1) A administradora de cartões Mais Fácil surgiu para fornecer crédito aos clientes dos supermercados GF por meio de um cartão private label.
2) Ao longo do tempo, o cartão passou a ser aceito em outros estabelecimentos da região, tornando-se um cartão do tipo open private.
3) Após sete anos no mercado, a Mais Fácil precisa decidir se adere a uma bandeira de crédito nacional ou permanece como cartão regional.
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e também um ganho financeiro advindo das anuidades e dos juros que os clientes eventualmente
pagariam. Além disso, funcionaria como uma ferramenta de fidelização de clientes.
No entanto, Gustavo não tinha como se dedicar ao dia a dia da operação do varejo e, ao
mesmo tempo, estruturar um negócio totalmente novo e que ele pouco conhecia e entendia. Gustavo,
então, lembrou-se de Pablo, seu amigo, que pensava em trocar a carreira de executivo pela de
empreendedor. Convite feito, Pablo ponderou que essa seria a oportunidade ideal de conciliar a
dedicação a um negócio próprio com uma qualidade de vida melhor para a família em uma cidade do
interior. Em menos de três semanas, Pablo e sua esposa já estavam morando em Três Corações, com
a missão de criar do zero uma administradora de cartões de crédito, a Mais Fácil, da qual ele se
tornara também sócio. Apesar de serem sócios, Pablo seria quem se encarregaria da administração do
negócio, e as decisões mais importantes seriam tomadas em conjunto pelos dois amigos.
O início da operação
Private label
Em três meses, Pablo colocou em pé a operação, com o lançamento do cartão de crédito Mais
Fácil. Era um cartão do tipo private label, ou seja, um cartão que oferecia funcionalidades parecidas
com as de um cartão de crédito normal, como prazo para pagamento, possibilidade de pagamento
mínimo, financiamento da fatura, cobrança de anuidade, entre outras, mas com a diferença principal
de ser para uso exclusivo nos supermercados da família de Gustavo.
No início, a operação contava com apenas mais duas pessoas além de Pablo, e todo o esforço
comercial para venda do cartão era feito dentro das lojas dos Supermercados GF. Apesar de o varejo
e a administradora serem empresas constituídas separadamente, havia uma grande simbiose entre as
duas operações, tendo a própria administradora seu escritório em uma das filiais da rede.
Dessa forma, a Mais Fácil tinha a rede de Supermercados GF (e seus donos) como sua sócia
e principal parceira.
Open private
Rapidamente, o Cartão Mais Fácil conquistou uma parcela significativa dos clientes habituais
dos Supermercados GF. No entanto, o uso do cartão continuava restrito aos estabelecimentos desses
supermercados, e, para que o produto se tornasse mais atrativo para novos clientes e também para os
atuais, a administradora resolveu, em 2009, credenciar outros estabelecimentos nas cidades da região
para que aceitassem os cartões Mais Fácil. Obviamente, supermercados concorrentes não foram
credenciados. Dessa forma, os cartões podiam, então, ser usados na rede GF e também em outros
estabelecimentos de comércio e serviço na região, tais como farmácias, postos de gasolina,
restaurantes e lojas de vestuário.
Iniciava-se, assim, um novo tipo de operação, conhecida no mercado como open private: um
cartão private label, mas que também é aceito em uma rede restrita e local de estabelecimentos
comerciais.
Se, por um lado, a empresa conquistou novos clientes, aumentou o valor médio de suas
vendas (mais locais disponíveis para que os clientes fizessem compras) e teve acesso a novas fontes
de receita (cobrança da taxa comercial dos novos estabelecimentos e antecipação de recebíveis das
vendas mediante a cobrança de uma taxa de desconto), por outro lado, novos custos também
surgiram: custos de credenciamento e relacionamento com os estabelecimentos, investimento nas
maquinetas de captura de transações (POS) e custos de liquidação financeira aos estabelecimentos.
Além disso, os riscos relacionados à concessão de crédito também aumentaram.
O Anexo 1 ilustra um cartão da Mais Fácil.
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Passados sete anos desde sua fundação, Pablo e Gustavo se encontravam diante de um
dilema: manter o negócio da Mais Fácil restrito aos clientes dos Supermercados GF e de alguns
poucos estabelecimentos nas áreas em que operavam, ou mudar seu modelo de negócio e
“embandeirar” os cartões, possibilitando a entrada em novos mercados, mas trazendo também novos
desafios? Os sócios precisavam tomar uma decisão rápida, antes do final daquele ano, uma vez que
temiam que outros concorrentes com operações semelhantes pudessem se antecipar a eles.
A dinâmica do negócio da Mais Fácil
A Mais Fácil operava três produtos: cartões de crédito do tipo open private; cartões do tipo
convênio, que é uma modalidade oferecida por empresas aos seus funcionários em substituição aos
adiantamentos de salário, conhecidos como “vales”; e cartões alimentação e refeição, que as
empresas oferecem aos seus funcionários como um benefício e que contam com uma contrapartida
fiscal dada pelo governo como incentivo às empresas que os adotam. Importante ressaltar que,
enquanto no cartão de crédito open private o cliente da Mais Fácil é também o usuário do cartão, no
caso das modalidades convênio e refeição/alimentação, o cliente é a empresa que oferece o benefício
aos seus funcionários, estes, sim, apenas usuários dos produtos.
Indicadores do negócio
A Mais Fácil contava com mais de 50 mil cartões emitidos, estando em média um terço deles
ativo em determinado mês, ou seja, realizando algum tipo de transação. O valor médio das faturas
era de cerca de R$ 400 por mês. Um dos diferenciais do produto era sua alta taxa de aprovação de
crédito, muito acima da média praticada pelo mercado de bancos e financeiras. Em meados de 2015,
a Mais Fácil contava com uma estrutura de 25 funcionários.
Um outro tipo de cliente da Mais Fácil eram os estabelecimentos comerciais que aceitavam
seus cartões, naquele momento contando em torno de 200.
O Anexo 2 apresenta a evolução das vendas e da base de clientes da Mais Fácil.
Apesar de ter três produtos em seu portfólio, o cartão de crédito era de longe o mais
relevante, representando mais de 80% das vendas (giro financeiro) de aproximadamente R$ 35
milhões anuais. Convém lembrar que a receita de uma administradora vem dos serviços de
intermediação financeira prestados, uma vez que os cartões são apenas o meio de pagamento ao
vendedor. Dessa forma, apenas aproximadamente 5% da receita total “vira” receita de intermediação
para a administradora, da qual ela precisa retirar suas despesas, custos e margens de lucro. Os
principais vetores para aumento de faturamento são, portanto, aumento do uso dos cartões (mais
cartões na praça ou maior número de transações por cartão) e incremento do valor médio de cada
transação.
Uma administradora de cartões de crédito leva geralmente dois ou três anos para começar a
operar no positivo, uma vez que, pelas características de seu negócio de concessão de crédito, é
necessário um grande capital de giro inicial para que a operação possa decolar. Além dos custos
iniciais de emissão de cartão e outros, deve-se considerar que, como a administradora financia seus
clientes (por meio de parcelamentos ou cobrança de juros nas compras à vista e não pagas), ela
precisa pagar (os estabelecimentos) antes de receber (dos clientes). Assim, num primeiro momento,
quanto mais clientes a administradora tiver, de mais capital de giro precisará.
Com a Mais Fácil não foi diferente, e sua operação passou a ser positiva apenas após mais de
dois anos de seu lançamento.
Pablo sabia que, caso decidissem “embandeirar” o cartão, algumas questões importantes
precisariam ser endereçadas. Nas conversas com o sócio, Pablo ponderava: "Gustavo, se optarmos
por utilizar uma bandeira, precisaremos de mais fundos para essa expansão, pois teremos que
investir em tecnologia, publicidade etc. Além disso, com a possibilidade de uso do cartão em
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qualquer estabelecimento, nosso volume financeiro transacionado aumentará, o que nos exigirá ainda
mais recursos financeiros”. Gustavo concordava e acrescentava: “E também teremos novos clientes,
com um perfil de uso do crédito que não conhecemos bem, e por isso precisaremos ser cautelosos”.
Adicionalmente, dizia Pablo: “É provável que também precisemos de novos parceiros de
infraestrutura, uma vez que o uso de uma bandeira exige uma operação mais robusta, e não sei se o
que temos hoje será suficiente para isso”.
O Anexo 3 descreve o modelo de operação da Mais Fácil, enquanto o Anexo 4 exemplifica
como se comporta o caixa de uma administradora em seus primeiros anos de vida.
O modelo de operação da indústria de cartões de crédito
A indústria de cartões de pagamento é o típico caso de um mercado de dois lados ou
multilateral, em que é necessário haver, de um lado, uma grande massa de clientes portadores de
cartões e, de outro, e ao mesmo tempo, um grande número de estabelecimentos comerciais e de
serviços que aceitam tais cartões. Assim, mercados multilaterais unem dois ou mais grupos distintos
ou interdependentes de consumidores (Osterwaldert & Pigneur, 2010). Por isso, necessita de grandes
investimentos para a criação dessa massa crítica, precisando equilibrar financeiramente essa
plataforma de alguma maneira (em muitos casos, por meio da existência de subsídios para um dos
lados).
De modo geral, podemos dizer que são cinco os atores dessa indústria: as bandeiras, os
emissores, os adquirentes, os portadores de cartões e os estabelecimentos que os aceitam.
Simplificadamente, esses atores têm os seguintes papéis:
Bandeira: é o instituidor do arranjo de pagamentos (o modelo de operação do negócio). É o
elo entre os emissores/portadores de cartões e os adquirentes/estabelecimentos, funcionando como
um grande árbitro das operações. É a bandeira que define as principais regras e políticas de operação.
A principal fonte de receita da bandeira é um valor cobrado (do emissor) a cada transação. As mais
conhecidas mundialmente são Visa, Mastercard, Amex e Diners Club, mas existem muitas outras
marcas locais e regionais. Em operações do tipo private label ou open private, a bandeira, o emissor
e o adquirente geralmente são a mesma instituição.
