidade é de certa forma suspensa ou reconfigurada). 30 “Entre a lógica do sistema produtivo e as lógicas dos usos, mediam os gêneros. São suas regras que configuram basicamente os formatos, e nestes se ancora o reconhecimento cultural dos grupos. Claro que a noção de gênero que estamos trabalhando tem pouco a ver com a velha noção literária do gênero como 'propriedade' de um texto, e muito pouco também com a sua redução taxonômica, empreendida pelo estruturalismo. No sentido em que estamos trabalhando, um gênero não é algo que ocorra no texto, mas sim pelo texto, pois é menos questão de estrutura e combinatórias do que de competência. Assumimos então a proposta de uma equipe de investigadores italianos segundo a qual um gênero é, antes de tudo, uma estratégia de comunicabilidade, e é como marca dessa comunicabilidade que um gênero se faz presente e analisável no texto” (Martín-Barbero, 1997, p 313)
  • 14. 14 Ao lado dessas categorizações mais amplas, várias outras tipologias têm sido apresentadas, criadas pelos próprios produtores31 e/ou consagradas pela estrutura de reconhecimento dos receptores.32 Alguns formatos são mais facilmente identificáveis, como o telejornal, telenovela, programa de auditório; esses formatos seriam caracterizados tanto por sua estrutura interna (a maneira como são construídos e identificados enquanto forma33 ) quanto pelo mundo a que nos acessam (realidade, ficção, jogo). Mas ao nos debruçarmos sobre os produtos, já no primeiro movimento analítico vamos nos dar conta das dificuldades; as misturas se alargam, num processo de permanente hibridação, e dificultam uma caracterização definida ou definitiva: Brasil Urgente, por exemplo, é um telejornal que se apóia constantemente em recursos dramáticos (performance do apresentador, recursos sonoros e visuais); o Programa do Ratinho é um programa de auditório, um programa de variedades, que incorpora ainda recursos dramáticos (encenações), informativos (pequenas reportagens); é show, é denúncia – enfim, uma mistura. Frente a tais dificuldades, o estudo dos gêneros arrisca-se a ficar nas evidências (formatos-padrão) ou, buscando as particularidades de um produto, ater-se por demais às características internas da forma em si, perdendo de vista a dialogicidade que lhe é inerente (a proposta de relação com o outro e com o mundo). Também tratar o gênero apenas a partir de suas estratégias de interpelação ou endereçamento pode causar alguns equívocos, pois gêneros diferentes podem compartilhar alguma estratégias comuns.34 É preciso, assim, tratá-lo em contexto, ou seja, atentar para o quadro interlocutivo mais amplo em que está inserido. A mistura e mobilidade de gêneros não eliminam sua existência - toda linguagem constrói seus formatos estandardizados e reconhecíveis de enunciados, sob pena de criar a incomunicabilidade. E as dificuldades de reconhecimento não diminuem a necessidade de buscar a sua identificação. Um aprofundamento na reflexão e identificação dos gêneros televisivos ultrapassa as pretensões deste trabalho35 , e nos limitamos a realçar a importância, ao nos debruçarmos na análise de produtos específicos, de buscar caracterizar seu formato, ou seja: a maneira como se estruturam, os elementos de que lançam mão para se apresentarem, serem reconhecido e interpelarem o receptor. Fazendo isto estaremos localizando-os numa 31 A maneira como uma emissora classifica seus programas na sua grade. 32 O uso ou compreensão comum cristaliza uma forma de identificar e nomear os produtos. 33 Em quase qualquer país, ao ligar a televisão e nos depararmos com um telejornal, saberemos do que se trata, mesmo se não compreendemos a língua (e, portanto, do que ele esta falando), graças a uma composição muito semelhante seguida por todos eles. 34 É o caso dos programas que estamos analisando, que partilham certas formas de tratamento e de endereçamento a um público popular, mas não pertencem, por isto, necessariamente ao mesmo gênero. 35 Ver a propósito Souza (2004), Balogh (2002).
