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                                          Ficha Técnica

                                Copyright © 2011 desta edição, Casa da Palavra
                             Copyright © 2011 José Bonifácio de Oliveira Sobrinho
                    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998.
                  É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.
            DIREÇÃO EDITORIAL: Martha Ribas, Ana Cecilia Impellizieri Martins, Pascoal Soto
                                     DIREÇÃO GRÁFICA: Thais Marques
                       COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: Cristiane de Andrade Reis
                     PRODUÇÃO EDITORIAL: Debora Fleck, Marina Boscato Bigarella
                         ASSISTENTE EDITORIAL: Juliana Teixeira, Juliana Cubeiro
                                 PESQUISA ICONOGRÁFICA: Renata Santos
                          DESIGN DE CAPA: Marcelo Martinez | Laboratório Secreto
                                      FOTO DE CAPA: Antônio Guerreiro
                             TRATAMENTO DE IMAGEM (CAPA): Vitor Manes
                                          REVISÃO: Mônica Surrage
                                 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
                         SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
                                                      O51l
                               Oliveira Sobrinho, J. B. de (José Bonifácio), 1935-
        O livro do Boni / José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. - Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.
                                               Inclui bibliografia
                                             ISBN 9788577342297
1. Oliveira Sobrinho, J. B. de (José Bonifácio), 1935-. 2. Comunicação - Brasil. 3. Televisão - Brasil. I. Título.
                                            11-7682. CDD: 302.209
                                                CDU: 316.77(09)
                              CASA DA PALAVRA PRODUÇÃO EDITORIAL
                             Av. Calógeras, 6, sala 1.001 Rio de Janeiro 20030-070
                          21.2222-3167 21.2224-7461 divulga@casadapalavra.com.br
                                          www.casadapalavra.com.br
Dedicatória

À MINHA MÃE, Joaquina Fernandes de Oliveira, a meu pai, Orlando
de Oliveira, o Caçula, à minha Vovó Nicota e à Dueña Pura.

À Lou, minha mulher, sempre paciente e minha fonte de inspiração.

Aos meus filhos:
Boninho, competente diretor de televisão;
Gigi, a grande educadora da família;
Diogo, campeão de TI e mestre de marketing;
Bruno, ecologista de plantão.

Ao meu irmão Guga e ao brother Jorge Adib.

Aos amigos e companheiros de aventura (In memoriam):

Abelardo Barbosa
Armando Nogueira
Ary Nogueira
Augusto César Vanucci
Borjalo
Cassiano Gabus Mendes
Dina Sfat
Dercy Gonçalves
Dermival Costa Lima
Dias Gomes
Edson Leite
Edwaldo Pacote
Homero Icaza Sánchez
Janete Clair
João Carlos Magaldi
João Saad
José Scatena
José Octavio de Castro Neves
José Ulisses Arce
Julio G. Atlas
Manoel de Nóbrega
Marcos Lázaro
Maurício Sirotsky
Murilo Leite
Paulo Gracindo
Paulo Machado de Carvalho Filho
Paulo Montenegro
Paulo Ubiratan
Régis Cardoso
Renato Pacote
Reali Jr.
Roberto Corte Real
Roberto Marinho
Rodolfo Lima Martensen
Sérgio Cardoso
Teófilo de Barros Filho
Túlio de Lemos
Walter Avancini
Walter Clark
Walter George Durst
Walter Silva
Agradecimentos


  Ao meu mais antigo amigo, o Ricardo Amaral, que, mais que in-
centivar, me obrigou a escrever este livro. Além do mais saiu corren-
do atrás de todos os problemas desde a confecção até o lançamento.
Trabalhou mais do que se o livro fosse dele.

   À minha editora Martha Ribas, que estimulou, contestou, compre-
endeu e ajudou nos mínimos detalhes, ensinando-me como se deve
fazer um livro, alimentando ideias com o mesmo carinho com que
alimentava o seu bebê recém-nascido.

   Ao Carlos Alberto Vizeu, amigo e entusiasta do livro, pelo auxílio
inestimável na pesquisa e pelas críticas sempre pertinentes ao longo
do trabalho.

   À Ione Nascimento que desde de a primeira letra acompanhou o
que eu escrevia, sugerindo fatos e forçando minha memória a traba-
lhar.

   À Christina Leite, minha secretária, pela paciência que tem comi-
go sempre e, em especial, durante o período de gestação deste traba-
lho.
Ao Hans Donner que mais uma vez se aproxima de mim
para me presentear com seu trabalho de designer, encontrando
uma solução perfeita para a capa do livro.

  Ao Antonio Guerreiro pela foto extraída de um péssimo mo-
delo como eu.

   À Silvia Fiuza pela revisão de datas e nomes e sugestões lú-
cidas para que o livro fosse fiel aos acontecimentos narrados.

   Ao meu querido pessoal do CEDOC da Rede Globo, espe-
cialmente à Laura Martins e Clarinha Landolfi, pelo trabalho
intenso e rápido para complementar o livro.

   Ao genial sociólogo italiano Domenico De Masi pelo gene-
roso prefácio.

   À Regina Duarte, Tony Ramos, Fausto Silva, Chico Anysio
e Joe Wallach pelos depoimentos que me emocionaram e en-
vaideceram.

  Aos autores brasileiros de televisão, os mais criativos do
mundo, e aos diretores que transformam seus textos em reali-
dade.

   A todos os que tornaram possível esta humilde homenagem
à televisão e aos seus profissionais.
Prefácio
                        Domenico De Masi

               “Todos llevamos un grano de locura,
                 Sin el cual es imprudente vivir.”
                      Federico Garcia Lorca




BONI NASCEU EM 1935, OITO ANOS depois de Fritz Lang filmar Metro-
polis e um ano antes de Charlie Chaplin filmar Tempos modernos.
Naquela época somente os Estados Unidos, a Inglaterra e mais al-
guns poucos países do mundo eram industrializados. Todo o resto do
planeta, inclusive o Brasil, continuava sendo basicamente rural.
   Ainda em meados do século XX, os jovens do Rio e de São Paulo
sonhavam com um emprego nas fábricas, nos bancos ou, quem sabe,
almejavam tornar-se empreendedores no promissor mercado da in-
dústria automobilística. Boni, por sua vez, llevaba dentro un grano
de locura: sentia-se atraído pelo rádio e pela televisão: em um mun-
do ainda pré-industrial, já desejava uma vida pós-industrial.
   Na Florença dos Médici, era natural que um gênio como Miche-
langelo se tornasse um grande escultor. Na Urbino dos Montefeltro,
era natural que um gênio como Rafael se tornasse um grande pin-
tor. Mas fica difícil entender como um jovem nascido em Osasco no
ano de 1935 tenha conseguido tornar-se este incrível especialista em
mídia. Nem todos os loucos conseguem levar a bom termo a própria
loucura. Filho de um dentista e de uma psicóloga, neto de um avô
que perdera tudo no jogo, Boni conseguiu realizar seus propó-
sitos mesmo tendo ficado órfão com apenas 7 anos: ainda cri-
ança ficou apaixonado pelo rádio; na adolescência, ficou total-
mente fascinado pela televisão, e esses dois amores, transfor-
mados em onívora loucura, o acompanharam pelo resto da vida
como um demônio insano.
   Enfeitiçado por esse demônio interior, ainda criança Boni
ficava encantado diante do rádio; já adolescente conseguiu
meter-se primeiro no mundo dos jornais e do rádio, e mais tar-
de no universo da televisão. Aos 32 anos, quando entrou na
Globo, Boni já tinha experimentado o rádio, as agências de pu-
blicidade e quase todas as emissoras de TV, foi diretor artístico
e de programação, dirigiu o jornal Tribuna de Osasco e uma
produtora de discos que também realizava filmes publicitári-
os. Na Globo, começou primeiro como diretor de programa-
ção e produção; aí tornou-se superintendente de programação
e produção, ficando encarregado da programação, produção,
engenharia, jornalismo e comunicação; foi finalmente nomea-
do vice-presidente, responsável por toda a parte operacional da
empresa.
   Se for verdade que os meios de comunicação de massa são
o símbolo da sociedade pós-industrial, Boni é uma testemunha
preciosa da transformação pós-industrial do Brasil e do mun-
do. Com apenas 16 anos, em um país ainda rural, sonhava em
trabalhar no rádio, e conseguiu. Aí sonhou em trabalhar na te-
levisão, e conseguiu. Finalmente, sonhou em tornar-se o mais
importante executivo do Brasil, talvez do mundo, no setor da
mídia, e também conseguiu. Para um sociólogo como eu, que
há trinta anos estuda a sociedade pós-industrial, Boni represen-
ta uma monstruosa obra-prima, tão interessante do ponto de
vista científico quanto poderia ser, para um astrônomo, a pas-
sagem de um cometa extremamente raro. Diante deste extraor-
dinário achado só posso exclamar a palavra que Ricardo Ama-
ral repetia ao assistir a um show de Gilbert Bécaud: “SEN-SA-
CIONAL”.

   A autobiografia de Boni é um verdadeiro tesouro de infor-
mações acerca de como nasce e se consolida a sociedade mi-
diática em um país como o Brasil. Para compreendermos ainda
melhor o alcance histórico desse fato, vem à minha mente a sa-
gaz introdução de Alberto Moravia para as obras do Marquês
de Sade: “A mente de Sade não é nem um pouco misteriosa;
podemos ver na página como funciona, da mesma forma que,
ao abrirmos a caixa de um relógio, podemos acompanhar o
movimento dos mecanismos.” Com a mesma facilidade, o lei-
tor deste livro do Boni logo se dá conta de como funciona a sua
mente obcecada pelo demônio da mídia. Moravia prossegue
afirmando que na psicologia de Sade fica patente “uma estra-
nha soldagem de partes normalmente longínquas umas das ou-
tras, algo assim como um sistema digestivo em que o estômago
foi amputado e o intestino fica ligado diretamente ao esôfago”.
Em Sade, a razão estava ligada diretamente à sexualidade. Em
Boni, a capacidade empresarial está diretamente ligada ao fu-
ror criativo.

   Mas o sucesso da televisão brasileira também se deve a ou-
tro milagre: enquanto Boni enriquecia a sua experiência em-
presarial em jornais, rádios e televisoras de alcance limitado,
um personagem extraordinário – Roberto Marinho – amadu-
recia a sua experiência de empreendedor genial justamente no
campo da televisão. “Roberto Pisani Marinho – escreve Boni
– era um homem preparado, fino, educado, amante da música,
da pintura e das artes em geral, mas, sobretudo... sagaz.” Pe-
dro Bial, que escreveu uma biografia de Roberto Marinho, diz
dele: “Quando jovem procurou a companhia dos mais velhos.
Quando velho deu o poder aos mais jovens.”
   O milagre aconteceu em março de 1967, quando estes dois
gênios – o empreendedor e o executivo – confluíram na mesma
empresa, levando-a a uma marcha triunfal que durou trinta
anos.
   A televisão deu os primeiros passos nos Estados Unidos, co-
mo desdobramento do cinema e como rede nacional. No Bra-
sil, nasceu muitos anos mais tarde como alternativa ao rádio,
ao teatro, ao circo e como emissora local, mas, graças à Globo,
tornou-se uma rede nacional provedora de sonhos para teles-
pectadores do mundo inteiro. Minha mãe, que morreu aos 90
anos numa pequena aldeia do sul da Itália, nunca assistia à te-
levisão, com uma única exceção: acompanhava pontualmente
todos os capítulos de Escrava Isaura.

   Georges Braque dizia: “Amo a emoção que corrige a regra”.
Juan Gris respondia: “Eu amo a regra que corrige a emoção”.
A genialidade do Boni consiste em possuir, ao mesmo tempo,
a emoção da fantasia e a racionalidade da regra: “Quem quer
ser criativo – ele escreve – não pode ter medo de errar. Quem
quer ser eficiente, não pode tolerar o erro”.
   Mas Boni também possui a obsessão pela intolerância e a
natural predisposição para o trabalho em grupo: “Sempre fui
um intolerante: no rádio, na publicidade, nas emissoras em que
trabalhei antes da Globo e, principalmente, na Globo. Na mi-
nha escalada, fui me juntando a outros ‘intolerantes’ maravi-
lhosos que trabalharam diretamente comigo”.
Impenitente inovador, Boni aderiu de pronto a todas as no-
vidades tecnológicas – da FM ao videotape, dos satélites à
banda larga – proporcionadas pelo progresso; utilizou modelos
matemáticos para definir os preços a serem cobrados, o sistema
automatizado para demarcar os espaços publicitários, o mode-
lo de comercialização baseado em múltiplas variáveis, as pes-
quisas de mercado e as de cunho psicossociológico: todas idei-
as propostas pelos seus excelentes colaboradores, mas aceitas
e valorizadas por ele.
   Como programador, incentivou o entretenimento, as repor-
tagens esportivas, a informação, os programas para a infância
e a juventude, a música e a teledramaturgia.
   Como diretor, sempre acreditou firmemente que a televisão
é um trabalho coletivo, que precisa de uma atmosfera de entu-
siasmo, competência e criatividade, que precisa de tolerância
para o primeiro erro cometido por um colaborador, mas de ab-
soluta intolerância em relação ao segundo.

   Sou um sociólogo, e os sociólogos sempre acusaram a tele-
visão de manipular as massas para induzi-las à obediência du-
rante os regimes ditatoriais e levá-las ao consumismo durante
os tempos de democracia capitalista.
   Boni nos assegura que a Globo nunca foi cúmplice da dita-
dura: “Se alguém pensa que o dr. Roberto foi subserviente aos
militares ou que tirou algum proveito pessoal com a ditadu-
ra está absolutamente enganado. (...) Ele acreditava piamente
que o único regime que servia para o Brasil era a democracia,
do ponto de vista político, e a economia de mercado, do ponto
de vista econômico.(...) Como empresário, nunca fez qualquer
restrição à ideologia dos seus funcionários, escolhendo-os pelo
talento e pela capacidade.”
Ainda sobre o problema da manipulação consumista, neste
livro fica claro que ao longo de toda a sua carreira, Boni e
sua equipe, foram estimulados por uma fúria monomaníaca
para entender os desejos e as necessidades do mercado, para
modificá-los e exacerbá-los por meio da publicidade: para ge-
rar dinheiro, para dar lucro à sua empresa e aos anunciantes.
   Essa missão acarretou competitividade, ações predatórias,
golpes mortais nos concorrentes, lutas sem quartel. “Qual vi-
da... corrida” comenta Boni, citando Garcia Lorca. Walter
Clark diz: “Temos que gastar mais para ganhar mais”. Chacri-
nha pautou a sua vida pessoal pelo slogan: “Eu não vim aqui
para explicar, vim para confundir”, e na vida profissional sem-
pre foi fiel à sua frase emblemática: “Quem não se comunica
se trumbica”. Glória Magadan, por sua vez, costumava dizer:
“Meu ofício é provocar evasão”.
   Há o bastante para ser eticamente condenado por parte de
um júri de sociólogos e moralistas. Mas quem poderia explorar
até o fim a alma humana e as suas motivações mais profundas?
Boni está claramente ciente da força magnética exercida pela
televisão sobre a massa dos telespectadores comuns; está cla-
ramente ciente da contribuição que deu, de forma determinan-
te, ao processo de modernização do Brasil. Em um capítulo do
livro Boni conta: “No dia 1º de janeiro de 1971, eu e a mi-
nha família, o Tarcísio e a Glória, o Ibrahim Sued, o Luiz Bor-
gerth e alguns amigos fomos participar da procissão marítima
do Senhor dos Navegantes, em Salvador (...) Eram mais de mil
barcos no mar e o dia estava lindo e ensolarado (...) Quando
perceberam que o Tarcísio Meira estava em uma das embarca-
ções, as pessoas do barco ao lado começaram a entoar a mú-
sica de abertura de Irmãos Coragem e a coisa foi passando de
barco em barco. De repente, mais de três mil barcos e de trin-
ta mil pessoas cantavam, no mar de Salvador, a uma só voz:
‘Irmãos é preciso coragem...’. O Tarcísio desandou a chorar.
Eu também caí em prantos. Milhares de embarcações tentavam
se aproximar da nossa atirando flores e jogando beijos. Quase
morremos de emoção”.
   Esta emoção também assinala o poder da mídia e a respon-
sabilidade social de quem a gerencia.
   Boni conta que na sua infância, “Eu deixava a janela, que
ficava ao lado da minha cama, semiaberta. À noite, quando
todos dormiam, eu a abria silenciosamente e ficava olhando
o céu, tentando entender a vida e sonhando com o que faria
quando de lá saísse. Repetia isso todas as noites, por anos”.
Agora Boni tem todo o tempo do mundo para admirar nova-
mente as estrelas durante a noite e tem toda a madura sabedoria
necessária para fazer o balanço da vida com que sonhava e da
vida que viveu. Afinal de contas, cada um de nós tem o direito
de cultivar o grano de locura que traz no coração, sin el cual
es imprudente vivir.
Boni, em alguns
               capítulos pessoais
                          Regina Duarte




PENSO NO BONI E EM MINHAS LEMBRANÇAS abre-se o ano de 1968.

   Capítulo 1
   Estou no ar em horário nobre na TV Excelsior fazendo Pom-Pom
de Ivani Ribeiro na novela Dez vidas. Recém-casada, há quatro me-
ses sem receber salário, tenho prestações de apartamento, geladeira,
fogão, cama, mesa e banho, tudo atrasado, tudo indo por água abai-
xo. Assustada, me sentindo no fundo do poço, recebo um telefone-
ma do Guimarães, da Globo de São Paulo, dizendo que o Boni (da
Globo do Rio) me chama para uma conversa na sede paulista. Era
um teatro velho que ficava ali na praça General Osório da avenida
São João, onde eu já tinha estado antes para receber o Troféu Im-
prensa do Silvio Santos, da TVS, como revelação do ano por Malu,
meu personagem em A deusa vencida de Ivani Ribeiro com direção
de Walter Avancini, em 1966.
   Numa salinha exígua, bem mequetrefe, Boni diz que gosta do meu
trabalho, me pergunta quanto estou ganhando, me oferece o dobro e
me propõe um contrato de dois anos pra gravar na Globo Rio, co-
meçando dentro de 15 dias, a novela Véu de noiva, de Janete
Clair, com direção de Daniel Filho. Tudo isso bem rápido, co-
mo era o jeito urgente que sempre teve para lidar com as coi-
sas. Taquicárdica de emoção, ainda balbucio: “Mas... e a nove-
la? O meu contrato?”. E Boni, muito sério, quase bravo: “Que
contrato? Você não recebe seu salário há quatro meses, minha
filha! Que contrato?!”
   Foi como se no mar revolto da tempestade, em que eu me
encontrava, ele tivesse me estendido uma prancha de surfe bem
grande em que eu podia me agarrar. Mais que isso: um bote a
motor e capota com direito a colete salva-vidas e fone de ouvi-
do tocando “... rumo, estradas, curvas, só despedidas, por en-
tre lenços brancos de partida, em cada curva, sem ter você vou
mais só...”. Leila Diniz, de um dia para o outro passou a ser,
na Excelsior, a Pom-Pom! E eu me tornei Andréa, apaixona-
da pelo piloto de automobilismo vivido por Claudio Marzo, na
Globo.

   Capítulo 2
   A memória abre, aleatória, outra pasta e Boni aceita ir lá em
casa (honraria!) para uma noitada de conversa e brincadeiras.
Era Copacabana ainda. Somos então quatro casais empolga-
dos com o jogo de formar palavras com dadinhos de letras ar-
remessados na mesa. Em um minuto, marcado na ampulheta, o
grupo que compusesse o maior número de palavras com aque-
las letras ganhava os pontos. Boni e eu, em times adversários,
fazemos sucesso. Bons tempos.

  Capítulo 3
  Boni e Lou convidam eu e minha família para um fim de
semana, um réveillon, em sua casa de Angra dos Reis. Promo-
vem um encontro com Armando Nogueira e me sinto presente-
ada com um curso de sabedoria condensado em três dias e três
noites que passam voando. Dias de sal, sol e mar que deixam
gravados para sempre na mente e no coração a generosidade,
o humor inteligente, a visão lúcida e abrangente do mundo em
que vivemos, o amor à vida, à boa mesa, o culto às amizades,
a paixão pelo exercício de aprender e informar, entreter, pro-
por e curtir o riso, a reflexão e... a lágrima. Boni se confirmou
para mim, naqueles dias, para além do chefe, o sentimental, o
humano, o pai de família, o nutriente provedor de todos nós.

   Capítulo 4
   Boni tinha uma plaquinha em sua mesa com a frase THINK
BOLD. Meu sonho foi sempre levar a sério a proposta, não po-
dia, afinal, decepcionar meu ídolo. Reunião com ele tinha que
ser marcada com no mínimo 15 dias de antecedência. Poderia
durar 15 minutos ou horas. Eu escrevia todas as minhas dúvi-
das, críticas, meus anseios em papeizinhos numerados que ti-
rava da bolsa e ficava ali, meio disfarçando e lendo, nervosa.
Sabia que não havia tempo a perder. Ele falava depressa, im-
punha um ritmo acelerado à conversa, perguntava de supetão,
exigia agilidade na exposição de qualquer argumento. Comigo
foi sempre muito gentil, atento, sorridente, carinhoso. Mas eu
sabia de histórias horripilantes, de broncas homéricas que ele
dava em profissionais de todas as áreas (com direito também
a memorandos malignos); isso sem falar nas demissões sumá-
rias, nos açoites humilhantes à la Steve Jobs (fala-se muito, é
verdade!), a qualquer hora do dia ou da noite, mas especial-
mente nas reuniões de pauta das segundas-feiras. Daí, eu sem-
pre entrava na sala dele com as mãos geladas, suor na testa e
a garganta seca. Dez minutos depois ele conseguia me descon-
trair e eu abria, como no confessionário, no divã do analista,
como no bar com meu melhor amigo, toda a minha história.

  Capítulo 5
  Boni nunca deixou de abraçar qualquer (qualquer!) funcio-
nário vítima de doença, acidente ou perda de parente próximo.
Ele se solidarizava – no sentido lato da palavra –, dando apoio
moral, afetivo, financeiro e tudo mais que se fizesse necessário
pelo tempo que fosse. Mais de uma vez vi seus olhos transbor-
darem de lágrimas ao se referir a um companheiro envelheci-
do, adoentado, em crise.

   Capítulo 6
   Boni é capaz de montar a equipe certa para levar ao teles-
pectador de todas as classes a obra que atende ao desejo, pre-
enche a carência do público em cada momento histórico. Sabe
arquitetar o mais afinado enfoque estético, técnico e ético. Qu-
er sempre um degrau a mais na busca de cada emocionada e/ou
racional proposta artística/jornalística. Consegue ser mercado-
lógico, antropológico, político, provocador, acessível e arroja-
do, tudo junto.