Emissor: é a empresa que concede o crédito e emite o cartão aos clientes. É ela que toma o
risco da operação e, por isso mesmo, fica com a maior parte das receitas, cobradas dos portadores
dos cartões por meio de anuidades, encargos e juros de rolagem de financiamentos, além de outras
taxas. Um percentual do valor da transação também fica com o emissor. Esse valor é conhecido
como taxa de intercâmbio.
Adquirente: é a empresa que recebe da bandeira a licença para credenciar estabelecimentos
que aceitarão os cartões daquela bandeira, para “capturar” essas transações (por meio das
maquinetas) e para realizar a liquidação financeira junto aos estabelecimentos. A operação do
adquirente não tem risco envolvido. Suas principais fontes de receita são a taxa de administração
comercial (percentual sobre o valor da transação cobrado do estabelecimento) e a taxa de
antecipação de recebíveis, uma vez que, normalmente, o pagamento ao estabelecimento se dá em
torno de 30 dias após a compra. No Brasil, os dois principais adquirentes que atuam no mercado são
Cielo e Rede.
Portadores de cartões: são os usuários/clientes que possuem a linha de crédito concedida
pelo emissor e que, por meio de um cartão, podem fazer compras na rede de estabelecimentos
credenciada. Todas as compras são pagas em uma data fixa no mês. Existe a possibilidade de não
pagamento dos gastos totais ou parciais. Entretanto, nesse caso, incorre-se no pagamento de juros.
Estabelecimentos: são as empresas que comercializam produtos/bens ou prestam serviços e
que aceitam os cartões de crédito como meio de pagamento.
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Ao “embandeirar” seu cartão, a Mais Fácil passaria a operar em um novo modelo de negócio,
de que todos os players típicos da indústria de cartões fariam parte. Assim, se, por um lado, a
proposta de valor aos clientes ficaria mais atrativa, por outro, ela passaria a depender de outros
participantes da indústria e veria sua autonomia cerceada. Adicionalmente, sua arquitetura de valor
também seria alterada, e a Mais Fácil passaria a ter a novos parceiros.
O Anexo 5 descreve o papel de cada um desses atores e sua inter-relação.
Novas regras do Banco Central para operações do tipo open private
No final de 2013, o governo brasileiro promulgou a Lei n. 12.865 (2013), buscando
regulamentar o mercado formado pelos arranjos e instituições de pagamento. Por meio dessa lei e
das resoluções e circulares derivadas dela, o Banco Central passou a ser o regulador, o vigilante e o
supervisor desse segmento. Com isso, buscava trazer: i) mais eficiência ao mercado, pela entrada de
novos atores, mais investimentos e maior qualidade e diversificação dos produtos oferecidos; ii)
segurança jurídica ao setor; iii) nivelamento regulatório, ao propor regras análogas às previstas para
instituições financeiras participantes do Sistema Financeiro Nacional, como os requerimentos para
autorização de funcionamento; e iv) regulação proporcional aos riscos de crédito, operacional e de
liquidez, por meio da implantação de estruturas de governança e requerimentos de capital social
mínimo e de capital prudencial para cobrir eventuais perdas, entre outras obrigações.
Ficariam apenas fora do escopo da regulamentação do Banco Central as operações do tipo
private label (com uso restrito aos estabelecimentos do próprio emissor) ou operações com giro
financeiro muito baixo. Todos os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento ligadas a
esses arranjos teriam necessariamente que se enquadrar na lei.
A Mais Fácil, sendo uma administradora de cartões de crédito, se incluía na nova
regulamentação, uma vez que, ao operar como open private, se caracterizava tanto como um arranjo
de pagamentos quanto como uma instituição de pagamento, pois fazia a emissão dos cartões, o
credenciamento dos estabelecimentos que o aceitavam e a liquidação financeira das operações.
Por isso, se quisesse se enquadrar na nova regulamentação, a Mais Fácil deveria seguir uma
série de regras de governança no que tangia aos riscos operacionais, de crédito e de liquidez. Deveria
também disponibilizar relatórios periodicamente ao regulador, além de, entre outras coisas, possuir
capital social mínimo de R$ 2 milhões.
O dilema de negócio
A Mais Fácil, administradora de cartões de crédito fundada em 2008 no Sul de Minas,
passava, em meados de 2015, por um momento crucial em sua história, precisando decidir se: i)
continuava operando no modelo do tipo open private e que pressupunha, devido à nova
regulamentação, que ela se enquadrasse em uma série de exigências determinadas pelo Banco
Central; ii) se voltava a ser uma operação private label pura como já havia sido anteriormente, uma
vez que, dessa forma, estaria livre das exigências do Banco Central e não sofreria um impacto
significativo em seu negócio, pois a grande maioria de sua receita ainda era gerada nos
estabelecimentos da própria rede de Supermercados GF; ou iii) se aproveitava as mudanças de regras
e partia para voos mais altos, passando a utilizar uma bandeira de renome em seus cartões
(“embandeiramento”), o que possibilitaria uma aceitação ampla em todo o Brasil, uma melhor
proposta de valor para seus clientes, mas também custos e exigências financeiras e legais que,
naquele momento, ela não tinha.
O desejo natural dos sócios Pablo e Gustavo era expandir a operação, levando a Mais Fácil
para novas praças e conquistando um número maior de clientes. No entanto, as mudanças necessárias
no modelo de negócio, a necessidade de mais capital, o fato de ter que assumir mais riscos e a perda
de parte do poder de decisão sobre a cadeia de valor faziam com que essa não fosse uma decisão
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óbvia. Como fator complicador adicional, a nova regulamentação do Banco Central impunha aos
participantes da indústria uma série de obrigação e regras mais estritas no que dizia respeito às
operações.
Questão
De acordo com o cenário exposto no caso, a Mais Fácil tinha três caminhos possíveis: a)
manter-se como uma operação do tipo open private; b) voltar a ser uma operação private label pura;
ou c) “embandeirar” o cartão.
Neste contexto, se você estivesse na pele dos sócios Pablo e Gustavo, que decisão tomaria?
Explique mostrando como se daria a criação, captura e apropriação de valor para a alternativa
escolhida, deixando claras suas implicações e seus principais elementos. Justifique sua decisão
utilizando a teoria de modelos de negócios. Ao responder, considere quais recursos e capacidades
seriam necessários à Mais Fácil para a implantação da opção escolhida, como ficaria seu
posicionamento no mercado diante dos demais players (concorrentes, fornecedores e clientes) e se
seria preciso realizar mudanças em sua estrutura organizacional.
O Anexo 6 apresenta alguns indicadores selecionados de mercado.
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Anexo 1: Imagem do cartão de crédito Mais Fácil
Anexo 2: Evolução das vendas totais e da base de cartões da Mais Fácil
Evolução da Venda Total – R$ milhões Evolução base de cartões - milhares
0,6
4,4
10,3
16,1
22,5
27,5
33,0
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
0,9
9,8
23,4
34,9
44,9
50,9
57,1
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
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Anexo 3: Modelo de operação atual da Mais Fácil – cartão de crédito (open private)
Anexo 4: Exemplo ilustrativo do comportamento do caixa de uma administradora de cartões
de crédito nos primeiros anos de operação
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Anexo 5: Modelo de operação da indústria de cartões de crédito com principais atores
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Anexo 6: Indicadores selecionados de mercado
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MIDAS CS: OS DESAFIOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE UM RH ESTRATÉGICO
Valter Genchin Higa
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vivia a vida usual de um rapaz de classe média. Pela manhã cursava jornalismo em uma universidade
em São Paulo, e à tarde trabalhava na empresa dos pais, uma distribuidora de doces e confeitos
(chocolates, cacau, amendoim, balas e derivados). Ele cuidava da parte financeira do negócio, e uma
coisa que sempre o deixava incomodado era a baixíssima margem de lucro que tinha na revenda dos
produtos. Percebeu logo que os fabricantes ficavam com a maior fatia do lucro da cadeia produtiva,
restando muito pouco para os distribuidores e para os pequenos varejistas (seus clientes). Por este
motivo, sempre se perguntava por que não ser também fabricante destes produtos.
No início de 1990, daquela pergunta que Roberto se fizera, originava-se a Midas CS em uma
pequena sala nos fundos da distribuidora. Com o financiamento dos pais, Roberto adquiriu os
equipamentos necessários para começar a produzir alguns dos produtos – os mais fáceis de produzir
e de alto giro – comercializados na distribuidora da família.
O crescimento da Midas CS foi meteórico. Em pouco mais de 5 anos a fábrica já tinha uma
sede própria e trabalhava com vários outros distribuidores. E tão rapidamente quanto o crescimento
do seu negócio, também veio outra inquietação de Roberto: para continuar a expandir, a partir de
meados de 1996 ele começou também a vender diretamente para grandes varejistas, como Carrefour,
Extra e Walmart. Para isto, teve que reduzir muito as suas margens de lucro nas negociações com
estas grandes empresas e se ver, novamente, como a parte mais fraca da cadeia produtiva. Os
grandes varejistas tinham força e ficavam com a maior parte do lucro. Era o preço que tinha que
pagar para continuar crescendo.
Crescer, expandir estava no DNA de Roberto, mas ele queria ditar as regras do jogo, algo que não
aconteceria na relação com as grandes do varejo. Em 1998, em uma viagem a Nova York, conheceu
as lojas da Starbucks e ficou maravilhado com o fato de um produto de baixo valor agregado, uma
commodity, como o café, naquela loja se transformava numa marca tão admirada em todo o mundo.
Já durante a viagem de volta ao Brasil, no avião, vislumbrava a ideia de uma rede de lojas Midas CS,
vendendo produtos com marcas próprias.
No final de 1999, surgiam as primeiras lojas Midas CS. A opção pelo sistema de franquias foi
natural, já que não tinha recursos para um rápido crescimento. A expansão, mais uma vez, foi muito
rápida e o suficiente para, já em 2007, não precisar mais vender para os grandes varejistas. Naquele
ano, já contava com mais de 400 lojas franqueadas. Tudo o que produzia era destinado a abastecer as
franquias. Em Maio de 2015 a rede já contava com mais de mil lojas.
