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POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA: CRIMINALIDADE, VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS
Prof Gesiel Oliveira – drgesiel.blogspot.com
1) História do sistema penal brasileiro:
1.1 - Introdução
Neste ano de 2016, o “Massacre do Carandiru”, tragédia na qual 111 detentos foram assassinados e 130
feridos pela polícia, que invadiu o local para conter uma rebelião no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São
Paulo,completa24 anosdia 2 de outubro.A tragédiafoi marcada peloexageroda força policial para controlar
a rebelião,que entrounopavilhãonão para contê-la, mas para “acabar” com ela e os presos que ali estavam.
A violência sempre esteve presente no sistema penitenciário e, mesmo após o massacre, é comum nos
depararmoscom notíciasenvolvendoviolênciae morte dentro dos presídios, seja entre os próprios detentos
ou dos agentes do Estado contra eles. A realidade carcerária do Brasil é uma mescla de condições cruéis,
desumanas ou degradantes; tortura como método de interrogatório, punição, controle, humilhação e
extorsão;a superlotaçãode presos;controle dospresídiosporfacçõescriminosas;e altos níveis de corrupção.
O surpreendente é a extensão do problema, que não é recente, ele sempre esteve presente no sistema
penitenciárionacional. Esses problemas vão desde a falta de vagas e consequente superlotação das prisões,
como a falta de estrutura básica nos estabelecimentos, má-condição do preso dentro da prisão, violência
praticada pelos agentes do Estado contra os presos, e a falta dos estabelecimentos adequados para o
cumprimento das penas definidas pela lei. Por várias vezes se vê uma tentativa do legislador de inovar em
matéria de pena, mas esse avanço acaba sendo freado pela realidade do sistema carcerário, que não
acompanha esse desenvolvimento.
A PenitenciáriadoEstado(conhecidacomumente pelobairroonde se localizava:Carandiru) emsuaorigemera
considerada uma prisão modelo para toda a nação, era assim considerada por “servir de modelo de
disciplinamento do preso como trabalhador, ajustando assim ao momento de avanço da industrialização e
urbanização pelo qual passava o Brasil e, em particular, a cidade de São Paulo”.
Mesmo considerada um modelo prisional, a Penitenciária do Estado sofria de certos males que sempre
estiveram presentes dentro da prisão. A violência é algo muito comum em ambientes como esse, a
arbitrariedade dos funcionários e responsáveis, principalmente no caso de punições disciplinares, já que a
penitenciária seguia um regime rigoroso de disciplina.
É fácil observarque a prisão,por si mesma,acaba sendoumaviolênciacontrao indivíduo; seria essa violência
estatal justificável? Além disso, a prisão tem como objetivo a ressocialização do preso na sociedade, mas é
possível dizer que ela consegue cumprir seu papel? Talvez na sociedade atual o contrário seja mais real, ao
invés de reinserir o preso na sociedade, a prisão acaba se tornando um impedimento maior para a tal
ressocialização.Nota-se atualmente umatendênciaparaa diminuiçãodoscasos de prisão e um aumento para
as chamadas penas alternativas, que visam tirar essa taxatividade do Direito Penal, tão perigosa para a
ressocialização do preso.
1.2. A origem do sistema penitenciário
O Direito Penal, até o século XVIII, era marcado por penas cruéis e desumanas, não havendo até e ntão a
privaçãode liberdade comoformade pena,massim comocustódia,garantia de que o acusado não iria fugir e
para a produção de provas por meio da tortura (forma legítima, até então), o acusado então aguardaria o
julgamento e a pena subsequente, privado de sua liberdade, em cárcere. “O encarceramento era um meio,
não era o fim da punição
Foi apenasno séculoXVIIIque apenaprivativade liberdadepassouafazerparte do rol de punições do Direito
Penal,como gradual banimentodaspenascruéise desumanas,apena de prisão passa a exercer um papel de
punição de facto, é tratada como a humanização das penas. Já segundo Foucault a mudança no meio de
punição vêm junto com as mudanças políticas da época, com a queda do antigo regime e a ascensão da
burguesiaapuniçãodeixade serum espetáculo público, já que assim incentiva-se a violência, e é agora uma
puniçãofechada,que segue regrasrígidas,portantomuda-se omeiode se fazersofrer, deixa de punir o corpo
do condenadoe passa-se a punir a sua “alma”. Essa mudança, segundo o autor, é um modo de acabar com as
puniçõesimprevisíveise ineficientesdosoberanosobre ocondenado,osreformistasconcluemque opoderde
julgar e punir deve ser melhor distribuído, deve haver proporcionalidade entre o crime e a punição já que o
poder do Estado é tipo de Poder Público.
É no fim do século XVIII que começam a surgir os primeiros projetos do que se tornariam as penitenciárias.
PrimeirocomJohnHoward (1726-1790), que após sernomeadoxerife docondadode Bedfordshire,conhece a
prisão de seu condado e decide conhecer a realidade das outras prisões da Inglaterra. É então em 1777 que
publica a primeira edição de The State of Prisons in England and Wales (tradução livre: As condições das
prisões da Inglaterra e Gales), ele faz uma crítica à realidade prisional da Inglaterra e propõe uma série de
mudanças, sendo a principal a criação de estabelecimentos específicos para a nova visão do cárcere, antes o
prisioneiro ficava na prisão aguardando a punição, a prisão tinha um caráter temporário, agora a prisão era a
punição em si, portanto as prisões por toda a Europa e Estados Unidos não tinham a infraestrutura ou eram
pensadas nessa nova realidade punitiva.
Outro autorimportante foi oinglês Jeremy Bentham (1748-1832), entre suas contribuições para a reforma do
sistema punitivo, ele era adepto de uma punição proporcional, “a disciplina dentro dos presídios deve ser
severa,aalimentaçãogrosseirae a vestimentahumilhante”,mastodo esse rigor serve para mudar o caráter e
os hábitos do delinquente. Em 1787 escreve “Panóptico”, concebido como uma penitenciária modelo, é um
conceitoemque um vigilante consegue observar todos os prisioneiros sem que estes o vejam. A prisão seria
uma estrutura circular, com as celas em sua borda, e o meio vazio se encontra a torre com o vigia
“onipresente”.
Foucault usa o panóptico em sua obra como uma metáfora para as sociedades ocidentais modernas e sua
busca peladisciplina,nomodelopanópticonãoé necessárioasgrades, correntes ou barras para a dominação,
a visibilidade permante é uma forma de poder própria, e segundo ele não só as prisões evoluíram conforme
esse modelo, mas todas as estruturas hierárquicas como escolas, hospitais, fábricas e os quartéis.
No final doséculoXVIIIe início doséculoXIXsurge na Filadélfia os primeiros presídios que seguiam o sistema
celular,ousistemadaFiladélfiacomotambemé conhecido,eraumsistema de reclusão total, no qual o preso
ficavaisoladodomundoexternoe dosoutrospresosemsua cela,que além de repouso servia para trabalho e
exercícios.
Em 1820 outro sistema surge nos Estados Unidos, conhecido como “Sistema Auburn” ou “Sistema de Nova
Iorque”,continhaumacerta similaridade comosistemadaFiladélfia,areclusãoe o isolamento absoluto, mas
neste novo sistema esta reclusão era apenas durante o período noturno. Já durante o dia as refeições e o
trabalho eram coletivos, mas impunha-se regra de silêncio, os presos não podiam se comunicar ou mesmo
trocar olhares, a vigilância era absoluta.
É em Norfolk, colônia inglesa, nasce um novo sistema prisional que combina os outros dois sistemas e cria a
progressãode pena.O regime inicialfuncionavacomooSistemada Filadélfia, ou seja, de isolamento total do
preso; após esse período inicial o preso então era submetido ao isolamento somente noturno, trabalhando
durante os dias sob a regra do silêncio (sistema de Auburn). Nesse estágio, o preso ia adquirindo “vales” e,
depois de algum tempo acumulando esses vales, poderia entrar no terceiro estágio, no qual ficaria em um
regime semelhante ao da “liberdade condicional” e, depois de cumprir determinado prazo de sua pena,
seguindo as regras do regime, obteria a liberdade em definitivo.
Após essa expêriencia em Norfolk, o sistema é levado para a Inglaterra e aperfeiçoado na Irlanda. No novo
sistema irlandês, há uma quarta fase, antes da “liberdade condicional”, na qual o preso trabalhava em um
ambiente aberto sem as restrições que um regime fechado compreende. Após esse período, vários outros
sistemas de prisão foram surgindo, como o Sistema de Montesinos na Espanha que tinha trabalho
remunerado, e previa um caráter “regenerador” na pena. Na Suíça criam um novo tipo de estabelecimento
penitenciário, em que os presos ficavam na zona rural, trabalhavam ao ar livre, eram remunerados e a
vigilância era menor.
1.3. As prisões no Brasil
O Brasil, até 1830, não tinha um Código Penal próprio por ser ainda uma colônia portuguesa, submetia-se às
OrdenaçõesFilipinas,que emseulivroV traziao rol de crimese penasque seriamaplicados no Brasil. Entre as
penas, previam-se as de morte, degrado para as galés e outros lugares, penas corporais (como açoite,
mutilação,queimaduras),confiscode bense multae aindapenascomohumilhaçãopúblicadoréu;não existia
a previsão do cerceamento e privação de liberdade, posto que as ordenações são do século XVII e os
movimentosreformistaspenitenciárioscomeçamsónofimdo séculoseguinte,osestabelecimentosprisionais
do Brasil seguiam o antigo entendimento de prisão como meio de evitar a fuga para a pena que viria e não
como fim, como pena.
Em 1824, com a nova Constituição, o Brasil começa a reformar seu sistema punitivo: bane-se as penas de
açoite, a tortura, o ferro quente e outras penas cruéis; determina-se que as cadeias devem ser “seguras,
limpas e bem arejadas havendo diversas casas para a separação dos réus, conforme a circunstâncias, e
naturezadosseuscrimes”.A aboliçãodaspenascruéisnãofoi plena,jáque os escravosaindaestavamsujeitos
a elas.
Em 1830, com o CódigoCriminal doImpério,apenade prisãoé introduzidanoBrasil em duas formas: a prisão
simplese aprisãocom trabalho(que podiaserperpétua);com o novo Código Criminal a pena de prisão passa
a ter um papel predominante no rol das penas, mas ainda se mantinham as penas de morte e de galés
(trabalhos forçados e também poderia ser perpétua). O Código não escolhe nenhum sistema penitenciário
específico, ele deixa livre a definição desse sistema e do regulamento a ser seguido a cargo dos governos
provinciais.
Em seuart. 49, já se notava a dificuldadede implantaçãodapenaprisãocomtrabalhosna realidade brasileira.
“Art. 49. Enquanto se não estabelecerem as prisões com as comodidades, e arranjos necessários para o
trabalhodosréus,as penas de prisão comtrabalho serão substituídas pela de prisão simples, acrescentando-
se em tal caso á esta mais a sexta parte do tempo, por que aquelas deveriam impor-se.”
O artigo mostra como a situação penitenciária da época era precária, o próprio Código já apresentava uma
alternativa para a pena de “prisão com trabalho”, se esta não estivesse disponível para o réu.
As penitenciáriasdoBrasil aindaeramprecáriase sofriamde variadosproblemas;em1828 a Lei Imperial de 1º
de outubro cria as Câmaras Municipais e, entre suas atribuições, têm em seu art. 56 o seguinte:
“Art. 56. Em cada reunião, nomearão uma comissão de cidadãos probos, de cinco pelo menos, a quem
encarregarãoa visitadas prisõescivis,militares,e eclesiásticas,doscárceresdosconventosdosregulares,e de
todosos estabelecimentos públicos de caridade para informarem do seu estado, e dos melhoramentos, que
precisam”.
Essas comissõesque visitavamasprisõesproduziramrelatórios de suma importância para a questão prisional
do país, trazendoa realidade lastimável dessesestabelecimentos.Oprimeirorelatóriodacidade de São Paulo,
datadoem abril de 1829 já tratava de problemasque aindahoje existem,comofaltade espaçopara os presos,
mistura entre condenados e aqueles que ainda aguardavam julgamento. Já no relatório de setembro do
mesmo ano, a situação relatada pela comissão é ainda pior.
Ao descreverosórdidoambiente, imundo e cheio de fumaça, deixa-se claro que os presos faziam pequenos
objetos(pentes,colheres)comchifresde boi.Assistênciamédicaprecária, alimentação ruim e pouca, mistura
de presos condenados e não condenados, falta de água, acúmulo de lixo fizeram a comissão concluir que tal
era “o miserável estado da Cadea capas de revoltar ao espírito menos philantropo”.
Os relatóriosdosanosseguintesapresentam, emsuamaioria,amesma realidade já apresentada, criticando a
precariedade dos estabelecimentos prisionais, constando ofensa clara à Constituição de 1824, que trazia
instituiçõesprisionais“limpas,seguras e bem arejadas...”, no relatório de 1841 a comissão já tratava a Cadeia
como uma“escolade imoralidadeerectapelasautoridades,pagapeloscofrespúblicos”.A comissãodesse ano
apresentaumolharmaiscrítico, trazendosugestões para a futura Casa de Correção de São Paulo (inaugurada
em 1852) assim como propostas imediatas, como tirar daquele ambiente os presos considerados “loucos”, a
separação dos demais presos por ambientes e a melhoria na higiene e na alimentação.
É nessaépoca que se iniciaodebate no Brasil quanto aossistemaspenitenciáriosestrangeiros,principalmente
o Sistema da Filadélfia e o Sistema de Auburn, já que no ano de 1850 e 1852 as Casas de Correção do Rio de
Janeiro e de São Paulo seriam inauguradas, respectivamente. Foram influenciadas pelo estilo panóptico
de Jeremy Bentham, notável era a preocupação em criar um ambiente favorável para o cumprimento das
penasque o Códigode 1830 trouxe (prisãosimplese prisãocomtrabalho) e para o Sistemade Auburn,que foi
escolhido para as duas prisões, elas continham oficinas de trabalho, pátios e celas individuais.
Ambasas cadeias apresentavam um quadro deslocado comparado com a situação das outras prisões do país,
elas não provocaram um mudança nas outras prisões que mantinham aquele padrão violento e com
ambientes impróprios para uma cadeia. As duas novas cadeias foram bem sucedidas considerando-as como
um sistemaúnico,masnãosuficiente para mudarem o panorama das outras prisões do Brasil, que continuou
terrível. Elas abrigavam todo tipo de preso, desde presos condenados à prisão com trabalho, prisão simples,
presos condenados às galés, presos correcionais (não sentenciados) como também vadios, mendigos,
desordeiros, índios, africanos “livres” e menores.
É a partir de 1870 que começam as críticas a Casa de Correção de São Paulo e principalmente ao sistema de
Auburnque era adotado.Até então,noBrasil,marcadopelaescravidão,osistema Auburn se encaixava muito
bem com a mentalidade da época:
“O modelo auburniano tributa suas esperanças de regeneração no trabalho fora da cela, duro e sob silêncio.
[...] Há uma concepçãoaqui de que o crime é o avessodomundodo trabalho.É pensadocomoa consequência
de um alheamento do indivídui das virtudes que o trabalho proporciona. Ócio e vícios de toda sorte o
predispõemaocrime.Paraosdefensoresdo modelo Auburn, a regeneração, assim, é menos a consequência
de uma conversão da alma que brota da meditação [Sistema da Filadélfia] e mais o resultado de um
condicionamento do corpo promovido pelo trabalho na prisão”.
O País sofria influência de várias doutrinas norte-americanas e europeias, relativas ao crime, criminoso e o
próprio sistema carcerário, essas influências lentamente influenciaram os operadores do Direito Penal no
Brasil até sua consagração em 1890 com o novo Código Penal. O sistema da Filadélfia é cogitado para ser
implantado no País por alguns defensores, mas o sistema irlandês prevalece, já que conciliava o sistema de
Auburn (em vigor até então) e o sistema da Filadélfia.
O novoCódigoaboliuaspenasde morte,penasperpétuas, açoite e as galés e previa quatro tipos de prisão: a
prisão celular, a maioria dos crimes previstos no Código tinha esse tipo de punição (art. 45); reclusão em
“fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares” destinada para os crimes políticos contra a
recém-formada República (art. 47 do Código); prisão com trabalho que era “cumprida em penitenciárias
agrícolas,para esse fimdestinadas,ouempresídiosmilitares” (art.48 doCódigo);Prisãodisciplinar “cumprida
emestabelecimentosindustriaesespeciaes, onde serão recolhidos os menores até á idade de 21 annos” (art.
49), uma inovação do Código foi o limite de 30 anos para as suas penas.
O Código, em seus arts. 45 e 50, assume claramente o Sistema Progressista Irlandês, notadamente pela
progressão de pena presente no regime prisional do mais fechado, até o regime aberto:
“Art. 45. A pena de prisão cellular será cumprida em estabelecimento especial com isolamento cellular e
trabalho obrigatorio, observadas as seguintes regras:
a) si não exceder de um anno, com isolamento cellular pela quinta parte de sua duração;
b) si exceder desse prazo, por um periodo igual a 4ª parte da duração da pena e que não poderá exceder de
dousannos;e nos periodossucessivos, com trabalho em commum, segregação nocturna e silencio durante o
dia.
Art. 50. O condemnadoa prisãocellularportempoexcedente de seisannose que houvercumpridometadeda
pena,mostrandobomcomportamento,poderásertransferidoparaalgumapenitenciariaagricola, afim de ahi
cumprir o restante da pena.
§ 1º Si não perseverar no bom comportamento, a concessão será revogada e voltará a cumprir a pena no
estabelecimento de onde sahiu.
§ 2º Si perseverar no bom comportamento, de modo a fazer presumir emenda, poderá obter livramento
condicional, comtanto que o restante da pena a cumprir não exceda de dous annos”.
Desde a promulgaçãodoCódigoCriminal de 1830, jáse percebia uma escassez de estabelecimentos próprios
para o cumprimentodaspenasprevistasno Código.A realidadenonovoCódigode 1890 é a mesma,enquanto
a maioria dos crimes previa pena de prisão celular (que envolvia trabalhos dentro do presídio) não existiam
estabelecimentosdesse tipoparaocumprimentoe haviaumdéficitde vagasenorme.Novamente olegislador
se vê obrigado a criar alternativas para o cumprimento dessas penas como se vê no art. 409:
“Art. 409. Emquanto não entrar em inteira execução o systema penitenciario, a pena de prisão cellular será
cumpridacomo a de prisãocom trabalhonos estabelecimentospenitenciariosexistentes, segundo o regimen
actual;e nos logaresemque osnão houver,seráconvertidaemprisão simples, com augmento da sexta parte
do tempo.
§ 1º A penade prisãosimplesemque forconvertidaade prisão cellular poderá ser cumprida fóra do logar do
crime,oudo domiciliodocondemnado,si nellenãoexistiremcasasde prisãocommodase seguras, devendo o
juiz designar na sentença o logar onde a pena terá de ser cumprida”.
Existiaumgrande abismoentre oque era previsto em lei com a realidade carcerária; por exemplo, no ano de
1906, foramcondenados976 presos,noestadode São Paulo,à prisão celular, existiam apenas 160 vagas para
esse tipo de prisão no estado, portanto 816 presos (90,3%) cumpriam pena em condições diversas àquela
previstanoCódigoPenal vigente.Essadisparidade entre penae lei dava-se pela grande quantidade de crimes
com previsãode penacelular,e uma absoluta falta de estabelecimentos próprios para o cumprimento dessa
pena.
O problemadafaltade vagasnas prisõesdaCapital criavaoutro grave problemade deterioração do ambiente
dos presos. E como demonstra Salla este quadro todo era agravado por uma prática comum das comarcas do
interior, a transferência dos presos para a Cadeia da Capital, quando a comarca não tinha uma prisão própria
para o cumprimento da pena. A prática torna-se tão comum que o chefe da Polícia, João Baptista de Mello
Peixoto, emite uma circular, em novembro de 1895, pedindo para os juízes priorizarem a transferência dos
presos para comarcas vizinhas em vez da Cadeia da Capital.
No final doséculoXIXoproblema penitenciário no estado de São Paulo é aparente, inicia-se um movimento
para a modernizaçãode todoosistemapenitenciário,não só dos estabelecimentos, mas também das leis e a
“criação de várias instituiçõesque comporiam uma rede de prevenção e repressão ao crime e de tratamento
ao criminoso”. Um dos envolvidos nesse projeto era o Senador Paulo Egydo do Senado paulista, ele é o
precursorde um grande projeto que modificaria todo o sistema penitenciário estadual “previa a construção,
ou adaptaçãoquandojá existentes, de casas de prisão preventiva em cada uma das circunscrições judiciárias
emque se dividiaoestado”, criaçãode novoscargos para a administraçãopenitenciária,criação de prisões no
interior, “determinava uma distribuição geográfica na administração das penas” (condenados com pena de
prisão celular por um tempo menor de oito anos cumpririam a mesma no interior, caso fosse maior,
cumpririamnaprópria capital),oprojetoaindainovacoma criação de novosprocedimentose principalmente
com a vinculação da medicina com a vida no presídio “sob a influência das ideias então predominantes na
criminologia, de desenvolver um “tratamento penitenciário”, também previa a criação de um órgão
fiscalizador dos presídios estaduais, assim como a Sociedade Protetora dos Condenados, que seria uma
espécie de ouvidoria para as reclamações do preso, assim como para acompanhar este durante o
cumprimento da pena e prestar auxílio a ele e sua família. O projeto, por ser considerado caro, acaba não
sendo aprovado.
Desde que oCódigoPenal de 1890 entraraem vigor,percebia-se a necessidade de um estabelecimento mais
adequado para o cumprimento das penas. Mas é apenas em 1905 que é aprovada uma nova lei para a
substituição da antiga penitenciária e consequente construção de uma nova. A nova penitenciária, a
PenitenciáriadoEstado,emseuprojetooriginal,de SamueldasNeves, iria conter 1.200 vagas, teriam oficinas
de trabalho, tamanho de celas adequado, assim como boa ventilação e iluminação das mesmas. O projeto
então é passado para estudo de Ramos de Azevedo, sofrendo pequenas adequações em sua estrutura e é
inaugurada em 1920, mesmo não estando completamente concluída.
1.4. Penitenciária do Estado (São Paulo) de 1920 a 1940, os anos em que fora considerada modelo: verdade
ou utopia?
Todos nós vivemos um “Sonho de Liberdade” com Morgan Freeman e Timm Robins, o experto “Andy
Dufresne”.Ofilme retrataasagruras e as feridas da alma que uma penitenciária pode proporcionar. A obra é
singular no sentido de mostrar a questão penitenciária, por assim dizer, por um ângulo diverso do que o
Estado e as doutrinas positivistas nos propõem. Não pretendemos, e como não fizemos ao longo do artigo,
defender essa ou aquela teoria sobre as prisões, apesar de muitas ideias apresentadas terem respaldo em
alguma doutrina.
Fato é que a questão suscitada – PRISÕES – sempre foi tratada de forma pouco séria, inexistindo, no plano
científico, extensasobrase estudos.Porisso,assiste razão Cavallaroe Carvalho (2000) quando disse se tratar
de uma “misériaacadêmica”.Esse desinteresse pode ter vários motivos: políticos, sociais, etnocêntricos etc.
