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Universidade Tuiuti do Paraná – UTP
Pós-Graduação em Cinema
Cinema Contemporâneo
Profª Drª Denize Araújo
Acadêmico Ivanir França
A INTERTEXTUALIDADE HIPER-REAL NO CINEMA: a metalinguagem
fílmico-literária em Dans La Maison
Rettung
Recheado de relações intertextuais literárias o filme de François Ozon expõem
as frustrações pessoais de seus personagens por meio do uso de simulacros. Essas
relações remetem ao espectador o contexto: “O que você quer ser „quando crescer‟?”.
O próprio título do longa nos remete à questão – Dans la Maison (Dentro da
casa) refere-se a desejos recônditos. Interioridades que são colocadas frente à plateia em
primeiro plano pelo personagem de Fabrice Luchini, professor Germain, e, com o
desenvolver do filme, cada personagem tem sua intimidade desnudada na narração do
personagem Claude.
As citações colocadas durante o filme constituem uma “teia intertextual” que
exige do espectador além da atenção às peculiaridades de cada personagem a retenção
às relações remetidas além-filme. Logo no início a fachada do Lycée Flaubert, posta no
ecrã, traz ao espectador a possibilidade de interpretar o filme a partir de análises
psicológicas e o senso de realidade sobre o comportamento social, principais
características do autor. Há, além disso, na sequência uma importante citação, a qual
pode “provar” que o longa é uma história “escrita” na mente de Germain. “[...] o
exemplo mais bem acabado de relação entre o fundo e a forma. Sobre tudo para incitar
vocês a escrever, a defender um ponto de vista, a se expressar e a contar histórias.”
(DANS LA MAISON, 2012). Essa explanação sobre Jean de La Fontaine (1621 -1695)
leva ao espectador o entendimento das conexões feitas dentro do filme, ou seja, o filme
pode ser “lido” por meio das obras literárias e, sobretudo pela visão dos autores que
passam a ser apresentadas a partir desta cena.
“[...] a ordem não é simplesmente linear: não se deixa decifrar apenas com o
próprio desfile do filme. Também é feita, [..], de saltos que fazem da
narrativa, acima de seu desenvolvimento, uma rede significante, um tecido de
fios entrecruzados em que um elemento pode pertencer a muitos circuitos.
(AUMONT, 1194, p. 108).
Contudo para compreender a essas citações é necessário que o espectador
esteja preparado para tais conexões. A menção a La Fontaine torna-se um ponto chave
para a interpretação do filme, pois trata-se de uma menção sobre o escritor das fábulas.
Ou seja, o público pode entender o longa como uma fábula, que será narrada por
Claude.
Unterbrechung
Ciente de que o filme é uma fábula o espectador interpreta-o por meio de
camadas, ou seja, há a possibilidade de buscar a compreensão na metalinguagem fílmica
e, com isso entender as sutis colocações nas entrelinhas. Há, então, a fuga do real por
meio da tela do cinema, que é citada no início do filme por Jeanne (nome da amante de
Baudelaire), mulher de Germain, e com o desenvolver do filme transpassa como real. A
discussão da história entra na sala de cinema. É a fantasia enredada, ou, a ficção sendo
vista por ela mesma. Porém esse diálogo diretor-espectador só é possível caso o
repertório de quem está frente à tela seja compatível com a leitura exposta por quem
está atrás dela.
Em consequência, se o sentido da imagem existe em função do contexto
fílmico criado pela montagem, ele também existe em função do contexto
mental do espectador, cada um reagindo de acordo com os seus gostos, a sua
instrução, a sua cultura [...]. (MARTIN, 2005, p. 34).
Por meio das interpelações literárias há a criação pelo espectador de
interpretações externas, além-filme, ou seja, o público torna-se parte da história ao
antecipar fatos e formar teses sobre ela. Segundo AUMONT (1994), o cinema tem esse
poder de ausentar o que nos é mostrado na tela. “[...] ele o “ausenta” no tempo e no
espaço, porque a cena registrada já passou e porque se desenvolveu em outro lugar que
não o da tela aonde ela vem se inscrever.” (AUMONT, 1994, p. 100).