  • 15. 15 grade de tipos ou gêneros – num trabalho mais de aproximação que de encaixe definitivo (dada a mobilidade e promiscuidade destas formas). Gêneros ou formatos se constroem através do uso de recursos de construção e formatação, ou dispositivos. O conceito de dispositivo (do latim dispositus), por sua vez, diz dos instrumentos e mecanismos usados para construir determinadas formas ou disposições; ele diz das maneiras como são dispostos os elementos e peças de um aparelho, forma ou, no caso, enunciado (texto). Os dispositivos estão relacionados com a construção de uma determinada ordem (são um instrumento de ordenação); incorporam, portanto, uma dimensão estratégica. Trata-se de um conceito operacional, de grande riqueza para uma análise mais aprofundada dos produtos e do processo de produção (da mise-en-scène de um discurso, da maneiras como ele é materializado, se torna matéria viva, disponível). O estudo dos dispositivos auxilia nossa percepção do caráter construído dos produtos, e de como as intencionalidades (com relação ao mundo e ao outro) estão presentes nestas construções. No caso do discurso jornalístico, por exemplo, podemos falar dos dispositivos acionados para produzir um efeito de real; no Brasil Urgente ou no Hora da Verdade, vamos identificar dispositivos de dramatização, e assim por diante. Poder-se-ia tentar elencar os diferentes dispositivos disponíveis no campo da produção televisiva, mas este conceito é antes fecundo para um trabalho de prospecção das diferentes formas construídas: em um programa ou gênero especifico, uma telenovela mexicana, por exemplo, identificar e contrastar os dispositivos usados que aproximam e/ou diferenciam este produto de um outro semelhante (de um drama cinematográfico ou de uma telenovela da Globo). Uma síntese deste item, assim, nos mostra a televisão como um meio que acolhe diferentes discursos, que oferece diferentes e variados gêneros ou formatos de produtos, construídos através da utilização de um vasto repertório de dispositivos. 1.6. Prática e experiência Por fim, vale lembrar que a televisão é uma prática comunicativa, e nomeá-la assim tem implicações epistemológicas (expressa uma forma de ver, de compreender a televisão). Primeiramente, entendemos que ela é uma prática, uma ação humana e social - e práticas são criadoras, são lugar do fazer: é através de suas intervenções, reciprocamente referenciadas, que os sujeitos sociais se constituem enquanto tal, e constituem o mundo à sua volta. E
  • 16. 16 televisão é uma pratica comunicativa; uma relação mediada simbolicamente, que se efetiva através da criação e partilhamento de discursos, de sentido. A produção televisiva não acontece imune ou à revelia da presença de sua audiência (intervenções, interesses), mas é permanentemente modificada por ela, pela dinâmica viva das intervenções dos diferentes sujeitos envolvidos na interlocução. Portanto, é uma linguagem em processo, que se faz / se refaz continuamente - donde a mobilidade de suas formas e gêneros. Como toda linguagem, orienta tanto quanto é constituída pelas falas que a efetivam. Lugar de prática, a televisão é, portanto, um lugar de experiência, da nossa experiência cotidiana. Fazer televisão, assistir à televisão não é algo externo, mas interno à vida social; o espaço televisivo não existe paralelamente às nossas experiências, mas é uma delas – com um fortíssimo poder de penetração nos demais âmbitos de nossa vivência36 . Não podemos, hoje, conceber ou falar da vida cotidiana de uma sociedade, ou de uma pessoa, sem falar da presença da televisão inserindo e repercutindo imagens, representações, temas, formas de procedimento e conduta. Para alguns, ela está ai atuando unilateralmente. Se a compreendemos, entretanto, enquanto interação, espaço de um fazer que se reorienta a partir da intervenção dos diferentes sujeitos envolvidos, falamos antes de uma relação bilateral, bem como de uma linguagem atravessada (poluída) pela vida, espaço e dinâmica de experiências partilhadas, uma televisão banhada em nosso cotidiano, enfim. Neste sentido, nos damos conta do quanto a televisão é sensível ao seu ambiente, e colada ao que chamamos senso comum. 1.7 - Enfim: como e de onde fala a TV? Frente a esse quadro amplo e disperso de características, o que podemos concluir sobre a televisão, sobre uma possível linguagem televisiva? Já o conceito de linguagem é bastante complexo e controverso; sem adentrar uma discussão conceitual, partimos inicialmente da idéia de um sistema estruturado de signos, uma estrutura geral que ordena formas de dizer. Se entendemos linguagem como uma estrutura definida, fixa e determinante (conforme trabalhada pela perspectiva estruturalista), estaremos já de inicio fadados ao insucesso. Mas 36 Contrapomo-nos aqui a uma afirmativa corrente, de que a televisão substitui ou esvazia a experiência. Fazer experiência, experimentar significa vivenciar, afetar, ser afetado, não sair ileso de uma situação. Ora, nossa relação com a televisão é bem da ordem de uma experiência, ela é uma experiência entre outras: nós afetamos e somos afetados; somos tocados por algo, nos apropriamos, damos nossa forma ao apropriado. Costuma-se contrapor a pobreza da TV à (possível) riqueza da vivência “direta” – essa vivência direta, no entanto, não é evidente, e muitas vezes permanece no nível da idealização.