Porém, não entraremos nas discussões acerca dos motivos que ensejaram tamanha abnegação.
A Revista Liberdades toma uma frente interessante e inovadora nesse sentido, qual seja, a de mostrar a
questãopenitenciária,de conferirsuadevidaimportância,sejanoviéspolítico(emúltimaanálise),seja noviés
científico-acadêmico (precípuo). Baseado neste intróito sobre a delicada e tênue questão social das
instituiçõesprisionais,é que buscaremos mostrar mediante pouca, porém honrosa produção científica deste
tema, os 20 (vinte) anos (período compreendido entre 1920 e 1940) que a Penitenciária do Estado foi
considerada um modelo a ser seguido.
Como a questão em comento é social, cumpre-nos salientar que existe uma doutrina que postula que a lei
penal é a mais importante de umasociedade apósasleisconstitucionais, portanto, a primeira consideração é
que a PenitenciáriadoEstadofora criada, entre outros motivos, para atender as disposições do Código Penal
de 1890. Como já abordamos a referida lei, cabe, neste momento, memorar que esta adotou o regime
progressivo de reclusão, que consistia em quatro estágios: (i) reclusão absoluta, diurna e noturna; (ii)
isolamentonoturno,comtrabalhocoletivodurante odia,masemsilêncio;(iii) cumprimentoem penitenciária
agrícola, com trabalho extramuros; e (iv) concessão de liberdade condicional ao sentenciado.
1.5. Projeto arquitetônico
A arquiteturaé outropontoque merece a devidaatenção.Édo saberpopularque toda edificaçãonecessitade
um projeto arquitetônico de forma a cumprir suas finalidades. Com a Penitenciária do Estado não foi
diferente. Havia uma necessidade óbvia dessa ordem. Diferentemente do que vivemos no Direito
Administrativo atual, apenas foi submetida a um concurso público a criação de um projeto. A execução do
projeto ficou a cargo do famoso arquiteto e engenheiro Ramos de Azevedo, que recebeu um convite para
tanto.Há divergênciaentre osestudiosos,imprensae opróprioMuseuda AdministraçãoPenitenciária de São
Paulo sobre quem foi o vencedor do concurso para a criação do projeto, confundindo-se com a autoria da
execução. O nome de maior destaque que se tem notícia é de Ramos de Azevedo (como já citado), mas há
parte da imprensaque dá a autoriado projetoà Samuel dasNeves e aexecuçãoàquele.Oque é pacífico nesta
contenda é que o projeto vencedor seguia o modelo prisional francês – ainda existente nas cidades aos
arredoresde Paris,o famoso“Labovari Fidenter”(baseadono Centre pénitentiaire de Fresnes). José Eduardo
Azevedo, citando Foucalt, observou, em contundente análise que:
“Essa visibilidade de arquitetura da prisão é uma armadilha, pois se permite a direção aos guardas vigiarem
qualquer tentativa de evasão coletiva, de projeto de novos crimes para o futuro, recorrerem à força para
obrigar o preso a cumprir as normas instituídas, induz no preso um estado consciente e permanente de
visibilidade que asseguraofuncionamentoautomáticodopoderde que elesmesmossãoportadores.A prisão,
diferente doque se convencionou conceituar, teoricamente, como local de punição e recuperação do preso,
na verdade pune e intimida. A despeito disto, o preso age compulsivamente contra esta submissão e
obediência cega. Acrescenta-se a isso a hipocrisia das autoridades que fingem ignorar esta realidade”.
1.6. Escolha do local:
São Paulo atualmente é uma das maiores cidades do mundo, sendo a maior da América Latina. É di fícil
imaginarmosque hácerca de um séculoatrás,São Paulofosse pouco habitada (apesar de já apresentar sinais
de que seria uma metrópole). O bairro do Carandiru, zona norte da capital, situa-se a 6 quilômetros de
distância do centro da cidade de São Paulo, portanto, tomadas as proporções da época, estava
perifericamenterelacionada,sendoexcluídadazonaurbana. Há argumentosde ordemtécnicapara justificara
escolha deste local, pois apesar de não estar no centro da cidade, em 1908 o bairro já dispunha de bondes
movidosàeletricidade,oque facilitariatodaa logísticade materiaise a conduçãode presos.A navegaçãopelo
Rio Tietê foi outro atrativo para a escolha do local. O bairro começara, no início do século XX, a atrair
povoamento, pois os terrenos eram vendidos a um preço baixo. Historiadores revelam que essa facilidade
imobiliária atraiu a classe média e a população operária. O bairro da escolha e os seus vizinhos tinham um
aspectorural emfunçãode características como o relevoe oisolamento da cidade pela própria natureza. Isto
demonstraque a elite paulistananãoresidianestalocalidade,onde cabe opontocríticoda questãodaescolha
do local.Autoresafirmamque a elite paulistana – como qualquer elite econômica e social – influenciou esta
escolha, pois queriam manter longe de suas vistas os martírios de uma penitenciária. Obviamente que se
resguardaramde indeléveisargumentosque seduziramatodospara justificarseuatocognitivo.Aspalavrasdo
governador do Estado no ano de 1909 (Manuel Joaquim de Albuquerque Lins) são irrefutáveis para
demonstrar com clareza esta sedução de discurso:
“(...) dirigiuogovernoassuasvistaspara o bairro de Santana, já servido de bondes, com luz elétrica e água, e
cortado pelo Tramway da Cantareira, de propriedade do Estado.
Esta últimacircunstânciainfluiudecisivamente,porque,dadaafeiçãoindustrial do novo edifício, o transporte
das matérias primas e dos produtos manufaturados, assim como a condução de presos e de soldados de
guarniçãoserãofeitospor esse caminho de ferro, a que o governo poderá dar horários mais convenientes às
necessidades penitenciárias, e prover de vagões celulares e de ramais que penetrem mesmos nos
estabelecimentos penais”.
1.7. Pedra fundamental
Voltandonotempo,especificamente em1905, a construção da PenitenciáriadoEstado foi autorizada pela Lei
267-A, de 24 de dezembro do mesmo ano. A pedra fundamental fora lançada em meio de 1911. Em face das
dificuldades políticas e técnicas encontradas, a Penitenciária do Estado foi inaugurada nove anos depois
(1920), no governo de Altino Arantes, tendo começado a funcionar cerca de três meses depois.
1.8. A penitenciária “modelo”
Cumpre-nos,antesde qualquercoisa,relembraralgunsmotivosteórico-pragmáticosque deramensejoaestas
consideraçõesbenéficasàPenitenciáriadoEstado.Osestabelecimentosprisionais,emespecial osadvindosda
época do Código Criminal de 1830, deixaram uma péssima impressão deste instituto (vide Casa de Correção
etc).Quandose tem umquadro social destese se deparacom umprojetode penitenciáriadaquelamonta,em
que – ao menosse esperava–o indivíduopresoteriaumpoucomaisde dignidade no aspecto da saúde, onde
não teriam celas com pessoas amontoadas como se objetos inanimados fossem e onde, precipuamente,
regenerar-se-iam seres humanos, de sorte que poderiam recompor o corpo social, cria-se a melhor das
expectativas.
A organizaçãolaboral foi umdos carros-chefesparaa boaopinião.Nadamelhoraosolhosda sociedade (frise-
se: a elite paulista, em especial) do que um preso trabalhando, produzindo, estando fora do estado ocioso
para pensarno cometimentode novoscrimes ou algo do gênero (pensamento ainda constante na sociedade
brasileira).Estaorganizaçãose deuemescalaindustrial,comumagrande produção de bens.Alémde auxiliara
economiapaulista,tinha-se aideia de autossustentabilidade econômica (instituições dessa natureza custam
muito ao erário público) da Penitenciária e, de forma subsidiária, ao próprio Estado, fornecendo riquezas e
produtosaos órgãos públicos. Voltando à esfera pedagógica, entendia-se que a disciplina laboral auxiliava a
própria disciplina do preso com seus pares e com a própria administração e, em um plano futuro, com a
sociedade. Outra característica positiva era, ainda na organização laboral, o cultivo de alimentos naturais via
horta cultivada pelos próprios presos e que servia o presídio em quase sua totalidade. Isto conferia ao Dr.
Franklin de Toledo Piza (diretor à época) o título de bom administrador penitenciário.
Notabilizou-se este feito (de um marketing positivo) com um artigo publicado no ano de 1912 (quase uma
décadaantesde suainauguração) por PlínioBarreto (jornalista,bacharele políticobrasileirodo século XX), no
qual advogouque a penitenciáriaeraummodelo.Registrosmostraramque,após este marketing difundido, a
Penitenciária do Estado virou parada obrigatória para o turismo, uma espécie de cartão postal para os que
visitavam São Paulo. Seu público de maior relevância foram as autoridades e personalidades nacionais e
internacionais que, além da visita, deixavam registros “padrão” de admiração. Destacam-se, entre os
visitantes:Jimenezde Asúa(grande penalistae políticoespanhol), Claude Levi-Strauss(antropólogo,professor
e filósofo,consideradoofundadordaantropologiaestruturalista) e StefanZweig(filósofo,escritor,jornalista e
dramaturgo austríaco exilado no Brasil).
1.9. A desconstrução do mito
O pontode incongruêncianapostulaçãode que forauma penitenciáriamodelo nestes 20 anos, reside em um
triste fato que acontece ainda hoje no Brasil: a omissão e manipulação de informações por parte de vários
agentessociais,principalmentedaimprensa.A penitenciária era considerada “como algo inquestionável”, ou
seja, não existiam sérias críticas destinadas àquela realidade. Fato é que nada ou quase nada fugiam aos
frígidos muros que cerceou liberdades por tanto tempo. As informações que chegavam à sociedade nem
sempre eram a verdade dos fatos, e sim “verdades” afáveis, utópicas, no mais das vezes. A título
exemplificativo, podemos citar que “as condições de encarceramento mudaram, mas não de imediato”, ou
seja, havia resquícios de prisões de outrora. Um ponto controverso – ora criticado ora agraciado, por nós
criticado – era a construção de uma biografia dos presos. Os defensores dessa prática defendem que é
necessária tal construção para analisar o perfil psicológico do preso e, a partir das considerações ali
registradas,trabalharosaspectos medicinais para sua regeneração. Os problemas que residem nessa prática
são as máculas criadas, constrangendo o preso a ficar com aquele registro por toda a sua existência,
confluindo,entretanto,de modocontrárioàregeneração.Havia uma manipulação da vida do preso, de modo
a tentar moldá-lo,demonstrandoaface autoritáriade controle dopresopeloEstado,como o que acontece no
filme “LaranjaMecânica”(A ClockworkOrange) ou,maisextensivamente,oque propunha o Grande Irmão em
“1984” (neste caso, com toda a sociedade).
As punições internas por atos de “rebeldia individual” são outro ponto de crítica. Há relatos na obra de Salla
que mostram punições de confinamento (popularmente conhecidas como “solitária”) por razões pouco
compreensíveis para tanto, como, v.g., o preso que recusou os sapatos doados pelo zelador, pois estavam
velhos, ou o preso que se recusou a trabalhar com ferramentas pesadas no “jardim” que rodeava a
PenitenciáriadoEstado.Opior: taispunições eram severas, constrangendo ainda mais o âmago de liberdade
do preso e sua dignidade de pessoa humana.
Entretanto,a diretoriadapenitenciáriaera“caridosa”ao atenderospedidosformuladosporpresose por seus
familiares,porvezesfundamentaise que jamaisdeveriamsequerserproibidos,conformetranscriçãoliteralde
passagem citada por Salla:
“Esse rapaz é conhecidíssimo dos demais perigosos ladrões que tem estado em contato com a policia de S.
Paulo.Temdezenasde passagense cumpre,atualmente,seis condenações por crime de roubo. Finalmente –
atendendo aos insistentes rogos de sua mãe, eu permitirei que ela venha visitar seu filho no dia 23 do mês
próximo de Dezembro, vésperas do Natal, procurando-me na Diretoria do Estabelecimento. É mais uma
caridade que cumprimento a lei e eu pratico sempre a caridade, quando não fere de frente a lei”.
Outra citação é fundamental para mostrar as agruras de uma penitenciária considerada “modelo”:
“Certas evoluções eram acompanhadas de canto, mas notamos o soturno das vozes, a ausência de
entusiasmo. Ao terminarem as evoluções por uma figura complicadíssima, espécie de quadro vivo ou de
apoteose, ocomandante deuosinal de dispensare cadaqual procurouum sitioonde pudessepassaraoSol da
hora de recreio. Em qualquer outro meio, os indivíduos, deixando as fileiras, formariam imediatamente
pequenosgrupose passariamaconversar,entretendo-sede qualquerassumpto. Nada disso, ali. Rompidas as
fileiras, silenciosas como dantes, cada qual sacou do bolso o cigarro já preparado e sem si aproximar dos
outros, entregou-se às delicias do tabaco”.
A liberdade de expressãoerasuprimidanaPenitenciáriadoEstado. Em análise histórico-documental, autores
afirmama existênciade movimentosde presosafimde reivindicar algo (ato de expressão natural, inerente à
pessoahumana),masnão de formaviolenta,apenasde forma petitória. Tais manifestos eram a “força motriz
deflagradora” para a imposição de punições internas (notem: em contraposição à lei penal da época), como
privação de alimentos, submissão à degradação da pessoa mediante a enclausuração por tempo
indeterminado ou, a mais branda de todas, perda de vantagens regulamentares.
A saúde dos presos é um ponto preocupante desta análise histórica. Já salientamos que um dos slogans da
“penitenciária modelo” era as edificações que atenderiam melhor à necessidade básica de saúde dos que lá
viviam ou sobreviviam. Pois bem, reside aqui um dos pontos de maior incongruência. A Penitenciária do
Estado jáantecediaoquadro deficitáriodasaúde dospresosque percebemos nestas últimas décadas. Em um
breve levantamentode ordemestatística,é notável que 12% dos presos (em uma escala de 2.000 indivíduos)
faleceram por tuberculose. O fato de a doença ser respiratória acaba por agravar seus efeitos em um local
onde muitoscompartilhamdos espaços comuns e até dos não comuns. Obviamente que, vistas as condições
da época, muitos presos já traziam a doença de fora – e que era agravada lá dentro. A responsabilidade do
Estado perante estatriste realidadeestánaausênciade umlocal própriopara o tratamento.Alémde atuarem
omissão, o Estado atuou em comissão, visto que submetia presos doentes a regimes disciplinares que
deflagravamoestopimparasuamorte,e.g.,as puniçõesinternasemcelasfechadas a pão e água e por tempo
indeterminado.
Os estágiosdo regime progressivonemsempreeramconcedidosde “ofício”pelojuiz.Muitasvezeso preso ou
seus representantes legais requeriam ao Magistrado a progressão do regime. Quando deste pedido, é de
rotinaque se expede umexamecriminológico do preso, ora requerente. No caso da Penitenciária do Estado,
taisexameseramexaradospelocompetente daáreamédicadesignadoe peladiretoria.Espera-se,doEstado –
ora aprisionador ora detentor – que adote, no mínimo, justos critérios ao expedir tal exame, reservadas as
ordenstécnicasdoinstitutoemcomento.A diretoria,durante operíodoobservado,utilizoucritériosespúrios,
quando não eram apócrifos, nos pareceres tendentes a rejeitar a maioria dos pedidos de progressão de
regime, em especial a liberdade condicional. Salla cita trecho de documento histórico que retrata com
exatidão esta situação dos critérios adotados no parecer de um preso requerente:
“(...) colérico, impulsivo, alcoólatra, não envolvendo, nesta data, elementos que atestem a sua melhoria”.
Procuramos demonstrar, nesta breve análise das questões históricas e penais das penitenciárias e seus
congêneres, a involução de um instituto cada vez mais criticado e ineficaz. Meio de defesa de um controle
social perversoporparte do braço autoritário dos modernos “Estados Democráticos de Direito” e outros com
denominações distintas, que é famigerado pelos que impõem um estado de terror por assustadoras
amostragens da evolução dos índices de criminalidade.
A liberdade é um coração que bate forte em um âmago humano. A liberdade pode ser cartesiana, pode ser
aristotélica,pode sersartreanaouaindade qualquercélebredopensarhumano.A liberdade, acima de tudo e
de todos,é o que o homemtem,aliadoàvida,de maisnecessário.Constitui-se natural e positivamente. Pode
ser imaginária ou fática. Liberdade só não pode ser suprimida, e se, em última instância, for suprimida, que
essa supressão seja feita de modo humano, de modo menos avassalador aos anseios e sentimentos.
2) Formação da norma e bens jurídicos constitucionais, aplicação e interpretação da norma penal
PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS
2.1. Noções introdutórias
O DireitoPenal temsuasbasessolidificadas nos preceitos constitucionais, por meio dos princípios e ditames
que a Constituiçãoimpõe aolegislador,visandoassegurarosdireitose garantiasfundamentaisde toda pessoa
ali previstos, orientando o Estado no exercício da aplicação da lei penal.
Entendendoprincípioscomocritériosintrodutóriosnainterpretação e aplicação inerentes a qualquer norma,
pode-se conceituá-los conforme doutrina Nucci, como "(...) uma ordenação, que se irradia e imanta os
sistemasde normas, servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito
positivo." (16), denotando portanto, como regras interpretativas que norteiam a aplicação das normas, os
quais serão apresentados nos tópicos seguintes.
2.2. Princípios em espécie
2.2.1. Princípio da reserva legal e da anterioridade
Em um contexto histórico, a doutrina entende que tais princípios têm suas raízes na Magna Carta Inglesa de
João sem Terra, do ano de 1215, na qual o art. 39 desta, conforme cita Masson, apregoava que: "(...) nenhum
homem livre poderia ser submetido à pena sem prévia lei em vigor naquela terra." (17)
O princípio da reserva legal estabelece toda a estrutura basilar das leis penais brasileiras, estando
intrinsecamente ligadoaoprincípiodaanterioridade,tendoambos,previsãolegal na CF, no art. 5º, inc. XXXIX,
o qual:"não há crime semlei anteriorque odefina,nempenasempréviacominaçãolegal"(18),bem como de
outro modo,noque dispõe CP, pelo art. 1º, caput : "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena
sem prévia cominação legal." (19)
Tais dizeresque transpõe aessênciadosprincípioselencadossãoextraídosconforme transpõe Prado, da "(...)
formulaçãolatina– Nullumcrimen,nullapoenasine praevialege(...)"(20) do filósofo alemão Feuerbach, que
pode ser entendido como, não haverá crime sem que haja prévia cominação legal.
De forma a englobar as duas previsões legais, cumpre ressaltar os entendimentos de Paulo e Alexandrino
sobre tais princípios:
Observa-se que,alémdaexigênciaexpressade lei formalparatipificarcrimese cominarsançõespenais,deflui
do dispositivo que a lei somente se aplicará, para qualificar como crime, aos atos praticados depois que ela
tenha sido publicada. Da mesma forma, a previsão legal abstrata da pena (cominação da pena) deve existir,
estar publicada, antes da conduta que será apenada. (21)
Estes princípios estabelecem acima de tudo, proibição de aplicação retroativa de lei penal maléfica ou
incriminadora, vedando também, conforme Greco entende: "(...) analogia in malam partem para criar
hipótesesque de algumaforma,venhamprejudicaroagente,sejacriandocrimes, seja incluindo novas causas
de aumento de pena (...)" (22).
Em síntese, com base nesses princípios, as leis devem ater-se a prever condutas taxativas em suas formas,
assegurando as garantias da liberdade pessoal de todo cidadão, de forma a não obstruir os preceitos
constitucionais,regulandoaaplicaçãoda norma,mantendoporfim, a segurançajurídica na imposição estatal.
2.2.2. Princípio da intervenção mínima e da ofensividade
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, prevê em seu art. 8º conforme é observado por
Capez(23) que,a lei deve somenteestabelecer penas que sejam evidentemente necessárias, entendimento
pelo qual se tem a origem assentada da intervenção mínima do Estado.
Sobre a observância que o Estado deve ter na tipificação penal, vale ressaltar o entendimento brilhante
transpostoque Beccariajá advertia,apudLopes,que:"proibirumaenorme quantidade de ações indiferentes
não é prevenir os crimes que delas possam resultar, mas criar outros novos". (24)
A atuação estatal em sua função legisladora, bem como ao interprete do Direito, devem ser dirimidos pelos
diversosprincípiosdispostosnoordenamentopátrio.Nãobastamapenasospreceitosdispostospeloprincípio
da legalidade como supracitado, mas também, outras normas que se possa valer antes da aplicação penal,
conforme já elucidado pelo princípio da fragmentariedade decorrente deste.
Nesse contexto, Masson cita decisão já proferida pelo Superior Tribunal de Justiça:
A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência
disso,a intervençãopenaldeve terocaráterfragmentário,protegendoapenasosbensmaisimportantese em
casos de lesões de maior gravidade. (25)
Nessasistemática,oDireitoPenalmostra-se comoultimaratio,conotação essatambématribuídaao princípio
em comento, que se aplica na intervenção do Estado na sociedade, tendo caráter subsidiário as normas que
visam assegurar os bens jurídicos.
Exaurindo esse entendimento primário, Muñoz Conde, citado por Greco, preleciona que:
O poderpunitivodoEstadodeve estarregidoe limitadopeloprincípiodaintervençãomínima.Comisto,quero
dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais
importantes.Asperturbaçõesmaislevesdoordenamentojurídicosãoobjeto de outros ramos do Direito. (26)
Infere-se de tais explanações que, o Direito Penal deve ser utilizado na proteção dos bens jurídicos mais
relevantes, empregando-o quando não restem outras normas que possibilitem maior eficácia sem
punibilidades extremas. Ou seja, nos dizeres de Prado: "Aparece ele como uma orientação político-criminal
restritiva do jus puniendi e deriva da própria natureza do Direito Penal e da concepção material de Estado
democrático de Direito." (27)
De outro modo, tem-se o princípio da ofensividade, ou lesividade que, encontra correlação direta com o
princípioda intervençãomínima,ouseja,oDireitoPenal é tido como ultima ratio, e em virtude disso, por ele
serão tipificadas as condutas mais lesivas aos bens jurídicos assegurados.
Outra característica é que não haja punição aos pensamentos internos não aflorados do íntimo de cada
pessoa,devendohaveraconcretizaçãodestesparaque sejamconsideradosatosilícitos.Nosdizeresde Greco,
esse princípio se expressa: "(...) pelo brocardo latino cogitations poenam nemo partitura , ou seja, ninguém
pode ser punido por aquilo que pensa ou mesmo por seus sentimentos pessoais." (28)
Assim,pode-seentenderque tal princípio no que observa Capez, tenha como função principal: "(...) limitar a
pretensão punitiva estatal, de maneira que não poderá haver proibição penal sem um conteúdo ofensivo a
bens jurídicos." (29)
2.2.3. Princípio da culpabilidade e da presunção de inocência
O art. 18 do CP prevê expressamente a aplicação desse princípio, observando que também se encontra
disposto implicitamente em diversos artigos da CF, possuindo relação direta com o princípio da intervenção
mínima, como forma de assegurar os direitos fundamentais elencados nessa.
