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FACULDADE BAIANA DE DIREITO
JUSPODIVM
Especialização em Direito
O CONTRATO CELEBRADO ENTRE O MINERADOR E O SUPERFICIÁRIO:
MITIGAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE EM RAZÃO
DO INTERESSE PÚBLICO
Salvador - 2010
2
FACULDADE BAIANA DE DIREITO
JUSPODIVM
Especialização em Direito
O CONTRATO CELEBRADO ENTRE O MINERADOR E O SUPERFICIÁRIO:
MITIGAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE EM RAZÃO
DO INTERESSE PÚBLICO
Guilherme Corrêa da Fonseca Lima
Monografia apresentada ao Núcleo de Pós-
Graduação lato sensu do Curso Juspodivm em
convênio com a Faculdade Baiana de Direito como
requisito parcial para a obtenção do título de
Especialista em Direito. Direito Civil e Consumidor.
Turma 5.
Salvador - 2010
3
Guilherme Corrêa da Fonseca Lima
O CONTRATO CELEBRADO ENTRE O MINERADOR E O SUPERFICIÁRIO:
MITIGAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE EM RAZÃO
DO INTERESSE PÚBLICO
Monografia apresentada como pré-requisito para
obtenção do título de Especialista em Direito Civil
e Consumidor da Faculdade Baiana de Direito em
parceria com o Curso Juspodivm, sob a
coordenação dos professores:
_______________________________________
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS
______________________________________
AURISVALDO SAMPAIO
4
O presente trabalho é dedicado a:
Maria das Graças Guimarães Corrêa, minha
mãe; e a
Juliana Moura Fernandes Silva, eterna
“Humba” no meu coração;
5
Agradecimentos:
A DEUS pela força de todos os dias para
continuar a caminhada.
Ao Professor e amigo Cristiano Chaves de
Farias, grande jurista do qual fui e serei
sempre aluno. Tenho muito orgulho por ter
aprendido em sala de aula com Cristiano.
A meu pai, Ruy Fernandes da Fonseca Lima
e a meu filho, João Pedro Tavares da
Fonseca Lima, simplesmente por existirem na
minha vida.
6
Minério é algo que se produz a partir de
substâncias minerais que nada mais são do
que elementos da natureza.
Não há, todavia, valor econômico e utilidade
social efetiva no recurso natural, inclusive o
mineral, antes que o homem – aqui como
gênero e não como espécie – lhe aplique seu
gênio, para criá-lo, dando-lhe um sentido,
repita-se, social e econômico, para satisfazer-
lhe as necessidades e conveniências.
Sérgio Jacques de Moraes1
1
Advogado e ex-Procurador Geral do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.
7
RESUMO
O presente trabalho, apresentado em curso de pós-graduação (especialização) em
Direito Civil e Consumidor, foi fruto de pesquisa desenvolvida pelo autor no âmbito
do Direito Contratual e do Direito Minerário, desvendando-se a interface entre os
dois ramos do direito. Procurou-se estudar a questão da mitigação do direito de
propriedade, garantido pela Constituição Federal, em face da função social da
propriedade, que também é uma garantia constitucional. Foi percorrido o sistema de
domínio sobre os bens minerais e a forma de outorga de direitos minerários no
Brasil, revelando-se a dualidade da propriedade e a submissão do direito de
propriedade do superficiário, ou proprietário do solo, ao interesse nacional no
desenvolvimento da mineração. Estudou-se ainda a função social da propriedade e
a função social do contrato.
Palavras-chave: Contrato. Mineração. Superficiário. Dualidade da propriedade.
Função social da propriedade. Função social do contrato.
8
Sumário:
1) Introdução.
2) A Importância da Mineração Para a Humanidade;
2.1) Importância dos Bens Minerais na Contemporaneidade;
3) O Regime Constitucional dos Recursos Minerais
4) A Outorga dos Direitos Minerários;
5) Perspectiva Civil-constitucional dos Contratos;
5.1) Princípio da Função Social da Propriedade
5.2) Princípio da Função Social do Contrato;
5.3) A Autonomia da Vontade
5.4) Função Social dos Bens Minerais;
6) Conclusão.
9
1. Introdução
O presente trabalho, apresentado como monografia no curso de pós-graduação lato
senso em Direito Civil e Direito do Consumidor, realizado nos anos de 2007 a 2009
na Faculdade Baiana de Direito em parceria com o curso Jus Podivm, sob a
coordenação dos eminentes mestres Cristiano Chaves de Farias e Aurisvaldo
Sampaio, visou desenvolver um tema ligado aos contratos. Devido ao interesse do
autor pelos assuntos ligados à mineração, encontrou o mesmo a interface existente
entre o Direito Civil e o Direito Minerário, a qual se apresenta na obrigatoriedade da
celebração de um contrato entre o proprietário da terra e a pessoa – física ou
jurídica – que possua uma autorização concedida pela União para realizar pesquisa
mineral ou extrair minério.
Uma vez que os bens minerais no Brasil pertencem à União Federal, surge o
fenômeno jurídico da “dualidade da propriedade” (hoje elevado à categoria de
princípio do Direito Minerário2
), pois tais bens encontram-se espalhados por todo o
território nacional. Dessa forma, coincidem a existência de bens minerais de domínio
público e a propriedade imóvel particular em um mesmo local.
Sendo interesse nacional a transformação dos bens minerais de propriedade da
União em benefícios sociais, esta pode outorgar a brasileiros ou empresas
constituídas sobre as leis brasileiras, títulos que permitem a pesquisa e a extração
2
TRINDADE, Adriano Drummond Cançado. Princípios de Direito Minerário Brasileiro in Direito
Minerário em Evolução / Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador. Belo Horizonte:
Mandamentos Editora, 2009, p. 48-49
10
de substâncias minerais. Ocorre que as áreas referentes a tais títulos, via de regra,
são propriedades privadas.
Assim sendo, surgem interesses aparentemente conflitantes, ou seja, o ingresso de
terceiro em propriedade privada para exploração de um bem mineral ali inserido.
Embora a propriedade do imóvel seja de um particular, cujo direito é protegido e
garantido pela Constituição, ocorre o interesse nacional e do minerador em ver
extraído o bem mineral que lá se encontra. Nota-se aí uma situação que impõe um
sopesamento de interesses constitucionais.
Para que ocorra a efetiva exploração de recursos minerais e sua transformação em
riqueza, há a necessidade da existência de uma relação pacífica – ou pacificada por
via judicial, como se verá no curso do presente estudo – entre o proprietário do
imóvel e aquele que possui autorização da União para pesquisar ou extrair minério.
Ocorre, portanto a imperiosa celebração de contrato entre as partes, caso contrário
o interesse nacional determina a via judicial para garantir a exploração mineral.
A matéria da exploração de recursos minerais é regulada pelo Direito Minerário, o
qual é um ramo autônomo dentro da ciência jurídica e, dada a sua especificidade, é
pouco conhecido, pois sua divulgação ainda é muito pequena e a quantidade de
profissionais que a ele se dedica é bastante reduzida. A jurisprudência no âmbito da
matéria relacionada aos assuntos da Mineração também é restrita por conta do
pequeno número de demandas, se comparado com outras áreas. Como disse
Adriano Cançado Trindade:
11
No Brasil, contudo, a matéria ainda parece ser tratada com
desconfiança, talvez pela falta de uma vivência e de uma
cultura da indústria mineral. Não obstante haja uma política
setorial do Governo para a mineração, não obstante exista um
Código de Mineração e um corpo jurídico próprio, não obstante
seja mantida uma estrutura administrativa específica para o
setor, verifica-se que a própria Administração, o Judiciário e
mesmo operadores do Direito ainda hesitam ao se deparar com
princípios e institutos do Direito Minerário.3
Como ocorre com todos os ramos do Direito, o Direito Minerário também tem
interfaces com outras áreas e matérias jurídicas. Embora seja eminentemente ligado
ao Direito Administrativo, existe também uma importante ligação com o Direito Civil,
especialmente no tocante ao instituto da propriedade e, sobretudo, na seara
contratual, o que motivou o presente estudo.
Portanto, é uma das metas deste trabalho, senão a principal delas, investigar os
princípios que regem a dinâmica das relações contratuais, verificando como se
desenvolvem os mesmos no âmbito da relação jurídica de Direito Minerário que
nasce entre o minerador e o proprietário do terreno no momento em que a União
concede ao primeiro o direito de realizar uma pesquisa mineral. Trata-se de uma
relação contratual quase sempre obrigatória para que ocorra a atividade mineira,
pois o princípio da dualidade da propriedade (Art. 176 da CF) vai determinar a
necessidade de existência de um contrato entre as partes acima citadas, pois
3
idem
12
enquanto um detém a propriedade do terreno o outro detém o direito de explorar um
bem mineral pertencente à União, mas que se encontra inscrito no imóvel do
primeiro.
Todavia, nem sempre a relação entre minerador e o proprietário de terras é pacífica,
já que em muitos casos ocorrem interesses antagônicos, pois há resistência do dono
do imóvel (este é comumente chamado de superficiário) à instalação de uma
atividade mineral dentro da sua propriedade, mesmo que lhe caiba indenização por
todo e qualquer dano causado, além de uma participação nos resultados da lavra.
Em outros casos, mesmo que ocorra a concordância do superficiário, pode haver
divergência acerca de valores envolvidos no aspecto econômico da relação.
Assim, o presente estudo teve como objetivo a investigação da importância da
atividade mineral para o país, bem como a avaliação da relação jurídica
desenvolvida entre o titular de direitos minerários (que permitem a pesquisa ou a
lavra de substâncias minerais) e o proprietário do solo.
O fato de a legislação pátria permitir que o minerador ingresse em terras públicas ou
privadas para realizar atividade de extração mineral, causa bastante perplexidade e
espanto e, no primeiro momento, gera a ideia de injustiça para com o particular que
é proprietário de terras (superficário).
Dessa forma, o presente estudo visou também investigar se ocorre a mitigação da
autonomia da vontade do superficiário na relação contratual celebrada com o
13
minerador, uma vez que a legislação confere guarida a este último para realizar sua
extração, mesmo que sob a proteção do Estado, com uso de força policial.
Assim, foram analisadas todas as bases fáticas da necessidade da mineração para
a humanidade e a sua importância como indústria de base, que fornece matéria-
prima para quase tudo o que o homem utiliza no seu dia a dia.
No âmbito jurídico foram analisadas as questões constitucionais pertinentes ao
sistema de domínio sobre as substâncias minerais, bem como a sua utilização por
particulares com autorização estatal, bem como a legislação infraconstitucional de
regência da matéria minerária.
Além disso viu-se a perspectiva civil-constitucional dos contratos e as cláusulas
gerais impostas pelo Código Civil de 2002.
No estudo procurou-se buscar a mais abalizada doutrina do Direito Civil e do Direito
Minerário, a fim de conferir consistência jurídica ao texto.
2. A Importância da Mineração Para a Humanidade
Antes de se analisar qualquer aspecto relacionado com o contrato celebrado entre o
minerador e o superficiário (proprietário do solo), é imprescindível conhecer em
linhas gerais como funciona a atividade de mineração, como é a sua natureza, qual
a sua importância para o homem e qual é o interesse nacional na sua existência, a
fim de se compreender como vai ocorrer o referido contrato entre minerador e
14
superficiário e como é a dinâmica dos princípios que vão estar presentes no mesmo.
Assim sendo, será analisada de início a questão da essencialidade da extração
mineral para a humanidade.
Contudo, faz-se necessário conhecer alguns conceitos atuais para se obter plena
compreensão do tema abordado. As expressões “mina”, “minério”, “jazida”, embora
sejam familiares à maioria das pessoas, têm significados específicos e guardam
conceitos técnicos que não são da compreensão de todos.
Em primeiro lugar, vale conhecer a diferença existente entre reserva mineral, recurso
mineral e riqueza mineral. Para isso, é preciso entender a diferença existente entre
jazida e mina. Tais definições são dadas por lei e estão inscritas no art. 4º do Código
de Mineração, Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967:
Art. 4º Considera-se jazida toda massa individualizada de
substância mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente
no interior da terra, e que tenha valor econômico; e mina, a
jazida em lavra, ainda que suspensa.
Portanto, a definição jurídica de jazida demonstra que, se a massa de substância
mineral é individualizada e possui valor econômico, ela já foi identificada e medida
pelo homem. Ou seja, já foi fruto de uma investigação técnica, à qual se dá o nome
de pesquisa mineral. É através dessa busca que o homem localiza a substância
mineral almejada e confere se há viabilidade técnica e econômica para a sua
extração e comercialização.
15
Segundo William Freire, quando ocorre a definição ou a individualização da jazida é
o momento em que a reserva mineral entra no mundo jurídico. Segundo o
doutrinador, “jazida é o recurso mineral com viabilidade técnica e exequibilidade
econômica”.4
Logo, consegue-se compreender que reserva mineral é toda substância ou massa
mineral livre na natureza, a qual ainda não é conhecida pelo homem. Quando uma
massa mineral é individualizada e é medido o seu valor econômico, ela assume um
novo conceito jurídico, passando a se chamar jazida e a ser considerada como
recurso mineral.
William Freire prossegue afirmando que:
No sistema minerário brasileiro, todo o regime jurídico-
minerário gira em função de tornar possível a formação da
mina, que é conceituada como o recurso mineral técnico,
econômico e ambientalmente viável. Em outras palavras, é o
recurso mineral que pode ser lavrado, transformado em
dinheiro.
Imagine-se uma grande reserva de ouro nas profundezas
abissais. Nada vale diante da impossibilidade de retirá-la.5
4
FREIRE, William. Código de Mineração Anotado. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2009, p. 74
5
Idem p. 75
16
Então, combinando-se a definição legal com a doutrinária, pode-se compreender
que mina vem a ser uma jazida que está ou esteve sob trabalho de extração,
denominado de lavra. Assim, a mina que já esteve em operação e está com a sua
lavra suspensa continua a ser considerada como tal.
Minério, por sua vez, é o produto da mina. Ele vem a ser a substância mineral
efetivamente extraída e que possui valor econômico, ou seja, é a riqueza mineral.
2.1 Importância dos Bens Minerais na Contemporaneidade
Desde tempos imemoriais o homem utiliza recursos naturais para sua sobrevivência,
extraindo do ambiente ao seu redor os materiais necessários à manutenção da vida,
sejam eles do reino animal, vegetal ou mineral. Os estudos históricos demonstram
que o homem sempre foi extrativista e desde a pré-história já utilizava substâncias
minerais para sobreviver e para melhorar a sua qualidade de vida. À medida que as
habilidades do homem pré-histórico foram evoluindo, especialmente na construção
de objetos e artefatos úteis à vida, aumentou a demanda por matérias primas
oriundas da natureza. Na obra intitulada Comentários ao Código de Mineração, o
Professor William Freire, destaca logo de início: “O homem pré-histórico já explorava
as minas para obter as pedras e os metais de que necessitava para a construção de
seus abrigos e armas”6
. Na mesma obra o autor transcreve uma afirmação de Mário
6
FREIRE, William. Comentários ao Código de Mineração. 2ª ed. Belo Horizonte: Aide, 1996, p.11
17
Silva Pinto, que diz: “Na Espanha houve mineração de cobre em Huelva desde 800
a.c.”7
.
De fato, muitos séculos antes de Cristo já eram utilizados os minerais metálicos,
tanto para satisfazer necessidades básicas das pessoas através de utensílios, como
para satisfazer os desejos pelas obras de arte e objetos de adorno feitos com
materiais nobres. No livro The Geochemistry of Gold and Its Deposits, o professor
canadense Robert W. Boyle afirma: “Gold, the noblest of metals, has been utilized by
man for more than 5000 years, first in artistic objects and jewellery, then largely in
coinage and more recently in the industrial arts”8
(Ouro, o mais nobre dos metais,
tem sido utilizado pelo homem por mais de 5.000 anos, primeiro em objetos
artísticos e jóias, em seguida largamente para o cunho de moeda e, mais
recentemente, nas artes industriais).
No mesmo livro acima indicado, constam figuras de canecas de ouro
confeccionadas 1.500 anos antes da era cristã.
Durante sua evolução, a humanidade foi, aos poucos, mais e mais se tornando
dependente da utilização dos recursos encontrados na natureza. Os bens naturais,
portanto, deixaram de ser tratados como meros instrumentos de subsistência e
passaram a ter outro tipo de valor. Dessa forma, foram adquirindo um contorno
econômico ao longo do tempo, com destaque para o surgimento da mineração como
efetivo ramo da economia. Inicialmente o homem se interessou pelos metais nobres.
7
FREIRE, William. Op. cit.
8
BOYLE, R.W., The Geochemistry of Gold and Its Deposits.
18
O ouro e a prata foram cobiçados durante muitos anos como sendo a base da
economia e do poder.
Num interessante estudo histórico sobre a mineração no Estado da Bahia, o
historiador soteropolitano, Professor Cid Teixeira, apontou a necessidade de
minerais preciosos que ocorria na Idade Média: “De ouro era a coroa como de ouro
e de pedras preciosas se fazia o tesouro dos reis. Aos nobres ficavam os símbolos
da riqueza transferidos à propriedade imobiliária”9
. Ainda no mesmo estudo, o
historiador destacou que naquela época a Europa descobriu as vantagens da moeda
e, logicamente, da serventia do ouro e da prata “amoedados”. Segundo o professor
Cid Teixeira:
Ter dinheiro agora era o importante e para ter dinheiro era
preciso ter ouro e prata. A busca desses metais tornou-se,
portanto, uma fixação que de muito ia adiante do simples
desejo de possuir uma jóia de melhor cinzeladura
(...)
O ouro era a obsessão. Não bastavam as terras descobertas;
não bastava acrescentar aos títulos do rei de Portugal o ser
Senhor da Arábia, Pérsia, Índia e Etiópia; não bastava ganhar
batalhas no Oriente, nem submeter os naturais do Brasil. Era
preciso dar a tudo isto um sentido de rentabilidade, de
enriquecimento, de circulação mercantil10
.
9
TEIXEIRA, Cid. et. al. Mineração na Bahia: ciclos históricos e panorama atual. Salvador:
Superintendência de Geologia e Recursos Minerais – SGM, 1998. p. 16
10
Idem.
19
Como se vê, as conquistas das nações colonizadoras precisavam extrapolar o
campo dos grandes feitos para a realização econômica e, nesse âmbito, a
comercialização de produtos têxteis, alimentícios e outros artefatos não superava a
importância da posse de ouro e prata. Por certo, o empreendimento das grandes
navegações partidas da Europa não visava somente a expansão de território das
nações que as financiavam, mas sim possuíam a função de encontrar terras onde
esses metais fossem abundantes. No documento que pode ser considerado como a
“certidão de nascimento do Brasil”, ou seja, a famosa carta escrita ao Rei de
Portugal por Pero Vaz de Caminha, o escrivão oficial da expedição comandada por
Pedro Álvares Cabral, dava conta a Sua Majestade, D. Manoel I, sobre “o
achamento desta terra nova” e sobre as primeiras investigações acerca da
existência de metais nobres na terra então achada. Já se pode ver aí a cobiça pelos
metais preciosos. No texto da missiva por diversas vezes surgem as palavras ouro e
prata:
O Capitão, quando eles vieram [refere-se a dois índios trazidos
a bordo da nau], estava sentado em uma cadeira, aos pés uma
alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui
grande, ao pescoço. (...) um deles fitou o colar do Capitão, e
começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e
depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia
ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e
assim mesmo acenava para a terra e novamente para o
castiçal, como se lá também houvesse prata!
20
(...)
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que
lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço;
e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava
para a terra e novamente para as contas e para o colar do
Capitão, como se dariam ouro por aquilo.
(...)
Falou, enquanto o Capitão estava com ele, na presença de
todos nós; mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais
coisas que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque
desejávamos saber se o havia na terra.
(...)
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou
outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos.
(...)
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-
feira, primeiro dia de maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha.11
Como se vê, a expedição servia – além de ser um grande feito – à busca de novas
terras recheadas das preciosidades naturais que àquela época eram o fundamento
da riqueza de uma Nação: ouro e prata.