   Capítulo 7
   Quando penso em líder que estimula o livre pensar, o livre
criar, a livre expressão, lembro do que Boni me disse quando
Del Rangel e eu gravamos o piloto da série Retrato de mulher
– Era uma vez, Leila, de autoria de Doc Comparato. Liguei pa-
ra ele e contei: “Ficou bem forte. Você vai ver que tem uma
audácia ali, uma coisa meio maldita, repara.” Depois de ver,
ele me ligou dizendo que tinha gostado, que o seriado estava
aprovado para a grade do ano seguinte e concluiu assim: “Eu
não esperava outra coisa de você.” A gente riu muito.
  E agora, por favor, uma breve e indispensável carta ao Boni:

   Meu querido Boni:
   Pela atenção e cuidados, pelo apoio incondicional ao longo
de mais de trinta anos, por todos os estímulos que fizeram dos
meus sonhos de criatividade e da minha vontade irrefreável de
ser atriz uma realidade bem-sucedida – minha gratidão.
   Não existem palavras que possam abrigar todo o sentido de
sua fundamental importância em minha trajetória artística e
pessoal.
   Sem os personagens e textos propostos, sem a confiança em
mim depositada, que teria feito eu da minha vocação? Do meu
histórico de boa moça disciplinada, da minha garra e paixão
por interpretar outras vidas? Pouco, eu sei. E sei também que
existe, na história da TV brasileira, a era Boni. A Era de Ouro,
a Renascença do fazer televisão no Brasil. Não há quem não
saiba, no nosso meio, na nossa classe, nos núcleos de interes-
sados em comunicação, que existe, até aqui, a era a.B. e a era
d.B. É só ligar no canal Viva e ver: sua obra está toda lá, su-
cessos de ontem, de hoje... de sempre!
   E eu, privilegiada, podendo fazer parte, viver de perto tudo
isso.
   Sua força criativa, sua capacidade de realização, seu hu-
mor, sua sensibilidade e audácia, sua obsessiva busca de per-
feição fazem com que minha admiração por você seja inco-
mensurável, Mestre.
   Muito carinho também, sempre,
   Regina Duarte
Entrando no ar

CRIAR EXPECTATIVAS É PRODUZIR FRUSTRAÇÕES. Não esperem deste li-
vro nenhuma informação bombástica ou a revelação de segredos dos
bastidores ou das empresas, até hoje ocultos. Nada disso. Também
não é uma autobiografia, uma vez que, a exceção do capítulo “A in-
fância e a família”, narro apenas minhas experiências profissionais,
limitando-me aos fatos dos quais participei ou testemunhei, sem pre-
tender fazer um relato abrangente da história do rádio, da publicida-
de e da televisão.
   Portanto, este livro é uma coletânea de episódios, alguns com in-
formações importantes e outras curiosas, registradas durante minha
trajetória por diversas áreas da comunicação em mais de 60 anos de
atuação e não apenas sobre a minha passagem na Rede Globo. Em
alguns desses episódios, tomei a liberdade de incluir depoimentos de
companheiros que participaram ativamente da minha vida profissi-
onal. Dentro dos limites da memória, e de acordo com informações
pesquisadas, procurei me aproximar o máximo possível de datas, no-
mes, locais e da veracidade dos acontecimentos, mas este não é o
principal objetivo deste livro e alguma discrepância poderá ocorrer.
   Realizar tudo, ou parte do que sonhei, só foi possível com a par-
ceria dos amigos e dos profissionais, todos de altíssimo valor, que
comigo trabalharam no aprimoramento da comunicação no Brasil e
na implantação de uma televisão de qualidade, reconhecida em todo
o mundo. Por todos os lugares que passei e em todos os cargos onde
atuei nunca deixei de participar intensamente de todos os acon-
tecimentos. Mas também nunca fiz nada sozinho. Portanto, o
que este livro pretende ser é uma homenagem carinhosa a to-
dos os profissionais da nossa televisão.
   A todos, mesmo os que, por limitações naturais, não pude-
ram ser citados, o meu muito obrigado.
A infância e a família

NASCI EM OSASCO, EM 1935, em uma casa geminada, na rua da Es-
tação, 77 A. Esse nome foi uma imposição popular, pois ali ficava
a estação de trem da linha Sorocabana. Com isso, me livrei de ter
nascido na rua Glória dos Runfadores, nome antigo e pomposo, da-
do porque ali passavam os garbosos desfiles militares que partiam do
quartel de Quitaúna, duas estações depois de Osasco, naquela épo-
ca uma obscura e desconhecida vila, no subúrbio da cidade de São
Paulo. Sempre que me perguntavam onde nasci, confundiam Osasco
com a cidade de Osaka, no Japão:
   – Nasceu em Osasco??? No Japão?
   Na verdade, Osasco tem origem italiana e possui o mesmo nome
de uma cidade do Piemonte, à beira do rio Pó, onde nasceu Antonio
Agu, fundador da cidade paulista. Mas se não sou japonês, tampouco
sou italiano. Minha família por parte de mãe é toda espanhola e, por
parte de pai, metade espanhola e metade portuguesa. Mistura dos
Fernandes Prado, da minha mãe, e dos Toledo e Oliveira, do meu
pai. Isaías, meu avô espanhol, era um intelectual antifranquista e um
negociante mais para artista. Meteu-se a ser dono de cinema e se deu
mal. Importou vinhos quando ninguém bebia vinho no Brasil e aca-
bou bebendo o seu próprio negócio. Minha avó, Maria Purificación,
Dueña Pura, mulher de fibra e destemida para o trabalho, segurou
a barra da família vendendo roupas como mascate e montando lo-
jinhas de armarinho em Presidente Altino e Santos. Francisco Ca-
etano, meu avô paterno, gostava de jogo e, jogando, perdeu to-
da a grana de minha avó Ana Carolina de Toledo, uma criatura
invejável, educada na Europa e que, além de escrever bem em
espanhol, português e francês, tinha uma caligrafia que pare-
cia impressa em uma gráfica. Seu apelido era Dona Nicota, e
ela montava a cavalo e atirava muito bem. Obrigou os filhos
a se alistarem no Exército de São Paulo, durante a Revolução
Constitucionalista de 1932. Terminado o confronto, agentes fe-
derais quiseram fazer uma revista em sua casa. Dona Nicota os
deixou à vontade e foi para o quarto de casal, onde havia armas
escondidas. Trancou-se e armou-se de uma espingarda de ca-
ça. Quando os agentes bateram na porta, ela abriu de arma em
punho, engatilhada e apontada para eles.
   – Aqui não! Esse é o meu quarto. O único homem que entra
aqui é o meu marido. Para trás! Se derem mais um passo, eu
atiro.
   Os agentes ficaram sem reação. Não sabiam se ela atiraria e
resolveram não arriscar.
   – Minha senhora, é só uma olhada rápida.
   – Que olhada nada. Não permito que minha intimidade seja
violada.
   – A senhora tem mais armas aí no quarto?
   – A arma que eu tenho aqui é só esta. E não é de guerra, é
de caçar perdiz. Somente esta, mais nenhuma... garanto.
   Eles acreditaram e se foram. Minhas avós tinham, em co-
mum, a coragem e a arte de cozinhar. Aprendi com elas que,
para cozinhar, era preciso ter as duas coisas.
   Meu pai e tio Reynaldo eram dentistas. Na casa da rua da
Estação moravam minha avó Ana Carolina e meu tio Reynal-
do, que era solteiro; lá também funcionavam o consultório dos
dois e o laboratório de prótese. A casinha do meu cachorro Ne-
gus e o meu triciclo ficavam na garagem junto com o carro do
meu tio, um Hudson movido a gás de carvão (gasogênio). Nos
fundos, ficava o meu campinho de futebol e, na sala, havia um
possante rádio de ondas médias e curtas no qual eu vivia gru-
dado. É claro que eu passava mais tempo lá do que na minha
casa.
   Meu tio, além de dentista, era um apaixonado por política
e me arrastava com ele em algumas madrugadas para colocar
cartazes de propaganda em postes e muros. Aliás, foi Reynaldo
de Oliveira que promoveu o movimento autonomista que deu
a Osasco o status de cidade. Foi ele também que me ensinou a
ler e escrever.
   Em 1939, quando todos falavam da Segunda Guerra Mun-
dial e o rádio só transmitia notícias do conflito, fiquei curioso
e queria saber tudo o que estava acontecendo. Tio Reynaldo
montou na sala de jantar um imenso mapa-múndi, de dois por
três metros, comprou alfinetes de bolinha e, de manhã, quando
chegavam os jornais, me ensinava a ler as notícias e atualizá-
vamos, no mapa, as posições dos aliados e do eixo. Um ano de-
pois eu estava fazendo isso sozinho. Daí para escrever foi um
pulo.
   A vida na casa-consultório era ativa e agradável. Meu tio
atendia os clientes das sete da manhã às sete da noite e meu pai,
durante o dia, fazia próteses. Eu ficava ao lado dele. Aprendia
a usar o maçarico para fundir ouro usado em pontes e pivôs,
preparava o paladon e dava polimento nas dentaduras. Às sete
da noite, meu pai assumia o consultório, muitas vezes assistido
pela minha mãe, que se metia a dentista só de vê-lo trabalhar.
Jeitosa e revelando sua vocação para a psicologia, que veio a
estudar mais tarde, dona Kina era a preferida das crianças.
Às dez da noite meu pai parava tudo, dispensava clientes,
passava a mão em seu violão e ia para os bares e serestas, onde
ficava até altas horas da madrugada. Ao chegar, me acordava e
esparramava na minha cama bombons e chocolates, que trazia
em um saco amassado de papel. Nunca faltava o Diamante Ne-
gro, meu preferido. Quando minha mãe ameaçava uma bron-
ca, ele, como em um truque de mágica, tirava do ar uma flor,
uma bela maçã vermelha ou um pequeno mimo que a encanta-
va. Ela ria e me dizia que pressentia sempre quando ele estava
chegando, independentemente da hora que fosse.
   Aos sábados e domingos, ia com a viola para programas de
calouros, onde sempre se deu mal como cantor. Como era bom
de violão, foi aconselhado a desistir de cantar e passou a ga-
nhar dinheiro como acompanhante de outros calouros, na Rá-
dio Cultura de São Paulo. Quando não havia mais o risco de
ser gongado, ou buzinado, ele não tinha mais medo de passar
vergonha e me levava para assistir aos programas. Eu ficava
sentadinho na cabine de controle, fascinado com os botões e
com os roteiros dos programas que, então, comecei a colecio-
nar. O rádio entrou direto na minha veia.
   Com o apelido de Caçula, integrou o conjunto Chorões de
Presidente Altino, com José do Patrocínio, o Zé Carioca, Aní-
bal Augusto Sardinha, o Garoto, e, ainda, o pai do genial es-
critor João Antônio, que tocava bandolim e tinha uma padaria
onde eles ensaiavam e se apresentavam nos churrascos das tar-
des de domingo. Passou também pelo Regional do Rago, on-
de usava o que aprendeu como calouro e era o acompanhante
preferido dos novatos. A arte dele era encontrar rapidamente o
“tom” do candidato e, mais do que acompanhar, “perseguia” as
peripécias dos cantores inexperientes. No livro Vou te contar,
de Walter Silva, o Pica-pau, Rago faz o seguinte comentário
sobre o meu pai: “Músico exímio, melhor como acompanhante
do que solista.”
   Orlando de Oliveira, meu pai, era corintiano roxo e morreu
de “corintianite” aguda. Em setembro de 1941, o Corinthians
consagrou-se campeão paulista, por antecipação, vencendo o
Santos por 3 a 2, em plena Vila Belmiro. Na noite anterior,
meu pai havia levantado para espantar uma vaca que tentava
comer nosso pomar. No dia do jogo, teimoso, saiu de casa com
uma gripe danada, levando o violão a tiracolo e um frango as-
sado debaixo do braço ou vice-versa. Depois da vitória, caiu
um pé d’água e, mesmo assim, ele foi comemorar com os ami-
gos. Minha mãe o encontrou em um posto médico com um
pôster do “Corinthians campeão”, publicado na Gazeta Espor-
tiva. A gripe virou pneumonia e a pneumonia, tuberculose. A
estreptomicina, antibiótico específico para a tuberculose, ainda
não havia sido descoberta. Com o fígado baleado pelo consu-
mo de álcool e a resistência baixa pelas noites mal dormidas, a
progressão da enfermidade foi rápida. Em 1943, foi internado
em caráter de urgência na Santa Casa de Misericórdia. Minha
mãe, cheia de esperança, foi visitá-lo algumas vezes e, final-
mente, recebeu uma notícia-surpresa: meu pai havia recebido
alta e deveria ser tratado em um sanatório ou submetido a uma
cirurgia. Comunicaram do hospital que ela deveria levá-lo para
casa. Era setembro e minha mãe faria aniversário em outubro.
Ficou radiante. Era o presente que queria. Lembro-me dela se
arrumando e colocando o melhor vestido para ir ao encontro
do meu pai.
   Na casa da minha avó, onde eu os aguardava, o ambiente era
de festa. Minha mãe demorou muito para voltar, aumentando
a expectativa. De repente, entrou em casa sozinha e chorando
copiosamente. Abraçou-me e, quase sem voz, sussurrou: “Seu
pai morreu.”
   Saí em disparada, correndo, sem saber para onde ir. Meus
olhos percorreram velozes os corredores da casa, o laboratório
de prótese, o quintal e o campinho de futebol, procurando por
ele em todos os lugares. Para mim era inaceitável, era irreal,
era mentira. Fugindo da verdade, fui para a casa das minhas ti-
as. Não tive coragem de voltar para a casa da minha avó, onde
seria o velório. Tive medo de vê-lo.
   Meu pai morreu aos 33 anos de idade. Eu tinha 7 anos e o
Guga, meu irmão, 2. Minha mãe iria completar 28 anos. Ela es-
crevia poemas, bordava, ajudava no consultório e não tinha re-
cursos financeiros para sobreviver à morte do meu pai. Eu, que
era rei mimado no colégio de freiras de Osasco, fui parar no
Grupo Escolar Marechal Bittencourt, uma escola pública onde
ninguém dava bola para ninguém.
   Tentei ajudar a família, como faziam meus amigos de fute-
bol, indo engraxar sapatos na estação de trem. Arranjei uma
caixinha de madeira, comprei graxa, escova e fui para lá. Logo
de cara, sujei a meia de um cliente e fui expulso da turma.
   Ainda bem que, para meu consolo, eu tinha uma namoradi-
nha, dessas que as famílias decidem que a gente vai namorar.
Ela era meiga e, melhor, filha de um dos donos do único ci-
nema local. Dele, ganhei um passe livre para todas as sessões
com direito a ver montagens dos filmes na cabine de projeção.
Muitos anos depois, quando vi Cinema Paradiso, quase morri.
As colunas, a boca de projeção e todas as características do Ci-
ne Osasco eram parecidas com as do filme do Tornatore; até o
projecionista tinha o jeitão do Alfredo. Eu ia ao cinema quase
todos os dias.
À noite, o Reynaldo me levava para o largo da Estação e eu,
em pé em um caixote, dissertava sobre os acontecimentos do
dia no front, como um Repórter Esso local. Quando terminou
a guerra, me embrulharam numa bandeira do Brasil, me leva-
ram para as casas dos pracinhas de Osasco que haviam ido para
a Itália e, em cada uma, me mandavam fazer um discurso. Eu
não sabia o que dizer, mas pelo fato de ser criança, conseguia
arrancar emoção.
   Quando completei o primário fui internado no Liceu Cora-
ção de Jesus, onde minha mãe arranjou uma vaga gratuita com
Porfírio da Paz, político influente na época, amigo de amigos
do meu pai. Passei alguns anos lá e foi uma experiência de vi-
da fantástica. Para pagar os estudos, tinha a obrigação de abrir
o dormitório, verificar se estava tudo em ordem e fechar as de-
zenas de janelas existentes. Eu deixava a janela, que ficava ao
lado da minha cama, semiaberta. À noite, quando todos dormi-
am, eu a abria silenciosamente e ficava olhando o céu, tentan-
do entender a vida e sonhando com o que faria quando de lá
saísse. Repetia isso todas as noites, por anos.
Os avôs paternos Ana Carolina e Francisco Caetano. Os tios José Bonifácio,
             Reynaldo e Odovaldo e o pai Orlando (ao centro)
Dueña Pura
Orlando, Reynaldo e Odovaldo na revolução de 1932
Boni no colo do pai, Orlando de Oliveira
Joaquina Fernandes de Oliveira, mãe do Boni
Boni e seu cahorro Negus
Boni e sua primeira namorada
Boni
Guga, Boni, tia Marina, dona Kina e Dueña Pura
Boninho e Gigi
Boni e Bruno
Boni e Diogo
Lou
Lou e Boni
Dona Kina e Boni
Dona Kina, como chamavam a minha mãe, estava tratando de ga-
nhar a vida. Vendia aos familiares de recém-falecidos quadros pin-
tados baseados em uma fotografia do ente querido, fornecida pela
família. Ela ia às missas do interior, conseguia o endereço do fina-
do, se apresentava como uma amiga que vinha trazer uma mensagem
de conforto e sapecava a venda de uma homenagem póstuma. E não
deixava para depois: argumentava que teria de ser naquele momen-
to, pois mais tarde o morto seria esquecido. Nesse tempo, dona Kina,
muito justamente, cuidava do Guga, filho menor e mais necessitado
de cuidados. Depois, ele também foi parar em um internato em Pira-
cicaba.
   Passamos também por Lins, onde minha mãe montou uma bibli-
oteca particular, a Difusão Cultural Linense, algo parecido com as
videolocadoras de hoje, mas que alugava livros. Eu ia ao colégio e
fazia também o atendimento dos clientes. Morria de vergonha quan-
do não sabia responder uma pergunta sobre algum livro. Comecei a
ler tudo furiosamente e, quando não era possível, lia pelo menos as
orelhas. Para mim foi muito útil, mas a biblioteca deu com os burros
n’água.
   Aos 13 anos, dona Kina ganhou um concurso de literatura do jor-
nal O Estado de S. Paulo, que publicou um conto escrito por ela e sua
foto com a legenda “Esperança do Brasil”. Aos 63 anos, finalmente
resolveu seguir sua verdadeira vocação e ingressou na universidade,
diplomando-se duas vezes: uma como administradora e outra como
psicóloga clínica.
   Foi para os Estados Unidos e especializou-se em neurolinguística
e terapia de família pela ITAA (International Transactional Analysis
Association), em Oakland, Califórnia. Tornou-se membro efetivo do
Institute of Psychorientology de Laredo, no Texas. Exerceu a profis-
são até os 82 anos e só parou porque a proibi de trabalhar. Escreveu
e publicou livros sobre psicologia, tais como Voo de Eros, no
qual aborda o comportamento sexual, e Psiu, quem é você?,
uma coletânea dos pensamentos de Freud, Jung, Lacan e os
dela mesma. Poeta sensível, escreveu inúmeros poemas e foi
também presidente da AJEB (Associação das Jornalistas e Es-
critoras Brasileiras).
   Aos 95 anos de idade, conta com uma legião de admira-
dores, entre parentes, amigos e clientes eternamente gratos.
Além, é claro, da gratidão e da admiração que eu e o Guga te-
mos por ela.
Quem tem tio vai ao Rio

SE QUEM TEM BOCA VAI A ROMA, quem tem tio vai ao Rio. Em 1949,
minha mãe casou-se de novo e decidiu morar no Rio de Janeiro. Eu
tinha 14 anos e, para mim, foi ouro sobre azul. No Rio, a minha tia
Sandra Branca, cantora, tinha um programa só dela na Rádio Conti-
nental e era casada com o José Pontes de Medeiros, um dos Quatro
Ases e um Coringa. Além disso, toda a família da tia Artemia, minha
tia-avó, curtia o ambiente de rádio. Eu adorava ir para a casa dela,
em Santa Teresa, para ouvir histórias sobre os bastidores do rádio ca-
rioca. Meu tio José González Fernández, o Zéito, montou a Editora
Assumpção e suas primeiras edições foram livros de Dias Gomes e
de Nelson Rodrigues, este sob o pseudônimo de Suzana Flag. O Di-
as Gomes era diretor-geral da Rádio Clube do Brasil e pedi ao meu
tio que nos apresentasse, pois queria aprender a ser nada mais nada
menos que diretor de uma emissora de rádio.
   O Dias, coitado, topou, e eu o enlouqueci. Prefiro deixar que ele
dê sua versão de como as coisas aconteceram. No livro Apenas um
subversivo, ele conta:

     Por essa época fui procurado pelo editor de meu primeiro romance, o José Fernán-
  dez, que me trazia um adolescente de seus 14 ou 15 anos.
     – É meu sobrinho, diz que quer ser diretor. E está curioso de saber como se dirige
  uma emissora de rádio.
Expliquei que não tinha tempo para ensinar, mas ele, o garoto, podia vir to-
  dos os dias e ficar me observando, assim acabaria aprendendo.
      Daí em diante, diariamente, durante o tempo em que permanecia na rádio,
  eu tinha o “aprendiz de diretor” me seguindo, me acompanhando. Se eu ia ao
  estúdio, ele ia atrás, se ia ao palco, ele me seguia, se permanecia em minha sala
  despachando, ele se sentava no sofá à minha frente e não tirava os olhos de mim,
  não perdia um só dos meus movimentos, uma só palavra. Era a minha sombra.
  Às vezes, andando na rua, eu imaginava que tinha alguém me seguindo, voltava-
  me, não via ninguém, aquilo já estava se tornando uma paranoia. Chamei o Fer-
  nandes e supliquei.
      – Por Deus, me leve esse garoto, ele está me deixando maluco.
      Dezessete anos depois, esse mesmo garoto me contrataria para trabalhar na
  TV Globo: era José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Havia se transfor-
  mado num dinâmico executivo, cujo talento seria amplamente reconhecido co-
  mo principal artífice da façanha de colocar a Rede Globo entre as quatro maio-
  res redes de televisão do mundo.


   O que o Dias não contou é que ele me mandou para a escola
de rádio da prefeitura do Rio de Janeiro, instalada na Rádio
Roquette Pinto e dirigida por Berliet Jr., importante homem
de rádio na época. Lá, me deixaram fazer de tudo: ser locutor,
apresentador, escrever textos, operar a mesa de controle e até
escolher músicas para sonoplastia. Não era exatamente o que
eu queria. Sabia que se tratava de um aprendizado, mas eu so-
nhava mais alto e tinha pressa. Quando o César de Alencar pro-
gramava os Quatro Ases e um Coringa, lá ia eu para a Rádio
Nacional junto com meu tio adotivo, o José Pontes, e ficava
transitando pelo bar da Nacional, olhando as celebridades que
admirava.
   Desde os tempos em que ia com meu pai ao auditório da Rá-
dio Cultura, em São Paulo, decidi que era com isso que queria
trabalhar. O pioneiro do moderno rádio brasileiro foi o Ademar
Casé, pai do Geraldo Casé e avô da Regina Casé. Quando co-
meçou, no Brasil, o rádio era um veículo amador e sem graça.
O locutor da época, por exemplo, anunciava:
   – E agora, com vocês, Carmen Miranda!
   A Carmen entrava, era aplaudida por um pequeno auditório,
os músicos entravam, sentavam-se e, enquanto todos se prepa-
ravam para o número musical, havia um longo silêncio no ar.
O ouvinte não tinha a menor ideia do que estava acontecen-
do. De repente, o número musical começava. O Ademar Casé,
que começou como vendedor de rádios a domicílio, sacou que
aquilo não podia ser assim. Pegou um aparelho de ondas cur-
tas e começou a ouvir as emissoras dos Estados Unidos e de
outros países. Descobriu que não havia buracos, que era tudo
ligado, e criou o Programa Casé, implantando em nosso rádio
o ritmo. De certa forma, o espírito dele está presente, até hoje,
no rádio e na televisão brasileira.
   Em São Paulo, desde os anos 1930, se fazia um rádio de pri-
meira qualidade, melhor e mais sério que o do Rio. O rádio
paulista sempre foi mais inteligente. Brilharam por lá nomes
como Octavio Gabus Mendes – pai do Cassiano –, Oswaldo
Moles, Túlio de Lemos, Júlio Atlas, Nicolau Tuma, Blota Júni-
or, Vicente Leporace, Nhô Totico, Raul Duarte, Oduvaldo Vi-
anna, Amaral Gurgel, Ivani Ribeiro, Sarita Campos, César La-
deira, Saint Clair Lopes, Murilo Antunes Alves, Aurélio Cam-
pos, Pedro Luís, Edson Leite, Geraldo José de Almeida, Henri-
que Lobo, Adoniran Barbosa, Pagano Sobrinho, Isaurinha Gar-
cia, Zé Fidélis e, posteriormente, Ronald Golias, Walter Fos-
ter, Manoel de Nóbrega, Walter Silva e tantos outros. Já em
matéria de popularidade, a Rádio Nacional do Rio era o má-
ximo. Fundada em 1936, sucedeu a Rádio Philips, sob o con-
trole do jornal A Noite. Em 1940, foi estatizada por Getúlio
Vargas e incorporada ao patrimônio da União, para servir aos
interesses do governo. Nos anos 1940, começou a crescer ba-
seada em programas populares, mas de qualidade, como o Re-
pórter Esso, apresentado por Heron Domingues; Um milhão
de melodias, criado e produzido por José Mauro, Haroldo Bar-
bosa e Paulo Tapajós; Nada além de dois minutos e Obriga-
do, Doutor, do médico, apresentador e escritor Paulo Roberto;
PRK-30, dos gênios Lauro Borges e Castro Barbosa; Balança
mas não cai, de Max Nunes e Haroldo Barbosa, e também no-
velas inesquecíveis sob a responsabilidade de Floriano Faissal.
   Nos anos 1950, a Rádio Nacional era o mais importante veí-
culo de comunicação do país, mas o rádio brasileiro sempre
contou com emissoras importantes em todas as capitais. Rádi-
os como Jornal do Commercio e Rádio Clube de Pernambuco,
de Recife, mantinham orquestras completas mediante contra-
to. A Rádio Jornal do Comércio foi montada com o que exis-
tia de mais moderno em transmissores de rádio e ostentava o
slogan “Pernambuco falando para o mundo”. No sul, a Rádio
Farroupilha e a Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, tinham uma
rede de emissoras em todo o estado do Rio Grande do Sul e
deram espaço para algumas de nossas mais lindas vozes, como
a do inigualável Heron Domingues. Aliás, em matéria de vo-
zes, o rádio brasileiro foi pródigo. Cito algumas delas: Carlos
Frias, Luís Jatobá, César Ladeira, Reinaldo Dias Leme, Hum-
berto Marçal, Antonio Pimentel e também um nome da nova
geração, Ferreira Martins.
   No Rio de Janeiro, uma outra tia, a tia Nair, era fanzoca de
auditório e, sabendo que eu adorava rádio, me levava ao Teatro
Carlos Gomes para assistir O trem da alegria, da Rádio Glo-
bo, com o famoso “Trio de osso”, assim conhecido pela magre-
za de seus componentes: Lamartine Babo, Heber de Bôscoli e
Yara Salles. Com a minha lindíssima tia Sandra Branca, eu ia
à Rádio Continental. Em 1950, me apaixonei pelo trabalho de
Carlos Palut, à frente dos Comandos Continental, que conside-
ro a base do jornalismo radiofônico e televisivo brasileiros.
   Nesse tempo, eu estudava de manhã, no colégio Piedade;
à tarde, trabalhava no Méier, como auxiliar de protético, e à
noite praticava na Roquette Pinto. Foi lá que recebi uma vi-
sita inesperada. Tratava-se de publicitários trabalhando para a
Toddy do Brasil que necessitavam de um jovem para escrever
o texto de um programa dedicado aos adolescentes. Achei ape-
nas interessante. Mas quando me disseram que seria um pro-
grama de auditório, e na Rádio Nacional, dei um pulo e topei
na hora, mesmo com um cachê muito pequeno. O programa era
semanal, se não me engano, nas tardes de quinta-feira. Além
de escrever textos, eu me escalava para alguns papéis nos qua-
dros do programa. Pegar um script e interpretar no auditório da
Rádio Nacional, onde assistia a meus ídolos, era emocionante.
   Em 18 de setembro de 1950, inaugurava-se a TV Tupi de
São Paulo. Minha cabeça voltou-se para a televisão e eu só
pensava em retornar à capital paulista. Minha mãe também
queria isso, por conta de desavenças entre o meu padrasto e
eu. Ele era contador e trabalhava para várias empresas no Rio.
Chamava-se Ed e era um chato de galocha. Um dia, dei uma
sacaneada nele: pelas suas costas, fingi que ia espremer um pa-
no de chão molhado bem na sua cabeça e ele, ao perceber mi-
nha manobra, saiu procurando um revólver para me matar. Só
não morri porque fugi antes que ele encontrasse a arma. Não
sei se atiraria, mas, na dúvida, como eu era bom de corrida, me
mandei e não voltei nem para fazer as malas. O episódio defi-
niu o retorno da família a São Paulo. Lá eu mataria três coelhos
– e não dois – com uma cajadada só. Iria acompanhar os pri-
meiros passos da televisão, trabalhar em alguma emissora de
rádio e ficar com a família.
   Outra tia apareceu na minha vida: tia Marina. A mais que-
rida, a mais generosa com a família, a mais engraçada e, por
tudo isso, a mais importante. Ela trabalhava duro como propri-
etária de um salão de cabeleireiros, na avenida Pompeia, cha-
mado Instituto de Beleza Avenida e, com seu temperamento
alegre e comunicativo, transformava as clientes em verdadei-
ras amigas do peito. Perguntei-lhe se conhecia alguém envolvi-
do com rádio ou televisão. De cara, respondeu que de televisão
não conhecia ninguém, mas sim de rádio e de publicidade. De
rádio, conhecia dona Dalila, esposa do grande radialista Mano-
el de Nóbrega; e da publicidade, dona Arminda, casada com o
genial Rodolfo Lima Martensen, com quem eu viria a trabalhar
mais tarde.
   Embora a Rádio Nacional de São Paulo não estivesse di-
retamente ligada à Nacional do Rio, nos corredores da rádio,
no edifício de A Noite, na praça Mauá, diziam que o Nóbrega
era um dos pilares da Rádio Nacional de São Paulo. Optei por
procurá-lo. O empreendimento seria tão importante que Der-
mival Costa Lima sairia da TV Tupi para voltar ao rádio e ser
diretor artístico da Rádio Nacional paulista. Pedi à tia Marina
que falasse com dona Dalila para que eu conseguisse marcar
um encontro com o Nóbrega.
   Levei para ele meus textos ainda amadores. Além de algu-
mas críticas, ele, mestre em escrever humor, me ensinou al-
guns truques para melhorar a minha escrita e me propôs que
fosse seu assistente. Mas, para que eu pudesse trabalhar, teria
que esperar até que ele me arranjasse uma salinha na Rádio Na-
cional. O dinheiro não seria muito, mas ele tentaria um salário
melhor com o tempo. Não pensei duas vezes: voltei para São
Paulo.
TV chuvisco