Culpabilidade entende-se segundo cita Damásio de Jesus, " Nullum crimen sine culpa. A pena só pode ser
imposta a quem, agindo com dolo ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico e
antijurídico."(30) Tal imputaçãorecairáao indivíduoque,podendocomportar-sede forma diferente, e tendo
consciência da ilicitude do fato, não se abstém de pratica-los, sujeitando-se a aplicação das normas, como
modode punição,salvohavendocausas de exclusão da punibilidade, também chamadas de dirimentes, que
afetem ao sujeito agir de modo contrário sem que fira a lei.
Desta forma, o juízo aplicado pela ocorrência do princípio, observará como ensina Damásio de Jesus (31),
como fundamentoe medidadapena,repudiandoaresponsabilidadepenal objetiva, ou seja, reponsabilidade
penal sem culpa.
Já o princípio da presunção de inocência, está relacionado em sua essência, como oposto ao princípio da
culpabilidade,encontrandoprevisãolegal expressanaCF,no art. 5º, inc.LVII,nosseguintestermos: "ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (32).
Deste entendimento, decorre o termo jurídico in dubio pro reo , que, segundo Paulo e Alexandrino: "(...)
existindodúvidanainterpretação da lei ou na capitulação do fato, adota-se aquela que for mais favorável ao
réu." (33)
Cumpre ressaltar que, na aplicação desse princípio, não serão afastadas normas que visem medidas
cautelares, tais como prisão preventiva ou temporária disposta na nova Lei nº. 12.403, de 4 de maio de 2011,
que manteráo entendimentoanterior do Código de Processo Penal. Tais normas serão aplicadas com intuito
de assegurar questões processuais ou investigatórias, mesmo que ainda não tenha ocorrido o transito em
julgado de sentença condenatória que seja favorável ao réu.
2.2.4. Princípio da imputação pessoal e da individualização da pena
Tambémdenominadocomoprincípiodaresponsabilidadepessoal,oprincípiodaimputaçãopessoal,encontra
previsão legal no art. 5º, XLV da CF o qual convém colacionar:
XLV - nenhumapenapassaráda pessoado condenado,podendoaobrigação de reparar o dano e a decretação
do perdimentode bensser,nostermosdalei,estendidasaossucessorese contraelesexecutadas,até olimite
do valor do patrimônio transferido. (34)
Como se pode observar, as penas serão aplicadas tão somente ao condenado, sem que ocorra sua
transmissão,diferentedoque oartigo preceituaemrelaçãoàobrigação de reparar o danoque,pode estender
aos sucessores.
Sinteticamente,pode-se conceituar o principio da imputação pessoal de modo que, a culpabilidade dos atos
será imputada a quem os tenha praticado, bem como aqueles, que de alguma forma tenham incorrido em
participação, visando à punibilidade aplicada de forma individual a cada sujeito, na medida de sua ação.
De outro modo, Mason doutrina que: "(...) não se admite a punição quando se tratar de agente inimputável,
sem potencial consciência da ilicitude ou de quem não se possa exigir conduta diversa" (35)
Já, quanto ao princípio da individualização da pena, Luisi cita o magistério de Nelson Hungria que límpido o
entende como:"Retribuiromal concretodo crime,com o mal concreto da pena,naconcreta personalidade do
criminoso." (36)
Esse princípio, também possui respaldo na CF, no art. 5º, XLVI, pelo qual desenvolve segundo ensina Mason
(37), questões relativas às sanções adequadas, limites de aplicação máximos e mínimos, bem como
circunstâncias que aumentem ou diminuam sua aplicação.
Destaseleção,conforme entendimentodoutrinadoporGreco(38), o legisladorvisoudividirasdiversasformas
de aplicaçãode sanções,intrinsecamente relacionadasàmedida de importância dos bens jurídicos tutelados,
ou seja, impor o Direito Penal na proporção da lesão praticada.
2.2.5. Princípio da proporcionalidade e da limitação das penas
A proporcionalidade encontra correlação com os princípios anteriormente citados, observando que, a pena
deverá ter como parâmetro de aplicação o grau de responsabilidade do autor, funcionando como forma de
medição da imposição penal.
Conforme entendimento do STJ que observa o princípio elencado:
Na fixação da pena-base, além do respeito aos ditames legais e da avaliação criteriosa das circunstâncias
judiciais,deveserobservadooprincípiodaproporcionalidade,paraque a respostapenal sejajustae suficiente
para cumprir o papel de reprovação do ilícito. (39)
Coadunam-se comesse entendimento,os comentários de Nucci no sentido de que, "(...) as penas devem ser
harmônicas com a gravidade da infração penal cometida, não tendo cabimento o exagero, nem tampouco a
extrema liberalidade na cominação das penas nos tipos penais incriminadores." (40), ou seja, em sentido
estrito, deve haver relação entre o ilícito praticado e a medida punitiva aplicada, de modo proporcional.
Vale ressaltar, de forma a exaurir a temática Prado leciona que:
"Para a cominação e imposição da pena, agregam-se, além dos requisitos de idoneidade e necessidade, a
proporcionalidade. Pela adequação ou idoneidade, a sanção penal deve ser um instrumento capaz, apto ou
adequado à consecução da finalidade pretendida pelo legislador (adequação do meio e fim). O requisito da
necessidadesignificaque omeioescolhidoé indispensável,necessário,paraatingirofim proposto, na falta de
outro menos gravoso e de igual eficácia." (41)
Destas explanações, extrai-se a correlação ora mencionada com o princípio da individualização da pena
anteriormente explicado,pois,aproporcionalidade,quandoaplicada pelo magistrado, segundo a doutrina de
Greco (42), será imposta conforme preceitos do CP, em seu art. 68, que dispõe sobre o critério trifásico de
aplicação da pena, o que, dispõe ao juiz, meio de individualizar a pena do agente, de modo proporcional ao
ilícito por este cometido.
Em conexão,tem-se naaplicaçãodaspenas,olimite que alegislação impõe ao operador do Direito, o que, se
insere o princípio da limitação das penas, visando um "efeito cliquet" (43), em que não haja retrocesso do
legislador na cominação das penas. De modo a impor o respeito a tais regras, a CF em seu art. 5º, XLVII,
preceitua o princípio da limitação das penas. Vejamos:
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis. (44)
De modo geral, o princípio em questão tem como intuito, assegurar os direitos asseverados na CF, quanto à
dignidade da pessoa humana, orientando o legislador no implemento de novas normas punitivas do Direito
Penal, devendo observar também, os preceitos de tornar as penas proporcionais em relação aos atos
praticados, sem que se fira de algum modo, direitos já pré-estabelecidos na Constituição.
2.2.6. Princípio da humanidade e da proibição de pena indigna
A dignidade da pessoa humana está consagrada na CF como princípio fundamental em eu art. 1º, III. A
humanidade comoprincípiopenalista,encontra base nosditamesconstitucionaisemdiversosdispositivos,dos
quais se pode citar como exemplo, o art. 5º, III, o qual prevê: "ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante" (45). Da mesma forma, o inc. XLIX, também preconiza que: "é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral" (46).
Relacionado a tal princípio, encontra-se atrelado, a proibição de pena indigna, conforme o inc. XLIX
supracitado,oqual não permite penasque agridamaintegridade físicae moral dosujeito.De outro modo, em
consonância com a humanidade, tal princípio terá aplicação efetiva em todos os demais princípios citados
anteriormente.
Pode-se afirmarquantoaessarelação,segundoentendimentolecionado por Prado que: "Apresenta-se como
uma diretriz garantidora de ordem material e restritiva da lei penal, verdadeira salvaguarda da dignidade
pessoal, relacionando-se de forma estreita com os princípios da culpabilidade e da igualdade." (47).
Assim,tem-se que aimposiçãode penas,deveráobservarospreceitosconstitucionais,de modo que, não haja
aplicação penal que exceda tais limites, não impondo penas que visem tão somente à punibilidade, como
ocorreria no caso de penas de modo vexatório, humilhante e mesmo degradante em relação ao acusado. É
necessário possibilitar a correção das ações ilícitas no limite do possível, como modo de respeito às normas
legaisinerentesaqualquerpessoa,tendoointuitode inserçãodoreadaptandocondenado no convívio social,
sem que se criem sentimentos deste, de continuidade da vida criminal posteriormente ao cumprimento da
pena.
2.3- Instituições do sistema penal: Polícia, Ministério Público e Judiciário
As políciassão,no Brasil,órgãosdo Estadoque têm a finalidade constitucional de preservar a ordem pública,
de proteger pessoas e o patrimônio, e realizar a investigação e repressão dos crimes, além do controle da
violência.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 144, estabelece que a segurança pública, dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos, é exercida através dos seguintes órgãos: 1) Polícia Federal; 2) Polícia
RodoviáriaFederal;3) PolíciaFerroviáriaFederal;4) Polícias Civis; 5) Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares.
Origens:
A palavra"polícia"temorigemnotermogrego polites,de onde vêmtambémaspalavras"política"e "polidez".
Na Grécia Antiga, a pólis era a cidade-Estado e as mais poderosas e famosas eram Esparta, Atenas, Corinto e
Tebas. Os gregos chamavam de polites o cidadão que participava das tarefas administrativas, políticas e
militares da pólis.
A históriadapolíciacomo a conhecemoshoje é,noentanto,relativamente recente, não remontando além do
século 17, quando o rei francês Luís 14 cria a figura do tenente-general de polícia em Paris, no ano de 1665.
Porém, é a Inglaterra, na primeira metade do século 19, que estabelece o modelo das polícias modernas,
quando o duque de Wellington força o governo a criar um órgão de força interna para evitar a utilização do
Exército na repressão das revoltas sociais.
Desde então, a polícia tornou-se parte do Estado-nação moderno, voltada para manter a ordem interna dos
países que a constituíram. A polícia, assim, é hoje uma instituição fundamental para manter a incolumidade
das pessoas, do patrimônio e da ordem pública na sociedade moderna.
Tipos de polícia
Há vários tipos e modelos de polícia, conforme a peculiaridade e a história de cada país. As polícias de tipo
"gendarme"(termoque vemdofrancêse significa"gente de armas") sãoaspolíciasde cunho militar. Todas as
polícias militares do mundo são desse tipo e têm como base a presença ostensiva e a prevenção dos crimes.
Há ainda os tipos de polícia estatal, ainda predominantes, e os de policia privada, cada vez mais crescentes.
São comunsno mundoanglo-saxão, onde predomina o liberalismo e a cultura dos direitos civis. Esse tipo de
políciaé eminentementecivil e temcomobase a investigação.Basicamenteosmodelossão de duas ordens: o
preventivo ou ostensivo e o repressivo ou investigatório.
Polícias no Brasil
O Brasil é uma República Federativa, que reúne vários Estados. O Brasil como um todo é chamado de União
(governo federal). As divisões seguintes são os Estados (governo estadual). E os Estados se dividem em
municípios (governo municipal).
Existem órgãos policiais no âmbito da União e dos Estados. A União tem, dentre outras, a Polícia Federal e a
Polícia Rodoviária Federal, enquanto os Estados têm a Polícia Civil e a Polícia Militar. Vamos observar um
pouco de cada uma delas:
Políciasmilitares:dãoforçasde segurançapúblicade cada umadas unidades federativas. Têm como principal
função a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública nos Estados brasileiros e no Distrito Federal.
Subordinam-se,juntamentecomas polícias civis estaduais, aos governadores. São forças auxiliares e reserva
do ExércitoBrasileiroe integramoSistemade SegurançaPúblicae DefesaSocial brasileiro.CadaPolícia Militar
é comandada, em cada Estado, por um oficial superior do posto de coronel, chamado de comandante-geral.
Políciascivis:presentesemtodososEstadosda federação,sãochefiadaspordelegados-gerais,que comandam
por sua vez os delegados de polícia locais, responsáveis por cada distrito policial. Cabe à Polícia Civil dos
Estadosatuar como políciajudiciária,ou seja, auxiliando o Poder Judiciário na aplicação da lei, nos crimes de
competênciadaJustiçaEstadual.É responsávelpelasinvestigaçõesdesses delitos (excepcionalmente poderá
apurar infraçõespenaisde competênciadaJustiçaFederal,casonão hajaunidade daPolíciaFederal nolocal) e
pela instauração do inquérito policial e ações de inteligência policial.
PolíciaFederal:subordinadaaoMinistériodaJustiçae responsável porinvestigações dos crimes julgados pela
JustiçaFederal,onde também exerce afunçãode políciajudiciária.Exerce aindafunções de polícia marítima e
aeroportuária, responsável pela fiscalização de fronteiras, alfândegas e emissão de passaportes.
Polícia Rodoviária Federal: responsável pela fiscalização de trânsito e combate à criminalidade nas rodovias
federais, sendo de sua alçada os fatos gerados nessa circunscrição.
Polícia Ferroviária Federal: órgão permanente, como as demais polícias federais, organizado e mantido pela
União e estruturado em carreira. Destina-se ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
Polícia Legislativa: órgão da Câmara dos Deputados, exerce as funções de polícia judiciária e apuração de
infrações penais nas dependências da Câmara dos Deputados, além das atividades de polícia ostensiva e
preservação da ordem e do patrimônio nos edifícios da Câmara dos Deputados. É encarregada também da
segurança do presidente da Câmara e dos deputados federais.
Polícia do Exército: é a força que tem como missão zelar pelo cumprimento dos regulamentos militares.
Força Nacional e guardas municipais
A Força Nacional de SegurançaPública,subordinadaà União, é uma força de ação rápida e de ação localizada.
Por isso, não se enquadra no conceito de polícia, que deve ser uma força permanente.
As guardas municipais são responsáveis pela guarda e manutenção do patrimônio público municipal e pela
segurança dos logradouros públicos. São forças de ação localizada que, para especialistas, também não se
encaixariam no conceito de polícia.
Estruturas e problemas
Antesde 1988, as políciaspraticamente não existiam na ordem constitucional e por longo tempo eram como
um apêndice doEstadoe não parte da administração pública. A estruturação da polícia no Brasil teve notória
ingerênciadasForçasArmadas(Exército,Marinhae Aeronáutica) emsuacomposição e administração. A força
policial estatal era encarregada da "segurança interna", conceito comum em épocas ditatoriais.
Essa marca na constituição da polícia brasileira, oriunda do estigma da segurança nacional, em especial nos
períodosde governosditatoriaisnoBrasil,provocouverdadeiras"anomalias"nosistemade segurança pública
nacional.
Um dos aspectos mais discutidos na atualidade é a existência de duas polícias no âmbito estadual: Polícia
Militar (também chamada de polícia administrativa ou ostensiva), responsável pela preservação da ordem
pública através do policiamento ostensivo e preventivo, e Polícia Civil (conhecida também como polícia
judiciária), responsável pela investigação (encontrar autoria e materialidade) dos crimes que a outra polícia
não "conseguiu" prevenir, tudo para que o Ministério Público inicie a ação penal.
Para o advogadoe jornalistaHélioBicudo,"trata-se de ummodeloesgotado e que fora montado, nos anos da
ditadura militar, para a segurança do Estado, na linha da ideologia da segurança nacional". Estudiosos e
analistas criticam a forma como ficou delineada a área de segurança pública pela Constituição de 1988. Seu
artigo 144 discrimina de forma sucinta a atribuição dessas duas polícias estaduais, instituindo a
obrigatoriedade em manter duas polícias de modo "padrão" no âmbito das unidades federativas,
subordinadas aos governadores.
Essas duas polícias são constituídas, porém, com aspectos diferentes, a começar por atividades distintas,
estrutura hierárquica e disciplinar também diferente, sem contar a remuneração, que causa atrito entre os
membros das duas corporações. É importante frisar que ambas têm objetivos iguais: o controle da
criminalidade.Semasomade esforços,porém, ocontrole e o combate à criminalidade tornam-se muito mais
difíceis.
Ciclo completo de polícia
O chamado "ciclo completo de polícia" é, segundo o especialista em segurança pública Rondon Filho, a
execuçãodasfunçõesjudiciário-investigativae ostensivo-preventivapelamesma instituição policial. Para isso
tornar-se possível no Brasil, seria inevitável a reestruturação do subsistema policial através de emenda ao
texto constitucional de 1988, precisamente o artigo 144.
Estruturas policiais diferentes que atuam no mesmo espaço sobre o mesmo problema tendem a constante
rivalidade e atrito. Por isso, os altos índices atuais de criminalidade impõem a urgência de uma reforma
gerencial e da racionalização do sistema, em benefício da implantação de políticas capazes de aprimorar a
eficiênciapolicial,diminuindo a impunidade. Essa reforma deve ser compatível com os valores democráticos
de respeito aos direitos humanos e civis.
Além disso, é importante notar que as relações sociais evoluem diariamente e as instituições policiais, para
acompanhara sociedade,devemaprimorar-se paraevoluirjunto,racionalizandomeiose recursosfinanceiros,
tecnológicos,materiaise humanos,comoobjetivode melhorara prestação de serviço de segurança pública à
sociedade, de forma eficiente e eficaz.
Ministério Público
MinistérioPúblico, uma instituição com a incumbência de defender os interesses da sociedade brasileira no
seu todo, com obrigação de ser apartidária, isenta e profissional nas causas da sua competência.
A Constituição Federal, no seu artigo 127, delegou ao Ministério Público a defesa “ da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. É uma instituição de fundamental
importância nas funções jurisdicionais do Estado.
O MinistérioPúblicotemautonomiaparaorganizarassuas funçõesadministrativase independênciaparagerir
e executar o seu orçamento, estando sujeito unicamente à Constituição e à legislação vigente.
Os órgãos que compõem o Ministério Público são:
Ministério Público da União (MPU), que engloba o Ministério Público Federal;
Ministério Público do Trabalho (MPT);
Ministério Público Militar (MPM);
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDTF);
Ministérios Públicos dos Estados (MPE).
O responsável pelo Ministério Público da União e pelo Ministério Público Federal é o procurador-geral da
República, que é nomeado pelo Presidente da República após aprovação do Senado Federal.
O Ministério Público (MP) é instituição que existe há séculos em numerosos países, inclusive no Brasil, com
diferentes características e finalidades em cada um deles e ao longo do tempo. Em nosso país, teve suas
garantiase instrumentosde açãoprofundamente redefinidose ampliadospelaConstituição promulgada em 5
de outubro de 1988, ao ponto de alguns juristas dizerem que foi a instituição que mais avançou com a nova
Constituição.
A finalidadeprincipal doMinistérioPúblicoé defenderoDireitoe o interesse da sociedade. Não é função sua,
no Brasil, a defesa dos interesses de governos e de órgãos da administração pública. Esta função é da
advocacia pública. Este texto busca explicar como o Ministério Público atua.
O Ministério Público e o artigo 127 da Constituição
O artigo 127 da Constituição do Brasil é a norma jurídica que dá as linhas gerais das funções do MP. Segundo
ele,o“MinistérioPúblicoé instituiçãopermanente,essencialàfunçãojurisdicionaldoEstado,incumbindo-lhe
a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. ”
Vejamos o que isso significa.
Instituição permanente
Ao determinarque oMinistérioPúblicoé instituiçãopermanente,aConstituiçãoestabelece que ele não pode
serextintoporoutras normasjurídicasnem pode ter suas funções essenciais esvaziadas por normas jurídicas
inferiores à Constituição (pois isso seria o mesmo que o extinguir).
Essencial à função jurisdicional do Estado
De acordo com o art. 127, o MP é também essencial à função jurisdicional do Estado. Isso quer dizer que o
Ministério Público é indispensável à atividade principal do Poder Judiciário, que é a de exercer a jurisdição.
Este termo vemdostermosemlatim juris (= Direito) edicere (=dizer) e correspondeaopapel fundamental dos
juízes e tribunais, que é o de declarar o direito (“dizer o direito”) aplicável aos casos que lhes sejam
submetidos.
Apesar da forma como a Constituição associa o MP à função do Poder Judiciário, isso não significa que o
MinistérioPúblicotenhade estarpresente emtodososprocessosjudiciais. Ele intervém em um processo em
três situações, basicamente:
a) quando uma norma jurídica assim determine, de forma expressa;
b) quando a participação do MP decorra da interpretação conjunta de normas jurídicas;
c) quando ocorra a presença de uma forma especial de interesse público, ligado à sociedade e conhecido
como interesse público primário, que não é simplesmente o interesse dos órgãos da administração pública.
Exemplodaletraa acima é a Lei do Mandadode Segurança (Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009), cujo artigo 12
prevê que todo processo de mandado de segurança seja remetido para exame (que é escrito em um
documentodenominado parecer) doMinistérioPúblico,e este deve devolveroprocessonoprazo de dez dias.
Portanto,todoprocessodessaespécie deve ser enviado para avaliação do MP. Apesar disso, o representante
do MinistérioPúblicopoderáentenderque nãohápresençado interessepúblicoprimárioe devolver os autos
semse manifestarsobre olitígio.Pessoalmente,entendoque essadevoluçãosemexamedoconflito não deva
ocorrer, como regra.
O artigo 82 do Código de Processo Civil é outra norma que determina de maneira expressa casos nos quais o
Ministério Público deve acompanhar o processo:
Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I – nas causas em que há interesses de incapazes;
II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento,
declaração de ausência e disposições de última vontade;
III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há
interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Exemplo do segundo caso (letra b acima) é a participação do Ministério Público nos processos de natureza
criminal.Comose verá, a Constituição atribui ao MP papel fundamental na aplicação do direito do Estado de
puniralguémquandoeste pratique crime.Devidoaessafunção,oMinistérioPúblicodeve terconhecimento e
acompanhar todos os processos penais em andamento no Judiciário, mesmo que não apareça neles como o
autor do requerimento.
O terceirogrupode casos nos quais o Ministério Público acompanha um processo (letra c acima) é aquele no
qual ocorre a presençadointeresse públicoprimário, mesmo que não haja norma específica para determinar
esse acompanhamento. Exemplo disso são as ações que discutem algum direito ou interesse difuso, como a
defesa do ambiente, dos consumidores, do patrimônio público etc.
Atuação extrajudicial do Ministério Público
Embora a Constituiçãoassocie aatuaçãodo MinistérioPúblicoà do Poder Judiciário, como se viu acima, o MP
também age em muitos casos sem a necessidade de existir processo judicial. É o que se chama de atuação
extrajudicial.
Em diversoscasos,aliás,essaatuaçãoextrajudicial produzresultados tão ou mais eficientes do que a atuação
judicial, isto é, em processos decididos por juiz ou tribunal, principalmente por causa da demora no
julgamentodefinitivodosprocessos(a morosidadejudicial). Um dos muitos exemplos de atuação do MP sem
necessidade de processo judicial são os inquéritos civis que o MP instaura, com a finalidade de defender
interesses relevantes da sociedade.