No filme já nos primeiros frames o espectador pode “encontrar” o ausente com a
cena de apresentação do personagem: Germain. Ao chegar à escola, frente a mais um
ano letivo, ele mostra-se desconfortável com a padronização da educação, por meio da
implantação de uniformes na escola. A diretriz é encarada por ele como o “triunfo da
igualdade republicana” (DANS LA MAISON, 2012). Aqui se pode buscar “explicação”
no longa de Alan Parker – The Wall, 1981. Roteirizado por Roger Waters o filme
abrange a uniformização da educação como maneira de suprimir a veia criativa dos
estudantes. Tornando-os uma massa moldável, ou, clones sociais. Essa teoria pode ser
aplicada no início de Dans la Maison ao vermos os estudantes postos em um quadro
randômico. A tomada ao mesmo tempo em que mostra indivíduos diferentes, os torna
iguais, ou, uma “tropa de ovelhas” (DANS LA MAISON, 2012).
Ilustração1:
Fonte: DANS LA MAISON (2012).
Hoffnung
O contexto fílmico, ao qual é apresentado o personagem de Germain, traz a
persona de um escritor frustrado. Que atualmente desempenha a função de professor de
francês e literatura, em uma escola pública, e vê em seu aluno, Claude – interpretado
por Ernst Umhauer –, a chance de ver concretizado seu sonho literato. Há a aplicação da
teoria Freudiana da Projeção. A teoria aborda a Projeção como um mecanismo de
defesa no qual os desejos pessoais de um determinado indivíduo são
espelhados/repassados a outro.
A ciência psicológica passou a utilizar o conceito projeção definindo-a como
uma resposta comportamental que ocorresse em consequência a relação
sujeito-objeto – estes últimos sendo materiais ou humanos, definindo que esta
ocorre através de uma operação projetiva. Sob este prisma todas as produções
humanas, da mais involuntária a mais autônoma, manifestam alguma relação
entre experiências passadas e recentes que refletem nas respostas
comportamentais. (STEMBERG, 2004 apud FONSÊCA, 2008, p.2).
Germain encontra em Claude o talento que ele não possui para a narrativa
textual, e projeta no aluno o desejo de ser um grande escritor. O professor mostra com o
desenvolver do filme vontade extrema, não visualizada no início do longa, em que ele
mostra-se fatigado com o trabalho e sobretudo com os alunos: “O pior não é a
ignorância deles. É imaginar o amanhã, pois eles são o futuro. Os filósofos reacionários
predizem a invasão dos bárbaros. Mas eles já chegaram. Estão nas salas de aula”.
(DANS LA MAISON, 2012).
As projeções dos sonhos de Germain sobre o aluno fazem com que ele fuja de
seu dever como professor e atue como peça fundamental para o desenvolvimento das
histórias de Claude. Há então, a sugestão ao espectador de que Claude seja o alter ego,
revisitado, do professor. Quando Claude “invade” a vida/casa dos Rafa‟s e constitui os
capítulos da história cotidiana de uma família comum da classe média francesa.
Germain desdobra-se para auxiliá-lo na formatação dos capítulos da narrativa, não só o
orientando intelectualmente, mas passando por cima de regras sociais. Há aqui uma
relação com o longa de David Flincher – Fight Club (Clube da Luta), 1999. No filme,
de Flincher, os personagens de Edward Norton (narrador) e Brad Pitt (Tyler Durden)
nunca estão juntos, porém estão sempre no mesmo local.
Na película o personagem de Norton, que teoricamente é real, não possui um
nome definido – ele vive personagens, ao narrar à história – ao contrário do seu alter
ego, Tyler Durden, que assume “responsabilidades” e consequentemente a face da vida
de Norton. O mesmo acontece com Germain: ele deixa de lado sua vida e entra na
narrativa de Claude (que tem a função de narrador). Ele torna-se mais um personagem
manipulável na narrativa. Há então, a apresentação ao espectador de uma das questões
centrais do filme: o simulacro ou a hiper-realidade da vida do professor Germain.