  • 17. 17 se pensamos em linguagem como processo de estruturação, conformado tanto quanto conforma as diferentes práticas linguageiras (discursivas), podemos sim, falar de uma linguagem geral da TV, enquanto um quadro amplo de referências e determinações37 que orientam a maneira como se constroem os diferentes produtos televisivos. “Estar na” ou “ser” televisão traz implicações para um produto, e é isto que queremos dizer ao falar de linguagem televisiva. Os diferentes aspectos e características discutidos acima nos permitem destacar alguns traços que marcam um certo enquadramento ou moldura colocados pela produção televisiva (ou por esta televisão que hoje conhecemos, fazemos e usamos), e que procuraremos sistematizar a seguir. a) linguagem visual, com predomínio do icônico Primeiramente há que se dizer, ou lembrar, que televisão é imagem; uma linguagem visual, portanto. Há uma certa universalidade na linguagem visual, que trabalha com signos facilmente reconhecíveis, e que fala mais diretamente aos nossos sentidos. As imagens da televisão, coladas ao cotidiano, falando dele e de nosso mundo, estabelecendo uma relação de proximidade e verosimilhança com a realidade, se inscrevem sobretudo no terreno do icônico (relação de semelhança com o mundo). “Janela para o mundo”, ela não prima exatamente pela criação e pelo fantástico de suas imagens, mas pelo reconhecimento e identificação; b) sensorialidade Conforme já indicado acima, a linguagem visual, icônica, marcada pelo cotidiano, por relações de proximidade, confere à televisão uma alta sensorialidade: ela fala aos nossos sentidos, nos afeta, mexe diretamente com nossas emoções38 ; c) instantaneidade e caráter massivo 37 Usamos “determinações” escapando do conceito fechado de determinações mecânicas e definitivas, mas querendo antes dizer influências fortes. 38 Já foi bastante ressaltado que a televisão exacerba principalmente um dos nossos sentidos - o olhar. A esta ênfase acrescenta-se ainda a denúncia da superficialidade de um olhar destituído de reflexão. Tratamos diferentemente essa questão, entendendo antes que a televisão, ao acessar ou nos adentrar diferentemente um mundo novo de formas, sons, dimensões, espaços, afeta nossos vários sentidos, toca nossa sensorialidade (capacidade de sentir). Quanto à ausência de reflexão, dois pontos devem ser considerados. Primeiramente, e pelo conjunto de traços que marcam sua atuação, percebe-se que a TV, hoje, tem como propósito (se propõe e é buscada) muito mais como um meio de entretenimento que de reflexão. Não obstante, parece-nos que a crítica à superficialidade do olhar carece totalmente de evidências empíricas; se ela não está lá ou não tem como principal função suscitar a reflexão, nada indica que ela a impede ou obscurece (ela suscita tanto ou tão pouco nossa reflexão como a infinidade de nossas outras experiências cotidianas).