Começando o Trabalho
Amanda Amara, apesar de toda a sua experiência e comprovada competência como executiva
e consultora na área de RH, não tinha a exata noção do desafio, mas sabia que seria a terceira pessoa
a assumir o cargo nos últimos 4 anos. Por si só, o fato indicava que não teria uma vida fácil pela
frente. Isto, porém, não era problema para ela: era muito competitiva e a oportunidade de mostrar um
belo trabalho a motivava.
Nos primeiros dias na empresa, a executiva procurou contatar o maior número possível de
pessoas, de maneira bem informal, em geral durante as paradas para cafezinho e almoço. Participou
também de algumas reuniões com franqueados, promovidas pela área. E, claro, conversou muito –
ou melhor, ouviu muito – com Roberto Ramos. Entre uma atividade e outra de sua agenda apertada,
ele fazia o trabalho de “catequização” de Amanda (era assim que ele costumava se referir aos dias
que passava com os novos diretores). Um trabalho que ele não delegava a ninguém, queria ter
certeza que todo executivo, que fosse trabalhar com ele, soubesse como havia construído aquele
negócio, quanto havia sido difícil levar a empresa ao patamar em que se encontrava e,
principalmente, como era importante continuar a crescer.
O comprometimento e a energia das pessoas chamaram muito a atenção de Amanda. Ela
notou, porém, um excesso de atividades e projetos que as pessoas pareciam tocar. Havia uma
urgência exagerada em tudo. Observou que a todo momento, de uma forma geral, as pessoas
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MIDAS CS: OS DESAFIOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE UM RH ESTRATÉGICO
Valter Genchin Higa
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pareciam em busca do que fazer e eram incentivadas a isto. “Talvez”, pensou Amanda, “este seja o
motivo da estrutura organizacional tão hierarquizada e burocrática que temos aqui”. “Ou será o
contrário” continuava ela nas suas reflexões, “que este comportamento das pessoas é justamente para
sustentar toda a hierarquia e burocracia da estrutura organizacional?”. A resposta pedia uma análise
mais profunda, que não seria possível naquele momento, mas pelo menos, ela já tinha uma boa
noção de como era o modus operandi das pessoas, o que seria fundamental para começar a trabalhar.
A primeira semana de empresa foi muito proveitosa para Amanda, que conseguiu fazer uma
boa leitura da cultura organizacional da Midas CS, que, como esperado, refletia fortemente as
crenças e atitudes de seu fundador.
Entendendo o problema
A alta rotatividade dos franqueados na rede era um problema que vinha se agravando. Nos
últimos 5 anos, o índice tinha quase que triplicado. Roberto Ramos acreditava que a causa estava na
deficiência do programa de capacitação dos franqueados. Ele costumava dizer: “se os franqueados
não estiverem bem preparados, não conseguem atingir os resultados esperados do negócio e isto
acaba gerando uma grande frustação, que faz com que muitos decidam vender o empreendimento ou
não investir na abertura de mais lojas na rede”. Com este diagnóstico em mente, em 2011 foi
realizado um grande investimento na área de treinamento da empresa franqueadora: estrutura física e
tecnológica e formação de uma equipe dedicada para a capacitação da rede de franqueados.
Mesmo com todo o investimento, os resultados não foram satisfatórios. A rotatividade
continuava alta e o número de lojas por franqueado, que era de 2,5 em 2010, caiu para 1,3
lojas/franqueado, em 2015. Na prática, estes números refletiam uma dificuldade maior para
continuar crescendo e um aumento significativo nos custos para se manter a rede.
O cenário externo também não era dos melhores. A empresa, pela primeira vez ao longo da
sua existência, vinha apresentando um crescimento com taxas decrescentes, justamente num
momento em que via a chegada de um grande player no mercado.
Foi neste contexto que Amanda começou na Midas CS. O direcionamento que recebera do
presidente havia sido muito claro: melhorar a capacitação dos franqueados para reduzir a
rotatividade na rede. Ele, inclusive, já tinha até lhe sugerido os passos a seguir para obter sucesso:
“Amanda, você precisa intensificar os treinamentos dos franqueados e de seus respectivos
funcionários, tenho certeza que é isto que vai fazer a diferença”.
Área de RH – Capacitação de Franqueados
A executiva teria uma equipe formada por 15 colaboradores – sendo dois gerentes, um
responsável pelas atribuições internas (funcionários da Midas CS) e outro focado no suporte aos
franqueados. Amanda reservou os dois primeiros dias para entender bem como funcionava
operacionalmente a sua área e as duas com as quais o RH tinha maior interação: Comercial e
Expansão.
Conversou muito com seu pessoal e, ciente de que a urgência maior da empresa estava
relacionada aos franqueados, deu um foco especial nas atividades ligadas a eles. Durante as
conversas já foi estruturando mentalmente as atividades, e depois as colocou no papel, como segue:
Treinamento de franqueados: Realizado através de treinamentos presenciais e à distância. São,
predominantemente, técnicos e operacionais, com a finalidade de passar informações a respeito
dos produtos vendidos nas lojas e as normas e os procedimentos operacionais a serem seguidos.
O objetivo principal destes treinamentos é manter a uniformidade e o padrão nas lojas.
Treinamento dos funcionários (dos franqueados) das lojas: Segue a mesma linha dos
treinamentos para os franqueados, porém, direcionado a informações técnicas sobre os produtos
e atendimento aos clientes.
15. 4
MIDAS CS: OS DESAFIOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE UM RH ESTRATÉGICO
Valter Genchin Higa
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Gestão dos programas de incentivos dos funcionários (dos franqueados) das lojas: Trata-se de um
programa criado para apoiar os franqueados com a gestão dos funcionários. O objetivo é reduzir
o alto turnover dos funcionários das lojas.
Seleção dos franqueados: Dá o suporte à área de Expansão no processo de seleção de
franqueados. Concentra-se na parte burocrática (análise dos currículos, análise dos documentos,
contato com os candidatos). Não participa da definição do perfil dos candidatos nem participa da
decisão dos selecionados.
Eventos: Organiza todos os eventos relacionados aos franqueados: reuniões, convenções,
palestras, etc.
Área Comercial
Tendo uma boa compreensão da sua área, Amanda buscou entender também como era a
operação das duas áreas com as quais a área de RH mais se relacionava. Conversou por horas com
Humberto Medeiros, diretor da área comercial. O executivo estava na companhia há 6 anos e tinha
conquistado o prestígio de Roberto ao profissionalizar o sistema de franquias da Midas, até a sua
chegada visto como “muito informal”. No seu currículo estavam grandes redes de franquias,
inclusive uma das maiores do mundo no setor de fast-food. Engenheiro de formação, era obcecado
por processos e rotinas de trabalho. Exibia com orgulho os vários manuais das práticas e
procedimentos operacionais/administrativos, que direcionavam todas as ações na rede. “Aqui, nestes
manuais, tem tudo que o franqueado deve saber e fazer para gerir bem a sua loja”, frisava o diretor.
Na visão dele, que também era compartilhada pelo presidente da empresa, o crescimento rápido da
rede só havia sido possível pelo nível de padronização imposto a ela.
“Vejo que você é uma ótima profissional, e veio muito bem recomendada, fez ótimos
trabalhos por onde passou. Vou te dizer o que sempre dizia ao antigo diretor: num sistema de
franquias, não há muito o que inventar, temos que seguir o que está no manual, é o que o franqueado
precisa saber, está tudo ali, então treine-os com base nisto”’, e você vai ver que tudo fica mais fácil”,
disse Humberto, ao se despedir de Amanda.
Área de Expansão
Na manhã seguinte, Amanda aproveitou o horário do café para conversar com Renato Osório,
o diretor da área de Expansão. Renato era um executivo prata-da-casa, que havia começado como
assistente administrativo, passando pela consultoria de campo, onde havia adquirido muito
conhecimento sobre pontos de vendas (localizações comerciais - peça chave quando se fala de
expansão no varejo) e sobre o comércio varejista, até chegar ao cargo de diretor comercial, que
também abrangia a área de Expansão. A estrutura foi separada com a contratação de Humberto. O
presidente da Midas entendeu que Renato não estava mais dando conta de tocar as duas áreas e que o
seu perfil, muito voltado para as pessoas e ao relacionamento, não combinavam mais com as
dimensões atuais da empresa.
Ouvia-se nos corredores da Midas CS ,que antes da chegada de Humberto, Renato era o
queridinho do chefe. Mas há uns três anos pelo menos, vinha sendo muito pressionado por não
conseguir atingir as metas de abertura de lojas.
Uma das suas maiores queixas era que seu trabalho estava sendo muito prejudicado pela enorme
rotatividade de franqueados na rede. “Nos últimos anos, estamos trabalhando mais com os processos
de troca de franqueados do que com a abertura de novas unidades”. Outra das suas reclamações era
que estava cada vez mais difícil encontrar pessoas que, primeiro, tivessem recursos financeiros para
investir no negócio e, segundo, que atendessem os critérios de perfil esperado do franqueado. Estes
critérios, definidos pela área de expansão, eram os seguintes:
Ter o sonho de ter o seu próprio negócio – o franqueado é o gestor do seu próprio negócio;
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MIDAS CS: OS DESAFIOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE UM RH ESTRATÉGICO
Valter Genchin Higa
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Características empreendedoras: autonomia e criatividade, iniciativa, busca constante de novos
negócios e pelo crescimento;
Gostar de atender os clientes;
Liderança para conduzir a equipe;
Capacidade administrativas: planejamento, organização e controle.