Imagine-se,porexemplo,que oMinistérioPúblico tenha conhecimento de uma escola desrespeitar o direito
de alunose submetê-losaconstrangimentopelofatode seus responsáveis estarem em atraso no pagamento
das mensalidades.OMPpode instaurarinquéritocivilpara investigar o fato e propor à escola um acordo para
interromper a prática ilegal. Se a escola concordar, ela e o Ministério Público podem assinar um documento
denominado “termo de ajustamento de conduta” (também conhecido como TAC).
O TAC é importante instrumento de atuação do MP, previsto na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 24 de
julho de 1985, no artigo 5.º, § 6.º [o símbolo “§” lê-se como “parágrafo”]). Tem justamente a finalidade de
permitirque oMinistérioPúblicoe apessoaque feriua lei firmem compromisso para evitar novas ofensas ao
Direito e para reparar os danos que ela tenha causado, sem a necessidade de processo judicial.
Existem diversos outras situações de atuação extrajudicial do Ministério Público, que às vezes consegue
reparar casos de ofensa à lei sem a necessidade de processo judicial.
Defesa da ordem jurídica
A Constituição também atribui ao Ministério Público a “defesa da ordem jurídica”. Significa que compete à
instituiçãoatuar,sempre que fornecessárioe tivercompetênciajurídicaparaisso,como objetivode o Direito
sercorretamente aplicado.Poresse motivooMPé tradicionalmente conhecido pela expressão latina “custos
legis”, que significa “fiscal da lei”.
Nessafunção,o MinistérioPúblicotemliberdadeparaatuare para requereraoJudiciárioque profiraadecisão
que parecer mais correta ao MP, independentemente de a quem ela beneficie ou prejudique. O MP não
precisaobedeceraordensdosórgãos superioresde suacarreira,poisnãohá hierarquiaparaessafinalidade. É
o que a Constituição denomina de independência funcional, uma das principais garantias dos membros do
Ministério Público.
Isso significa que nem o chefe de cada ramo do Ministério Público (o procurador-geral), nem os órgãos
superioresdoMP(os conselhossuperiores), nem mesmo o Poder Judiciário podem, como regra, determinar
ao membro do Ministério Público como atuar em determinada situação.
Defesa do regime democrático
Na defesa do regime democrático, uma das funções mais importantes do Ministério Público é acompanhar
o processoeleitoral,paraque a escolhadosrepresentantesdopovosejafeitadamaneira correta,dopontode
vista jurídico. Com isso, busca assegurar o funcionamento legítimo da democracia representativa.
A fiscalização dos atos dos representantes do povo e de outros agentes públicos, em todos os órgãos e
entidades da administração pública, é igualmente forma que o Ministério Público adota para defender o
regime democrático, uma vez que os representantes do povo e os gestores públicos devem agir sempre na
defesa do interesse da sociedade.
Defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis
Em geral,o MinistérioPúbliconão tem a função de defender interesses estritamente individuais. Se alguém
contratar um marceneiro para serviço em sua residência e este atrasar o trabalho, por exemplo, não cabe ao
MP envolver-se nolitígioentre aspartes,poisocaso não terá dimensão suficiente para caracterizar interesse
público.
Alguns direitos, porém, mesmo no plano individual, têm relevância especial, seja porque atingem parcela
relevante da sociedade, seja porque eles mesmos envolvem interesse público. É o caso, por exemplo, do
direitoàsaúde e à vida.Se uma pessoativerdoençagrave e precisarde medicamentooutratamentoessencial
que a rede pública de saúde não forneça, poderá, em determinados casos, pedir ao Poder Judiciário que
ordene ofornecimento,poisaConstituiçãodoBrasil garante aoscidadãoso direitoàsaúde (em vários artigos,
especialmente no art. 196).
Portanto, quando está em causa algum desses interesses especiais, o Ministério Público tem legitimidade
jurídicapara adotarprovidências,judiciaisouextrajudiciais, mesmo no interesse de uma só pessoa ou de um
pequeno grupo delas. Exemplos desses interesses são os direitos das crianças e adolescentes, o direito ao
ambiente equilibrado, o direito dos consumidores, a proteção do patrimônio público, a proteção da
moralidade administrativa etc.
Não há critériopredefinidoparaidentificarquandoocorremessassituações.Elasprecisamseravaliadascasoa
caso.
Atuação do MP na área criminal
Outro dispositivo (= norma) constitucional relevante a respeito do Ministério Público é o artigo 129, inciso I.
Segundoele,cabe aoMP promovera ação penal pública,nostermosdalei.Sobre adiferençaentre açãopenal
pública e privada, veja este texto no blog.
Com base nessa determinação constitucional, é papel do Ministério Público participar de todas as fases da
atuação pública relativa à quase totalidade dos crimes. Para isso, o MP deve: (a) supervisionar o trabalho de
investigação dapolícia(e pode tambémrealizar suas próprias investigações); (b) oferecer denúncia ao Poder
Judiciário quando houver indícios e outras provas suficientes do crime e de sua autoria; (c) promover
o arquivamento da investigação, se não for o caso de promover ação penal (vide abaixo atalho para texto
sobre as providênciasque oMP pode adotar ao final de investigação criminal); (d) acompanhar todos os atos
do processocriminal;(e) aofinal doprocesso,requereraabsolvição ou a condenação do réu ou outra medida
legalmente apropriada; (f) recorrer das decisões judiciais que lhe pareçam equivocadas, para serem
reexaminadas pelo tribunal competente; (g) acompanhar o processo de execução penal, para que o réu
condenado cumpra a pena aplicada pela justiça, de forma correta.
Devidoàsua funçãoessencial de custoslegis (fiscal dalei), como mencionado acima, o Ministério Público, no
processo penal, atua de forma diferente da dos advogados. Enquanto estes precisam sempre defender seu
cliente (e deveriamfazer isso de maneira ética, embora nem sempre o façam), o Ministério Público não está
obrigado a perseguir cegamente a condenação do acusado. Além de promover o arquivamento da
investigação, quando não haja elementos suficientes para acusar, o MP pode (e deve) pedir a absolvição do
réu,se não estiverconvencidodaculpadele ouse nãohouverprovassuficientes,pode pedirdecisõesjudiciais
favoráveis ao réu, como a declaração da prescrição, e pode recorrer ou impetrar (= requerer) habeas
corpus emfavordo réu.Por issose diz,com razão, que hoje emdia, no Brasil, o Ministério Público não é mais
“acusador sistemático”.
A Constituiçãoaindaatribui aoMinistérioPúblicooutraimportante funçãonaesferacriminal,que é o controle
externodaatividade policial. Embora a maioria dos policiais brasileiros seja de mulheres e homens dignos e
dedicados,infelizmentesãofrequentes, ao longo da história, episódios de desrespeitos os mais variados aos
direitos dos cidadãos, por parte das várias polícias. Com a finalidade de reduzi-los e de cooperar para que as
polícias respeitem as leis, o MP deve realizar esse controle – e é área, por sinal, na qual o Ministério Público
ainda tem atuação deficiente.
Judiciário:
Poder Judiciário é um dos três poderes do Estado a qual é atribuída a função judiciária, ou seja, a
administração da Justiça na sociedade, através do cumprimento de normas e leis judiciais e constitucionais.
O Poder Judiciário ou Poder Judicial é constituído por ministros, desembargadores, promotores de justiça e
juízes,que têma obrigaçãode julgaraçõesou situaçõesque nãose enquadramcom as leis criadas pelo Poder
Legislativo e aprovadas pelo Poder Executivo, ou com as regras da Constituição do país.
A principal função do Poder Judiciário é defender os direitos de cada cidadão, promovendo a justiça e
resolvendo os prováveis conflitos que possam surgir na sociedade, através da investigação, apuração,
julgamento e punição.
No entanto, este poder não está unicamente centralizado nas mãos do Judiciário. A Constituição Federal
Brasileira garante meios alternativos às quais todos os cidadãos podem recorrer, como: Ministério Público,
DefensoriaPúblicae advogadosparticulares(devidamente inscritosnaOrdemdosAdvogadosdoBrasil - OAB).
A ideia do modelo de três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), que forma o Estado Democrático
Brasileiro,foi propostopelopolíticoe filósofofrancêsMontesquieu, em seu estudo sobre o Estado Moderno,
através da "teoria da separação dos poderes".
Em grande parte dos regimes democráticos contemporâneos, o Poder Judiciário é subdivido em órgãos que
atuam emáreas específicas,como: SupremoTribunalFederal; SuperiorTribunal de Justiça; TribunaisRegionais
Federais; Tribunais do Trabalho; Tribunais Eleitorais eTribunais Militares.
Por sua vez, estes órgãos são responsáveis em tratar de diferentes situações ou questões, que podem ser
classificados em:
Civis: conflitos entre pessoas físicas (todo cidadão) e pessoas jurídicas (empresas, instituições e etc).
Penais: relacionados com os mais variados tipos de crimes (homicídios, sequestros, roubos e etc).
Eleitorais: relacionado com campanhas eleitorais e às eleições.
Trabalhistas: conflitos entre empregados e patrões no âmbito do trabalho.
Federais:casosrelacionadosdiretamente ou que diz respeito a administração e organização política do país.
Militares: que envolvem as Forças Armadas - Aeronáutica, Marinha e Exército.
3)Teorias sobre a aplicação da pena e seus resultados:
3.1. TEORIA RETRIBUTIVA DA PENA (Teoria Absoluta).
A Teoria retributiva considera que a pena se esgota na idéia de pura retribuição, tem como fim a reação
punitiva, ou seja, responde ao mal constitutivo do delito com outro mal que se impõe ao autor do delito.
Esta teoriasomente pretende que oato injusto cometido pelo sujeito culpável deste, seja retribuído através
do mal que constitui a pena.EnsinaHASSEMER e MUÑOZ CONDE que existe uma variante subjetiva da Teoria
retributiva que considera que a pena deve ser também para o autor do delito uma forma de "expiación", ou
seja, uma espécie de penitência que o condenado deve cumprir para purgar (expiar) seu ato injusto e sua
culpabilidade pelo mesmo.
A teoriaretribucionista (teoria absoluta) considera que a exigência de pena deriva da idéia de justiça. Neste
diapasão, KANT exemplificava:
"Si una sociedad tuviera que disolverse y sus miembros debieran espacirse por el mundo, antes de
llevar a cabo dicha decisión el último asesino que se encontrara en prisión debería ser ejecutado
(téngaseen cuenta que Kant no cuestinaba la pena de muerte), para que así todo el mundo supiera el
valor que merecían sus hechos y se hiciera justicia, por más que obviamente si una sociedad está a
punto de perecer carezca de utilidad el hecho de que todavia se ejecute al último asesino que quedara
en sus carceles".
Menciona MUÑOZ CONDE:
"Pocas veces se há hecho valer en la historia del pensamiento la idea contenida en la frase latina "fiat
justicia, pereat mandamus" (hágase la justicia, aunque perezca el mundo) de forma tan gráfica y
contundente como en este ejemplo Kantiano de la isla."
Enfim,a penaretributivaesgotaoseusentidonomal que se fazsofrer ao delinqüente como compensação ou
expiaçãodomal do crime;nesta medida é uma doutrina puramente social-negativa que acaba por se revelar
estranha e inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinqüente e de restauração da paz jurídica da
comunidade afetadapelocrime.Emsuma,inimigade qualquer atuação preventiva e, assim, da pretensão de
controle e domínio do fenômeno da criminalidade.
3.2. TEORIAS PREVENTIVAS DA PENA (Teorias Relativas).
As teoriaspreventivasdapenasãoaquelasteoriasque atribuemàpenaacapacidade e a missão de evitar que
no futurose cometamdelitos.Podem subdividir-se em teoria preventiva especial e teoria preventiva geral.
As teoriaspreventivastambémreconhecemque,segundosua essência, a pena se traduz num mal para quem
a sofre.Mas, como instrumentopolítico-criminal destinadoaatuarno mundo,não pode a pena bastar-se com
essacaracterística, emsi mesma destituída de sentido social-positivo. Para como tal se justificar, a pena tem
de usar desse mal para alcançar a finalidade precípua de toda a política criminal, precisamente, a prevenção
ou a profilaxia criminal.
A crítica geral provenientedosadeptosdasteoriasabsolutas,que aolongodostemposmas se tem feito ouvir
às teorias relativas é a de que, aplicando-se as penas a seres humanos em nome de fins utilitários ou
pragmáticos que pretendem alcançar no contexto social, elas transformariam a pessoa humana em objeto,
dela se serviriam para a realização de finalidades heterônimas e, nesta medida, violariam a sua eminente
dignidade. Neste sentido, segundo KANT: "O homem não pode nunca ser utilizado meramente como meio
para os propósitos de outro e ser confundido com os objetos do direito das coisas, contra o que o protege a
sua personalidade inata."
Também são criticadas em virtude de justificarem a necessidade da pena para que ocorra a redução da
violência e a prática de novos crimes. Deste modo, não existiria limites ao poder do Estado, com uma certa
tendência ao "Direito penal do terror". Ou seja, quem pretendesse intimidar mediante a pena, tenderia a
reforçar este efeito, castigando tão duramente quanto possível.
3.2.1. TEORIA PREVENTIVA GERAL
A teoria preventiva geral está direcionada à generalidade dos cidadãos, esperando que a ameaça de uma
pena,e sua imposiçãoe execução, por um lado, sirva para intimidar aos delinqüentes potenciais (concepção
estrita o negativa da prevenção geral), e, por outro lado, sirva para robustecer a consciência jurídica dos
cidadãos e sua confiança e fé no Direito (concepção ampla ou positiva da prevenção geral).
Deste modo, por uma parte, a pena pode ser concebida como forma acolhida de intimidação das outras
pessoas através do sofrimento que com ela se inflige ao delinqüente e que, ao fim, as conduzirá a não
cometerem fatos criminais (prevenção geral negativa ou de intimidação).
Por outra parte,a penapode serser concebida,comoformade que o Estado se serve para manter e reforçar a
confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e,
assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a
comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, apesar de todas as violações que tenham tido lugar
(prevenção geral positiva ou de integração).
3.2.2. TEORIA PREVENTIVA ESPECIAL
A teoria preventiva especial está direcionada ao delinqüente concreto castigado com uma pena. Têm por
denominador comum a idéia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do
delinqüente,comofimde evitarque, no futuro ele cometa novos crimes. Deste modo, deve-se falar de uma
finalidade de prevenção da reincidência.
Essa teorianão buscaretribuirofato passado, senão justificar a pena com o fim de prevenir novos delitos do
autor. Portanto, diferencia-se, basicamente, da prevenção geral, em virtude de que o fato não se dirige a
coletividade.Ouseja,ofatose dirige a uma pessoa determinada que é o sujeito delinqüente. Deste modo, a
pretensão desta teoria é evitar que aquele que delinqüiu volte a delinqüir.
A doutrinadaprevençãoespecial,segundoFERRAJOLI,segue tendências, dentre elas, a "doutrina teleológica
de la diferenciación de la pena" que FRANZ VON LISZT expõe em seu célebre Programa de Marburgo (1882).
Segundo esta visão, a função da pena e a do Direito Penal é proteger bens jurídicos, incidindo na
personalidade do delinqüente através da pena, e com a finalidade de que não volte a delinqüir.
Nestatendência,aprevençãoespecial pode subdividir-se em duas grandes possibilidades, cuja diferenciação
está baseada nas distintas formas de atuar, segundo o tipo de delinqüente. Deste modo, podem ser:
prevenção positiva (ou ressocializadora) e prevenção negativa (ou inocuizadora).
A prevençãopositivapersegue aressocializaçãododelinqüente,através,da sua correção. Ela advoga por uma
pena dirigida ao tratamento do próprio delinqüente, com o propósito de incidir em sua personalidade, com
efeito de evitar sua reincidência. A finalidade da pena-tratamento é a ressocialização.
Por outro lado, a prevenção negativa, busca tanto a intimidação ou inocuização através da intimidação – do
que aindaé intimidável - ,comoa inocuizaçãomediante a privação da liberdade – dos que não são corrigíveis
nem intimidáveis. Ou seja, a prevenção especial negativa tem como fim neutralizar a possível nova ação
delitiva,daquele que delinqüiu em momento anterior, através de sua "inocuização" ou "intimidação". Busca
evitara reincidênciaatravésde técnicas,aomesmotempo,eficazese discutíveis, tais como, a pena de morte,
o isolamento etc.
3.3. TEORIAS MISTAS OU UNIFICADORAS.
As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Essa corrente tenta
recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. Deste modo, afirma MIR PUIG:
"Entende-se que aretribuição,aprevençãogeral e a prevençãoespecial são distintos aspectos de um mesmo
complexo fenômeno que é a pena".
As teorias unificadoras partem da crítica às soluções monistas (teorias absolutas e teorias
relativas) .Sustentamque essaunidimensionalidade,emumououtro sentido, mostra-se formalista e incapaz
de abranger a complexidade dos fenômenos sociais que interessam ao Direito Penal, com conseqüências
graves para a segurança e os direitos fundamentais do homem.(10) Esse é um dos argumentos básicos que
ressaltam a necessidade de adotar uma teoria que abranja a pluralidade funcional da pena.
3.3.1. TEORIAS QUE REENTRAMA IDÉIA DE RETRIBUIÇÃO.
Esta teoriadefine apenaretributivanoseiodaqual procuradar-se realização a pontos de vista de prevenção,
geral e especial;oudiferentementenoque tocaa hierarquizaçãodasperspectivasintegrantes,paratodavia se
exprimirnofundoamesmaidéia,comoo de uma penapreventivaatravésde justaretribuição.Numae noutra
formulaçãoestarápresente aconcepçãoda pena, segundo a sua essência – e nesta acepção primariamente –
como retribuição da culpa, e subsidiariamente, como instrumento de intimidação da generalidade e, na
medida possível, de ressocialização do agente.
Deste modo, no momento da sua ameaça abstrata a pena seria antes de tudo, instrumento de prevenção
geral;no momentodasua aplicaçãoelasurgiriabasicamente nasuaveste retributiva;nasuaexecuçãoefetiva,
por fim, ela visaria predominantemente fins de prevenção especial.
3.3.2. TEORIAS DA PREVENÇÃO INTEGRAL
O ponto de partida destas teorias é o de que a combinação ou unificação das finalidades da pena ocorre
exclusivamente a nível da prevenção, geral e especial, com total exclusão, por conseguinte, de qualquer
ressonância retributiva, expiatória ou compensatória. Deste ponto de vista se tentou lograr a concordância
prática possível das idéias de prevenção geral e de prevenção especial, a sua otimização à custa de mútua
compreensão,de modo a atribuir a cada uma a máxima incidência na prossecução de um ideal de prevenção
integral.
4) Persecução penal e dignidade da pessoa humana: limites da atividade persecutória.
DA PERSECUÇÃO PENAL: CONCEITOS GERAIS
4.1 Direito e sociedade
O homem não consegue viver senão em sociedade. Embora a dificuldade técnica na conceituação de
sociedade, preferimos, grosso modo, caracterizá-la como organizações de pessoas reunidas na busca de
satisfação de interesses próprios e coletivos.
Modernamente,predominano universo jurídico o entendimento de que não há sociedade sem direito. Com
efeito, tal assertiva é largamente aceita em virtude da função predominante do direito nas sociedades
contemporâneas, qual seja a função ordenadora, tanto que, em posição extremada, disserta Nader (1995,
p.31) “Direito e Sociedade são entidades congênitas e se pressupõem. O Direito não tem existência em si
próprio. Ele existe na sociedade”.
Deste modo, é comum na doutrina pátria a indicação do direito como uma das formas mais eficientes de
controle social, esse entendido como o conjunto de mecanismos de que a própria sociedade dispõe para
solução de conflitos, imposição de valores morais e todo o necessário para a possibilidade de existência de
uma coletividade.
Nesse diapasão,fácil imaginar que se cada membro de um agrupamento social fizesse o que bem quisesse e
entendesse, recorrente seria a invasão da esfera de liberdade individual pelos demais integrantes do
agrupamento, ou, ainda, por parte do ente estatal.
Assim,fácil a visualização de que incumbe ao ordenamento jurídico harmonizar as relações sociais visando à
continuidade da vida em sociedade, à defesa das liberdades individuais, em suma, ao bem estar geral da
coletividade.
4.2 Da evolução da administração da justiça
Nos primórdios do desenvolvimento da civilização dos povos, não há como falar em um Estado forte o
suficiente para impor, de forma cogente, normas jurídicas. Nessa esteira, Cintra, Dinamarco e Grinover
asseveram (2003, p.21) “não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o
cumprimento do direito, como não havia sequer as leis”.
Por conseguinte,quemdesejasse algoque outremoimpedissede obter,seja como forma de relação negocial
ou pessoal, haveria de buscar por si só, com seus esforços e na medida de seu poder, a satisfação de seus
interessessemqualquermecanismode freiooulimitaçãonessa atividade, sendo que a própria repressão aos
atos criminosos se fazia em regime de vingança privada.
Assim,inicialmente asoluçãodosconflitosapontapelareaçãodiretae pessoal do próprio interessado, sendo
este,navisãode Ovídio Baptista (2006, p.34) inegavelmente o primeiro ímpeto do homem, havendo o que o
autor chama de solução direta entre os conflitantes, sem participação de um terceiro na composição.
Este sistemaprecário,de certaforma impensável noconceitomoderno de Estado, é usualmente chamado de
auto-tutela. Em verdade, realizava seu desejo aquele que tivesse força ou poder para tanto, com ações
completamente desvinculadas, objetivamente, dos ideais de justiça.
De outrabanda, importante ressaltar a existência no ordenamento pátrio contemporâneo de casos esparsos
de reconhecimento legal da auto-tutela, como nos esforços para cessação de turbação ou esbulho da posse,
ou ainda, na seara penal, da excludente da ilicitude legítima defesa.
Outra formade composiçãodoslitígiospraticadonossistemasprimitivos,aindapermitidoe até estimulado, é
o chamado de auto-composição, através do qual um dos interessados abriria mão do bem disputado,
submeter-se-ia à vontade do outro, ou, ainda, no caso de concessão recíproca, sendo esses concernentes,
respectivamente, à desistência, submissão e transação.
Esta forma de resolução, no entanto, é desprovida de garantia de cumprimento senão pelo uso da própria
força do interessado, persistindo, assim, os inconvenientes de sua adoção.
É nesse diapasão que Cintra, Dinamarco e Grinover aduzem (2003, p.21) que:
“Quando, pouco a pouco, os indivíduos foram-se apercebendo dos males desse sistema, eles começaram a
preferir, ao invés da solução parcial de seus conflitos [...], uma solução amigável e imparcial através de
árbitros, pessoas de sua confiança mútua em quem as partes se louvam para que se resolvam os conflitos.”
Essas funçõesarbitraiseramconfiadas,emgeral,aosanciãose aos representantesde associaçõesreligiosasou
ligadasàs divindades,sendo,de qualquersorte,desprovidadaimposiçãodasdecisõesque hojecaracterizama
atividade jurisdicional.
Portanto, gradativamente, e ressaltemos que de forma não linear e lado a lado com a afirmação do ente
Estatal, consolidou-se a solução dos conflitos de forma quase exclusiva pelo Estado, havendo verdadeira
proibição do exercício da auto-tutela pelo chamado monopólio da jurisdição estatal.