A hiper-realidade pode ser teorizada a partir da diegese, ou seja, a história é
entendida pelo espectador como um mundo inventável. O autor constrói um universo
fictício que combina elementos para apresentar um todo. “[...] é a ficção no momento
em que, não apenas ela se concretiza, mas também se torna sua acepção. É, portanto,
mais ampla do que a da história, que ela acaba englobando: é também tudo o que a
história evoca ou provoca no espectador” (AUMONT, 2007, p.114).
O termo Simulacro, segundo o teórico Jean Baudrillard (1981), é a representação
de um mundo cópia, ou seja, a imagem “real” do que nos seria ideal. Temos então a
construção de um meio que caracteriza a realidade, em outras palavras, seria a condição
de perceber a “fantasia” acima do real. No caso do filme Germain deixa de lado a
realidade – a qual detesta – e faz questão de externar essa condição quando aceita que
suas frustrações trespassem à esposa. Ele nunca demonstra nenhuma preocupação “real”
aos conflitos profissionais de Jeanne, mas mostra-se verdadeiramente interessado pelas
opiniões dela quando essas são direcionadas aos textos de Claude. Há, portanto uma
provação textual sempre que Jeanne lê os textos. Germain transforma as críticas dela em
enredos para melhorar a narrativa do aluno.
Zerstörung
A esperança de Germain, em “ser” um grande escritor, projetada em Claude
torna-se quase um jogatina entre aluno e mestre. Contudo, essa relação apenas reforça a
tese da construção de um alter ego, pois o aluno descobre desejos e segredos do
professor antes de ele os revelar. Além disso, há uma constante “guerra” entre a
literatura clássica nas mãos de Germain e a arte moderna na galeria onde sua esposa
trabalha. Esse conflito é interiorizado à história ao ser instalado dentro da casa dos
Rafa‟s. Há uma interessante apresentação da personagem Esther. Mulher e mãe dos
rafas, ela é carregada de estereótipos da dona de casa da classe média francesa. A
personagem é apresentada por meio de suas preocupações com a decoração da casa. A
qual ela está sempre “sonhando”.
Na constituição da decoração Esther coloca na casa, entre sala e cozinha, 4
aquarelas de Paul Klee. Ela e a família ignoram o que ou de quem são as obras, até o
momento que Claude as desvenda como os anjos: Rettung (resgate), Unterbrechung
(interrupção), Hoffnung (esperança) e Zerstörung (destruição).
Com efeito, são os próprios seres e as próprias coisas que aparecem e falam,
dirigem-se aos sentidos e falam à imaginação: a uma primeira abordagem
parece que qualquer representação (o significante) coincide de forma exata e
unívoca com a informação conceitual que veicula (o significado). (MARTIN,
1971, p. 24).
Há então a quebra da harmonia dentro da casa dos Rafa‟s, ao Claude seduzir
Esther. A cena do beijo, entre Esther e Claude, é a quase-prova que o aluno é sim um
personagem ou o alter ego de Germain, em uma fábula. A entrada inesperada do
professor na casa dos Rafas durante a cena romântica mostra ao espectador um escritor
em conflito com seu texto. E, o diálogo travado, na cena, entre professor e aluno deixa
visível ao espectador essa possibilidade. Há nesse momento a concepção da figura do
vilão da história. Rafa filho - em uma proposital cena clichê - vê o beijo da mãe com o
colega de escola, escondido atrás da porta. Essa “tática” desconstrói as histórias, pois
Rafa filho não quer mais o amigo frequentado a casa. Assim Ozon fecha a história dos
Rafa‟s com a família Rafa unida e feliz, após a tragédia.