Amanda era uma pessoa muito empática e transmitia muita confiança. O diretor de expansão,
desta forma, acabou desabafando com ela: “Sabe, Amanda, você está começando aqui e eu vou te
confessar algo. De uns tempos para cá, o que mais vale é bater metas, mesmo que isto signifique
deixar alguns de seus princípios de lado. Quando você está trabalhando com a seleção de um
franqueado, você está, na maioria das vezes, lidando com um sonho de uma pessoa, que vai investir
o dinheiro da sua vida num negócio. É preciso ter muita responsabilidade. Mas parece que este
princípio está fora de moda por aqui”, disse ele, com um tom de voz claramente insatisfeito.
Lojas/Franqueados
As conversas com os diretores das áreas Comercial e de Expansão, bem como com o pessoal
de sua equipe, foram esclarecedoras para Amanda. Conversar e ouvir as partes envolvidas, para
procurar ter uma visão mais abrangente da situação, era uma das suas principais qualidades. Faltava,
porém, ouvir os franqueados. A nova diretora, então, foi a campo e visitou várias lojas da rede.
Procurou contatar os mais diversos franqueados: homens, mulheres, novatos, experientes, etc.
A principal atividade das lojas (com um tamanho médio de 60 metros quadrados) é a venda
dos produtos de marca própria Midas CS, adquiridos exclusivamente da empresa franqueadora. As
estratégias mercadológicas, tais como determinação do preço de venda ao consumidor, as ações
promocionais (dentro e fora das lojas), bem como a exposição dos produtos nas prateleiras, eram
determinados pela Midas CS, através da sua área comercial, Cabendo ao franqueado operacionalizar
estas estratégias.
Amanda queria saber quais eram as dificuldades que eles encontravam para fazer isso
acontecer, já que os treinamentos e esforços da área de RH pareciam não estar surtindo efeito. Assim,
tomou nota de vários depoimentos de franqueados com relação às dificuldades que encontravam na
gestão das lojas, selecionando os que se mostraram mais relevantes.
A primeira das dificuldades demonstrada referia-se à gestão de pessoas. Amanda observou a
grande dificuldade dos franqueados em fazer os funcionários seguirem as normas e procedimentos
colocados pela franqueadora, que incluíam 30 passos de venda. O alto turnover dos funcionários
também foi um tema recorrente colocado pelos franqueados:
“Elas não entendem o que deve ser feito e a gente é cobrado por isto. Se elas não seguirem
direitinho os passos de venda e o consultor vir isto, ele vai colocar no nosso relatório e aí logo
vem a franqueadora nos cobrar”.
“Pelo fato de as meninas fazerem tudo, é um treinamento demorado. Elas têm que se preocupar
com o vencimento dos produtos, se preocupar com a aparência pessoal, com a limpeza e higiene
da loja, com todas as exigências da franqueadora e ainda atender os clientes com bom humor e
vender! Então leva um tempo para elas se acostumarem”.
“Tem menina que fica um dia, dois dias e vai embora [...] Elas acham que é muita coisa ao
mesmo tempo”.
“Eu já estou cansada de perder funcionários para as outras lojas vizinhas. A gente treina,
investe, dá prêmios, mas se oferecerem 100 reais a mais elas vão embora mesmo”.
“Quando a franquia não era tão conhecida, tão grande, eu não tinha estes problemas. A gente
resolvia muita coisa na conversa. Agora, a menina já entra pensando em sair para entrar com
um processo [trabalhista] contra a gente”.
17. 6
MIDAS CS: OS DESAFIOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE UM RH ESTRATÉGICO
Valter Genchin Higa
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Os problemas na gestão operacional (compras, estoque e financeiros) também foram muito
expostos pelos franqueados.
“Eles (franqueadora) nos passam uma sugestão de compra baseada numa média, que é feita
com base totalmente errada, pois não consideram aspectos locais, características locais,
concorrentes da região de cada loja [...]”
“As compras e o gerenciamento do estoque são muito críticos porque não pode haver perdas por
vencimento [...]. Como nossa margem de lucro é muito baixa, qualquer pequena sobra pode ser
justamente o nosso lucro [...]. Nosso negócio não permite erro, tem que ser muito bem
calculado”.
“O gerenciamento do estoque é muito crítico. Se você comprar muito e ficar com o estoque
muito alto, vai faltar dinheiro para pagar as contas no fim do mês”.
“O franqueado tem que ser bom na operação da loja, pois a franqueadora nada oferece em
termos de treinamento para capacitar o franqueado [...]”.
“Quando eles conversam com os franqueados e fazem uma demonstração de números, sentam
para fazer um balanço, assim, genericamente. Eles dizem: seu faturamento foi este, suas
despesas foram estas e seu lucro foi este, estão aqui os seus números. A conversa seria em outro
nível se a gente começasse a entender sobre fluxo de caixa, dar esta visão ao franqueado, pois é
uma conta simples. A franqueadora diz que o capital de giro necessário é de 20 mil, mas como
você identifica se este é o capital de giro correto para a sua loja?”
Outro ponto que Amanda achou bastante relevante foram as queixas em relação aos
processos, normas e imposições da franqueadora. As queixas foram unânimes:
“Não sou contra a padronização, mas eles já passaram dos limites. Agora, mais que
padronizados, estamos engessados”.
“Manter a loja no padrão que a Midas CS exige dá muito trabalho e quando a gente pensa que
está tudo certo, lá vem eles com outra invenção”.
“É muito detalhe, é muita coisa que não faz sentido. Imagina, até os horários das atendentes eu
tenho que passar, com hora de entrada, saída, almoço e tudo mais”.
“As exigências não são compatíveis para uma loja deste tamanho. Tenho só 4 funcionários e
eles querem que eu faça reuniões diárias com eles e registre tudo em ata”.
“Eu me sinto um escravo no meu próprio negócio. Não foi para isto que sai da empresa que
trabalhava. O consultor da franqueadora passa todo mês aqui para ver se as coisas estão dentro
das normas”.
“Já foi muito bom trabalhar com eles. Eu tinha muito mais autonomia para fazer as coisas. Hoje
é tudo do jeito deles, tudo conforme a conveniência deles”.
E agora, Amanda?
Amanda aproveitou o fim de semana para digerir toda a informação obtida durante a semana.
Pela sua experiência, sabia que precisava agir o quanto antes. Não queria perder a visão crítica de
quem está de fora do processo e vê coisas que pessoas que já estão dentro não conseguem enxergar.
Para reduzir a alta rotatividade dos franqueados, Amanda sabia que precisava ir muito além
dos treinamentos, precisava implantar e trazer os conceitos de uma gestão estratégica para a área de
RH, que não se limitasse somente ao operacional, sendo submissa às áreas comercial e de expansão.
E agora, como Amanda poderá convencer o presidente e demais diretores de suas convicções?
Como tornar o RH da Midas CS em uma área estratégica, que possa interagir, influenciar e agregar
valor aos negócios da organização?
Quais as ações, que plano você sugere para Amanda?
19. 2
UMA BOA HISTÓRIA AJUDA A VENDER MAIS. E AGORA?
Solimar Garcia
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sobre a credibilidade da empresa e encaminhada queixa junto ao Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária (Conar).
A história da vó Délia era mesmo uma mentira, assumiu Ana Claudia quase um ano depois do
início dos rumores. Voltar a vender como antes, não perder clientes e restabelecer sua credibilidade eram
as principais preocupações da empresária.
Neste mundo em que as pessoas estão sendo cada vez mais massacradas pelas comunicações, e em
que os consumidores vivem praticamente anestesiados e fugindo sempre que possível das informações
contidas nas comunicações em geral, sobretudo da propaganda, contar histórias – storytelling – é uma das
formas que as empresas encontraram para comover os clientes e engajá-los em suas propostas. Por meio
de uma boa história que seja capaz de promover a conexão entre a marca e seus consumidores de forma
eficaz, o storytelling pode produzir uma história real, única e diferente capaz de gerar empatia, simpatia,
identificação e proximidade com a marca, tornando-a envolvente e encantadora aos olhos do consumidor.
Mulher de atitude
Ana Claudia Teixeira é uma empreendedora nata. Desde a adolescência trabalhou por conta
própria, vendendo bijouterias, produtos de beleza e o que mais aparecesse que pudesse aumentar sua renda.
Quando estava na faculdade de Secretariado Bilingue, passou por apertos financeiros e chegou a fazer
bolos para vender aos colegas, complementando assim o salário de estagiária.
Ao se formar, foi efetivada em um cargo de secretária bilingue de uma grande agência de
propaganda, e passou a desenvolver vários dons artísticos: fez pequenas criações de textos para a agência,
e até algumas ilustrações.
Quando estava para completar 35 anos, demitida do emprego, Ana Claudia resolveu dar uma
guinada profissional ao utilizar os antigos dotes culinários da época de faculdade para ganhar dinheiro. Foi
assim que criou a Comidinhas da Itália em 2005.
A Comidinhas da Itália
A empresa começou na cozinha da proprietária Ana Claudia, no bairro de Santo Amaro, na capital
paulista, em 2005. Depois de ser demitida, Ana começara a fazer salgadinhos e bolos para festas. Durante
dois anos ela vendeu de tudo: bolos, doces, salgadinhos fritos, salgadinhos assados e muitas encomendas
para almoços e jantares – inclusive um macarrão especial, receita da família.
Esse macarrão fazia muito sucesso entre os clientes, que sempre pediam a receita. Ana Claudia
dizia que se tratava de um segredo de família e não a fornecia. O sucesso era tanto que o segredo parecia
aumentar o número de encomendas de massas para serem entregues em domicílio. Em dois anos focou a
produção caseira apenas na massa de macarrão, tal o volume de pedidos.
A amiga Luísa, de longa data, foi quem teve a ideia de sugerir à Ana Claudia que começasse a
fabricar o produto industrialmente para vender aos supermercados. Ana Claudia relutou um pouco, pois
imaginava que a receita caseira deveria se manter artesanal, além de duvidar de sua capacidade como
gestora de um negócio grande e em escala industrial.