  • 18. 18 Uma farta distribuição de imagens, acessadas instantaneamente por milhões e milhões de telespectadores: a imediaticidade e partilhamento são traços definidores da existência da TV; d) fragmentação e diversidade Produtos diversificados, múltiplos; fragmentação, descontinuidade e mistura de temas e gêneros marcam o vasto repertório de bens distribuídos pela TV; e) natureza industrial, mercadológica Produção industrial, em larga escala, atendendo a uma lógica de mercado: esta é a forma de organização da produção da televisão, o que se traduz em uma tendência à repetição, uso de clichês e fórmulas consagradas. Se a inovação está presente na TV (como em qualquer linguagem), só se pode pensá-la dentro do movimento dialético que estabelece com as forças de padronização39 ; f) inscrição no domínio do senso comum Sua inserção na vida cotidiana, nos lares, em todos os lugares, confere aos produtos televisivos uma relação de coloquialidade com seus receptores, e uma inscrição no senso comum: ela fala dentro dos padrões interativos de uma determinada cultura, e dentro do universo de referências partilhado por uma sociedade; g) ficção e realidade Abertura para o mundo, ficcionalização da realidade: a linguagem da TV oscila continuamente entre estes dois mundos, sendo a mistura sua forma básica de lidar com as duas instâncias; h) caráter lúdico, entretenimento A forma de inserção da TV – sua onipresença na vida cotidiana – desenvolveu prioritariamente seu caráter lúdico, e a função de entretenimento. Permeando as demais atividades, e inscrevendo-se como possibilidade de lazer e escape, a televisão é usada sobretudo buscando a distração; i) arena de discursos A televisão é um espaço público; certamente o espaço público central da sociedade contemporânea. Trata-se, portanto, de um terreno de grandes disputas, e onde eclodem e se manifestam os mais diferentes discursos sociais. É um espaço de diversidade, marcado pela 39 Também aqui a referência de Morin (1997), sobre a dialética renovação versus inovação é imprescindível .
  • 19. 19 presença de muitas vozes. A TV apresenta e reflete a diversidade da vida social, e é o palco onde diferentes atores, situações, temáticas e problemas se dão a ver; j) caráter institucional e de classe A TV é uma instituição dentro de uma determinada estrutura social; ela não é externa nem avessa a essa estrutura mas, ao contrário, espelha (e ao mesmo tempo reproduz) as relações de classe, de poder que marcam a vida de uma sociedade. Assim, é de se prever que predominem, na televisão, os discursos e forças hegemônicas da sociedade. A diversidade está presente na televisão, mas os diferentes temas, sujeitos, discursos não se apresentam aí em igualdade de condições. A linguagem da TV é marcada por este lugar institucional e pela dinâmica de classe; l) linguagem em construção Prática comunicativa, a TV se constrói a cada dia, em interação com seu público e com a dinâmica da vida social; dai a diversidade de gêneros, temáticas, e o permanente movimento e hibridação de suas formas; m) interação comunicativa: o lugar da recepção Por último é importante ressaltar que, interação à distância, ela não elimina e não absorve nossos outros espaços de vivência e de ação – ela dialoga com eles, mas não retira de nós o papel e lugar de sujeitos no mundo, e de verdadeiros mediadores. Em um certo sentido, sim, a televisão é uma mediadora, como o são também a cultura e várias outras instâncias. Mas na soma final, é em nós e nas nossas ações que acontecem as transições, as junções e disjunções. É isto que explica a existência das diferentes leituras e usos da televisão; a televisão está submetida aos sujeitos tanto ou mais que os submete, e seu poder apenas pode ser compreendido no seio das outras forças que são agregadas e conjugadas pela atuação dos sujeitos no mundo. Mais que outros meios, a televisão é construída no bojo das interações que estabelece. Finalizando, queremos ressaltar que este quadro de características elencadas é sobejamente conhecido e (pelo menos em sua grande parte), consensual. O objetivo e possível importância desta compilação é tentar pensá-las em conjunto; uma tendência dominante nos estudos e autores é privilegiar, em cada momento, um ou outro aspecto como sendo o traço central e definidor da televisão. Nosso objetivo é ressaltar que ela é a soma e a confluência destes