Por conseguinte, se apenas o Estado administra a justiça, por meio do Poder Judiciário, elementar que em
havendo lesão de direito do cidadão, estando este impossibilitado de fazê-lo valer pelo uso da força, pode
dirigir-se aoEstado,reclamandoaprestaçãojurisdicional e,conseqüentemente,orespeitoaosseusinteresses.
Hodiernamente, a realização dessa tarefa definida como jurisdição é obtida pelo processo, definido com
clareza por Tourinho Filho (2005, p.7) como forma de composição de litígios, havendo sucessão de atos
coordenados visando à chamada composição da lide, estando completa quando o Estado-Juiz, depois de
sopesar o obtido na instrução, ditar sua resolução forçosamente.
4.3 Da norma abstrata e impessoal à concretização de seus efeitos secundários
No desempenhodaatividadejurisdicional,oEstadoregulaas relaçõesjurídicasouintersubjetivas,partindo da
premissade um dos pilaresbásicosdasfunçõesestatais,qual sejaaatividade legislativa. Desse modo, poder-
se-ia afirmar que são estabelecidas normas jurídicas, fundadas no senso comum, regendo as mais variadas
relações que necessitam de proteção ou reconhecimento estatal, definindo o lícito ou o ilícito, atribuindo
direitos,poderes, deveres, faculdades, consistindo, segundo Cintra, Dinamarco e Grinover (2003, p. 18), em:
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Políticas públicas de segurança

  • 1. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA: CRIMINALIDADE, VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS Prof Gesiel Oliveira – drgesiel.blogspot.com 1) História do sistema penal brasileiro: 1.1 - Introdução Neste ano de 2016, o “Massacre do Carandiru”, tragédia na qual 111 detentos foram assassinados e 130 feridos pela polícia, que invadiu o local para conter uma rebelião no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo,completa24 anosdia 2 de outubro.A tragédiafoi marcada peloexageroda força policial para controlar a rebelião,que entrounopavilhãonão para contê-la, mas para “acabar” com ela e os presos que ali estavam. A violência sempre esteve presente no sistema penitenciário e, mesmo após o massacre, é comum nos depararmoscom notíciasenvolvendoviolênciae morte dentro dos presídios, seja entre os próprios detentos ou dos agentes do Estado contra eles. A realidade carcerária do Brasil é uma mescla de condições cruéis, desumanas ou degradantes; tortura como método de interrogatório, punição, controle, humilhação e extorsão;a superlotaçãode presos;controle dospresídiosporfacçõescriminosas;e altos níveis de corrupção. O surpreendente é a extensão do problema, que não é recente, ele sempre esteve presente no sistema penitenciárionacional. Esses problemas vão desde a falta de vagas e consequente superlotação das prisões, como a falta de estrutura básica nos estabelecimentos, má-condição do preso dentro da prisão, violência praticada pelos agentes do Estado contra os presos, e a falta dos estabelecimentos adequados para o cumprimento das penas definidas pela lei. Por várias vezes se vê uma tentativa do legislador de inovar em matéria de pena, mas esse avanço acaba sendo freado pela realidade do sistema carcerário, que não acompanha esse desenvolvimento. A PenitenciáriadoEstado(conhecidacomumente pelobairroonde se localizava:Carandiru) emsuaorigemera considerada uma prisão modelo para toda a nação, era assim considerada por “servir de modelo de disciplinamento do preso como trabalhador, ajustando assim ao momento de avanço da industrialização e urbanização pelo qual passava o Brasil e, em particular, a cidade de São Paulo”. Mesmo considerada um modelo prisional, a Penitenciária do Estado sofria de certos males que sempre estiveram presentes dentro da prisão. A violência é algo muito comum em ambientes como esse, a arbitrariedade dos funcionários e responsáveis, principalmente no caso de punições disciplinares, já que a penitenciária seguia um regime rigoroso de disciplina. É fácil observarque a prisão,por si mesma,acaba sendoumaviolênciacontrao indivíduo; seria essa violência estatal justificável? Além disso, a prisão tem como objetivo a ressocialização do preso na sociedade, mas é possível dizer que ela consegue cumprir seu papel? Talvez na sociedade atual o contrário seja mais real, ao invés de reinserir o preso na sociedade, a prisão acaba se tornando um impedimento maior para a tal ressocialização.Nota-se atualmente umatendênciaparaa diminuiçãodoscasos de prisão e um aumento para as chamadas penas alternativas, que visam tirar essa taxatividade do Direito Penal, tão perigosa para a ressocialização do preso. 1.2. A origem do sistema penitenciário O Direito Penal, até o século XVIII, era marcado por penas cruéis e desumanas, não havendo até e ntão a privaçãode liberdade comoformade pena,massim comocustódia,garantia de que o acusado não iria fugir e para a produção de provas por meio da tortura (forma legítima, até então), o acusado então aguardaria o julgamento e a pena subsequente, privado de sua liberdade, em cárcere. “O encarceramento era um meio, não era o fim da punição Foi apenasno séculoXVIIIque apenaprivativade liberdadepassouafazerparte do rol de punições do Direito Penal,como gradual banimentodaspenascruéise desumanas,apena de prisão passa a exercer um papel de punição de facto, é tratada como a humanização das penas. Já segundo Foucault a mudança no meio de punição vêm junto com as mudanças políticas da época, com a queda do antigo regime e a ascensão da burguesiaapuniçãodeixade serum espetáculo público, já que assim incentiva-se a violência, e é agora uma puniçãofechada,que segue regrasrígidas,portantomuda-se omeiode se fazersofrer, deixa de punir o corpo do condenadoe passa-se a punir a sua “alma”. Essa mudança, segundo o autor, é um modo de acabar com as puniçõesimprevisíveise ineficientesdosoberanosobre ocondenado,osreformistasconcluemque opoderde julgar e punir deve ser melhor distribuído, deve haver proporcionalidade entre o crime e a punição já que o poder do Estado é tipo de Poder Público. É no fim do século XVIII que começam a surgir os primeiros projetos do que se tornariam as penitenciárias. PrimeirocomJohnHoward (1726-1790), que após sernomeadoxerife docondadode Bedfordshire,conhece a prisão de seu condado e decide conhecer a realidade das outras prisões da Inglaterra. É então em 1777 que
  • 2. publica a primeira edição de The State of Prisons in England and Wales (tradução livre: As condições das prisões da Inglaterra e Gales), ele faz uma crítica à realidade prisional da Inglaterra e propõe uma série de mudanças, sendo a principal a criação de estabelecimentos específicos para a nova visão do cárcere, antes o prisioneiro ficava na prisão aguardando a punição, a prisão tinha um caráter temporário, agora a prisão era a punição em si, portanto as prisões por toda a Europa e Estados Unidos não tinham a infraestrutura ou eram pensadas nessa nova realidade punitiva. Outro autorimportante foi oinglês Jeremy Bentham (1748-1832), entre suas contribuições para a reforma do sistema punitivo, ele era adepto de uma punição proporcional, “a disciplina dentro dos presídios deve ser severa,aalimentaçãogrosseirae a vestimentahumilhante”,mastodo esse rigor serve para mudar o caráter e os hábitos do delinquente. Em 1787 escreve “Panóptico”, concebido como uma penitenciária modelo, é um conceitoemque um vigilante consegue observar todos os prisioneiros sem que estes o vejam. A prisão seria uma estrutura circular, com as celas em sua borda, e o meio vazio se encontra a torre com o vigia “onipresente”. Foucault usa o panóptico em sua obra como uma metáfora para as sociedades ocidentais modernas e sua busca peladisciplina,nomodelopanópticonãoé necessárioasgrades, correntes ou barras para a dominação, a visibilidade permante é uma forma de poder própria, e segundo ele não só as prisões evoluíram conforme esse modelo, mas todas as estruturas hierárquicas como escolas, hospitais, fábricas e os quartéis. No final doséculoXVIIIe início doséculoXIXsurge na Filadélfia os primeiros presídios que seguiam o sistema celular,ousistemadaFiladélfiacomotambemé conhecido,eraumsistema de reclusão total, no qual o preso ficavaisoladodomundoexternoe dosoutrospresosemsua cela,que além de repouso servia para trabalho e exercícios. Em 1820 outro sistema surge nos Estados Unidos, conhecido como “Sistema Auburn” ou “Sistema de Nova Iorque”,continhaumacerta similaridade comosistemadaFiladélfia,areclusãoe o isolamento absoluto, mas neste novo sistema esta reclusão era apenas durante o período noturno. Já durante o dia as refeições e o trabalho eram coletivos, mas impunha-se regra de silêncio, os presos não podiam se comunicar ou mesmo trocar olhares, a vigilância era absoluta. É em Norfolk, colônia inglesa, nasce um novo sistema prisional que combina os outros dois sistemas e cria a progressãode pena.O regime inicialfuncionavacomooSistemada Filadélfia, ou seja, de isolamento total do preso; após esse período inicial o preso então era submetido ao isolamento somente noturno, trabalhando durante os dias sob a regra do silêncio (sistema de Auburn). Nesse estágio, o preso ia adquirindo “vales” e, depois de algum tempo acumulando esses vales, poderia entrar no terceiro estágio, no qual ficaria em um regime semelhante ao da “liberdade condicional” e, depois de cumprir determinado prazo de sua pena, seguindo as regras do regime, obteria a liberdade em definitivo. Após essa expêriencia em Norfolk, o sistema é levado para a Inglaterra e aperfeiçoado na Irlanda. No novo sistema irlandês, há uma quarta fase, antes da “liberdade condicional”, na qual o preso trabalhava em um ambiente aberto sem as restrições que um regime fechado compreende. Após esse período, vários outros sistemas de prisão foram surgindo, como o Sistema de Montesinos na Espanha que tinha trabalho remunerado, e previa um caráter “regenerador” na pena. Na Suíça criam um novo tipo de estabelecimento penitenciário, em que os presos ficavam na zona rural, trabalhavam ao ar livre, eram remunerados e a vigilância era menor. 1.3. As prisões no Brasil O Brasil, até 1830, não tinha um Código Penal próprio por ser ainda uma colônia portuguesa, submetia-se às OrdenaçõesFilipinas,que emseulivroV traziao rol de crimese penasque seriamaplicados no Brasil. Entre as penas, previam-se as de morte, degrado para as galés e outros lugares, penas corporais (como açoite, mutilação,queimaduras),confiscode bense multae aindapenascomohumilhaçãopúblicadoréu;não existia a previsão do cerceamento e privação de liberdade, posto que as ordenações são do século XVII e os movimentosreformistaspenitenciárioscomeçamsónofimdo séculoseguinte,osestabelecimentosprisionais do Brasil seguiam o antigo entendimento de prisão como meio de evitar a fuga para a pena que viria e não como fim, como pena. Em 1824, com a nova Constituição, o Brasil começa a reformar seu sistema punitivo: bane-se as penas de açoite, a tortura, o ferro quente e outras penas cruéis; determina-se que as cadeias devem ser “seguras, limpas e bem arejadas havendo diversas casas para a separação dos réus, conforme a circunstâncias, e naturezadosseuscrimes”.A aboliçãodaspenascruéisnãofoi plena,jáque os escravosaindaestavamsujeitos a elas.
  • 3. Em 1830, com o CódigoCriminal doImpério,apenade prisãoé introduzidanoBrasil em duas formas: a prisão simplese aprisãocom trabalho(que podiaserperpétua);com o novo Código Criminal a pena de prisão passa a ter um papel predominante no rol das penas, mas ainda se mantinham as penas de morte e de galés (trabalhos forçados e também poderia ser perpétua). O Código não escolhe nenhum sistema penitenciário específico, ele deixa livre a definição desse sistema e do regulamento a ser seguido a cargo dos governos provinciais. Em seuart. 49, já se notava a dificuldadede implantaçãodapenaprisãocomtrabalhosna realidade brasileira. “Art. 49. Enquanto se não estabelecerem as prisões com as comodidades, e arranjos necessários para o trabalhodosréus,as penas de prisão comtrabalho serão substituídas pela de prisão simples, acrescentando- se em tal caso á esta mais a sexta parte do tempo, por que aquelas deveriam impor-se.” O artigo mostra como a situação penitenciária da época era precária, o próprio Código já apresentava uma alternativa para a pena de “prisão com trabalho”, se esta não estivesse disponível para o réu. As penitenciáriasdoBrasil aindaeramprecáriase sofriamde variadosproblemas;em1828 a Lei Imperial de 1º de outubro cria as Câmaras Municipais e, entre suas atribuições, têm em seu art. 56 o seguinte: “Art. 56. Em cada reunião, nomearão uma comissão de cidadãos probos, de cinco pelo menos, a quem encarregarãoa visitadas prisõescivis,militares,e eclesiásticas,doscárceresdosconventosdosregulares,e de todosos estabelecimentos públicos de caridade para informarem do seu estado, e dos melhoramentos, que precisam”. Essas comissõesque visitavamasprisõesproduziramrelatórios de suma importância para a questão prisional do país, trazendoa realidade lastimável dessesestabelecimentos.Oprimeirorelatóriodacidade de São Paulo, datadoem abril de 1829 já tratava de problemasque aindahoje existem,comofaltade espaçopara os presos, mistura entre condenados e aqueles que ainda aguardavam julgamento. Já no relatório de setembro do mesmo ano, a situação relatada pela comissão é ainda pior. Ao descreverosórdidoambiente, imundo e cheio de fumaça, deixa-se claro que os presos faziam pequenos objetos(pentes,colheres)comchifresde boi.Assistênciamédicaprecária, alimentação ruim e pouca, mistura de presos condenados e não condenados, falta de água, acúmulo de lixo fizeram a comissão concluir que tal era “o miserável estado da Cadea capas de revoltar ao espírito menos philantropo”. Os relatóriosdosanosseguintesapresentam, emsuamaioria,amesma realidade já apresentada, criticando a precariedade dos estabelecimentos prisionais, constando ofensa clara à Constituição de 1824, que trazia instituiçõesprisionais“limpas,seguras e bem arejadas...”, no relatório de 1841 a comissão já tratava a Cadeia como uma“escolade imoralidadeerectapelasautoridades,pagapeloscofrespúblicos”.A comissãodesse ano apresentaumolharmaiscrítico, trazendosugestões para a futura Casa de Correção de São Paulo (inaugurada em 1852) assim como propostas imediatas, como tirar daquele ambiente os presos considerados “loucos”, a separação dos demais presos por ambientes e a melhoria na higiene e na alimentação. É nessaépoca que se iniciaodebate no Brasil quanto aossistemaspenitenciáriosestrangeiros,principalmente o Sistema da Filadélfia e o Sistema de Auburn, já que no ano de 1850 e 1852 as Casas de Correção do Rio de Janeiro e de São Paulo seriam inauguradas, respectivamente. Foram influenciadas pelo estilo panóptico de Jeremy Bentham, notável era a preocupação em criar um ambiente favorável para o cumprimento das penasque o Códigode 1830 trouxe (prisãosimplese prisãocomtrabalho) e para o Sistemade Auburn,que foi escolhido para as duas prisões, elas continham oficinas de trabalho, pátios e celas individuais. Ambasas cadeias apresentavam um quadro deslocado comparado com a situação das outras prisões do país, elas não provocaram um mudança nas outras prisões que mantinham aquele padrão violento e com ambientes impróprios para uma cadeia. As duas novas cadeias foram bem sucedidas considerando-as como um sistemaúnico,masnãosuficiente para mudarem o panorama das outras prisões do Brasil, que continuou terrível. Elas abrigavam todo tipo de preso, desde presos condenados à prisão com trabalho, prisão simples, presos condenados às galés, presos correcionais (não sentenciados) como também vadios, mendigos, desordeiros, índios, africanos “livres” e menores. É a partir de 1870 que começam as críticas a Casa de Correção de São Paulo e principalmente ao sistema de Auburnque era adotado.Até então,noBrasil,marcadopelaescravidão,osistema Auburn se encaixava muito bem com a mentalidade da época: “O modelo auburniano tributa suas esperanças de regeneração no trabalho fora da cela, duro e sob silêncio. [...] Há uma concepçãoaqui de que o crime é o avessodomundodo trabalho.É pensadocomoa consequência de um alheamento do indivídui das virtudes que o trabalho proporciona. Ócio e vícios de toda sorte o predispõemaocrime.Paraosdefensoresdo modelo Auburn, a regeneração, assim, é menos a consequência de uma conversão da alma que brota da meditação [Sistema da Filadélfia] e mais o resultado de um condicionamento do corpo promovido pelo trabalho na prisão”.