11
Três Documentos Contemporâneos ao Descobrimento do Brasil. Disponível em
<http://www.jangadabrasil.com.br/arquivos/download/descobrimento.pdf> acesso em 03/05/2010
21
Ao tempo do descobrimento do Brasil ainda não estavam aflorados os interesses
econômicos pelos diversos minerais aplicados à indústria, já que a Revolução
Industrial só veio a acontecer muitos anos depois, alavancando de forma
exponencial a necessidade de matérias primas de origem mineral.
Máquinas de diversos tipos foram inventadas e produzidas com o objetivo de
superar em muito a capacidade de construção das mãos humanas.
E, então, no século XIX ocorreu a descoberta das aplicações industriais do petróleo,
pois o mesmo já era conhecido desde a época da antiga Babilônia, quando era
utilizado para calafetar embarcações, para assentar tijolos, embalsamar os mortos e
para prover iluminação12
. Mas foi em 1859, no estado da Pensilvânia, nos Estados
Unidos da América, que teve início a atual indústria do petróleo, com a perfuração
de um poço atribuída a Edwin Drake13
. Talvez o “ouro negro”, como é chamado, seja
o bem mineral mais precioso para a humanidade até nos dias atuais, pois dita os
destinos da economia em função da variação de seu preço, que flutua de acordo
com a sua necessidade e com o valor e tamanho das reservas existentes no mundo.
Serve de fonte para os combustíveis usados na maioria dos meios de transporte
atuais. Há países que têm sua economia totalmente apoiada na produção e
comercialização do petróleo enquanto outros dependem dele para criar sua matriz
energética. Além disso, desperta interesses que ultrapassam os âmbitos da
economia, da política e, muitas vezes, descambam para os horrores da guerra, haja
visto o que ocorreu em 1991 e em 2002 nos conflitos armados ocorridos entre
Estados Unidos e Iraque.
12
SILVA, Leonardo Mussi da. ICMS Sobre a Extração de Petróleo. Lumen Juris Editora, 2005, p. 9
13
Idem.
22
Nos dias atuais é impossível pensar na sobrevivência humana dissociada do uso de
substâncias minerais, as quais somente são obtidas através da mineração, que é,
sem sombra de dúvidas, uma das atividades econômicas mais importantes para
qualquer nação. A exploração de recursos minerais é uma indústria de base que
fornece as matérias primas necessárias para diversas aplicações.
Considerando que a extração mineral está na base, no início das cadeias produtivas,
muitas vezes não se percebe a quantidade de bens construídos com os recursos
minerais, nem se observa a própria dependência à qual está sujeito o homem
contemporâneo. Só a título de ilustração é possível citar exemplos que bem
demonstram essa situação: a) a construção civil utiliza produtos oriundos da
atividade mineira tais como vigas de ferro, areia, brita, cimento (produzido com
calcário), além de outros materiais agregados; b) a grande maioria das ferramentas
e maquinário utilizados na indústria é feita de metais; c) a fabricação de carros,
caminhões, aviões, trens e navios também depende do fornecimento de minerais
metálicos; d) estas máquinas, para funcionar, usam combustíveis derivados de
petróleo; e) a abertura de estradas e outras obras de infraestrutura também depende
de recursos de origem mineral como o asfalto e o concreto; f) a transmissão de
energia elétrica é feita através de cabos metálicos, suspensos por torres igualmente
metálicas; g) toda a produção de alimentos pela agricultura é desenvolvida por meio
de máquinas e ferramentas metálicas, bem como com a utilização de fertilizantes
produzidos com minerais fosfóricos e potássicos; h) os computadores, hoje
essenciais para a vida moderna, funcionam graças ao chip de silício. i) além de
infinitas outras coisas facilmente encontráveis do dia a dia de cada pessoa, tais
23
como o lápis de grafite (carbono), utensílios de cozinha, instrumentos utilizados por
dentistas, instrumentos musicais, elevadores, jóias – estas fabricadas com ouro,
prata, platina e pedras preciosas, dentre outros minerais nobres; k) na medicina são
utilizados minerais radioativos em aparelhos para exames e tratamentos de
doenças. Estes são apenas alguns exemplos de aplicações das substâncias
minerais.
Sendo assim, a necessidade da população mundial sempre elevou a Mineração à
categoria de atividade econômica de alta relevância e, quase sempre, de alta
rentabilidade, especialmente pelo risco ao qual está sujeito o capital investido na
atividade. O Professor William Freire, já citado acima, afirma em seu Código de
Mineração Anotado: “A atividade mineral caracteriza-se por vultosos investimentos,
longo prazo de maturação e alto risco”14
.
3. O Regime Constitucional dos Recursos Minerais
As Nações possuem soberania sobre os recursos naturais encontrados em seus
territórios. Isso, embora pareça óbvio, foi fruto de um processo que se iniciou no
âmbito da Organização das Nações Unidas – ONU, e culminou com a definição da
soberania nacional sobre tais recursos.15
Existiam grupos econômicos que
mantinham cartéis há séculos em países produtores de matéria-prima, num
14
FREIRE, William. Código de Mineração Anotado, 4ª edição, Belo Horizonte: Mandamentos, 2009,
p. 52
15
BARBOSA, Alfredo Ruy. A Natureza Jurídica da Concessão Minerária in Direito Minerário Aplicado
/ Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador, Belo Horizonte: 2003, Mandamentos.
24
verdadeiro sistema colonial. Assim, em 1952 foi dado o passo inicial, com a
promulgação da Resolução 626/52 da ONU, que afirmava:
Considerando que as riquezas naturais dos países
economicamente atrasados devem ser exploradas para realizar
os planos de desenvolvimento desses países, têm os mesmos
o direito absoluto de dispor livremente de suas riquezas
naturais, fato que, na maioria dos casos, não ocorre até o
presente momento.
Após a Resolução nº 626/52, sucederam-se outras normas de Direito Internacional
que afirmavam cada vez mais a soberania dos Estados sobre os seus recursos
naturais. Foi irreversível o processo de extermínio dos sistemas coloniais, embora
não tenha agradado aos grupos multinacionais exploradores dessas riquezas em
terras alheias. O ponto alto desse processo ocorreu com a Resolução nº 1.803/62,
aprovada pelo órgão máximo da ONU, com expressiva votação a favor. A norma
reconhecia a nacionalização como forma de os países recuperarem seus recursos
naturais, fundado no exercício do poder soberano.
Em 1966, a Resolução nº 2.158/66 conferiu aos recursos naturais o status de “direito
inalienável e imprescritível”. Por fim, merece um destaque especial a instituição da
Nova Ordem Econômica Internacional – NOEI, cujas bases foram estabelecidas pela
Resolução nº 3.171/73, com o “objetivo de conferir ao princípio da soberania o
devido fundamento jurídico para que os países possam regular todas as atividades
25
econômicas pertinentes à propriedade, à posse e à exploração dos seus recursos
naturais”16
Portanto, após esse longo processo de afirmação da soberania dos estados sobre
os seus próprios recursos naturais, perante a comunidade internacional, cada Nação
pode dispor livremente das suas riquezas provindas da natureza e encontradas em
seu território. Assim, cada Estado soberano determina as próprias regras e os
próprios regimes de aproveitamento das substâncias minerais encontradas em seu
subsolo.
Historicamente existem quatro tipos de regimes ou sistemas de aproveitamento dos
recursos minerais. São eles:
a) Sistema Fundiário: também é chamado de regime de acessão e
confere o domínio ilimitado ao proprietário do solo. Esse sistema
tem origem no Direito Romano, que entendia que o domínio
privado sobre a propriedade imóvel se dava usque ad coelos et
usque as ínferos.
b) Sistema Regaliano: refere-se a um sistema que conferia
privilégios – como o nome indica – aos reis e imperadores. Ocorria
a concessão de exploração, que implicava a transferência de um
bem dominical para um particular, mas mediante o pagamento de
16
BARBOSA, Alfredo Ruy. Op. Cit.
26
uma quantia conhecida como “regalia”. O sistema regaliano
vigorou durante toda a era feudal.
c) Sistema Dominial: passado o período do feudalismo surgiu o
regime que reconhece os recursos do subsolo como uma res
communis, ou seja, de propriedade da coletividade, um bem de
toda a Nação ou Estado.
d) Sistema Liberal ou Res Nullius: por este sistema, as jazidas
minerais, enquanto não conhecidas, são consideradas como res
nullius, ou seja, não pertencem a ninguém. O direito de exploração
é concedido a quem primeiro as encontrar. Há registros desse
sistema no Século XII em alguns países da Europa.
No Brasil, considerado aqui apenas o período republicano, a Constituição de 1891
instituiu o regime fundiário ou de acessão, garantindo ao superficiário a propriedade
das “minas”. Com efeito, o § 17 do art. 72 daquela Carta determinava que “as minas
pertencem aos proprietários do solo, salvo as limitações que forem estabelecidas
por lei a bem da exploração deste ramo da indústria”.
Já a Constituição de 1934 afirmava a separação do solo e do subsolo para efeitos
de aproveitamento dos recursos naturais. Todavia, não atribuía a propriedade de tais
recursos a nenhum ente, configurando o sistema chamado de res nullius, pois a
propriedade era de quem encontrasse o bem mineral, contudo, sendo submetida a
exploração aos interesses da Nação.
27
Tal sistema de dualidade da propriedade foi mantido até hoje, com uma breve
mudança ocorrida no período da Constituição de 1946, que conferiu ao proprietário
do solo a prioridade para exploração. Sem dúvida, foi um período de estagnação na
exploração mineral. Alfredo Ruy Barbosa, já citado no presente trabalho, a respeito
da Constituição Federal de 1946, afirma:
A consequência de tal dispositivo foi, de um lado, a dificuldade
de se reconhecer quem é o verdadeiro proprietário do solo,
tendo em vista que os recursos minerais ocorrem, em geral, em
regiões longínquas, onde inventários infindáveis faziam
permanecer as terras rurais em condomínio, além de onerar o
pesquisador com encargo adicional decorrente de negociar
preferência e eventualmente até adquirir terras, com dispersão
de valiosos recursos necessários à criação da riqueza
mineral17
.
Quem também afirma o retrocesso do desenvolvimento da mineração por conta do
sistema de acessão é o advogado especializado em Direito Minerário, Pedro Alberto
Salomé de Oliveira:
Ocorre que o crescimento econômico de uma nação sempre
exigiu uma produção mais dinâmica das substâncias minerais
17
Idem.
28
por ventura ocorrentes no seu território, inclusive para
substituição de importações.
De igual forma, é verdade e mais do que reconhecido e batido
que, mesmo com os avanços científicos e tecnológicos, até
hoje a mineração continua sendo atividade que requer
investimentos vultosos, envolve risco expressivo e exige longo
tempo de maturação. Sendo, pois, naquele início de Século
XX, o proprietário do solo também senhor do subsolo, ele, ou
por inabalável vocação pela agricultura, ou pelo medo do risco,
ou por falta de recursos financeiros, ou por receio em eventual
sociedade, ou, até mesmo, por não desejar a imiscuição da
mineração na sua atividade, somente optava pelo
empreendimento mineiro diante de evidências significativas de
sucesso. A prudência e o desinteresse, superiores ao espírito
de aventura, inibiam, então, o incremento da mineração,
totalmente dependente da iniciativa ou da anuência do
proprietário do solo.18
A Carta de 1967, que sucedeu a de 1946, tratou de separar a propriedade do solo
da propriedade dos bens minerais existentes. Veja-se abaixo, in verbis, a definição
constitucional:
Art. 161 - As jazidas, minas e demais recursos minerais e os
potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta
18
OLIVEIRA, Pedro A. Salomé de. A Participação do Proprietário do Solo nos Resultados da Lavra in
Direito Minerário Aplicado / Marcelo Mendo Gomes de Souza, Belo Horizonte: 2003, Mandamentos.
29
da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento
industrial.
§ 1º - A exploração e o aproveitamento das jazidas, minas e
demais recursos minerais e dos potenciais de energia
hidráulica dependem de autorização ou concessão federal, na
forma da lei, dada exclusivamente a brasileiros ou a
sociedades organizadas no País.
§ 2º - É assegurada ao proprietário do solo a, participação nos
resultados, da lavra; quanto às jazidas e minas cuja exploração
constituir monopólio da União, a lei regulará a forma da
indenização.
Como todos os regimes de aproveitamento de exploração dos recursos minerais têm
origem na Constituição Federal, atualmente não podia ser diferente. A Constituição
de 1988 confere em primeiro lugar a propriedade dos bens minerais à União. Com
efeito, o art. 20 assim dispõe:
Art. 20. São bens da União:
omissis
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
Dessa forma, fica estabelecido que os bens minerais, onde quer que se encontrem
no território nacional, pertencem à União. Contudo, o direito de realizar as atividades
de extração e comercialização dos bens minerais do país são transferidas para o
30
particular, que o faz mediante consentimento do Estado. Isso ocorre porque o
aproveitamento de substâncias minerais visa o lucro, o que é um objetivo da
iniciativa privada e estranho à atividade estatal. Com efeito, o art. 170 da
Constituição afirma que a “ordem econômica está apoiada na valorização do
trabalho e da livre iniciativa”. A União, que possui o domínio sobre todas as
substâncias minerais, outorga a particulares os direitos de pesquisa e lavra das
mesmas, garantindo ao outorgado a propriedade do minério extraído, de acordo com
Art. 176 da Constituição Federal, abaixo transcrito:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos
minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem
propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou
aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.
§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o
aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput"
deste artigo somente poderão ser efetuados mediante
autorização ou concessão da União, no interesse nacional,
por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e
que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei,
que estabelecerá as condições específicas quando essas
atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras
indígenas.
31
§ 2º - É assegurada participação ao proprietário do
solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que
dispuser a lei.
§ 3º - A autorização de pesquisa será sempre por prazo
determinado, e as autorizações e concessões previstas neste
artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou
parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.
§ 4º - Não dependerá de autorização ou concessão o
aproveitamento do potencial de energia renovável de
capacidade reduzida.
Note-se que o caput do artigo afirma o Princípio da Dualidade da Propriedade,
garantindo a distinção entre a propriedade das “jazidas e demais recursos minerais”
e a propriedade do solo para efeito de exploração ou aproveitamento. O jovem
jurista Adriano Drumond Cançado Trindade, que se debruça sobre o Direito
Minerário, afirma:
O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que a propriedade
dos recursos minerais e a propriedade do solo não se
confundem. Essa dualidade, muitas vezes conflituosa, pode ser
extraída a partir do exame da Constituição Federal e da
legislação infraconstitucional.
(...)
32
Mais especificamente na Constituição de 1988, todavia, não só
o princípio da dualidade foi empregado, mas também foi
atribuída a propriedade dos recursos minerais à União. Essa
inovação representou o fim de um debate, pois até então o
ordenamento jurídico nacional previa que a propriedade dos
recursos minerais era independente da propriedade do solo.
Contudo, o ordenamento não atribuía a propriedade dos
recursos minerais a nenhum ente, dando margem a
interpretações de que os recursos minerais estariam inseridos
na categoria res nullius.19
Assim sendo, a Carta de 1988 definiu com precisão a distinção entre a propriedade
dos bens minerais e a propriedade do solo, garantindo exclusivamente à União o
domínio sobre todos os recursos minerais, sejam estes já conhecidos ou não. Ou
seja, as jazidas que ainda estão por ser descobertas também fazem parte do
patrimônio da União Federal.
O Código Civil de 2002, em consonância com o ditame constitucional da dualidade
da propriedade, também expressa a distinção entre propriedade do solo e das
jazidas e minas, segundo o texto do Art. 1.230:
Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas,
minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia
19
TRINDADE, Adriano Drummond Cançado. Op. Cit. P. 62-63
33
hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens
referidos por leis especiais.
Por fim, o Código de Mineração, Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967,
também expressa a distinção entre a propriedade do solo e a do bem mineral:
Art 84. A Jazida é bem imóvel, distinto do solo onde se
encontra, não abrangendo a propriedade deste o minério ou a
substância mineral útil que a constitui.
Assim, o ordenamento jurídico pátrio é uníssono no sentido de garantir um sistema
de domínio público dos bens minerais, que estão totalmente apartados das
propriedades imóveis e pertencem somente à União, que possui o condão de
transferi-los a particulares, no interesse nacional.
Esse ponto merece extrema atenção, pois o aproveitamento dos recursos minerais
do país deve obedecer a um critério de interesse e utilidade pública. Tal matéria foi
objeto do parecer da Advocacia Geral da União nº AGU/MF-2/95, aprovado pelo
Presidente da República, que assim afirma: “Os recursos minerais, que, em última
análise, pertencem ao povo, devem ser explorados visando ao interesse nacional
(§1º do art. 176 da Constituição), para satisfazer as necessidades coletivas”20
Portanto, surge a clareza acerca da necessidade de priorizar a exploração do bem
mineral em detrimento da propriedade do solo na qual ele está inserido. O
20
BARBOSA, Alfredo Ruy op. Cit.
34
proprietário rural, de tradição agrária, jamais, ou dificilmente, vai despertar para a
possibilidade de existir uma riqueza de natureza mineral no subsolo de suas terras.
No entanto, é interesse de toda a Nação que os bens minerais se convertam em
riqueza e em benefícios sociais.
Mais uma vez, Adriano Drumond Cançado Trindade define de maneira magistral:
O princípio da dualidade, qualificado atualmente pela
propriedade da União, reconhece que os recursos minerais
merecem um tratamento diferenciado em relação à propriedade
fundiária. Busca o Direito, assim, corrigir a disposição irregular
dos recursos minerais pelo território nacional, com o objetivo
de, por intermédio do Estado, reverter para toda a população
os benefícios advindos da exploração mineral – e não apenas
para os proprietários fundiários onde se encontram os
recursos. Em outras palavras, o princípio da dualidade da
propriedade revela um primado de justiça distributiva.
Assim, nota-se que embora seja um tanto conflituoso, o sistema dominial – que
assegura a propriedade dos bens minerais à União, separando o solo do subsolo –
ainda é o melhor sistema para realizar o objetivo de identificar os recursos minerais
do país e transformá-los em riqueza e benefícios para toda a coletividade.
35
4. A Outorga dos Direitos Minerários
Contudo, para que a mineração se desenvolva, é necessário o consentimento prévio
da União, o qual se dá através de um processo ou procedimento administrativo
perante o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, pelo qual o
minerador vai requerer à União um título autorizativo para realizar o aproveitamento
dos bens minerais. Em geral esse processo se dá em duas fases, a primeira é
chamada de “Fase de Autorização de Pesquisa” e serve para que o minerador
realize trabalhos técnicos de investigação com o objetivo de confirmar ou não a
presença do bem mineral almejado. Caso seja positivo o resultado da pesquisa, isto
é, confirme-se a ocorrência do mineral em quantidade e qualidade que justifiquem a
sua retirada, bem como a extração seja técnica, econômica e ambientalmente viável,
o minerador apresenta os resultados de sua pesquisa ao Departamento Nacional de
Produção Mineral – DNPM, órgão da União responsável pelas outorgas de direitos
minerários. Uma vez aprovado pelo DNPM o resultado da pesquisa, surge a jazida
(massa individualizada de substância mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou
existente no interior da terra, e que tenha valor econômico)21
. A reserva mineral
passa a ser recurso mineral e a lei confere ao minerador o período de um ano para
requerer a concessão definitiva do direito de extração do minério.
Leia-se abaixo a transcrição de trecho do artigo denominado Direitos e Garantias
Fundamentais no Processo de Outorga de Direitos Minerários22
:
21
Código de Mineração, art. 4º
22
LIMA, Guilherme Corrêa da Fonseca. Direitos e Garantias Fundamentais no Processo de Outorga
de Direitos Minerários.in Direito Minerário em Evolução / Marcelo Mendo Gomes de Souza,
coordenador. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2009, p. 161
36
O exercício da atividade econômica de mineração implica a
submissão do minerador a um prévio e complexo processo
administrativo de outorga perante a Administração Pública
Federal. Os bens minerais, pertencentes à União por força de
disposição constitucional (art. 20, IX), só podem ser
pesquisados, extraídos e comercializados com autorização do
Poder Público, neste caso representado pelo Departamento
Nacional de Produção Mineral – DNPM e pelo Ministério de
Minas e Energia, que detém a competência para outorgar a
particulares o direito de aproveitamento de substâncias
minerais com fins comerciais.
Em todos os regimes de aproveitamento de substâncias
minerais instituídos pelo artigo 2º do Código de Mineração
(Decreto Lei nº 227, de 28/02/1967) ocorre a obrigação legal de
se formular ao DNPM um pedido ou requerimento do direito de
exploração.
Com efeito, a extração propriamente dita de um bem mineral só
se inicia após o cumprimento de fases ou etapas que se
desenvolvem no mundo material e no mundo jurídico. Dessa
forma, para que no campo da ciência geológica os profissionais
possam proceder ao levantamento de dados técnicos que
servem para avaliar com precisão a ocorrência do mineral
desejado, é necessária a Autorização de Pesquisa, ato
37
administrativo que abre a primeira de todas as fases prévias à
lavra e é obtido no âmbito de um processo inaugurado com um
requerimento perante o DNPM. É no bojo de tal processo que
serão apresentadas todas as informações obtidas na pesquisa
mineral e ocorrerá a dialética entre o Poder Público e o
minerador, no que tange ao direito de extração dos recursos
minerais almejados por este último, bem como aos dados
técnicos sobre tais recursos.
Decorre daí uma série de outros fatos e atos jurídicos, sendo que muitos deles
fogem do âmbito de Direito Público e se dão na esfera civil, dentre os quais está a
celebração de um contrato entre o minerador e o proprietário da terra (este
último é comumente chamado de superficiário).
Dessa forma, antes de passar à análise do contrato entre minerador e superficiário
propriamente dito, é imprescindível analisar as regras gerais dos contratos à luz da
Constituição Federal.
5. Perspectiva Civil-Constitucional dos Contratos
Uma vez compreendida a forma de outorga dos direitos minerários no Brasil, deve-
se observar a relação jurídica que vai se desenvolver entre o minerador e o
superficiário. Tal relação é eminentemente contratual, logo, ocorre aí uma situação
38
na qual forçosamente devem incidir as regras, normas e princípios de Direito Civil,
às quais se somam as regras específicas da atividade mineira, ditadas pelo Código
de Mineração. Por fim, é imperioso não olvidar que, atualmente, todo o conjunto de
regras e normas que servem à regulação do contrato – seja em que área for – deve
ser, necessária e obrigatoriamente, interpretado à luz da Constituição.
O Direito Civil, com suas origens na Roma Antiga, passou a ser tradicionalmente
identificado a partir do Código de Napoleão, de 1804, o qual teve enorme influência
nas diversas codificações ocidentais que o seguiram a partir do Século XIX23
. Surgiu
com o Code a mais genuína expressão da liberdade jurídica individual, pois não
havia intervenção do Estado nas relações privadas, de forma que as pessoas
podiam livremente governar “sua capacidade, sua família e, principalmente, sua
propriedade”24
, sendo mínima a intervenção do Estado, servindo esta apenas para
assegurar o convívio social.
Essa formatação do ordenamento jurídico levou a uma perfeita divisão do direito em
duas esferas independentes, com muito pouca interferência entre si. Surgiu a
dicotomia direito público-direito privado, sendo o primeiro destinado a regular as
relações de interesses gerais da sociedade e o segundo para reger os interesses
inatos das pessoas e as relações entre os indivíduos. Daí Savigny ter definido o
Direito Privado como “o conjunto das relações jurídicas no qual cada indivíduo
exerce a própria vida dando-lhe um especial caráter”25
.
23
TEPEDINO, Maria Celina. A Caminho de Um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Civil nº
65, p. 22, ano 17, julho-setembro 1993.
24
Idem.
25
SAVIGNY apud TEPEDINO, Gustavo. A Perspectiva Civil-constitucional: Origens, efeitos e dilemas.
39
A exímia jurista Maria Celina Tepedino demonstra quão diversa é tal concepção em
relação à atual fisionomia do Direito Civil. Para a professora aqui citada,
Irreconhecível seria para os interpretes du code a nova feição
do direito civil, atualmente considerado, simplesmente, como
uma série de regras dirigidas a disciplinar algumas das
atividades da vida social, idôneas a satisfazer os interesses
dos indivíduos e de grupos organizados, através da utilização
de determinados instrumentos jurídicos. Afastou-se do campo
do direito civil (propriamente dito) aquilo que era sua real nota
sonante, isto é, a defesa da posição do indivíduo frente ao
Estado (hoje matéria constitucional), alcançável através da
predisposição de um elenco de poderes jurídicos que lhe
assegurava absoluta liberdade para o exercício de atividade
econômica.26
Chama a atenção, no trecho acima transcrito, que a função de proteger a pessoa
natural de eventuais abusos do Estado – tarefa inegavelmente da alçada da
Constituição – já foi, outrora, objeto do Direito Civil. O sistema no qual não havia
intervenção estatal era deveras individualista, com ampla atenção ao patrimônio, à
propriedade e pouco ou nada ao indivíduo enquanto ser humano. O ter prevalecia
sobre o ser, sem sombra de dúvidas, estando o poder estatal alheio a isso, faltando
com a instituição de direitos e garantias fundamentais. Havia, por certo, um
26
Idem.
40
verdadeiro paralelismo entre o sistema constitucional e o sistema privado, sendo o
código civil uma verdadeira constituição da vida privada.
A partir do momento em que o Estado passou a intervir na esfera civil,
especialmente nas relações econômicas, ocorreu um fenômeno denominado de
“publicização do direito privado”. Caminhando ainda na esteira de conhecimentos da
Professora Maria Celina Tepedino, destaca-se que essa investida estatal sobre o
campo da vida privada fez com que os códigos civis deixassem de ocupar essa
posição central no sistema – existindo em paralelo e quase sem interface com a
Constituição – para estar num patamar inferior ao da Carta Magna, porém em
perfeita consonância com ela. Isso foi a superação da dicotomia Direito Público-
Direito Privado:
Acolher a construção da unidade (hierarquicamente sistematizada) do ordenamento
jurídico significa sustentar que seus princípios superiores, isto é, os valores
propugnados pela Constituição, estão presentes em todos os recantos do tecido
normativo, resultado, em consequência, inaceitável a rígida contraposição direito
público-direito privado. Os princípios e valores constitucionais devem se estender a
todas as normas do ordenamento:
Consequentemente, a separação do direito em público e
privado, nos termos em que era posta pela doutrina tradicional,
há de ser abandonada. A partição, que sobrevive desde os
romanos, não mais traduz a realidade econômico-social, nem
41
corresponde à lógica do sistema, tendo chegado o momento de
empreender a sua reavaliação 27
A intervenção do Estado na esfera do direito privado veio para imprimir um caráter
de justiça social ou justiça distributiva, o que corrobora a ideia da dualidade da
propriedade acima explanada. Ou seja, para se fazer a transformação dos bens
minerais em riqueza e benefícios sociais, deve haver a submissão da propriedade
privada a uma regime atípico, que mitiga o caráter absoluto da propriedade, como se
verá adiante.
5.1 Princípio da Função Social da Propriedade
Talvez um dos temas constitucionais mais palpitantes na atualidade seja o da função
social da propriedade. A Constituição de 1988, no art. 5º – que é reservado aos
direitos e garantias fundamentais – afirma que “é garantido o direito de propriedade”
(inciso XXII) e arremata afirmando que “a propriedade atenderá a sua função social”
(inciso XXIII).
Nota-se, portanto, que a Constituição garante o direito de propriedade, mas, logo em
seguida, determina que a mesma deva atender a uma função social. Conceituar e
27
TEPEDINO, Maria Celina. Op. Cit. P.24.
42
caracterizar a função social da propriedade não é das tarefas mais fáceis, segundo a
doutrina, aliás, “a tarefa, já afirmaram iluminados autores, é das mais árduas”28
.
Considerando que a função social da propriedade tem origem na Constituição, “as
dificuldades são ainda maiores por se tratar de princípio constitucional, cuja
interpretação é muito mais permeada por valores metajurídicos”29
, como assevera o
Dr. Jivago Petrucci, Procurador do Estado de São Paulo, em artigo dedicado ao
tema.
Cabe lembrar que o direito de propriedade já foi concebido como direito subjetivo
absoluto, ou seja, o sujeito que detinha a propriedade possuía plena liberdade no
tocante às suas faculdades de usar, gozar e dispor, especialmente com os ideais
iluministas da Revolução Francesa no final do século XVIII.
Tal ideia, a de que o direito de propriedade é absoluto, é equivocada. No mesmo
artigo aqui citado, o Dr. Jivago Petrucci afirma que pensar assim seria negar o
próprio direito e, lançando mão de uma citação de Adilson Abreu Dallari, conclui:
“mesmo porque a ideia de poder absoluto não se coaduna com a ideia de direito.
Qualquer direito será sempre limitado”.30
Contudo, essa concepção de direito de propriedade absoluto, mesmo que limitada,
levou a uma tendência ao individualismo, que permeou os sistemas jurídicos que se
sucederam. Havia um forte interesse das classes dominantes no sentido de proteger
28
PETRUCCI, Jivago. A função social da propriedade como princípio jurídico . Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4868>. Acesso em: 21 nov. 2009.
29
idem
30
Idem.
43
a sua propriedade privada, e isso se traduziu como característica das normas
jurídicas oitocentistas: a tutela da propriedade, do patrimônio.
O Código Civil brasileiro de 1916 era fruto de ideais individualistas, patrimonialistas e
patriarcais, não existindo em seu bojo prioridade para a guarida da pessoa humana,
mas sim para os seus bens dotados de valor econômico.
Gustavo Tepedino aponta que o Constituinte de 1988, além de prever a garantia do
direito de propriedade e, em seguida, a função social da propriedade (Art. 5º, XXII e
XXIII), também foi diligente ao inserir no Art. 170, a propriedade privada (inciso II) e
a função social da propriedade (inciso III). Arremata, portanto, concluindo que “no
direito brasileiro, a garantia da propriedade não pode ser compreendida sem
atenção à sua função social”31
. Cabe lembrar que o art. 170 da Constituição
inaugura o Capítulo I “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”, dentro do
Título VII “Da Ordem Econômica e Financeira”. Assim, a observação de Tepedino é
de extrema importância, pois além de figurar no art. 5º como um direito fundamental
da pessoa humana, a função social da propriedade também é um princípio geral da
ordem econômica brasileira, que é “fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social”32
Assim, no sistema criado pela Constituição de 1988 não existe direito de
propriedade se esta não atender aos ditames de justiça distributiva, se não
31
TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. A Garantia da Propriedade no Direito Brasileiro.
Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 6 - Junho de 2005
32
Constituição Federal, art. 170 caput...
44
desempenhar um papel em razão de um bem maior para a coletividade, contribuindo
para a realização da dignidade da pessoa humana, que é o maior valor da tábua
axiológica da atual Carta Magna. Ou seja, não pode existir direito de propriedade se
esta não atender à sua função social. Gustavo Tepedino coloca isso de maneira
exemplar:
O conteúdo da função social da propriedade é informado pelo
próprio texto constitucional, que tem na dignidade da pessoa
humana regra basilar e estabelece como objetivos
fundamentais da República, a erradicação da pobreza e da
marginalização, bem como a redução das desigualdades
sociais e regionais.
Todavia, o conceito inserido na Carta de 1988 é fruto de um longo processo
evolutivo. Dentro do histórico constitucional brasileiro, encontra-se uma progressiva
preocupação do legislador constituinte no tocante ao exercício do direito de
propriedade. Na Constituição de 1824, primeira Carta brasileira, ainda sob o regime
monarquista, havia a disposição de que o direito de propriedade era absoluto, sendo
excepcionado apenas em caso de desapropriação por exigência do bem público,
mediante indenização prévia em dinheiro.
Nota-se aí o caráter eminentemente patrimonialista e individualista da norma
constitucional, que previa um direito absoluto à propriedade. Contudo, é importante
lembrar que “a prerrogativa concedida ao Poder Público de desapropriar bens
particulares, por exigência do bem público, não se confunde com o princípio da
45
função social da propriedade”, conforme afirma André Osório Gondinho.33
De fato, a
legitimidade que o Poder Público possui para intervir na propriedade privada, a bem
do interesse coletivo, não passa de uma prerrogativa de poder de polícia
administrativa. Ou seja, por via dessa capacidade a Administração Pública pode
criar limitações administrativas, interferindo na propriedade privada em razão de um
interesse de toda a coletividade ou de uma maioria de indivíduos em casos isolados.
Portanto, essa intervenção estatal é uma ação externa, enquanto que a função
social da propriedade é um elemento da própria propriedade, integrando a sua
estrutura.
Cabe destacar que a função social da propriedade não é uma derrogação da
propriedade privada:
O proprietário continua com as suas prerrogativas de usar,
gozar, fruir e dispor da coisa, bem como persegui-la contra
quem injustamente a detenha. A propriedade continua tendo
seu conteúdo protegido, cabendo à lei a tarefa de determinar
os modos de aquisição, gozo, limites, sempre no intuito de
favorecer a função social da propriedade. O proprietário
mantém seu status de dono, apesar da necessidade de
controle social sobre o seu comportamento, significando que
terá seu direito respeitado e tutelado contra qualquer lesão seja
particular seja pública.34
33
GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade inTemas de Direito Civil / GustavoTepedino,
coordenador, p. 406.
34
Idem.
46
De fato, a desapropriação pode ocorrer mesmo sobre um bem que cumpra a sua
função social, desde que haja a prévia indenização em dinheiro, pois desapropriação
não é penalidade, mas sim uma espécie de limitação administrativa. Contudo, “a
função social da propriedade supera a questão do poder desapropriante, pois é
verdadeiro elemento estrutural do direito de propriedade, influenciando seu conceito,
exercício e tutela”.35
O mesmo autor, acima referido, cita a obra clássica de Leon Duguit, afirmando que
este último “defendia a ideia de que os direitos somente se justificam pela missão
social para a qual devem contribuir”. Com efeito, Duguit tem uma posição que
continua extremamente atualizada:
A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do individuo e
tende a se tornar função social do detentor da riqueza
mobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma
riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da
riqueza social e para a interdependência social. Só o
proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode
aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a
propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e
sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve
modelar sobre as necessidades sociais às quais deve
responder.36
35
Idem.
36
DUGUIT, Leon, apud GONDINHO, André Osório, op. Cit.
47
Prosseguindo no histórico constitucional brasileiro, a Constituição de 1891 em nada
inovou em relação à sua antecessora, mantendo o caráter absoluto,
excepcionalizando apenas em situações de desapropriação pelo Poder Público.
Destaca-se que naquela época o grupo dos latifundiários produtores de café no
Brasil tinha um interesse muito forte em manter a propriedade imóvel como fonte de
controle econômico, exploração do trabalho humano e poder político.
A primeira inovação nessa seara veio com a Carta Constitucional de 1934, que
afirmava que a “propriedade não poderá ser exercida contra o interesse social ou
coletivo”37
. Sobre o texto da Constituição de 1934 Godinho afirma ainda que:
Mesmo sem constituir um princípio eficaz de tutela das
situações jurídicas não-proprietárias, visto que sua eficácia
estava subordinada à regulamentação por lei complementar,
que jamais foi editada, a Constituição de 1934, absorveu os
ventos de modificação do capitalismo que então sopravam e
cujas primeiras brisas foram sentidas nas Constituições
Mexicana (1917) e Alemã (1919).
A Constituição de 1934 teve vigência muito curta, sendo substituída pela de 1937,
que incluiu em seu texto a referência ao conteúdo e ao limite do direito de
propriedade através de lei que viesse a regular o seu exercício, o que significa o
reconhecimento constitucional do caráter não absoluto do direito de propriedade.
37
Idem.
48
Contudo, cometeu infeliz retrocesso ao não proibir que este exercício fosse contrário
aos interesses sociais e coletivos, nas palavras de Godinho.
A Carta de 1946 manteve a disposição de que a propriedade é inviolável, sendo
possível a desapropriação por necessidade do interesse público. Contudo, no art.
147 daquela Constituição surgiu uma novidade que operou uma mudança
substancial no direito brasileiro: o condicionamento do exercício do direito de
propriedade ao bem-estar social e a permissão da promoção da justa distribuição da
propriedade. Todavia, esse artigo não surtiu efeito durante a vigência da
Constituição de 1946, pois as relações sociais continuaram sendo de extrema
injustiça para aqueles que não detinham propriedade.
Por fim, antes da atual Constituição de 1988, vigeu a Carta de 1967, que utilizou
pela primeira vez na história a expressão “função social da propriedade”, incluindo-a
como princípio da ordem econômica.
Porém, diferentemente, a atual Constituição, além de também incluir a função social
da propriedade como uns dos princípios da ordem econômica , elevou a função
social da propriedade à categoria de direito e garantia fundamental do cidadão. Isso
faz uma diferença enorme em relação a todos os textos constitucionais anteriores,
pois permite que a função social da propriedade se torne um princípio que permeia
todo o tecido constitucional e se insere pelo ordenamento jurídico, atingindo até
mesmo as normas infraconstitucionais
49
A própria Constituição fixa parâmetros bem concretos para o cumprimento das
exigências em relação à Função Social da Propriedade, conforme se verá a seguir.
O primeiro parâmetro pode ser considerado o do art. 186, que trata da função social
da propriedade rural e informa que:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade
rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de
exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de
trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e
dos trabalhadores.
É de se observar que o caput não faz ressalva ao cumprimento de um ou mais
requisitos, mas sim de todos eles. Ou seja, a propriedade rural só atende à sua
função social quando cumpre os quatro itens acima listados e mais aqueles que a lei
determinar.
50
Como o presente estudo trata de uma relação jurídica pautada no princípio da
dualidade da propriedade – já explicado acima – envolvendo recursos naturais
caracterizados como reservas ou recursos minerais, o conteúdo do art. 186 é de
grande importância e deve ser guardado, especialmente porque a grande maioria
das atividades de mineração ocorrem em regiões longínquas dos grandes centros
urbanos, portanto, em zonas rurais.
Ora, a expressão “recursos naturais disponíveis” no inciso II do art. 186, inclui,
obviamente, todo e qualquer recurso mineral nela inserido. Embora o bem mineral
pertença à União, ele está localizado em propriedade de terceiro. Assim, essa
propriedade realiza sua função social a partir do momento em que se presta à
atividade de pesquisa e extração mineral, executadas por quem possui a outorga
pública de direitos minerários, desde que esta atenda a todos os requisitos da boa
técnica de geologia e engenharia de minas, segundo um prévio planejamento. Além
disso, têm que ser observadas as regras referentes à manutenção da qualidade do
meio ambiente equilibrado e a recuperação de áreas degradadas, bem como à
saúde e bem estar dos trabalhadores e da comunidade impactada pela atividade,
promovendo a prevenção dos impactos negativos eventualmente causados pela
atividade. Ou seja, é necessária e imperiosa a realização da dignidade da pessoa
humana envolvida direta ou indiretamente com a extração do recurso mineral
naquela propriedade rural.
A responsabilidade pela execução de uma extração mineral de acordo com as
regras técnicas e com a legislação ambiental é exclusiva do minerador, que detém o
conhecimento para isso. Contudo, a propriedade que atenderá a sua função social é
51
do superficiário. Logo, conclui-se que o contrato é fundamental para regular essas
obrigações.
Portanto, como visto no início deste tópico, o Código Civil de 2002 sofre a influência
da Constituição de 1988, que elevou a dignidade da pessoa humana ao mais alto
patamar dentro dos princípios constitucionais. Assim, seguindo a preocupação do
legislador constituinte em realizar uma justiça distributiva, obrigando que a
propriedade privada desempenhe um papel favorável a toda a coletividade, o Código
Civil determinou que os contratos atendessem a uma função social. Esse
mandamento legal é totalmente harmonizado ao princípio da função social da
propriedade, como se verá no tópico seguinte.
5.2 Princípio da Função Social do Contrato
O contrato sempre foi e ainda é a melhor expressão da liberdade negocial,
significando a possibilidade de auto-regulação pelas partes, dispondo as obrigações
mútuas conforme a sua vontade, desde que não contrariem a lei. Contudo, o
contrato vem mudando as suas feições e seus princípios básicos ao longo do tempo,
sobretudo depois que surgiram novas formas de negócios, especialmente as
contratações em massa, fruto da era de consumo atual.
Ao longo do Século XX as intervenções estatais no âmbito dos contratos
aumentaram, proporcionando ao Estado-Legislador e ao Estado-Juiz uma atuação a
fim de proteger direitos e garantias, conferindo ao contrato uma nova concepção.
52
Esse fenômeno derivou de uma socialização do contrato, relativizando os princípios
clássicos de que “o contrato faz lei entre as partes” (pacta sunt servanda) e da
“relativização das obrigações contratuais”. Por este último tinha-se que o contrato
aproveitava ou interessava só às partes contratantes, não causando qualquer efeito
na esfera jurídica de terceiros.
Para Pablo Stolze Gagliano, “a socialização da ideia de contrato, na sua perspectiva
intrínseca, propugna por um tratamento idôneo das partes, na consideração,
inclusive, de sua desigualdade real de poderes contratuais”38
. Segundo o mesmo
autor, o contrato não é considerado somente como instrumento de circulação de
riquezas, mas de desenvolvimento social, pois sem contrato a economia e a
sociedade estagnariam por completo. De fato, a importância do contrato é tamanha
e ele está tão atrelado à vida da sociedade, que o fenômeno do surgimento e
reconhecimento de sua função social, destinada a satisfazer o bem comum,
trazendo às relações negociais um cunho de realização dos fundamentos
constitucionais como a dignidade da pessoa humana, era inevitável.
No Direito Civil brasileiro reconhece-se que a nova teoria contratual ganhou impulso
com o advento do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro
de 1990. É interessante notar que este diploma legal especial, destinado a regular
uma situação específica terminou por influenciar de tal modo o direito pátrio que
seus princípios migraram e foram aproveitados pelo Código Civil de 2002, ganhando
no bojo deste uma posição de grande destaque, conforme segue:
38
GAGLIANO, Pablo Stolze, Novo Curso de Direito Civil, vol. IV, São Paulo: Saraiva, p. 47
53
No direito brasileiro é amplamente reconhecido que esta nova
teoria contratual obteve um lugar privilegiado a partir da
vigência do Código de Defesa do Consumidor, na última
década do século passado, e a disciplina que determinou aos
contratos de consumo. Embora fosse lei especial relativa
apenas aos contratos de consumo, por conta da falta de
atualidade do direito civil brasileiro, terminou por converter-se
no principal veículo de renovação do direito contratual
brasileiro, sobretudo em face da rica interpretação e aplicação
jurisprudencial dos seus preceitos.39
A essa interface entre o CDC e o Código Civil, Cláudia Lima Marques chamou de
“diálogo de fontes”.40
De fato, o Código Civil de 2002 estabeleceu uma reconstrução
da autonomia da vontade pela instituição de cláusulas gerais para os contratos, por
influência dos preceitos trazidos ao ordenamento jurídico pelo Código de Defesa do
Consumidor e pela Constituição de 1988. Com efeito, a nova autonomia da vontade
no direito brasileiro está apoiada no tripé “boa-fé objetiva, função social do contrato,
bons costumes”. O mesmo autor acima destacado ensina que Karl Engisch diz que
cláusula geral é “uma formulação da hipótese legal que, em termos de grande
generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico um grande número de
casos”.41
39
MIRAGEM, Bruno. A Função Social do Contrato, boa fé e bons costumes: nova crise dos contratos
e reconstrução da autonomia negocial pela concretização das cláusulas gerais. in MARQUES,
Cláudia Lima, A Nova Crise do Contrato. Editora Revista dos Tribunais, 2007, São Paulo, p. 179
40
Idem, p. 179
41
Idem p. 186
54
Miguel Reale foi muito feliz ao afirmar que “um dos pontos altos do novo Código Civil
está em seu art. 421, segundo o qual ‘a liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato’”.42
Como já visto acima, o Código Civil, em consonância com a tábua axiológica da
Constituição de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor, determina que os
contratos atendam a uma função social. E Miguel Reale novamente o confirma,
dizendo que “a realização da função social da propriedade somente se dará se igual
princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa
somente às partes contratantes, mas a toda coletividade”43
.
Logo, se denota a intrínseca ligação entre os princípios da função social da
propriedade e da função social do contrato, unidos na realização do bem comum. Ou
seja, toda relação contratual, expressão de um negócio com valor econômico entre
duas ou mais partes, deve resguardar um interesse de toda a coletividade.
Quem confirma essa ideia é o professor Gustavo Tepedino:
Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como
fundamento da República, associada ao objetivo fundamental
de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução
das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º
do art. 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e
42
REALE, Miguel. Função Social do Contrato. Disponível em:
<http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 03 abr. 2010.
43
Idem
55
garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes
dos principais adotados pelo Texto Maior, configuram uma
verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa
humana, tomada como valor máximo do ordenamento.44
Torna-se fácil compreender este princípio retornando ao estudo do art. 186 da
Constituição, já visto anteriormente. Partindo do princípio que a atividade de
mineração causa um impacto sócio-econômico-ambiental muito grande na região
onde está instalada, o contrato celebrado entre o minerador e o superficiário tem que
guardar certas características e conter cláusulas que visem atender ao bem comum.
É preciso, através da relação privada entre o detentor da propriedade imóvel e o
minerador, buscar a realização do princípio da dignidade da pessoa humana para
aqueles envolvidos diretamente na atividade extrativa, bem como para aqueles que
fazem parte da comunidade que habita no entorno da jazida ou da mina.
5.3 A autonomia da vontade.
Não se pode falar em contrato sem autonomia da vontade, já disse Pablo Stolze
Gagliano45
. Com efeito, e como já dito acima, o contrato é a maior expressão da
vontade negocial das partes, que têm o direito de, em primeiro, contratar ou não. E,
em segundo, de escolher no âmbito do contrato as bases da negociação que estão
realizando, observadas as cláusulas gerais hoje impostas pela legislação,
verdadeiros princípios do direito contratual.
44
TEPEDINO, Gustavo. Apud GAGLIANO, Pablo Stolze. Op. Cit.
45
GAGLIANO, Pablo Stolze. Op. Cit. p. 33
56
Contudo, o presente trabalho visa justamente analisar se há uma mitigação da
autonomia da vontade do proprietário do solo (superficiário) quando se trata de
instalação de atividade de pesquisa mineral e/ou lavra em sua propriedade.
Uma vez que o minerador recebe a outorga de uma Autorização de Pesquisa
(Alvará), ele necessita adentrar a área para executar os seus trabalhos técnicos de
investigação acerca da existência do recurso mineral almejado.
O artigo 27 do Código de Mineração autoriza o titular da Autorização de Pesquisa a
realizar os seus trabalhos em terras públicas ou privadas, desde que pague aos
respectivos proprietários ou posseiros o seguinte: a) uma renda pela ocupação dos
terrenos; b) uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados
pelos trabalhos de pesquisa.
O artigo 27 do Código de Mineração também estabelece uma série de regras para
fixação da renda pela ocupação do terreno e para a indenização do superficiário
pelos eventuais danos. Vejamos abaixo o texto legal na íntegra:
Art. 27. O titular de autorização de pesquisa poderá realizar
os trabalhos respectivos, e também as obras e serviços
auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou
particular, abrangidos pelas áreas a pesquisar, desde que
pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma renda
pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e
57
prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de
pesquisa, observadas as seguintes regras:
I - A renda não poderá exceder ao montante do rendimento
líquido máximo da propriedade na extensão da área a ser
realmente ocupada;
II - A indenização por danos causados não poderá exceder
o valor venal da propriedade na extensão da área efetivamente
ocupada pelos trabalhos de pesquisa, salvo no caso previsto
no inciso seguinte;
III - Quando os danos forem de molde a inutilizar para fins
agrícolas e pastoris toda a propriedade em que estiver
encravada a área necessária aos trabalhos de pesquisa, a
indenização correspondente a tais danos poderá atingir o valor
venal máximo de toda a propriedade;
IV - Os valores venais a que se referem os incisos II e III
serão obtidos por comparação com valores venais de
propriedade da mesma espécie, na mesma região;
V - No caso de terrenos públicos, é dispensado o
pagamento da renda, ficando o titular da pesquisa sujeito
apenas ao pagamento relativo a danos e prejuízos;
VI - Se o titular do Alvará de Pesquisa, até a data da
transcrição do título de autorização, não juntar ao respectivo
processo prova de acordo com os proprietários ou posseiros do
solo acerca da renda e indenização de que trata este artigo, o
58
Diretor-Geral do D. N. P. M., dentro de 3 (três) dias dessa data,
enviará ao Juiz de Direito da Comarca onde estiver situada a
jazida, cópia do referido título;
VII - Dentro de 15 (quinze) dias, a partir da data do
recebimento dessa comunicação, o Juiz mandará proceder à
avaliação da renda e dos danos e prejuízos a que se refere
este artigo, na forma prescrita no Código de Processo Civil;
VIII - O Promotor de Justiça da Comarca será citado para
os termos da ação, como representante da União;
IX - A avaliação será julgada pelo Juiz no prazo máximo de
30 (trinta) dias, contados da data do despacho a que se refere
o inciso VII, não tendo efeito suspensivo os recursos que forem
apresentados;
X - As despesas judiciais com o processo de avaliação
serão pagas pelo titular da autorização de pesquisa;
XI - Julgada a avaliação, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias,
intimará o titular a depositar quantia correspondente ao valor
da renda de 2 (dois) anos e a caução para pagamento da
indenização;
XII - Feitos esses depósitos, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias,
intimará os proprietários ou posseiros do solo a permitirem os
trabalhos de pesquisa, e comunicará seu despacho ao Diretor-
Geral do D. N. P. M. e, mediante requerimento do titular da
59
pesquisa, às autoridades policiais locais, para garantirem a
execução dos trabalhos;
XIII - Se o prazo da pesquisa for prorrogado, o Diretor-
Geral do D. N. P. M. o comunicará ao Juiz, no prazo e
condições indicadas no inciso VI deste artigo;
XIV - Dentro de 8 (oito) dias do recebimento da
comunicação a que se refere o inciso anterior, o Juiz intimará o
titular da pesquisa a depositar nova quantia correspondente ao
valor da renda relativa ao prazo de prorrogação
XV - Feito esse depósito, o Juiz intimará os proprietários ou
posseiros do solo, dentro de 8 (oito) dias, a permitirem a
continuação dos trabalhos de pesquisa no prazo da
prorrogação, e comunicará seu despacho ao Diretor-Geral do
D. N. P. M. e às autoridades locais;
XVI - Concluídos os trabalhos de pesquisa, o titular da
respectiva autorização e o Diretor-Geral do D. N. P. M.
Comunicarão o fato ao Juiz, a fim de ser encerrada a ação
judicial referente ao pagamento das indenizações e da renda.
Note-se que pelas disposições encontradas nos incisos VI a XVI do artigo 27 do
Código de Mineração está previsto um procedimento de jurisdição voluntária
chamado de “ação de avaliação”, caso não haja acordo entre minerador e
superficiário. Através de tal ação o juiz procederá a uma perícia para avaliar os
danos causados pela atividade e levantar o valor venal do imóvel, a fim de sejam
60
depositadas em juízo todas as obrigações pecuniárias devidas ao proprietário do
solo. De outra parte será garantida força policial para que o minerador adentre o
imóvel e realize os seus trabalhos técnicos.
Tal disposição do direito pátrio causa perplexidade à maioria das pessoas e grande
espanto no próprio meio jurídico, pois aqueles que não lidam com o Direito Minerário
resistem, no primeiro momento, a aceitar o sistema legal de exploração dos recursos
minerais por achá-lo injusto do ponto de vista do superficiário. Como já dito alhures,
nota-se que embora seja um tanto conflituoso, o sistema dominial – que assegura a
propriedade dos bens minerais à União, separando o solo do subsolo – ainda é o
melhor sistema para realizar o objetivo de identificar os recursos minerais do país e
transformá-los em riqueza e benefícios para toda a coletividade. Ou melhor, é o
único sistema viável para a realização deste fim.
Tal guarida em favor do minerador é conferida pela lei como decorrência do
interesse nacional na mineração, prevalecendo este sobre a proteção da
propriedade privada onde está inserido o recurso mineral.
Dessa forma, ou superficiário aceita realizar o contrato ou estará submetido à ação
de avaliação e, consequentemente, a suportar o ingresso do minerador em suas
terras de forma coercitiva, com o apoio do Estado. Contudo, entende-se aqui que a
sua autonomia da vontade não está sendo mitigada. Caso o superficiário esteja
disposto a celebrar o contrato, ele estará protegido por todas as cláusulas gerais,
direitos e garantias conferidos pelo ordenamento jurídico pátrio, ficando a seu critério
e do titular da Autorização de Pesquisa a fixação dos parâmetros da avença.
Logicamente deve-se observar que a lei estabelece valores mínimos e outros
61
parâmetros que devem ser considerados, porém, nada impede que valores maiores
possam ser ajustados. Ou seja, no âmbito do contrato, a autonomia está preservada,
como em qualquer outra situação em que as partes podem escolher livremente as
cláusulas da avença, desde que não contrariem a lei.
O que ocorre no caso de recusa do proprietário do solo em celebrar o contrato, na
tentativa de impedir que a atividade mineira ocorra na sua terra, é uma verdadeira
afronta ao princípio da função social da propriedade e do interesse nacional no
desenvolvimento da mineração estampados na Constituição Federal de 1988.
A negativa do superficiário traduz-se em mitigação do bem comum, em impedimento
de utilização de um bem da Nação (pertencente a todo o povo), que uma vez
explorado vai se transformar em riqueza, geração de empregos, recolhimento de
tributos, recolhimento da Compensação Financeira Pela Exploração de Recursos
Minerais (da qual 65% reverte-se para o município a fim de atender a interesses
locais), além da transformação do minério em bens essenciais à vida humana, pois,
como explanado no início do presente trabalho a humanidade é totalmente
dependente da utilização direta ou indireta de recursos minerais. As necessidades
mais básicas, como habitação, transporte, saúde, transmissão de energia elétrica,
dentre inúmeras outras, só podem ser supridas pela atividade extrativa dos recursos
naturais de origem mineral.
62
5.4 Função Social dos Bens Minerais
Em razão de tudo o quanto já exposto no presente trabalho, clara está a importância
dos bens minerais para sociedade. Ou seja, essa propriedade pertencente à União,
ou em última análise, a todo o povo brasileiro, tem que ser revertida em riqueza e
transformada em benefícios sociais distribuídos a toda a Nação.
O bem mineral, portanto, tem uma função social de extrema importância, mas esta
só se concretiza quando os recursos minerais são identificados através de
atividades de pesquisa e extraídos através da atividade de mineração. Só a partir
daí a sociedade brasileira pode colher os frutos dos esforços da livre iniciativa de
quem aportou recursos financeiros e assumiu altos riscos para transformar os
recursos naturais em benefícios sociais.
Com o início das atividades de mineração, ocorre a geração de empregos direitos e
indiretos, surge a demanda por serviços e insumos, bem como o recolhimento de
tributos e da Compensação Financeira Pela Exploração de Recursos Minerais –
CFEM, instituída pela Constituição no § 1º do seu Art. 20.
Talvez um dos maiores benfícios da atividade mineira seja a interiorização do País,
levando trabalho e riqueza a regiões longínquas, onde não haveria desenvolvimento
se não fosse a extração dos recursos minerais. Por exemplo, as regiões semi-
áridas, castigadas por longos e penosos períodos de seca não proporcionam ao
homem ali residente as possibilidades de uma sobrevivência digna. Muitas vezes a
exploração de um recurso mineral encontrado numa dessas regiões, onde não há
63
possibilidade de desenvolvimento de agricultura ou pecuária pela extrema falta de
água, torna possível a criculação de riqueza, a qualificação da mão de obra local,
elevando a qualidade de vida daqueles que ali habitam.
Assim sendo, o bem mineral, propriedade da União também tem uma função social
e das mais nobres, pois, quando explorado, faz valer os princípios constitucionais
insculpidos no art. 170 da Constituição para que a ordem econômica seja fundada
na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a
todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Tudo isso para
alcançar a dignidade da pessoa humana, que é o maior valor inserido na Carta
Magna de 1988.
6. CONCLUSÃO
De tudo quanto analisado até o presente momento, chega-se às seguintes
conclusões. Em primeiro, que a humanidade é extremamente dependente da
utilização de recursos naturais de origem mineral para a sua sobrevivência e bem
estar, o que torna a atividade econômica de mineração essencial para praticamente
toda a população mundial.
As nações possuem soberania sobre os bens minerais encontrados em seu
território, decorrente dos acordos internacionais, podendo dispor de tais bens
conforme as suas políticas internas e as suas legislações.
64
No Brasil é vigente o sistema chamado dominial, no qual os bens minerais
pertencem à União, conforme determinação da Constituição Federal de 1988 e
podem ser explorados mediante autorização ou concessão da União, por brasileiros
ou empresa constituída sob as leis brasileiras (art. 176 da CF88). Na exploração dos
recursos minerais deve estar resguardado necessariamente o interesse nacional,
pois, os bens minerais, em última analise, pertencem ao povo brasileiro.
A propriedade do solo não se confunde com a propriedade dos bens minerais, sendo
as jazidas e minas propriedade da União, distintas da terra onde estão inseridas (art.
176 da CF88), surgindo o princípio da dualidade da propriedade, corroborado pelo
art. 1.230 do Código Civil e pelo art. 84 do Código de Mineração.
O princípio da dualidade da propriedade tem o objetivo de permitir que o bem
mineral pertencente à União, ou seja, a todo o povo, possa ser explorado e
transformado em benefícios sociais que advém da atividade de mineração.
Com o advento da Constituição de 1988 não existe mais direito de propriedade no
Brasil sem atendimento da função social da propriedade. O fato dessa disposição
estar no art. 5º, que trata dos direitos e das garantias fundamentais, faz com que o
princípio da função social da propriedade permeie todo o tecido normativo,
imiscuindo-se na legislação infraconstitucional. Além disso, o a função social da
propriedade também é reafirmada pela Constituição no art. 170, que trata da Ordem
Econômica.
65
Nota-se uma intrínseca ligação entre os princípios da função social da propriedade e
da função social do contrato, que decorreu de uma intervenção maior do Estado-
Legislador e do Estado-Juiz nos contratos civis. Foi um processo de socialização do
contrato a fim de garantir equilíbrio e justiça distributiva no âmbito negocial. Nesse
diapasão surgiram cláusulas gerais que norteiam todo e qualquer contrato celebrado
à luz do ordenamento brasileiro, especialmente o tripé “boa-fé, função social e bons
costumes”.
No caso das terras de particulares onde ocorrem jazidas há um forte cunho de
função social da propriedade, pois se o superficiário impede a atividade de
mineração nas suas terras ele está mitigando a consecução da função social da
propriedade do bem mineral (pertencente à União) e está deixando de cumprir com
a função social da sua própria propriedade imóvel.
Aos contratos celebrados entre o minerador e o superficiário, logicamente, também
se aplicam as cláusulas gerais de boa-fé, função social do contrato e bons
costumes. Contudo, o Estado só intervém coercitivamente para garantir a atividade
de mineração sob proteção de força policial quando o superficiário se recusa a
permitir a consecução da função social do bem mineral e da sua própria propriedade
privada.
Portanto, não há, no caso do superficiário, uma mitigação da autonomia da vontade
ou submissão da propriedade de forma atípica ou especial. Não. O seu direito à
propriedade privada é relativizado conforme as determinações constitucionais e as
66
cláusulas gerais da nova concepção do contrato, assim como toda e qualquer outra
propriedade existente no país.
67
BIBLIOGRAFIA
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Direito Minerário Aplicado / Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador.
Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2003.
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Mandamentos, 2009
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Editora, 1996.
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Descobrimento do Brasil. Disponível em http://www.jangadabrasil.com.r
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Saraiva, 2006.
6. GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade in Temas de
Direito Civil / Gustavo Tepedino, coordenador
7. LIMA, Guilherme Corrêa da Fonseca. Direitos e Garantias Fundamentais no
Processo de Outorga de Direitos Minerários.in Direito Minerário em Evolução /
Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador. Belo Horizonte:
Mandamentos Editora, 2009.
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nova crise dos contratos e reconstrução da autonomia negocial pela
concretização das cláusulas gerais. in MARQUES, Cláudia Lima, A Nova
Crise do Contrato. Editora Revista dos Tribunais, 2007, São Paulo.
9. PETRUCCI, Jivago. A função social da propriedade como princípio jurídico .
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4868>. Acesso em: 21 nov.
2009.
10.REALE, Miguel. Função Social do Contrato. Disponível em:
<http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 03 abr.
2010.
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11.SILVA, Leonardo Mussi da. ICMS Sobre a Extração de Petróleo. Lumen Juris
Editora, 2005.
12.SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de – Coordenador. Direito Minerário Aplicado
13.TEIXEIRA, Cid. et. al. Mineração na Bahia: ciclos históricos e panorama atual.
Salvador: Superintendência de Geologia e Recursos Minerais – SGM, 1998.
14.TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. A Garantia da Propriedade
no Direito Brasileiro. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº
6 - Junho de 2005
15.TEPEDINO, Gustavo. A Perspectiva Civil-constitucional: Origens, efeitos e
dilemas.
16.TEPEDINO, Maria Celina. A Caminho de Um Direito Civil Constitucional.
Revista de Direito Civil nº 65, p. 22, ano 17, julho-setembro 1993.
17.TRINDADE, Adriano Drummond Cançado. Princípios de Direito Minerário
Brasileiro in Direito Minerário em Evolução / Marcelo Mendo Gomes de
Souza, coordenador. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2009.

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  • 1. 1 FACULDADE BAIANA DE DIREITO JUSPODIVM Especialização em Direito O CONTRATO CELEBRADO ENTRE O MINERADOR E O SUPERFICIÁRIO: MITIGAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE EM RAZÃO DO INTERESSE PÚBLICO Salvador - 2010
  • 2. 2 FACULDADE BAIANA DE DIREITO JUSPODIVM Especialização em Direito O CONTRATO CELEBRADO ENTRE O MINERADOR E O SUPERFICIÁRIO: MITIGAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE EM RAZÃO DO INTERESSE PÚBLICO Guilherme Corrêa da Fonseca Lima Monografia apresentada ao Núcleo de Pós- Graduação lato sensu do Curso Juspodivm em convênio com a Faculdade Baiana de Direito como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito. Direito Civil e Consumidor. Turma 5. Salvador - 2010
  • 3. 3 Guilherme Corrêa da Fonseca Lima O CONTRATO CELEBRADO ENTRE O MINERADOR E O SUPERFICIÁRIO: MITIGAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE EM RAZÃO DO INTERESSE PÚBLICO Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Especialista em Direito Civil e Consumidor da Faculdade Baiana de Direito em parceria com o Curso Juspodivm, sob a coordenação dos professores: _______________________________________ CRISTIANO CHAVES DE FARIAS ______________________________________ AURISVALDO SAMPAIO
  • 4. 4 O presente trabalho é dedicado a: Maria das Graças Guimarães Corrêa, minha mãe; e a Juliana Moura Fernandes Silva, eterna “Humba” no meu coração;
  • 5. 5 Agradecimentos: A DEUS pela força de todos os dias para continuar a caminhada. Ao Professor e amigo Cristiano Chaves de Farias, grande jurista do qual fui e serei sempre aluno. Tenho muito orgulho por ter aprendido em sala de aula com Cristiano. A meu pai, Ruy Fernandes da Fonseca Lima e a meu filho, João Pedro Tavares da Fonseca Lima, simplesmente por existirem na minha vida.
  • 6. 6 Minério é algo que se produz a partir de substâncias minerais que nada mais são do que elementos da natureza. Não há, todavia, valor econômico e utilidade social efetiva no recurso natural, inclusive o mineral, antes que o homem – aqui como gênero e não como espécie – lhe aplique seu gênio, para criá-lo, dando-lhe um sentido, repita-se, social e econômico, para satisfazer- lhe as necessidades e conveniências. Sérgio Jacques de Moraes1 1 Advogado e ex-Procurador Geral do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.
  • 7. 7 RESUMO O presente trabalho, apresentado em curso de pós-graduação (especialização) em Direito Civil e Consumidor, foi fruto de pesquisa desenvolvida pelo autor no âmbito do Direito Contratual e do Direito Minerário, desvendando-se a interface entre os dois ramos do direito. Procurou-se estudar a questão da mitigação do direito de propriedade, garantido pela Constituição Federal, em face da função social da propriedade, que também é uma garantia constitucional. Foi percorrido o sistema de domínio sobre os bens minerais e a forma de outorga de direitos minerários no Brasil, revelando-se a dualidade da propriedade e a submissão do direito de propriedade do superficiário, ou proprietário do solo, ao interesse nacional no desenvolvimento da mineração. Estudou-se ainda a função social da propriedade e a função social do contrato. Palavras-chave: Contrato. Mineração. Superficiário. Dualidade da propriedade. Função social da propriedade. Função social do contrato.
  • 8. 8 Sumário: 1) Introdução. 2) A Importância da Mineração Para a Humanidade; 2.1) Importância dos Bens Minerais na Contemporaneidade; 3) O Regime Constitucional dos Recursos Minerais 4) A Outorga dos Direitos Minerários; 5) Perspectiva Civil-constitucional dos Contratos; 5.1) Princípio da Função Social da Propriedade 5.2) Princípio da Função Social do Contrato; 5.3) A Autonomia da Vontade 5.4) Função Social dos Bens Minerais; 6) Conclusão.
  • 9. 9 1. Introdução O presente trabalho, apresentado como monografia no curso de pós-graduação lato senso em Direito Civil e Direito do Consumidor, realizado nos anos de 2007 a 2009 na Faculdade Baiana de Direito em parceria com o curso Jus Podivm, sob a coordenação dos eminentes mestres Cristiano Chaves de Farias e Aurisvaldo Sampaio, visou desenvolver um tema ligado aos contratos. Devido ao interesse do autor pelos assuntos ligados à mineração, encontrou o mesmo a interface existente entre o Direito Civil e o Direito Minerário, a qual se apresenta na obrigatoriedade da celebração de um contrato entre o proprietário da terra e a pessoa – física ou jurídica – que possua uma autorização concedida pela União para realizar pesquisa mineral ou extrair minério. Uma vez que os bens minerais no Brasil pertencem à União Federal, surge o fenômeno jurídico da “dualidade da propriedade” (hoje elevado à categoria de princípio do Direito Minerário2 ), pois tais bens encontram-se espalhados por todo o território nacional. Dessa forma, coincidem a existência de bens minerais de domínio público e a propriedade imóvel particular em um mesmo local. Sendo interesse nacional a transformação dos bens minerais de propriedade da União em benefícios sociais, esta pode outorgar a brasileiros ou empresas constituídas sobre as leis brasileiras, títulos que permitem a pesquisa e a extração 2 TRINDADE, Adriano Drummond Cançado. Princípios de Direito Minerário Brasileiro in Direito Minerário em Evolução / Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2009, p. 48-49
  • 10. 10 de substâncias minerais. Ocorre que as áreas referentes a tais títulos, via de regra, são propriedades privadas. Assim sendo, surgem interesses aparentemente conflitantes, ou seja, o ingresso de terceiro em propriedade privada para exploração de um bem mineral ali inserido. Embora a propriedade do imóvel seja de um particular, cujo direito é protegido e garantido pela Constituição, ocorre o interesse nacional e do minerador em ver extraído o bem mineral que lá se encontra. Nota-se aí uma situação que impõe um sopesamento de interesses constitucionais. Para que ocorra a efetiva exploração de recursos minerais e sua transformação em riqueza, há a necessidade da existência de uma relação pacífica – ou pacificada por via judicial, como se verá no curso do presente estudo – entre o proprietário do imóvel e aquele que possui autorização da União para pesquisar ou extrair minério. Ocorre, portanto a imperiosa celebração de contrato entre as partes, caso contrário o interesse nacional determina a via judicial para garantir a exploração mineral. A matéria da exploração de recursos minerais é regulada pelo Direito Minerário, o qual é um ramo autônomo dentro da ciência jurídica e, dada a sua especificidade, é pouco conhecido, pois sua divulgação ainda é muito pequena e a quantidade de profissionais que a ele se dedica é bastante reduzida. A jurisprudência no âmbito da matéria relacionada aos assuntos da Mineração também é restrita por conta do pequeno número de demandas, se comparado com outras áreas. Como disse Adriano Cançado Trindade:
  • 11. 11 No Brasil, contudo, a matéria ainda parece ser tratada com desconfiança, talvez pela falta de uma vivência e de uma cultura da indústria mineral. Não obstante haja uma política setorial do Governo para a mineração, não obstante exista um Código de Mineração e um corpo jurídico próprio, não obstante seja mantida uma estrutura administrativa específica para o setor, verifica-se que a própria Administração, o Judiciário e mesmo operadores do Direito ainda hesitam ao se deparar com princípios e institutos do Direito Minerário.3 Como ocorre com todos os ramos do Direito, o Direito Minerário também tem interfaces com outras áreas e matérias jurídicas. Embora seja eminentemente ligado ao Direito Administrativo, existe também uma importante ligação com o Direito Civil, especialmente no tocante ao instituto da propriedade e, sobretudo, na seara contratual, o que motivou o presente estudo. Portanto, é uma das metas deste trabalho, senão a principal delas, investigar os princípios que regem a dinâmica das relações contratuais, verificando como se desenvolvem os mesmos no âmbito da relação jurídica de Direito Minerário que nasce entre o minerador e o proprietário do terreno no momento em que a União concede ao primeiro o direito de realizar uma pesquisa mineral. Trata-se de uma relação contratual quase sempre obrigatória para que ocorra a atividade mineira, pois o princípio da dualidade da propriedade (Art. 176 da CF) vai determinar a necessidade de existência de um contrato entre as partes acima citadas, pois 3 idem
  • 12. 12 enquanto um detém a propriedade do terreno o outro detém o direito de explorar um bem mineral pertencente à União, mas que se encontra inscrito no imóvel do primeiro. Todavia, nem sempre a relação entre minerador e o proprietário de terras é pacífica, já que em muitos casos ocorrem interesses antagônicos, pois há resistência do dono do imóvel (este é comumente chamado de superficiário) à instalação de uma atividade mineral dentro da sua propriedade, mesmo que lhe caiba indenização por todo e qualquer dano causado, além de uma participação nos resultados da lavra. Em outros casos, mesmo que ocorra a concordância do superficiário, pode haver divergência acerca de valores envolvidos no aspecto econômico da relação. Assim, o presente estudo teve como objetivo a investigação da importância da atividade mineral para o país, bem como a avaliação da relação jurídica desenvolvida entre o titular de direitos minerários (que permitem a pesquisa ou a lavra de substâncias minerais) e o proprietário do solo. O fato de a legislação pátria permitir que o minerador ingresse em terras públicas ou privadas para realizar atividade de extração mineral, causa bastante perplexidade e espanto e, no primeiro momento, gera a ideia de injustiça para com o particular que é proprietário de terras (superficário). Dessa forma, o presente estudo visou também investigar se ocorre a mitigação da autonomia da vontade do superficiário na relação contratual celebrada com o
  • 13. 13 minerador, uma vez que a legislação confere guarida a este último para realizar sua extração, mesmo que sob a proteção do Estado, com uso de força policial. Assim, foram analisadas todas as bases fáticas da necessidade da mineração para a humanidade e a sua importância como indústria de base, que fornece matéria- prima para quase tudo o que o homem utiliza no seu dia a dia. No âmbito jurídico foram analisadas as questões constitucionais pertinentes ao sistema de domínio sobre as substâncias minerais, bem como a sua utilização por particulares com autorização estatal, bem como a legislação infraconstitucional de regência da matéria minerária. Além disso viu-se a perspectiva civil-constitucional dos contratos e as cláusulas gerais impostas pelo Código Civil de 2002. No estudo procurou-se buscar a mais abalizada doutrina do Direito Civil e do Direito Minerário, a fim de conferir consistência jurídica ao texto. 2. A Importância da Mineração Para a Humanidade Antes de se analisar qualquer aspecto relacionado com o contrato celebrado entre o minerador e o superficiário (proprietário do solo), é imprescindível conhecer em linhas gerais como funciona a atividade de mineração, como é a sua natureza, qual a sua importância para o homem e qual é o interesse nacional na sua existência, a fim de se compreender como vai ocorrer o referido contrato entre minerador e
  • 14. 14 superficiário e como é a dinâmica dos princípios que vão estar presentes no mesmo. Assim sendo, será analisada de início a questão da essencialidade da extração mineral para a humanidade. Contudo, faz-se necessário conhecer alguns conceitos atuais para se obter plena compreensão do tema abordado. As expressões “mina”, “minério”, “jazida”, embora sejam familiares à maioria das pessoas, têm significados específicos e guardam conceitos técnicos que não são da compreensão de todos. Em primeiro lugar, vale conhecer a diferença existente entre reserva mineral, recurso mineral e riqueza mineral. Para isso, é preciso entender a diferença existente entre jazida e mina. Tais definições são dadas por lei e estão inscritas no art. 4º do Código de Mineração, Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967: Art. 4º Considera-se jazida toda massa individualizada de substância mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no interior da terra, e que tenha valor econômico; e mina, a jazida em lavra, ainda que suspensa. Portanto, a definição jurídica de jazida demonstra que, se a massa de substância mineral é individualizada e possui valor econômico, ela já foi identificada e medida pelo homem. Ou seja, já foi fruto de uma investigação técnica, à qual se dá o nome de pesquisa mineral. É através dessa busca que o homem localiza a substância mineral almejada e confere se há viabilidade técnica e econômica para a sua extração e comercialização.
  • 15. 15 Segundo William Freire, quando ocorre a definição ou a individualização da jazida é o momento em que a reserva mineral entra no mundo jurídico. Segundo o doutrinador, “jazida é o recurso mineral com viabilidade técnica e exequibilidade econômica”.4 Logo, consegue-se compreender que reserva mineral é toda substância ou massa mineral livre na natureza, a qual ainda não é conhecida pelo homem. Quando uma massa mineral é individualizada e é medido o seu valor econômico, ela assume um novo conceito jurídico, passando a se chamar jazida e a ser considerada como recurso mineral. William Freire prossegue afirmando que: No sistema minerário brasileiro, todo o regime jurídico- minerário gira em função de tornar possível a formação da mina, que é conceituada como o recurso mineral técnico, econômico e ambientalmente viável. Em outras palavras, é o recurso mineral que pode ser lavrado, transformado em dinheiro. Imagine-se uma grande reserva de ouro nas profundezas abissais. Nada vale diante da impossibilidade de retirá-la.5 4 FREIRE, William. Código de Mineração Anotado. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2009, p. 74 5 Idem p. 75
  • 16. 16 Então, combinando-se a definição legal com a doutrinária, pode-se compreender que mina vem a ser uma jazida que está ou esteve sob trabalho de extração, denominado de lavra. Assim, a mina que já esteve em operação e está com a sua lavra suspensa continua a ser considerada como tal. Minério, por sua vez, é o produto da mina. Ele vem a ser a substância mineral efetivamente extraída e que possui valor econômico, ou seja, é a riqueza mineral. 2.1 Importância dos Bens Minerais na Contemporaneidade Desde tempos imemoriais o homem utiliza recursos naturais para sua sobrevivência, extraindo do ambiente ao seu redor os materiais necessários à manutenção da vida, sejam eles do reino animal, vegetal ou mineral. Os estudos históricos demonstram que o homem sempre foi extrativista e desde a pré-história já utilizava substâncias minerais para sobreviver e para melhorar a sua qualidade de vida. À medida que as habilidades do homem pré-histórico foram evoluindo, especialmente na construção de objetos e artefatos úteis à vida, aumentou a demanda por matérias primas oriundas da natureza. Na obra intitulada Comentários ao Código de Mineração, o Professor William Freire, destaca logo de início: “O homem pré-histórico já explorava as minas para obter as pedras e os metais de que necessitava para a construção de seus abrigos e armas”6 . Na mesma obra o autor transcreve uma afirmação de Mário 6 FREIRE, William. Comentários ao Código de Mineração. 2ª ed. Belo Horizonte: Aide, 1996, p.11
  • 17. 17 Silva Pinto, que diz: “Na Espanha houve mineração de cobre em Huelva desde 800 a.c.”7 . De fato, muitos séculos antes de Cristo já eram utilizados os minerais metálicos, tanto para satisfazer necessidades básicas das pessoas através de utensílios, como para satisfazer os desejos pelas obras de arte e objetos de adorno feitos com materiais nobres. No livro The Geochemistry of Gold and Its Deposits, o professor canadense Robert W. Boyle afirma: “Gold, the noblest of metals, has been utilized by man for more than 5000 years, first in artistic objects and jewellery, then largely in coinage and more recently in the industrial arts”8 (Ouro, o mais nobre dos metais, tem sido utilizado pelo homem por mais de 5.000 anos, primeiro em objetos artísticos e jóias, em seguida largamente para o cunho de moeda e, mais recentemente, nas artes industriais). No mesmo livro acima indicado, constam figuras de canecas de ouro confeccionadas 1.500 anos antes da era cristã. Durante sua evolução, a humanidade foi, aos poucos, mais e mais se tornando dependente da utilização dos recursos encontrados na natureza. Os bens naturais, portanto, deixaram de ser tratados como meros instrumentos de subsistência e passaram a ter outro tipo de valor. Dessa forma, foram adquirindo um contorno econômico ao longo do tempo, com destaque para o surgimento da mineração como efetivo ramo da economia. Inicialmente o homem se interessou pelos metais nobres. 7 FREIRE, William. Op. cit. 8 BOYLE, R.W., The Geochemistry of Gold and Its Deposits.
  • 18. 18 O ouro e a prata foram cobiçados durante muitos anos como sendo a base da economia e do poder. Num interessante estudo histórico sobre a mineração no Estado da Bahia, o historiador soteropolitano, Professor Cid Teixeira, apontou a necessidade de minerais preciosos que ocorria na Idade Média: “De ouro era a coroa como de ouro e de pedras preciosas se fazia o tesouro dos reis. Aos nobres ficavam os símbolos da riqueza transferidos à propriedade imobiliária”9 . Ainda no mesmo estudo, o historiador destacou que naquela época a Europa descobriu as vantagens da moeda e, logicamente, da serventia do ouro e da prata “amoedados”. Segundo o professor Cid Teixeira: Ter dinheiro agora era o importante e para ter dinheiro era preciso ter ouro e prata. A busca desses metais tornou-se, portanto, uma fixação que de muito ia adiante do simples desejo de possuir uma jóia de melhor cinzeladura (...) O ouro era a obsessão. Não bastavam as terras descobertas; não bastava acrescentar aos títulos do rei de Portugal o ser Senhor da Arábia, Pérsia, Índia e Etiópia; não bastava ganhar batalhas no Oriente, nem submeter os naturais do Brasil. Era preciso dar a tudo isto um sentido de rentabilidade, de enriquecimento, de circulação mercantil10 . 9 TEIXEIRA, Cid. et. al. Mineração na Bahia: ciclos históricos e panorama atual. Salvador: Superintendência de Geologia e Recursos Minerais – SGM, 1998. p. 16 10 Idem.
  • 19. 19 Como se vê, as conquistas das nações colonizadoras precisavam extrapolar o campo dos grandes feitos para a realização econômica e, nesse âmbito, a comercialização de produtos têxteis, alimentícios e outros artefatos não superava a importância da posse de ouro e prata. Por certo, o empreendimento das grandes navegações partidas da Europa não visava somente a expansão de território das nações que as financiavam, mas sim possuíam a função de encontrar terras onde esses metais fossem abundantes. No documento que pode ser considerado como a “certidão de nascimento do Brasil”, ou seja, a famosa carta escrita ao Rei de Portugal por Pero Vaz de Caminha, o escrivão oficial da expedição comandada por Pedro Álvares Cabral, dava conta a Sua Majestade, D. Manoel I, sobre “o achamento desta terra nova” e sobre as primeiras investigações acerca da existência de metais nobres na terra então achada. Já se pode ver aí a cobiça pelos metais preciosos. No texto da missiva por diversas vezes surgem as palavras ouro e prata: O Capitão, quando eles vieram [refere-se a dois índios trazidos a bordo da nau], estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. (...) um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata!
  • 20. 20 (...) Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo. (...) Falou, enquanto o Capitão estava com ele, na presença de todos nós; mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais coisas que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o havia na terra. (...) Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. (...) Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta- feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero Vaz de Caminha.11 Como se vê, a expedição servia – além de ser um grande feito – à busca de novas terras recheadas das preciosidades naturais que àquela época eram o fundamento da riqueza de uma Nação: ouro e prata. 11 Três Documentos Contemporâneos ao Descobrimento do Brasil. Disponível em <http://www.jangadabrasil.com.br/arquivos/download/descobrimento.pdf> acesso em 03/05/2010
  • 21. 21 Ao tempo do descobrimento do Brasil ainda não estavam aflorados os interesses econômicos pelos diversos minerais aplicados à indústria, já que a Revolução Industrial só veio a acontecer muitos anos depois, alavancando de forma exponencial a necessidade de matérias primas de origem mineral. Máquinas de diversos tipos foram inventadas e produzidas com o objetivo de superar em muito a capacidade de construção das mãos humanas. E, então, no século XIX ocorreu a descoberta das aplicações industriais do petróleo, pois o mesmo já era conhecido desde a época da antiga Babilônia, quando era utilizado para calafetar embarcações, para assentar tijolos, embalsamar os mortos e para prover iluminação12 . Mas foi em 1859, no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos da América, que teve início a atual indústria do petróleo, com a perfuração de um poço atribuída a Edwin Drake13 . Talvez o “ouro negro”, como é chamado, seja o bem mineral mais precioso para a humanidade até nos dias atuais, pois dita os destinos da economia em função da variação de seu preço, que flutua de acordo com a sua necessidade e com o valor e tamanho das reservas existentes no mundo. Serve de fonte para os combustíveis usados na maioria dos meios de transporte atuais. Há países que têm sua economia totalmente apoiada na produção e comercialização do petróleo enquanto outros dependem dele para criar sua matriz energética. Além disso, desperta interesses que ultrapassam os âmbitos da economia, da política e, muitas vezes, descambam para os horrores da guerra, haja visto o que ocorreu em 1991 e em 2002 nos conflitos armados ocorridos entre Estados Unidos e Iraque. 12 SILVA, Leonardo Mussi da. ICMS Sobre a Extração de Petróleo. Lumen Juris Editora, 2005, p. 9 13 Idem.
  • 22. 22 Nos dias atuais é impossível pensar na sobrevivência humana dissociada do uso de substâncias minerais, as quais somente são obtidas através da mineração, que é, sem sombra de dúvidas, uma das atividades econômicas mais importantes para qualquer nação. A exploração de recursos minerais é uma indústria de base que fornece as matérias primas necessárias para diversas aplicações. Considerando que a extração mineral está na base, no início das cadeias produtivas, muitas vezes não se percebe a quantidade de bens construídos com os recursos minerais, nem se observa a própria dependência à qual está sujeito o homem contemporâneo. Só a título de ilustração é possível citar exemplos que bem demonstram essa situação: a) a construção civil utiliza produtos oriundos da atividade mineira tais como vigas de ferro, areia, brita, cimento (produzido com calcário), além de outros materiais agregados; b) a grande maioria das ferramentas e maquinário utilizados na indústria é feita de metais; c) a fabricação de carros, caminhões, aviões, trens e navios também depende do fornecimento de minerais metálicos; d) estas máquinas, para funcionar, usam combustíveis derivados de petróleo; e) a abertura de estradas e outras obras de infraestrutura também depende de recursos de origem mineral como o asfalto e o concreto; f) a transmissão de energia elétrica é feita através de cabos metálicos, suspensos por torres igualmente metálicas; g) toda a produção de alimentos pela agricultura é desenvolvida por meio de máquinas e ferramentas metálicas, bem como com a utilização de fertilizantes produzidos com minerais fosfóricos e potássicos; h) os computadores, hoje essenciais para a vida moderna, funcionam graças ao chip de silício. i) além de infinitas outras coisas facilmente encontráveis do dia a dia de cada pessoa, tais
  • 23. 23 como o lápis de grafite (carbono), utensílios de cozinha, instrumentos utilizados por dentistas, instrumentos musicais, elevadores, jóias – estas fabricadas com ouro, prata, platina e pedras preciosas, dentre outros minerais nobres; k) na medicina são utilizados minerais radioativos em aparelhos para exames e tratamentos de doenças. Estes são apenas alguns exemplos de aplicações das substâncias minerais. Sendo assim, a necessidade da população mundial sempre elevou a Mineração à categoria de atividade econômica de alta relevância e, quase sempre, de alta rentabilidade, especialmente pelo risco ao qual está sujeito o capital investido na atividade. O Professor William Freire, já citado acima, afirma em seu Código de Mineração Anotado: “A atividade mineral caracteriza-se por vultosos investimentos, longo prazo de maturação e alto risco”14 . 3. O Regime Constitucional dos Recursos Minerais As Nações possuem soberania sobre os recursos naturais encontrados em seus territórios. Isso, embora pareça óbvio, foi fruto de um processo que se iniciou no âmbito da Organização das Nações Unidas – ONU, e culminou com a definição da soberania nacional sobre tais recursos.15 Existiam grupos econômicos que mantinham cartéis há séculos em países produtores de matéria-prima, num 14 FREIRE, William. Código de Mineração Anotado, 4ª edição, Belo Horizonte: Mandamentos, 2009, p. 52 15 BARBOSA, Alfredo Ruy. A Natureza Jurídica da Concessão Minerária in Direito Minerário Aplicado / Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador, Belo Horizonte: 2003, Mandamentos.
  • 24. 24 verdadeiro sistema colonial. Assim, em 1952 foi dado o passo inicial, com a promulgação da Resolução 626/52 da ONU, que afirmava: Considerando que as riquezas naturais dos países economicamente atrasados devem ser exploradas para realizar os planos de desenvolvimento desses países, têm os mesmos o direito absoluto de dispor livremente de suas riquezas naturais, fato que, na maioria dos casos, não ocorre até o presente momento. Após a Resolução nº 626/52, sucederam-se outras normas de Direito Internacional que afirmavam cada vez mais a soberania dos Estados sobre os seus recursos naturais. Foi irreversível o processo de extermínio dos sistemas coloniais, embora não tenha agradado aos grupos multinacionais exploradores dessas riquezas em terras alheias. O ponto alto desse processo ocorreu com a Resolução nº 1.803/62, aprovada pelo órgão máximo da ONU, com expressiva votação a favor. A norma reconhecia a nacionalização como forma de os países recuperarem seus recursos naturais, fundado no exercício do poder soberano. Em 1966, a Resolução nº 2.158/66 conferiu aos recursos naturais o status de “direito inalienável e imprescritível”. Por fim, merece um destaque especial a instituição da Nova Ordem Econômica Internacional – NOEI, cujas bases foram estabelecidas pela Resolução nº 3.171/73, com o “objetivo de conferir ao princípio da soberania o devido fundamento jurídico para que os países possam regular todas as atividades
  • 25. 25 econômicas pertinentes à propriedade, à posse e à exploração dos seus recursos naturais”16 Portanto, após esse longo processo de afirmação da soberania dos estados sobre os seus próprios recursos naturais, perante a comunidade internacional, cada Nação pode dispor livremente das suas riquezas provindas da natureza e encontradas em seu território. Assim, cada Estado soberano determina as próprias regras e os próprios regimes de aproveitamento das substâncias minerais encontradas em seu subsolo. Historicamente existem quatro tipos de regimes ou sistemas de aproveitamento dos recursos minerais. São eles: a) Sistema Fundiário: também é chamado de regime de acessão e confere o domínio ilimitado ao proprietário do solo. Esse sistema tem origem no Direito Romano, que entendia que o domínio privado sobre a propriedade imóvel se dava usque ad coelos et usque as ínferos. b) Sistema Regaliano: refere-se a um sistema que conferia privilégios – como o nome indica – aos reis e imperadores. Ocorria a concessão de exploração, que implicava a transferência de um bem dominical para um particular, mas mediante o pagamento de 16 BARBOSA, Alfredo Ruy. Op. Cit.
  • 26. 26 uma quantia conhecida como “regalia”. O sistema regaliano vigorou durante toda a era feudal. c) Sistema Dominial: passado o período do feudalismo surgiu o regime que reconhece os recursos do subsolo como uma res communis, ou seja, de propriedade da coletividade, um bem de toda a Nação ou Estado. d) Sistema Liberal ou Res Nullius: por este sistema, as jazidas minerais, enquanto não conhecidas, são consideradas como res nullius, ou seja, não pertencem a ninguém. O direito de exploração é concedido a quem primeiro as encontrar. Há registros desse sistema no Século XII em alguns países da Europa. No Brasil, considerado aqui apenas o período republicano, a Constituição de 1891 instituiu o regime fundiário ou de acessão, garantindo ao superficiário a propriedade das “minas”. Com efeito, o § 17 do art. 72 daquela Carta determinava que “as minas pertencem aos proprietários do solo, salvo as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo da indústria”. Já a Constituição de 1934 afirmava a separação do solo e do subsolo para efeitos de aproveitamento dos recursos naturais. Todavia, não atribuía a propriedade de tais recursos a nenhum ente, configurando o sistema chamado de res nullius, pois a propriedade era de quem encontrasse o bem mineral, contudo, sendo submetida a exploração aos interesses da Nação.
  • 27. 27 Tal sistema de dualidade da propriedade foi mantido até hoje, com uma breve mudança ocorrida no período da Constituição de 1946, que conferiu ao proprietário do solo a prioridade para exploração. Sem dúvida, foi um período de estagnação na exploração mineral. Alfredo Ruy Barbosa, já citado no presente trabalho, a respeito da Constituição Federal de 1946, afirma: A consequência de tal dispositivo foi, de um lado, a dificuldade de se reconhecer quem é o verdadeiro proprietário do solo, tendo em vista que os recursos minerais ocorrem, em geral, em regiões longínquas, onde inventários infindáveis faziam permanecer as terras rurais em condomínio, além de onerar o pesquisador com encargo adicional decorrente de negociar preferência e eventualmente até adquirir terras, com dispersão de valiosos recursos necessários à criação da riqueza mineral17 . Quem também afirma o retrocesso do desenvolvimento da mineração por conta do sistema de acessão é o advogado especializado em Direito Minerário, Pedro Alberto Salomé de Oliveira: Ocorre que o crescimento econômico de uma nação sempre exigiu uma produção mais dinâmica das substâncias minerais 17 Idem.
  • 28. 28 por ventura ocorrentes no seu território, inclusive para substituição de importações. De igual forma, é verdade e mais do que reconhecido e batido que, mesmo com os avanços científicos e tecnológicos, até hoje a mineração continua sendo atividade que requer investimentos vultosos, envolve risco expressivo e exige longo tempo de maturação. Sendo, pois, naquele início de Século XX, o proprietário do solo também senhor do subsolo, ele, ou por inabalável vocação pela agricultura, ou pelo medo do risco, ou por falta de recursos financeiros, ou por receio em eventual sociedade, ou, até mesmo, por não desejar a imiscuição da mineração na sua atividade, somente optava pelo empreendimento mineiro diante de evidências significativas de sucesso. A prudência e o desinteresse, superiores ao espírito de aventura, inibiam, então, o incremento da mineração, totalmente dependente da iniciativa ou da anuência do proprietário do solo.18 A Carta de 1967, que sucedeu a de 1946, tratou de separar a propriedade do solo da propriedade dos bens minerais existentes. Veja-se abaixo, in verbis, a definição constitucional: Art. 161 - As jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta 18 OLIVEIRA, Pedro A. Salomé de. A Participação do Proprietário do Solo nos Resultados da Lavra in Direito Minerário Aplicado / Marcelo Mendo Gomes de Souza, Belo Horizonte: 2003, Mandamentos.
  • 29. 29 da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. § 1º - A exploração e o aproveitamento das jazidas, minas e demais recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica dependem de autorização ou concessão federal, na forma da lei, dada exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no País. § 2º - É assegurada ao proprietário do solo a, participação nos resultados, da lavra; quanto às jazidas e minas cuja exploração constituir monopólio da União, a lei regulará a forma da indenização. Como todos os regimes de aproveitamento de exploração dos recursos minerais têm origem na Constituição Federal, atualmente não podia ser diferente. A Constituição de 1988 confere em primeiro lugar a propriedade dos bens minerais à União. Com efeito, o art. 20 assim dispõe: Art. 20. São bens da União: omissis IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; Dessa forma, fica estabelecido que os bens minerais, onde quer que se encontrem no território nacional, pertencem à União. Contudo, o direito de realizar as atividades de extração e comercialização dos bens minerais do país são transferidas para o
  • 30. 30 particular, que o faz mediante consentimento do Estado. Isso ocorre porque o aproveitamento de substâncias minerais visa o lucro, o que é um objetivo da iniciativa privada e estranho à atividade estatal. Com efeito, o art. 170 da Constituição afirma que a “ordem econômica está apoiada na valorização do trabalho e da livre iniciativa”. A União, que possui o domínio sobre todas as substâncias minerais, outorga a particulares os direitos de pesquisa e lavra das mesmas, garantindo ao outorgado a propriedade do minério extraído, de acordo com Art. 176 da Constituição Federal, abaixo transcrito: Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
  • 31. 31 § 2º - É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei. § 3º - A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente. § 4º - Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida. Note-se que o caput do artigo afirma o Princípio da Dualidade da Propriedade, garantindo a distinção entre a propriedade das “jazidas e demais recursos minerais” e a propriedade do solo para efeito de exploração ou aproveitamento. O jovem jurista Adriano Drumond Cançado Trindade, que se debruça sobre o Direito Minerário, afirma: O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que a propriedade dos recursos minerais e a propriedade do solo não se confundem. Essa dualidade, muitas vezes conflituosa, pode ser extraída a partir do exame da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional. (...)
  • 32. 32 Mais especificamente na Constituição de 1988, todavia, não só o princípio da dualidade foi empregado, mas também foi atribuída a propriedade dos recursos minerais à União. Essa inovação representou o fim de um debate, pois até então o ordenamento jurídico nacional previa que a propriedade dos recursos minerais era independente da propriedade do solo. Contudo, o ordenamento não atribuía a propriedade dos recursos minerais a nenhum ente, dando margem a interpretações de que os recursos minerais estariam inseridos na categoria res nullius.19 Assim sendo, a Carta de 1988 definiu com precisão a distinção entre a propriedade dos bens minerais e a propriedade do solo, garantindo exclusivamente à União o domínio sobre todos os recursos minerais, sejam estes já conhecidos ou não. Ou seja, as jazidas que ainda estão por ser descobertas também fazem parte do patrimônio da União Federal. O Código Civil de 2002, em consonância com o ditame constitucional da dualidade da propriedade, também expressa a distinção entre propriedade do solo e das jazidas e minas, segundo o texto do Art. 1.230: Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia 19 TRINDADE, Adriano Drummond Cançado. Op. Cit. P. 62-63
  • 33. 33 hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais. Por fim, o Código de Mineração, Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, também expressa a distinção entre a propriedade do solo e a do bem mineral: Art 84. A Jazida é bem imóvel, distinto do solo onde se encontra, não abrangendo a propriedade deste o minério ou a substância mineral útil que a constitui. Assim, o ordenamento jurídico pátrio é uníssono no sentido de garantir um sistema de domínio público dos bens minerais, que estão totalmente apartados das propriedades imóveis e pertencem somente à União, que possui o condão de transferi-los a particulares, no interesse nacional. Esse ponto merece extrema atenção, pois o aproveitamento dos recursos minerais do país deve obedecer a um critério de interesse e utilidade pública. Tal matéria foi objeto do parecer da Advocacia Geral da União nº AGU/MF-2/95, aprovado pelo Presidente da República, que assim afirma: “Os recursos minerais, que, em última análise, pertencem ao povo, devem ser explorados visando ao interesse nacional (§1º do art. 176 da Constituição), para satisfazer as necessidades coletivas”20 Portanto, surge a clareza acerca da necessidade de priorizar a exploração do bem mineral em detrimento da propriedade do solo na qual ele está inserido. O 20 BARBOSA, Alfredo Ruy op. Cit.
  • 34. 34 proprietário rural, de tradição agrária, jamais, ou dificilmente, vai despertar para a possibilidade de existir uma riqueza de natureza mineral no subsolo de suas terras. No entanto, é interesse de toda a Nação que os bens minerais se convertam em riqueza e em benefícios sociais. Mais uma vez, Adriano Drumond Cançado Trindade define de maneira magistral: O princípio da dualidade, qualificado atualmente pela propriedade da União, reconhece que os recursos minerais merecem um tratamento diferenciado em relação à propriedade fundiária. Busca o Direito, assim, corrigir a disposição irregular dos recursos minerais pelo território nacional, com o objetivo de, por intermédio do Estado, reverter para toda a população os benefícios advindos da exploração mineral – e não apenas para os proprietários fundiários onde se encontram os recursos. Em outras palavras, o princípio da dualidade da propriedade revela um primado de justiça distributiva. Assim, nota-se que embora seja um tanto conflituoso, o sistema dominial – que assegura a propriedade dos bens minerais à União, separando o solo do subsolo – ainda é o melhor sistema para realizar o objetivo de identificar os recursos minerais do país e transformá-los em riqueza e benefícios para toda a coletividade.
  • 35. 35 4. A Outorga dos Direitos Minerários Contudo, para que a mineração se desenvolva, é necessário o consentimento prévio da União, o qual se dá através de um processo ou procedimento administrativo perante o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, pelo qual o minerador vai requerer à União um título autorizativo para realizar o aproveitamento dos bens minerais. Em geral esse processo se dá em duas fases, a primeira é chamada de “Fase de Autorização de Pesquisa” e serve para que o minerador realize trabalhos técnicos de investigação com o objetivo de confirmar ou não a presença do bem mineral almejado. Caso seja positivo o resultado da pesquisa, isto é, confirme-se a ocorrência do mineral em quantidade e qualidade que justifiquem a sua retirada, bem como a extração seja técnica, econômica e ambientalmente viável, o minerador apresenta os resultados de sua pesquisa ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, órgão da União responsável pelas outorgas de direitos minerários. Uma vez aprovado pelo DNPM o resultado da pesquisa, surge a jazida (massa individualizada de substância mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no interior da terra, e que tenha valor econômico)21 . A reserva mineral passa a ser recurso mineral e a lei confere ao minerador o período de um ano para requerer a concessão definitiva do direito de extração do minério. Leia-se abaixo a transcrição de trecho do artigo denominado Direitos e Garantias Fundamentais no Processo de Outorga de Direitos Minerários22 : 21 Código de Mineração, art. 4º 22 LIMA, Guilherme Corrêa da Fonseca. Direitos e Garantias Fundamentais no Processo de Outorga de Direitos Minerários.in Direito Minerário em Evolução / Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2009, p. 161
  • 36. 36 O exercício da atividade econômica de mineração implica a submissão do minerador a um prévio e complexo processo administrativo de outorga perante a Administração Pública Federal. Os bens minerais, pertencentes à União por força de disposição constitucional (art. 20, IX), só podem ser pesquisados, extraídos e comercializados com autorização do Poder Público, neste caso representado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM e pelo Ministério de Minas e Energia, que detém a competência para outorgar a particulares o direito de aproveitamento de substâncias minerais com fins comerciais. Em todos os regimes de aproveitamento de substâncias minerais instituídos pelo artigo 2º do Código de Mineração (Decreto Lei nº 227, de 28/02/1967) ocorre a obrigação legal de se formular ao DNPM um pedido ou requerimento do direito de exploração. Com efeito, a extração propriamente dita de um bem mineral só se inicia após o cumprimento de fases ou etapas que se desenvolvem no mundo material e no mundo jurídico. Dessa forma, para que no campo da ciência geológica os profissionais possam proceder ao levantamento de dados técnicos que servem para avaliar com precisão a ocorrência do mineral desejado, é necessária a Autorização de Pesquisa, ato
  • 37. 37 administrativo que abre a primeira de todas as fases prévias à lavra e é obtido no âmbito de um processo inaugurado com um requerimento perante o DNPM. É no bojo de tal processo que serão apresentadas todas as informações obtidas na pesquisa mineral e ocorrerá a dialética entre o Poder Público e o minerador, no que tange ao direito de extração dos recursos minerais almejados por este último, bem como aos dados técnicos sobre tais recursos. Decorre daí uma série de outros fatos e atos jurídicos, sendo que muitos deles fogem do âmbito de Direito Público e se dão na esfera civil, dentre os quais está a celebração de um contrato entre o minerador e o proprietário da terra (este último é comumente chamado de superficiário). Dessa forma, antes de passar à análise do contrato entre minerador e superficiário propriamente dito, é imprescindível analisar as regras gerais dos contratos à luz da Constituição Federal. 5. Perspectiva Civil-Constitucional dos Contratos Uma vez compreendida a forma de outorga dos direitos minerários no Brasil, deve- se observar a relação jurídica que vai se desenvolver entre o minerador e o superficiário. Tal relação é eminentemente contratual, logo, ocorre aí uma situação
  • 38. 38 na qual forçosamente devem incidir as regras, normas e princípios de Direito Civil, às quais se somam as regras específicas da atividade mineira, ditadas pelo Código de Mineração. Por fim, é imperioso não olvidar que, atualmente, todo o conjunto de regras e normas que servem à regulação do contrato – seja em que área for – deve ser, necessária e obrigatoriamente, interpretado à luz da Constituição. O Direito Civil, com suas origens na Roma Antiga, passou a ser tradicionalmente identificado a partir do Código de Napoleão, de 1804, o qual teve enorme influência nas diversas codificações ocidentais que o seguiram a partir do Século XIX23 . Surgiu com o Code a mais genuína expressão da liberdade jurídica individual, pois não havia intervenção do Estado nas relações privadas, de forma que as pessoas podiam livremente governar “sua capacidade, sua família e, principalmente, sua propriedade”24 , sendo mínima a intervenção do Estado, servindo esta apenas para assegurar o convívio social. Essa formatação do ordenamento jurídico levou a uma perfeita divisão do direito em duas esferas independentes, com muito pouca interferência entre si. Surgiu a dicotomia direito público-direito privado, sendo o primeiro destinado a regular as relações de interesses gerais da sociedade e o segundo para reger os interesses inatos das pessoas e as relações entre os indivíduos. Daí Savigny ter definido o Direito Privado como “o conjunto das relações jurídicas no qual cada indivíduo exerce a própria vida dando-lhe um especial caráter”25 . 23 TEPEDINO, Maria Celina. A Caminho de Um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Civil nº 65, p. 22, ano 17, julho-setembro 1993. 24 Idem. 25 SAVIGNY apud TEPEDINO, Gustavo. A Perspectiva Civil-constitucional: Origens, efeitos e dilemas.
  • 39. 39 A exímia jurista Maria Celina Tepedino demonstra quão diversa é tal concepção em relação à atual fisionomia do Direito Civil. Para a professora aqui citada, Irreconhecível seria para os interpretes du code a nova feição do direito civil, atualmente considerado, simplesmente, como uma série de regras dirigidas a disciplinar algumas das atividades da vida social, idôneas a satisfazer os interesses dos indivíduos e de grupos organizados, através da utilização de determinados instrumentos jurídicos. Afastou-se do campo do direito civil (propriamente dito) aquilo que era sua real nota sonante, isto é, a defesa da posição do indivíduo frente ao Estado (hoje matéria constitucional), alcançável através da predisposição de um elenco de poderes jurídicos que lhe assegurava absoluta liberdade para o exercício de atividade econômica.26 Chama a atenção, no trecho acima transcrito, que a função de proteger a pessoa natural de eventuais abusos do Estado – tarefa inegavelmente da alçada da Constituição – já foi, outrora, objeto do Direito Civil. O sistema no qual não havia intervenção estatal era deveras individualista, com ampla atenção ao patrimônio, à propriedade e pouco ou nada ao indivíduo enquanto ser humano. O ter prevalecia sobre o ser, sem sombra de dúvidas, estando o poder estatal alheio a isso, faltando com a instituição de direitos e garantias fundamentais. Havia, por certo, um 26 Idem.
  • 40. 40 verdadeiro paralelismo entre o sistema constitucional e o sistema privado, sendo o código civil uma verdadeira constituição da vida privada. A partir do momento em que o Estado passou a intervir na esfera civil, especialmente nas relações econômicas, ocorreu um fenômeno denominado de “publicização do direito privado”. Caminhando ainda na esteira de conhecimentos da Professora Maria Celina Tepedino, destaca-se que essa investida estatal sobre o campo da vida privada fez com que os códigos civis deixassem de ocupar essa posição central no sistema – existindo em paralelo e quase sem interface com a Constituição – para estar num patamar inferior ao da Carta Magna, porém em perfeita consonância com ela. Isso foi a superação da dicotomia Direito Público- Direito Privado: Acolher a construção da unidade (hierarquicamente sistematizada) do ordenamento jurídico significa sustentar que seus princípios superiores, isto é, os valores propugnados pela Constituição, estão presentes em todos os recantos do tecido normativo, resultado, em consequência, inaceitável a rígida contraposição direito público-direito privado. Os princípios e valores constitucionais devem se estender a todas as normas do ordenamento: Consequentemente, a separação do direito em público e privado, nos termos em que era posta pela doutrina tradicional, há de ser abandonada. A partição, que sobrevive desde os romanos, não mais traduz a realidade econômico-social, nem
  • 41. 41 corresponde à lógica do sistema, tendo chegado o momento de empreender a sua reavaliação 27 A intervenção do Estado na esfera do direito privado veio para imprimir um caráter de justiça social ou justiça distributiva, o que corrobora a ideia da dualidade da propriedade acima explanada. Ou seja, para se fazer a transformação dos bens minerais em riqueza e benefícios sociais, deve haver a submissão da propriedade privada a uma regime atípico, que mitiga o caráter absoluto da propriedade, como se verá adiante. 5.1 Princípio da Função Social da Propriedade Talvez um dos temas constitucionais mais palpitantes na atualidade seja o da função social da propriedade. A Constituição de 1988, no art. 5º – que é reservado aos direitos e garantias fundamentais – afirma que “é garantido o direito de propriedade” (inciso XXII) e arremata afirmando que “a propriedade atenderá a sua função social” (inciso XXIII). Nota-se, portanto, que a Constituição garante o direito de propriedade, mas, logo em seguida, determina que a mesma deva atender a uma função social. Conceituar e 27 TEPEDINO, Maria Celina. Op. Cit. P.24.
  • 42. 42 caracterizar a função social da propriedade não é das tarefas mais fáceis, segundo a doutrina, aliás, “a tarefa, já afirmaram iluminados autores, é das mais árduas”28 . Considerando que a função social da propriedade tem origem na Constituição, “as dificuldades são ainda maiores por se tratar de princípio constitucional, cuja interpretação é muito mais permeada por valores metajurídicos”29 , como assevera o Dr. Jivago Petrucci, Procurador do Estado de São Paulo, em artigo dedicado ao tema. Cabe lembrar que o direito de propriedade já foi concebido como direito subjetivo absoluto, ou seja, o sujeito que detinha a propriedade possuía plena liberdade no tocante às suas faculdades de usar, gozar e dispor, especialmente com os ideais iluministas da Revolução Francesa no final do século XVIII. Tal ideia, a de que o direito de propriedade é absoluto, é equivocada. No mesmo artigo aqui citado, o Dr. Jivago Petrucci afirma que pensar assim seria negar o próprio direito e, lançando mão de uma citação de Adilson Abreu Dallari, conclui: “mesmo porque a ideia de poder absoluto não se coaduna com a ideia de direito. Qualquer direito será sempre limitado”.30 Contudo, essa concepção de direito de propriedade absoluto, mesmo que limitada, levou a uma tendência ao individualismo, que permeou os sistemas jurídicos que se sucederam. Havia um forte interesse das classes dominantes no sentido de proteger 28 PETRUCCI, Jivago. A função social da propriedade como princípio jurídico . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4868>. Acesso em: 21 nov. 2009. 29 idem 30 Idem.
  • 43. 43 a sua propriedade privada, e isso se traduziu como característica das normas jurídicas oitocentistas: a tutela da propriedade, do patrimônio. O Código Civil brasileiro de 1916 era fruto de ideais individualistas, patrimonialistas e patriarcais, não existindo em seu bojo prioridade para a guarida da pessoa humana, mas sim para os seus bens dotados de valor econômico. Gustavo Tepedino aponta que o Constituinte de 1988, além de prever a garantia do direito de propriedade e, em seguida, a função social da propriedade (Art. 5º, XXII e XXIII), também foi diligente ao inserir no Art. 170, a propriedade privada (inciso II) e a função social da propriedade (inciso III). Arremata, portanto, concluindo que “no direito brasileiro, a garantia da propriedade não pode ser compreendida sem atenção à sua função social”31 . Cabe lembrar que o art. 170 da Constituição inaugura o Capítulo I “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”, dentro do Título VII “Da Ordem Econômica e Financeira”. Assim, a observação de Tepedino é de extrema importância, pois além de figurar no art. 5º como um direito fundamental da pessoa humana, a função social da propriedade também é um princípio geral da ordem econômica brasileira, que é “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”32 Assim, no sistema criado pela Constituição de 1988 não existe direito de propriedade se esta não atender aos ditames de justiça distributiva, se não 31 TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. A Garantia da Propriedade no Direito Brasileiro. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 6 - Junho de 2005 32 Constituição Federal, art. 170 caput...
  • 44. 44 desempenhar um papel em razão de um bem maior para a coletividade, contribuindo para a realização da dignidade da pessoa humana, que é o maior valor da tábua axiológica da atual Carta Magna. Ou seja, não pode existir direito de propriedade se esta não atender à sua função social. Gustavo Tepedino coloca isso de maneira exemplar: O conteúdo da função social da propriedade é informado pelo próprio texto constitucional, que tem na dignidade da pessoa humana regra basilar e estabelece como objetivos fundamentais da República, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. Todavia, o conceito inserido na Carta de 1988 é fruto de um longo processo evolutivo. Dentro do histórico constitucional brasileiro, encontra-se uma progressiva preocupação do legislador constituinte no tocante ao exercício do direito de propriedade. Na Constituição de 1824, primeira Carta brasileira, ainda sob o regime monarquista, havia a disposição de que o direito de propriedade era absoluto, sendo excepcionado apenas em caso de desapropriação por exigência do bem público, mediante indenização prévia em dinheiro. Nota-se aí o caráter eminentemente patrimonialista e individualista da norma constitucional, que previa um direito absoluto à propriedade. Contudo, é importante lembrar que “a prerrogativa concedida ao Poder Público de desapropriar bens particulares, por exigência do bem público, não se confunde com o princípio da
  • 45. 45 função social da propriedade”, conforme afirma André Osório Gondinho.33 De fato, a legitimidade que o Poder Público possui para intervir na propriedade privada, a bem do interesse coletivo, não passa de uma prerrogativa de poder de polícia administrativa. Ou seja, por via dessa capacidade a Administração Pública pode criar limitações administrativas, interferindo na propriedade privada em razão de um interesse de toda a coletividade ou de uma maioria de indivíduos em casos isolados. Portanto, essa intervenção estatal é uma ação externa, enquanto que a função social da propriedade é um elemento da própria propriedade, integrando a sua estrutura. Cabe destacar que a função social da propriedade não é uma derrogação da propriedade privada: O proprietário continua com as suas prerrogativas de usar, gozar, fruir e dispor da coisa, bem como persegui-la contra quem injustamente a detenha. A propriedade continua tendo seu conteúdo protegido, cabendo à lei a tarefa de determinar os modos de aquisição, gozo, limites, sempre no intuito de favorecer a função social da propriedade. O proprietário mantém seu status de dono, apesar da necessidade de controle social sobre o seu comportamento, significando que terá seu direito respeitado e tutelado contra qualquer lesão seja particular seja pública.34 33 GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade inTemas de Direito Civil / GustavoTepedino, coordenador, p. 406. 34 Idem.
  • 46. 46 De fato, a desapropriação pode ocorrer mesmo sobre um bem que cumpra a sua função social, desde que haja a prévia indenização em dinheiro, pois desapropriação não é penalidade, mas sim uma espécie de limitação administrativa. Contudo, “a função social da propriedade supera a questão do poder desapropriante, pois é verdadeiro elemento estrutural do direito de propriedade, influenciando seu conceito, exercício e tutela”.35 O mesmo autor, acima referido, cita a obra clássica de Leon Duguit, afirmando que este último “defendia a ideia de que os direitos somente se justificam pela missão social para a qual devem contribuir”. Com efeito, Duguit tem uma posição que continua extremamente atualizada: A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do individuo e tende a se tornar função social do detentor da riqueza mobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder.36 35 Idem. 36 DUGUIT, Leon, apud GONDINHO, André Osório, op. Cit.
  • 47. 47 Prosseguindo no histórico constitucional brasileiro, a Constituição de 1891 em nada inovou em relação à sua antecessora, mantendo o caráter absoluto, excepcionalizando apenas em situações de desapropriação pelo Poder Público. Destaca-se que naquela época o grupo dos latifundiários produtores de café no Brasil tinha um interesse muito forte em manter a propriedade imóvel como fonte de controle econômico, exploração do trabalho humano e poder político. A primeira inovação nessa seara veio com a Carta Constitucional de 1934, que afirmava que a “propriedade não poderá ser exercida contra o interesse social ou coletivo”37 . Sobre o texto da Constituição de 1934 Godinho afirma ainda que: Mesmo sem constituir um princípio eficaz de tutela das situações jurídicas não-proprietárias, visto que sua eficácia estava subordinada à regulamentação por lei complementar, que jamais foi editada, a Constituição de 1934, absorveu os ventos de modificação do capitalismo que então sopravam e cujas primeiras brisas foram sentidas nas Constituições Mexicana (1917) e Alemã (1919). A Constituição de 1934 teve vigência muito curta, sendo substituída pela de 1937, que incluiu em seu texto a referência ao conteúdo e ao limite do direito de propriedade através de lei que viesse a regular o seu exercício, o que significa o reconhecimento constitucional do caráter não absoluto do direito de propriedade. 37 Idem.
  • 48. 48 Contudo, cometeu infeliz retrocesso ao não proibir que este exercício fosse contrário aos interesses sociais e coletivos, nas palavras de Godinho. A Carta de 1946 manteve a disposição de que a propriedade é inviolável, sendo possível a desapropriação por necessidade do interesse público. Contudo, no art. 147 daquela Constituição surgiu uma novidade que operou uma mudança substancial no direito brasileiro: o condicionamento do exercício do direito de propriedade ao bem-estar social e a permissão da promoção da justa distribuição da propriedade. Todavia, esse artigo não surtiu efeito durante a vigência da Constituição de 1946, pois as relações sociais continuaram sendo de extrema injustiça para aqueles que não detinham propriedade. Por fim, antes da atual Constituição de 1988, vigeu a Carta de 1967, que utilizou pela primeira vez na história a expressão “função social da propriedade”, incluindo-a como princípio da ordem econômica. Porém, diferentemente, a atual Constituição, além de também incluir a função social da propriedade como uns dos princípios da ordem econômica , elevou a função social da propriedade à categoria de direito e garantia fundamental do cidadão. Isso faz uma diferença enorme em relação a todos os textos constitucionais anteriores, pois permite que a função social da propriedade se torne um princípio que permeia todo o tecido constitucional e se insere pelo ordenamento jurídico, atingindo até mesmo as normas infraconstitucionais
  • 49. 49 A própria Constituição fixa parâmetros bem concretos para o cumprimento das exigências em relação à Função Social da Propriedade, conforme se verá a seguir. O primeiro parâmetro pode ser considerado o do art. 186, que trata da função social da propriedade rural e informa que: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. É de se observar que o caput não faz ressalva ao cumprimento de um ou mais requisitos, mas sim de todos eles. Ou seja, a propriedade rural só atende à sua função social quando cumpre os quatro itens acima listados e mais aqueles que a lei determinar.
  • 50. 50 Como o presente estudo trata de uma relação jurídica pautada no princípio da dualidade da propriedade – já explicado acima – envolvendo recursos naturais caracterizados como reservas ou recursos minerais, o conteúdo do art. 186 é de grande importância e deve ser guardado, especialmente porque a grande maioria das atividades de mineração ocorrem em regiões longínquas dos grandes centros urbanos, portanto, em zonas rurais. Ora, a expressão “recursos naturais disponíveis” no inciso II do art. 186, inclui, obviamente, todo e qualquer recurso mineral nela inserido. Embora o bem mineral pertença à União, ele está localizado em propriedade de terceiro. Assim, essa propriedade realiza sua função social a partir do momento em que se presta à atividade de pesquisa e extração mineral, executadas por quem possui a outorga pública de direitos minerários, desde que esta atenda a todos os requisitos da boa técnica de geologia e engenharia de minas, segundo um prévio planejamento. Além disso, têm que ser observadas as regras referentes à manutenção da qualidade do meio ambiente equilibrado e a recuperação de áreas degradadas, bem como à saúde e bem estar dos trabalhadores e da comunidade impactada pela atividade, promovendo a prevenção dos impactos negativos eventualmente causados pela atividade. Ou seja, é necessária e imperiosa a realização da dignidade da pessoa humana envolvida direta ou indiretamente com a extração do recurso mineral naquela propriedade rural. A responsabilidade pela execução de uma extração mineral de acordo com as regras técnicas e com a legislação ambiental é exclusiva do minerador, que detém o conhecimento para isso. Contudo, a propriedade que atenderá a sua função social é
  • 51. 51 do superficiário. Logo, conclui-se que o contrato é fundamental para regular essas obrigações. Portanto, como visto no início deste tópico, o Código Civil de 2002 sofre a influência da Constituição de 1988, que elevou a dignidade da pessoa humana ao mais alto patamar dentro dos princípios constitucionais. Assim, seguindo a preocupação do legislador constituinte em realizar uma justiça distributiva, obrigando que a propriedade privada desempenhe um papel favorável a toda a coletividade, o Código Civil determinou que os contratos atendessem a uma função social. Esse mandamento legal é totalmente harmonizado ao princípio da função social da propriedade, como se verá no tópico seguinte. 5.2 Princípio da Função Social do Contrato O contrato sempre foi e ainda é a melhor expressão da liberdade negocial, significando a possibilidade de auto-regulação pelas partes, dispondo as obrigações mútuas conforme a sua vontade, desde que não contrariem a lei. Contudo, o contrato vem mudando as suas feições e seus princípios básicos ao longo do tempo, sobretudo depois que surgiram novas formas de negócios, especialmente as contratações em massa, fruto da era de consumo atual. Ao longo do Século XX as intervenções estatais no âmbito dos contratos aumentaram, proporcionando ao Estado-Legislador e ao Estado-Juiz uma atuação a fim de proteger direitos e garantias, conferindo ao contrato uma nova concepção.