  • 20. 20 vários traços e fatores; oscilando entre forças às vezes contrárias, ela se situa sempre em pontos de equilíbrio precários – o que dificulta uma resposta definitiva sobre o que é a TV, e nos instiga a investigar, em cada caso, as relações e o lugar em que ela se conforma. A caracterização da TV é também importante no sentido de orientar nossas críticas e busca de uma televisão melhor e mais crítica; podemos e devemos fazer isto, mas a partir do que ela é (e não daquilo que ela não é); do que ela pode dar (e não daquilo que lhe imputamos como necessário). A televisão não é um remédio para todos os males – mas nem tampouco a doença da sociedade. Ela apenas diz do seu estado de saúde. 1.8. Cultura popular e o popular na TV Em nosso estudo, estamos falando de programas televisivos, e a esta qualificação se acrescenta uma outra, programas televisivos populares; o que estamos entendendo por popular neste contexto? O que ele acrescenta ao campo da televisão? Popular vem de povo, um conceito complexo, e que vamos tomar aqui, para iniciar nossa discussão, no seu sentido mais básico - conjunto de homens e mulheres vivendo em uma sociedade. A palavra popular, em seus vários significados, evoca distintas relações com o povo: o que vem do povo, o que se destina a ele, o que é característico dele, o que é amado por ele – distinções estas que precisam ser consideradas. Este último sentido - aquilo que o povo gosta - corresponde à noção de popularidade: algo (uma coisa, uma pessoa, um valor) que goza de grande adesão por parte de grupos e membros de uma sociedade. Tanto podemos aplicá-lo a Sílvio Santos (que goza de uma tal popularidade no Brasil que, num determinado momento, chegou a pensar em usar este seu “capital” para se candidatar à presidência da República) como à cerveja, por exemplo, em certa medida considerada uma bebida nacional (e ela não o é por sua origem, mas exatamente por sua popularidade).40 Já o “popular” de cultura popular, em suas conceituações mais correntes, expressa mais propriamente aquilo que vem do povo, que é produzido por ele. Neste momento, as distinções do coletivo “povo” começam a se fazer sentir: por vezes povo é tomado como sinônimo de nação (associado à idéia de identidade – é neste sentido que falamos de uma “verdadeira” ou “autêntica” cultura popular brasileira); outras vezes povo é um coletivo já recortado, do qual 40 Uma das campanhas da cerveja Antarctica tinha como slogan “Antarctica – paixão nacional”.
  • 21. 21 se excluem os grupos dotados de uma cultura sem adjetivação (normalmente os que possuem também um melhor nível de vida e consumo, maior poder aquisitivo). É no primeiro sentido que falamos em MPB (Música Popular Brasileira); e quando apresentamos Pixinguinha ou Chico Buarque como exemplos desta produção, é cheios de orgulho que o fazemos (nesta perspectiva, o popular espelha o melhor de nós, uma exemplaridade que nos permite idealizar nossa essência). Já no segundo sentido, povo equivale às classes baixas, aos pobres e setores mais afastados (tanto do ponto de vista geográfico como de sua prática) dos padrões culturais dominantes. Restrito a um mundo próprio, este povo se inscreve em um domínio cultural particular. A literatura sobre esta temática – cultura popular como “do povo” – é extensa, e as teorias clássicas se dividem (ou dividem a questão) em duas grandes tendências: a) ou bem ela é tomada como algo dotado de uma existência própria e isolada – e neste lugar ela é valorizada em sua pureza original; b) ou ela é vista em relação à cultura dominante (ou “verdadeira cultura”), quando é então caracterizada pela falta - por aquilo que ela não é, que ela não alcança.41 No primeiro caso a cultura popular constitui um mundo à parte, e é sua singularidade, sua ingenuidade primitiva que é exaltada e resguardada. Esta cultura é objeto de medidas de preservação e incentivo por parte das políticas públicas, e objeto de respeito e de consumo por parte de setores intelectuais e turistas. Inscrevem-se nesta rubrica, para falar de exemplos próximos, o artesanato do Vale do Jequitinhonha, festas religiosas como o congado e o reisado, comunidades identitárias (indígenas, afro-descendentes). Mas numa outra perspectiva, o lugar dos pobres é antes um lugar de ausência (ausência de referências, de conhecimento, de hábitos adequados), e, portanto, expressão de não-cultura. Os pobres não têm acesso à cultura impressa, ao cinema, ao teatro ou às belas artes, ao conhecimento histórico e, inclusive (e em decorrência), à reflexão e à consciência crítica. Como lugar de falta, eles são objeto tanto de desprezo como de zelo pedagógico (estimulando iniciativas de natureza educacional que visam a levar a cultura aos diversos tipos de excluídos). Sem entrar no debate sobre a natureza e o valor daquilo que o “povo” produz enquanto cultura, é preciso dizer, no entanto, que se em algum momento essas clivagens culturais de fato se apresentaram com nitidez (o mundo da corte, o mundo da plebe; a casa-grande e a 41 Essa questão foi discutida em trabalho anterior (França, 2005), em que retomamos as reflexões de Hall (2003) e Chartier (2003), sobre as classificações e periodizações da cultura popular.
