Reflexões iniciais sobre os temas cultura e indígena
1. REFLEXÕES INICIAIS SOBRE OS TEMAS: CULTURA E
INDÍGENA1
Valéria Guedes dos Santos – UCDB
valerialelaguedes@yahoo.com.br
Marisângela Gama Vieira – UCDB
marysangela_viera@yahoo.com.br
Lidiane Fernanda Franco – UCDB
lidianeffranco@yahoo.com.br
Conceição Araújo da Silva – UCDB
conceicaoe@ hotmail.com
Marina Vinha – UCDB
marinavinha@terra.com.br
Resumo: Este breve ensaio, a ser apresentado como pôster no GT E, trata de um
levantamento teórico sobre os temas: cultura e indígena. O objetivo do estudo é o de
sistematizar a compreensão dos referidos termos para fins de estudos em andamento no
projeto no programa de iniciação científica/PIBIC/UCDB/2007-2008, cuja temática
envolve os dois universos teóricos. A metodologia adotada foi a da pesquisa bibliográfica,
delimitada aos temas, e debates realizados no grupo de estudo. Os argumentos teóricos
mostram o processo de elaboração do conceito de cultura e esta no contexto indígena. Os
saberes pautados por elementos adquiridos na convivência social de cada grupo variam de
um grupo para outro, ou até mesmo dentro do próprio. O caráter dinâmico da cultura, sob
mudanças no decorrer do tempo e em vista das relações estabelecidas no contato, caminha
junto com a renovação de valores de cada grupo indígena. Nas considerações finais
explicitamos o conceito de cultura a ser adotado nos estudos do Projeto. Entendemos que o
estudo deve voltar-se para observar a cultura de cada povo sem a pretensão de julgá-la;
mas, sim, compreendendo seus significados e simbolismos.
Palavras-chave: educação, cultura, indígena, cultura corporal.
INTRODUÇÃO
Este breve ensaio, a ser apresentado como pôster, no GT E (Educação Indígena)
tem por objetivo elaborar um levantamento teórico sobre os temas: cultura e indígena.
Como equipe, iniciamos o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica
(PIBIC/UCDB 2007-2008) com um projeto sobre educação física escolar, a ser realizado
1
Acadêmicas PIBIC/UCDB do Curso de Educação Física, sob orientação da Profa. Dra. Marina Vinha –
participam também do Grupo de Pesquisa Educação e Interculturalidade/CNPq / UCDB/ Linha 3.
Financiamento UCDB.
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em área indígena. Para realizar a pesquisa fomos motivadas a sistematizar as compreensões
obtidas em leituras e em grupo de pesquisa.
A metodologia adotada para a escrita deste ensaio foi a bibliográfica, abordando
os temas cultura e indígena, buscados nos seguintes autores: Roque Laraia, Carmen
Junqueira, Aracy Lopes Silva, Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas e
Dicionários da língua portuguesa, do pensamento social e virtual. Este breve ensaio pode
ser problematizado com a seguinte pergunta: como compreender as relações culturais no
estudo com indígena?
O ser humano é o único, dentre outras espécies, a ser possuidor de cultura.
Onde estaria então a origem da cultura? Segundo Laraia (2002), diversos autores explicam
que houve um início simultâneo ao desenvolvimento do cérebro humano. Sustentados na
linha evolucionista, argumentam que a vida dos nossos antepassados estava em sintonia
com a natureza, prevalecendo o uso do faro para a sobrevivência. As mudanças decorridas
ao longo do tempo foram substituindo o farejar por uma visão mais acurada. Esta nova
condição da espécie, combinada com uma outra, a capacidade de utilização das mãos
abriram um mundo diferenciado, inexistente para qualquer outra espécie.
DESENVOLVIMENTO
A capacidade de obter ou de examinar um objeto e atribuir-lhe significado deu
novos sentidos para as sociedades humanas. Atribuir significados gerou também muitas
tensões, a exemplo dos determinismos biológico e geográfico. Determinismo biológico
considera que fatores inatos são responsáveis por aspectos superiores ou inferiores a cada
povo ou etnia. Por sua vez, o determinismo geográfico considera que “as diferenças do
ambiente físico condicionam a diversidade cultural”, segundo Laraia (2002, p. 17).
Ambos os determinismos já foram refutados pela ciência. Contudo, essas duas
características que parecem desatualizadas, ainda são persistentes e aparecem
subliminarmente em teorias que atribuem capacidades de diferenciação com base na
especificidade biológica ou no espaço físico em que determinado grupo ou sociedade se
desenvolve. Essas diferenças são geralmente de caráter bipolar, contribuindo para que
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relações de poder, dentre outras relações submetam um grupo ou povo a outro, ou outros
(LARAIA, 2002).
O filósofo Locke (apud LARAIA, 2002, p. 25) escreveu em 1690 um ensaio
acerca do entendimento humano. Neste ensaio a idéia de cultura já estava sendo pensada
por outros estudiosos. No estudo, ele procura evidenciar que a mente humana, no
nascimento, “não é mais do que uma caixa vazia”. Observa também que o ser humano já
vem dotado de uma capacidade única, que é a de adquirir conhecimento. Esse processo de
aprendizagem hoje é chamado de endoculturação.
A elaboração do conceito de cultura foi e é processual. No campo da
Antropologia o termo cultura foi conceituado pela primeira vez por Tylor, em 1871. Nesta
elaboração está formalizada uma idéia que vinha crescendo na mente humana, debatida por
filósofos e outros cientistas. O autor definiu “cultura como sendo todo o comportamento
aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética”. Para Taylor, há
diferenças entre a palavra culture, que na língua inglesa significa “este todo complexo que
inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” e a palavra civilization,
que na língua francesa “referia-se principalmente às realizações materiais de um povo”
(apud LARAIA, 2002, p. 25).
A palavra cultura, segundo o Dicionário Vitual Wikipédia (2007), enfatiza que
a Antropologia vê a cultura como a totalidade de padrões aprendidos e desenvolvidos pelo
ser humano. Já no Dicionário do Pensamento Social do Século XX, segundo John Hall
(1996, p. 163) o termo cultura foi historiado da seguinte forma: “enquanto a maioria das
espécies tem uma forma de organização social embutida nos genes, o animal humano
parece ser programado, em vez disso, para dar atenção à cultura”. Nesse sentido, o autor
afirma existirem dois papéis sociais que a cultura cumpre na vida social, quais sejam: “a
cultura proporciona significado” e “a cultura fornece regras de ação social sem as quais
seria impossível para os seres humanos dentro de uma sociedade chegar a compreender uns
aos outros”. Seguindo o pensamento do autor, para compreendermos diferença é necessário
entendermos que a “diversidade é possível porque os seres humanos aprendem a partir de
meios culturais”.
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A expressão ‘meios culturais’, de acordo com Laraia (2002), explicita que há
uma compreensão geral de que cultura são experiências adquiridas através da convivência
no âmbito familiar ou social. Nesse sentido, todos os humanos pertencem a uma
determinada cultura e vivem de acordo com as regras de seu povo ou grupo. Diante dessas
diferenças de meios, nenhuma cultura pode-se julgar superior à outra, mas, sim diferente.
Ao julgar uma cultura superior à outra estamos sendo etnocêntricos, que mesmo sendo um
comportamento positivo no sentido de gostamos do nosso próprio meio ou povo, pode
também desencadear determinismos e pouco considerar valores e significados de outras
culturas. Diante dos argumentos, podemos desconsiderar que:
O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um
herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a
experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam. A
manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e
as invenções (p. 45).
Sob outro ponto de vista, mas confirmando a compreensão de cultura já
exposta, Junqueira (2002, p.15), antropóloga voltada para a questão indígena, explica que
“a partir da experiência de cada povo, de cada sociedade florescem culturas próprias. A
criatividade imprimiu rica diversidade aos estilos de vida da humanidade”. Entre indígenas,
vários são os fatores que determinam valores em cada uma das comunidades. Por isso, o
que pode ser aceito dentro de uma determinada cultura, pode não ser aceito dentro de outra,
mesmo geograficamente próximas.
Dentre esses fatores não estão nem o determinismo biológico e nem o
determinismo geográfico, como explicado por Laraia (2002), mas, sim, “isso ocorre porque
a cultura é transmitida socialmente”, segundo Junqueira (2002, p. 19). Para exemplificar, a
autora cita uma criança francesa, se criada no Brasil por pais brasileiros aprenderá a língua
portuguesa e os costumes de sua família brasileira. Nesse caso, só falará o francês se tiver
um aprendizado extra, como qualquer outra criança.
Um outro exemplo pode ser observado entre os povos que vivem no Parque
Nacional do Xingu. Quatro grupos – Kamayurá, Kalapo, Trumai e Waurá – ignoram a caça
de grandes mamíferos, alimentando-se apenas da pesca e da caça de aves. No entanto, os
Kayabi, habitantes no mesmo Parque, preferem exatamente a caça de grandes mamíferos.
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Dois povos vivendo em ambiente geográfico comum mostram hábitos alimentares e,
certamente, outros valores, também diferenciados (LARAIA, p.23).
Silva (1988, p.5), antropóloga voltada para estudos indígenas, conceitua cultura
como: “a capacidade que o ser humano tem em dar significados às coisas”. Para a autora, os
significados vão sendo construídos de acordo com o entendimento de cada grupo social.