1951. ENQUANTO AGUARDAVA O INÍCIO do trabalho com o Manoel de
Nóbrega, ficamos morando – eu, minha mãe e o Guga – no sobradi-
nho onde funcionava o Instituto de Beleza da tia Marina, na avenida
Pompeia. Compartilhávamos o segundo andar com ela e outras tias
e primas que também trabalhavam no salão. Minha mãe tinha uma
amiga com quem jogava cartas e que possuía um televisor, coisa ra-
ríssima. À noite, me enfiava na casa dessa amiga e ficava de olhos
grudados na telinha. Eram apenas algumas horas de transmissão. Eu
assistia a tudo e, quando acabava a programação, ainda ficava ho-
ras “assistindo a chuvisco”: pontos brancos que se moviam na tela
acompanhados de um chiado insuportável. Muitas vezes era desper-
tado pela dona da casa, pois havia adormecido no sofá, com o televi-
sor ligado, sonhando com o que fazer na televisão. Voltava para casa
tarde da noite, ou na madrugada, incomodando a mulherada.
   Embora minha mãe contribuísse com algum dinheiro e o Guga até
ajudasse na limpeza do salão, tia Marina, muito triste, nos avisou que
não poderíamos morar com ela eternamente. Além de dividirmos os
dois quartos existentes, estávamos também compartilhando as camas
e impedindo o descanso adequado da mulherada. O mais importante
é que eu, com 16 anos, e o Guga, com 11, já éramos grandinhos o
suficiente para tirar a liberdade delas.
   Nesse momento, o Nóbrega me chamou. Minha mãe, voltando à
experiência de lidar com o outro mundo, arranjou um emprego na
Organização de Luto São Geraldo, no largo Padre Péricles, em
Perdizes, onde poderíamos morar. No andar superior havia um
único quarto e colocamos lá três camas. A localização era pri-
vilegiada. Em frente tínhamos o Cine Esmeralda e para pegar
uma sessão era só atravessar a avenida General Osório. A Rá-
dio Nacional, onde eu trabalhava com o Nóbrega, ficava na rua
24 de Maio e eu podia ir de bonde até a avenida Ipiranga com
a São João, o que me permitia economizar uns trocados. Pela
manhã, minha mãe fazia o atendimento e organizava o negócio
de venda de funerais. À tarde, quando eu voltava do trabalho,
assumia a loja com ajuda do Guga. Em meio aos caixões de
defunto e entre a encomenda de um enterro e outro, escrevia
os meus quadrinhos humorísticos para o Programa Manoel de
Nóbrega. Bem cedo, de manhã, com os quadros em uma pasta,
ia para a emissora, onde encontrava sempre o locutor Eli La-
cerda que, sabendo que eu não tinha grana, me pagava um café
reforçado na Salada Paulista, com direito a um sanduíche de
filé à milanesa.
   O Nóbrega foi muito importante para mim. Sem ele eu não
teria dado a partida. No início eu organizava os textos dele que
seriam os quadros de humor do dia. Conferia tudo e mandava
para o mimeógrafo. Era encarregado de confirmar a presença
do elenco e, também, de receber alguns credores de uma em-
presa de cinema que o Nóbrega havia criado e não dera cer-
to. Ele, sempre ético, não regateava. Aparecia credor, pagava
em dinheiro, na hora, sem chiar. Depois de algum tempo tra-
balhando juntos, quando faltava algum texto no programa, ele
escolhia no arquivo um quadro antigo e me pedia para rees-
crever, atualizando os diálogos. Depois, adquirindo confiança,
me deixou encarregado de dois quadros que ele havia criado
e ficamos eu, o Mário Santos e o Nóbrega com todos os hu-
morísticos do programa. Peguei bem o estilo dele, de tal for-
ma que não sabíamos mais o que ele tinha escrito e o que era
meu. Por conta disso, tivemos algumas discussões sobre o que
era de quem e quem assinava a autoria. Uma bobagem minha,
uma vez que o criador dos tipos e dos quadros era ele e eu só
estava seguindo a mesma linha. Na verdade, o Nóbrega bata-
lhou muito para transferir o contrato que eu tinha com ele para
a responsabilidade da Rádio Nacional de São Paulo, mas o bo-
nachão Costa Lima, diretor artístico, vinha sempre com a velha
conversa:
   – Espera um pouco, menino, agora não tem verba.
   Essa situação durou mais de um ano e me incomodava. Eu
estava nervoso, pois me sentia patinando no mesmo lugar. Pre-
cisava de dinheiro, mas não me sentia no direito de incomodar
o Nóbrega. Ele era muito afável comigo. Quase todo dia me le-
vava para almoçar em sua casa, onde discutíamos como tinha
sido o programa e o que deveríamos fazer para melhorar. Dona
Dalila e o Carlos Alberto também eram extremamente gentis e
atenciosos.
   Mesmo assim, com a situação apertada, eu pensava em vol-
tar para o Rio, onde já havia sido inaugurada a TV Tupi cari-
oca. Além disso, imaginava que talvez o Dias Gomes pudesse
me ajudar de novo. Uma tarde, quando estava na discoteca da
rádio escolhendo músicas com o Ricardo Macedo, recebi um
telefonema inesperado. Era a secretária de Teófilo de Barros
Filho, o todo-poderoso diretor artístico das Emissoras Associa-
das em São Paulo e monstro sagrado da época. Naquele tempo
eu já era Boni, em casa, mas no rádio usava Oliveira Sobrinho.
   – Sr. Oliveira Sobrinho? O dr. Teófilo quer falar com o se-
nhor. Vou passá-lo.
   Ele entrou na linha e foi breve.
– Alô, Oliveira, você pode estar amanhã, na minha sala, aqui
no Sumaré, às seis da tarde?
   Pensando que era trote, respondi titubeante:
   – Posso... posso.
   – Então, até amanhã. Mas, por favor, não mencione a nin-
guém esse telefonema. Nem aí na rádio nem na sua casa, por
favor. Mantenha o encontro em absoluto sigilo.
   Achei estranho, muito estranho. Tinha toda cara de que era
trote. Desliguei e fui correndo procurar o número da Tupi de
São Paulo na lista telefônica. Liguei para a telefonista e pedi
para falar com a secretária do dr. Teófilo. Quando ela atendeu,
percebi que a voz era a mesma de antes:
   – Aqui é Oliveira Sobrinho. Gostaria, por favor, de confir-
mar o encontro com dr. Teófilo.
   Ela confirmou. E recomendou:
   – Ele é muito pontual. Esteja aqui quinze minutos antes.
   Não falei com ninguém e cheguei meia hora antes. Esperei
alguns minutos e entrei na sala da diretoria. Lá, o Teófilo, um
gordinho bem falante, culto e simpático, foi logo me dizendo:
   – Queremos que você venha para cá. Sabemos quanto você
ganha e oferecemos um contrato que paga seis vezes mais. Mas
olha bem, tem uma coisa: só vale se você assinar agora, sem
falar com o pessoal da Nacional. Se souberem, vão querer pa-
gar mais para segurar você. E nós não queremos leilão.
   Eu levei um susto e perguntei:
   – Agora? Tem que ser agora?
   – Agora. Sem falar com ninguém.
   Fiquei pensando. Como assinar sem falar com o Nóbrega?
   Perguntei:
   – Nem pelo telefone eu posso falar com o Nóbrega?
   – Não. É pegar ou largar.
Toda minha situação passou pela cabeça e, enquanto revia
tudo, fiquei parado sem responder.
   O Teófilo me trouxe de volta à realidade dizendo em tom de
sedução:
   – Você é um diamante que precisa ser lapidado. E aqui te-
mos uma coisa que eles não têm: a televisão. Precisamos de
gente jovem. O Cassiano, nosso diretor da TV Tupi, é apenas
um pouco mais velho que você. O contrato de dois anos está
datilografado. É só assinar.
   Não pensei mais. Nem li direito o contrato. Assinei. Por
conta do dinheiro futuro tomei um táxi e fui para a casa do Nó-
brega comunicar a ele e pedir que compreendesse. Ele ficou
fulo de raiva e, muito justamente, fugindo do controle emocio-
nal e da educação que lhe eram característicos, me chamou de
ingrato e, aos palavrões, me botou na rua. Demorou muito pa-
ra voltarmos a nos falar. Até hoje sou grato a ele e tenho um
especial carinho pelo Carlos Alberto de Nóbrega, que comigo
compartilhou os ensinamentos de seu pai.
   No day after, fui à Tupi saber quais eram as minhas obri-
gações. Eles iriam lançar um programa chamado Caravana da
alegria, para concorrer com o programa do Nóbrega, no mes-
mo horário, apresentado diretamente do Cine Oásis, na praça
Júlio Mesquita, e comandado por J. Silvestre. Eu seria o re-
dator de cinco quadros humorísticos diários. Queriam alguma
coisa no mesmo gênero da concorrente. Aí é que fui entender
o empenho deles e o porquê de tanto mistério. Assumi a tare-
fa do rádio, mas quis conhecer o Cassiano Gabus Mendes. Fui
levado até ele, que, muito simpático e sem rodeios, me reco-
mendou que eu aprendesse televisão frequentando os estúdios
e me aproximando dos profissionais. No momento oportuno,
me chamaria. Perguntou se tinha um aparelho de televisão e eu
ri respondendo que não. Ele disse que a empresa me empresta-
ria um para levar para casa, me entregou uma requisição para
preencher, rubricou o documento e me mandou pegar o televi-
sor no almoxarifado. Pediu que eu assistisse a tudo o que fosse
possível. Contei que via até chuvisco. E ele brincou:
    – Temos ainda muitos programas piores que chuvisco.
Nossa próxima atração

COMECEI NA TUPI NO FINAL DO ANO DE 1952. Ela estava meio esvazia-
da porque a Rádio Nacional, de onde eu acabara de sair, havia levado
o Costa Lima, a Sarita Campos, a Yara Lins e mais de quarenta pes-
soas de uma só vez. Mas Caravana da alegria, na Rádio Tupi, fazia
sucesso. O público do Cine Oásis ria dos meus quadros e, finalmen-
te, eu estava voando sozinho.
   Antes da entrada do público, usávamos a sala de espera do cinema
para ensaiar. Um dia, apareceu no ensaio um senhor elegante, vesti-
do impecavelmente, cabelos alinhados, relógio de ouro e com jeito
e perfume de quem acabara de sair do banho. Era o importantíssimo
Fernando Severino, primeiro diretor comercial da televisão brasilei-
ra. Veio falar comigo sobre um projeto para a loja de departamentos
Sears. Queria que eu escrevesse uma comédia de situação que seria
exibida na TV Tupi, três vezes por semana, às 20h30, logo depois do
Repórter Esso. O quadro teria a obrigação de terminar sempre com
um produto da Sears. Ou seja, tratava-se de um comercial de 15 mi-
nutos disfarçado de comédia. Para isso, a empresa iria disponibilizar
os produtos que deveria veicular e as datas para essa promoção. Pen-
sei logo em uma família, quando ainda não existia esse modelo na
televisão brasileira e o All in the Family nem havia aparecido na te-
levisão americana. Pedi ao Fernando que me ajudasse a falar com o
Cassiano para compor um bom elenco. Falamos. Cassiano me ofere-
ceu o que tinha de melhor no humor: Walter Stuart, Adriano Stuart,
Conchita Stuart, Araken Saldanha, Sonia Maria Dorce e a ma-
ravilhosa Maria Vidal. Com esse elenco, deveria chamar-se
Família Stuart, mas ficou sendo mesmo a Família Sears. A fa-
mília Stuart viera do circo e o Walter, além de comandar o Cir-
co Bombril, fazia uma piada diária em A bola do dia. Mais tar-
de, o Adriano se revelaria um grande diretor de humor, vindo
a trabalhar na Globo. O programa Família Sears deveria durar
quatro semanas, mas, graças aos bons resultados de venda da
loja, acabou permanecendo no ar por quatro meses.
   Hoje considero que entregar aquele projeto nas mãos de um
menino inexperiente, de 17 anos de idade, foi um ato de co-
ragem do Fernando Severino e, ao mesmo tempo, uma doce
irresponsabilidade. Encontrei com ele um pouco antes do seu
falecimento e disse-lhe que o considerava o inventor do cha-
mado merchandising na televisão brasileira. Ele riu muito e foi
fulminante:
   – Eu??? Que nada. Os inventores foram os contrarregras da
Tupi que, em troca de uma propina, colocavam em cena gela-
deiras, liquidificadores, televisores e tudo mais, sempre com o
nome dos produtos escandalosamente à vista. Não por acaso,
o merchandising nos Estados Unidos tem o nome de product
placement.
   O Família Sears teve o mérito de me fazer despertar para
uma outra visão do rádio e da televisão, pois, apesar de saber
que os patrocinadores e os anúncios eram as fontes de receita
das emissoras, eu até então pensava somente em entretenimen-
to. A partir desse programa, aprendi que rádio e televisão eram
veículos de publicidade e que o entretenimento era importante
apenas para conquistar maior público para ver e ouvir as men-
sagens publicitárias.
Por ser jovem demais, além desse seriado, tive poucas opor-
tunidades naquela época. Pediram-me, por exemplo, para dar
um jeito no Clube do papai noel, programa infantojuvenil de
Homero Silva, oriundo do rádio e que precisava se tornar mais
televisivo. No rádio, o Clube havia revelado gente do quilate
de Lia Borges de Aguiar, do maestro Erlon Chaves e do fan-
tástico Walter Avancini. Foi um dos primeiros programas da
televisão e, quando cheguei, já estava completando o segundo
ano no ar. Queriam alguma coisa mais moderna e não aquelas
apresentações do tipo “vamos ouvir” e “acabamos de ouvir”.
Decidi fazer, aos domingos pela manhã, paródias dos filmes
em cartaz nos cinemas, como Quo Vadis, por exemplo. Conta-
va com gente de talento, como Nelson Genari, Terezinha Ga-
zano, Flavio Pedroso e Antônio Coelho.
   Queria também aparecer no vídeo e não só escrever. Des-
cobri que a maior parte das escalações para segundos papéis
se decidiam no famoso bar do Jordão, ao lado do auditório, no
Sumaré. Graças ao amigo Mário Tupinambá, o genial Péricles
Leal me escalou como ator para fazer um capanga do Falcão
Negro chamado Pé de coelho.
   Certa vez, no mais importante programa da época, o TV de
Vanguarda, fui escalado para fazer uma ponta. O título do epi-
sódio era “O maestro”, e contava a história de um menino-pro-
dígio sequestrado na véspera do concerto de gala que seria re-
gido por ele. Eu entrava somente no final, interpretando um
repórter que desvendava o crime. No chão da casa do empre-
sário, encontraria a gravata borboleta do smoking do maestro,
provando que o empresário havia preparado uma farsa para
promover o seu contratado. A atração era ao vivo, como tudo
na época. Entrei e não encontrei nada no chão. Gravata nenhu-
ma.
Comecei, por minha conta, a revirar móveis, cadeiras e sofás
até que o Cassiano, que dirigia o programa, cortou o som dos
estúdios e ordenou:
   – Abaixa e pega a gravata no pé da câmera.
   Eu olhei ao meu redor, vi a maldita gravata, peguei-a, exibi
para a câmera e disse a minha primeira e última frase na car-
reira de ator dramático:
   – Aqui está a prova. Não houve sequestro. Foi tudo um gol-
pe promocional.
   Subiu a música, rodaram os créditos e eu rodei junto. Na saí-
da, o Cassiano estava desolado.
   – Tá certo, a gravata não estava lá, mas a destruição do ce-
nário foi de matar de rir. É melhor você pensar só em humor,
tá bom?
   O Mário Tupinambá e o Péricles me confortaram contando
alguns incidentes muito piores. Uma das melhores atrizes da
casa deveria terminar um teleteatro dando um tiro na cabeça.
Tiros de pólvora seca, quando dados de perto, não saem do re-
vólver para não queimar o ator ou atriz. Havia, nos primórdi-
os da TV, um cartucho em uma caixa de madeira que era de-
tonado por um prego com uma martelada do contrarregra. A
atriz, se não me engano, Lia Borges de Aguiar, no desfecho de
um episódio de Contador de histórias, colocou o revólver na
têmpora e apertou o gatilho. O responsável deu a martelada na
espoleta e nada de tiro. Desesperada, a atriz jogou o revólver
fora, foi até a penteadeira, pegou um pente, escondeu entre as
mãos e gritou:
   – Vou me matar com esta faca.
   Quando fingia que enterrava o pente no peito, o responsável
pelo tiro, sem perceber o que acontecia, deu uma nova marte-
lada e “puuum”, o tiro saiu. A loucura foi que a heroína acabou
morrendo esfaqueada com um pente ao estampido de um tiro
de revólver.
   Outra loucura dessas aconteceu com o ator Jaime Barcelos,
no TV de Vanguarda. A monumental encenação de Os irmãos
Karamázov exigia a utilização de dois estúdios. As portas des-
ses estúdios – uma em frente à outra – ficariam abertas para
que uma carroça, puxada a cavalo, atravessasse por elas, trans-
portando o ator, ferido em uma batalha. A carroça era pequena
e o Jaime ficou com uma perna pendurada de fora. O cavalo,
ao passar de um estúdio para o outro, se espantou e acabou dis-
parando. A perna do Jaime bateu na porta do estúdio e sofreu
uma fratura. Tudo ao vivo. Ele precisava ser retirado de lá pa-
ra ser socorrido. Entregaram uma maleta de médico a um figu-
rante forte, já vestido com trajes de época, e o diretor Cassiano
Gabus Mendes o instruiu:
   – Vá lá, escute o coração e diga: “Está morto.”
   Outros figurantes entrariam e, juntos, removeriam o Jaime.
O que faria o papel de médico entrou, abriu a maleta, colocou o
estetoscópio no ouvido e, em seguida, auscultou o coração do
ator. Como achou sua frase curta, resolveu improvisar e soltou:
“Está morto. Comoção cerebral.”
   Há outra versão que diz que o figurante, antes de pronunciar
a sentença, teria auscultado o cérebro do Jaime. Não importa.
O fato é que todos nos estúdios caíram na gargalhada, inclusive
o defunto.
   Coisas assim não eram tão frequentes, mas há muitas histó-
rias curiosas que vão surgindo conforme escrevo estes capítu-
los e recorro à memória. Como ninguém me ensinava nada, eu
observava tudo. Os cenários, em sua maioria, eram terríveis,
pesados, teatrais e mal-acabados, cheios de emendas e quase
sempre salvos pela iluminação ou pela falta de definição das
primeiras câmeras. O som também era deficiente, especial-
mente quando era usado o boom – um microfone suspenso por
um braço metálico móvel. Quando não captava bem o som,
o operador baixava o boom e muitas vezes acontecia de essa
maravilha contemporânea aparecer na Rússia no meio de uma
adaptação de Dostoiévski, ou no Egito, bem no seio de Cleó-
patra, ao lado da víbora.
   É claro que esse não era o dia a dia. O nível do conteúdo,
apesar dos parcos recursos, era altíssimo. Como poucas resi-
dências possuíam um aparelho de TV, a maioria dos programas
era endereçada à classe social AAA. Tanto que uma das peças
de estreia da Tupi foi Hamlet, de Shakespeare, com Lima Du-
arte no papel do príncipe. Lembra o Lima que o grande poeta
paulista Guilherme de Almeida escreveu em sua coluna de jor-
nal: “O Hamlet do Chateaubriand esteve patético, mas não foi
ridículo.”
   À procura de grandes espetáculos, Cassiano, Walter George
Durst, Túlio de Lemos e Sillas Roberg reuniam-se em um cine-
ma, alugado pela Tupi, para ver os melhores filmes de todos os
tempos e adaptá-los para serem realizados nos estúdios, com
elenco e direção de primeira linha. Até Antunes Filho passou
por lá. Luiz Galon respondia pelo Grande Teatro Tupi e Pé-
ricles Leal pelo Contador de histórias. A eles se deve muito
do que aprendemos e somos hoje, na televisão, no campo da
teledramaturgia. E olha que fazer tudo aquilo ao vivo não era
brincadeira. Quando a televisão brasileira completou quarenta
anos, eu, na Rede Globo, quis fazer uma homenagem ao Cassi-
ano e ao TV de Vanguarda realizando, ao vivo, um dos textos
levados ao ar por aquele programa. Chamei o Paulo Ubiratan
para executar o projeto e ele levou um susto.
– Nem pensar. Hoje, só gravando. E com cenas isoladas,
uma a uma. Ninguém vai decorar o texto inteiro, nem as mar-
cações, entradas e saídas dos cenários. É loucura. Desista.
   Pensei bem e resolvi não arriscar. Poderia ser uma catástro-
fe. Aquilo só foi possível, no passado, porque não havia outro
jeito... tinha que ser.
   Atualmente, parecemos mais com o cinema do que com a
televisão. Mas a Tupi de São Paulo foi, praticamente, pioneira
em tudo que se faz até hoje. A primeira novela, ainda que em
três dias por semana, começou na Tupi. Todos sabemos que
Vida Alves e Walter Foster deram o primeiro beijo da televisão
brasileira, mas poucos sabem que ela, além de brilhante atriz,
é a fundadora e a responsável pela Pró-TV, que cultiva com
amor e carinho toda a maravilhosa memória da Tupi e da tele-
visão brasileira. Em seu livro TV Tupi, uma linda história de
amor, Vida, melhor que ninguém, narra a trajetória da TV Tu-
pi, contando seus momentos de glória. Trata-se de um levan-
tamento minucioso e verdadeiro, o mais completo entre tudo o
que já foi publicado sobre o assunto. O fato é que a TV Tupi
foi precursora nos mais diversos gêneros de programas.
   Uma das empresas cooptadas por Assis Chateubriand e que
permitiu a implantação da televisão no Brasil foi a Antártica.
Aos sábados, o Cassiano e o Túlio de Lemos produziam um
senhor espetáculo musical chamado Antártica no mundo dos
sons, utilizando os estúdios da TV e o palco da Rádio Tupi.
Nele, montava-se a imponente Grande Orquestra Tupi, regida
ora pelo maestro Rafael Pugliesi, ora pelo maestro Georges
Henry, com a maioria dos arranjos de autoria de Luiz Arruda
Paes. Nos estúdios, várias câmeras eram usadas para ilus-
trações visuais do texto e das músicas. Túlio chegou a usar
Guilherme de Almeida para declamar poemas no programa.
Eu, que era funcionário, não perdia uma apresentação e,
além de admirador, tornei-me amigo do Túlio. O talk show
também começou na Tupi, comandado por Lia Aguiar e com
o nome de Encontro entre amigos. Já o clássico de perguntas
e respostas O céu é o limite teve como apresentador o incrível
Aurélio Campos. O Heitor de Andrade, apresentador do Saba-
tinas Maizena, também era muito bom e de uma simpatia a to-
da prova.
   Futebol também nunca faltou na Tupi, nem que fosse à força
como, por exemplo, no Parque Antártica, quando a emisso-
ra derrubou a cortina de bambu que havia sido levantada para
impedir a visão das câmeras, ou quando realizou transmissões
consideradas impossíveis e que superavam os limites das dis-
tâncias que a tecnologia existente permitia. No telejornalismo,
havia Dalmácio Jordão, no Repórter Esso; Roberto Corte Re-
al, no Mappin Movietone; Maurício Loureiro Gama, como co-
mentarista, além das reportagens audaciosas de Carlos Spera e
José Carlos de Moraes, o Tico-Tico. O Grande jornal falado
Tupi, de Coripheu Azevedo Marques, em razão dos poucos re-
cursos existentes, não tinha, claro, a agilidade dos telejornais
atuais, mas apresentava conteúdo e análise dos fatos.
   Em 1952, foi ao ar a primeira versão do Sítio do Picapau
Amarelo, produzido e escrito por Júlio Gouveia e Tatiana Be-
linky, com Lúcia Lambertini e Edi Cerri. Até o hábito de anun-
ciar o programa seguinte, chamado de Nossa próxima atração,
é uma criação da TV Tupi. Ao contrário do que se faz atual-
mente, tornando os intervalos mais dinâmicos, no início da te-
levisão era preciso esticar o intervalo para dar tempo de montar
o programa seguinte, ajustar equipamentos etc. Quem encon-
trou a solução para isso foi o Mário Fanucchi, criador do sim-
pático Curumim (índio pequeno) que passou a ser a marca da
Tupi e virou o personagem que anunciava a próxima atração.
O indiozinho aparecia em situações humorísticas anunciando
o programa seguinte e valorizando o intervalo comercial. Pela
duração e pelo conteúdo, o Mário Fanucchi passou a chamar
os intervalos de interprogramas. São coisas simples, mas que
dão saudades. Mais tarde, na Lintas, eu compraria o patrocínio
de Nossa próxima atração para a Lever, em todo o Brasil.
Um piano ao cair da tarde