De toda forma, Ana Claudia também acalentava a vontade de ter um negócio próprio. Assim, com
as sobras do dinheiro guardado da rescisão de contrato de sua empresa anterior, as economias do novo
empreendimento e a amiga Luísa como sócia, resolveu colocar a ideia à frente. Elas compraram as
primeiras máquinas usadas e começaram a produzir, embalar e entregar em um ritmo quase industrial,
diretamente da cozinha de casa
O ano de 2008 levou as sócias para uma fábrica simples e pequena, porém bem planejada e que
atendia muito bem ao horizonte de produção imaginado pelas proprietárias. Por essa época, elas decidiram
descontinuar a entrega de produtos artesanais, focando na produção industrial da massa.
Em 2009, Ana Claudia fora convidada para participar de muitas entrevistas na mídia impressa e
televisiva. Foi um período de ascensão veloz de sua marca e de seu produto, e também de seu próprio
20. 3
UMA BOA HISTÓRIA AJUDA A VENDER MAIS. E AGORA?
Solimar Garcia
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nome, cada vez mais em destaque. Os números só cresciam: tanto para as vendas como para a preferência
do público. Foi quando surgiu o convite para participar dos programas de Ana Maria Braga e Jô Soares,
ambos da Rede Globo.
Em 2010, já conhecida do grande público e após aparecer nos programas de televisão, um grupo
importante do cenário alimentício investiu R$ 500 mil na empresa para a compra de maquinário e
aumento da produção, o que possibilitou uma ascensão considerada meteórica pelo mercado financeiro,
levando a empresa a atingir cerca de 5% de market share de massas caseiras e estendendo as vendas para
o Brasil inteiro, com pouco mais de R$ 16 milhões em vendas.
O problema
Depois de dois anos, a parceria com a amiga não deu mais certo. O motivo era “o estrelismo de
Ana Claudia”, segundo as alegações de Luísa, para quem a antiga amiga “queria aparecer mais do que a
própria empresa”. Desde o ano anterior a relação das duas não ia bem, o que culminou com o forte ciúme
de Luísa quando apenas Ana Claudia foi convidada para o programa Ana Maria Braga, em rede nacional.
Mas o que Luísa não perdoou mesmo foi a ida da parceira ao Jô Soares, no final de 2012, quando Luísa
pediu para sair da sociedade.
Mal sabia a empresária Ana Claudia que sua presença nos programas globais seria fundamental
para os acontecimentos futuros da Comidinhas da Itália.
A pequena empresa assumia ares de empresa grande, e Ana Claudia não tinha muitas noções de
gestão ou de como adotar estratégias para crescer. Para ela, apenas aparecer na televisão e contar a história
da avó Délia já resolveria o problema das vendas, da divulgação e todos os outros que pudessem aparecer.
Desde a época em que Ana Claudia fazia suas comidas em casa para vender, e também quando
começou a fabricar as massas industrialmente, as pessoas perguntavam sobre o tal segredo de família, e
ela sempre evitava responder. Isso foi gerando uma curiosidade muito grande na vizinhança, nos
consumidores e parceiros, principalmente depois que Ana Claudia contou a história da pobreza da avó
Délia que teria vindo da Itália no início do século passado.
Ninguém da vizinhança de Ana Claudia engolia muito isso, pois nas visitas da família, jamais
aparecera alguma avó na residência. Até aí tudo bem, pois já poderia ser falecida, era o pensamento geral.
Depois que Ana Claudia começou a aparecer em programas de televisão, a história foi ficando
cada vez mais consistente e as pessoas queriam saber mais sobre o segredo de família, a avó e a tal história.
Assim foi que a própria história da massa vó Délia começou a fazer parte do rótulo do produto,
aumentando ainda mais a empatia com os consumidores e, principalmente, as vendas.
As vendas iam de vento em popa até 2013, quando a ex-sócia Luísa apareceu em vários programas
de televisão e reportagens desmentindo a história de Ana Claudia. Ela dizia que não existia avó Délia
nenhuma, e que a Comidinhas da Itália, na pessoa de Ana Claudia, tinha inventado a história para enganar
os consumidores e aumentar vendas. “Pura jogada de marketing”, dizia ela. O público não gostou nada
nada de saber da mentira e fugiu da marca durante todo o ano de 2014. O volume de vendas anual caiu
dos R$ 600 milhões no final de 2013 para menos de 350 milhões em novembro de 2014.
Repercussão
A própria Luísa liderou um movimento no Facebook e em outras redes sociais para desmascarar a
história da vó Délia. Com a ampliação dos seguidores, que eram, antes de tudo, apaixonados pela marca e
pela massa, e a pressão da imprensa para saber se era mesmo inventada a história, Ana Claudia não
aguentou e assumiu a invenção da história.
Quando Ana Cláudia contou que a história da vó Délia era uma mentira, a movimentação dos
internautas nas redes sociais foi assim:
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Tabela 1 – Movimento de mensagens nas redes sociais
Rede social Seguidores Mensagens/Respostas/Compartilhamentos/Curtidas
Facebook 900 mil 2.572.300
WhatsApp 3 mil 540.000
Instagram 100 mil 998.700
Ana Cláudia se defendeu, no entanto, dizendo que sua avó viera mesmo da Itália no começo do
século passado, mas se chamava Pina. Ela havia chegado ao Brasil ainda criança, junto com os pais,
crescendo muito bem amparada no interior paulista e chegou a ser professora na cidade de Botucatu, nos
anos 1970. Não houve fome e nem outras dificuldades.
E a massa da vó Délia? Também não existia?
A massa… bem, a massa era uma especialidade culinária da própria Ana Claudia. Ela se justificou
dizendo que se achava muito nova para já ter uma receita própria para seu macarrão e por isso colocou a
avó na história.
Comentários que circularam na Internet, nas redes sociais e na imprensa sobre a história da Massa
da Vó Délia:
“Essa Ana Cláudia é muito cara de pau! Onde já se viu ir na televisão falar uma história mentirosa. Ela
que vá se danar com o macarrão dela!” (Facebook).
“Achei essa mulher muito criativa, cara! Que legal! Inventou uma história bem bacana para o macarrão,
que por sinal é uma delícia… Ah! Tudo bem! Não acho isso muito grave não!” (Facebook).
“Ser pego em uma mentira é o fim para uma marca.” (Antonio Falco, publicitário no jornal O Estado de S.
Paulo e no Jornal da Record).
“Vocês estão fazendo tempestade em copo d’água. Quem cria o produto faz o que quiser e pode até
inventar uma história para ele. Que mal tem nisso? Muda o gosto do macarrão? Ah… me poupem!”
(Facebook).
“Uma história bem contada é tudo na vida de uma empresa e de um produto” (Nizan Guanaes, publicitário
famoso na Folha de São Paulo).
“Eu já estou ficando cansado de empresas que buscam o lucro a qualquer custo. Inventar histórias para a
empresa é exagero em meu entendimento” (Luiz Felipe de Alencar, publicitário no jornal Folha de S.
Paulo).
“PQP, véio… Eu acreditei. Vão tudo se… *&%$#@!” (Facebook).
“O mais importante é o produto ser bom. Se a história que contaram sobre a marca não é verdade, pouco
importa” (consumidora no jornal O Globo).
“Os produtos precisam ter boas histórias e de preferência que sejam verdadeiras. Se não forem verdadeiras
podem ser inventadas” (Silvia de Leme, publicitária no jornal O Globo).
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Solimar Garcia
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“Eu achei uma tremenda sacanagem essa empresa inventar uma história. Qual o problema em deixar sem
história ou então contar a verdade? Já somos tão enganados pelos políticos, agora vem também as
empresas inventar mentiras? Estou indignada” (consumidora no jornal O Estado de S. Paulo).
“A Massa da Vó Délia é tudo de bom. Não precisava disso. Quero ver o que eles vão falar para o Jô e para
a Ana Maria agora” (Jornal da Record).
“Esta é uma estratégia que extrapola os limites do marketing - e que está em plena moda no mundo dos
negócios. Para conquistar espaço, as empresas se preocupam cada vez mais em contar histórias que as
diferenciem dos concorrentes - técnica conhecida como storytelling” (Revista Exame).
“Inventar histórias é uma tendência mundial, motivada por uma mudança no comportamento do
consumidor. Hoje, os clientes não querem apenas saber se o bife é saboroso, mas se o boi foi ou não
engordado em áreas de queimada. Se o cacau do chocolate beneficia pequenos agricultores. Se a castanha-
de-caju é colhida por quilombolas. Por isso, contar histórias sentimentais contam muitos pontos na hora de
se ganhar a preferência do consumidor” (Revista Exame).
Vamos ao trabalho!
Após uma história de sucesso com a empresa Comidinhas da Itália e de assumir publicamente que
mentiu sobre a verdadeira história das massas da vó Délia, a proprietária Ana Claudia Teixeira, tem
algumas decisões a tomar!
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Anexo 1 - Números do setor de alimentos 2014
Faturamento R$ 529,6 bilhões
Crescimento nominal no valor de produção - 9,27%
Crescimento da produção física – 1,13%
Crescimento das vendas reais – 1,52%
Mercado externo
Exportações – US$ 41,1 bilhões
Importações – US% 5,7 bilhões
Saldo comercial – US$ 35,4 bilhões
Mercado interno
Varejo alimentar - R$ 277,6 bilhões
Food Service (restaurantes, padarias, lanchonetes etc.) – R$ 132,5 bilhões
Total mercado interno – R$ 410,1 bilhões
Emprego
Nível de emprego – 1.66 milhão
Novos postos de trabalho – 17 mil
Fonte: Associação Brasileira da Indústria Alimentícia
Anexo 2 - Números 2013 – Massas Vó Délia
Faturamento anual R$ 16 milhões
Crescimento nominal no valor de produção – 15%
Crescimento das vendas reais – 10%
Market share – massas frescas – 5%
Mercado interno
Varejo alimentar - R$ 10 milhões
Food Service (restaurantes, padarias, lanchonetes etc.) – R$ 6 milhões
Emprego
Nível de emprego – 300 funcionários
Novos postos de trabalho – 50
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Anexo 3 - Grandes histórias, grandes marcas
A importância de boas histórias para a criação e manutenção de uma marca ajuda na aproximação e
criação de intimidade com o consumidor. Algumas empresas usam como estratégia a utilização da
história da marca como ponto importante e de destaque em suas comunicações.