  • 4. O País sofria influência de várias doutrinas norte-americanas e europeias, relativas ao crime, criminoso e o próprio sistema carcerário, essas influências lentamente influenciaram os operadores do Direito Penal no Brasil até sua consagração em 1890 com o novo Código Penal. O sistema da Filadélfia é cogitado para ser implantado no País por alguns defensores, mas o sistema irlandês prevalece, já que conciliava o sistema de Auburn (em vigor até então) e o sistema da Filadélfia. O novoCódigoaboliuaspenasde morte,penasperpétuas, açoite e as galés e previa quatro tipos de prisão: a prisão celular, a maioria dos crimes previstos no Código tinha esse tipo de punição (art. 45); reclusão em “fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares” destinada para os crimes políticos contra a recém-formada República (art. 47 do Código); prisão com trabalho que era “cumprida em penitenciárias agrícolas,para esse fimdestinadas,ouempresídiosmilitares” (art.48 doCódigo);Prisãodisciplinar “cumprida emestabelecimentosindustriaesespeciaes, onde serão recolhidos os menores até á idade de 21 annos” (art. 49), uma inovação do Código foi o limite de 30 anos para as suas penas. O Código, em seus arts. 45 e 50, assume claramente o Sistema Progressista Irlandês, notadamente pela progressão de pena presente no regime prisional do mais fechado, até o regime aberto: “Art. 45. A pena de prisão cellular será cumprida em estabelecimento especial com isolamento cellular e trabalho obrigatorio, observadas as seguintes regras: a) si não exceder de um anno, com isolamento cellular pela quinta parte de sua duração; b) si exceder desse prazo, por um periodo igual a 4ª parte da duração da pena e que não poderá exceder de dousannos;e nos periodossucessivos, com trabalho em commum, segregação nocturna e silencio durante o dia. Art. 50. O condemnadoa prisãocellularportempoexcedente de seisannose que houvercumpridometadeda pena,mostrandobomcomportamento,poderásertransferidoparaalgumapenitenciariaagricola, afim de ahi cumprir o restante da pena. § 1º Si não perseverar no bom comportamento, a concessão será revogada e voltará a cumprir a pena no estabelecimento de onde sahiu. § 2º Si perseverar no bom comportamento, de modo a fazer presumir emenda, poderá obter livramento condicional, comtanto que o restante da pena a cumprir não exceda de dous annos”. Desde a promulgaçãodoCódigoCriminal de 1830, jáse percebia uma escassez de estabelecimentos próprios para o cumprimentodaspenasprevistasno Código.A realidadenonovoCódigode 1890 é a mesma,enquanto a maioria dos crimes previa pena de prisão celular (que envolvia trabalhos dentro do presídio) não existiam estabelecimentosdesse tipoparaocumprimentoe haviaumdéficitde vagasenorme.Novamente olegislador se vê obrigado a criar alternativas para o cumprimento dessas penas como se vê no art. 409: “Art. 409. Emquanto não entrar em inteira execução o systema penitenciario, a pena de prisão cellular será cumpridacomo a de prisãocom trabalhonos estabelecimentospenitenciariosexistentes, segundo o regimen actual;e nos logaresemque osnão houver,seráconvertidaemprisão simples, com augmento da sexta parte do tempo. § 1º A penade prisãosimplesemque forconvertidaade prisão cellular poderá ser cumprida fóra do logar do crime,oudo domiciliodocondemnado,si nellenãoexistiremcasasde prisãocommodase seguras, devendo o juiz designar na sentença o logar onde a pena terá de ser cumprida”. Existiaumgrande abismoentre oque era previsto em lei com a realidade carcerária; por exemplo, no ano de 1906, foramcondenados976 presos,noestadode São Paulo,à prisão celular, existiam apenas 160 vagas para esse tipo de prisão no estado, portanto 816 presos (90,3%) cumpriam pena em condições diversas àquela previstanoCódigoPenal vigente.Essadisparidade entre penae lei dava-se pela grande quantidade de crimes com previsãode penacelular,e uma absoluta falta de estabelecimentos próprios para o cumprimento dessa pena. O problemadafaltade vagasnas prisõesdaCapital criavaoutro grave problemade deterioração do ambiente dos presos. E como demonstra Salla este quadro todo era agravado por uma prática comum das comarcas do interior, a transferência dos presos para a Cadeia da Capital, quando a comarca não tinha uma prisão própria para o cumprimento da pena. A prática torna-se tão comum que o chefe da Polícia, João Baptista de Mello Peixoto, emite uma circular, em novembro de 1895, pedindo para os juízes priorizarem a transferência dos presos para comarcas vizinhas em vez da Cadeia da Capital. No final doséculoXIXoproblema penitenciário no estado de São Paulo é aparente, inicia-se um movimento para a modernizaçãode todoosistemapenitenciário,não só dos estabelecimentos, mas também das leis e a “criação de várias instituiçõesque comporiam uma rede de prevenção e repressão ao crime e de tratamento ao criminoso”. Um dos envolvidos nesse projeto era o Senador Paulo Egydo do Senado paulista, ele é o precursorde um grande projeto que modificaria todo o sistema penitenciário estadual “previa a construção,
  • 5. ou adaptaçãoquandojá existentes, de casas de prisão preventiva em cada uma das circunscrições judiciárias emque se dividiaoestado”, criaçãode novoscargos para a administraçãopenitenciária,criação de prisões no interior, “determinava uma distribuição geográfica na administração das penas” (condenados com pena de prisão celular por um tempo menor de oito anos cumpririam a mesma no interior, caso fosse maior, cumpririamnaprópria capital),oprojetoaindainovacoma criação de novosprocedimentose principalmente com a vinculação da medicina com a vida no presídio “sob a influência das ideias então predominantes na criminologia, de desenvolver um “tratamento penitenciário”, também previa a criação de um órgão fiscalizador dos presídios estaduais, assim como a Sociedade Protetora dos Condenados, que seria uma espécie de ouvidoria para as reclamações do preso, assim como para acompanhar este durante o cumprimento da pena e prestar auxílio a ele e sua família. O projeto, por ser considerado caro, acaba não sendo aprovado. Desde que oCódigoPenal de 1890 entraraem vigor,percebia-se a necessidade de um estabelecimento mais adequado para o cumprimento das penas. Mas é apenas em 1905 que é aprovada uma nova lei para a substituição da antiga penitenciária e consequente construção de uma nova. A nova penitenciária, a PenitenciáriadoEstado,emseuprojetooriginal,de SamueldasNeves, iria conter 1.200 vagas, teriam oficinas de trabalho, tamanho de celas adequado, assim como boa ventilação e iluminação das mesmas. O projeto então é passado para estudo de Ramos de Azevedo, sofrendo pequenas adequações em sua estrutura e é inaugurada em 1920, mesmo não estando completamente concluída. 1.4. Penitenciária do Estado (São Paulo) de 1920 a 1940, os anos em que fora considerada modelo: verdade ou utopia? Todos nós vivemos um “Sonho de Liberdade” com Morgan Freeman e Timm Robins, o experto “Andy Dufresne”.Ofilme retrataasagruras e as feridas da alma que uma penitenciária pode proporcionar. A obra é singular no sentido de mostrar a questão penitenciária, por assim dizer, por um ângulo diverso do que o Estado e as doutrinas positivistas nos propõem. Não pretendemos, e como não fizemos ao longo do artigo, defender essa ou aquela teoria sobre as prisões, apesar de muitas ideias apresentadas terem respaldo em alguma doutrina. Fato é que a questão suscitada – PRISÕES – sempre foi tratada de forma pouco séria, inexistindo, no plano científico, extensasobrase estudos.Porisso,assiste razão Cavallaroe Carvalho (2000) quando disse se tratar de uma “misériaacadêmica”.Esse desinteresse pode ter vários motivos: políticos, sociais, etnocêntricos etc. Porém, não entraremos nas discussões acerca dos motivos que ensejaram tamanha abnegação. A Revista Liberdades toma uma frente interessante e inovadora nesse sentido, qual seja, a de mostrar a questãopenitenciária,de conferirsuadevidaimportância,sejanoviéspolítico(emúltimaanálise),seja noviés científico-acadêmico (precípuo). Baseado neste intróito sobre a delicada e tênue questão social das instituiçõesprisionais,é que buscaremos mostrar mediante pouca, porém honrosa produção científica deste tema, os 20 (vinte) anos (período compreendido entre 1920 e 1940) que a Penitenciária do Estado foi considerada um modelo a ser seguido. Como a questão em comento é social, cumpre-nos salientar que existe uma doutrina que postula que a lei penal é a mais importante de umasociedade apósasleisconstitucionais, portanto, a primeira consideração é que a PenitenciáriadoEstadofora criada, entre outros motivos, para atender as disposições do Código Penal de 1890. Como já abordamos a referida lei, cabe, neste momento, memorar que esta adotou o regime progressivo de reclusão, que consistia em quatro estágios: (i) reclusão absoluta, diurna e noturna; (ii) isolamentonoturno,comtrabalhocoletivodurante odia,masemsilêncio;(iii) cumprimentoem penitenciária agrícola, com trabalho extramuros; e (iv) concessão de liberdade condicional ao sentenciado. 1.5. Projeto arquitetônico A arquiteturaé outropontoque merece a devidaatenção.Édo saberpopularque toda edificaçãonecessitade um projeto arquitetônico de forma a cumprir suas finalidades. Com a Penitenciária do Estado não foi diferente. Havia uma necessidade óbvia dessa ordem. Diferentemente do que vivemos no Direito Administrativo atual, apenas foi submetida a um concurso público a criação de um projeto. A execução do projeto ficou a cargo do famoso arquiteto e engenheiro Ramos de Azevedo, que recebeu um convite para tanto.Há divergênciaentre osestudiosos,imprensae opróprioMuseuda AdministraçãoPenitenciária de São Paulo sobre quem foi o vencedor do concurso para a criação do projeto, confundindo-se com a autoria da execução. O nome de maior destaque que se tem notícia é de Ramos de Azevedo (como já citado), mas há parte da imprensaque dá a autoriado projetoà Samuel dasNeves e aexecuçãoàquele.Oque é pacífico nesta contenda é que o projeto vencedor seguia o modelo prisional francês – ainda existente nas cidades aos
  • 6. arredoresde Paris,o famoso“Labovari Fidenter”(baseadono Centre pénitentiaire de Fresnes). José Eduardo Azevedo, citando Foucalt, observou, em contundente análise que: “Essa visibilidade de arquitetura da prisão é uma armadilha, pois se permite a direção aos guardas vigiarem qualquer tentativa de evasão coletiva, de projeto de novos crimes para o futuro, recorrerem à força para obrigar o preso a cumprir as normas instituídas, induz no preso um estado consciente e permanente de visibilidade que asseguraofuncionamentoautomáticodopoderde que elesmesmossãoportadores.A prisão, diferente doque se convencionou conceituar, teoricamente, como local de punição e recuperação do preso, na verdade pune e intimida. A despeito disto, o preso age compulsivamente contra esta submissão e obediência cega. Acrescenta-se a isso a hipocrisia das autoridades que fingem ignorar esta realidade”. 1.6. Escolha do local: São Paulo atualmente é uma das maiores cidades do mundo, sendo a maior da América Latina. É di fícil imaginarmosque hácerca de um séculoatrás,São Paulofosse pouco habitada (apesar de já apresentar sinais de que seria uma metrópole). O bairro do Carandiru, zona norte da capital, situa-se a 6 quilômetros de distância do centro da cidade de São Paulo, portanto, tomadas as proporções da época, estava perifericamenterelacionada,sendoexcluídadazonaurbana. Há argumentosde ordemtécnicapara justificara escolha deste local, pois apesar de não estar no centro da cidade, em 1908 o bairro já dispunha de bondes movidosàeletricidade,oque facilitariatodaa logísticade materiaise a conduçãode presos.A navegaçãopelo Rio Tietê foi outro atrativo para a escolha do local. O bairro começara, no início do século XX, a atrair povoamento, pois os terrenos eram vendidos a um preço baixo. Historiadores revelam que essa facilidade imobiliária atraiu a classe média e a população operária. O bairro da escolha e os seus vizinhos tinham um aspectorural emfunçãode características como o relevoe oisolamento da cidade pela própria natureza. Isto demonstraque a elite paulistananãoresidianestalocalidade,onde cabe opontocríticoda questãodaescolha do local.Autoresafirmamque a elite paulistana – como qualquer elite econômica e social – influenciou esta escolha, pois queriam manter longe de suas vistas os martírios de uma penitenciária. Obviamente que se resguardaramde indeléveisargumentosque seduziramatodospara justificarseuatocognitivo.Aspalavrasdo governador do Estado no ano de 1909 (Manuel Joaquim de Albuquerque Lins) são irrefutáveis para demonstrar com clareza esta sedução de discurso: “(...) dirigiuogovernoassuasvistaspara o bairro de Santana, já servido de bondes, com luz elétrica e água, e cortado pelo Tramway da Cantareira, de propriedade do Estado. Esta últimacircunstânciainfluiudecisivamente,porque,dadaafeiçãoindustrial do novo edifício, o transporte das matérias primas e dos produtos manufaturados, assim como a condução de presos e de soldados de guarniçãoserãofeitospor esse caminho de ferro, a que o governo poderá dar horários mais convenientes às necessidades penitenciárias, e prover de vagões celulares e de ramais que penetrem mesmos nos estabelecimentos penais”. 1.7. Pedra fundamental Voltandonotempo,especificamente em1905, a construção da PenitenciáriadoEstado foi autorizada pela Lei 267-A, de 24 de dezembro do mesmo ano. A pedra fundamental fora lançada em meio de 1911. Em face das dificuldades políticas e técnicas encontradas, a Penitenciária do Estado foi inaugurada nove anos depois (1920), no governo de Altino Arantes, tendo começado a funcionar cerca de três meses depois. 1.8. A penitenciária “modelo” Cumpre-nos,antesde qualquercoisa,relembraralgunsmotivosteórico-pragmáticosque deramensejoaestas consideraçõesbenéficasàPenitenciáriadoEstado.Osestabelecimentosprisionais,emespecial osadvindosda época do Código Criminal de 1830, deixaram uma péssima impressão deste instituto (vide Casa de Correção etc).Quandose tem umquadro social destese se deparacom umprojetode penitenciáriadaquelamonta,em que – ao menosse esperava–o indivíduopresoteriaumpoucomaisde dignidade no aspecto da saúde, onde não teriam celas com pessoas amontoadas como se objetos inanimados fossem e onde, precipuamente, regenerar-se-iam seres humanos, de sorte que poderiam recompor o corpo social, cria-se a melhor das expectativas. A organizaçãolaboral foi umdos carros-chefesparaa boaopinião.Nadamelhoraosolhosda sociedade (frise- se: a elite paulista, em especial) do que um preso trabalhando, produzindo, estando fora do estado ocioso para pensarno cometimentode novoscrimes ou algo do gênero (pensamento ainda constante na sociedade brasileira).Estaorganizaçãose deuemescalaindustrial,comumagrande produção de bens.Alémde auxiliara economiapaulista,tinha-se aideia de autossustentabilidade econômica (instituições dessa natureza custam
  • 7. muito ao erário público) da Penitenciária e, de forma subsidiária, ao próprio Estado, fornecendo riquezas e produtosaos órgãos públicos. Voltando à esfera pedagógica, entendia-se que a disciplina laboral auxiliava a própria disciplina do preso com seus pares e com a própria administração e, em um plano futuro, com a sociedade. Outra característica positiva era, ainda na organização laboral, o cultivo de alimentos naturais via horta cultivada pelos próprios presos e que servia o presídio em quase sua totalidade. Isto conferia ao Dr. Franklin de Toledo Piza (diretor à época) o título de bom administrador penitenciário. Notabilizou-se este feito (de um marketing positivo) com um artigo publicado no ano de 1912 (quase uma décadaantesde suainauguração) por PlínioBarreto (jornalista,bacharele políticobrasileirodo século XX), no qual advogouque a penitenciáriaeraummodelo.Registrosmostraramque,após este marketing difundido, a Penitenciária do Estado virou parada obrigatória para o turismo, uma espécie de cartão postal para os que visitavam São Paulo. Seu público de maior relevância foram as autoridades e personalidades nacionais e internacionais que, além da visita, deixavam registros “padrão” de admiração. Destacam-se, entre os visitantes:Jimenezde Asúa(grande penalistae políticoespanhol), Claude Levi-Strauss(antropólogo,professor e filósofo,consideradoofundadordaantropologiaestruturalista) e StefanZweig(filósofo,escritor,jornalista e dramaturgo austríaco exilado no Brasil). 1.9. A desconstrução do mito O pontode incongruêncianapostulaçãode que forauma penitenciáriamodelo nestes 20 anos, reside em um triste fato que acontece ainda hoje no Brasil: a omissão e manipulação de informações por parte de vários agentessociais,principalmentedaimprensa.A penitenciária era considerada “como algo inquestionável”, ou seja, não existiam sérias críticas destinadas àquela realidade. Fato é que nada ou quase nada fugiam aos frígidos muros que cerceou liberdades por tanto tempo. As informações que chegavam à sociedade nem sempre eram a verdade dos fatos, e sim “verdades” afáveis, utópicas, no mais das vezes. A título exemplificativo, podemos citar que “as condições de encarceramento mudaram, mas não de imediato”, ou seja, havia resquícios de prisões de outrora. Um ponto controverso – ora criticado ora agraciado, por nós criticado – era a construção de uma biografia dos presos. Os defensores dessa prática defendem que é necessária tal construção para analisar o perfil psicológico do preso e, a partir das considerações ali registradas,trabalharosaspectos medicinais para sua regeneração. Os problemas que residem nessa prática são as máculas criadas, constrangendo o preso a ficar com aquele registro por toda a sua existência, confluindo,entretanto,de modocontrárioàregeneração.Havia uma manipulação da vida do preso, de modo a tentar moldá-lo,demonstrandoaface autoritáriade controle dopresopeloEstado,como o que acontece no filme “LaranjaMecânica”(A ClockworkOrange) ou,maisextensivamente,oque propunha o Grande Irmão em “1984” (neste caso, com toda a sociedade). As punições internas por atos de “rebeldia individual” são outro ponto de crítica. Há relatos na obra de Salla que mostram punições de confinamento (popularmente conhecidas como “solitária”) por razões pouco compreensíveis para tanto, como, v.g., o preso que recusou os sapatos doados pelo zelador, pois estavam velhos, ou o preso que se recusou a trabalhar com ferramentas pesadas no “jardim” que rodeava a PenitenciáriadoEstado.Opior: taispunições eram severas, constrangendo ainda mais o âmago de liberdade do preso e sua dignidade de pessoa humana. Entretanto,a diretoriadapenitenciáriaera“caridosa”ao atenderospedidosformuladosporpresose por seus familiares,porvezesfundamentaise que jamaisdeveriamsequerserproibidos,conformetranscriçãoliteralde passagem citada por Salla: “Esse rapaz é conhecidíssimo dos demais perigosos ladrões que tem estado em contato com a policia de S. Paulo.Temdezenasde passagense cumpre,atualmente,seis condenações por crime de roubo. Finalmente – atendendo aos insistentes rogos de sua mãe, eu permitirei que ela venha visitar seu filho no dia 23 do mês próximo de Dezembro, vésperas do Natal, procurando-me na Diretoria do Estabelecimento. É mais uma caridade que cumprimento a lei e eu pratico sempre a caridade, quando não fere de frente a lei”. Outra citação é fundamental para mostrar as agruras de uma penitenciária considerada “modelo”: “Certas evoluções eram acompanhadas de canto, mas notamos o soturno das vozes, a ausência de entusiasmo. Ao terminarem as evoluções por uma figura complicadíssima, espécie de quadro vivo ou de apoteose, ocomandante deuosinal de dispensare cadaqual procurouum sitioonde pudessepassaraoSol da hora de recreio. Em qualquer outro meio, os indivíduos, deixando as fileiras, formariam imediatamente pequenosgrupose passariamaconversar,entretendo-sede qualquerassumpto. Nada disso, ali. Rompidas as fileiras, silenciosas como dantes, cada qual sacou do bolso o cigarro já preparado e sem si aproximar dos outros, entregou-se às delicias do tabaco”.
  • 8. A liberdade de expressãoerasuprimidanaPenitenciáriadoEstado. Em análise histórico-documental, autores afirmama existênciade movimentosde presosafimde reivindicar algo (ato de expressão natural, inerente à pessoahumana),masnão de formaviolenta,apenasde forma petitória. Tais manifestos eram a “força motriz deflagradora” para a imposição de punições internas (notem: em contraposição à lei penal da época), como privação de alimentos, submissão à degradação da pessoa mediante a enclausuração por tempo indeterminado ou, a mais branda de todas, perda de vantagens regulamentares. A saúde dos presos é um ponto preocupante desta análise histórica. Já salientamos que um dos slogans da “penitenciária modelo” era as edificações que atenderiam melhor à necessidade básica de saúde dos que lá viviam ou sobreviviam. Pois bem, reside aqui um dos pontos de maior incongruência. A Penitenciária do Estado jáantecediaoquadro deficitáriodasaúde dospresosque percebemos nestas últimas décadas. Em um breve levantamentode ordemestatística,é notável que 12% dos presos (em uma escala de 2.000 indivíduos) faleceram por tuberculose. O fato de a doença ser respiratória acaba por agravar seus efeitos em um local onde muitoscompartilhamdos espaços comuns e até dos não comuns. Obviamente que, vistas as condições da época, muitos presos já traziam a doença de fora – e que era agravada lá dentro. A responsabilidade do Estado perante estatriste realidadeestánaausênciade umlocal própriopara o tratamento.Alémde atuarem omissão, o Estado atuou em comissão, visto que submetia presos doentes a regimes disciplinares que deflagravamoestopimparasuamorte,e.g.,as puniçõesinternasemcelasfechadas a pão e água e por tempo indeterminado. Os estágiosdo regime progressivonemsempreeramconcedidosde “ofício”pelojuiz.Muitasvezeso preso ou seus representantes legais requeriam ao Magistrado a progressão do regime. Quando deste pedido, é de rotinaque se expede umexamecriminológico do preso, ora requerente. No caso da Penitenciária do Estado, taisexameseramexaradospelocompetente daáreamédicadesignadoe peladiretoria.Espera-se,doEstado – ora aprisionador ora detentor – que adote, no mínimo, justos critérios ao expedir tal exame, reservadas as ordenstécnicasdoinstitutoemcomento.A diretoria,durante operíodoobservado,utilizoucritériosespúrios, quando não eram apócrifos, nos pareceres tendentes a rejeitar a maioria dos pedidos de progressão de regime, em especial a liberdade condicional. Salla cita trecho de documento histórico que retrata com exatidão esta situação dos critérios adotados no parecer de um preso requerente: “(...) colérico, impulsivo, alcoólatra, não envolvendo, nesta data, elementos que atestem a sua melhoria”. Procuramos demonstrar, nesta breve análise das questões históricas e penais das penitenciárias e seus congêneres, a involução de um instituto cada vez mais criticado e ineficaz. Meio de defesa de um controle social perversoporparte do braço autoritário dos modernos “Estados Democráticos de Direito” e outros com denominações distintas, que é famigerado pelos que impõem um estado de terror por assustadoras amostragens da evolução dos índices de criminalidade. A liberdade é um coração que bate forte em um âmago humano. A liberdade pode ser cartesiana, pode ser aristotélica,pode sersartreanaouaindade qualquercélebredopensarhumano.A liberdade, acima de tudo e de todos,é o que o homemtem,aliadoàvida,de maisnecessário.Constitui-se natural e positivamente. Pode ser imaginária ou fática. Liberdade só não pode ser suprimida, e se, em última instância, for suprimida, que essa supressão seja feita de modo humano, de modo menos avassalador aos anseios e sentimentos. 2) Formação da norma e bens jurídicos constitucionais, aplicação e interpretação da norma penal PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS 2.1. Noções introdutórias O DireitoPenal temsuasbasessolidificadas nos preceitos constitucionais, por meio dos princípios e ditames que a Constituiçãoimpõe aolegislador,visandoassegurarosdireitose garantiasfundamentaisde toda pessoa ali previstos, orientando o Estado no exercício da aplicação da lei penal. Entendendoprincípioscomocritériosintrodutóriosnainterpretação e aplicação inerentes a qualquer norma, pode-se conceituá-los conforme doutrina Nucci, como "(...) uma ordenação, que se irradia e imanta os sistemasde normas, servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo." (16), denotando portanto, como regras interpretativas que norteiam a aplicação das normas, os quais serão apresentados nos tópicos seguintes. 2.2. Princípios em espécie 2.2.1. Princípio da reserva legal e da anterioridade
  • 9. Em um contexto histórico, a doutrina entende que tais princípios têm suas raízes na Magna Carta Inglesa de João sem Terra, do ano de 1215, na qual o art. 39 desta, conforme cita Masson, apregoava que: "(...) nenhum homem livre poderia ser submetido à pena sem prévia lei em vigor naquela terra." (17) O princípio da reserva legal estabelece toda a estrutura basilar das leis penais brasileiras, estando intrinsecamente ligadoaoprincípiodaanterioridade,tendoambos,previsãolegal na CF, no art. 5º, inc. XXXIX, o qual:"não há crime semlei anteriorque odefina,nempenasempréviacominaçãolegal"(18),bem como de outro modo,noque dispõe CP, pelo art. 1º, caput : "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal." (19) Tais dizeresque transpõe aessênciadosprincípioselencadossãoextraídosconforme transpõe Prado, da "(...) formulaçãolatina– Nullumcrimen,nullapoenasine praevialege(...)"(20) do filósofo alemão Feuerbach, que pode ser entendido como, não haverá crime sem que haja prévia cominação legal. De forma a englobar as duas previsões legais, cumpre ressaltar os entendimentos de Paulo e Alexandrino sobre tais princípios: Observa-se que,alémdaexigênciaexpressade lei formalparatipificarcrimese cominarsançõespenais,deflui do dispositivo que a lei somente se aplicará, para qualificar como crime, aos atos praticados depois que ela tenha sido publicada. Da mesma forma, a previsão legal abstrata da pena (cominação da pena) deve existir, estar publicada, antes da conduta que será apenada. (21) Estes princípios estabelecem acima de tudo, proibição de aplicação retroativa de lei penal maléfica ou incriminadora, vedando também, conforme Greco entende: "(...) analogia in malam partem para criar hipótesesque de algumaforma,venhamprejudicaroagente,sejacriandocrimes, seja incluindo novas causas de aumento de pena (...)" (22). Em síntese, com base nesses princípios, as leis devem ater-se a prever condutas taxativas em suas formas, assegurando as garantias da liberdade pessoal de todo cidadão, de forma a não obstruir os preceitos constitucionais,regulandoaaplicaçãoda norma,mantendoporfim, a segurançajurídica na imposição estatal. 2.2.2. Princípio da intervenção mínima e da ofensividade A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, prevê em seu art. 8º conforme é observado por Capez(23) que,a lei deve somenteestabelecer penas que sejam evidentemente necessárias, entendimento pelo qual se tem a origem assentada da intervenção mínima do Estado. Sobre a observância que o Estado deve ter na tipificação penal, vale ressaltar o entendimento brilhante transpostoque Beccariajá advertia,apudLopes,que:"proibirumaenorme quantidade de ações indiferentes não é prevenir os crimes que delas possam resultar, mas criar outros novos". (24) A atuação estatal em sua função legisladora, bem como ao interprete do Direito, devem ser dirimidos pelos diversosprincípiosdispostosnoordenamentopátrio.Nãobastamapenasospreceitosdispostospeloprincípio da legalidade como supracitado, mas também, outras normas que se possa valer antes da aplicação penal, conforme já elucidado pelo princípio da fragmentariedade decorrente deste. Nesse contexto, Masson cita decisão já proferida pelo Superior Tribunal de Justiça: A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso,a intervençãopenaldeve terocaráterfragmentário,protegendoapenasosbensmaisimportantese em casos de lesões de maior gravidade. (25) Nessasistemática,oDireitoPenalmostra-se comoultimaratio,conotação essatambématribuídaao princípio em comento, que se aplica na intervenção do Estado na sociedade, tendo caráter subsidiário as normas que visam assegurar os bens jurídicos. Exaurindo esse entendimento primário, Muñoz Conde, citado por Greco, preleciona que: O poderpunitivodoEstadodeve estarregidoe limitadopeloprincípiodaintervençãomínima.Comisto,quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes.Asperturbaçõesmaislevesdoordenamentojurídicosãoobjeto de outros ramos do Direito. (26) Infere-se de tais explanações que, o Direito Penal deve ser utilizado na proteção dos bens jurídicos mais relevantes, empregando-o quando não restem outras normas que possibilitem maior eficácia sem punibilidades extremas. Ou seja, nos dizeres de Prado: "Aparece ele como uma orientação político-criminal restritiva do jus puniendi e deriva da própria natureza do Direito Penal e da concepção material de Estado democrático de Direito." (27) De outro modo, tem-se o princípio da ofensividade, ou lesividade que, encontra correlação direta com o princípioda intervençãomínima,ouseja,oDireitoPenal é tido como ultima ratio, e em virtude disso, por ele serão tipificadas as condutas mais lesivas aos bens jurídicos assegurados.