  • 22. 22 senzala)42 , hoje é absolutamente impossível traçar fronteiras claras entre os diferentes universos culturais, ou achar uma perfeita equivalência entre classe social e cultura, tal o grau de mistura e hibridação que marca a dinâmica cultural contemporânea. Através da mídia em geral, e da televisão em particular, as classes populares (ou classes baixas) têm cada vez mais acesso a um universo de referências, valores, imagens, representações também acessado e partilhado pelas classes mais altas. A idéia de um universo cultural próprio foi, digamos assim, absolutamente comprometida pela horizontalidade da televisão. Neste momento aqueles que defendiam a existência de uma cultura popular pura, ingênua, constatam sua (quase) extinção; os que a caracterizavam como um lugar de falta registram que, lamentavelmente, o vazio foi preenchido por uma cultura de segunda categoria (a cultura de massa, hoje, mais convenientemente chamada de midiática). De toda maneira, por um ou outro caminho, a idéia de popular enquanto produzido pelo povo se esvazia: nesta nova dinâmica cultural, a ele só cabe o papel de recepção. Resta então um último sentido; pode-se também chamar de popular aquilo que se dirige ao povo e que, buscando ativar o consumo pelos mecanismos da identificação, se parece com ele, assume algumas de suas características. Chamamos de popular, por exemplo, certo tipo de produto e de comércio de baixo preço (identificamos, na cidade, as zonas e lojas populares). Por este caminho, invariavelmente o popular se associa a baixa qualidade, falta de sofisticação (nível básico), mau gosto, pobreza. Ora, é bem este significado que encontramos quando se fala de programas populares (ou popularescos) da TV; são programas voltados para o consumo das massas, dotados de uma estética grosseira, de conteúdos pobres (baixo grau de informação, predomínio do entretenimento), de temas “baixos” (sexo, crime, horrores). No caso do Brasil, o crescimento destes programas é comumente associado a um pequeno aumento do poder aquisitivo das classes populares nos últimos anos e ampliação dos domicílios com televisão. As audiências televisivas se estendem, e algumas emissoras pegam esse novo filão de mercado (processo que logo contamina, em maior ou menor grau, as demais). Nesta perspectiva, em que o povo se mantém num lugar de simples destinatário e consumidor, ele sai pelo menos inocentado do processo; é apenas vitima de uma produção que o avilta ainda mais (o afunda ainda mais em sua pobreza cultural). 42 Mesmo em momentos passados, em que o universo de convivência das classes sociais era mais nitidamente demarcado, não se pode negligenciar que toda cultura é resultado de permanentes costuras e assimilações.