Porém o conflito entre professor e aluno ou narrador e criador é deslocado ao
centro da atenção do espectador com a sugestão de Germain sobre o final da história.
Claude propõe quatro finais para a história, mas o professor o incita com a última lição.
“O leitor precisa pensar: „não esperava por isso e ao mesmo tempo era o único modo de
terminar‟” (DANS LA MAISON, 2012). Após o diálogo, Claude revê Esther e declara a
ela seu amor, porém na conversa entre eles Ozon deixa mais uma sutil referência. Ele
deixa em aberto o conflito do personagem. Há a entrega da realidade pelas palavras de
Esther: “não é a mim que ama. É uma imagem. Uma imagem que está na sua cabeça”
(DANS LA MAISON, 2012).
Dentro da narrativa textual há a construção, simulacro, do final inesperado
anunciado por Germain. A literatura clássica, que ele defende durante todo o longa, o
derruba durante uma briga com Jeanne. Ela o atinge com um volume do clássico francês
– Voyage au bout de la nuit (1932) – além do efeito psicológico que a cena tem, ela dá
ao espectador mais uma referência para a interpretação do texto fílmico, pois o livro é
uma obra autobiográfica de Louis-Ferdinand Céline (1894 – 1932).
REFERÊNCIAS
AUMONT, Jacques. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d„Água, 1991.
COMBESSIE-SAVY, Christine. Voyage au bout de la nuit, céline, analyse.
Disponível em: <http://www.alalettre.com/celine-oeuvres-voyage.php>. Acesso em 17
abr. 2013.
DANS LA MAISON. Produção: Nicolas Altmeyer; Eric Altmeyer. Direção: François
Ozon. 2012. DVD
FIGHT CLUB, Produção: Arnon Milchan. Direção: David Fincher. 1999. DVD.
FREUD, Sigmund. Análise Terminável e Interminável. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
MOURA, Joviane. Mecanismos de defesa. 2008. Disponível em:
<http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/mecanismos-de-defesa>.
Acesso em: 08 abr. 2013.
THE WALL. Produção: Alan Marshall. Direção: Alan Parker. 1982. DVD.

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A intertextualidade hiper real no cinema - a metalinguagem fílmico-literária em dans la maison

  • 1. Universidade Tuiuti do Paraná – UTP Pós-Graduação em Cinema Cinema Contemporâneo Profª Drª Denize Araújo Acadêmico Ivanir França A INTERTEXTUALIDADE HIPER-REAL NO CINEMA: a metalinguagem fílmico-literária em Dans La Maison Rettung Recheado de relações intertextuais literárias o filme de François Ozon expõem as frustrações pessoais de seus personagens por meio do uso de simulacros. Essas relações remetem ao espectador o contexto: “O que você quer ser „quando crescer‟?”. O próprio título do longa nos remete à questão – Dans la Maison (Dentro da casa) refere-se a desejos recônditos. Interioridades que são colocadas frente à plateia em primeiro plano pelo personagem de Fabrice Luchini, professor Germain, e, com o desenvolver do filme, cada personagem tem sua intimidade desnudada na narração do personagem Claude. As citações colocadas durante o filme constituem uma “teia intertextual” que exige do espectador além da atenção às peculiaridades de cada personagem a retenção às relações remetidas além-filme. Logo no início a fachada do Lycée Flaubert, posta no ecrã, traz ao espectador a possibilidade de interpretar o filme a partir de análises psicológicas e o senso de realidade sobre o comportamento social, principais características do autor. Há, além disso, na sequência uma importante citação, a qual pode “provar” que o longa é uma história “escrita” na mente de Germain. “[...] o exemplo mais bem acabado de relação entre o fundo e a forma. Sobre tudo para incitar vocês a escrever, a defender um ponto de vista, a se expressar e a contar histórias.” (DANS LA MAISON, 2012). Essa explanação sobre Jean de La Fontaine (1621 -1695) leva ao espectador o entendimento das conexões feitas dentro do filme, ou seja, o filme pode ser “lido” por meio das obras literárias e, sobretudo pela visão dos autores que passam a ser apresentadas a partir desta cena.