NOS CORREDORES DA TUPI conheci o Roberto Corte Real, o homem
da gravatinha borboleta, jornalista e apresentador do Mappin Movi-
etone. Ele havia sido locutor da Voz da América, morado nos Esta-
dos Unidos e, no Brasil, era o diretor artístico da CBS discos. Ro-
berto era brilhante e viria a comprovar isso no final dos anos 1950 e
início dos 1960, quando lançaria nomes como Roberto Carlos, May-
sa, Agostinho dos Santos e Lana Bittencourt. Em uma conversa, ele
me contou que era amigo do Aloysio de Oliveira e do Zé Carioca do
Bando da Lua. Na mesma hora eu disse a ele que o Zé Carioca ha-
via tocado junto com meu pai mas que havíamos perdido o contato.
Um dia, à noite, fomos tomar uns drinques na casa do Roberto. Ele
fez uma ligação para Los Angeles e me colocou no telefone com o
Zé Carioca. Foi uma emoção indescritível falar com o Zé, famoso no
mundo inteiro e conhecido nos Estados Unidos como Carioca Joe.
Lembramos dos tempos magros de Osasco e Presidente Altino e do
velho conjunto musical no qual meu pai e ele tocavam juntos. Daí
para frente, o Roberto resolveu virar uma espécie de substituto do
meu pai. Em 1953, ele me contou, no escritório da CBS, na Liberda-
de, que iria apresentar o Mappin Movietone na TV Paulista. Segun-
do comentários, a TV Tupi assumira o compromisso com a McCann
Erickson – agência de publicidade que tinha a conta da Esso – de que
retiraria do ar os programas Telenotícias Panair e Mappin Movieto-
ne para lançar na televisão o consagrado noticiário de rádio Re-
pórter Esso, o que efetivamente ocorreu em 17 de junho da-
quele ano.
   A TV Paulista, montada com subscrição pública de ações
pelo deputado Ortiz Monteiro, havia sido inaugurada em mar-
ço de 1952. O início da Paulista se mostrava promissor. Foi
lá que começou o Circo do Arrelia e por ali passaram compa-
nhias teatrais como as de Nicette Bruno e de Cacilda Becker.
O Teledrama da Paulista e o A praça da alegria, do Nóbrega,
também marcaram época no Canal 5 de São Paulo. Os estúdi-
os, que ficavam no edifício Liége, na avenida Paulista, eram
tão pequenos que quando a emissora saiu do prédio montaram
lá uma modesta tinturaria. Em 1954, a TV Paulista entrou em
crise. As poucas coisas boas que ela possuía tinham sido leva-
das para a então recém-inaugurada TV Record. O Roberto, que
era apenas apresentador, foi convidado a ser o diretor artístico
da Paulista. Ele achava que poderia salvá-la e me convidou pa-
ra trabalhar como seu assistente. Eu sabia que era uma louca
aventura, mas havia uma atração irresistível para quem estava
ansioso por ter liberdade. Eu poderia fazer de tudo, mexer em
tudo, experimentar de tudo. Não havia mais elenco, nada, so-
mente o pessoal técnico e operacional. Nem dinheiro havia. A
minha meta era aprender e fui com o Roberto Corte Real para
o desconhecido. Lá, encontrei dois profissionais que me acom-
panhariam inúmeras vezes em várias emissoras por onde pas-
sei: o Antonino Seabra e o Luiz Nardini. A turma da TV Re-
cord havia treinado na TV Paulista e muitos visitavam o Canal
5 com frequência. Um deles era o Nilton Travesso, dono de um
refinamento ímpar e um dos profissionais que mais inovações
trouxe para a televisão brasileira.
Para que se tenha uma ideia da precariedade e da pobreza da
Paulista, os dois primeiros programas que conseguimos colo-
car no ar foram O prato do dia – uma espécie de A bola do dia,
da Tupi, mas sem cenário – e Um piano ao cair da tarde. Em
O prato do dia o comediante Renato Corte Real, irmão do Ro-
berto, colocava a cabeça sobre um prato e contava uma piada
de sua autoria. No estúdio, havia um belo piano, sobra dos pri-
meiros investimentos e, às seis da tarde, apresentávamos duas
músicas executadas pelos maiores pianistas populares do mun-
do, selecionados pelo sensível sonoplasta Vicente Dias Vieira.
O locutor apresentava: “Hoje, em cartaz, Robledo.” E, no dia
seguinte: “Hoje, em cartaz, Peter Kreuder” e, assim, pianistas
nacionais e internacionais desfilavam pelo programa. O som
era o original de um disco do pianista anunciado mas, no ví-
deo, aparecia alguém bem-vestido, fingindo tocar o piano, sem
que a câmera mostrasse as mãos, é claro. Cada dia sentava um
funcionário diante do instrumento. Eu fui muitos pianistas di-
ferentes e o próprio Roberto, vários outros. Quando telefona-
vam dizendo que o Robledo da semana anterior não era o mes-
mo Robledo daquela semana, a telefonista tinha ordem de di-
zer:
   – Não, não é o pianista verdadeiro. É apenas uma homena-
gem.
   Nessa época, um dos poucos corretores da Paulista era o
Luiz Guimarães, locutor de belíssima voz que, por isso mesmo,
foi convidado a fazer o personagem principal do seriado O In-
visível, uma versão televisiva de O Sombra. Quando a Organi-
zação Victor Costa comprou a TV Paulista, o Guimarães assu-
miu a produção comercial da emissora, e quando a Globo ficou
com o Canal 5, ele passou a assistente do Montoro, em seguida
foi meu assistente e, finalmente, diretor nacional de programa-
ção da Globo.
   Outra curiosidade é que na TV Paulista só existiam três câ-
meras e não havia o que se chama de telecine, equipamento pa-
ra projeção de filmes. Lá, o filme passava na parede, dentro de
um túnel de madeira, e era captado por uma câmera comum.
Existia, por incrível que pareça, diretor de TV para os filmes,
que eram mutilados. Quando aparecia uma cena empolgante, o
diretor se entusiasmava e mandava a câmera se aproximar para
pegar melhor o centro da ação. Um desastre.
   Outro incidente aconteceu em um programa meu. Não tí-
nhamos o equipamento boom, uma haste telescópica que se
distendia ou encolhia, levantava ou baixava, para movimentar
os microfones. Nossos microfones ficavam no pedestal, quan-
do usados no chão, ou então na ponta de um sarrafo de madei-
ra, quando usados por cima dos atores. Os cenários eram pre-
gados ao lado de corredores aéreos (catwalk), por onde anda-
va o operador de microfone, para captar o som. Em um quadro
musical, Romeu, com um alaúde, cantava para Julieta, que es-
tava no alto de uma sacada, vista por uma câmera no chão, para
dar impressão de mais altura. Romeu, ajoelhado, era visto por
uma câmera colocada no alto, de modo a aumentar a distância
entre os dois. De repente, o sarrafo do microfone bateu na par-
te da sacada, que foi abaixo com a Julieta e tudo. Foi feito um
corte rápido para a câmera de cima, na tentativa de salvar a ce-
na, mas o que se viu foi o Romeu, com a sua viola, fugindo às
pressas do cenário.
   Na verdade, tudo era um caos, exceto o Bate-papo com
Silveira Sampaio. O Roberto, muito amigo do Silveira,
convenceu-o a ir para lá, e como o programa era bastante sim-
ples não houve complicação. Mas isso não durou muito e ele
logo foi trabalhar na TV Rio e depois na Record. No domingo,
assumi o horário que viria a ser, no futuro, o primeiro sucesso
do Silvio Santos. Fui apresentador do Clube dos novos valores,
com alguns dos artistas vindos do Clube do papai noel, especi-
almente a Terezinha Gazano, que lamentavelmente não seguiu
a carreira de cantora. Com um repertório que mesclava can-
ções italianas e jazz, teria sido uma Zizi Possi. Da minha parte,
aprendi como não se apresenta um programa e desisti logo. O
Clube ia ao ar depois do futebol. E, nesse campo, tínhamos um
dos melhores narradores esportivos de todos os tempos: o Mo-
acyr Pacheco Torres.
   Era quase impossível receber algum pagamento na TV
Paulista, mas me tornei amigo do grande Nabor Merchioratto,
caixa da emissora. Os salários eram pagos em pneus, casimi-
ras, televisores, geladeiras e coisas assim, nas quais eu não ti-
nha o menor interesse. Mas o Nabor me arranjava passagens do
Expresso Brasileiro que eu vendia com facilidade, às sextas-
feiras, quando a demanda para ir a Santos aumentava. O Ro-
berto, que sem querer havia me colocado nessa fria, arranjou
um dinheirinho para mim na agência de notícias World Press,
mas a quantia era absolutamente insuficiente e o trabalho, bu-
rocrático. Depois ele me apresentou ao José Scatena, um dos
meus grandes mestres, fundador da RGE, uma das primeiras
empresas do Brasil especializada em gravação de jingles, co-
mo são chamadas as mensagens comerciais contadas. Na RGE
eu ganharia um cachê para escrever alguns textos para capas
de discos e poderia faturar mais uns trocados se algum trabalho
extra aparecesse.
   Em 1955, transitavam pela gravadora produtores e diretores
dos departamentos de rádio e TV das mais importantes agênci-
as de publicidade e comecei a gostar do assunto. Lá trabalha-
vam medalhões do jingle, como Victor Dagô, os irmãos Mau-
geri, Lauro Muller e o Passarinho. Aprendi muito com os ma-
estros que atuavam na área de produção de comerciais canta-
dos, como o Ruben Perez – o Pocho –, o Erlon Chaves e o Ca-
çulinha; e com os operadores de som, como o Henrique Car-
dia e o Stélio Carlini. Lá tínhamos também um trio de cantoras
composto por Lourdinha Pereira, Rosa Pardini e Cléa Simo-
ne. As vozes masculinas do coral eram dos Titulares do Ritmo,
sob o comando do Chico. Eu aproveitava a proximidade deles
e fazia, de vez em quando um freela, jargão da publicidade que
vem da palavra inglesa freelancer, ou seja, um trabalho ou tex-
to publicitário independente. A RGE ficava no mesmo prédio
da Rádio Bandeirantes – na rua Paula Souza, zona do Merca-
do Paulista –, onde nesse tempo brilhavam: Oswaldo Molles,
criador do RB-55; grandes homens de rádio como Júlio Atlas
e Henrique Lobo; e o maestro Sílvio Mazzucca. Os mandachu-
vas Edson Leite, Murilo Leite e Alberto Saad faziam uma re-
volução no rádio.
   Foi nessa época que me tornei muito amigo do Walter Silva,
o cronista de música popular brasileira conhecido como Pica-
Pau. Ele foi, para mim, uma importante fonte de saber na área
da MPB e um companheiro leal desinteressado. Casou-se com
a minha querida amiga Déa Silva, que trabalhava na RGE e ho-
je é uma talentosa artista plástica. Nas épocas magras, quando
saíamos para assistir a algum show e jantávamos tarde, eu ain-
da ia tomar um drinque na casa deles, e ficávamos até altas ho-
ras da madrugada ouvindo as novidades musicais do mercado
e discutindo os novos talentos.
   Walter Silva, com seu Pick-up do Pica-Pau na Rádio Ban-
deirantes, seus shows do Teatro Paramount, suas crônicas e li-
vros sobre a MPB, foi um baluarte da defesa da qualidade e da
autenticidade na música popular brasileira. Grande Walter Sil-
va. Ao lado desses amigos, e com a ajuda do Scatena e do Ro-
berto Corte Real, eu conseguia pegar algumas encomendas da
Rádio Bandeirantes para redigir textos comerciais e de algu-
mas agências de propaganda para dirigir a gravação de textos
e jingles. Juntando tudo dava para ir tocando, mas ainda estava
fora do que realmente me interessava: a televisão.
   Eu e o Roberto Corte Real estivemos, de alguma maneira,
sempre próximos, ligados pela música, pela publicidade, pela
televisão e por uma sincera e duradoura amizade que me trou-
xe muitos conhecimentos. Fizemos várias viagens internaci-
onais para tratar de negócios. Visitamos estúdios de televisão
em Los Angeles e em Nova York. Além da paixão pela música
e pelo jornalismo, o Roberto cultivava também um humor fino
e oportuno, característica da família Corte Real.
   Uma noite, em Los Angeles, fomos jantar na casa de um mi-
lionário, amigo do Zé Carioca, que tinha mania de colecionar
carnes de anos especiais, guardadas a uma temperatura abaixo
de cinquenta graus. Para se ter uma ideia da riqueza do anfi-
trião, ele morava no topo de uma colina e seu vizinho de rua,
bem mais abaixo, era o Johnny Mathis. Havia carne guardada
durante mais de trinta anos. Os convidados entravam em um
imenso freezer e escolhiam, à vontade, o ano da peça que de-
sejavam comer: 1945, 1950, e assim por diante. O Roberto, na
saída, comentou:
   – Foi a primeira vez que comi um churrasco de múmia.
   Nas viagens com ele, conheci muitas figuras importantes da
indústria do disco, do cinema e da televisão. Onde quer que es-
tivéssemos, sempre fazíamos uma pausa nos trabalhos para um
happy hour em um piano-bar, a fim de matar a saudade dos ve-
lhos tempos. Aos primeiros acordes de cada música, lembráva-
mos das histórias da TV Paulista ou de alguma passagem en-
graçada do nosso quebra-galho: Um piano ao cair da tarde.
Nosso céu tem cinco estrelas

NO INÍCIO DE 1955, CONTINUÁVAMOS na Organização de Luto São Ge-
raldo, morando e trabalhando lá. Sem trocadilho, as coisas estavam
pretas. Eu, perdido, não sabia que caminho tomar. Foi o Scatena
quem me fez dar uma guinada do rádio e da televisão para a publici-
dade, além de se oferecer para falar com o Rodolfo Lima Martensen
e arranjar uma entrevista para mim.
   – O Rodolfo é um mestre perfeito. Fundou a Escola Superior de
Propaganda e vai ser um passaporte para você.
   Entretanto, lembrei-me que minha tia Marina havia mencionado
que conhecia dona Arminda, casada com o Rodolfo. Avaliei que a
apresentação do Scatena poderia ser muito formal e menos forte do
que o pedido de uma mulher. Liguei para minha tia e pedi que falas-
se com a dona Arminda. Tia Marina, como sempre, na jogada. Devia
tanto a ela que, quando fui para a Globo, dei-lhe o cargo de chefe das
cabeleireiras em São Paulo, não só por gratidão mas porque era mes-
mo uma mulher fora de série. Dona Arminda marcou um encontro
com o Lima para mim e prefiro que ele mesmo conte essa história.
Em seu livro O desafio de quatro santos, ele narra:

      Nossos programas eram os de maior audiência em todo o Brasil, mas com o advento
  da televisão, a Lintas – uma agência de propaganda – era obrigada a entrar de armas e
  bagagens no intrincado e enganoso mundo do show business. Quem seria capaz de co-
  mandar, para mim, uma operação tão complexa? Já havia feito várias tentativas, mas
constatara que não era fácil encontrar alguém que aliasse ao talento criativo de
um diretor de teatro a capacidade administrativa de um empresário, pronto para
controlar criaturas tão temperamentais quanto os astros e estrelas com quem tí-
nhamos de lidar (e depender) na televisão.
    Surpreendentemente, foi minha mulher quem, sem saber, ajudou a resolver
esse problema, uma das soluções mais brilhantes da minha carreira, a decisão
que veio a dar ao Brasil um dos valores mais inquestionáveis da televisão mun-
dial. O processo começou durante um tranquilo jantar em família. Minha mulher
perguntou-me de mansinho:
    – Você não teria, na Lintas, um lugar para um rapaz talentoso que está sendo
muito mal aproveitado no rádio?
    – Quem é ele?
    – É sobrinho de uma amiga minha.
    – E o que ele faz?
    – Não sei exatamente. Mas escreve para o programa do Manoel de Nóbrega.
Dizem que tem muito jeito para a coisa. Você não quer entrevistá-lo?
    – Qual é a idade dele? Você sabe?
    – Acho que tem menos de 20 anos.
    – Ah, que pena! É muito moço para o que eu estava pensando.
    – Mas... custa entrevistar?
    – Não. Não custa. Você tem razão. Mande o rapazinho falar comigo depois
de amanhã.
    Dois dias depois – estávamos nos últimos dias de dezembro de 1955 – Mura
Fischman, a então subgerente da Lintas, veio à minha sala e anunciou:
    – Tem aí um rapaz que insiste em falar com você. Diz que é apresentado da
Arminda e que você já sabe do que se trata. Tem uma cara e uma conversa óti-
mas.
    O moço foi introduzido em minha sala e quando lhe perguntei o que sabia
sobre rádio e televisão, respondeu-me de maneira tão lúcida e objetiva que fez
com que eu me levantasse, saísse detrás de minha mesa, sentasse a seu lado num
sofá e passássemos a trocar ideias sobre o assunto como se fôssemos velhos
colegas. Nossos conceitos de qualidade coincidiam surpreendentemente, nosso
respeito pelo público era idêntico, nossos princípios de trabalho tinham a mesma
base. Sem dúvida nenhuma, estava diante de um rapaz fora de série, exatamen-
te o homem que eu procurava! Meu único mérito, naquela hora, foi detectar o
talento e a profundidade de pensamento daquele moço desconhecido que tinha
em minha frente. Contratei-o imediatamente. Quando saiu de minha sala, já es-
  tava nomeado Chefe do Departamento de Rádio e Televisão da Lintas do Brasil.
  Chamava-se José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. Boni, para os íntimos.
      Boni, essa glória nacional que deu à Rede Globo de Televisão o mais elevado
  padrão de televisão do mundo, o que valeu a ele o Prêmio Salute 1979, traba-
  lhou três anos comigo. De 1956 a 1958. Foram três anos de muita inovação e
  arrojadas realizações. Sua capacidade de trabalho era tão grande quanto o poder
  de criação. Aprimorou não só o entretenimento que colocávamos no ar, como
  também a propaganda no rádio e na televisão. Defendia seu trabalho com unhas
  e dentes, porque estava seguro do que fazia. Brigava com os clientes e não tinha
  papas na língua para mandar um diretor da Lever àquele lugar, se ele não fosse
  capaz de bem avaliar um trabalho seu.


   Terminada a conversa, o Rodolfo foi mostrar a minha sala
e me apresentou aos principais profissionais da Lintas. Pediu
que eu chegasse cedo porque me passaria as tarefas da minha
área. O primeiro trabalho que tive na agência em nada se pare-
cia com o esperado. A Escola Superior de Propaganda, funda-
da pelo Rodolfo, havia recebido o “bilhete azul” de Pietro Ma-
ria Bardi e estava se mudando às pressas para outro local, no
mesmo prédio da rua 7 de Abril, em São Paulo, cedido a bai-
xo custo pelos Diários Associados e com móveis doados pela
Editora Abril. Tudo seria feito em noventa dias. E nós, da Lin-
tas, fomos convocados pelo Rodolfo e pela Mura para ajudar
a montar os móveis nas salas de aula. Entendi, naquele mo-
mento, a grandeza e a preocupação do Martensen com a quali-
dade. A ESP viria a se tornar depois essa fantástica organiza-
ção de ensino que é a ESPM (Escola Superior de Propaganda e
Marketing), uma das melhores – se não a melhor – instituições
do gênero em todo o mundo. É oportuno lembrar alguns no-
mes importantes dessa escola, entre os que já se foram, como o
próprio Rodolfo, Renato Castelo Branco, Otto Scherb, Geraldo
Santos e Luiz Celso Piratininga. E, entre os que continuam na
batalha, é imprescindível o registro de nomes como Armando
Ferrentini, Francisco Gracioso, Ivan Pinto e José Roberto Whi-
taker Penteado Filho.
   Depois da missão inicial, vários e maravilhosos desafios
surgiram na Lintas. O Rodolfo me deu ampla liberdade e dei-
xou que eu tentasse caminhos inovadores. Meu primeiro jin-
gle, em 1955, foi para a pasta Lever SR, com base no sucesso
de “Rock around the clock”, usando o estilo rock’ n’ roll.
   Com o Pocho, fiz um jingle clássico da Lever: “As mulheres
mais bonitas usam sabonete Lever...”, gravado pelo Almir Ri-
beiro; criei a campanha de lançamento do Rinso no rádio e na
TV; e, com o Plínio Toni, desenvolvi o projeto de venda de sa-
bão em pó para quem não tinha máquina de lavar: a Quinzena
de brancura Rinso, ganhadora do Marketing Report da Unile-
ver, em Londres. A Quinzena acontecia de cidade em cidade
do interior e tinha como apoio um filme comercial de dois mi-
nutos, com Adoniran Barbosa e Maria Vidal, que é, até hoje,
o recordista de cópias para exibição em cinema. Fiz também o
lançamento do sabão em pó Omo no rádio e na TV e, com Cé-
sar Alencar, o Festival Rinso, na Quinta da Boa Vista, com um
retorno de quinhentas mil tampinhas do produto. Compramos
para a Lever e produzi os comerciais que anunciavam a próxi-
ma atração nas emissoras de TV em todo o Brasil. Rodolfo e
eu criamos e lançamos o Lever no espaço.
   O Rodolfo me deu também a oportunidade de conhecer qua-
se todo o Brasil. Comecei pelo estado de São Paulo. Havia
uma necessidade de penetração do sofisticado sabonete Lever
(hoje, Lux) nas classes mais baixas e criei um formato cha-
mado “Caixa de pedidos Lever”, que transmitia pedidos musi-
cais com ofertas para amigos, namorados etc. Essas ofertas só
poderiam ser feitas usando o envoltório do sabonete Lever. O
programa era transmitido diariamente, de segunda a sexta-fei-
ra, nas principais emissoras do interior de São Paulo. A autori-
zação de publicidade não permitia que as emissoras aceitassem
pedidos e ofertas musicais sob pagamento, o que era um hábito
naquele tempo. Criamos um concurso entre as emissoras para
premiar as que conseguissem maior quantidade de envoltóri-
os. Castelar, da empresa Nestor Macedo, seu Radico, o pessoal
da Pereira de Souza e outros representantes de rádio dobravam
nossa premiação estimulando ainda mais a competição entre as
emissoras.
    No Rio de Janeiro, Henrique Foréis, o Almirante, represen-
tava a Lintas no programa de rádio Levertimentos, criado pelo
Rodolfo para combater a Eucalol e a Palmolive. Minha missão
era produzir textos publicitários que se encaixassem no pro-
grama, sem que fosse necessário ter intervalos comerciais. Do
programa, participavam Antônio Carlos Pires, pai da Glória
Pires, os irmãos Walter e Ema D’Ávila, Zé Trindade, Nancy
Wanderley e o magistral Chico Anysio, que gostava dos meus
textos de propaganda e me dizia que eram, às vezes, mais en-
graçados que o próprio programa. Mas, no rádio brasileiro, tal-
vez nunca tenha existido nada melhor e mais engraçado que
a PRK-30, de Lauro Borges e Castro Barbosa. A PRK-30 era
uma emissora clandestina que invadia as ondas da Rádio Na-
cional. Era “de mijar de rir” – única expressão capaz de defi-
nir corretamente o programa. O texto era do Lauro Borges e a
interpretação, dele e do Castro Barbosa. A Lintas contratou a
PRK-30 para a Lever. O programa era gravado e corria o Bra-
sil em fita, mas o lançamento, em cada cidade, era ao vivo e eu
assumi a responsabilidade pela logística e pela produção. As
viagens foram deliciosas. Pessoalmente, o Lauro era tão engra-
çado quanto ao microfone.
Nas cidades visitadas, quando jantávamos, ele costumava
gritar para o garçom:
   – Quer chupar os meus nabos, por favor?
   Quando o garçom se aproximava achando aquilo estranho,
o Lauro mudava a frase:
   – Quer me arranjar guardanapos, por favor?
   Um dia, no Hotel da Bahia, em Salvador, ele se deu mal. O
garçom veio correndo, não perguntou nada e disse logo:
   – Quer que chupe seus nabos? Chupo sim, senhor. O sr. é o
Lauro Borges, o maior gênio do humor brasileiro. Minha famí-
lia não perde um só programa seu e, em sua homenagem, até
chupo seus nabos.
   O Lauro levantou, abraçou o garçom e, sem jeito, pediu des-
culpas pela brincadeira. No final, o rapaz trouxe sobremesas e
licores, por conta dele, para festejar o encontro.
   Em Porto Alegre, reunimos cinco mil pessoas no auditório
Araújo Viana. Um pouco antes do show, passeávamos pela rua
da Praia e o Lauro quis fazer a barba. O barbeiro colocou uma
toalhinha quente no rosto dele, passou espuma, afiou a navalha
e quando começou a fazer a barba, o Lauro deu um pulo da ca-
deira e gritou:
   – Para! Para! Você não está cortando a minha barba. Com
essa navalha sem fio e cheia de dentes está puxando minha bar-
ba para fora. Olha só como eu fiquei mais barbudo.
   O pior é que era verdade. Entre locais com barba e outros
com buracos, feitos pela lâmina defeituosa, dava impressão
que a barba tinha crescido. Ainda bem que encontramos outro
“Fígaro” que consertou o estrago.
   Essa viagem a Porto Alegre foi consequência da amizade
que eu havia feito com um dos maiores e mais fascinantes per-
sonagens da minha vida, o querido Maurício Sirotsky. Meses
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  • 1.
  • 2. Multibrasil Download - www.multibrasil.net Ficha Técnica Copyright © 2011 desta edição, Casa da Palavra Copyright © 2011 José Bonifácio de Oliveira Sobrinho Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora. DIREÇÃO EDITORIAL: Martha Ribas, Ana Cecilia Impellizieri Martins, Pascoal Soto DIREÇÃO GRÁFICA: Thais Marques COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: Cristiane de Andrade Reis PRODUÇÃO EDITORIAL: Debora Fleck, Marina Boscato Bigarella ASSISTENTE EDITORIAL: Juliana Teixeira, Juliana Cubeiro PESQUISA ICONOGRÁFICA: Renata Santos DESIGN DE CAPA: Marcelo Martinez | Laboratório Secreto FOTO DE CAPA: Antônio Guerreiro TRATAMENTO DE IMAGEM (CAPA): Vitor Manes REVISÃO: Mônica Surrage CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ O51l Oliveira Sobrinho, J. B. de (José Bonifácio), 1935- O livro do Boni / José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. - Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011. Inclui bibliografia ISBN 9788577342297 1. Oliveira Sobrinho, J. B. de (José Bonifácio), 1935-. 2. Comunicação - Brasil. 3. Televisão - Brasil. I. Título. 11-7682. CDD: 302.209 CDU: 316.77(09) CASA DA PALAVRA PRODUÇÃO EDITORIAL Av. Calógeras, 6, sala 1.001 Rio de Janeiro 20030-070 21.2222-3167 21.2224-7461 divulga@casadapalavra.com.br www.casadapalavra.com.br
  • 3. Dedicatória À MINHA MÃE, Joaquina Fernandes de Oliveira, a meu pai, Orlando de Oliveira, o Caçula, à minha Vovó Nicota e à Dueña Pura. À Lou, minha mulher, sempre paciente e minha fonte de inspiração. Aos meus filhos: Boninho, competente diretor de televisão; Gigi, a grande educadora da família; Diogo, campeão de TI e mestre de marketing; Bruno, ecologista de plantão. Ao meu irmão Guga e ao brother Jorge Adib. Aos amigos e companheiros de aventura (In memoriam): Abelardo Barbosa Armando Nogueira Ary Nogueira Augusto César Vanucci Borjalo Cassiano Gabus Mendes Dina Sfat Dercy Gonçalves Dermival Costa Lima Dias Gomes Edson Leite
  • 4. Edwaldo Pacote Homero Icaza Sánchez Janete Clair João Carlos Magaldi João Saad José Scatena José Octavio de Castro Neves José Ulisses Arce Julio G. Atlas Manoel de Nóbrega Marcos Lázaro Maurício Sirotsky Murilo Leite Paulo Gracindo Paulo Machado de Carvalho Filho Paulo Montenegro Paulo Ubiratan Régis Cardoso Renato Pacote Reali Jr. Roberto Corte Real Roberto Marinho Rodolfo Lima Martensen Sérgio Cardoso Teófilo de Barros Filho Túlio de Lemos Walter Avancini Walter Clark Walter George Durst Walter Silva
  • 5. Agradecimentos Ao meu mais antigo amigo, o Ricardo Amaral, que, mais que in- centivar, me obrigou a escrever este livro. Além do mais saiu corren- do atrás de todos os problemas desde a confecção até o lançamento. Trabalhou mais do que se o livro fosse dele. À minha editora Martha Ribas, que estimulou, contestou, compre- endeu e ajudou nos mínimos detalhes, ensinando-me como se deve fazer um livro, alimentando ideias com o mesmo carinho com que alimentava o seu bebê recém-nascido. Ao Carlos Alberto Vizeu, amigo e entusiasta do livro, pelo auxílio inestimável na pesquisa e pelas críticas sempre pertinentes ao longo do trabalho. À Ione Nascimento que desde de a primeira letra acompanhou o que eu escrevia, sugerindo fatos e forçando minha memória a traba- lhar. À Christina Leite, minha secretária, pela paciência que tem comi- go sempre e, em especial, durante o período de gestação deste traba- lho.
  • 6. Ao Hans Donner que mais uma vez se aproxima de mim para me presentear com seu trabalho de designer, encontrando uma solução perfeita para a capa do livro. Ao Antonio Guerreiro pela foto extraída de um péssimo mo- delo como eu. À Silvia Fiuza pela revisão de datas e nomes e sugestões lú- cidas para que o livro fosse fiel aos acontecimentos narrados. Ao meu querido pessoal do CEDOC da Rede Globo, espe- cialmente à Laura Martins e Clarinha Landolfi, pelo trabalho intenso e rápido para complementar o livro. Ao genial sociólogo italiano Domenico De Masi pelo gene- roso prefácio. À Regina Duarte, Tony Ramos, Fausto Silva, Chico Anysio e Joe Wallach pelos depoimentos que me emocionaram e en- vaideceram. Aos autores brasileiros de televisão, os mais criativos do mundo, e aos diretores que transformam seus textos em reali- dade. A todos os que tornaram possível esta humilde homenagem à televisão e aos seus profissionais.
  • 7. Prefácio Domenico De Masi “Todos llevamos un grano de locura, Sin el cual es imprudente vivir.” Federico Garcia Lorca BONI NASCEU EM 1935, OITO ANOS depois de Fritz Lang filmar Metro- polis e um ano antes de Charlie Chaplin filmar Tempos modernos. Naquela época somente os Estados Unidos, a Inglaterra e mais al- guns poucos países do mundo eram industrializados. Todo o resto do planeta, inclusive o Brasil, continuava sendo basicamente rural. Ainda em meados do século XX, os jovens do Rio e de São Paulo sonhavam com um emprego nas fábricas, nos bancos ou, quem sabe, almejavam tornar-se empreendedores no promissor mercado da in- dústria automobilística. Boni, por sua vez, llevaba dentro un grano de locura: sentia-se atraído pelo rádio e pela televisão: em um mun- do ainda pré-industrial, já desejava uma vida pós-industrial. Na Florença dos Médici, era natural que um gênio como Miche- langelo se tornasse um grande escultor. Na Urbino dos Montefeltro, era natural que um gênio como Rafael se tornasse um grande pin- tor. Mas fica difícil entender como um jovem nascido em Osasco no ano de 1935 tenha conseguido tornar-se este incrível especialista em mídia. Nem todos os loucos conseguem levar a bom termo a própria loucura. Filho de um dentista e de uma psicóloga, neto de um avô
  • 8. que perdera tudo no jogo, Boni conseguiu realizar seus propó- sitos mesmo tendo ficado órfão com apenas 7 anos: ainda cri- ança ficou apaixonado pelo rádio; na adolescência, ficou total- mente fascinado pela televisão, e esses dois amores, transfor- mados em onívora loucura, o acompanharam pelo resto da vida como um demônio insano. Enfeitiçado por esse demônio interior, ainda criança Boni ficava encantado diante do rádio; já adolescente conseguiu meter-se primeiro no mundo dos jornais e do rádio, e mais tar- de no universo da televisão. Aos 32 anos, quando entrou na Globo, Boni já tinha experimentado o rádio, as agências de pu- blicidade e quase todas as emissoras de TV, foi diretor artístico e de programação, dirigiu o jornal Tribuna de Osasco e uma produtora de discos que também realizava filmes publicitári- os. Na Globo, começou primeiro como diretor de programa- ção e produção; aí tornou-se superintendente de programação e produção, ficando encarregado da programação, produção, engenharia, jornalismo e comunicação; foi finalmente nomea- do vice-presidente, responsável por toda a parte operacional da empresa. Se for verdade que os meios de comunicação de massa são o símbolo da sociedade pós-industrial, Boni é uma testemunha preciosa da transformação pós-industrial do Brasil e do mun- do. Com apenas 16 anos, em um país ainda rural, sonhava em trabalhar no rádio, e conseguiu. Aí sonhou em trabalhar na te- levisão, e conseguiu. Finalmente, sonhou em tornar-se o mais importante executivo do Brasil, talvez do mundo, no setor da mídia, e também conseguiu. Para um sociólogo como eu, que há trinta anos estuda a sociedade pós-industrial, Boni represen- ta uma monstruosa obra-prima, tão interessante do ponto de vista científico quanto poderia ser, para um astrônomo, a pas-
  • 9. sagem de um cometa extremamente raro. Diante deste extraor- dinário achado só posso exclamar a palavra que Ricardo Ama- ral repetia ao assistir a um show de Gilbert Bécaud: “SEN-SA- CIONAL”. A autobiografia de Boni é um verdadeiro tesouro de infor- mações acerca de como nasce e se consolida a sociedade mi- diática em um país como o Brasil. Para compreendermos ainda melhor o alcance histórico desse fato, vem à minha mente a sa- gaz introdução de Alberto Moravia para as obras do Marquês de Sade: “A mente de Sade não é nem um pouco misteriosa; podemos ver na página como funciona, da mesma forma que, ao abrirmos a caixa de um relógio, podemos acompanhar o movimento dos mecanismos.” Com a mesma facilidade, o lei- tor deste livro do Boni logo se dá conta de como funciona a sua mente obcecada pelo demônio da mídia. Moravia prossegue afirmando que na psicologia de Sade fica patente “uma estra- nha soldagem de partes normalmente longínquas umas das ou- tras, algo assim como um sistema digestivo em que o estômago foi amputado e o intestino fica ligado diretamente ao esôfago”. Em Sade, a razão estava ligada diretamente à sexualidade. Em Boni, a capacidade empresarial está diretamente ligada ao fu- ror criativo. Mas o sucesso da televisão brasileira também se deve a ou- tro milagre: enquanto Boni enriquecia a sua experiência em- presarial em jornais, rádios e televisoras de alcance limitado, um personagem extraordinário – Roberto Marinho – amadu- recia a sua experiência de empreendedor genial justamente no campo da televisão. “Roberto Pisani Marinho – escreve Boni – era um homem preparado, fino, educado, amante da música,
  • 10. da pintura e das artes em geral, mas, sobretudo... sagaz.” Pe- dro Bial, que escreveu uma biografia de Roberto Marinho, diz dele: “Quando jovem procurou a companhia dos mais velhos. Quando velho deu o poder aos mais jovens.” O milagre aconteceu em março de 1967, quando estes dois gênios – o empreendedor e o executivo – confluíram na mesma empresa, levando-a a uma marcha triunfal que durou trinta anos. A televisão deu os primeiros passos nos Estados Unidos, co- mo desdobramento do cinema e como rede nacional. No Bra- sil, nasceu muitos anos mais tarde como alternativa ao rádio, ao teatro, ao circo e como emissora local, mas, graças à Globo, tornou-se uma rede nacional provedora de sonhos para teles- pectadores do mundo inteiro. Minha mãe, que morreu aos 90 anos numa pequena aldeia do sul da Itália, nunca assistia à te- levisão, com uma única exceção: acompanhava pontualmente todos os capítulos de Escrava Isaura. Georges Braque dizia: “Amo a emoção que corrige a regra”. Juan Gris respondia: “Eu amo a regra que corrige a emoção”. A genialidade do Boni consiste em possuir, ao mesmo tempo, a emoção da fantasia e a racionalidade da regra: “Quem quer ser criativo – ele escreve – não pode ter medo de errar. Quem quer ser eficiente, não pode tolerar o erro”. Mas Boni também possui a obsessão pela intolerância e a natural predisposição para o trabalho em grupo: “Sempre fui um intolerante: no rádio, na publicidade, nas emissoras em que trabalhei antes da Globo e, principalmente, na Globo. Na mi- nha escalada, fui me juntando a outros ‘intolerantes’ maravi- lhosos que trabalharam diretamente comigo”.
  • 11. Impenitente inovador, Boni aderiu de pronto a todas as no- vidades tecnológicas – da FM ao videotape, dos satélites à banda larga – proporcionadas pelo progresso; utilizou modelos matemáticos para definir os preços a serem cobrados, o sistema automatizado para demarcar os espaços publicitários, o mode- lo de comercialização baseado em múltiplas variáveis, as pes- quisas de mercado e as de cunho psicossociológico: todas idei- as propostas pelos seus excelentes colaboradores, mas aceitas e valorizadas por ele. Como programador, incentivou o entretenimento, as repor- tagens esportivas, a informação, os programas para a infância e a juventude, a música e a teledramaturgia. Como diretor, sempre acreditou firmemente que a televisão é um trabalho coletivo, que precisa de uma atmosfera de entu- siasmo, competência e criatividade, que precisa de tolerância para o primeiro erro cometido por um colaborador, mas de ab- soluta intolerância em relação ao segundo. Sou um sociólogo, e os sociólogos sempre acusaram a tele- visão de manipular as massas para induzi-las à obediência du- rante os regimes ditatoriais e levá-las ao consumismo durante os tempos de democracia capitalista. Boni nos assegura que a Globo nunca foi cúmplice da dita- dura: “Se alguém pensa que o dr. Roberto foi subserviente aos militares ou que tirou algum proveito pessoal com a ditadu- ra está absolutamente enganado. (...) Ele acreditava piamente que o único regime que servia para o Brasil era a democracia, do ponto de vista político, e a economia de mercado, do ponto de vista econômico.(...) Como empresário, nunca fez qualquer restrição à ideologia dos seus funcionários, escolhendo-os pelo talento e pela capacidade.”
  • 12. Ainda sobre o problema da manipulação consumista, neste livro fica claro que ao longo de toda a sua carreira, Boni e sua equipe, foram estimulados por uma fúria monomaníaca para entender os desejos e as necessidades do mercado, para modificá-los e exacerbá-los por meio da publicidade: para ge- rar dinheiro, para dar lucro à sua empresa e aos anunciantes. Essa missão acarretou competitividade, ações predatórias, golpes mortais nos concorrentes, lutas sem quartel. “Qual vi- da... corrida” comenta Boni, citando Garcia Lorca. Walter Clark diz: “Temos que gastar mais para ganhar mais”. Chacri- nha pautou a sua vida pessoal pelo slogan: “Eu não vim aqui para explicar, vim para confundir”, e na vida profissional sem- pre foi fiel à sua frase emblemática: “Quem não se comunica se trumbica”. Glória Magadan, por sua vez, costumava dizer: “Meu ofício é provocar evasão”. Há o bastante para ser eticamente condenado por parte de um júri de sociólogos e moralistas. Mas quem poderia explorar até o fim a alma humana e as suas motivações mais profundas? Boni está claramente ciente da força magnética exercida pela televisão sobre a massa dos telespectadores comuns; está cla- ramente ciente da contribuição que deu, de forma determinan- te, ao processo de modernização do Brasil. Em um capítulo do livro Boni conta: “No dia 1º de janeiro de 1971, eu e a mi- nha família, o Tarcísio e a Glória, o Ibrahim Sued, o Luiz Bor- gerth e alguns amigos fomos participar da procissão marítima do Senhor dos Navegantes, em Salvador (...) Eram mais de mil barcos no mar e o dia estava lindo e ensolarado (...) Quando perceberam que o Tarcísio Meira estava em uma das embarca- ções, as pessoas do barco ao lado começaram a entoar a mú- sica de abertura de Irmãos Coragem e a coisa foi passando de barco em barco. De repente, mais de três mil barcos e de trin-
  • 13. ta mil pessoas cantavam, no mar de Salvador, a uma só voz: ‘Irmãos é preciso coragem...’. O Tarcísio desandou a chorar. Eu também caí em prantos. Milhares de embarcações tentavam se aproximar da nossa atirando flores e jogando beijos. Quase morremos de emoção”. Esta emoção também assinala o poder da mídia e a respon- sabilidade social de quem a gerencia. Boni conta que na sua infância, “Eu deixava a janela, que ficava ao lado da minha cama, semiaberta. À noite, quando todos dormiam, eu a abria silenciosamente e ficava olhando o céu, tentando entender a vida e sonhando com o que faria quando de lá saísse. Repetia isso todas as noites, por anos”. Agora Boni tem todo o tempo do mundo para admirar nova- mente as estrelas durante a noite e tem toda a madura sabedoria necessária para fazer o balanço da vida com que sonhava e da vida que viveu. Afinal de contas, cada um de nós tem o direito de cultivar o grano de locura que traz no coração, sin el cual es imprudente vivir.
  • 14. Boni, em alguns capítulos pessoais Regina Duarte PENSO NO BONI E EM MINHAS LEMBRANÇAS abre-se o ano de 1968. Capítulo 1 Estou no ar em horário nobre na TV Excelsior fazendo Pom-Pom de Ivani Ribeiro na novela Dez vidas. Recém-casada, há quatro me- ses sem receber salário, tenho prestações de apartamento, geladeira, fogão, cama, mesa e banho, tudo atrasado, tudo indo por água abai- xo. Assustada, me sentindo no fundo do poço, recebo um telefone- ma do Guimarães, da Globo de São Paulo, dizendo que o Boni (da Globo do Rio) me chama para uma conversa na sede paulista. Era um teatro velho que ficava ali na praça General Osório da avenida São João, onde eu já tinha estado antes para receber o Troféu Im- prensa do Silvio Santos, da TVS, como revelação do ano por Malu, meu personagem em A deusa vencida de Ivani Ribeiro com direção de Walter Avancini, em 1966. Numa salinha exígua, bem mequetrefe, Boni diz que gosta do meu trabalho, me pergunta quanto estou ganhando, me oferece o dobro e me propõe um contrato de dois anos pra gravar na Globo Rio, co-
  • 15. meçando dentro de 15 dias, a novela Véu de noiva, de Janete Clair, com direção de Daniel Filho. Tudo isso bem rápido, co- mo era o jeito urgente que sempre teve para lidar com as coi- sas. Taquicárdica de emoção, ainda balbucio: “Mas... e a nove- la? O meu contrato?”. E Boni, muito sério, quase bravo: “Que contrato? Você não recebe seu salário há quatro meses, minha filha! Que contrato?!” Foi como se no mar revolto da tempestade, em que eu me encontrava, ele tivesse me estendido uma prancha de surfe bem grande em que eu podia me agarrar. Mais que isso: um bote a motor e capota com direito a colete salva-vidas e fone de ouvi- do tocando “... rumo, estradas, curvas, só despedidas, por en- tre lenços brancos de partida, em cada curva, sem ter você vou mais só...”. Leila Diniz, de um dia para o outro passou a ser, na Excelsior, a Pom-Pom! E eu me tornei Andréa, apaixona- da pelo piloto de automobilismo vivido por Claudio Marzo, na Globo. Capítulo 2 A memória abre, aleatória, outra pasta e Boni aceita ir lá em casa (honraria!) para uma noitada de conversa e brincadeiras. Era Copacabana ainda. Somos então quatro casais empolga- dos com o jogo de formar palavras com dadinhos de letras ar- remessados na mesa. Em um minuto, marcado na ampulheta, o grupo que compusesse o maior número de palavras com aque- las letras ganhava os pontos. Boni e eu, em times adversários, fazemos sucesso. Bons tempos. Capítulo 3 Boni e Lou convidam eu e minha família para um fim de semana, um réveillon, em sua casa de Angra dos Reis. Promo-
  • 16. vem um encontro com Armando Nogueira e me sinto presente- ada com um curso de sabedoria condensado em três dias e três noites que passam voando. Dias de sal, sol e mar que deixam gravados para sempre na mente e no coração a generosidade, o humor inteligente, a visão lúcida e abrangente do mundo em que vivemos, o amor à vida, à boa mesa, o culto às amizades, a paixão pelo exercício de aprender e informar, entreter, pro- por e curtir o riso, a reflexão e... a lágrima. Boni se confirmou para mim, naqueles dias, para além do chefe, o sentimental, o humano, o pai de família, o nutriente provedor de todos nós. Capítulo 4 Boni tinha uma plaquinha em sua mesa com a frase THINK BOLD. Meu sonho foi sempre levar a sério a proposta, não po- dia, afinal, decepcionar meu ídolo. Reunião com ele tinha que ser marcada com no mínimo 15 dias de antecedência. Poderia durar 15 minutos ou horas. Eu escrevia todas as minhas dúvi- das, críticas, meus anseios em papeizinhos numerados que ti- rava da bolsa e ficava ali, meio disfarçando e lendo, nervosa. Sabia que não havia tempo a perder. Ele falava depressa, im- punha um ritmo acelerado à conversa, perguntava de supetão, exigia agilidade na exposição de qualquer argumento. Comigo foi sempre muito gentil, atento, sorridente, carinhoso. Mas eu sabia de histórias horripilantes, de broncas homéricas que ele dava em profissionais de todas as áreas (com direito também a memorandos malignos); isso sem falar nas demissões sumá- rias, nos açoites humilhantes à la Steve Jobs (fala-se muito, é verdade!), a qualquer hora do dia ou da noite, mas especial- mente nas reuniões de pauta das segundas-feiras. Daí, eu sem- pre entrava na sala dele com as mãos geladas, suor na testa e a garganta seca. Dez minutos depois ele conseguia me descon-