  • 23. 23 Não é uma caracterização do processo histórico que nos interessa aqui, mas da natureza desses programas, o que toca no conceito de “popular”. O elenco de programas que poderiam se agrupar sob este rótulo é extenso, e inclui os mais variados gêneros e formatos (como será visto nos capítulos adiante); seu primeiro elemento definidor é a presença de figuras (pessoas) e temas advindos da realidade das classes populares. Até então a televisão, dirigindo-se a um público médio (o “homem médio universal”, conforme Morin), situou-se também num patamar supostamente neutro de interesses, na verdade uma mixagem de temas advindos das classes altas e médias. Os interesses e a realidade das classes populares, seja pela sua fraca presença no mercado de consumo, seja pela indesejabilidade ideológica das suas referências, estavam excluídos. Algo mudou: os temas, a realidade e os próprios sujeitos dessas classes se apresentam na TV. Por que mudou? A explicação de mercado é apenas uma delas. Um outro caminho de reflexão passa por uma revisão e uma outra formulação do próprio conceito de popular, rejeitando as vias da autenticidade e da carência. Numerosos autores, nos últimos anos43 , marcados por uma visão não essencialista, e por um outro tratamento da noção de sujeitos sociais, empreendem uma terceira via, onde o lugar do povo, da cultura popular, passa a ser visto como um espaço atravessado por tensões - um espaço marcado pela presença das idéias e valores dominantes, mas também, e sobretudo, por um movimento de resistência e de negociações; lugar de embates, misturas, contradição.44 Algumas leituras enfatizaram sobremaneira a cultura popular como campo de luta e resistência (no que foram criticadas por um excesso de idealização); outras destacaram mais o aspecto das misturas e hibridações. Para o que nos interessa aqui, esta última perspectiva é particularmente iluminadora. Nosso objeto de estudo não é a cultura popular como um todo e o vasto campo que ela recobre, mas antes a cultura midiática, ou televisiva, naquilo que ela incorpora ou expressa os traços dessa nova configuração do sentido de popular45 . Ora, a 43 O trabalho de Hoggart, The Uses of Literacy (1957), teve um papel decisivo na leitura da cultura popular que será feita a partir de então (via Estudos Culturais), agregando depois novas e inúmeras contribuições, com destaque para a reflexão de S. Hall. Na América Latina, vale ressaltar as discussões de hibridação, mestiçagem, desenvolvidas por Martín-Barbero, Canclini, entre outros. 44 Contrapondo-se a uma definição comercial ou de mercado da cultura de massa, e a uma definição descritiva- antropológica, Hall apresenta uma terceira definição, que considera a cultura popular como dizendo respeito às “formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas; que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares. (....) O essencial em uma definição de cultura popular são as relações que colocam a 'cultura popular' em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante. Trata-se de uma concepção de cultura que se polariza em torno dessa dialética cultural” (Hall, 2003-a, p. 257). 45 Continua Hall : “Se as formas de cultura popular comercial disponibilizadas não são puramente manipuladoras, é porque, junto com o falso apelo, a redução de perspectiva (....) há também elementos de
  • 24. 24 novidade dos programas que estamos apontando, marcados por este veio popular / popularesco, é exatamente um grau de mistura mais acentuado e mais evidente. Se a cultura de massa, desde sua origem, teve como uma de suas características centrais o sincretismo, este acontecia, entretanto, a partir dos imaginários reconhecidos pelas culturas convencionais (nacionais, religiosas, clássica, etc.). A linha de corte se situava sempre acima desse universo lodoso que é a vida, a experiência e o cotidiano das classes populares. Por uma série de aspectos mercadológicos e políticos da nossa realidade contemporânea (surgimento de novos sujeitos sociais, lutas de identidade), esse quadro vem sofrendo desequilíbrios, e a amplitude das misturas se faz mais intensa. Esta é a questão que toca diretamente os programas populares e, de forma mais ampla, a própria televisão ou cultura televisiva. Dissemos acima, a televisão é ela mesma um espaço de diálogo da vida social; colada ao cotidiano, aos sentidos que permeiam a vida social, ela reflete e inflete seus temas, embates, contradições. Essa “nova” televisão é apenas uma televisão que acolhe questões, temas e sujeitos que saem do gueto e passeiam pela cidade, povoam a rua46 . A dinâmica