  • 10. Outra característica é que não haja punição aos pensamentos internos não aflorados do íntimo de cada pessoa,devendohaveraconcretizaçãodestesparaque sejamconsideradosatosilícitos.Nosdizeresde Greco, esse princípio se expressa: "(...) pelo brocardo latino cogitations poenam nemo partitura , ou seja, ninguém pode ser punido por aquilo que pensa ou mesmo por seus sentimentos pessoais." (28) Assim,pode-seentenderque tal princípio no que observa Capez, tenha como função principal: "(...) limitar a pretensão punitiva estatal, de maneira que não poderá haver proibição penal sem um conteúdo ofensivo a bens jurídicos." (29) 2.2.3. Princípio da culpabilidade e da presunção de inocência O art. 18 do CP prevê expressamente a aplicação desse princípio, observando que também se encontra disposto implicitamente em diversos artigos da CF, possuindo relação direta com o princípio da intervenção mínima, como forma de assegurar os direitos fundamentais elencados nessa. Culpabilidade entende-se segundo cita Damásio de Jesus, " Nullum crimen sine culpa. A pena só pode ser imposta a quem, agindo com dolo ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico e antijurídico."(30) Tal imputaçãorecairáao indivíduoque,podendocomportar-sede forma diferente, e tendo consciência da ilicitude do fato, não se abstém de pratica-los, sujeitando-se a aplicação das normas, como modode punição,salvohavendocausas de exclusão da punibilidade, também chamadas de dirimentes, que afetem ao sujeito agir de modo contrário sem que fira a lei. Desta forma, o juízo aplicado pela ocorrência do princípio, observará como ensina Damásio de Jesus (31), como fundamentoe medidadapena,repudiandoaresponsabilidadepenal objetiva, ou seja, reponsabilidade penal sem culpa. Já o princípio da presunção de inocência, está relacionado em sua essência, como oposto ao princípio da culpabilidade,encontrandoprevisãolegal expressanaCF,no art. 5º, inc.LVII,nosseguintestermos: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (32). Deste entendimento, decorre o termo jurídico in dubio pro reo , que, segundo Paulo e Alexandrino: "(...) existindodúvidanainterpretação da lei ou na capitulação do fato, adota-se aquela que for mais favorável ao réu." (33) Cumpre ressaltar que, na aplicação desse princípio, não serão afastadas normas que visem medidas cautelares, tais como prisão preventiva ou temporária disposta na nova Lei nº. 12.403, de 4 de maio de 2011, que manteráo entendimentoanterior do Código de Processo Penal. Tais normas serão aplicadas com intuito de assegurar questões processuais ou investigatórias, mesmo que ainda não tenha ocorrido o transito em julgado de sentença condenatória que seja favorável ao réu. 2.2.4. Princípio da imputação pessoal e da individualização da pena Tambémdenominadocomoprincípiodaresponsabilidadepessoal,oprincípiodaimputaçãopessoal,encontra previsão legal no art. 5º, XLV da CF o qual convém colacionar: XLV - nenhumapenapassaráda pessoado condenado,podendoaobrigação de reparar o dano e a decretação do perdimentode bensser,nostermosdalei,estendidasaossucessorese contraelesexecutadas,até olimite do valor do patrimônio transferido. (34) Como se pode observar, as penas serão aplicadas tão somente ao condenado, sem que ocorra sua transmissão,diferentedoque oartigo preceituaemrelaçãoàobrigação de reparar o danoque,pode estender aos sucessores. Sinteticamente,pode-se conceituar o principio da imputação pessoal de modo que, a culpabilidade dos atos será imputada a quem os tenha praticado, bem como aqueles, que de alguma forma tenham incorrido em participação, visando à punibilidade aplicada de forma individual a cada sujeito, na medida de sua ação. De outro modo, Mason doutrina que: "(...) não se admite a punição quando se tratar de agente inimputável, sem potencial consciência da ilicitude ou de quem não se possa exigir conduta diversa" (35) Já, quanto ao princípio da individualização da pena, Luisi cita o magistério de Nelson Hungria que límpido o entende como:"Retribuiromal concretodo crime,com o mal concreto da pena,naconcreta personalidade do criminoso." (36) Esse princípio, também possui respaldo na CF, no art. 5º, XLVI, pelo qual desenvolve segundo ensina Mason (37), questões relativas às sanções adequadas, limites de aplicação máximos e mínimos, bem como circunstâncias que aumentem ou diminuam sua aplicação. Destaseleção,conforme entendimentodoutrinadoporGreco(38), o legisladorvisoudividirasdiversasformas de aplicaçãode sanções,intrinsecamente relacionadasàmedida de importância dos bens jurídicos tutelados, ou seja, impor o Direito Penal na proporção da lesão praticada.
  • 11. 2.2.5. Princípio da proporcionalidade e da limitação das penas A proporcionalidade encontra correlação com os princípios anteriormente citados, observando que, a pena deverá ter como parâmetro de aplicação o grau de responsabilidade do autor, funcionando como forma de medição da imposição penal. Conforme entendimento do STJ que observa o princípio elencado: Na fixação da pena-base, além do respeito aos ditames legais e da avaliação criteriosa das circunstâncias judiciais,deveserobservadooprincípiodaproporcionalidade,paraque a respostapenal sejajustae suficiente para cumprir o papel de reprovação do ilícito. (39) Coadunam-se comesse entendimento,os comentários de Nucci no sentido de que, "(...) as penas devem ser harmônicas com a gravidade da infração penal cometida, não tendo cabimento o exagero, nem tampouco a extrema liberalidade na cominação das penas nos tipos penais incriminadores." (40), ou seja, em sentido estrito, deve haver relação entre o ilícito praticado e a medida punitiva aplicada, de modo proporcional. Vale ressaltar, de forma a exaurir a temática Prado leciona que: "Para a cominação e imposição da pena, agregam-se, além dos requisitos de idoneidade e necessidade, a proporcionalidade. Pela adequação ou idoneidade, a sanção penal deve ser um instrumento capaz, apto ou adequado à consecução da finalidade pretendida pelo legislador (adequação do meio e fim). O requisito da necessidadesignificaque omeioescolhidoé indispensável,necessário,paraatingirofim proposto, na falta de outro menos gravoso e de igual eficácia." (41) Destas explanações, extrai-se a correlação ora mencionada com o princípio da individualização da pena anteriormente explicado,pois,aproporcionalidade,quandoaplicada pelo magistrado, segundo a doutrina de Greco (42), será imposta conforme preceitos do CP, em seu art. 68, que dispõe sobre o critério trifásico de aplicação da pena, o que, dispõe ao juiz, meio de individualizar a pena do agente, de modo proporcional ao ilícito por este cometido. Em conexão,tem-se naaplicaçãodaspenas,olimite que alegislação impõe ao operador do Direito, o que, se insere o princípio da limitação das penas, visando um "efeito cliquet" (43), em que não haja retrocesso do legislador na cominação das penas. De modo a impor o respeito a tais regras, a CF em seu art. 5º, XLVII, preceitua o princípio da limitação das penas. Vejamos: XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. (44) De modo geral, o princípio em questão tem como intuito, assegurar os direitos asseverados na CF, quanto à dignidade da pessoa humana, orientando o legislador no implemento de novas normas punitivas do Direito Penal, devendo observar também, os preceitos de tornar as penas proporcionais em relação aos atos praticados, sem que se fira de algum modo, direitos já pré-estabelecidos na Constituição. 2.2.6. Princípio da humanidade e da proibição de pena indigna A dignidade da pessoa humana está consagrada na CF como princípio fundamental em eu art. 1º, III. A humanidade comoprincípiopenalista,encontra base nosditamesconstitucionaisemdiversosdispositivos,dos quais se pode citar como exemplo, o art. 5º, III, o qual prevê: "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" (45). Da mesma forma, o inc. XLIX, também preconiza que: "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral" (46). Relacionado a tal princípio, encontra-se atrelado, a proibição de pena indigna, conforme o inc. XLIX supracitado,oqual não permite penasque agridamaintegridade físicae moral dosujeito.De outro modo, em consonância com a humanidade, tal princípio terá aplicação efetiva em todos os demais princípios citados anteriormente. Pode-se afirmarquantoaessarelação,segundoentendimentolecionado por Prado que: "Apresenta-se como uma diretriz garantidora de ordem material e restritiva da lei penal, verdadeira salvaguarda da dignidade pessoal, relacionando-se de forma estreita com os princípios da culpabilidade e da igualdade." (47). Assim,tem-se que aimposiçãode penas,deveráobservarospreceitosconstitucionais,de modo que, não haja aplicação penal que exceda tais limites, não impondo penas que visem tão somente à punibilidade, como ocorreria no caso de penas de modo vexatório, humilhante e mesmo degradante em relação ao acusado. É necessário possibilitar a correção das ações ilícitas no limite do possível, como modo de respeito às normas
  • 12. legaisinerentesaqualquerpessoa,tendoointuitode inserçãodoreadaptandocondenado no convívio social, sem que se criem sentimentos deste, de continuidade da vida criminal posteriormente ao cumprimento da pena. 2.3- Instituições do sistema penal: Polícia, Ministério Público e Judiciário As políciassão,no Brasil,órgãosdo Estadoque têm a finalidade constitucional de preservar a ordem pública, de proteger pessoas e o patrimônio, e realizar a investigação e repressão dos crimes, além do controle da violência. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 144, estabelece que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida através dos seguintes órgãos: 1) Polícia Federal; 2) Polícia RodoviáriaFederal;3) PolíciaFerroviáriaFederal;4) Polícias Civis; 5) Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. Origens: A palavra"polícia"temorigemnotermogrego polites,de onde vêmtambémaspalavras"política"e "polidez". Na Grécia Antiga, a pólis era a cidade-Estado e as mais poderosas e famosas eram Esparta, Atenas, Corinto e Tebas. Os gregos chamavam de polites o cidadão que participava das tarefas administrativas, políticas e militares da pólis. A históriadapolíciacomo a conhecemoshoje é,noentanto,relativamente recente, não remontando além do século 17, quando o rei francês Luís 14 cria a figura do tenente-general de polícia em Paris, no ano de 1665. Porém, é a Inglaterra, na primeira metade do século 19, que estabelece o modelo das polícias modernas, quando o duque de Wellington força o governo a criar um órgão de força interna para evitar a utilização do Exército na repressão das revoltas sociais. Desde então, a polícia tornou-se parte do Estado-nação moderno, voltada para manter a ordem interna dos países que a constituíram. A polícia, assim, é hoje uma instituição fundamental para manter a incolumidade das pessoas, do patrimônio e da ordem pública na sociedade moderna. Tipos de polícia Há vários tipos e modelos de polícia, conforme a peculiaridade e a história de cada país. As polícias de tipo "gendarme"(termoque vemdofrancêse significa"gente de armas") sãoaspolíciasde cunho militar. Todas as polícias militares do mundo são desse tipo e têm como base a presença ostensiva e a prevenção dos crimes. Há ainda os tipos de polícia estatal, ainda predominantes, e os de policia privada, cada vez mais crescentes. São comunsno mundoanglo-saxão, onde predomina o liberalismo e a cultura dos direitos civis. Esse tipo de políciaé eminentementecivil e temcomobase a investigação.Basicamenteosmodelossão de duas ordens: o preventivo ou ostensivo e o repressivo ou investigatório. Polícias no Brasil O Brasil é uma República Federativa, que reúne vários Estados. O Brasil como um todo é chamado de União (governo federal). As divisões seguintes são os Estados (governo estadual). E os Estados se dividem em municípios (governo municipal). Existem órgãos policiais no âmbito da União e dos Estados. A União tem, dentre outras, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, enquanto os Estados têm a Polícia Civil e a Polícia Militar. Vamos observar um pouco de cada uma delas: Políciasmilitares:dãoforçasde segurançapúblicade cada umadas unidades federativas. Têm como principal função a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública nos Estados brasileiros e no Distrito Federal. Subordinam-se,juntamentecomas polícias civis estaduais, aos governadores. São forças auxiliares e reserva do ExércitoBrasileiroe integramoSistemade SegurançaPúblicae DefesaSocial brasileiro.CadaPolícia Militar é comandada, em cada Estado, por um oficial superior do posto de coronel, chamado de comandante-geral. Políciascivis:presentesemtodososEstadosda federação,sãochefiadaspordelegados-gerais,que comandam por sua vez os delegados de polícia locais, responsáveis por cada distrito policial. Cabe à Polícia Civil dos Estadosatuar como políciajudiciária,ou seja, auxiliando o Poder Judiciário na aplicação da lei, nos crimes de competênciadaJustiçaEstadual.É responsávelpelasinvestigaçõesdesses delitos (excepcionalmente poderá apurar infraçõespenaisde competênciadaJustiçaFederal,casonão hajaunidade daPolíciaFederal nolocal) e pela instauração do inquérito policial e ações de inteligência policial. PolíciaFederal:subordinadaaoMinistériodaJustiçae responsável porinvestigações dos crimes julgados pela JustiçaFederal,onde também exerce afunçãode políciajudiciária.Exerce aindafunções de polícia marítima e aeroportuária, responsável pela fiscalização de fronteiras, alfândegas e emissão de passaportes.
  • 13. Polícia Rodoviária Federal: responsável pela fiscalização de trânsito e combate à criminalidade nas rodovias federais, sendo de sua alçada os fatos gerados nessa circunscrição. Polícia Ferroviária Federal: órgão permanente, como as demais polícias federais, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira. Destina-se ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. Polícia Legislativa: órgão da Câmara dos Deputados, exerce as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais nas dependências da Câmara dos Deputados, além das atividades de polícia ostensiva e preservação da ordem e do patrimônio nos edifícios da Câmara dos Deputados. É encarregada também da segurança do presidente da Câmara e dos deputados federais. Polícia do Exército: é a força que tem como missão zelar pelo cumprimento dos regulamentos militares. Força Nacional e guardas municipais A Força Nacional de SegurançaPública,subordinadaà União, é uma força de ação rápida e de ação localizada. Por isso, não se enquadra no conceito de polícia, que deve ser uma força permanente. As guardas municipais são responsáveis pela guarda e manutenção do patrimônio público municipal e pela segurança dos logradouros públicos. São forças de ação localizada que, para especialistas, também não se encaixariam no conceito de polícia. Estruturas e problemas Antesde 1988, as políciaspraticamente não existiam na ordem constitucional e por longo tempo eram como um apêndice doEstadoe não parte da administração pública. A estruturação da polícia no Brasil teve notória ingerênciadasForçasArmadas(Exército,Marinhae Aeronáutica) emsuacomposição e administração. A força policial estatal era encarregada da "segurança interna", conceito comum em épocas ditatoriais. Essa marca na constituição da polícia brasileira, oriunda do estigma da segurança nacional, em especial nos períodosde governosditatoriaisnoBrasil,provocouverdadeiras"anomalias"nosistemade segurança pública nacional. Um dos aspectos mais discutidos na atualidade é a existência de duas polícias no âmbito estadual: Polícia Militar (também chamada de polícia administrativa ou ostensiva), responsável pela preservação da ordem pública através do policiamento ostensivo e preventivo, e Polícia Civil (conhecida também como polícia judiciária), responsável pela investigação (encontrar autoria e materialidade) dos crimes que a outra polícia não "conseguiu" prevenir, tudo para que o Ministério Público inicie a ação penal. Para o advogadoe jornalistaHélioBicudo,"trata-se de ummodeloesgotado e que fora montado, nos anos da ditadura militar, para a segurança do Estado, na linha da ideologia da segurança nacional". Estudiosos e analistas criticam a forma como ficou delineada a área de segurança pública pela Constituição de 1988. Seu artigo 144 discrimina de forma sucinta a atribuição dessas duas polícias estaduais, instituindo a obrigatoriedade em manter duas polícias de modo "padrão" no âmbito das unidades federativas, subordinadas aos governadores. Essas duas polícias são constituídas, porém, com aspectos diferentes, a começar por atividades distintas, estrutura hierárquica e disciplinar também diferente, sem contar a remuneração, que causa atrito entre os membros das duas corporações. É importante frisar que ambas têm objetivos iguais: o controle da criminalidade.Semasomade esforços,porém, ocontrole e o combate à criminalidade tornam-se muito mais difíceis. Ciclo completo de polícia O chamado "ciclo completo de polícia" é, segundo o especialista em segurança pública Rondon Filho, a execuçãodasfunçõesjudiciário-investigativae ostensivo-preventivapelamesma instituição policial. Para isso tornar-se possível no Brasil, seria inevitável a reestruturação do subsistema policial através de emenda ao texto constitucional de 1988, precisamente o artigo 144. Estruturas policiais diferentes que atuam no mesmo espaço sobre o mesmo problema tendem a constante rivalidade e atrito. Por isso, os altos índices atuais de criminalidade impõem a urgência de uma reforma gerencial e da racionalização do sistema, em benefício da implantação de políticas capazes de aprimorar a eficiênciapolicial,diminuindo a impunidade. Essa reforma deve ser compatível com os valores democráticos de respeito aos direitos humanos e civis.
  • 14. Além disso, é importante notar que as relações sociais evoluem diariamente e as instituições policiais, para acompanhara sociedade,devemaprimorar-se paraevoluirjunto,racionalizandomeiose recursosfinanceiros, tecnológicos,materiaise humanos,comoobjetivode melhorara prestação de serviço de segurança pública à sociedade, de forma eficiente e eficaz. Ministério Público MinistérioPúblico, uma instituição com a incumbência de defender os interesses da sociedade brasileira no seu todo, com obrigação de ser apartidária, isenta e profissional nas causas da sua competência. A Constituição Federal, no seu artigo 127, delegou ao Ministério Público a defesa “ da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. É uma instituição de fundamental importância nas funções jurisdicionais do Estado. O MinistérioPúblicotemautonomiaparaorganizarassuas funçõesadministrativase independênciaparagerir e executar o seu orçamento, estando sujeito unicamente à Constituição e à legislação vigente. Os órgãos que compõem o Ministério Público são: Ministério Público da União (MPU), que engloba o Ministério Público Federal; Ministério Público do Trabalho (MPT); Ministério Público Militar (MPM); Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDTF); Ministérios Públicos dos Estados (MPE). O responsável pelo Ministério Público da União e pelo Ministério Público Federal é o procurador-geral da República, que é nomeado pelo Presidente da República após aprovação do Senado Federal. O Ministério Público (MP) é instituição que existe há séculos em numerosos países, inclusive no Brasil, com diferentes características e finalidades em cada um deles e ao longo do tempo. Em nosso país, teve suas garantiase instrumentosde açãoprofundamente redefinidose ampliadospelaConstituição promulgada em 5 de outubro de 1988, ao ponto de alguns juristas dizerem que foi a instituição que mais avançou com a nova Constituição. A finalidadeprincipal doMinistérioPúblicoé defenderoDireitoe o interesse da sociedade. Não é função sua, no Brasil, a defesa dos interesses de governos e de órgãos da administração pública. Esta função é da advocacia pública. Este texto busca explicar como o Ministério Público atua. O Ministério Público e o artigo 127 da Constituição O artigo 127 da Constituição do Brasil é a norma jurídica que dá as linhas gerais das funções do MP. Segundo ele,o“MinistérioPúblicoé instituiçãopermanente,essencialàfunçãojurisdicionaldoEstado,incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. ” Vejamos o que isso significa. Instituição permanente Ao determinarque oMinistérioPúblicoé instituiçãopermanente,aConstituiçãoestabelece que ele não pode serextintoporoutras normasjurídicasnem pode ter suas funções essenciais esvaziadas por normas jurídicas inferiores à Constituição (pois isso seria o mesmo que o extinguir). Essencial à função jurisdicional do Estado De acordo com o art. 127, o MP é também essencial à função jurisdicional do Estado. Isso quer dizer que o Ministério Público é indispensável à atividade principal do Poder Judiciário, que é a de exercer a jurisdição. Este termo vemdostermosemlatim juris (= Direito) edicere (=dizer) e correspondeaopapel fundamental dos juízes e tribunais, que é o de declarar o direito (“dizer o direito”) aplicável aos casos que lhes sejam submetidos. Apesar da forma como a Constituição associa o MP à função do Poder Judiciário, isso não significa que o MinistérioPúblicotenhade estarpresente emtodososprocessosjudiciais. Ele intervém em um processo em três situações, basicamente: a) quando uma norma jurídica assim determine, de forma expressa; b) quando a participação do MP decorra da interpretação conjunta de normas jurídicas; c) quando ocorra a presença de uma forma especial de interesse público, ligado à sociedade e conhecido como interesse público primário, que não é simplesmente o interesse dos órgãos da administração pública. Exemplodaletraa acima é a Lei do Mandadode Segurança (Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009), cujo artigo 12 prevê que todo processo de mandado de segurança seja remetido para exame (que é escrito em um documentodenominado parecer) doMinistérioPúblico,e este deve devolveroprocessonoprazo de dez dias. Portanto,todoprocessodessaespécie deve ser enviado para avaliação do MP. Apesar disso, o representante do MinistérioPúblicopoderáentenderque nãohápresençado interessepúblicoprimárioe devolver os autos
  • 15. semse manifestarsobre olitígio.Pessoalmente,entendoque essadevoluçãosemexamedoconflito não deva ocorrer, como regra. O artigo 82 do Código de Processo Civil é outra norma que determina de maneira expressa casos nos quais o Ministério Público deve acompanhar o processo: Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir: I – nas causas em que há interesses de incapazes; II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte. Exemplo do segundo caso (letra b acima) é a participação do Ministério Público nos processos de natureza criminal.Comose verá, a Constituição atribui ao MP papel fundamental na aplicação do direito do Estado de puniralguémquandoeste pratique crime.Devidoaessafunção,oMinistérioPúblicodeve terconhecimento e acompanhar todos os processos penais em andamento no Judiciário, mesmo que não apareça neles como o autor do requerimento. O terceirogrupode casos nos quais o Ministério Público acompanha um processo (letra c acima) é aquele no qual ocorre a presençadointeresse públicoprimário, mesmo que não haja norma específica para determinar esse acompanhamento. Exemplo disso são as ações que discutem algum direito ou interesse difuso, como a defesa do ambiente, dos consumidores, do patrimônio público etc. Atuação extrajudicial do Ministério Público Embora a Constituiçãoassocie aatuaçãodo MinistérioPúblicoà do Poder Judiciário, como se viu acima, o MP também age em muitos casos sem a necessidade de existir processo judicial. É o que se chama de atuação extrajudicial. Em diversoscasos,aliás,essaatuaçãoextrajudicial produzresultados tão ou mais eficientes do que a atuação judicial, isto é, em processos decididos por juiz ou tribunal, principalmente por causa da demora no julgamentodefinitivodosprocessos(a morosidadejudicial). Um dos muitos exemplos de atuação do MP sem necessidade de processo judicial são os inquéritos civis que o MP instaura, com a finalidade de defender interesses relevantes da sociedade. Imagine-se,porexemplo,que oMinistérioPúblico tenha conhecimento de uma escola desrespeitar o direito de alunose submetê-losaconstrangimentopelofatode seus responsáveis estarem em atraso no pagamento das mensalidades.OMPpode instaurarinquéritocivilpara investigar o fato e propor à escola um acordo para interromper a prática ilegal. Se a escola concordar, ela e o Ministério Público podem assinar um documento denominado “termo de ajustamento de conduta” (também conhecido como TAC). O TAC é importante instrumento de atuação do MP, previsto na Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, no artigo 5.º, § 6.º [o símbolo “§” lê-se como “parágrafo”]). Tem justamente a finalidade de permitirque oMinistérioPúblicoe apessoaque feriua lei firmem compromisso para evitar novas ofensas ao Direito e para reparar os danos que ela tenha causado, sem a necessidade de processo judicial. Existem diversos outras situações de atuação extrajudicial do Ministério Público, que às vezes consegue reparar casos de ofensa à lei sem a necessidade de processo judicial. Defesa da ordem jurídica A Constituição também atribui ao Ministério Público a “defesa da ordem jurídica”. Significa que compete à instituiçãoatuar,sempre que fornecessárioe tivercompetênciajurídicaparaisso,como objetivode o Direito sercorretamente aplicado.Poresse motivooMPé tradicionalmente conhecido pela expressão latina “custos legis”, que significa “fiscal da lei”. Nessafunção,o MinistérioPúblicotemliberdadeparaatuare para requereraoJudiciárioque profiraadecisão que parecer mais correta ao MP, independentemente de a quem ela beneficie ou prejudique. O MP não precisaobedeceraordensdosórgãos superioresde suacarreira,poisnãohá hierarquiaparaessafinalidade. É o que a Constituição denomina de independência funcional, uma das principais garantias dos membros do Ministério Público. Isso significa que nem o chefe de cada ramo do Ministério Público (o procurador-geral), nem os órgãos superioresdoMP(os conselhossuperiores), nem mesmo o Poder Judiciário podem, como regra, determinar ao membro do Ministério Público como atuar em determinada situação. Defesa do regime democrático Na defesa do regime democrático, uma das funções mais importantes do Ministério Público é acompanhar o processoeleitoral,paraque a escolhadosrepresentantesdopovosejafeitadamaneira correta,dopontode vista jurídico. Com isso, busca assegurar o funcionamento legítimo da democracia representativa.