  • 17. trair e eu abria, como no confessionário, no divã do analista, como no bar com meu melhor amigo, toda a minha história. Capítulo 5 Boni nunca deixou de abraçar qualquer (qualquer!) funcio- nário vítima de doença, acidente ou perda de parente próximo. Ele se solidarizava – no sentido lato da palavra –, dando apoio moral, afetivo, financeiro e tudo mais que se fizesse necessário pelo tempo que fosse. Mais de uma vez vi seus olhos transbor- darem de lágrimas ao se referir a um companheiro envelheci- do, adoentado, em crise. Capítulo 6 Boni é capaz de montar a equipe certa para levar ao teles- pectador de todas as classes a obra que atende ao desejo, pre- enche a carência do público em cada momento histórico. Sabe arquitetar o mais afinado enfoque estético, técnico e ético. Qu- er sempre um degrau a mais na busca de cada emocionada e/ou racional proposta artística/jornalística. Consegue ser mercado- lógico, antropológico, político, provocador, acessível e arroja- do, tudo junto. Capítulo 7 Quando penso em líder que estimula o livre pensar, o livre criar, a livre expressão, lembro do que Boni me disse quando Del Rangel e eu gravamos o piloto da série Retrato de mulher – Era uma vez, Leila, de autoria de Doc Comparato. Liguei pa- ra ele e contei: “Ficou bem forte. Você vai ver que tem uma audácia ali, uma coisa meio maldita, repara.” Depois de ver, ele me ligou dizendo que tinha gostado, que o seriado estava
  • 18. aprovado para a grade do ano seguinte e concluiu assim: “Eu não esperava outra coisa de você.” A gente riu muito. E agora, por favor, uma breve e indispensável carta ao Boni: Meu querido Boni: Pela atenção e cuidados, pelo apoio incondicional ao longo de mais de trinta anos, por todos os estímulos que fizeram dos meus sonhos de criatividade e da minha vontade irrefreável de ser atriz uma realidade bem-sucedida – minha gratidão. Não existem palavras que possam abrigar todo o sentido de sua fundamental importância em minha trajetória artística e pessoal. Sem os personagens e textos propostos, sem a confiança em mim depositada, que teria feito eu da minha vocação? Do meu histórico de boa moça disciplinada, da minha garra e paixão por interpretar outras vidas? Pouco, eu sei. E sei também que existe, na história da TV brasileira, a era Boni. A Era de Ouro, a Renascença do fazer televisão no Brasil. Não há quem não saiba, no nosso meio, na nossa classe, nos núcleos de interes- sados em comunicação, que existe, até aqui, a era a.B. e a era d.B. É só ligar no canal Viva e ver: sua obra está toda lá, su- cessos de ontem, de hoje... de sempre! E eu, privilegiada, podendo fazer parte, viver de perto tudo isso. Sua força criativa, sua capacidade de realização, seu hu- mor, sua sensibilidade e audácia, sua obsessiva busca de per- feição fazem com que minha admiração por você seja inco- mensurável, Mestre. Muito carinho também, sempre, Regina Duarte
  • 19. Entrando no ar CRIAR EXPECTATIVAS É PRODUZIR FRUSTRAÇÕES. Não esperem deste li- vro nenhuma informação bombástica ou a revelação de segredos dos bastidores ou das empresas, até hoje ocultos. Nada disso. Também não é uma autobiografia, uma vez que, a exceção do capítulo “A in- fância e a família”, narro apenas minhas experiências profissionais, limitando-me aos fatos dos quais participei ou testemunhei, sem pre- tender fazer um relato abrangente da história do rádio, da publicida- de e da televisão. Portanto, este livro é uma coletânea de episódios, alguns com in- formações importantes e outras curiosas, registradas durante minha trajetória por diversas áreas da comunicação em mais de 60 anos de atuação e não apenas sobre a minha passagem na Rede Globo. Em alguns desses episódios, tomei a liberdade de incluir depoimentos de companheiros que participaram ativamente da minha vida profissi- onal. Dentro dos limites da memória, e de acordo com informações pesquisadas, procurei me aproximar o máximo possível de datas, no- mes, locais e da veracidade dos acontecimentos, mas este não é o principal objetivo deste livro e alguma discrepância poderá ocorrer. Realizar tudo, ou parte do que sonhei, só foi possível com a par- ceria dos amigos e dos profissionais, todos de altíssimo valor, que comigo trabalharam no aprimoramento da comunicação no Brasil e na implantação de uma televisão de qualidade, reconhecida em todo o mundo. Por todos os lugares que passei e em todos os cargos onde
  • 20. atuei nunca deixei de participar intensamente de todos os acon- tecimentos. Mas também nunca fiz nada sozinho. Portanto, o que este livro pretende ser é uma homenagem carinhosa a to- dos os profissionais da nossa televisão. A todos, mesmo os que, por limitações naturais, não pude- ram ser citados, o meu muito obrigado.
  • 21. A infância e a família NASCI EM OSASCO, EM 1935, em uma casa geminada, na rua da Es- tação, 77 A. Esse nome foi uma imposição popular, pois ali ficava a estação de trem da linha Sorocabana. Com isso, me livrei de ter nascido na rua Glória dos Runfadores, nome antigo e pomposo, da- do porque ali passavam os garbosos desfiles militares que partiam do quartel de Quitaúna, duas estações depois de Osasco, naquela épo- ca uma obscura e desconhecida vila, no subúrbio da cidade de São Paulo. Sempre que me perguntavam onde nasci, confundiam Osasco com a cidade de Osaka, no Japão: – Nasceu em Osasco??? No Japão? Na verdade, Osasco tem origem italiana e possui o mesmo nome de uma cidade do Piemonte, à beira do rio Pó, onde nasceu Antonio Agu, fundador da cidade paulista. Mas se não sou japonês, tampouco sou italiano. Minha família por parte de mãe é toda espanhola e, por parte de pai, metade espanhola e metade portuguesa. Mistura dos Fernandes Prado, da minha mãe, e dos Toledo e Oliveira, do meu pai. Isaías, meu avô espanhol, era um intelectual antifranquista e um negociante mais para artista. Meteu-se a ser dono de cinema e se deu mal. Importou vinhos quando ninguém bebia vinho no Brasil e aca- bou bebendo o seu próprio negócio. Minha avó, Maria Purificación, Dueña Pura, mulher de fibra e destemida para o trabalho, segurou a barra da família vendendo roupas como mascate e montando lo- jinhas de armarinho em Presidente Altino e Santos. Francisco Ca-
  • 22. etano, meu avô paterno, gostava de jogo e, jogando, perdeu to- da a grana de minha avó Ana Carolina de Toledo, uma criatura invejável, educada na Europa e que, além de escrever bem em espanhol, português e francês, tinha uma caligrafia que pare- cia impressa em uma gráfica. Seu apelido era Dona Nicota, e ela montava a cavalo e atirava muito bem. Obrigou os filhos a se alistarem no Exército de São Paulo, durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Terminado o confronto, agentes fe- derais quiseram fazer uma revista em sua casa. Dona Nicota os deixou à vontade e foi para o quarto de casal, onde havia armas escondidas. Trancou-se e armou-se de uma espingarda de ca- ça. Quando os agentes bateram na porta, ela abriu de arma em punho, engatilhada e apontada para eles. – Aqui não! Esse é o meu quarto. O único homem que entra aqui é o meu marido. Para trás! Se derem mais um passo, eu atiro. Os agentes ficaram sem reação. Não sabiam se ela atiraria e resolveram não arriscar. – Minha senhora, é só uma olhada rápida. – Que olhada nada. Não permito que minha intimidade seja violada. – A senhora tem mais armas aí no quarto? – A arma que eu tenho aqui é só esta. E não é de guerra, é de caçar perdiz. Somente esta, mais nenhuma... garanto. Eles acreditaram e se foram. Minhas avós tinham, em co- mum, a coragem e a arte de cozinhar. Aprendi com elas que, para cozinhar, era preciso ter as duas coisas. Meu pai e tio Reynaldo eram dentistas. Na casa da rua da Estação moravam minha avó Ana Carolina e meu tio Reynal- do, que era solteiro; lá também funcionavam o consultório dos dois e o laboratório de prótese. A casinha do meu cachorro Ne-
  • 23. gus e o meu triciclo ficavam na garagem junto com o carro do meu tio, um Hudson movido a gás de carvão (gasogênio). Nos fundos, ficava o meu campinho de futebol e, na sala, havia um possante rádio de ondas médias e curtas no qual eu vivia gru- dado. É claro que eu passava mais tempo lá do que na minha casa. Meu tio, além de dentista, era um apaixonado por política e me arrastava com ele em algumas madrugadas para colocar cartazes de propaganda em postes e muros. Aliás, foi Reynaldo de Oliveira que promoveu o movimento autonomista que deu a Osasco o status de cidade. Foi ele também que me ensinou a ler e escrever. Em 1939, quando todos falavam da Segunda Guerra Mun- dial e o rádio só transmitia notícias do conflito, fiquei curioso e queria saber tudo o que estava acontecendo. Tio Reynaldo montou na sala de jantar um imenso mapa-múndi, de dois por três metros, comprou alfinetes de bolinha e, de manhã, quando chegavam os jornais, me ensinava a ler as notícias e atualizá- vamos, no mapa, as posições dos aliados e do eixo. Um ano de- pois eu estava fazendo isso sozinho. Daí para escrever foi um pulo. A vida na casa-consultório era ativa e agradável. Meu tio atendia os clientes das sete da manhã às sete da noite e meu pai, durante o dia, fazia próteses. Eu ficava ao lado dele. Aprendia a usar o maçarico para fundir ouro usado em pontes e pivôs, preparava o paladon e dava polimento nas dentaduras. Às sete da noite, meu pai assumia o consultório, muitas vezes assistido pela minha mãe, que se metia a dentista só de vê-lo trabalhar. Jeitosa e revelando sua vocação para a psicologia, que veio a estudar mais tarde, dona Kina era a preferida das crianças.
  • 24. Às dez da noite meu pai parava tudo, dispensava clientes, passava a mão em seu violão e ia para os bares e serestas, onde ficava até altas horas da madrugada. Ao chegar, me acordava e esparramava na minha cama bombons e chocolates, que trazia em um saco amassado de papel. Nunca faltava o Diamante Ne- gro, meu preferido. Quando minha mãe ameaçava uma bron- ca, ele, como em um truque de mágica, tirava do ar uma flor, uma bela maçã vermelha ou um pequeno mimo que a encanta- va. Ela ria e me dizia que pressentia sempre quando ele estava chegando, independentemente da hora que fosse. Aos sábados e domingos, ia com a viola para programas de calouros, onde sempre se deu mal como cantor. Como era bom de violão, foi aconselhado a desistir de cantar e passou a ga- nhar dinheiro como acompanhante de outros calouros, na Rá- dio Cultura de São Paulo. Quando não havia mais o risco de ser gongado, ou buzinado, ele não tinha mais medo de passar vergonha e me levava para assistir aos programas. Eu ficava sentadinho na cabine de controle, fascinado com os botões e com os roteiros dos programas que, então, comecei a colecio- nar. O rádio entrou direto na minha veia. Com o apelido de Caçula, integrou o conjunto Chorões de Presidente Altino, com José do Patrocínio, o Zé Carioca, Aní- bal Augusto Sardinha, o Garoto, e, ainda, o pai do genial es- critor João Antônio, que tocava bandolim e tinha uma padaria onde eles ensaiavam e se apresentavam nos churrascos das tar- des de domingo. Passou também pelo Regional do Rago, on- de usava o que aprendeu como calouro e era o acompanhante preferido dos novatos. A arte dele era encontrar rapidamente o “tom” do candidato e, mais do que acompanhar, “perseguia” as peripécias dos cantores inexperientes. No livro Vou te contar, de Walter Silva, o Pica-pau, Rago faz o seguinte comentário
  • 25. sobre o meu pai: “Músico exímio, melhor como acompanhante do que solista.” Orlando de Oliveira, meu pai, era corintiano roxo e morreu de “corintianite” aguda. Em setembro de 1941, o Corinthians consagrou-se campeão paulista, por antecipação, vencendo o Santos por 3 a 2, em plena Vila Belmiro. Na noite anterior, meu pai havia levantado para espantar uma vaca que tentava comer nosso pomar. No dia do jogo, teimoso, saiu de casa com uma gripe danada, levando o violão a tiracolo e um frango as- sado debaixo do braço ou vice-versa. Depois da vitória, caiu um pé d’água e, mesmo assim, ele foi comemorar com os ami- gos. Minha mãe o encontrou em um posto médico com um pôster do “Corinthians campeão”, publicado na Gazeta Espor- tiva. A gripe virou pneumonia e a pneumonia, tuberculose. A estreptomicina, antibiótico específico para a tuberculose, ainda não havia sido descoberta. Com o fígado baleado pelo consu- mo de álcool e a resistência baixa pelas noites mal dormidas, a progressão da enfermidade foi rápida. Em 1943, foi internado em caráter de urgência na Santa Casa de Misericórdia. Minha mãe, cheia de esperança, foi visitá-lo algumas vezes e, final- mente, recebeu uma notícia-surpresa: meu pai havia recebido alta e deveria ser tratado em um sanatório ou submetido a uma cirurgia. Comunicaram do hospital que ela deveria levá-lo para casa. Era setembro e minha mãe faria aniversário em outubro. Ficou radiante. Era o presente que queria. Lembro-me dela se arrumando e colocando o melhor vestido para ir ao encontro do meu pai. Na casa da minha avó, onde eu os aguardava, o ambiente era de festa. Minha mãe demorou muito para voltar, aumentando a expectativa. De repente, entrou em casa sozinha e chorando
  • 26. copiosamente. Abraçou-me e, quase sem voz, sussurrou: “Seu pai morreu.” Saí em disparada, correndo, sem saber para onde ir. Meus olhos percorreram velozes os corredores da casa, o laboratório de prótese, o quintal e o campinho de futebol, procurando por ele em todos os lugares. Para mim era inaceitável, era irreal, era mentira. Fugindo da verdade, fui para a casa das minhas ti- as. Não tive coragem de voltar para a casa da minha avó, onde seria o velório. Tive medo de vê-lo. Meu pai morreu aos 33 anos de idade. Eu tinha 7 anos e o Guga, meu irmão, 2. Minha mãe iria completar 28 anos. Ela es- crevia poemas, bordava, ajudava no consultório e não tinha re- cursos financeiros para sobreviver à morte do meu pai. Eu, que era rei mimado no colégio de freiras de Osasco, fui parar no Grupo Escolar Marechal Bittencourt, uma escola pública onde ninguém dava bola para ninguém. Tentei ajudar a família, como faziam meus amigos de fute- bol, indo engraxar sapatos na estação de trem. Arranjei uma caixinha de madeira, comprei graxa, escova e fui para lá. Logo de cara, sujei a meia de um cliente e fui expulso da turma. Ainda bem que, para meu consolo, eu tinha uma namoradi- nha, dessas que as famílias decidem que a gente vai namorar. Ela era meiga e, melhor, filha de um dos donos do único ci- nema local. Dele, ganhei um passe livre para todas as sessões com direito a ver montagens dos filmes na cabine de projeção. Muitos anos depois, quando vi Cinema Paradiso, quase morri. As colunas, a boca de projeção e todas as características do Ci- ne Osasco eram parecidas com as do filme do Tornatore; até o projecionista tinha o jeitão do Alfredo. Eu ia ao cinema quase todos os dias.
  • 27. À noite, o Reynaldo me levava para o largo da Estação e eu, em pé em um caixote, dissertava sobre os acontecimentos do dia no front, como um Repórter Esso local. Quando terminou a guerra, me embrulharam numa bandeira do Brasil, me leva- ram para as casas dos pracinhas de Osasco que haviam ido para a Itália e, em cada uma, me mandavam fazer um discurso. Eu não sabia o que dizer, mas pelo fato de ser criança, conseguia arrancar emoção. Quando completei o primário fui internado no Liceu Cora- ção de Jesus, onde minha mãe arranjou uma vaga gratuita com Porfírio da Paz, político influente na época, amigo de amigos do meu pai. Passei alguns anos lá e foi uma experiência de vi- da fantástica. Para pagar os estudos, tinha a obrigação de abrir o dormitório, verificar se estava tudo em ordem e fechar as de- zenas de janelas existentes. Eu deixava a janela, que ficava ao lado da minha cama, semiaberta. À noite, quando todos dormi- am, eu a abria silenciosamente e ficava olhando o céu, tentan- do entender a vida e sonhando com o que faria quando de lá saísse. Repetia isso todas as noites, por anos.
  • 28. Os avôs paternos Ana Carolina e Francisco Caetano. Os tios José Bonifácio, Reynaldo e Odovaldo e o pai Orlando (ao centro)
  • 30. Orlando, Reynaldo e Odovaldo na revolução de 1932
  • 31. Boni no colo do pai, Orlando de Oliveira
  • 32. Joaquina Fernandes de Oliveira, mãe do Boni
  • 33. Boni e seu cahorro Negus
  • 34. Boni e sua primeira namorada
  • 35. Boni
  • 36. Guga, Boni, tia Marina, dona Kina e Dueña Pura
  • 40. Lou
  • 42. Dona Kina e Boni
  • 43. Dona Kina, como chamavam a minha mãe, estava tratando de ga- nhar a vida. Vendia aos familiares de recém-falecidos quadros pin- tados baseados em uma fotografia do ente querido, fornecida pela família. Ela ia às missas do interior, conseguia o endereço do fina- do, se apresentava como uma amiga que vinha trazer uma mensagem de conforto e sapecava a venda de uma homenagem póstuma. E não deixava para depois: argumentava que teria de ser naquele momen- to, pois mais tarde o morto seria esquecido. Nesse tempo, dona Kina, muito justamente, cuidava do Guga, filho menor e mais necessitado de cuidados. Depois, ele também foi parar em um internato em Pira- cicaba. Passamos também por Lins, onde minha mãe montou uma bibli- oteca particular, a Difusão Cultural Linense, algo parecido com as videolocadoras de hoje, mas que alugava livros. Eu ia ao colégio e fazia também o atendimento dos clientes. Morria de vergonha quan- do não sabia responder uma pergunta sobre algum livro. Comecei a ler tudo furiosamente e, quando não era possível, lia pelo menos as orelhas. Para mim foi muito útil, mas a biblioteca deu com os burros n’água. Aos 13 anos, dona Kina ganhou um concurso de literatura do jor- nal O Estado de S. Paulo, que publicou um conto escrito por ela e sua foto com a legenda “Esperança do Brasil”. Aos 63 anos, finalmente resolveu seguir sua verdadeira vocação e ingressou na universidade, diplomando-se duas vezes: uma como administradora e outra como psicóloga clínica. Foi para os Estados Unidos e especializou-se em neurolinguística e terapia de família pela ITAA (International Transactional Analysis Association), em Oakland, Califórnia. Tornou-se membro efetivo do Institute of Psychorientology de Laredo, no Texas. Exerceu a profis- são até os 82 anos e só parou porque a proibi de trabalhar. Escreveu
  • 44. e publicou livros sobre psicologia, tais como Voo de Eros, no qual aborda o comportamento sexual, e Psiu, quem é você?, uma coletânea dos pensamentos de Freud, Jung, Lacan e os dela mesma. Poeta sensível, escreveu inúmeros poemas e foi também presidente da AJEB (Associação das Jornalistas e Es- critoras Brasileiras). Aos 95 anos de idade, conta com uma legião de admira- dores, entre parentes, amigos e clientes eternamente gratos. Além, é claro, da gratidão e da admiração que eu e o Guga te- mos por ela.
  • 45. Quem tem tio vai ao Rio SE QUEM TEM BOCA VAI A ROMA, quem tem tio vai ao Rio. Em 1949, minha mãe casou-se de novo e decidiu morar no Rio de Janeiro. Eu tinha 14 anos e, para mim, foi ouro sobre azul. No Rio, a minha tia Sandra Branca, cantora, tinha um programa só dela na Rádio Conti- nental e era casada com o José Pontes de Medeiros, um dos Quatro Ases e um Coringa. Além disso, toda a família da tia Artemia, minha tia-avó, curtia o ambiente de rádio. Eu adorava ir para a casa dela, em Santa Teresa, para ouvir histórias sobre os bastidores do rádio ca- rioca. Meu tio José González Fernández, o Zéito, montou a Editora Assumpção e suas primeiras edições foram livros de Dias Gomes e de Nelson Rodrigues, este sob o pseudônimo de Suzana Flag. O Di- as Gomes era diretor-geral da Rádio Clube do Brasil e pedi ao meu tio que nos apresentasse, pois queria aprender a ser nada mais nada menos que diretor de uma emissora de rádio. O Dias, coitado, topou, e eu o enlouqueci. Prefiro deixar que ele dê sua versão de como as coisas aconteceram. No livro Apenas um subversivo, ele conta: Por essa época fui procurado pelo editor de meu primeiro romance, o José Fernán- dez, que me trazia um adolescente de seus 14 ou 15 anos. – É meu sobrinho, diz que quer ser diretor. E está curioso de saber como se dirige uma emissora de rádio.
  • 46. Expliquei que não tinha tempo para ensinar, mas ele, o garoto, podia vir to- dos os dias e ficar me observando, assim acabaria aprendendo. Daí em diante, diariamente, durante o tempo em que permanecia na rádio, eu tinha o “aprendiz de diretor” me seguindo, me acompanhando. Se eu ia ao estúdio, ele ia atrás, se ia ao palco, ele me seguia, se permanecia em minha sala despachando, ele se sentava no sofá à minha frente e não tirava os olhos de mim, não perdia um só dos meus movimentos, uma só palavra. Era a minha sombra. Às vezes, andando na rua, eu imaginava que tinha alguém me seguindo, voltava- me, não via ninguém, aquilo já estava se tornando uma paranoia. Chamei o Fer- nandes e supliquei. – Por Deus, me leve esse garoto, ele está me deixando maluco. Dezessete anos depois, esse mesmo garoto me contrataria para trabalhar na TV Globo: era José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Havia se transfor- mado num dinâmico executivo, cujo talento seria amplamente reconhecido co- mo principal artífice da façanha de colocar a Rede Globo entre as quatro maio- res redes de televisão do mundo. O que o Dias não contou é que ele me mandou para a escola de rádio da prefeitura do Rio de Janeiro, instalada na Rádio Roquette Pinto e dirigida por Berliet Jr., importante homem de rádio na época. Lá, me deixaram fazer de tudo: ser locutor, apresentador, escrever textos, operar a mesa de controle e até escolher músicas para sonoplastia. Não era exatamente o que eu queria. Sabia que se tratava de um aprendizado, mas eu so- nhava mais alto e tinha pressa. Quando o César de Alencar pro- gramava os Quatro Ases e um Coringa, lá ia eu para a Rádio Nacional junto com meu tio adotivo, o José Pontes, e ficava transitando pelo bar da Nacional, olhando as celebridades que admirava. Desde os tempos em que ia com meu pai ao auditório da Rá- dio Cultura, em São Paulo, decidi que era com isso que queria trabalhar. O pioneiro do moderno rádio brasileiro foi o Ademar Casé, pai do Geraldo Casé e avô da Regina Casé. Quando co-
  • 47. meçou, no Brasil, o rádio era um veículo amador e sem graça. O locutor da época, por exemplo, anunciava: – E agora, com vocês, Carmen Miranda! A Carmen entrava, era aplaudida por um pequeno auditório, os músicos entravam, sentavam-se e, enquanto todos se prepa- ravam para o número musical, havia um longo silêncio no ar. O ouvinte não tinha a menor ideia do que estava acontecen- do. De repente, o número musical começava. O Ademar Casé, que começou como vendedor de rádios a domicílio, sacou que aquilo não podia ser assim. Pegou um aparelho de ondas cur- tas e começou a ouvir as emissoras dos Estados Unidos e de outros países. Descobriu que não havia buracos, que era tudo ligado, e criou o Programa Casé, implantando em nosso rádio o ritmo. De certa forma, o espírito dele está presente, até hoje, no rádio e na televisão brasileira. Em São Paulo, desde os anos 1930, se fazia um rádio de pri- meira qualidade, melhor e mais sério que o do Rio. O rádio paulista sempre foi mais inteligente. Brilharam por lá nomes como Octavio Gabus Mendes – pai do Cassiano –, Oswaldo Moles, Túlio de Lemos, Júlio Atlas, Nicolau Tuma, Blota Júni- or, Vicente Leporace, Nhô Totico, Raul Duarte, Oduvaldo Vi- anna, Amaral Gurgel, Ivani Ribeiro, Sarita Campos, César La- deira, Saint Clair Lopes, Murilo Antunes Alves, Aurélio Cam- pos, Pedro Luís, Edson Leite, Geraldo José de Almeida, Henri- que Lobo, Adoniran Barbosa, Pagano Sobrinho, Isaurinha Gar- cia, Zé Fidélis e, posteriormente, Ronald Golias, Walter Fos- ter, Manoel de Nóbrega, Walter Silva e tantos outros. Já em matéria de popularidade, a Rádio Nacional do Rio era o má- ximo. Fundada em 1936, sucedeu a Rádio Philips, sob o con- trole do jornal A Noite. Em 1940, foi estatizada por Getúlio Vargas e incorporada ao patrimônio da União, para servir aos