Em um vídeo institucional, a empresa Johnnie Walker conta a trajetória da marca: como foi criada,
os obstáculos que enfrentou e como chegou ao reconhecimento mundial do mercado de whisky,
ressaltando o cenário das comunicações que remetem ao keep walking (contine caminhando) e à
própria identidade da marca, com um personagem narrando a história andando durante o tempo todo
de duração do vídeo e passando por ícones que destacam momentos importantes para a marca1
.
A fabricante carioca de sucos Do Bem, criada em 2007, publicava verdadeiros manifestos em suas
caixinhas. A Do Bem não usa açúcar, corantes ou conservantes para fazer uma “bebida verdadeira”.
Um desses manifestos dizia que suas laranjas, “colhidas fresquinhas todos os dias, vêm da fazenda
do senhor Francesco do interior de São Paulo, um esconderijo tão secreto que nem o Capitão
Nascimento poderia descobrir”. Os sucos custam cerca de 10% mais do que os da concorrência. Mas
as laranjas não são tão especiais assim. Na verdade, quem fornece o suco para a Do Bem não é seu
Francesco, que jamais existiu, mas empresas como a Brasil Citrus, que vende o mesmo produto para
as marcas próprias de supermercados2
.
Entre os picolés artesanais populares nos grandes centros urbanos brasileiros, as palletas mexicanas
apareceram em 2012 e estavam presentes em shoppings e em locais de movimento intenso, somando 49
unidades franqueadas das marcas El Paleteros, Los Paleteros, Paleteca e Palecolé, em seu auge, no final de
2014. Apesar de mais caro do que os similares, o sorvete que é cremoso e tem versões recheadas, além de
bem maior do que estamos acostumados, caiu no gosto do brasileiro e além do nome, de mexicano não
tem nada. No México, as palletas são encontradas na rua e são feitas somente a partir de frutas e água bem
ao estilo do nosso famoso e baratinho picolé de rua.3,4,5
1
UB HOUSE. Sua marca tem boas histórias para contar? Disponível em: http://ubhouse.com.br/sua-marca-tem-boas-
historias-para-contar/. Acesso em: 27 mai. 2015.
2
LEAL, A. L. Toda empresa quer ter uma boa história. Algumas são mentira. Revista Exame. 22.10.2014. Disponível
em: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1076/noticias/marketing-ou-mentira, acesso em: 14 jul. 2015.
3
ALVARENGA, D. Empresa paulista quer exportar ‘picolés gourmet’. G1. Disponível em:
http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2012/09/empresa-paulista-quer-exportar-picoles-gourmet.html. Acesso
em: 27 mai. 2015.
4
CODOGNO, V. Chefs mexicanos confessam: não há paletas recheadas na terra de Chesperito. O Estado de S. Paulo.
Estadão PME. Gastronomia. 05 fev. 2015. Disponível em: http://pme.estadao.com.br/noticias/noticias,chefs-mexicanos-
confessam-nao-ha-paletas-recheadas-na-terra-de-chesperito,5432,0.htm. Acesso em: 27 mai. 2015.
5
G1. Histórias contadas pelas marcas Diletto e Do Bem vão parar no Conar. G1. 25/11/2014. Disponível em:
http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2014/11/historias-contadas-pelas-marcas-diletto-e-do-bem-vao-
parar-no-conar.html. Acesso em: 27 mai. 2015.
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Solimar Garcia
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Anexo 4 - Tendências no setor de alimentos
As empresas sofrem uma concorrência acirrada e qualquer deslize na gestão de alguma área logo
pode se transformar em uma situação incontornável. Assim, a crise que tem assolado o mundo nos
últimos anos e que contaminou o país a partir de 2013, tem trazido mudanças a diversos setores e as
empresas têm feito mudanças para enfrentá-la.
No setor de alimentos, já ocorrendo há vários anos e sendo uma forte tendência atual, estão as fusões
e aquisições. No Brasil, essas junções de empresas triplicaram nos três primeiros meses do ano e já
somam 11 transações, incluindo grandes empresas do setor como a compra do Frigorífico Mercosul
pela Marfrig por R$ 418 milhões e a conclusão do acordo da Vigor e da Arla Foods pela Dan Vigor,
estimado em R$ 156,2 milhões6
. Podemos observar que em momentos de crise, as grandes empresas
podem comprar ou se juntar a outras menores, e assim resolver o problema de ambas com redução de
custos e compartilhamento de estrutura de produção.
O setor de alimentos abarca muitos segmentos. Para ficar só no segmento da Massa da Vó Délia, são
massas e biscoitos prontos e semiprontos, pré-cozidos e assados, fritos, light, sabores diversos e uma
gama de novidades que aparecem durante o ano. Assim, a diversificação de portfólio de produtos e
de marcas, pode ser também uma alternativa na busca de ganho de escala e redução de custos com
distribuição, uma vez que a empresa passa a utilizar a mesma logística. Segundo Alexandre Guerra,
conselheiro do Instituto Foodservice Brasil (IFB), as empresas têm investido na aquisição de outras
marcas e construção de novas marcas, sendo que a maioria têm operado mais de uma marca6
.
A alteração do portfólio interno é outra tendência para o setor. A Perdigão, marca da BRF, por
exemplo, anunciou na Páscoa de 2014 sua entrada no mercado de pescados com o lançamento de um
filé de bacalhau pronto para ir ao forno. Segundo a marca, dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) mostram que "este é um dos mercados mais promissores do país e que cresceu
cerca de 25% entre 2012 e 2013"6
.
Em alguns casos, as empresas optam por passar a atuar em novos mercados, nos quais tinham tímida
e pequena participação, como é o caso da JBS, que anunciou recentemente um investimento de R$
20 milhões na ampliação de seu complexo de processamento de pratos prontos, lasanhas e pizzas, em
Lages (SC), o que deve aumentar em 82% a capacidade de produção do produto. O representante da
empresa, Tahiro Motta, disse que é comum, nestes momentos, empresas que têm produtos de grande
volume de vendas diversificarem para mercados menores, aumentando as margens de lucro6
.
Podemos observar que, em termos financeiros, a atuação nesses novos mercados é uma estratégia
que privilegia ganhar margem, em detrimento de volume, além de maior exposição da marca e
participação no mercado.
6
LIBÓRIO, B. Fusões e aquisições da indústria alimentícia quase triplicam no 1º trimestre. 01 abr. 2015. Disponível em:
http://economia.ig.com.br/empresas/2015-04-10/fusoes-e-aquisicoes-da-industria-alimenticia-quase-triplicam-no-1-
trimestre.html. Acesso em: 27 mai. 2015.
27. 2
GOVERNANÇA CORPORATIVA NA PETROBRAS?
Antonio Marcos Duarte Jr.
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Qual crise pode abalar uma empresa petrolífera que detém mais de 30 bilhões de barris de reservas
e possui conhecimento, tecnologia e excelência operacional para produzi-los com excepcional
lucratividade?
Guilherme O. Estrella1
A corrupção na Petrobras resulta em lavagem de dinheiro. [...] Isso precisa ser esclarecido.
[...] Se não com efeito prático, para a história deste país. A cada nova fase [...] puxa-se uma pena e
vem uma galinha na Operação Lava Jato.
Gilmar F. Mendes2
Ao final do primeiro trimestre de 2011 a Petrobras ocupava a posição de quinta maior
empresa do mundo em capitalização de mercado (US$), segundo a publicação Financial Times
Global 500. Na época, a empresa brasileira era a terceira maior em capitalização de mercado do setor
de petróleo e gás no mundo, superada apenas pela norte-americana Exxon-Mobil e a chinesa
PetroChina, mas acima de outras empresas gigantes com atuação no setor, como Chevron, British
Petroleum, Total e Royal Dutch Shell. Passados exatos quatro anos, ao final do primeiro trimestre de
2015, a Petrobras não figurava mais entre as 100 empresas com as maiores capitalizações de
mercado no mundo, assim como entre as 10 maiores do setor de petróleo e gás em nível mundial.
Como explicar tamanha redução de valor de mercado em tão pouco tempo?
Nesse período de quatro anos, várias notícias ruins atingiram a Petrobras. O evento mais
impactante para a imagem da empresa iniciou-se no dia 17 de março de 2014, quando a Polícia
Federal deflagrou a primeira fase da Operação Lava Jato, que resultou na prisão de vários de seus ex-
executivos nas semanas seguintes.
A estrutura de governança corporativa da Petrobras provou-se adequada?
O petróleo é nosso!
A empresa Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) foi instituída pela Lei n. 2.004, de 3 de
outubro de 1953, sancionada pelo então presidente Getulio Vargas. A sua criação foi consequência
direta da campanha “O petróleo é nosso!”, que defendia o monopólio estatal do petróleo no Brasil,
contrária ao Estatuto de Petróleo apresentado à sociedade em 1948, o qual permitiria a participação
do setor privado em todas as atividades relativas ao setor de petróleo e gás. A Lei n. 2.004 permitiu à
Petrobras conduzir de maneira monopolística todas as atividades relativas à exploração e refino de
petróleo, gás e seus derivados no País por mais de 40 anos, à exceção da distribuição no atacado e
venda de combustíveis no varejo (postos de gasolina).
A Lei n. 9.478, também chamada de Lei do Petróleo, foi sancionada no dia 6 de agosto de
1997 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, permitindo que outras empresas
participassem (em regime de concessão ou mediante autorização da União) de todos os elos da
cadeia do petróleo – ou seja, “do poço ao posto” –, quebrando, assim, o monopólio da Petrobras nas
atividades de exploração e refino. A mesma lei criou o Conselho Nacional de Política Energética e a
Agência Nacional do Petróleo, forçando a Petrobras a se adaptar a outra realidade, agora mais
competitiva, o que forçou mudanças internas importantes na empresa.