  • 16. A fiscalização dos atos dos representantes do povo e de outros agentes públicos, em todos os órgãos e entidades da administração pública, é igualmente forma que o Ministério Público adota para defender o regime democrático, uma vez que os representantes do povo e os gestores públicos devem agir sempre na defesa do interesse da sociedade. Defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis Em geral,o MinistérioPúbliconão tem a função de defender interesses estritamente individuais. Se alguém contratar um marceneiro para serviço em sua residência e este atrasar o trabalho, por exemplo, não cabe ao MP envolver-se nolitígioentre aspartes,poisocaso não terá dimensão suficiente para caracterizar interesse público. Alguns direitos, porém, mesmo no plano individual, têm relevância especial, seja porque atingem parcela relevante da sociedade, seja porque eles mesmos envolvem interesse público. É o caso, por exemplo, do direitoàsaúde e à vida.Se uma pessoativerdoençagrave e precisarde medicamentooutratamentoessencial que a rede pública de saúde não forneça, poderá, em determinados casos, pedir ao Poder Judiciário que ordene ofornecimento,poisaConstituiçãodoBrasil garante aoscidadãoso direitoàsaúde (em vários artigos, especialmente no art. 196). Portanto, quando está em causa algum desses interesses especiais, o Ministério Público tem legitimidade jurídicapara adotarprovidências,judiciaisouextrajudiciais, mesmo no interesse de uma só pessoa ou de um pequeno grupo delas. Exemplos desses interesses são os direitos das crianças e adolescentes, o direito ao ambiente equilibrado, o direito dos consumidores, a proteção do patrimônio público, a proteção da moralidade administrativa etc. Não há critériopredefinidoparaidentificarquandoocorremessassituações.Elasprecisamseravaliadascasoa caso. Atuação do MP na área criminal Outro dispositivo (= norma) constitucional relevante a respeito do Ministério Público é o artigo 129, inciso I. Segundoele,cabe aoMP promovera ação penal pública,nostermosdalei.Sobre adiferençaentre açãopenal pública e privada, veja este texto no blog. Com base nessa determinação constitucional, é papel do Ministério Público participar de todas as fases da atuação pública relativa à quase totalidade dos crimes. Para isso, o MP deve: (a) supervisionar o trabalho de investigação dapolícia(e pode tambémrealizar suas próprias investigações); (b) oferecer denúncia ao Poder Judiciário quando houver indícios e outras provas suficientes do crime e de sua autoria; (c) promover o arquivamento da investigação, se não for o caso de promover ação penal (vide abaixo atalho para texto sobre as providênciasque oMP pode adotar ao final de investigação criminal); (d) acompanhar todos os atos do processocriminal;(e) aofinal doprocesso,requereraabsolvição ou a condenação do réu ou outra medida legalmente apropriada; (f) recorrer das decisões judiciais que lhe pareçam equivocadas, para serem reexaminadas pelo tribunal competente; (g) acompanhar o processo de execução penal, para que o réu condenado cumpra a pena aplicada pela justiça, de forma correta. Devidoàsua funçãoessencial de custoslegis (fiscal dalei), como mencionado acima, o Ministério Público, no processo penal, atua de forma diferente da dos advogados. Enquanto estes precisam sempre defender seu cliente (e deveriamfazer isso de maneira ética, embora nem sempre o façam), o Ministério Público não está obrigado a perseguir cegamente a condenação do acusado. Além de promover o arquivamento da investigação, quando não haja elementos suficientes para acusar, o MP pode (e deve) pedir a absolvição do réu,se não estiverconvencidodaculpadele ouse nãohouverprovassuficientes,pode pedirdecisõesjudiciais favoráveis ao réu, como a declaração da prescrição, e pode recorrer ou impetrar (= requerer) habeas corpus emfavordo réu.Por issose diz,com razão, que hoje emdia, no Brasil, o Ministério Público não é mais “acusador sistemático”. A Constituiçãoaindaatribui aoMinistérioPúblicooutraimportante funçãonaesferacriminal,que é o controle externodaatividade policial. Embora a maioria dos policiais brasileiros seja de mulheres e homens dignos e dedicados,infelizmentesãofrequentes, ao longo da história, episódios de desrespeitos os mais variados aos direitos dos cidadãos, por parte das várias polícias. Com a finalidade de reduzi-los e de cooperar para que as polícias respeitem as leis, o MP deve realizar esse controle – e é área, por sinal, na qual o Ministério Público ainda tem atuação deficiente. Judiciário: Poder Judiciário é um dos três poderes do Estado a qual é atribuída a função judiciária, ou seja, a administração da Justiça na sociedade, através do cumprimento de normas e leis judiciais e constitucionais.
  • 17. O Poder Judiciário ou Poder Judicial é constituído por ministros, desembargadores, promotores de justiça e juízes,que têma obrigaçãode julgaraçõesou situaçõesque nãose enquadramcom as leis criadas pelo Poder Legislativo e aprovadas pelo Poder Executivo, ou com as regras da Constituição do país. A principal função do Poder Judiciário é defender os direitos de cada cidadão, promovendo a justiça e resolvendo os prováveis conflitos que possam surgir na sociedade, através da investigação, apuração, julgamento e punição. No entanto, este poder não está unicamente centralizado nas mãos do Judiciário. A Constituição Federal Brasileira garante meios alternativos às quais todos os cidadãos podem recorrer, como: Ministério Público, DefensoriaPúblicae advogadosparticulares(devidamente inscritosnaOrdemdosAdvogadosdoBrasil - OAB). A ideia do modelo de três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), que forma o Estado Democrático Brasileiro,foi propostopelopolíticoe filósofofrancêsMontesquieu, em seu estudo sobre o Estado Moderno, através da "teoria da separação dos poderes". Em grande parte dos regimes democráticos contemporâneos, o Poder Judiciário é subdivido em órgãos que atuam emáreas específicas,como: SupremoTribunalFederal; SuperiorTribunal de Justiça; TribunaisRegionais Federais; Tribunais do Trabalho; Tribunais Eleitorais eTribunais Militares. Por sua vez, estes órgãos são responsáveis em tratar de diferentes situações ou questões, que podem ser classificados em: Civis: conflitos entre pessoas físicas (todo cidadão) e pessoas jurídicas (empresas, instituições e etc). Penais: relacionados com os mais variados tipos de crimes (homicídios, sequestros, roubos e etc). Eleitorais: relacionado com campanhas eleitorais e às eleições. Trabalhistas: conflitos entre empregados e patrões no âmbito do trabalho. Federais:casosrelacionadosdiretamente ou que diz respeito a administração e organização política do país. Militares: que envolvem as Forças Armadas - Aeronáutica, Marinha e Exército. 3)Teorias sobre a aplicação da pena e seus resultados: 3.1. TEORIA RETRIBUTIVA DA PENA (Teoria Absoluta). A Teoria retributiva considera que a pena se esgota na idéia de pura retribuição, tem como fim a reação punitiva, ou seja, responde ao mal constitutivo do delito com outro mal que se impõe ao autor do delito. Esta teoriasomente pretende que oato injusto cometido pelo sujeito culpável deste, seja retribuído através do mal que constitui a pena.EnsinaHASSEMER e MUÑOZ CONDE que existe uma variante subjetiva da Teoria retributiva que considera que a pena deve ser também para o autor do delito uma forma de "expiación", ou seja, uma espécie de penitência que o condenado deve cumprir para purgar (expiar) seu ato injusto e sua culpabilidade pelo mesmo. A teoriaretribucionista (teoria absoluta) considera que a exigência de pena deriva da idéia de justiça. Neste diapasão, KANT exemplificava: "Si una sociedad tuviera que disolverse y sus miembros debieran espacirse por el mundo, antes de llevar a cabo dicha decisión el último asesino que se encontrara en prisión debería ser ejecutado (téngaseen cuenta que Kant no cuestinaba la pena de muerte), para que así todo el mundo supiera el valor que merecían sus hechos y se hiciera justicia, por más que obviamente si una sociedad está a punto de perecer carezca de utilidad el hecho de que todavia se ejecute al último asesino que quedara en sus carceles". Menciona MUÑOZ CONDE: "Pocas veces se há hecho valer en la historia del pensamiento la idea contenida en la frase latina "fiat justicia, pereat mandamus" (hágase la justicia, aunque perezca el mundo) de forma tan gráfica y contundente como en este ejemplo Kantiano de la isla." Enfim,a penaretributivaesgotaoseusentidonomal que se fazsofrer ao delinqüente como compensação ou expiaçãodomal do crime;nesta medida é uma doutrina puramente social-negativa que acaba por se revelar estranha e inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinqüente e de restauração da paz jurídica da comunidade afetadapelocrime.Emsuma,inimigade qualquer atuação preventiva e, assim, da pretensão de controle e domínio do fenômeno da criminalidade.
  • 18. 3.2. TEORIAS PREVENTIVAS DA PENA (Teorias Relativas). As teoriaspreventivasdapenasãoaquelasteoriasque atribuemàpenaacapacidade e a missão de evitar que no futurose cometamdelitos.Podem subdividir-se em teoria preventiva especial e teoria preventiva geral. As teoriaspreventivastambémreconhecemque,segundosua essência, a pena se traduz num mal para quem a sofre.Mas, como instrumentopolítico-criminal destinadoaatuarno mundo,não pode a pena bastar-se com essacaracterística, emsi mesma destituída de sentido social-positivo. Para como tal se justificar, a pena tem de usar desse mal para alcançar a finalidade precípua de toda a política criminal, precisamente, a prevenção ou a profilaxia criminal. A crítica geral provenientedosadeptosdasteoriasabsolutas,que aolongodostemposmas se tem feito ouvir às teorias relativas é a de que, aplicando-se as penas a seres humanos em nome de fins utilitários ou pragmáticos que pretendem alcançar no contexto social, elas transformariam a pessoa humana em objeto, dela se serviriam para a realização de finalidades heterônimas e, nesta medida, violariam a sua eminente dignidade. Neste sentido, segundo KANT: "O homem não pode nunca ser utilizado meramente como meio para os propósitos de outro e ser confundido com os objetos do direito das coisas, contra o que o protege a sua personalidade inata." Também são criticadas em virtude de justificarem a necessidade da pena para que ocorra a redução da violência e a prática de novos crimes. Deste modo, não existiria limites ao poder do Estado, com uma certa tendência ao "Direito penal do terror". Ou seja, quem pretendesse intimidar mediante a pena, tenderia a reforçar este efeito, castigando tão duramente quanto possível. 3.2.1. TEORIA PREVENTIVA GERAL A teoria preventiva geral está direcionada à generalidade dos cidadãos, esperando que a ameaça de uma pena,e sua imposiçãoe execução, por um lado, sirva para intimidar aos delinqüentes potenciais (concepção estrita o negativa da prevenção geral), e, por outro lado, sirva para robustecer a consciência jurídica dos cidadãos e sua confiança e fé no Direito (concepção ampla ou positiva da prevenção geral). Deste modo, por uma parte, a pena pode ser concebida como forma acolhida de intimidação das outras pessoas através do sofrimento que com ela se inflige ao delinqüente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem fatos criminais (prevenção geral negativa ou de intimidação). Por outra parte,a penapode serser concebida,comoformade que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, apesar de todas as violações que tenham tido lugar (prevenção geral positiva ou de integração). 3.2.2. TEORIA PREVENTIVA ESPECIAL A teoria preventiva especial está direcionada ao delinqüente concreto castigado com uma pena. Têm por denominador comum a idéia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do delinqüente,comofimde evitarque, no futuro ele cometa novos crimes. Deste modo, deve-se falar de uma finalidade de prevenção da reincidência. Essa teorianão buscaretribuirofato passado, senão justificar a pena com o fim de prevenir novos delitos do autor. Portanto, diferencia-se, basicamente, da prevenção geral, em virtude de que o fato não se dirige a coletividade.Ouseja,ofatose dirige a uma pessoa determinada que é o sujeito delinqüente. Deste modo, a pretensão desta teoria é evitar que aquele que delinqüiu volte a delinqüir. A doutrinadaprevençãoespecial,segundoFERRAJOLI,segue tendências, dentre elas, a "doutrina teleológica de la diferenciación de la pena" que FRANZ VON LISZT expõe em seu célebre Programa de Marburgo (1882). Segundo esta visão, a função da pena e a do Direito Penal é proteger bens jurídicos, incidindo na personalidade do delinqüente através da pena, e com a finalidade de que não volte a delinqüir. Nestatendência,aprevençãoespecial pode subdividir-se em duas grandes possibilidades, cuja diferenciação está baseada nas distintas formas de atuar, segundo o tipo de delinqüente. Deste modo, podem ser: prevenção positiva (ou ressocializadora) e prevenção negativa (ou inocuizadora). A prevençãopositivapersegue aressocializaçãododelinqüente,através,da sua correção. Ela advoga por uma pena dirigida ao tratamento do próprio delinqüente, com o propósito de incidir em sua personalidade, com efeito de evitar sua reincidência. A finalidade da pena-tratamento é a ressocialização.
  • 19. Por outro lado, a prevenção negativa, busca tanto a intimidação ou inocuização através da intimidação – do que aindaé intimidável - ,comoa inocuizaçãomediante a privação da liberdade – dos que não são corrigíveis nem intimidáveis. Ou seja, a prevenção especial negativa tem como fim neutralizar a possível nova ação delitiva,daquele que delinqüiu em momento anterior, através de sua "inocuização" ou "intimidação". Busca evitara reincidênciaatravésde técnicas,aomesmotempo,eficazese discutíveis, tais como, a pena de morte, o isolamento etc. 3.3. TEORIAS MISTAS OU UNIFICADORAS. As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Essa corrente tenta recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. Deste modo, afirma MIR PUIG: "Entende-se que aretribuição,aprevençãogeral e a prevençãoespecial são distintos aspectos de um mesmo complexo fenômeno que é a pena". As teorias unificadoras partem da crítica às soluções monistas (teorias absolutas e teorias relativas) .Sustentamque essaunidimensionalidade,emumououtro sentido, mostra-se formalista e incapaz de abranger a complexidade dos fenômenos sociais que interessam ao Direito Penal, com conseqüências graves para a segurança e os direitos fundamentais do homem.(10) Esse é um dos argumentos básicos que ressaltam a necessidade de adotar uma teoria que abranja a pluralidade funcional da pena. 3.3.1. TEORIAS QUE REENTRAMA IDÉIA DE RETRIBUIÇÃO. Esta teoriadefine apenaretributivanoseiodaqual procuradar-se realização a pontos de vista de prevenção, geral e especial;oudiferentementenoque tocaa hierarquizaçãodasperspectivasintegrantes,paratodavia se exprimirnofundoamesmaidéia,comoo de uma penapreventivaatravésde justaretribuição.Numae noutra formulaçãoestarápresente aconcepçãoda pena, segundo a sua essência – e nesta acepção primariamente – como retribuição da culpa, e subsidiariamente, como instrumento de intimidação da generalidade e, na medida possível, de ressocialização do agente. Deste modo, no momento da sua ameaça abstrata a pena seria antes de tudo, instrumento de prevenção geral;no momentodasua aplicaçãoelasurgiriabasicamente nasuaveste retributiva;nasuaexecuçãoefetiva, por fim, ela visaria predominantemente fins de prevenção especial. 3.3.2. TEORIAS DA PREVENÇÃO INTEGRAL O ponto de partida destas teorias é o de que a combinação ou unificação das finalidades da pena ocorre exclusivamente a nível da prevenção, geral e especial, com total exclusão, por conseguinte, de qualquer ressonância retributiva, expiatória ou compensatória. Deste ponto de vista se tentou lograr a concordância prática possível das idéias de prevenção geral e de prevenção especial, a sua otimização à custa de mútua compreensão,de modo a atribuir a cada uma a máxima incidência na prossecução de um ideal de prevenção integral. 4) Persecução penal e dignidade da pessoa humana: limites da atividade persecutória. DA PERSECUÇÃO PENAL: CONCEITOS GERAIS 4.1 Direito e sociedade O homem não consegue viver senão em sociedade. Embora a dificuldade técnica na conceituação de sociedade, preferimos, grosso modo, caracterizá-la como organizações de pessoas reunidas na busca de satisfação de interesses próprios e coletivos. Modernamente,predominano universo jurídico o entendimento de que não há sociedade sem direito. Com efeito, tal assertiva é largamente aceita em virtude da função predominante do direito nas sociedades contemporâneas, qual seja a função ordenadora, tanto que, em posição extremada, disserta Nader (1995, p.31) “Direito e Sociedade são entidades congênitas e se pressupõem. O Direito não tem existência em si próprio. Ele existe na sociedade”. Deste modo, é comum na doutrina pátria a indicação do direito como uma das formas mais eficientes de controle social, esse entendido como o conjunto de mecanismos de que a própria sociedade dispõe para solução de conflitos, imposição de valores morais e todo o necessário para a possibilidade de existência de uma coletividade.
  • 20. Nesse diapasão,fácil imaginar que se cada membro de um agrupamento social fizesse o que bem quisesse e entendesse, recorrente seria a invasão da esfera de liberdade individual pelos demais integrantes do agrupamento, ou, ainda, por parte do ente estatal. Assim,fácil a visualização de que incumbe ao ordenamento jurídico harmonizar as relações sociais visando à continuidade da vida em sociedade, à defesa das liberdades individuais, em suma, ao bem estar geral da coletividade. 4.2 Da evolução da administração da justiça Nos primórdios do desenvolvimento da civilização dos povos, não há como falar em um Estado forte o suficiente para impor, de forma cogente, normas jurídicas. Nessa esteira, Cintra, Dinamarco e Grinover asseveram (2003, p.21) “não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como não havia sequer as leis”. Por conseguinte,quemdesejasse algoque outremoimpedissede obter,seja como forma de relação negocial ou pessoal, haveria de buscar por si só, com seus esforços e na medida de seu poder, a satisfação de seus interessessemqualquermecanismode freiooulimitaçãonessa atividade, sendo que a própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada. Assim,inicialmente asoluçãodosconflitosapontapelareaçãodiretae pessoal do próprio interessado, sendo este,navisãode Ovídio Baptista (2006, p.34) inegavelmente o primeiro ímpeto do homem, havendo o que o autor chama de solução direta entre os conflitantes, sem participação de um terceiro na composição. Este sistemaprecário,de certaforma impensável noconceitomoderno de Estado, é usualmente chamado de auto-tutela. Em verdade, realizava seu desejo aquele que tivesse força ou poder para tanto, com ações completamente desvinculadas, objetivamente, dos ideais de justiça. De outrabanda, importante ressaltar a existência no ordenamento pátrio contemporâneo de casos esparsos de reconhecimento legal da auto-tutela, como nos esforços para cessação de turbação ou esbulho da posse, ou ainda, na seara penal, da excludente da ilicitude legítima defesa. Outra formade composiçãodoslitígiospraticadonossistemasprimitivos,aindapermitidoe até estimulado, é o chamado de auto-composição, através do qual um dos interessados abriria mão do bem disputado, submeter-se-ia à vontade do outro, ou, ainda, no caso de concessão recíproca, sendo esses concernentes, respectivamente, à desistência, submissão e transação. Esta forma de resolução, no entanto, é desprovida de garantia de cumprimento senão pelo uso da própria força do interessado, persistindo, assim, os inconvenientes de sua adoção. É nesse diapasão que Cintra, Dinamarco e Grinover aduzem (2003, p.21) que: “Quando, pouco a pouco, os indivíduos foram-se apercebendo dos males desse sistema, eles começaram a preferir, ao invés da solução parcial de seus conflitos [...], uma solução amigável e imparcial através de árbitros, pessoas de sua confiança mútua em quem as partes se louvam para que se resolvam os conflitos.” Essas funçõesarbitraiseramconfiadas,emgeral,aosanciãose aos representantesde associaçõesreligiosasou ligadasàs divindades,sendo,de qualquersorte,desprovidadaimposiçãodasdecisõesque hojecaracterizama atividade jurisdicional. Portanto, gradativamente, e ressaltemos que de forma não linear e lado a lado com a afirmação do ente Estatal, consolidou-se a solução dos conflitos de forma quase exclusiva pelo Estado, havendo verdadeira proibição do exercício da auto-tutela pelo chamado monopólio da jurisdição estatal. Por conseguinte, se apenas o Estado administra a justiça, por meio do Poder Judiciário, elementar que em havendo lesão de direito do cidadão, estando este impossibilitado de fazê-lo valer pelo uso da força, pode dirigir-se aoEstado,reclamandoaprestaçãojurisdicional e,conseqüentemente,orespeitoaosseusinteresses. Hodiernamente, a realização dessa tarefa definida como jurisdição é obtida pelo processo, definido com clareza por Tourinho Filho (2005, p.7) como forma de composição de litígios, havendo sucessão de atos coordenados visando à chamada composição da lide, estando completa quando o Estado-Juiz, depois de sopesar o obtido na instrução, ditar sua resolução forçosamente. 4.3 Da norma abstrata e impessoal à concretização de seus efeitos secundários No desempenhodaatividadejurisdicional,oEstadoregulaas relaçõesjurídicasouintersubjetivas,partindo da premissade um dos pilaresbásicosdasfunçõesestatais,qual sejaaatividade legislativa. Desse modo, poder- se-ia afirmar que são estabelecidas normas jurídicas, fundadas no senso comum, regendo as mais variadas relações que necessitam de proteção ou reconhecimento estatal, definindo o lícito ou o ilícito, atribuindo direitos,poderes, deveres, faculdades, consistindo, segundo Cintra, Dinamarco e Grinover (2003, p. 18), em: