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Jatene e cols
Endomiocardiofibrose em lactente
Arq Bras Cardiol
2003; 80: 438-41.
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Correspondência: Marcelo Biscegli Jatene - InCor – Divisão Cirúrgica – Setor de
Cirurgia Cardíaca Pediátrica - Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 - 05403-000 - São
Paulo, SP - E-mail – mbjatene@uol.com.br
Recebido para publicação em 13/9/01
Aceito em 30/4/02
Arq Bras Cardiol, volume 80 (nº 4), 438-41, 2003
Marcelo Biscegli Jatene, Ivan Salvador Bonillo Contreras, Laura C. Riera Lameda,
José de Lima Oliveira Jr., Munir Ebaid, Elisa Rumiko Iwahashi, Deipara Monteiro Abellan,
Vera Demarchi Aiello, Miguel Barbero Marcial, Sérgio Almeida de Oliveira
São Paulo, SP
Endomiocardiofibrose em Lactente
Relato de Caso
A repercussão clínica é mais significativa quando há
comprometimentosubvalvaredemúsculospapilares,oque
implicaemobstruçãoaoadequadoenchimentoventricular,
comsintomasvariáveisdeinsuficiênciacardíacaesquerda
oudireita,conformeomaiorenvolvimentodeumaououtra
cavidade 3,4
.
Natentativadeidentificaragentescausais,váriosfato-
resforamsugeridos:fatoresambientais(deficiênciasnutri-
cionais, uso de substâncias tóxicas ao coração), raciais,
genéticos e imunológicos 3,5
, porém, sua etiologia ainda
permanece desconhecida.
Relatosdeendomiocardiofibroseempacientesnafaixa
pediátrica são pouco comuns, mais freqüentes a partir do
quarto ano de idade, com poucos relatos em crianças nos
dois primeiros anos de vida 5-10
.
O objetivo deste relato é mostrar o achado da doença
emcriançadequatromesesdeidade,alémdediscutiraspec-
tos relacionados à evolução clínica e etiologia provável.
Relato do caso
Criança do sexo masculino de quatro meses de idade,
raça branca, produto de primeira gestação, parto eletivo
(cesárea) a termo, de 37 semanas e 3/7, peso ao nascer
3.400kg, apresentou desconforto respiratório progressivo
logo após o nascimento. A mãe estava em tratamento com
sintroid (por hipotireoidismo) e havia incompatibilidade
sangüínea, (mãe Rh-, em uso de gestadiona desde o 4o
mês
da gravidez). A criança necessitou de intubação orotra-
quealnasextahoradevida,comdiagnósticodepneumonia,
permanecendo sob ventilação mecânica por sete dias.
Após a extubação, o paciente permaneceu com leve
desconforto respiratório e pulmões congestos. Foi feito o
diagnósticodepersistênciadocanalarterialcomhiperten-
sãopulmonar.Aos13diasdevidafoisubmetidoaclipagem
do canal arterial por minitoracotomia, com boa evolução e
altahospitalarno10o
diadepós-operatório,recebendodigo-
xinaefurosemide.
Aos 2½ meses de vida foi internado por crise de hipó-
Lactentecom4mesesdeidade,submetidoaclipagem
de canal arterial persistente aos 13 dias de vida, apresen-
tando desde os 2 meses episódios de crises de hipóxia e
hipertonia. Após investigação clínica, confirmou-se pre-
sença de hipertensão pulmonar e suspeita de obstrução
da via de entrada do ventrículo esquerdo. Submetido a
tratamento cirúrgico aos 4 meses de vida, foi identificada
presença de fibrose endocárdica do ventrículo direito e
esquerdo. Realizada ressecção da fibrose, a criança apre-
sentou evolução clínica desfavorável, com importante
restrição diastólica, falecendo no 6º dia de pós-operató-
rio.Aspectosanatomopatológicosecirúrgicossugeriram
endomiocardiofibrose, apesar de pouco comum nessa
faixaetária.
Aendomiocardiofibrosefoidescritainicialmentepor
Davies&Ball,em19481,2
,comoumadoençacardíacaendê-
mica, presente em vários países tropicais dos continentes
africanoeamericano,comcasosdescritostambémnaÁsia,
AméricadoNorteeEuropa 3
.
Aendomiocardiofibroseécaracterizadapelaformação
de tecido fibroso no endocárdio, podendo acometer ambos
os sexos, sem diferenciação de raça, porém mais freqüente
em adultos jovens. Pode comprometer ambos os ventrí-
culos, de forma isolada ou não, sendo mais freqüente no
ventrículo direito 3
.
A fibrose endocárdica pode estar presente em toda a
cavidadeventricular,geralmente, maisacentuadanaregião
apicaleaviadeentradadoventrículodireito.Quandopre-
sente no ápice, pode comprometer intensamente a função
ventricular pela diminuição da cavidade e pela redução do
relaxamentodiastólico.
Arq Bras Cardiol
2003; 80: 438-41.
Jatene e cols
Endomiocardiofibrose em lactente
439
direitohipertróficoedilatadocomdéficitcontrátildiscreto;
ventrículoesquerdocomboafunçãosistólicaeimportante
restriçãodiastólica;ausênciadederramepericárdico,reflu-
xomitraldiscretoepressãopulmonarsistólicade40mmHg.
Evoluiunopós-operatóriocomhipertensãopulmonar
importante,baixodébitocardíaco,insuficiênciarenalcom
necessidadedediáliseperitonealeparadacardiorrespirató-
riarevertidano1o
pós-operatório.Aevoluçãofoicomplica-
da,cominstabilidadehemodinâmicaenovaparadacardior-
respiratória no 6o
pós-operatório, não responsiva a mano-
brasdereanimação,vindoafalecer.
A necropsia revelou coração aumentado de volume
paraaidade,dilataçãomoderadadeambososátrioseausên-
cia de defeitos congênitos. No ventrículo direito notou-se a
presençadealgunstrombosapicaise,noventrículoesquer-
do,extensasáreascruentasdomiocárdiodaviadeentradae
ápice,correspondendoàamplaressecçãocirúrgicadescrita.
O endocárdio remanescente de ambos os ventrículos
mostrava-se espessado, predominantemente nas vias de
entrada. Havia encurtamento das cordas das valvas atrio-
ventriculares, algumas englobadas na lesão fibrosa (figs. 2
e 3). As trabéculas apicais estavam obliteradas por fibrose
xia com cianose severa, seguida de hipertonia e apnéia.
Após estabilização foi submetido a investigação neuroló-
gica(semalterações),estudogenético(normal)enovaava-
liaçãocardiológica,quemostrouapresençadehipertensão
pulmonar com pressão pulmonar sistólica de 65mmHg,
comunicação interatrial pequena e boa função ventricular.
Recebeunifedipinaassociadaaoutrosmedicamentos,apre-
sentando pequena melhora, com redução da pressão pul-
monar, persistindo os episódios de cianose.
Novo ecocardiograma evidenciou pressão pulmonar
sistólicade70mmHgegradientetransvalvarmitralde7mmHg
(pico) e médio de 2mmHg, com encurtamento das cordas
tendíneas da valva mitral, sem disfunção de ventrículo es-
querdo. Optou-se pela realização de cateterismo cardíaco,
quemostrouclipagemefetivadocanalarterial,hipertensão
pulmonarimportante,dilataçãodeátrioesquerdoeveiaspul-
monares,alémdeimagemsugestivadeestenosemitral,com
amputaçãodapontadoventrículoesquerdo(fig.1).
Foiencaminhadoparacirurgiaonde,duranteaopera-
ção, observou-se valva mitral de aspecto normal, com cor-
das tendíneas curtas, apoiadas em estrutura fibrosa, obs-
truindo a via de entrada do ventrículo esquerdo e suspeita
detumordeventrículoesquerdoouendomiocardiofibrose.
Realizada biópsia de congelação, foi evidenciada fibrose,
sem células neoplásicas.
Feitaventriculotomianoápicedoventrículoesquerdo
(muito hipertrófico), com presença de “capa” de fibrose,
ocupando toda a cavidade do ventrículo esquerdo e englo-
bando, inclusive, os músculos papilares. Feita ampla res-
secção,restoutecidofibrosoapenasnospapilares,alivian-
do a cavidade, que aparentemente era pequena e restritiva.
Oventrículodireitoencontrava-sedilatadoetambémaco-
metidoporfibrose,emmenorgrau, tambémressecada.
Asaídadecirculaçãoextracorpóreafoifeitacomauxí-
lio de drogas vasoativas (dobutamina e milrinone) e com
marcapasso epicárdico por bloqueio atrioventricular total.
Aspressõescavitáriassistólicaspóscirculaçãoextracorpó-
reaeram:ventrículodireito-66mmHg;ventrículoesquerdo
-70mmHg;TP-64mmHgeátrioesquerdo-18mmHg.
Oecocardiogramapós-operatóriomostrou:ventrículo
Fig. 1 – Ventriculografia esquerda, evidenciando amputação da ponta do ventrículo
esquerdo, com imagens boceladas.
Fig. 2 – Ventrículo direito aberto; presença de fibrose endocárdica acometendo a via
de entrada (próximo à valva tricúspide- VTr) e a via de saída. Há trombos recentes no
ápice. TP- Tronco pulmonar.
440
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Endomiocardiofibrose em lactente
Arq Bras Cardiol
2003; 80: 438-41.
densa,queseestendiaemdireçãoaomiocárdioemdiversos
pontos. Microscopicamente, observamos espessamento
endocárdico caracterizado por fibrose densa, proliferação
defibraselásticasdeformadesordenada(fig.4),havendo,
alémdisso,numerososvasosneoformadoseinfiltradoinfla-
matório crônico não específico.
Fig. 3 – Átrio e ventrículo esquerdos abertos. A parede do ventrículo esquerdo é
hipertrófica. Nota-se o aspecto cruento da superfície endocárdica, com resíduo de
fibrose acometendo os músculos papilares (setas).
Fig. 4 – Fotomicrografia do endomiocárdio mostrando feixes de fibrose (áreas
avermelhadas) que penetram em direção ao miocárdio. Há aumento de fibras elásticas
(em preto) que apresentam arranjo desordenado. Coloração pelo Verhoeff, aumento
original 25X.
O estudo histológico dos pulmões revelou lesões obs-
trutivasemartérias(grauIIdeHeath-Edwrads)eveiaspul-
monares,compatíveiscomhipertensãopulmonarpassiva.
Discussão
Aendomiocardiofibroseéumaafecçãodoendocárdio,
de etiopatogenia desconhecida, descrita originalmente na
ÁfricaCentral.NoBrasil,casossemelhantestêmsidorela-
tados, principalmente em populações com características
étnicas e sócio-econômicas semelhantes aos africanos 3
.
Nosso caso corresponde a uma criança de quatro meses, de
raçabranca,semnenhumasemelhançaétnicacomosrelatos
deliteratura.
Embora a doença seja mais freqüente em adultos
jovens, pode ser observada em algumas crianças, com
idade superior a 4 anos 5-7.
Nosso relato é de uma criança
que, desde os primeiros dias de vida apresentou sintomas
sugestivos de hipertensão pulmonar que, na seqüência da
investigaçãoeevolução,deu-nosaimpressãodeserdecor-
rente do quadro de endomiocardiofibrose, somente diag-
nosticadodeformadefinitivaduranteoatooperatório. Su-
gerimos que a criança apresentava a doença desde o nasci-
mento, com desenvolvimento progressivo dos sintomas,
porémcomalesãocardíacainstalada.
Tem sido descrita a relação de endomiocardiofibrose
com o uso crônico de esteróides anabolizantes em pacientes
adultos,emboranãoexistamcasosrelatadosemcrianças8
.No
caso em questão, vale destacar o uso de esteróides pela mãe
noperíodopré-natal,emboraporcurtoperíododetempo.
Do ponto de vista clínico, é mais comum que a restri-
çãodiastólicadoventrículoacometidopelaendomiocardio-
fibroseleveasintomasdeinsuficiênciacardíacaehiperten-
sãopulmonar.Amagnitudedossintomasestámaisrelacio-
nada ao grau de acometimento ventricular e secundaria-
mente ao acometimento valvar, em geral decorrente da
inclusão dos músculos papilares e aparelho subvalvar na
lesão de endomiocardiofibrose. No nosso paciente, os sin-
tomasforamprecocese,quandosurgiuasuspeitacirúrgica
de endomiocardiofibrose, já havia restrição ao adequado
enchimentoventricularporestenosesubvalvarmitral,sem
quehouvessedisfunçãoventriculardetectávelpeloecocar-
diograma.
Emnossopontodevista,acriançajáapresentavagrau
avançadodeacometimentoventricular(restriçãodiastólica)
desde o nascimento, em função da baixa idade em que os
sintomasapareceram.
Evidências sugerem que há participação dos eosinó-
filos na patogênese da endomiocardiofibrose, tendo sido
verificadafibroseendocárdicaemportadoresdehipereosi-
nofilia de diversas causas 9
. No caso descrito também se
observou um aumento de eosinófilos (18% ou 1422/mm3
),
umdadoamaisparasuspeitardeendomiocardiofibrose.
O ecocardiograma pode apresentar sinais sugestivos
de endomiocardiofibrose, como por exemplo áreas de
fibroseendocárdica,restriçãodiastólicaventriculareampu-
tação da ponta da cavidade ventricular acometida.
Arq Bras Cardiol
2003; 80: 438-41.
Jatene e cols
Endomiocardiofibrose em lactente
441
Referências
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Heart J 1995; 17: 337.
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3. Mandroi W, Vieira SR, Hemb R, Freitas FM, Azevedo DF, Faraco EZ. Achados
hemodinâmicos e cineangiocardiográficos na fibrose endomiocárdica. Arq Bras
Cardiol 1982; 38: 173-80.
4. BarretoACP,LuzPL,OliveiraAS,etal.Determinantsofsurvivalinendomyocar-
dial fibrosis. Circulation 1989; 80: 1177-82.
5. Jagob JLB, Garzon SAC, Silveira LC, Lorga AM. Fibrose endomiocárdica em
criança de 2 anos de idade. Relato de caso. Arq Bras Cardiol 1988; 50: 413-6.
6. Guimarães AC, Esteves JP, Filho AS, Macedo V. Clinical aspects of endomyocar-
diofibrosis in Bahia, Brazil. Am Heart J 1971; 81: 7-19.
7. Funder JW. Steroids, hypertension and cardiac fibrosis. Blood Press Suppl 1995;
39-42.
8. Mayet J, Kanagaratnam P, Lincoln C, Oldershaw P. Hipereosinophilic syndrome:
endomyocardial fibrosis. Heart 1997; 77: 391.
9. Chan L, Chiang BN, Kong CW, Lee JB, Wang SP, Hsu TL. Endomyocardial
fibrosis with massive endocardial calcific depositis. Clin Cardiol 1987; 10:
541-5.
10. SantosCL,MoraesCR,SantosFL,MoraesF,BrindeiroFilhoD.Endomyocardial
fibrosis in children. Cardiol Young 2001; 11: 205-9.
11. Ângelo A, Kulova A, Gurdevsky. Endocardial fibroelastosis. Clinico-patholgi-
cal study of 38 cases. Pathol Res Pract 1984; 178: 84- 8.
12. Venugopalan P, Stewart JM. Endocardial fibroelastosis. Med J 2001; 2: 1-23.
Do ponto de vista cineangiocardiográfico, tem sido
observadaobliteraçãodascavidadesventricularesdireitas
ou esquerdas e presença de insuficiência tricúspide e/ou
mitral, com amputação da ponta do ventrículo acometido,
achados estes presentes no nosso caso, em especial no
ventrículo esquerdo.
O estudo anatomopatológico da endomiocardio-
fibrosedemonstraalgunsachadosmaisimportantescomo:
obliteracão das trabéculas da via de entrada e corpo do
ventrículodireitoe/ouesquerdoportecidofibroso,conten-
do vasos neoformados e fibras elásticas desordenadas. Há
envolvimento do miocárdio, estando comprometidos no
processo os aparelhos valvares mitral e tricúspide 4
. Tais
aspectos puderam ser observados no nosso caso, onde se
observou espessamento fibroso difuso do endocárdio,
comimportanterepercussãofuncionalnavalvamitral.
O diagnóstico diferencial com fibroelastose endo-
cárdica, doença restritiva mais freqüente na faixa etária do
nosso paciente 11,12
, foi baseado tanto no aspecto macros-
cópico como pelas características histológicas da lesão.
Na primeira (fibroelastose), o limite do endocárdio espes-
sado com o miocárdio é bastante nítido11,12
,nãoobservado
no presente caso, que apresentava feixes de fibrose infil-
trando o miocárdio. Além disso, na endomiocardiofibrose
é característica a existência de inflamação endocárdica
não necessariamente rica em eosinófilos, além de vasos
neoformados 10
, como encontrados no caso em discussão.
Taiscaracterísticas(fibrose,inflamaçãoevasosneoforma-
dos) levaram alguns autores a implicar uma possível orga-
nização de trombos endocárdicos na patogênese da lesão.
Outro aspecto que permite a diferenciação entre as duas
entidades é o arranjo dos feixes de fibras elásticas, que se
mostra paralelo na fibroelastose e desordenado na endo-
miocardiofibrose.

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Endomiocardiofibrose em lactente

  • 1. 438 Jatene e cols Endomiocardiofibrose em lactente Arq Bras Cardiol 2003; 80: 438-41. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP. Correspondência: Marcelo Biscegli Jatene - InCor – Divisão Cirúrgica – Setor de Cirurgia Cardíaca Pediátrica - Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 - 05403-000 - São Paulo, SP - E-mail – mbjatene@uol.com.br Recebido para publicação em 13/9/01 Aceito em 30/4/02 Arq Bras Cardiol, volume 80 (nº 4), 438-41, 2003 Marcelo Biscegli Jatene, Ivan Salvador Bonillo Contreras, Laura C. Riera Lameda, José de Lima Oliveira Jr., Munir Ebaid, Elisa Rumiko Iwahashi, Deipara Monteiro Abellan, Vera Demarchi Aiello, Miguel Barbero Marcial, Sérgio Almeida de Oliveira São Paulo, SP Endomiocardiofibrose em Lactente Relato de Caso A repercussão clínica é mais significativa quando há comprometimentosubvalvaredemúsculospapilares,oque implicaemobstruçãoaoadequadoenchimentoventricular, comsintomasvariáveisdeinsuficiênciacardíacaesquerda oudireita,conformeomaiorenvolvimentodeumaououtra cavidade 3,4 . Natentativadeidentificaragentescausais,váriosfato- resforamsugeridos:fatoresambientais(deficiênciasnutri- cionais, uso de substâncias tóxicas ao coração), raciais, genéticos e imunológicos 3,5 , porém, sua etiologia ainda permanece desconhecida. Relatosdeendomiocardiofibroseempacientesnafaixa pediátrica são pouco comuns, mais freqüentes a partir do quarto ano de idade, com poucos relatos em crianças nos dois primeiros anos de vida 5-10 . O objetivo deste relato é mostrar o achado da doença emcriançadequatromesesdeidade,alémdediscutiraspec- tos relacionados à evolução clínica e etiologia provável. Relato do caso Criança do sexo masculino de quatro meses de idade, raça branca, produto de primeira gestação, parto eletivo (cesárea) a termo, de 37 semanas e 3/7, peso ao nascer 3.400kg, apresentou desconforto respiratório progressivo logo após o nascimento. A mãe estava em tratamento com sintroid (por hipotireoidismo) e havia incompatibilidade sangüínea, (mãe Rh-, em uso de gestadiona desde o 4o mês da gravidez). A criança necessitou de intubação orotra- quealnasextahoradevida,comdiagnósticodepneumonia, permanecendo sob ventilação mecânica por sete dias. Após a extubação, o paciente permaneceu com leve desconforto respiratório e pulmões congestos. Foi feito o diagnósticodepersistênciadocanalarterialcomhiperten- sãopulmonar.Aos13diasdevidafoisubmetidoaclipagem do canal arterial por minitoracotomia, com boa evolução e altahospitalarno10o diadepós-operatório,recebendodigo- xinaefurosemide. Aos 2½ meses de vida foi internado por crise de hipó- Lactentecom4mesesdeidade,submetidoaclipagem de canal arterial persistente aos 13 dias de vida, apresen- tando desde os 2 meses episódios de crises de hipóxia e hipertonia. Após investigação clínica, confirmou-se pre- sença de hipertensão pulmonar e suspeita de obstrução da via de entrada do ventrículo esquerdo. Submetido a tratamento cirúrgico aos 4 meses de vida, foi identificada presença de fibrose endocárdica do ventrículo direito e esquerdo. Realizada ressecção da fibrose, a criança apre- sentou evolução clínica desfavorável, com importante restrição diastólica, falecendo no 6º dia de pós-operató- rio.Aspectosanatomopatológicosecirúrgicossugeriram endomiocardiofibrose, apesar de pouco comum nessa faixaetária. Aendomiocardiofibrosefoidescritainicialmentepor Davies&Ball,em19481,2 ,comoumadoençacardíacaendê- mica, presente em vários países tropicais dos continentes africanoeamericano,comcasosdescritostambémnaÁsia, AméricadoNorteeEuropa 3 . Aendomiocardiofibroseécaracterizadapelaformação de tecido fibroso no endocárdio, podendo acometer ambos os sexos, sem diferenciação de raça, porém mais freqüente em adultos jovens. Pode comprometer ambos os ventrí- culos, de forma isolada ou não, sendo mais freqüente no ventrículo direito 3 . A fibrose endocárdica pode estar presente em toda a cavidadeventricular,geralmente, maisacentuadanaregião apicaleaviadeentradadoventrículodireito.Quandopre- sente no ápice, pode comprometer intensamente a função ventricular pela diminuição da cavidade e pela redução do relaxamentodiastólico.
  • 2. Arq Bras Cardiol 2003; 80: 438-41. Jatene e cols Endomiocardiofibrose em lactente 439 direitohipertróficoedilatadocomdéficitcontrátildiscreto; ventrículoesquerdocomboafunçãosistólicaeimportante restriçãodiastólica;ausênciadederramepericárdico,reflu- xomitraldiscretoepressãopulmonarsistólicade40mmHg. Evoluiunopós-operatóriocomhipertensãopulmonar importante,baixodébitocardíaco,insuficiênciarenalcom necessidadedediáliseperitonealeparadacardiorrespirató- riarevertidano1o pós-operatório.Aevoluçãofoicomplica- da,cominstabilidadehemodinâmicaenovaparadacardior- respiratória no 6o pós-operatório, não responsiva a mano- brasdereanimação,vindoafalecer. A necropsia revelou coração aumentado de volume paraaidade,dilataçãomoderadadeambososátrioseausên- cia de defeitos congênitos. No ventrículo direito notou-se a presençadealgunstrombosapicaise,noventrículoesquer- do,extensasáreascruentasdomiocárdiodaviadeentradae ápice,correspondendoàamplaressecçãocirúrgicadescrita. O endocárdio remanescente de ambos os ventrículos mostrava-se espessado, predominantemente nas vias de entrada. Havia encurtamento das cordas das valvas atrio- ventriculares, algumas englobadas na lesão fibrosa (figs. 2 e 3). As trabéculas apicais estavam obliteradas por fibrose xia com cianose severa, seguida de hipertonia e apnéia. Após estabilização foi submetido a investigação neuroló- gica(semalterações),estudogenético(normal)enovaava- liaçãocardiológica,quemostrouapresençadehipertensão pulmonar com pressão pulmonar sistólica de 65mmHg, comunicação interatrial pequena e boa função ventricular. Recebeunifedipinaassociadaaoutrosmedicamentos,apre- sentando pequena melhora, com redução da pressão pul- monar, persistindo os episódios de cianose. Novo ecocardiograma evidenciou pressão pulmonar sistólicade70mmHgegradientetransvalvarmitralde7mmHg (pico) e médio de 2mmHg, com encurtamento das cordas tendíneas da valva mitral, sem disfunção de ventrículo es- querdo. Optou-se pela realização de cateterismo cardíaco, quemostrouclipagemefetivadocanalarterial,hipertensão pulmonarimportante,dilataçãodeátrioesquerdoeveiaspul- monares,alémdeimagemsugestivadeestenosemitral,com amputaçãodapontadoventrículoesquerdo(fig.1). Foiencaminhadoparacirurgiaonde,duranteaopera- ção, observou-se valva mitral de aspecto normal, com cor- das tendíneas curtas, apoiadas em estrutura fibrosa, obs- truindo a via de entrada do ventrículo esquerdo e suspeita detumordeventrículoesquerdoouendomiocardiofibrose. Realizada biópsia de congelação, foi evidenciada fibrose, sem células neoplásicas. Feitaventriculotomianoápicedoventrículoesquerdo (muito hipertrófico), com presença de “capa” de fibrose, ocupando toda a cavidade do ventrículo esquerdo e englo- bando, inclusive, os músculos papilares. Feita ampla res- secção,restoutecidofibrosoapenasnospapilares,alivian- do a cavidade, que aparentemente era pequena e restritiva. Oventrículodireitoencontrava-sedilatadoetambémaco- metidoporfibrose,emmenorgrau, tambémressecada. Asaídadecirculaçãoextracorpóreafoifeitacomauxí- lio de drogas vasoativas (dobutamina e milrinone) e com marcapasso epicárdico por bloqueio atrioventricular total. Aspressõescavitáriassistólicaspóscirculaçãoextracorpó- reaeram:ventrículodireito-66mmHg;ventrículoesquerdo -70mmHg;TP-64mmHgeátrioesquerdo-18mmHg. Oecocardiogramapós-operatóriomostrou:ventrículo Fig. 1 – Ventriculografia esquerda, evidenciando amputação da ponta do ventrículo esquerdo, com imagens boceladas. Fig. 2 – Ventrículo direito aberto; presença de fibrose endocárdica acometendo a via de entrada (próximo à valva tricúspide- VTr) e a via de saída. Há trombos recentes no ápice. TP- Tronco pulmonar.
  • 3. 440 Jatene e cols Endomiocardiofibrose em lactente Arq Bras Cardiol 2003; 80: 438-41. densa,queseestendiaemdireçãoaomiocárdioemdiversos pontos. Microscopicamente, observamos espessamento endocárdico caracterizado por fibrose densa, proliferação defibraselásticasdeformadesordenada(fig.4),havendo, alémdisso,numerososvasosneoformadoseinfiltradoinfla- matório crônico não específico. Fig. 3 – Átrio e ventrículo esquerdos abertos. A parede do ventrículo esquerdo é hipertrófica. Nota-se o aspecto cruento da superfície endocárdica, com resíduo de fibrose acometendo os músculos papilares (setas). Fig. 4 – Fotomicrografia do endomiocárdio mostrando feixes de fibrose (áreas avermelhadas) que penetram em direção ao miocárdio. Há aumento de fibras elásticas (em preto) que apresentam arranjo desordenado. Coloração pelo Verhoeff, aumento original 25X. O estudo histológico dos pulmões revelou lesões obs- trutivasemartérias(grauIIdeHeath-Edwrads)eveiaspul- monares,compatíveiscomhipertensãopulmonarpassiva. Discussão Aendomiocardiofibroseéumaafecçãodoendocárdio, de etiopatogenia desconhecida, descrita originalmente na ÁfricaCentral.NoBrasil,casossemelhantestêmsidorela- tados, principalmente em populações com características étnicas e sócio-econômicas semelhantes aos africanos 3 . Nosso caso corresponde a uma criança de quatro meses, de raçabranca,semnenhumasemelhançaétnicacomosrelatos deliteratura. Embora a doença seja mais freqüente em adultos jovens, pode ser observada em algumas crianças, com idade superior a 4 anos 5-7. Nosso relato é de uma criança que, desde os primeiros dias de vida apresentou sintomas sugestivos de hipertensão pulmonar que, na seqüência da investigaçãoeevolução,deu-nosaimpressãodeserdecor- rente do quadro de endomiocardiofibrose, somente diag- nosticadodeformadefinitivaduranteoatooperatório. Su- gerimos que a criança apresentava a doença desde o nasci- mento, com desenvolvimento progressivo dos sintomas, porémcomalesãocardíacainstalada. Tem sido descrita a relação de endomiocardiofibrose com o uso crônico de esteróides anabolizantes em pacientes adultos,emboranãoexistamcasosrelatadosemcrianças8 .No caso em questão, vale destacar o uso de esteróides pela mãe noperíodopré-natal,emboraporcurtoperíododetempo. Do ponto de vista clínico, é mais comum que a restri- çãodiastólicadoventrículoacometidopelaendomiocardio- fibroseleveasintomasdeinsuficiênciacardíacaehiperten- sãopulmonar.Amagnitudedossintomasestámaisrelacio- nada ao grau de acometimento ventricular e secundaria- mente ao acometimento valvar, em geral decorrente da inclusão dos músculos papilares e aparelho subvalvar na lesão de endomiocardiofibrose. No nosso paciente, os sin- tomasforamprecocese,quandosurgiuasuspeitacirúrgica de endomiocardiofibrose, já havia restrição ao adequado enchimentoventricularporestenosesubvalvarmitral,sem quehouvessedisfunçãoventriculardetectávelpeloecocar- diograma. Emnossopontodevista,acriançajáapresentavagrau avançadodeacometimentoventricular(restriçãodiastólica) desde o nascimento, em função da baixa idade em que os sintomasapareceram. Evidências sugerem que há participação dos eosinó- filos na patogênese da endomiocardiofibrose, tendo sido verificadafibroseendocárdicaemportadoresdehipereosi- nofilia de diversas causas 9 . No caso descrito também se observou um aumento de eosinófilos (18% ou 1422/mm3 ), umdadoamaisparasuspeitardeendomiocardiofibrose. O ecocardiograma pode apresentar sinais sugestivos de endomiocardiofibrose, como por exemplo áreas de fibroseendocárdica,restriçãodiastólicaventriculareampu- tação da ponta da cavidade ventricular acometida.
  • 4. Arq Bras Cardiol 2003; 80: 438-41. Jatene e cols Endomiocardiofibrose em lactente 441 Referências 1. Davies JNP, Ball JD. The pathology of endomyocardial fibrosis in Uganda. Br Heart J 1995; 17: 337. 2. Ball JD, Williams AW, Davies JNP. Endomiocardial fibrosis. Lancet 1959; i: 1049. 3. Mandroi W, Vieira SR, Hemb R, Freitas FM, Azevedo DF, Faraco EZ. Achados hemodinâmicos e cineangiocardiográficos na fibrose endomiocárdica. Arq Bras Cardiol 1982; 38: 173-80. 4. BarretoACP,LuzPL,OliveiraAS,etal.Determinantsofsurvivalinendomyocar- dial fibrosis. Circulation 1989; 80: 1177-82. 5. Jagob JLB, Garzon SAC, Silveira LC, Lorga AM. Fibrose endomiocárdica em criança de 2 anos de idade. Relato de caso. Arq Bras Cardiol 1988; 50: 413-6. 6. Guimarães AC, Esteves JP, Filho AS, Macedo V. Clinical aspects of endomyocar- diofibrosis in Bahia, Brazil. Am Heart J 1971; 81: 7-19. 7. Funder JW. Steroids, hypertension and cardiac fibrosis. Blood Press Suppl 1995; 39-42. 8. Mayet J, Kanagaratnam P, Lincoln C, Oldershaw P. Hipereosinophilic syndrome: endomyocardial fibrosis. Heart 1997; 77: 391. 9. Chan L, Chiang BN, Kong CW, Lee JB, Wang SP, Hsu TL. Endomyocardial fibrosis with massive endocardial calcific depositis. Clin Cardiol 1987; 10: 541-5. 10. SantosCL,MoraesCR,SantosFL,MoraesF,BrindeiroFilhoD.Endomyocardial fibrosis in children. Cardiol Young 2001; 11: 205-9. 11. Ângelo A, Kulova A, Gurdevsky. Endocardial fibroelastosis. Clinico-patholgi- cal study of 38 cases. Pathol Res Pract 1984; 178: 84- 8. 12. Venugopalan P, Stewart JM. Endocardial fibroelastosis. Med J 2001; 2: 1-23. Do ponto de vista cineangiocardiográfico, tem sido observadaobliteraçãodascavidadesventricularesdireitas ou esquerdas e presença de insuficiência tricúspide e/ou mitral, com amputação da ponta do ventrículo acometido, achados estes presentes no nosso caso, em especial no ventrículo esquerdo. O estudo anatomopatológico da endomiocardio- fibrosedemonstraalgunsachadosmaisimportantescomo: obliteracão das trabéculas da via de entrada e corpo do ventrículodireitoe/ouesquerdoportecidofibroso,conten- do vasos neoformados e fibras elásticas desordenadas. Há envolvimento do miocárdio, estando comprometidos no processo os aparelhos valvares mitral e tricúspide 4 . Tais aspectos puderam ser observados no nosso caso, onde se observou espessamento fibroso difuso do endocárdio, comimportanterepercussãofuncionalnavalvamitral. O diagnóstico diferencial com fibroelastose endo- cárdica, doença restritiva mais freqüente na faixa etária do nosso paciente 11,12 , foi baseado tanto no aspecto macros- cópico como pelas características histológicas da lesão. Na primeira (fibroelastose), o limite do endocárdio espes- sado com o miocárdio é bastante nítido11,12 ,nãoobservado no presente caso, que apresentava feixes de fibrose infil- trando o miocárdio. Além disso, na endomiocardiofibrose é característica a existência de inflamação endocárdica não necessariamente rica em eosinófilos, além de vasos neoformados 10 , como encontrados no caso em discussão. Taiscaracterísticas(fibrose,inflamaçãoevasosneoforma- dos) levaram alguns autores a implicar uma possível orga- nização de trombos endocárdicos na patogênese da lesão. Outro aspecto que permite a diferenciação entre as duas entidades é o arranjo dos feixes de fibras elásticas, que se mostra paralelo na fibroelastose e desordenado na endo- miocardiofibrose.