ideológica (a briga de sentidos, de representações) transborda o universo de glamour e assepsia em que por muito tempo foi contida. Esta nova televisão não é uma televisão revolucionária, nem tampouco uma maré de detritos; ela fala de um cotidiano cada vez mais saturado de diferenças, de diferenças que reivindicam espaço e claridade. A realidade das periferias e da exclusão social, afastada dos olhares e das residências das classes abastadas, as assombra agora nas ruas, e penetra também na televisão. Olhando juntos para a televisão, confrontando imagens e representações, as diferentes classes estão hoje, mais que antes, expostas às suas diferenças. O resultado disto extrapola políticas de programação televisuais, mas diz respeito ao próprio quadro da convivência e estruturação da vida social. A antiga metáfora da televisão como janela para o mundo mantém sua pertinência: a janela mostra e esconde, incorpora o dentro e o fora. Ela entra e transforma nossa intimidade doméstica (nossa casa, lugar da nossa vivência); ela abre para fora e nos dá acesso ao mundo exterior. Mas não é exatamente “o mundo” que passa em frente de uma janela – é a rua, a hibridação confusa e perigosamente instável das ruas. reconhecimento e identificação, algo que se assemelha a uma recriação de experiências e atitudes reconhecíveis, às quais as pessoas respondem” (Hall, 2003-a, p. 255) 46 Através do conceito bakhtiniano de transgressão carnavalesca, Hall lembra que o dialogismo, nas formas discursivas, não significa acomodação nem elimina o antagonismo, mas expõe a mistura, a dissolução dos lugares, a eclosão do baixo “enquanto local de desejos conflituosos e representações mutuamente incompatíveis” (Hall, 2003-b, p. 226).
  • 25. 25 Referências ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas. In: _________. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 113-156. BAKHTIN, Mikhaïl. Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 1997. _____ . Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec, 1992. BALOGH, Anna Maria. O discurso ficcional na TV: sedução e sonhos em doses homeopáticas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. BAUDRILLARD, Jean. Para um crítica da economia política do signo. São Paulo: Martins Fontes, 1972. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 165-196. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. CHARTIER, Roger. Formas e sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação. Campinas: Mercado de Letras, ALB, 2003. ECO, Umberto. Tevê: a transparência perdida. In : ____ . Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. FRANÇA, Vera Veiga. Problemas metodológicos e conceituais na análise de programas populares de TV. In: CAPPARELLI, S.; SODRÉ, M.; SQUIRRA, S. (orgs). A comunicação revisitada. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 85-118. HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do “popular”. In: _____. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik. Belo Horizonte: Ed. UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003-a. _____ . Para Allon White: metáforas da transformação. In: _____. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik. Belo Horizonte: Ed. UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003-b. HOGGART, Richard. As utilizações da cultura: aspectos da vida cultural da classe trabalhadora. Lisboa: Presença, 1975. JOST, François. La télévision du quotidien: entre realité et fictions. Bruxelas: De Boeck et Larcier, 2003. LEAL, Ondina. Leitura social da novela das oito. Petrópolis: Vozes, 1985. LINS DA SILVA, Carlos E. Muito além do Jardim Botânico: um estudo sobre a audiência do Jornal Nacional da Globo entre trabalhadores. São Paulo: Summus, 1985.
  • 26. 26 MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo: Ed. Senac, 2000. MARTÍN-BARBERO, Jésus M. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997. MIRANDA, Orlando. Tio Patinhas e os mitos da comunicação. São Paulo: Summus, 1976. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. PIGNATARI, Décio. Signagem da televisão. São Paulo: Brasiliense, 1984. SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e vídeocultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. SARTORI, Giovanni. Homo videns: televisão e pós-pensamento. Bauru: Edusc, 2001. SODRÉ, Muniz. O monopólio da fala: função e linguagem da televisão no Brasil. Petrópolis: Vozes,1977. SOUZA, José Carlos Aronchi de. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo: Summus, 2004. WOLTON, Dominique. Elogio do grande público: uma teoria crítica da televisão. São Paulo: Ática, 1996.