  • 2. “[...] a ordem não é simplesmente linear: não se deixa decifrar apenas com o próprio desfile do filme. Também é feita, [..], de saltos que fazem da narrativa, acima de seu desenvolvimento, uma rede significante, um tecido de fios entrecruzados em que um elemento pode pertencer a muitos circuitos. (AUMONT, 1194, p. 108). Contudo para compreender a essas citações é necessário que o espectador esteja preparado para tais conexões. A menção a La Fontaine torna-se um ponto chave para a interpretação do filme, pois trata-se de uma menção sobre o escritor das fábulas. Ou seja, o público pode entender o longa como uma fábula, que será narrada por Claude. Unterbrechung Ciente de que o filme é uma fábula o espectador interpreta-o por meio de camadas, ou seja, há a possibilidade de buscar a compreensão na metalinguagem fílmica e, com isso entender as sutis colocações nas entrelinhas. Há, então, a fuga do real por meio da tela do cinema, que é citada no início do filme por Jeanne (nome da amante de Baudelaire), mulher de Germain, e com o desenvolver do filme transpassa como real. A discussão da história entra na sala de cinema. É a fantasia enredada, ou, a ficção sendo vista por ela mesma. Porém esse diálogo diretor-espectador só é possível caso o repertório de quem está frente à tela seja compatível com a leitura exposta por quem está atrás dela. Em consequência, se o sentido da imagem existe em função do contexto fílmico criado pela montagem, ele também existe em função do contexto mental do espectador, cada um reagindo de acordo com os seus gostos, a sua instrução, a sua cultura [...]. (MARTIN, 2005, p. 34). Por meio das interpelações literárias há a criação pelo espectador de interpretações externas, além-filme, ou seja, o público torna-se parte da história ao antecipar fatos e formar teses sobre ela. Segundo AUMONT (1994), o cinema tem esse poder de ausentar o que nos é mostrado na tela. “[...] ele o “ausenta” no tempo e no
  • 3. espaço, porque a cena registrada já passou e porque se desenvolveu em outro lugar que não o da tela aonde ela vem se inscrever.” (AUMONT, 1994, p. 100). No filme já nos primeiros frames o espectador pode “encontrar” o ausente com a cena de apresentação do personagem: Germain. Ao chegar à escola, frente a mais um ano letivo, ele mostra-se desconfortável com a padronização da educação, por meio da implantação de uniformes na escola. A diretriz é encarada por ele como o “triunfo da igualdade republicana” (DANS LA MAISON, 2012). Aqui se pode buscar “explicação” no longa de Alan Parker – The Wall, 1981. Roteirizado por Roger Waters o filme abrange a uniformização da educação como maneira de suprimir a veia criativa dos estudantes. Tornando-os uma massa moldável, ou, clones sociais. Essa teoria pode ser aplicada no início de Dans la Maison ao vermos os estudantes postos em um quadro randômico. A tomada ao mesmo tempo em que mostra indivíduos diferentes, os torna iguais, ou, uma “tropa de ovelhas” (DANS LA MAISON, 2012). Ilustração1: Fonte: DANS LA MAISON (2012). Hoffnung O contexto fílmico, ao qual é apresentado o personagem de Germain, traz a persona de um escritor frustrado. Que atualmente desempenha a função de professor de francês e literatura, em uma escola pública, e vê em seu aluno, Claude – interpretado por Ernst Umhauer –, a chance de ver concretizado seu sonho literato. Há a aplicação da