Em 1999, veio a primeira grande mudança no estatuto social da Petrobras, quando buscou
melhorar a sua estrutura de governança corporativa: o Anexo 1 resume algumas dessas mudanças.
1
Geólogo com mais de 40 anos de Petrobras, ex-diretor de exploração e produção, considerado o “descobridor” do pré-
sal.
2
Ministro do Supremo Tribunal Federal e professor da Universidade de Brasília.
28. 3
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Nos anos seguintes, a empresa buscou aumentar sua dispersão acionária e, para tal, realizou
duas ofertas públicas de ações (ordinárias e preferenciais), assim como reformulou a sua estrutura
decisória, buscando profissionalizá-la com mudanças como:
a) Redesenho interno, com a criação de unidades de negócios com a respectiva responsabilização
por resultados.
b) Aumento da transparência interna.
c) Redução de níveis hierárquicos.
d) Maior integração com as subsidiárias.
e) Determinação de que os mercados de capitais (brasileiro e internacional) seriam as principais
fontes de financiamento de longo prazo da empresa.
Em 2002, foram convocadas duas assembleias de acionistas que resultaram em mais
mudanças estatutárias, entre as quais se destacaram:
a) Alteração do nível mínimo de dividendos para preferencialistas, assim como outorga do direito
de estes elegerem um membro do Conselho de Administração.
b) Adesão às regras da Câmara de Arbitragem para a solução de conflitos societários.
c) Delimitação da atuação da auditoria externa no que se refere a outros serviços simultâneos (como
consultoria), consequência direta da Lei Sarbanes-Oxley (à qual a Petrobras estava sujeita por ter
ações negociadas no mercado acionário norte-americano).
d) Mandatos de um ano para todos os membros do Conselho de Administração.
Em 2004, novas mudanças estatutárias foram necessárias, dessa feita diante das demandas
impostas pela New York Stock Exchange e Securities Exchange Comission, quando do início da
negociação de seus American Depositary Receipts (ADRs) no mercado norte-americano.
Em 24 de setembro de 2010, a Petrobras realizou a então maior capitalização da história dos
mercados de capitais no mundo, com um valor de R$ 127 bilhões (US$ 73 bilhões, câmbio da época),
quase duas vezes maior que a segunda até então realizada (US$ 37 bilhões), pela empresa japonesa
Nippon Telegraph and Telephone, em 1987. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assim
resumiu na véspera a expectativa para aquele dia: “Mas eu queria que vocês ouvissem uma coisa que
vai acontecer no Brasil amanhã... às 10h da manhã... eu estarei na Bolsa de Valores de São Paulo...
Nós vamos fazer uma coisa que nunca aconteceu... na história do Brasil... nunca antes na história da
humanidade... nunca antes na história do capitalismo... Nós vamos capitalizar a Petrobras por conta
do pré-sal, e vai ser a maior capitalização já feita na história da humanidade... e aí, quem sabe, a
Petrobras possa até ajudar a patrocinar mais a seleção feminina de vôlei”. No dia da capitalização, o
presidente disse que queria “agradecer a Deus por... este momento... Deus foi muito generoso com o
povo brasileiro, que havia muito tempo esperava a chance de ser respeitado no mundo como nós
somos hoje... Vamos continuar aqui... Enquanto tiver aplauso e ficarmos apertando o botãozinho, as
ações vão subindo”.
Desde 2002, a Petrobras tem divulgado informações sobre seus esforços para aderir aos
segmentos de governança corporativa mais exigentes estipulados pela BM&FBovespa. O segmento
menos exigente de governança corporativa na BM&FBovespa é o denominado Tradicional3
, ao qual
a Petrobras sempre pertenceu, sem nunca ter evoluído para o segmento seguinte, denominado Nível
14
. A explicação fornecida pela área de relação com os investidores da Petrobras está baseada na Lei
do Petróleo, especificamente em pontos relacionados à possível alienação do controle da empresa
por parte da União se alterações forem efetivadas para a melhoria de sua estrutura de governança
3
Algumas empresas no Nível Tradicional ao final de 2015: All America Latina Logística S.A., Ambev S.A., Lojas
Americanas S.A., Petrobras e Suzano Holding S.A.
4
Algumas empresas no Nível 1 ao final de 2015: Banco Bradesco S.A., Itaú Unibanco Holding S.A., Gerdau S.A., OI
S.A. e Vale S.A.
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corporativa. Os demais segmentos mais exigentes da BM&FBovespa, como o Nível 25
e o Novo
Mercado6
, permanecem, portanto, fora do alcance da Petrobras nos dias de hoje, sem qualquer
previsão para adequação futura.
O mercado internacional de petróleo e gás e a Petrobras
Como a Petrobras atua no mercado de petróleo e gás, é importante entendermos como os
preços dessas commodities variaram no passado, suas consequências (recentes) sobre o valor das
ações da empresa, assim como a relevância do Brasil no mercado global (petróleo e gás) no que se
refere a reservas comprovadas, produção e utilização.
O Anexo 11 apresenta os preços médios anuais do petróleo (em US$) desde 1950 de duas
formas: (a) ajustados pela inflação (para valores de dezembro de 2015) e (b) sem ajustes (preço
nominal). Vemos que os preços ajustados do petróleo somente estiveram em patamar equivalente aos
observados no início deste século durante o final da década de 1970 e início da década de 1980.
O Anexo 12 apresenta os preços nominais médios mensais do petróleo (em US$) de março de
20117
até dezembro de 2015. Podemos observar uma forte queda do preço no segundo semestre de
2014, seguida de uma recuperação no primeiro semestre de 2015, para uma nova queda ao longo do
segundo semestre de 2015.
No Anexo 2, estão exibidos os 10 países detentores das maiores reservas comprovadas de
petróleo no mundo ao final de 2015. O Brasil era apenas o 14º colocado, com reservas comprovadas
em 13,2 bilhões de barris.
O Anexo 3 apresenta os países com as maiores reservas de gás no mundo ao final de 2015. O
Brasil não figurava entre os 10 maiores, possuindo reservas comprovadas de aproximadamente 0,5
trilhão de metros cúbicos.
O Anexo 4 traz os maiores produtores de petróleo no mundo. O Brasil encontrava-se na 11ª
posição no mundo ao final de 2014, com uma produção diária de 2 milhões de barris.
O Anexo 5 apresenta os maiores usuários de petróleo e seus derivados no mundo ao final de
2014. O Brasil se encontrava na sexta posição mundial e na segunda posição no continente
americano.
O Anexo 6 apresenta as maiores empresas do ramo de petróleo e gás no mundo por
capitalização de mercado ao final do primeiro trimestre de 2015. Para efeito de comparação, a
capitalização de mercado da Petrobras estava estimada em US$ 39 bilhões (segundo as mesmas
fontes do Anexo 6). Quatro anos antes, em março de 2011, a Petrobras era a terceira maior empresa
do ramo de petróleo e gás no mundo, com uma capitalização de mercado estimada em US$ 247
bilhões (segundo a lista Financial Times Global 500), o que implica uma redução de valor (em US$)
de quase 85% em exatos quatro anos.
O Anexo 13 apresenta a evolução dos retornos acumulados das ADRs de Petrobras (PBR-A)
entre março de 2011 e dezembro de 2015. Para efeito de comparação, os retornos acumulados do
índice do mercado acionário norte-americano S&P 500, e das ações das duas maiores empresas
petrolíferas norte-americanas – Exxon Mobil (XOM) e Chevron (CVX) –, são apresentados para o
mesmo período. É possível observar que:
a) Enquanto o S&P 500 apreciou mais de 50% no período, a valor das ADRs de Petrobras
depreciou quase 90%.
5
Algumas empresas no Nível 2 ao final de 2015: Eletropaulo S.A., Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A., Klabin S.A.,
Marcopolo S.A. e Sul America S.A.
6
Algumas empresas no Novo Mercado ao final de 2015: BM&FBovespa S.A., Cielo S.A., Embraer S.A., JBS S.A. e
Natura Cosméticos S.A.
7
Esta data foi escolhida para a análise por coincidir com o instante de maior valor da Petrobras em capitalização de
mercado (US$).
30. 5
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b) Ações das duas maiores empresas petrolíferas americanas apreciaram aproximadamente 30% até
meados de 2014, quando o preço do petróleo (em queda) derrubou seus valores. Mesmo sofrendo
com a queda do preço do petróleo, as ações da Exxon Mobil e Chevron tiveram resultados muito
superiores aos das ADRs de Petrobras.
O Anexo 14 apresenta os retornos das ações ordinárias (PETR3) e preferenciais (PETR4) de
Petrobras para o mesmo período do Anexo 13: de março de 2011 até dezembro de 2015. Para efeito
de comparação, os retornos brutos do Ibovespa e das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs,
indexadas à taxa SELIC) são apresentados no anexo, onde podemos observar que:
a) as ações da Petrobras apresentaram perdas maiores quando comparadas ao restante do mercado
acionário brasileiro (representado pelo Ibovespa);
b) o investimento em LFTs representou alternativa muito superior ao investimento em ações em
geral e, em particular, ao investimento em ações de Petrobras.
No período analisado (Anexos 13 e 14), a taxa de câmbio R$/US$ apresentou tendência
continuada de desvalorização da moeda brasileira, como exibido no Anexo 15.
O Anexo 7 ilustra para o ano de 2014 (de 12/2013 até 12/2014) as variações de valor de
mercado de seis empresas do ramo petrolífero com atuação global: duas americanas (Exxon-Mobil e
Chevron), duas europeias (Royal Dutch Shell e Total) e duas dos países chamados Brics 8
(PetroChina e Petrobras). Podemos observar que as perdas experimentadas pela Petrobras foram
substancialmente superiores às perdas das empresas norte-americanas e europeias, assim como que a
PetroChina apreciou no período considerado.