  • 52. 52 Esse fenômeno derivou de uma socialização do contrato, relativizando os princípios clássicos de que “o contrato faz lei entre as partes” (pacta sunt servanda) e da “relativização das obrigações contratuais”. Por este último tinha-se que o contrato aproveitava ou interessava só às partes contratantes, não causando qualquer efeito na esfera jurídica de terceiros. Para Pablo Stolze Gagliano, “a socialização da ideia de contrato, na sua perspectiva intrínseca, propugna por um tratamento idôneo das partes, na consideração, inclusive, de sua desigualdade real de poderes contratuais”38 . Segundo o mesmo autor, o contrato não é considerado somente como instrumento de circulação de riquezas, mas de desenvolvimento social, pois sem contrato a economia e a sociedade estagnariam por completo. De fato, a importância do contrato é tamanha e ele está tão atrelado à vida da sociedade, que o fenômeno do surgimento e reconhecimento de sua função social, destinada a satisfazer o bem comum, trazendo às relações negociais um cunho de realização dos fundamentos constitucionais como a dignidade da pessoa humana, era inevitável. No Direito Civil brasileiro reconhece-se que a nova teoria contratual ganhou impulso com o advento do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. É interessante notar que este diploma legal especial, destinado a regular uma situação específica terminou por influenciar de tal modo o direito pátrio que seus princípios migraram e foram aproveitados pelo Código Civil de 2002, ganhando no bojo deste uma posição de grande destaque, conforme segue: 38 GAGLIANO, Pablo Stolze, Novo Curso de Direito Civil, vol. IV, São Paulo: Saraiva, p. 47
  • 53. 53 No direito brasileiro é amplamente reconhecido que esta nova teoria contratual obteve um lugar privilegiado a partir da vigência do Código de Defesa do Consumidor, na última década do século passado, e a disciplina que determinou aos contratos de consumo. Embora fosse lei especial relativa apenas aos contratos de consumo, por conta da falta de atualidade do direito civil brasileiro, terminou por converter-se no principal veículo de renovação do direito contratual brasileiro, sobretudo em face da rica interpretação e aplicação jurisprudencial dos seus preceitos.39 A essa interface entre o CDC e o Código Civil, Cláudia Lima Marques chamou de “diálogo de fontes”.40 De fato, o Código Civil de 2002 estabeleceu uma reconstrução da autonomia da vontade pela instituição de cláusulas gerais para os contratos, por influência dos preceitos trazidos ao ordenamento jurídico pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Constituição de 1988. Com efeito, a nova autonomia da vontade no direito brasileiro está apoiada no tripé “boa-fé objetiva, função social do contrato, bons costumes”. O mesmo autor acima destacado ensina que Karl Engisch diz que cláusula geral é “uma formulação da hipótese legal que, em termos de grande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico um grande número de casos”.41 39 MIRAGEM, Bruno. A Função Social do Contrato, boa fé e bons costumes: nova crise dos contratos e reconstrução da autonomia negocial pela concretização das cláusulas gerais. in MARQUES, Cláudia Lima, A Nova Crise do Contrato. Editora Revista dos Tribunais, 2007, São Paulo, p. 179 40 Idem, p. 179 41 Idem p. 186
  • 54. 54 Miguel Reale foi muito feliz ao afirmar que “um dos pontos altos do novo Código Civil está em seu art. 421, segundo o qual ‘a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato’”.42 Como já visto acima, o Código Civil, em consonância com a tábua axiológica da Constituição de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor, determina que os contratos atendam a uma função social. E Miguel Reale novamente o confirma, dizendo que “a realização da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda coletividade”43 . Logo, se denota a intrínseca ligação entre os princípios da função social da propriedade e da função social do contrato, unidos na realização do bem comum. Ou seja, toda relação contratual, expressão de um negócio com valor econômico entre duas ou mais partes, deve resguardar um interesse de toda a coletividade. Quem confirma essa ideia é o professor Gustavo Tepedino: Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e 42 REALE, Miguel. Função Social do Contrato. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 03 abr. 2010. 43 Idem
  • 55. 55 garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos principais adotados pelo Texto Maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo do ordenamento.44 Torna-se fácil compreender este princípio retornando ao estudo do art. 186 da Constituição, já visto anteriormente. Partindo do princípio que a atividade de mineração causa um impacto sócio-econômico-ambiental muito grande na região onde está instalada, o contrato celebrado entre o minerador e o superficiário tem que guardar certas características e conter cláusulas que visem atender ao bem comum. É preciso, através da relação privada entre o detentor da propriedade imóvel e o minerador, buscar a realização do princípio da dignidade da pessoa humana para aqueles envolvidos diretamente na atividade extrativa, bem como para aqueles que fazem parte da comunidade que habita no entorno da jazida ou da mina. 5.3 A autonomia da vontade. Não se pode falar em contrato sem autonomia da vontade, já disse Pablo Stolze Gagliano45 . Com efeito, e como já dito acima, o contrato é a maior expressão da vontade negocial das partes, que têm o direito de, em primeiro, contratar ou não. E, em segundo, de escolher no âmbito do contrato as bases da negociação que estão realizando, observadas as cláusulas gerais hoje impostas pela legislação, verdadeiros princípios do direito contratual. 44 TEPEDINO, Gustavo. Apud GAGLIANO, Pablo Stolze. Op. Cit. 45 GAGLIANO, Pablo Stolze. Op. Cit. p. 33
  • 56. 56 Contudo, o presente trabalho visa justamente analisar se há uma mitigação da autonomia da vontade do proprietário do solo (superficiário) quando se trata de instalação de atividade de pesquisa mineral e/ou lavra em sua propriedade. Uma vez que o minerador recebe a outorga de uma Autorização de Pesquisa (Alvará), ele necessita adentrar a área para executar os seus trabalhos técnicos de investigação acerca da existência do recurso mineral almejado. O artigo 27 do Código de Mineração autoriza o titular da Autorização de Pesquisa a realizar os seus trabalhos em terras públicas ou privadas, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros o seguinte: a) uma renda pela ocupação dos terrenos; b) uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa. O artigo 27 do Código de Mineração também estabelece uma série de regras para fixação da renda pela ocupação do terreno e para a indenização do superficiário pelos eventuais danos. Vejamos abaixo o texto legal na íntegra: Art. 27. O titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos respectivos, e também as obras e serviços auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pelas áreas a pesquisar, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e
  • 57. 57 prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa, observadas as seguintes regras: I - A renda não poderá exceder ao montante do rendimento líquido máximo da propriedade na extensão da área a ser realmente ocupada; II - A indenização por danos causados não poderá exceder o valor venal da propriedade na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa, salvo no caso previsto no inciso seguinte; III - Quando os danos forem de molde a inutilizar para fins agrícolas e pastoris toda a propriedade em que estiver encravada a área necessária aos trabalhos de pesquisa, a indenização correspondente a tais danos poderá atingir o valor venal máximo de toda a propriedade; IV - Os valores venais a que se referem os incisos II e III serão obtidos por comparação com valores venais de propriedade da mesma espécie, na mesma região; V - No caso de terrenos públicos, é dispensado o pagamento da renda, ficando o titular da pesquisa sujeito apenas ao pagamento relativo a danos e prejuízos; VI - Se o titular do Alvará de Pesquisa, até a data da transcrição do título de autorização, não juntar ao respectivo processo prova de acordo com os proprietários ou posseiros do solo acerca da renda e indenização de que trata este artigo, o
  • 58. 58 Diretor-Geral do D. N. P. M., dentro de 3 (três) dias dessa data, enviará ao Juiz de Direito da Comarca onde estiver situada a jazida, cópia do referido título; VII - Dentro de 15 (quinze) dias, a partir da data do recebimento dessa comunicação, o Juiz mandará proceder à avaliação da renda e dos danos e prejuízos a que se refere este artigo, na forma prescrita no Código de Processo Civil; VIII - O Promotor de Justiça da Comarca será citado para os termos da ação, como representante da União; IX - A avaliação será julgada pelo Juiz no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data do despacho a que se refere o inciso VII, não tendo efeito suspensivo os recursos que forem apresentados; X - As despesas judiciais com o processo de avaliação serão pagas pelo titular da autorização de pesquisa; XI - Julgada a avaliação, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará o titular a depositar quantia correspondente ao valor da renda de 2 (dois) anos e a caução para pagamento da indenização; XII - Feitos esses depósitos, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará os proprietários ou posseiros do solo a permitirem os trabalhos de pesquisa, e comunicará seu despacho ao Diretor- Geral do D. N. P. M. e, mediante requerimento do titular da
  • 59. 59 pesquisa, às autoridades policiais locais, para garantirem a execução dos trabalhos; XIII - Se o prazo da pesquisa for prorrogado, o Diretor- Geral do D. N. P. M. o comunicará ao Juiz, no prazo e condições indicadas no inciso VI deste artigo; XIV - Dentro de 8 (oito) dias do recebimento da comunicação a que se refere o inciso anterior, o Juiz intimará o titular da pesquisa a depositar nova quantia correspondente ao valor da renda relativa ao prazo de prorrogação XV - Feito esse depósito, o Juiz intimará os proprietários ou posseiros do solo, dentro de 8 (oito) dias, a permitirem a continuação dos trabalhos de pesquisa no prazo da prorrogação, e comunicará seu despacho ao Diretor-Geral do D. N. P. M. e às autoridades locais; XVI - Concluídos os trabalhos de pesquisa, o titular da respectiva autorização e o Diretor-Geral do D. N. P. M. Comunicarão o fato ao Juiz, a fim de ser encerrada a ação judicial referente ao pagamento das indenizações e da renda. Note-se que pelas disposições encontradas nos incisos VI a XVI do artigo 27 do Código de Mineração está previsto um procedimento de jurisdição voluntária chamado de “ação de avaliação”, caso não haja acordo entre minerador e superficiário. Através de tal ação o juiz procederá a uma perícia para avaliar os danos causados pela atividade e levantar o valor venal do imóvel, a fim de sejam
  • 60. 60 depositadas em juízo todas as obrigações pecuniárias devidas ao proprietário do solo. De outra parte será garantida força policial para que o minerador adentre o imóvel e realize os seus trabalhos técnicos. Tal disposição do direito pátrio causa perplexidade à maioria das pessoas e grande espanto no próprio meio jurídico, pois aqueles que não lidam com o Direito Minerário resistem, no primeiro momento, a aceitar o sistema legal de exploração dos recursos minerais por achá-lo injusto do ponto de vista do superficiário. Como já dito alhures, nota-se que embora seja um tanto conflituoso, o sistema dominial – que assegura a propriedade dos bens minerais à União, separando o solo do subsolo – ainda é o melhor sistema para realizar o objetivo de identificar os recursos minerais do país e transformá-los em riqueza e benefícios para toda a coletividade. Ou melhor, é o único sistema viável para a realização deste fim. Tal guarida em favor do minerador é conferida pela lei como decorrência do interesse nacional na mineração, prevalecendo este sobre a proteção da propriedade privada onde está inserido o recurso mineral. Dessa forma, ou superficiário aceita realizar o contrato ou estará submetido à ação de avaliação e, consequentemente, a suportar o ingresso do minerador em suas terras de forma coercitiva, com o apoio do Estado. Contudo, entende-se aqui que a sua autonomia da vontade não está sendo mitigada. Caso o superficiário esteja disposto a celebrar o contrato, ele estará protegido por todas as cláusulas gerais, direitos e garantias conferidos pelo ordenamento jurídico pátrio, ficando a seu critério e do titular da Autorização de Pesquisa a fixação dos parâmetros da avença. Logicamente deve-se observar que a lei estabelece valores mínimos e outros
  • 61. 61 parâmetros que devem ser considerados, porém, nada impede que valores maiores possam ser ajustados. Ou seja, no âmbito do contrato, a autonomia está preservada, como em qualquer outra situação em que as partes podem escolher livremente as cláusulas da avença, desde que não contrariem a lei. O que ocorre no caso de recusa do proprietário do solo em celebrar o contrato, na tentativa de impedir que a atividade mineira ocorra na sua terra, é uma verdadeira afronta ao princípio da função social da propriedade e do interesse nacional no desenvolvimento da mineração estampados na Constituição Federal de 1988. A negativa do superficiário traduz-se em mitigação do bem comum, em impedimento de utilização de um bem da Nação (pertencente a todo o povo), que uma vez explorado vai se transformar em riqueza, geração de empregos, recolhimento de tributos, recolhimento da Compensação Financeira Pela Exploração de Recursos Minerais (da qual 65% reverte-se para o município a fim de atender a interesses locais), além da transformação do minério em bens essenciais à vida humana, pois, como explanado no início do presente trabalho a humanidade é totalmente dependente da utilização direta ou indireta de recursos minerais. As necessidades mais básicas, como habitação, transporte, saúde, transmissão de energia elétrica, dentre inúmeras outras, só podem ser supridas pela atividade extrativa dos recursos naturais de origem mineral.
  • 62. 62 5.4 Função Social dos Bens Minerais Em razão de tudo o quanto já exposto no presente trabalho, clara está a importância dos bens minerais para sociedade. Ou seja, essa propriedade pertencente à União, ou em última análise, a todo o povo brasileiro, tem que ser revertida em riqueza e transformada em benefícios sociais distribuídos a toda a Nação. O bem mineral, portanto, tem uma função social de extrema importância, mas esta só se concretiza quando os recursos minerais são identificados através de atividades de pesquisa e extraídos através da atividade de mineração. Só a partir daí a sociedade brasileira pode colher os frutos dos esforços da livre iniciativa de quem aportou recursos financeiros e assumiu altos riscos para transformar os recursos naturais em benefícios sociais. Com o início das atividades de mineração, ocorre a geração de empregos direitos e indiretos, surge a demanda por serviços e insumos, bem como o recolhimento de tributos e da Compensação Financeira Pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM, instituída pela Constituição no § 1º do seu Art. 20. Talvez um dos maiores benfícios da atividade mineira seja a interiorização do País, levando trabalho e riqueza a regiões longínquas, onde não haveria desenvolvimento se não fosse a extração dos recursos minerais. Por exemplo, as regiões semi- áridas, castigadas por longos e penosos períodos de seca não proporcionam ao homem ali residente as possibilidades de uma sobrevivência digna. Muitas vezes a exploração de um recurso mineral encontrado numa dessas regiões, onde não há
  • 63. 63 possibilidade de desenvolvimento de agricultura ou pecuária pela extrema falta de água, torna possível a criculação de riqueza, a qualificação da mão de obra local, elevando a qualidade de vida daqueles que ali habitam. Assim sendo, o bem mineral, propriedade da União também tem uma função social e das mais nobres, pois, quando explorado, faz valer os princípios constitucionais insculpidos no art. 170 da Constituição para que a ordem econômica seja fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Tudo isso para alcançar a dignidade da pessoa humana, que é o maior valor inserido na Carta Magna de 1988. 6. CONCLUSÃO De tudo quanto analisado até o presente momento, chega-se às seguintes conclusões. Em primeiro, que a humanidade é extremamente dependente da utilização de recursos naturais de origem mineral para a sua sobrevivência e bem estar, o que torna a atividade econômica de mineração essencial para praticamente toda a população mundial. As nações possuem soberania sobre os bens minerais encontrados em seu território, decorrente dos acordos internacionais, podendo dispor de tais bens conforme as suas políticas internas e as suas legislações.
  • 64. 64 No Brasil é vigente o sistema chamado dominial, no qual os bens minerais pertencem à União, conforme determinação da Constituição Federal de 1988 e podem ser explorados mediante autorização ou concessão da União, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras (art. 176 da CF88). Na exploração dos recursos minerais deve estar resguardado necessariamente o interesse nacional, pois, os bens minerais, em última analise, pertencem ao povo brasileiro. A propriedade do solo não se confunde com a propriedade dos bens minerais, sendo as jazidas e minas propriedade da União, distintas da terra onde estão inseridas (art. 176 da CF88), surgindo o princípio da dualidade da propriedade, corroborado pelo art. 1.230 do Código Civil e pelo art. 84 do Código de Mineração. O princípio da dualidade da propriedade tem o objetivo de permitir que o bem mineral pertencente à União, ou seja, a todo o povo, possa ser explorado e transformado em benefícios sociais que advém da atividade de mineração. Com o advento da Constituição de 1988 não existe mais direito de propriedade no Brasil sem atendimento da função social da propriedade. O fato dessa disposição estar no art. 5º, que trata dos direitos e das garantias fundamentais, faz com que o princípio da função social da propriedade permeie todo o tecido normativo, imiscuindo-se na legislação infraconstitucional. Além disso, o a função social da propriedade também é reafirmada pela Constituição no art. 170, que trata da Ordem Econômica.
  • 65. 65 Nota-se uma intrínseca ligação entre os princípios da função social da propriedade e da função social do contrato, que decorreu de uma intervenção maior do Estado- Legislador e do Estado-Juiz nos contratos civis. Foi um processo de socialização do contrato a fim de garantir equilíbrio e justiça distributiva no âmbito negocial. Nesse diapasão surgiram cláusulas gerais que norteiam todo e qualquer contrato celebrado à luz do ordenamento brasileiro, especialmente o tripé “boa-fé, função social e bons costumes”. No caso das terras de particulares onde ocorrem jazidas há um forte cunho de função social da propriedade, pois se o superficiário impede a atividade de mineração nas suas terras ele está mitigando a consecução da função social da propriedade do bem mineral (pertencente à União) e está deixando de cumprir com a função social da sua própria propriedade imóvel. Aos contratos celebrados entre o minerador e o superficiário, logicamente, também se aplicam as cláusulas gerais de boa-fé, função social do contrato e bons costumes. Contudo, o Estado só intervém coercitivamente para garantir a atividade de mineração sob proteção de força policial quando o superficiário se recusa a permitir a consecução da função social do bem mineral e da sua própria propriedade privada. Portanto, não há, no caso do superficiário, uma mitigação da autonomia da vontade ou submissão da propriedade de forma atípica ou especial. Não. O seu direito à propriedade privada é relativizado conforme as determinações constitucionais e as
  • 66. 66 cláusulas gerais da nova concepção do contrato, assim como toda e qualquer outra propriedade existente no país.
  • 67. 67 BIBLIOGRAFIA 1. BARBOSA, Alfredo Ruy. A Natureza Jurídica da Concessão Minerária in Direito Minerário Aplicado / Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2003. 2. FREIRE, William. Código de Mineração Anotado, 4ª edição, Belo Horizonte: Mandamentos, 2009 3. FREIRE, William. Comentários ao Código de Mineração, Belo Horizonte: Aide Editora, 1996. 4. FUNDAÇÃO JANGADA BRASIL Três Documentos Contemporâneos ao Descobrimento do Brasil. Disponível em http://www.jangadabrasil.com.r 5. GAGLIANO, Pablo Stolze, Novo Curso de Direito Civil, vol. IV, São Paulo: Saraiva, 2006. 6. GONDINHO, André Osório. Função Social da Propriedade in Temas de Direito Civil / Gustavo Tepedino, coordenador 7. LIMA, Guilherme Corrêa da Fonseca. Direitos e Garantias Fundamentais no Processo de Outorga de Direitos Minerários.in Direito Minerário em Evolução / Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2009. 8. MIRAGEM, Bruno. A Função Social do Contrato, boa fé e bons costumes: nova crise dos contratos e reconstrução da autonomia negocial pela concretização das cláusulas gerais. in MARQUES, Cláudia Lima, A Nova Crise do Contrato. Editora Revista dos Tribunais, 2007, São Paulo. 9. PETRUCCI, Jivago. A função social da propriedade como princípio jurídico . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4868>. Acesso em: 21 nov. 2009. 10.REALE, Miguel. Função Social do Contrato. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 03 abr. 2010.
  • 68. 68 11.SILVA, Leonardo Mussi da. ICMS Sobre a Extração de Petróleo. Lumen Juris Editora, 2005. 12.SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de – Coordenador. Direito Minerário Aplicado 13.TEIXEIRA, Cid. et. al. Mineração na Bahia: ciclos históricos e panorama atual. Salvador: Superintendência de Geologia e Recursos Minerais – SGM, 1998. 14.TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. A Garantia da Propriedade no Direito Brasileiro. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 6 - Junho de 2005 15.TEPEDINO, Gustavo. A Perspectiva Civil-constitucional: Origens, efeitos e dilemas. 16.TEPEDINO, Maria Celina. A Caminho de Um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Civil nº 65, p. 22, ano 17, julho-setembro 1993. 17.TRINDADE, Adriano Drummond Cançado. Princípios de Direito Minerário Brasileiro in Direito Minerário em Evolução / Marcelo Mendo Gomes de Souza, coordenador. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2009.