  • 4. teoria Freudiana da Projeção. A teoria aborda a Projeção como um mecanismo de defesa no qual os desejos pessoais de um determinado indivíduo são espelhados/repassados a outro. A ciência psicológica passou a utilizar o conceito projeção definindo-a como uma resposta comportamental que ocorresse em consequência a relação sujeito-objeto – estes últimos sendo materiais ou humanos, definindo que esta ocorre através de uma operação projetiva. Sob este prisma todas as produções humanas, da mais involuntária a mais autônoma, manifestam alguma relação entre experiências passadas e recentes que refletem nas respostas comportamentais. (STEMBERG, 2004 apud FONSÊCA, 2008, p.2). Germain encontra em Claude o talento que ele não possui para a narrativa textual, e projeta no aluno o desejo de ser um grande escritor. O professor mostra com o desenvolver do filme vontade extrema, não visualizada no início do longa, em que ele mostra-se fatigado com o trabalho e sobretudo com os alunos: “O pior não é a ignorância deles. É imaginar o amanhã, pois eles são o futuro. Os filósofos reacionários predizem a invasão dos bárbaros. Mas eles já chegaram. Estão nas salas de aula”. (DANS LA MAISON, 2012). As projeções dos sonhos de Germain sobre o aluno fazem com que ele fuja de seu dever como professor e atue como peça fundamental para o desenvolvimento das histórias de Claude. Há então, a sugestão ao espectador de que Claude seja o alter ego, revisitado, do professor. Quando Claude “invade” a vida/casa dos Rafa‟s e constitui os capítulos da história cotidiana de uma família comum da classe média francesa. Germain desdobra-se para auxiliá-lo na formatação dos capítulos da narrativa, não só o orientando intelectualmente, mas passando por cima de regras sociais. Há aqui uma relação com o longa de David Flincher – Fight Club (Clube da Luta), 1999. No filme, de Flincher, os personagens de Edward Norton (narrador) e Brad Pitt (Tyler Durden) nunca estão juntos, porém estão sempre no mesmo local. Na película o personagem de Norton, que teoricamente é real, não possui um nome definido – ele vive personagens, ao narrar à história – ao contrário do seu alter ego, Tyler Durden, que assume “responsabilidades” e consequentemente a face da vida de Norton. O mesmo acontece com Germain: ele deixa de lado sua vida e entra na narrativa de Claude (que tem a função de narrador). Ele torna-se mais um personagem manipulável na narrativa. Há então, a apresentação ao espectador de uma das questões centrais do filme: o simulacro ou a hiper-realidade da vida do professor Germain.
  • 5. A hiper-realidade pode ser teorizada a partir da diegese, ou seja, a história é entendida pelo espectador como um mundo inventável. O autor constrói um universo fictício que combina elementos para apresentar um todo. “[...] é a ficção no momento em que, não apenas ela se concretiza, mas também se torna sua acepção. É, portanto, mais ampla do que a da história, que ela acaba englobando: é também tudo o que a história evoca ou provoca no espectador” (AUMONT, 2007, p.114). O termo Simulacro, segundo o teórico Jean Baudrillard (1981), é a representação de um mundo cópia, ou seja, a imagem “real” do que nos seria ideal. Temos então a construção de um meio que caracteriza a realidade, em outras palavras, seria a condição de perceber a “fantasia” acima do real. No caso do filme Germain deixa de lado a realidade – a qual detesta – e faz questão de externar essa condição quando aceita que suas frustrações trespassem à esposa. Ele nunca demonstra nenhuma preocupação “real” aos conflitos profissionais de Jeanne, mas mostra-se verdadeiramente interessado pelas opiniões dela quando essas são direcionadas aos textos de Claude. Há, portanto uma provação textual sempre que Jeanne lê os textos. Germain transforma as críticas dela em enredos para melhorar a narrativa do aluno. Zerstörung A esperança de Germain, em “ser” um grande escritor, projetada em Claude torna-se quase um jogatina entre aluno e mestre. Contudo, essa relação apenas reforça a tese da construção de um alter ego, pois o aluno descobre desejos e segredos do professor antes de ele os revelar. Além disso, há uma constante “guerra” entre a literatura clássica nas mãos de Germain e a arte moderna na galeria onde sua esposa trabalha. Esse conflito é interiorizado à história ao ser instalado dentro da casa dos Rafa‟s. Há uma interessante apresentação da personagem Esther. Mulher e mãe dos rafas, ela é carregada de estereótipos da dona de casa da classe média francesa. A personagem é apresentada por meio de suas preocupações com a decoração da casa. A qual ela está sempre “sonhando”. Na constituição da decoração Esther coloca na casa, entre sala e cozinha, 4 aquarelas de Paul Klee. Ela e a família ignoram o que ou de quem são as obras, até o