  • 48. interesses do governo. Nos anos 1940, começou a crescer ba- seada em programas populares, mas de qualidade, como o Re- pórter Esso, apresentado por Heron Domingues; Um milhão de melodias, criado e produzido por José Mauro, Haroldo Bar- bosa e Paulo Tapajós; Nada além de dois minutos e Obriga- do, Doutor, do médico, apresentador e escritor Paulo Roberto; PRK-30, dos gênios Lauro Borges e Castro Barbosa; Balança mas não cai, de Max Nunes e Haroldo Barbosa, e também no- velas inesquecíveis sob a responsabilidade de Floriano Faissal. Nos anos 1950, a Rádio Nacional era o mais importante veí- culo de comunicação do país, mas o rádio brasileiro sempre contou com emissoras importantes em todas as capitais. Rádi- os como Jornal do Commercio e Rádio Clube de Pernambuco, de Recife, mantinham orquestras completas mediante contra- to. A Rádio Jornal do Comércio foi montada com o que exis- tia de mais moderno em transmissores de rádio e ostentava o slogan “Pernambuco falando para o mundo”. No sul, a Rádio Farroupilha e a Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, tinham uma rede de emissoras em todo o estado do Rio Grande do Sul e deram espaço para algumas de nossas mais lindas vozes, como a do inigualável Heron Domingues. Aliás, em matéria de vo- zes, o rádio brasileiro foi pródigo. Cito algumas delas: Carlos Frias, Luís Jatobá, César Ladeira, Reinaldo Dias Leme, Hum- berto Marçal, Antonio Pimentel e também um nome da nova geração, Ferreira Martins. No Rio de Janeiro, uma outra tia, a tia Nair, era fanzoca de auditório e, sabendo que eu adorava rádio, me levava ao Teatro Carlos Gomes para assistir O trem da alegria, da Rádio Glo- bo, com o famoso “Trio de osso”, assim conhecido pela magre- za de seus componentes: Lamartine Babo, Heber de Bôscoli e Yara Salles. Com a minha lindíssima tia Sandra Branca, eu ia
  • 49. à Rádio Continental. Em 1950, me apaixonei pelo trabalho de Carlos Palut, à frente dos Comandos Continental, que conside- ro a base do jornalismo radiofônico e televisivo brasileiros. Nesse tempo, eu estudava de manhã, no colégio Piedade; à tarde, trabalhava no Méier, como auxiliar de protético, e à noite praticava na Roquette Pinto. Foi lá que recebi uma vi- sita inesperada. Tratava-se de publicitários trabalhando para a Toddy do Brasil que necessitavam de um jovem para escrever o texto de um programa dedicado aos adolescentes. Achei ape- nas interessante. Mas quando me disseram que seria um pro- grama de auditório, e na Rádio Nacional, dei um pulo e topei na hora, mesmo com um cachê muito pequeno. O programa era semanal, se não me engano, nas tardes de quinta-feira. Além de escrever textos, eu me escalava para alguns papéis nos qua- dros do programa. Pegar um script e interpretar no auditório da Rádio Nacional, onde assistia a meus ídolos, era emocionante. Em 18 de setembro de 1950, inaugurava-se a TV Tupi de São Paulo. Minha cabeça voltou-se para a televisão e eu só pensava em retornar à capital paulista. Minha mãe também queria isso, por conta de desavenças entre o meu padrasto e eu. Ele era contador e trabalhava para várias empresas no Rio. Chamava-se Ed e era um chato de galocha. Um dia, dei uma sacaneada nele: pelas suas costas, fingi que ia espremer um pa- no de chão molhado bem na sua cabeça e ele, ao perceber mi- nha manobra, saiu procurando um revólver para me matar. Só não morri porque fugi antes que ele encontrasse a arma. Não sei se atiraria, mas, na dúvida, como eu era bom de corrida, me mandei e não voltei nem para fazer as malas. O episódio defi- niu o retorno da família a São Paulo. Lá eu mataria três coelhos – e não dois – com uma cajadada só. Iria acompanhar os pri-
  • 50. meiros passos da televisão, trabalhar em alguma emissora de rádio e ficar com a família. Outra tia apareceu na minha vida: tia Marina. A mais que- rida, a mais generosa com a família, a mais engraçada e, por tudo isso, a mais importante. Ela trabalhava duro como propri- etária de um salão de cabeleireiros, na avenida Pompeia, cha- mado Instituto de Beleza Avenida e, com seu temperamento alegre e comunicativo, transformava as clientes em verdadei- ras amigas do peito. Perguntei-lhe se conhecia alguém envolvi- do com rádio ou televisão. De cara, respondeu que de televisão não conhecia ninguém, mas sim de rádio e de publicidade. De rádio, conhecia dona Dalila, esposa do grande radialista Mano- el de Nóbrega; e da publicidade, dona Arminda, casada com o genial Rodolfo Lima Martensen, com quem eu viria a trabalhar mais tarde. Embora a Rádio Nacional de São Paulo não estivesse di- retamente ligada à Nacional do Rio, nos corredores da rádio, no edifício de A Noite, na praça Mauá, diziam que o Nóbrega era um dos pilares da Rádio Nacional de São Paulo. Optei por procurá-lo. O empreendimento seria tão importante que Der- mival Costa Lima sairia da TV Tupi para voltar ao rádio e ser diretor artístico da Rádio Nacional paulista. Pedi à tia Marina que falasse com dona Dalila para que eu conseguisse marcar um encontro com o Nóbrega. Levei para ele meus textos ainda amadores. Além de algu- mas críticas, ele, mestre em escrever humor, me ensinou al- guns truques para melhorar a minha escrita e me propôs que fosse seu assistente. Mas, para que eu pudesse trabalhar, teria que esperar até que ele me arranjasse uma salinha na Rádio Na- cional. O dinheiro não seria muito, mas ele tentaria um salário
  • 51. melhor com o tempo. Não pensei duas vezes: voltei para São Paulo.
  • 52. TV chuvisco 1951. ENQUANTO AGUARDAVA O INÍCIO do trabalho com o Manoel de Nóbrega, ficamos morando – eu, minha mãe e o Guga – no sobradi- nho onde funcionava o Instituto de Beleza da tia Marina, na avenida Pompeia. Compartilhávamos o segundo andar com ela e outras tias e primas que também trabalhavam no salão. Minha mãe tinha uma amiga com quem jogava cartas e que possuía um televisor, coisa ra- ríssima. À noite, me enfiava na casa dessa amiga e ficava de olhos grudados na telinha. Eram apenas algumas horas de transmissão. Eu assistia a tudo e, quando acabava a programação, ainda ficava ho- ras “assistindo a chuvisco”: pontos brancos que se moviam na tela acompanhados de um chiado insuportável. Muitas vezes era desper- tado pela dona da casa, pois havia adormecido no sofá, com o televi- sor ligado, sonhando com o que fazer na televisão. Voltava para casa tarde da noite, ou na madrugada, incomodando a mulherada. Embora minha mãe contribuísse com algum dinheiro e o Guga até ajudasse na limpeza do salão, tia Marina, muito triste, nos avisou que não poderíamos morar com ela eternamente. Além de dividirmos os dois quartos existentes, estávamos também compartilhando as camas e impedindo o descanso adequado da mulherada. O mais importante é que eu, com 16 anos, e o Guga, com 11, já éramos grandinhos o suficiente para tirar a liberdade delas. Nesse momento, o Nóbrega me chamou. Minha mãe, voltando à experiência de lidar com o outro mundo, arranjou um emprego na
  • 53. Organização de Luto São Geraldo, no largo Padre Péricles, em Perdizes, onde poderíamos morar. No andar superior havia um único quarto e colocamos lá três camas. A localização era pri- vilegiada. Em frente tínhamos o Cine Esmeralda e para pegar uma sessão era só atravessar a avenida General Osório. A Rá- dio Nacional, onde eu trabalhava com o Nóbrega, ficava na rua 24 de Maio e eu podia ir de bonde até a avenida Ipiranga com a São João, o que me permitia economizar uns trocados. Pela manhã, minha mãe fazia o atendimento e organizava o negócio de venda de funerais. À tarde, quando eu voltava do trabalho, assumia a loja com ajuda do Guga. Em meio aos caixões de defunto e entre a encomenda de um enterro e outro, escrevia os meus quadrinhos humorísticos para o Programa Manoel de Nóbrega. Bem cedo, de manhã, com os quadros em uma pasta, ia para a emissora, onde encontrava sempre o locutor Eli La- cerda que, sabendo que eu não tinha grana, me pagava um café reforçado na Salada Paulista, com direito a um sanduíche de filé à milanesa. O Nóbrega foi muito importante para mim. Sem ele eu não teria dado a partida. No início eu organizava os textos dele que seriam os quadros de humor do dia. Conferia tudo e mandava para o mimeógrafo. Era encarregado de confirmar a presença do elenco e, também, de receber alguns credores de uma em- presa de cinema que o Nóbrega havia criado e não dera cer- to. Ele, sempre ético, não regateava. Aparecia credor, pagava em dinheiro, na hora, sem chiar. Depois de algum tempo tra- balhando juntos, quando faltava algum texto no programa, ele escolhia no arquivo um quadro antigo e me pedia para rees- crever, atualizando os diálogos. Depois, adquirindo confiança, me deixou encarregado de dois quadros que ele havia criado e ficamos eu, o Mário Santos e o Nóbrega com todos os hu-
  • 54. morísticos do programa. Peguei bem o estilo dele, de tal for- ma que não sabíamos mais o que ele tinha escrito e o que era meu. Por conta disso, tivemos algumas discussões sobre o que era de quem e quem assinava a autoria. Uma bobagem minha, uma vez que o criador dos tipos e dos quadros era ele e eu só estava seguindo a mesma linha. Na verdade, o Nóbrega bata- lhou muito para transferir o contrato que eu tinha com ele para a responsabilidade da Rádio Nacional de São Paulo, mas o bo- nachão Costa Lima, diretor artístico, vinha sempre com a velha conversa: – Espera um pouco, menino, agora não tem verba. Essa situação durou mais de um ano e me incomodava. Eu estava nervoso, pois me sentia patinando no mesmo lugar. Pre- cisava de dinheiro, mas não me sentia no direito de incomodar o Nóbrega. Ele era muito afável comigo. Quase todo dia me le- vava para almoçar em sua casa, onde discutíamos como tinha sido o programa e o que deveríamos fazer para melhorar. Dona Dalila e o Carlos Alberto também eram extremamente gentis e atenciosos. Mesmo assim, com a situação apertada, eu pensava em vol- tar para o Rio, onde já havia sido inaugurada a TV Tupi cari- oca. Além disso, imaginava que talvez o Dias Gomes pudesse me ajudar de novo. Uma tarde, quando estava na discoteca da rádio escolhendo músicas com o Ricardo Macedo, recebi um telefonema inesperado. Era a secretária de Teófilo de Barros Filho, o todo-poderoso diretor artístico das Emissoras Associa- das em São Paulo e monstro sagrado da época. Naquele tempo eu já era Boni, em casa, mas no rádio usava Oliveira Sobrinho. – Sr. Oliveira Sobrinho? O dr. Teófilo quer falar com o se- nhor. Vou passá-lo. Ele entrou na linha e foi breve.
  • 55. – Alô, Oliveira, você pode estar amanhã, na minha sala, aqui no Sumaré, às seis da tarde? Pensando que era trote, respondi titubeante: – Posso... posso. – Então, até amanhã. Mas, por favor, não mencione a nin- guém esse telefonema. Nem aí na rádio nem na sua casa, por favor. Mantenha o encontro em absoluto sigilo. Achei estranho, muito estranho. Tinha toda cara de que era trote. Desliguei e fui correndo procurar o número da Tupi de São Paulo na lista telefônica. Liguei para a telefonista e pedi para falar com a secretária do dr. Teófilo. Quando ela atendeu, percebi que a voz era a mesma de antes: – Aqui é Oliveira Sobrinho. Gostaria, por favor, de confir- mar o encontro com dr. Teófilo. Ela confirmou. E recomendou: – Ele é muito pontual. Esteja aqui quinze minutos antes. Não falei com ninguém e cheguei meia hora antes. Esperei alguns minutos e entrei na sala da diretoria. Lá, o Teófilo, um gordinho bem falante, culto e simpático, foi logo me dizendo: – Queremos que você venha para cá. Sabemos quanto você ganha e oferecemos um contrato que paga seis vezes mais. Mas olha bem, tem uma coisa: só vale se você assinar agora, sem falar com o pessoal da Nacional. Se souberem, vão querer pa- gar mais para segurar você. E nós não queremos leilão. Eu levei um susto e perguntei: – Agora? Tem que ser agora? – Agora. Sem falar com ninguém. Fiquei pensando. Como assinar sem falar com o Nóbrega? Perguntei: – Nem pelo telefone eu posso falar com o Nóbrega? – Não. É pegar ou largar.
  • 56. Toda minha situação passou pela cabeça e, enquanto revia tudo, fiquei parado sem responder. O Teófilo me trouxe de volta à realidade dizendo em tom de sedução: – Você é um diamante que precisa ser lapidado. E aqui te- mos uma coisa que eles não têm: a televisão. Precisamos de gente jovem. O Cassiano, nosso diretor da TV Tupi, é apenas um pouco mais velho que você. O contrato de dois anos está datilografado. É só assinar. Não pensei mais. Nem li direito o contrato. Assinei. Por conta do dinheiro futuro tomei um táxi e fui para a casa do Nó- brega comunicar a ele e pedir que compreendesse. Ele ficou fulo de raiva e, muito justamente, fugindo do controle emocio- nal e da educação que lhe eram característicos, me chamou de ingrato e, aos palavrões, me botou na rua. Demorou muito pa- ra voltarmos a nos falar. Até hoje sou grato a ele e tenho um especial carinho pelo Carlos Alberto de Nóbrega, que comigo compartilhou os ensinamentos de seu pai. No day after, fui à Tupi saber quais eram as minhas obri- gações. Eles iriam lançar um programa chamado Caravana da alegria, para concorrer com o programa do Nóbrega, no mes- mo horário, apresentado diretamente do Cine Oásis, na praça Júlio Mesquita, e comandado por J. Silvestre. Eu seria o re- dator de cinco quadros humorísticos diários. Queriam alguma coisa no mesmo gênero da concorrente. Aí é que fui entender o empenho deles e o porquê de tanto mistério. Assumi a tare- fa do rádio, mas quis conhecer o Cassiano Gabus Mendes. Fui levado até ele, que, muito simpático e sem rodeios, me reco- mendou que eu aprendesse televisão frequentando os estúdios e me aproximando dos profissionais. No momento oportuno, me chamaria. Perguntou se tinha um aparelho de televisão e eu
  • 57. ri respondendo que não. Ele disse que a empresa me empresta- ria um para levar para casa, me entregou uma requisição para preencher, rubricou o documento e me mandou pegar o televi- sor no almoxarifado. Pediu que eu assistisse a tudo o que fosse possível. Contei que via até chuvisco. E ele brincou: – Temos ainda muitos programas piores que chuvisco.
  • 58. Nossa próxima atração COMECEI NA TUPI NO FINAL DO ANO DE 1952. Ela estava meio esvazia- da porque a Rádio Nacional, de onde eu acabara de sair, havia levado o Costa Lima, a Sarita Campos, a Yara Lins e mais de quarenta pes- soas de uma só vez. Mas Caravana da alegria, na Rádio Tupi, fazia sucesso. O público do Cine Oásis ria dos meus quadros e, finalmen- te, eu estava voando sozinho. Antes da entrada do público, usávamos a sala de espera do cinema para ensaiar. Um dia, apareceu no ensaio um senhor elegante, vesti- do impecavelmente, cabelos alinhados, relógio de ouro e com jeito e perfume de quem acabara de sair do banho. Era o importantíssimo Fernando Severino, primeiro diretor comercial da televisão brasilei- ra. Veio falar comigo sobre um projeto para a loja de departamentos Sears. Queria que eu escrevesse uma comédia de situação que seria exibida na TV Tupi, três vezes por semana, às 20h30, logo depois do Repórter Esso. O quadro teria a obrigação de terminar sempre com um produto da Sears. Ou seja, tratava-se de um comercial de 15 mi- nutos disfarçado de comédia. Para isso, a empresa iria disponibilizar os produtos que deveria veicular e as datas para essa promoção. Pen- sei logo em uma família, quando ainda não existia esse modelo na televisão brasileira e o All in the Family nem havia aparecido na te- levisão americana. Pedi ao Fernando que me ajudasse a falar com o Cassiano para compor um bom elenco. Falamos. Cassiano me ofere- ceu o que tinha de melhor no humor: Walter Stuart, Adriano Stuart,
  • 59. Conchita Stuart, Araken Saldanha, Sonia Maria Dorce e a ma- ravilhosa Maria Vidal. Com esse elenco, deveria chamar-se Família Stuart, mas ficou sendo mesmo a Família Sears. A fa- mília Stuart viera do circo e o Walter, além de comandar o Cir- co Bombril, fazia uma piada diária em A bola do dia. Mais tar- de, o Adriano se revelaria um grande diretor de humor, vindo a trabalhar na Globo. O programa Família Sears deveria durar quatro semanas, mas, graças aos bons resultados de venda da loja, acabou permanecendo no ar por quatro meses. Hoje considero que entregar aquele projeto nas mãos de um menino inexperiente, de 17 anos de idade, foi um ato de co- ragem do Fernando Severino e, ao mesmo tempo, uma doce irresponsabilidade. Encontrei com ele um pouco antes do seu falecimento e disse-lhe que o considerava o inventor do cha- mado merchandising na televisão brasileira. Ele riu muito e foi fulminante: – Eu??? Que nada. Os inventores foram os contrarregras da Tupi que, em troca de uma propina, colocavam em cena gela- deiras, liquidificadores, televisores e tudo mais, sempre com o nome dos produtos escandalosamente à vista. Não por acaso, o merchandising nos Estados Unidos tem o nome de product placement. O Família Sears teve o mérito de me fazer despertar para uma outra visão do rádio e da televisão, pois, apesar de saber que os patrocinadores e os anúncios eram as fontes de receita das emissoras, eu até então pensava somente em entretenimen- to. A partir desse programa, aprendi que rádio e televisão eram veículos de publicidade e que o entretenimento era importante apenas para conquistar maior público para ver e ouvir as men- sagens publicitárias.
  • 60. Por ser jovem demais, além desse seriado, tive poucas opor- tunidades naquela época. Pediram-me, por exemplo, para dar um jeito no Clube do papai noel, programa infantojuvenil de Homero Silva, oriundo do rádio e que precisava se tornar mais televisivo. No rádio, o Clube havia revelado gente do quilate de Lia Borges de Aguiar, do maestro Erlon Chaves e do fan- tástico Walter Avancini. Foi um dos primeiros programas da televisão e, quando cheguei, já estava completando o segundo ano no ar. Queriam alguma coisa mais moderna e não aquelas apresentações do tipo “vamos ouvir” e “acabamos de ouvir”. Decidi fazer, aos domingos pela manhã, paródias dos filmes em cartaz nos cinemas, como Quo Vadis, por exemplo. Conta- va com gente de talento, como Nelson Genari, Terezinha Ga- zano, Flavio Pedroso e Antônio Coelho. Queria também aparecer no vídeo e não só escrever. Des- cobri que a maior parte das escalações para segundos papéis se decidiam no famoso bar do Jordão, ao lado do auditório, no Sumaré. Graças ao amigo Mário Tupinambá, o genial Péricles Leal me escalou como ator para fazer um capanga do Falcão Negro chamado Pé de coelho. Certa vez, no mais importante programa da época, o TV de Vanguarda, fui escalado para fazer uma ponta. O título do epi- sódio era “O maestro”, e contava a história de um menino-pro- dígio sequestrado na véspera do concerto de gala que seria re- gido por ele. Eu entrava somente no final, interpretando um repórter que desvendava o crime. No chão da casa do empre- sário, encontraria a gravata borboleta do smoking do maestro, provando que o empresário havia preparado uma farsa para promover o seu contratado. A atração era ao vivo, como tudo na época. Entrei e não encontrei nada no chão. Gravata nenhu- ma.
  • 61. Comecei, por minha conta, a revirar móveis, cadeiras e sofás até que o Cassiano, que dirigia o programa, cortou o som dos estúdios e ordenou: – Abaixa e pega a gravata no pé da câmera. Eu olhei ao meu redor, vi a maldita gravata, peguei-a, exibi para a câmera e disse a minha primeira e última frase na car- reira de ator dramático: – Aqui está a prova. Não houve sequestro. Foi tudo um gol- pe promocional. Subiu a música, rodaram os créditos e eu rodei junto. Na saí- da, o Cassiano estava desolado. – Tá certo, a gravata não estava lá, mas a destruição do ce- nário foi de matar de rir. É melhor você pensar só em humor, tá bom? O Mário Tupinambá e o Péricles me confortaram contando alguns incidentes muito piores. Uma das melhores atrizes da casa deveria terminar um teleteatro dando um tiro na cabeça. Tiros de pólvora seca, quando dados de perto, não saem do re- vólver para não queimar o ator ou atriz. Havia, nos primórdi- os da TV, um cartucho em uma caixa de madeira que era de- tonado por um prego com uma martelada do contrarregra. A atriz, se não me engano, Lia Borges de Aguiar, no desfecho de um episódio de Contador de histórias, colocou o revólver na têmpora e apertou o gatilho. O responsável deu a martelada na espoleta e nada de tiro. Desesperada, a atriz jogou o revólver fora, foi até a penteadeira, pegou um pente, escondeu entre as mãos e gritou: – Vou me matar com esta faca. Quando fingia que enterrava o pente no peito, o responsável pelo tiro, sem perceber o que acontecia, deu uma nova marte- lada e “puuum”, o tiro saiu. A loucura foi que a heroína acabou
  • 62. morrendo esfaqueada com um pente ao estampido de um tiro de revólver. Outra loucura dessas aconteceu com o ator Jaime Barcelos, no TV de Vanguarda. A monumental encenação de Os irmãos Karamázov exigia a utilização de dois estúdios. As portas des- ses estúdios – uma em frente à outra – ficariam abertas para que uma carroça, puxada a cavalo, atravessasse por elas, trans- portando o ator, ferido em uma batalha. A carroça era pequena e o Jaime ficou com uma perna pendurada de fora. O cavalo, ao passar de um estúdio para o outro, se espantou e acabou dis- parando. A perna do Jaime bateu na porta do estúdio e sofreu uma fratura. Tudo ao vivo. Ele precisava ser retirado de lá pa- ra ser socorrido. Entregaram uma maleta de médico a um figu- rante forte, já vestido com trajes de época, e o diretor Cassiano Gabus Mendes o instruiu: – Vá lá, escute o coração e diga: “Está morto.” Outros figurantes entrariam e, juntos, removeriam o Jaime. O que faria o papel de médico entrou, abriu a maleta, colocou o estetoscópio no ouvido e, em seguida, auscultou o coração do ator. Como achou sua frase curta, resolveu improvisar e soltou: “Está morto. Comoção cerebral.” Há outra versão que diz que o figurante, antes de pronunciar a sentença, teria auscultado o cérebro do Jaime. Não importa. O fato é que todos nos estúdios caíram na gargalhada, inclusive o defunto. Coisas assim não eram tão frequentes, mas há muitas histó- rias curiosas que vão surgindo conforme escrevo estes capítu- los e recorro à memória. Como ninguém me ensinava nada, eu observava tudo. Os cenários, em sua maioria, eram terríveis, pesados, teatrais e mal-acabados, cheios de emendas e quase sempre salvos pela iluminação ou pela falta de definição das
  • 63. primeiras câmeras. O som também era deficiente, especial- mente quando era usado o boom – um microfone suspenso por um braço metálico móvel. Quando não captava bem o som, o operador baixava o boom e muitas vezes acontecia de essa maravilha contemporânea aparecer na Rússia no meio de uma adaptação de Dostoiévski, ou no Egito, bem no seio de Cleó- patra, ao lado da víbora. É claro que esse não era o dia a dia. O nível do conteúdo, apesar dos parcos recursos, era altíssimo. Como poucas resi- dências possuíam um aparelho de TV, a maioria dos programas era endereçada à classe social AAA. Tanto que uma das peças de estreia da Tupi foi Hamlet, de Shakespeare, com Lima Du- arte no papel do príncipe. Lembra o Lima que o grande poeta paulista Guilherme de Almeida escreveu em sua coluna de jor- nal: “O Hamlet do Chateaubriand esteve patético, mas não foi ridículo.” À procura de grandes espetáculos, Cassiano, Walter George Durst, Túlio de Lemos e Sillas Roberg reuniam-se em um cine- ma, alugado pela Tupi, para ver os melhores filmes de todos os tempos e adaptá-los para serem realizados nos estúdios, com elenco e direção de primeira linha. Até Antunes Filho passou por lá. Luiz Galon respondia pelo Grande Teatro Tupi e Pé- ricles Leal pelo Contador de histórias. A eles se deve muito do que aprendemos e somos hoje, na televisão, no campo da teledramaturgia. E olha que fazer tudo aquilo ao vivo não era brincadeira. Quando a televisão brasileira completou quarenta anos, eu, na Rede Globo, quis fazer uma homenagem ao Cassi- ano e ao TV de Vanguarda realizando, ao vivo, um dos textos levados ao ar por aquele programa. Chamei o Paulo Ubiratan para executar o projeto e ele levou um susto.
  • 64. – Nem pensar. Hoje, só gravando. E com cenas isoladas, uma a uma. Ninguém vai decorar o texto inteiro, nem as mar- cações, entradas e saídas dos cenários. É loucura. Desista. Pensei bem e resolvi não arriscar. Poderia ser uma catástro- fe. Aquilo só foi possível, no passado, porque não havia outro jeito... tinha que ser. Atualmente, parecemos mais com o cinema do que com a televisão. Mas a Tupi de São Paulo foi, praticamente, pioneira em tudo que se faz até hoje. A primeira novela, ainda que em três dias por semana, começou na Tupi. Todos sabemos que Vida Alves e Walter Foster deram o primeiro beijo da televisão brasileira, mas poucos sabem que ela, além de brilhante atriz, é a fundadora e a responsável pela Pró-TV, que cultiva com amor e carinho toda a maravilhosa memória da Tupi e da tele- visão brasileira. Em seu livro TV Tupi, uma linda história de amor, Vida, melhor que ninguém, narra a trajetória da TV Tu- pi, contando seus momentos de glória. Trata-se de um levan- tamento minucioso e verdadeiro, o mais completo entre tudo o que já foi publicado sobre o assunto. O fato é que a TV Tupi foi precursora nos mais diversos gêneros de programas. Uma das empresas cooptadas por Assis Chateubriand e que permitiu a implantação da televisão no Brasil foi a Antártica. Aos sábados, o Cassiano e o Túlio de Lemos produziam um senhor espetáculo musical chamado Antártica no mundo dos sons, utilizando os estúdios da TV e o palco da Rádio Tupi. Nele, montava-se a imponente Grande Orquestra Tupi, regida ora pelo maestro Rafael Pugliesi, ora pelo maestro Georges Henry, com a maioria dos arranjos de autoria de Luiz Arruda Paes. Nos estúdios, várias câmeras eram usadas para ilus- trações visuais do texto e das músicas. Túlio chegou a usar Guilherme de Almeida para declamar poemas no programa.