Junqueira (2002, p.12) confirma e acrescenta que essa capacidade humana de atribuir
significados às coisas materiais e imateriais chama-se “capacidade de simbolizar”. Os
símbolos são criados para que haja uma compreensão da vida social de cada grupo e eles
passam a ser vistos como naturais, dentro de cada grupo.
Cada grupo social tem seus próprios símbolos. Junqueira (2002) os chama de
costumes, regras, hábitos e leis específicas do grupo. Esse conjunto é visto também como
tradições. É importante compreender a cultura de diferentes grupos, para sairmos do
preconceito de que nossa própria cultura é a mais correta, caindo assim no etnocentrismo.
Segundo Silva (1988), etnocentrismo é o ato de julgar nossa própria cultura a verdadeira,
diante de valores ou hábitos diferentes da cultura da qual pertencemos. A autora destaca
ainda que ao analisar uma determinada cultura ficamos abertos para “descobrir novos
modos de ser e pensar” (p.9).
O Brasil é um país de grande dimensão geográfica e demográfica, portanto,
escutamos com freqüência que também é um país de grande diversidade cultural. No
entanto, os povos indígenas que o habitam são lembrados com mais ênfase no dia 19 de
abril. Para desmistificar essa idéia Silva (1988) propõe alguns pontos para reflexão.
Primeiro, o fato de que é incorreto pensarmos em índios como sendo todos iguais, pois cada
etnia tem seus próprios símbolos. Uma segunda reflexão é compreender que os índios não
são sociedades que existiram no passado, eles estão presentes e têm leis próprias. A terceira
trata de revermos idéias transmitidas na escola e nos livros didáticos, as quais indicam que
os indígenas vivem isolados em suas aldeias, sobrevivendo da caça, da pesca e vivendo nus.
Para a autora, confirmado por nós, os indígenas estão em toda parte, desde
grandes cidades até em municípios próximos de suas terras. Mesmo que vivam em suas
respectivas aldeias há um convívio contínuo com as sociedades e as culturas urbanas. Essa
proximidade é muitas vezes bastante conflituosa, pois muitos grupos estão com suas terras
quase dentro de cidades. Enfrentando fatores de violência e de descaso político, os
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diferentes povos indígenas estão mantendo muitos dos seus valores, hábitos, simbolismos,
ou seja, revigorando suas próprias culturas.
Um dos elementos culturais para organizar teoricamente os povos indígenas é o
critério lingüístico. Esse critério é importante, pois, na maioria, povos que falam uma
língua semelhante também têm uma proximidade nos valores culturais, explica Silva
(1988). Outra possível forma de compreender os diferentes povos indígenas, ainda com
estudos incipientes, pode ser por meio dos elementos da cultura corporal. O antropólogo
Marcel Mauss (1974) escreveu em 1935 sobre as “técnicas corporais”, valorizando o
movimento corporal como fator de cultura. Para ele o corpo é expressão da cultura,
portanto as técnicas corporais são as maneiras pelas quais os seres humanos, em diferentes
sociedades, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seus corpos.
Nesse sentido, encontra-se literatura, a exemplo do Referencial Curricular
Nacional para Escolas Indígenas (BRASIL, 1998), a expressão “cultura corporal”. Neste
documento a expressão significa um “conjunto de conhecimentos culturalmente produzido
que se refere à movimentação do corpo” (p.321). Em se tratando dos povos indígenas, as
várias formas de danças, jogos, lutas, ginásticas e brincadeiras realizadas em seu contexto
sócio-ambiental e outras expressões, a exemplo do esporte, adquiridas por meio do contato,
são considerados cultura corporal. Há que se ter o cuidado de identificar expressões cujos
significados são próprios ou simbolicamente apropriados, segundo cada grupo étnico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo foi o de elaborar um levantamento sobre as relações
entre cultura e indígena visando fundamentar teoricamente um projeto em andamento no
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica/UCDB. Os teóricos adotados são da
área da educação e da antropologia e contribuíram para que cultura fosse compreendida não
só como hábitos, língua, tecnologia, religião e valores partilhados por um grupo ou povo.
Os argumentos explicitaram que há também a elaboração de símbolos e relações de poder,
as quais podem vir através de determinismos biológicos, geográficos e de relações humanas
que se desenvolvem em diferentes meios.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular Nacional para
Escolas Indígenas (RCNEI), 1998.
Dicionário Virtual. Disponível em: http://www.wikipedia.org.acessoem06/08/07. Acesso
em 15/07/2007.
JUNQUEIRA, Carmen. Antropologia Indígena: uma introdução, história dos povos
indígenas no Brasil. São Paulo: EDUC, 2002. (Série Trilhas).
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 15 ed. – Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2002.
MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
SILVA, Aracy Lopes. Índios. São Paulo: Ed. Ática S.A, 1988.