  • 6. momento que Claude as desvenda como os anjos: Rettung (resgate), Unterbrechung (interrupção), Hoffnung (esperança) e Zerstörung (destruição). Com efeito, são os próprios seres e as próprias coisas que aparecem e falam, dirigem-se aos sentidos e falam à imaginação: a uma primeira abordagem parece que qualquer representação (o significante) coincide de forma exata e unívoca com a informação conceitual que veicula (o significado). (MARTIN, 1971, p. 24). Há então a quebra da harmonia dentro da casa dos Rafa‟s, ao Claude seduzir Esther. A cena do beijo, entre Esther e Claude, é a quase-prova que o aluno é sim um personagem ou o alter ego de Germain, em uma fábula. A entrada inesperada do professor na casa dos Rafas durante a cena romântica mostra ao espectador um escritor em conflito com seu texto. E, o diálogo travado, na cena, entre professor e aluno deixa visível ao espectador essa possibilidade. Há nesse momento a concepção da figura do vilão da história. Rafa filho - em uma proposital cena clichê - vê o beijo da mãe com o colega de escola, escondido atrás da porta. Essa “tática” desconstrói as histórias, pois Rafa filho não quer mais o amigo frequentado a casa. Assim Ozon fecha a história dos Rafa‟s com a família Rafa unida e feliz, após a tragédia. Porém o conflito entre professor e aluno ou narrador e criador é deslocado ao centro da atenção do espectador com a sugestão de Germain sobre o final da história. Claude propõe quatro finais para a história, mas o professor o incita com a última lição. “O leitor precisa pensar: „não esperava por isso e ao mesmo tempo era o único modo de terminar‟” (DANS LA MAISON, 2012). Após o diálogo, Claude revê Esther e declara a ela seu amor, porém na conversa entre eles Ozon deixa mais uma sutil referência. Ele deixa em aberto o conflito do personagem. Há a entrega da realidade pelas palavras de Esther: “não é a mim que ama. É uma imagem. Uma imagem que está na sua cabeça” (DANS LA MAISON, 2012). Dentro da narrativa textual há a construção, simulacro, do final inesperado anunciado por Germain. A literatura clássica, que ele defende durante todo o longa, o derruba durante uma briga com Jeanne. Ela o atinge com um volume do clássico francês – Voyage au bout de la nuit (1932) – além do efeito psicológico que a cena tem, ela dá ao espectador mais uma referência para a interpretação do texto fílmico, pois o livro é uma obra autobiográfica de Louis-Ferdinand Céline (1894 – 1932).
  • 7. REFERÊNCIAS AUMONT, Jacques. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995 BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d„Água, 1991. COMBESSIE-SAVY, Christine. Voyage au bout de la nuit, céline, analyse. Disponível em: <http://www.alalettre.com/celine-oeuvres-voyage.php>. Acesso em 17 abr. 2013. DANS LA MAISON. Produção: Nicolas Altmeyer; Eric Altmeyer. Direção: François Ozon. 2012. DVD FIGHT CLUB, Produção: Arnon Milchan. Direção: David Fincher. 1999. DVD. FREUD, Sigmund. Análise Terminável e Interminável. Rio de Janeiro: Imago, 1996. MOURA, Joviane. Mecanismos de defesa. 2008. Disponível em: <http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/mecanismos-de-defesa>. Acesso em: 08 abr. 2013. THE WALL. Produção: Alan Marshall. Direção: Alan Parker. 1982. DVD.