  • 65. Eu, que era funcionário, não perdia uma apresentação e, além de admirador, tornei-me amigo do Túlio. O talk show também começou na Tupi, comandado por Lia Aguiar e com o nome de Encontro entre amigos. Já o clássico de perguntas e respostas O céu é o limite teve como apresentador o incrível Aurélio Campos. O Heitor de Andrade, apresentador do Saba- tinas Maizena, também era muito bom e de uma simpatia a to- da prova. Futebol também nunca faltou na Tupi, nem que fosse à força como, por exemplo, no Parque Antártica, quando a emisso- ra derrubou a cortina de bambu que havia sido levantada para impedir a visão das câmeras, ou quando realizou transmissões consideradas impossíveis e que superavam os limites das dis- tâncias que a tecnologia existente permitia. No telejornalismo, havia Dalmácio Jordão, no Repórter Esso; Roberto Corte Re- al, no Mappin Movietone; Maurício Loureiro Gama, como co- mentarista, além das reportagens audaciosas de Carlos Spera e José Carlos de Moraes, o Tico-Tico. O Grande jornal falado Tupi, de Coripheu Azevedo Marques, em razão dos poucos re- cursos existentes, não tinha, claro, a agilidade dos telejornais atuais, mas apresentava conteúdo e análise dos fatos. Em 1952, foi ao ar a primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo, produzido e escrito por Júlio Gouveia e Tatiana Be- linky, com Lúcia Lambertini e Edi Cerri. Até o hábito de anun- ciar o programa seguinte, chamado de Nossa próxima atração, é uma criação da TV Tupi. Ao contrário do que se faz atual- mente, tornando os intervalos mais dinâmicos, no início da te- levisão era preciso esticar o intervalo para dar tempo de montar o programa seguinte, ajustar equipamentos etc. Quem encon- trou a solução para isso foi o Mário Fanucchi, criador do sim- pático Curumim (índio pequeno) que passou a ser a marca da
  • 66. Tupi e virou o personagem que anunciava a próxima atração. O indiozinho aparecia em situações humorísticas anunciando o programa seguinte e valorizando o intervalo comercial. Pela duração e pelo conteúdo, o Mário Fanucchi passou a chamar os intervalos de interprogramas. São coisas simples, mas que dão saudades. Mais tarde, na Lintas, eu compraria o patrocínio de Nossa próxima atração para a Lever, em todo o Brasil.
  • 67. Um piano ao cair da tarde NOS CORREDORES DA TUPI conheci o Roberto Corte Real, o homem da gravatinha borboleta, jornalista e apresentador do Mappin Movi- etone. Ele havia sido locutor da Voz da América, morado nos Esta- dos Unidos e, no Brasil, era o diretor artístico da CBS discos. Ro- berto era brilhante e viria a comprovar isso no final dos anos 1950 e início dos 1960, quando lançaria nomes como Roberto Carlos, May- sa, Agostinho dos Santos e Lana Bittencourt. Em uma conversa, ele me contou que era amigo do Aloysio de Oliveira e do Zé Carioca do Bando da Lua. Na mesma hora eu disse a ele que o Zé Carioca ha- via tocado junto com meu pai mas que havíamos perdido o contato. Um dia, à noite, fomos tomar uns drinques na casa do Roberto. Ele fez uma ligação para Los Angeles e me colocou no telefone com o Zé Carioca. Foi uma emoção indescritível falar com o Zé, famoso no mundo inteiro e conhecido nos Estados Unidos como Carioca Joe. Lembramos dos tempos magros de Osasco e Presidente Altino e do velho conjunto musical no qual meu pai e ele tocavam juntos. Daí para frente, o Roberto resolveu virar uma espécie de substituto do meu pai. Em 1953, ele me contou, no escritório da CBS, na Liberda- de, que iria apresentar o Mappin Movietone na TV Paulista. Segun- do comentários, a TV Tupi assumira o compromisso com a McCann Erickson – agência de publicidade que tinha a conta da Esso – de que retiraria do ar os programas Telenotícias Panair e Mappin Movieto-
  • 68. ne para lançar na televisão o consagrado noticiário de rádio Re- pórter Esso, o que efetivamente ocorreu em 17 de junho da- quele ano. A TV Paulista, montada com subscrição pública de ações pelo deputado Ortiz Monteiro, havia sido inaugurada em mar- ço de 1952. O início da Paulista se mostrava promissor. Foi lá que começou o Circo do Arrelia e por ali passaram compa- nhias teatrais como as de Nicette Bruno e de Cacilda Becker. O Teledrama da Paulista e o A praça da alegria, do Nóbrega, também marcaram época no Canal 5 de São Paulo. Os estúdi- os, que ficavam no edifício Liége, na avenida Paulista, eram tão pequenos que quando a emissora saiu do prédio montaram lá uma modesta tinturaria. Em 1954, a TV Paulista entrou em crise. As poucas coisas boas que ela possuía tinham sido leva- das para a então recém-inaugurada TV Record. O Roberto, que era apenas apresentador, foi convidado a ser o diretor artístico da Paulista. Ele achava que poderia salvá-la e me convidou pa- ra trabalhar como seu assistente. Eu sabia que era uma louca aventura, mas havia uma atração irresistível para quem estava ansioso por ter liberdade. Eu poderia fazer de tudo, mexer em tudo, experimentar de tudo. Não havia mais elenco, nada, so- mente o pessoal técnico e operacional. Nem dinheiro havia. A minha meta era aprender e fui com o Roberto Corte Real para o desconhecido. Lá, encontrei dois profissionais que me acom- panhariam inúmeras vezes em várias emissoras por onde pas- sei: o Antonino Seabra e o Luiz Nardini. A turma da TV Re- cord havia treinado na TV Paulista e muitos visitavam o Canal 5 com frequência. Um deles era o Nilton Travesso, dono de um refinamento ímpar e um dos profissionais que mais inovações trouxe para a televisão brasileira.
  • 69. Para que se tenha uma ideia da precariedade e da pobreza da Paulista, os dois primeiros programas que conseguimos colo- car no ar foram O prato do dia – uma espécie de A bola do dia, da Tupi, mas sem cenário – e Um piano ao cair da tarde. Em O prato do dia o comediante Renato Corte Real, irmão do Ro- berto, colocava a cabeça sobre um prato e contava uma piada de sua autoria. No estúdio, havia um belo piano, sobra dos pri- meiros investimentos e, às seis da tarde, apresentávamos duas músicas executadas pelos maiores pianistas populares do mun- do, selecionados pelo sensível sonoplasta Vicente Dias Vieira. O locutor apresentava: “Hoje, em cartaz, Robledo.” E, no dia seguinte: “Hoje, em cartaz, Peter Kreuder” e, assim, pianistas nacionais e internacionais desfilavam pelo programa. O som era o original de um disco do pianista anunciado mas, no ví- deo, aparecia alguém bem-vestido, fingindo tocar o piano, sem que a câmera mostrasse as mãos, é claro. Cada dia sentava um funcionário diante do instrumento. Eu fui muitos pianistas di- ferentes e o próprio Roberto, vários outros. Quando telefona- vam dizendo que o Robledo da semana anterior não era o mes- mo Robledo daquela semana, a telefonista tinha ordem de di- zer: – Não, não é o pianista verdadeiro. É apenas uma homena- gem. Nessa época, um dos poucos corretores da Paulista era o Luiz Guimarães, locutor de belíssima voz que, por isso mesmo, foi convidado a fazer o personagem principal do seriado O In- visível, uma versão televisiva de O Sombra. Quando a Organi- zação Victor Costa comprou a TV Paulista, o Guimarães assu- miu a produção comercial da emissora, e quando a Globo ficou com o Canal 5, ele passou a assistente do Montoro, em seguida
  • 70. foi meu assistente e, finalmente, diretor nacional de programa- ção da Globo. Outra curiosidade é que na TV Paulista só existiam três câ- meras e não havia o que se chama de telecine, equipamento pa- ra projeção de filmes. Lá, o filme passava na parede, dentro de um túnel de madeira, e era captado por uma câmera comum. Existia, por incrível que pareça, diretor de TV para os filmes, que eram mutilados. Quando aparecia uma cena empolgante, o diretor se entusiasmava e mandava a câmera se aproximar para pegar melhor o centro da ação. Um desastre. Outro incidente aconteceu em um programa meu. Não tí- nhamos o equipamento boom, uma haste telescópica que se distendia ou encolhia, levantava ou baixava, para movimentar os microfones. Nossos microfones ficavam no pedestal, quan- do usados no chão, ou então na ponta de um sarrafo de madei- ra, quando usados por cima dos atores. Os cenários eram pre- gados ao lado de corredores aéreos (catwalk), por onde anda- va o operador de microfone, para captar o som. Em um quadro musical, Romeu, com um alaúde, cantava para Julieta, que es- tava no alto de uma sacada, vista por uma câmera no chão, para dar impressão de mais altura. Romeu, ajoelhado, era visto por uma câmera colocada no alto, de modo a aumentar a distância entre os dois. De repente, o sarrafo do microfone bateu na par- te da sacada, que foi abaixo com a Julieta e tudo. Foi feito um corte rápido para a câmera de cima, na tentativa de salvar a ce- na, mas o que se viu foi o Romeu, com a sua viola, fugindo às pressas do cenário. Na verdade, tudo era um caos, exceto o Bate-papo com Silveira Sampaio. O Roberto, muito amigo do Silveira, convenceu-o a ir para lá, e como o programa era bastante sim- ples não houve complicação. Mas isso não durou muito e ele
  • 71. logo foi trabalhar na TV Rio e depois na Record. No domingo, assumi o horário que viria a ser, no futuro, o primeiro sucesso do Silvio Santos. Fui apresentador do Clube dos novos valores, com alguns dos artistas vindos do Clube do papai noel, especi- almente a Terezinha Gazano, que lamentavelmente não seguiu a carreira de cantora. Com um repertório que mesclava can- ções italianas e jazz, teria sido uma Zizi Possi. Da minha parte, aprendi como não se apresenta um programa e desisti logo. O Clube ia ao ar depois do futebol. E, nesse campo, tínhamos um dos melhores narradores esportivos de todos os tempos: o Mo- acyr Pacheco Torres. Era quase impossível receber algum pagamento na TV Paulista, mas me tornei amigo do grande Nabor Merchioratto, caixa da emissora. Os salários eram pagos em pneus, casimi- ras, televisores, geladeiras e coisas assim, nas quais eu não ti- nha o menor interesse. Mas o Nabor me arranjava passagens do Expresso Brasileiro que eu vendia com facilidade, às sextas- feiras, quando a demanda para ir a Santos aumentava. O Ro- berto, que sem querer havia me colocado nessa fria, arranjou um dinheirinho para mim na agência de notícias World Press, mas a quantia era absolutamente insuficiente e o trabalho, bu- rocrático. Depois ele me apresentou ao José Scatena, um dos meus grandes mestres, fundador da RGE, uma das primeiras empresas do Brasil especializada em gravação de jingles, co- mo são chamadas as mensagens comerciais contadas. Na RGE eu ganharia um cachê para escrever alguns textos para capas de discos e poderia faturar mais uns trocados se algum trabalho extra aparecesse. Em 1955, transitavam pela gravadora produtores e diretores dos departamentos de rádio e TV das mais importantes agênci- as de publicidade e comecei a gostar do assunto. Lá trabalha-
  • 72. vam medalhões do jingle, como Victor Dagô, os irmãos Mau- geri, Lauro Muller e o Passarinho. Aprendi muito com os ma- estros que atuavam na área de produção de comerciais canta- dos, como o Ruben Perez – o Pocho –, o Erlon Chaves e o Ca- çulinha; e com os operadores de som, como o Henrique Car- dia e o Stélio Carlini. Lá tínhamos também um trio de cantoras composto por Lourdinha Pereira, Rosa Pardini e Cléa Simo- ne. As vozes masculinas do coral eram dos Titulares do Ritmo, sob o comando do Chico. Eu aproveitava a proximidade deles e fazia, de vez em quando um freela, jargão da publicidade que vem da palavra inglesa freelancer, ou seja, um trabalho ou tex- to publicitário independente. A RGE ficava no mesmo prédio da Rádio Bandeirantes – na rua Paula Souza, zona do Merca- do Paulista –, onde nesse tempo brilhavam: Oswaldo Molles, criador do RB-55; grandes homens de rádio como Júlio Atlas e Henrique Lobo; e o maestro Sílvio Mazzucca. Os mandachu- vas Edson Leite, Murilo Leite e Alberto Saad faziam uma re- volução no rádio. Foi nessa época que me tornei muito amigo do Walter Silva, o cronista de música popular brasileira conhecido como Pica- Pau. Ele foi, para mim, uma importante fonte de saber na área da MPB e um companheiro leal desinteressado. Casou-se com a minha querida amiga Déa Silva, que trabalhava na RGE e ho- je é uma talentosa artista plástica. Nas épocas magras, quando saíamos para assistir a algum show e jantávamos tarde, eu ain- da ia tomar um drinque na casa deles, e ficávamos até altas ho- ras da madrugada ouvindo as novidades musicais do mercado e discutindo os novos talentos. Walter Silva, com seu Pick-up do Pica-Pau na Rádio Ban- deirantes, seus shows do Teatro Paramount, suas crônicas e li- vros sobre a MPB, foi um baluarte da defesa da qualidade e da
  • 73. autenticidade na música popular brasileira. Grande Walter Sil- va. Ao lado desses amigos, e com a ajuda do Scatena e do Ro- berto Corte Real, eu conseguia pegar algumas encomendas da Rádio Bandeirantes para redigir textos comerciais e de algu- mas agências de propaganda para dirigir a gravação de textos e jingles. Juntando tudo dava para ir tocando, mas ainda estava fora do que realmente me interessava: a televisão. Eu e o Roberto Corte Real estivemos, de alguma maneira, sempre próximos, ligados pela música, pela publicidade, pela televisão e por uma sincera e duradoura amizade que me trou- xe muitos conhecimentos. Fizemos várias viagens internaci- onais para tratar de negócios. Visitamos estúdios de televisão em Los Angeles e em Nova York. Além da paixão pela música e pelo jornalismo, o Roberto cultivava também um humor fino e oportuno, característica da família Corte Real. Uma noite, em Los Angeles, fomos jantar na casa de um mi- lionário, amigo do Zé Carioca, que tinha mania de colecionar carnes de anos especiais, guardadas a uma temperatura abaixo de cinquenta graus. Para se ter uma ideia da riqueza do anfi- trião, ele morava no topo de uma colina e seu vizinho de rua, bem mais abaixo, era o Johnny Mathis. Havia carne guardada durante mais de trinta anos. Os convidados entravam em um imenso freezer e escolhiam, à vontade, o ano da peça que de- sejavam comer: 1945, 1950, e assim por diante. O Roberto, na saída, comentou: – Foi a primeira vez que comi um churrasco de múmia. Nas viagens com ele, conheci muitas figuras importantes da indústria do disco, do cinema e da televisão. Onde quer que es- tivéssemos, sempre fazíamos uma pausa nos trabalhos para um happy hour em um piano-bar, a fim de matar a saudade dos ve- lhos tempos. Aos primeiros acordes de cada música, lembráva-
  • 74. mos das histórias da TV Paulista ou de alguma passagem en- graçada do nosso quebra-galho: Um piano ao cair da tarde.
  • 75. Nosso céu tem cinco estrelas NO INÍCIO DE 1955, CONTINUÁVAMOS na Organização de Luto São Ge- raldo, morando e trabalhando lá. Sem trocadilho, as coisas estavam pretas. Eu, perdido, não sabia que caminho tomar. Foi o Scatena quem me fez dar uma guinada do rádio e da televisão para a publici- dade, além de se oferecer para falar com o Rodolfo Lima Martensen e arranjar uma entrevista para mim. – O Rodolfo é um mestre perfeito. Fundou a Escola Superior de Propaganda e vai ser um passaporte para você. Entretanto, lembrei-me que minha tia Marina havia mencionado que conhecia dona Arminda, casada com o Rodolfo. Avaliei que a apresentação do Scatena poderia ser muito formal e menos forte do que o pedido de uma mulher. Liguei para minha tia e pedi que falas- se com a dona Arminda. Tia Marina, como sempre, na jogada. Devia tanto a ela que, quando fui para a Globo, dei-lhe o cargo de chefe das cabeleireiras em São Paulo, não só por gratidão mas porque era mes- mo uma mulher fora de série. Dona Arminda marcou um encontro com o Lima para mim e prefiro que ele mesmo conte essa história. Em seu livro O desafio de quatro santos, ele narra: Nossos programas eram os de maior audiência em todo o Brasil, mas com o advento da televisão, a Lintas – uma agência de propaganda – era obrigada a entrar de armas e bagagens no intrincado e enganoso mundo do show business. Quem seria capaz de co- mandar, para mim, uma operação tão complexa? Já havia feito várias tentativas, mas
  • 76. constatara que não era fácil encontrar alguém que aliasse ao talento criativo de um diretor de teatro a capacidade administrativa de um empresário, pronto para controlar criaturas tão temperamentais quanto os astros e estrelas com quem tí- nhamos de lidar (e depender) na televisão. Surpreendentemente, foi minha mulher quem, sem saber, ajudou a resolver esse problema, uma das soluções mais brilhantes da minha carreira, a decisão que veio a dar ao Brasil um dos valores mais inquestionáveis da televisão mun- dial. O processo começou durante um tranquilo jantar em família. Minha mulher perguntou-me de mansinho: – Você não teria, na Lintas, um lugar para um rapaz talentoso que está sendo muito mal aproveitado no rádio? – Quem é ele? – É sobrinho de uma amiga minha. – E o que ele faz? – Não sei exatamente. Mas escreve para o programa do Manoel de Nóbrega. Dizem que tem muito jeito para a coisa. Você não quer entrevistá-lo? – Qual é a idade dele? Você sabe? – Acho que tem menos de 20 anos. – Ah, que pena! É muito moço para o que eu estava pensando. – Mas... custa entrevistar? – Não. Não custa. Você tem razão. Mande o rapazinho falar comigo depois de amanhã. Dois dias depois – estávamos nos últimos dias de dezembro de 1955 – Mura Fischman, a então subgerente da Lintas, veio à minha sala e anunciou: – Tem aí um rapaz que insiste em falar com você. Diz que é apresentado da Arminda e que você já sabe do que se trata. Tem uma cara e uma conversa óti- mas. O moço foi introduzido em minha sala e quando lhe perguntei o que sabia sobre rádio e televisão, respondeu-me de maneira tão lúcida e objetiva que fez com que eu me levantasse, saísse detrás de minha mesa, sentasse a seu lado num sofá e passássemos a trocar ideias sobre o assunto como se fôssemos velhos colegas. Nossos conceitos de qualidade coincidiam surpreendentemente, nosso respeito pelo público era idêntico, nossos princípios de trabalho tinham a mesma base. Sem dúvida nenhuma, estava diante de um rapaz fora de série, exatamen- te o homem que eu procurava! Meu único mérito, naquela hora, foi detectar o talento e a profundidade de pensamento daquele moço desconhecido que tinha
  • 77. em minha frente. Contratei-o imediatamente. Quando saiu de minha sala, já es- tava nomeado Chefe do Departamento de Rádio e Televisão da Lintas do Brasil. Chamava-se José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. Boni, para os íntimos. Boni, essa glória nacional que deu à Rede Globo de Televisão o mais elevado padrão de televisão do mundo, o que valeu a ele o Prêmio Salute 1979, traba- lhou três anos comigo. De 1956 a 1958. Foram três anos de muita inovação e arrojadas realizações. Sua capacidade de trabalho era tão grande quanto o poder de criação. Aprimorou não só o entretenimento que colocávamos no ar, como também a propaganda no rádio e na televisão. Defendia seu trabalho com unhas e dentes, porque estava seguro do que fazia. Brigava com os clientes e não tinha papas na língua para mandar um diretor da Lever àquele lugar, se ele não fosse capaz de bem avaliar um trabalho seu. Terminada a conversa, o Rodolfo foi mostrar a minha sala e me apresentou aos principais profissionais da Lintas. Pediu que eu chegasse cedo porque me passaria as tarefas da minha área. O primeiro trabalho que tive na agência em nada se pare- cia com o esperado. A Escola Superior de Propaganda, funda- da pelo Rodolfo, havia recebido o “bilhete azul” de Pietro Ma- ria Bardi e estava se mudando às pressas para outro local, no mesmo prédio da rua 7 de Abril, em São Paulo, cedido a bai- xo custo pelos Diários Associados e com móveis doados pela Editora Abril. Tudo seria feito em noventa dias. E nós, da Lin- tas, fomos convocados pelo Rodolfo e pela Mura para ajudar a montar os móveis nas salas de aula. Entendi, naquele mo- mento, a grandeza e a preocupação do Martensen com a quali- dade. A ESP viria a se tornar depois essa fantástica organiza- ção de ensino que é a ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), uma das melhores – se não a melhor – instituições do gênero em todo o mundo. É oportuno lembrar alguns no- mes importantes dessa escola, entre os que já se foram, como o próprio Rodolfo, Renato Castelo Branco, Otto Scherb, Geraldo Santos e Luiz Celso Piratininga. E, entre os que continuam na
  • 78. batalha, é imprescindível o registro de nomes como Armando Ferrentini, Francisco Gracioso, Ivan Pinto e José Roberto Whi- taker Penteado Filho. Depois da missão inicial, vários e maravilhosos desafios surgiram na Lintas. O Rodolfo me deu ampla liberdade e dei- xou que eu tentasse caminhos inovadores. Meu primeiro jin- gle, em 1955, foi para a pasta Lever SR, com base no sucesso de “Rock around the clock”, usando o estilo rock’ n’ roll. Com o Pocho, fiz um jingle clássico da Lever: “As mulheres mais bonitas usam sabonete Lever...”, gravado pelo Almir Ri- beiro; criei a campanha de lançamento do Rinso no rádio e na TV; e, com o Plínio Toni, desenvolvi o projeto de venda de sa- bão em pó para quem não tinha máquina de lavar: a Quinzena de brancura Rinso, ganhadora do Marketing Report da Unile- ver, em Londres. A Quinzena acontecia de cidade em cidade do interior e tinha como apoio um filme comercial de dois mi- nutos, com Adoniran Barbosa e Maria Vidal, que é, até hoje, o recordista de cópias para exibição em cinema. Fiz também o lançamento do sabão em pó Omo no rádio e na TV e, com Cé- sar Alencar, o Festival Rinso, na Quinta da Boa Vista, com um retorno de quinhentas mil tampinhas do produto. Compramos para a Lever e produzi os comerciais que anunciavam a próxi- ma atração nas emissoras de TV em todo o Brasil. Rodolfo e eu criamos e lançamos o Lever no espaço. O Rodolfo me deu também a oportunidade de conhecer qua- se todo o Brasil. Comecei pelo estado de São Paulo. Havia uma necessidade de penetração do sofisticado sabonete Lever (hoje, Lux) nas classes mais baixas e criei um formato cha- mado “Caixa de pedidos Lever”, que transmitia pedidos musi- cais com ofertas para amigos, namorados etc. Essas ofertas só poderiam ser feitas usando o envoltório do sabonete Lever. O
  • 79. programa era transmitido diariamente, de segunda a sexta-fei- ra, nas principais emissoras do interior de São Paulo. A autori- zação de publicidade não permitia que as emissoras aceitassem pedidos e ofertas musicais sob pagamento, o que era um hábito naquele tempo. Criamos um concurso entre as emissoras para premiar as que conseguissem maior quantidade de envoltóri- os. Castelar, da empresa Nestor Macedo, seu Radico, o pessoal da Pereira de Souza e outros representantes de rádio dobravam nossa premiação estimulando ainda mais a competição entre as emissoras. No Rio de Janeiro, Henrique Foréis, o Almirante, represen- tava a Lintas no programa de rádio Levertimentos, criado pelo Rodolfo para combater a Eucalol e a Palmolive. Minha missão era produzir textos publicitários que se encaixassem no pro- grama, sem que fosse necessário ter intervalos comerciais. Do programa, participavam Antônio Carlos Pires, pai da Glória Pires, os irmãos Walter e Ema D’Ávila, Zé Trindade, Nancy Wanderley e o magistral Chico Anysio, que gostava dos meus textos de propaganda e me dizia que eram, às vezes, mais en- graçados que o próprio programa. Mas, no rádio brasileiro, tal- vez nunca tenha existido nada melhor e mais engraçado que a PRK-30, de Lauro Borges e Castro Barbosa. A PRK-30 era uma emissora clandestina que invadia as ondas da Rádio Na- cional. Era “de mijar de rir” – única expressão capaz de defi- nir corretamente o programa. O texto era do Lauro Borges e a interpretação, dele e do Castro Barbosa. A Lintas contratou a PRK-30 para a Lever. O programa era gravado e corria o Bra- sil em fita, mas o lançamento, em cada cidade, era ao vivo e eu assumi a responsabilidade pela logística e pela produção. As viagens foram deliciosas. Pessoalmente, o Lauro era tão engra- çado quanto ao microfone.
  • 80. Nas cidades visitadas, quando jantávamos, ele costumava gritar para o garçom: – Quer chupar os meus nabos, por favor? Quando o garçom se aproximava achando aquilo estranho, o Lauro mudava a frase: – Quer me arranjar guardanapos, por favor? Um dia, no Hotel da Bahia, em Salvador, ele se deu mal. O garçom veio correndo, não perguntou nada e disse logo: – Quer que chupe seus nabos? Chupo sim, senhor. O sr. é o Lauro Borges, o maior gênio do humor brasileiro. Minha famí- lia não perde um só programa seu e, em sua homenagem, até chupo seus nabos. O Lauro levantou, abraçou o garçom e, sem jeito, pediu des- culpas pela brincadeira. No final, o rapaz trouxe sobremesas e licores, por conta dele, para festejar o encontro. Em Porto Alegre, reunimos cinco mil pessoas no auditório Araújo Viana. Um pouco antes do show, passeávamos pela rua da Praia e o Lauro quis fazer a barba. O barbeiro colocou uma toalhinha quente no rosto dele, passou espuma, afiou a navalha e quando começou a fazer a barba, o Lauro deu um pulo da ca- deira e gritou: – Para! Para! Você não está cortando a minha barba. Com essa navalha sem fio e cheia de dentes está puxando minha bar- ba para fora. Olha só como eu fiquei mais barbudo. O pior é que era verdade. Entre locais com barba e outros com buracos, feitos pela lâmina defeituosa, dava impressão que a barba tinha crescido. Ainda bem que encontramos outro “Fígaro” que consertou o estrago. Essa viagem a Porto Alegre foi consequência da amizade que eu havia feito com um dos maiores e mais fascinantes per- sonagens da minha vida, o querido Maurício Sirotsky. Meses