Conforme o Anexo 12, o preço do petróleo caiu significativamente no segundo semestre de
2014, o que pode ser usado para explicar parte das perdas da Petrobras, assim como no caso das
perdas das empresas norte-americanas e europeias. Por sua vez, do Anexo 15, podemos inferir que a
desvalorização acentuada da moeda brasileira diante da moeda americana impactou negativamente a
Petrobras: por exemplo, o cálculo da perda de valor da empresa na moeda brasileira nos leva ao valor
de -36,45% para 2014, enquanto, na moeda americana, ao valor de -43,96% (conforme o Anexo 7).
Governança corporativa
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) define governança corporativa como o conjunto
de práticas que tem por finalidade melhorar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as
partes interessadas (investidores, gestores e credores), facilitando o acesso ao capital necessário para
novos investimentos. Uma segunda definição possível, complementar à da CVM, é que governança
corporativa compreende o conjunto de mecanismos que protegem os investidores minoritários da
expropriação pelos acionistas controladores e gestores da empresa.
Embora a expressão corporate governance tenha ganhado força nos mercados de capitais
mundiais somente nos últimos 30 anos, a preocupação com os possíveis conflitos de interesse entre
gestores e proprietários de uma empresa pode ser extraída da leitura do trabalho seminal de Adam
Smith de 1776, A Riqueza das Nações.
Podemos citar três referências importantes para a evolução da governança corporativa nas
últimas décadas no mundo:
a) O Relatório Cadbury (Report of the Committee on the Financial Aspects of Corporate
Governance), divulgado no Reino Unido em 1992 como resposta a escândalos em empresas
britânicas, o qual acabou influenciando códigos de boa governança em vários países, inclusive no
Brasil.
b) Os princípios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
divulgados em 1999 com o objetivo de melhorar as práticas de governança corporativa no
mundo, possibilitando o desenvolvimento dos mercados de capitais e das empresas em todos os
8
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
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países. Esta publicação também apresentou impacto positivo para a compreensão e disseminação
da governança corporativa nas empresas brasileiras.
c) A Lei Sarbanes-Oxley (LSOx), promulgada em 2002 nos EUA como resposta ao colapso de
gigantes como Enron e WorldCom em função de fraudes contábeis, assim como resposta à crise
de confiança causada pelo desaparecimento da empresa de auditoria Andersen. A LSOx exige
que empresas estrangeiras listadas nas bolsas norte-americanas (como a Petrobras) estejam
submetidas a demandas específicas no que se refere a transparência, controles internos,
conformidade e gestão de riscos.
Os principais agentes responsáveis pela governança corporativa em uma empresa são:
a) a assembleia geral, responsável pela eleição ou destituição dos membros do conselho de
administração (ou seja, conselheiros), deliberação sobre qualquer aspecto relativo ao futuro da
empresa (fusão, cisão, liquidação etc.), verificação das contas dos gestores e deliberação sobre as
demonstrações financeiras. Os verdadeiros proprietários da empresa (acionistas) devem se
manifestar nesse fórum, buscando garantir que os conselheiros eleitos estejam comprometidos
com os a perpetuação e maximização do valor da empresa;
b) o conselho de administração, o principal elo entre os acionistas e os gestores da empresa. Os
membros do conselho de administração devem satisfação aos acionistas e devem defender os
interesses destes ao acompanhar e orientar os gestores da empresa. Na Petrobras, são 10 os
membros componentes do conselho de administração, sendo sete indicados pela União, e os três
restantes divididos entre os acionistas ordinários, os acionistas preferenciais e os funcionários,
cada parte com o direito a uma indicação. De modo geral, podemos colocar que o trabalho dos
conselheiros encontra suporte em alguns comitês sobre assuntos como remuneração da diretoria
executiva, planos sucessórios, responsabilidade social etc. Na Petrobras, são três os comitês de
suporte aos conselheiros da empresa;
c) a diretora executiva, responsável pela gestão diária da empresa, sendo composta pelo diretor-
presidente (CEO) e demais diretores. Os membros do conselho de administração contratam o
diretor-presidente, que, por sua vez, deve indicar os demais diretores, e assim por diante, até os
colaboradores de menor nível hierárquico. A remuneração (fixa e variável) do diretor-presidente
deve ser definida pelo conselho de administração. Na Petrobras, a diretoria executiva era
composta pelo diretor-presidente e mais sete diretores em meados de 2015, com o diretor-
presidente sendo o único gestor a tomar parte no conselho de administração;
d) o conselho fiscal, responsável por verificar, fiscalizar e avaliar os atos e contas apresentadas
pelos gestores, emitindo opiniões, sugestões e, até mesmo, podendo denunciar atos considerados
lesivos aos interesses dos acionistas da empresa;
e) a auditoria externa/independente, responsável pela verificação e análise das demonstrações
contábeis da empresa, atestando se elas retratam satisfatoriamente a situação da empresa em face
dos normativos e melhores práticas contábeis locais e internacionais, devendo recomendar
procedimentos corretivos caso desvios sejam detectados. Ao final de 2015, a responsabilidade
pela auditoria externa da Petrobras estava com a PricewaterhouseCoopers (PwC);
f) as áreas de auditoria interna, gestão de riscos corporativos e conformidade (compliance), que
operam internamente na empresa em apoio à diretoria executiva, detectando e mitigando riscos,
assim como verificando a qualidade dos controles internos em vigor na empresa. Os relatórios
produzidos pelos profissionais dessas áreas devem ser disponibilizados aos conselheiros, para
que estes possam acompanhar os problemas internos da empresa;
g) o comitê de auditoria, que exerce, entre outras atividades, aquelas relacionadas à revisão das
práticas contábeis adotadas pela diretoria executiva, monitoramento da auditoria interna,
supervisão da auditoria externa e estabelecimento de canal interno para denúncias.
Os dois principais modelos de governança corporativa praticados no mundo são o outsider
system (ou shareholder system), caracterizado pela fragmentação do capital, com acionistas
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pulverizados e longe da rotina diária da empresa, e o insider system (ou stakeholder system),
caracterizado pela presença de grandes acionistas que influenciam diretamente as atividades da
empresa. O Anexo 8 compara os pontos principais da cada um desses sistemas de governança
corporativa. Não há (do ponto de vista acadêmico) um sistema de governança corporativa que
sempre se prove superior quando comparado ao outro, desde que haja transparência (interna e
externa), o devido acompanhamento do desempenho dos conselheiros e gestores, e a consequente
responsabilização dos responsáveis por atos lesivos à empresa.
A Petrobras pode ser mais bem encaixada no modelo insider system.
Notícias ruins
As notícias ruins que atingiram a Petrobras, principalmente nos anos de 2014 e 2015,
causando elevada destruição de seu valor de mercado, foram muitas, entre as quais destacamos, neste
estudo de caso, os desvios e perdas relacionadas às refinarias Pasadena e San Lorenzo, propinas
pagas pela empresa holandesa SBM Offshore, a Operação Lava Jato, o controle de preços da
gasolina e do diesel (2011 até 2014), e as eleições presidenciais (2014).
Refinaria de Pasadena
Em 2006, o conselho de administração da Petrobras9
aprovou por unanimidade a compra de
metade da refinaria de Pasadena, localizada no estado do Texas, EUA, com capacidade de refino
diário de 120 mil barris, com a justificativa de aumentar a presença internacional da empresa na
América do Norte. Foram pagos US$ 360 milhões à petroleira belga Astra Oil por metade da
refinaria, muito embora a empresa belga a tivesse comprado no ano anterior por somente US$ 42,5
milhões. Na documentação de compra, constava uma cláusula que obrigava um sócio a comprar a
metade do outro sócio caso surgissem desentendimentos entre as partes, assim como uma segunda
cláusula que garantia à Astra Oil lucros anuais mínimos de 6,9% (em US$).
Em 2008, as duas empresas se desentendem por questões relacionadas a investimentos na
refinaria, quando a Astra Oil acionou a Petrobras na justiça americana para comprar a sua metade no
negócio. Após ser derrotada em várias instâncias da justiça americana, ficou estabelecido, em 2012,
que a Petrobras deveria desembolsar aproximadamente US$ 860 milhões, valor que incluía os
montantes estabelecidos pela câmara arbitral de Nova Iorque, despesas judiciais, diversos custos
financeiros etc.
Em 2012, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Polícia Federal e o Ministério Público
passaram a investigar a operação de compra de Pasadena por suspeita de evasão de divisas,
superfaturamento e pagamento de propinas. Para a surpresa dos acionistas da Petrobras, a ex-
presidente do conselho de administração da empresa, Dilma Rousseff, afirmou, em março de 2014,
desconhecer as duas cláusulas do contrato que tanto prejudicaram a Petrobras, apesar de ter votado
favoravelmente ao negócio. Em entrevista a jornalistas em março de 2014, a explicação dada por
Dilma Rousseff foi a seguinte: “Pegaram, fizeram toda a documentação e me enviaram, e falaram:
‘Tá tudo pronto conforme o acertado, e é para rubricar todas as páginas’. Não assinei documento
nenhum, porque não tem documento a ser assinado, eu rubriquei páginas. Não olhei porque achei
que era aquele programa. Não achei que iam colocar outro programa, o de fevereiro. Foi um erro. Os
erros, como qualquer erro humano, são bem banais, não são arquitetados... Me pediram: 'rubrica'.
Rubricar é rubricar, e eu rubriquei”. Em nota emitida também em março de 2014, a ex-presidente do
conselho de administração da Petrobras colocou que a sua decisão foi tomada baseada em um
9
Composto por Dilma Rousseff (presidente do conselho e então ministra da Casa Civil no primeiro mandato do
presidente Luís Inácio Lula da Silva), José Sérgio Gabrielli (diretor-presidente da Petrobras), Antonio Palocci (então
ministro da Fazenda), Jaques Wagner (então ministro da Secretaria de Relações Institucionais), José Eduardo Dutra (ex-
diretor-presidente da Petrobras), Gleuber Vieira (ex-comandante do Exército), Jorge Gerdau Johanpeter (empresário),
Fábio Barbosa (executivo do setor financeiro), Arthur Sendas (empresário) e Claudio Haddad (presidente do Insper/SP).