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O problema de Gettier
Em 1963, o filósofo Edmund Gettier publicou dois contra-exemplos para a teoria
CVJ. O que é um contra-exemplo? É um exemplo que contradiz o que diz uma
teoria geral. Um contra-exemplo contra uma generalização mostra que a
generalização é falsa. A teoria CVJ diz que todos os casos de crença verdadeira
justificada são casos de conhecimento. Gettier pensa que estes dois exemplos
mostram que um indivíduo pode ter uma crença verdadeira justificada mas não
ter conhecimento. Se Gettier tiver razão, então as três condições indicadas pela
teoria CVJ não são suficientes.
Eis um dos exemplos de Gettier. Smith trabalha num escritório. Ele sabe que
alguém será promovido em breve. O patrão, que é uma pessoa em quem se pode
confiar, diz a Smith que Jones será promovido. Smith acabou de contar as moedas
no bolso de Jones, encontrando aí 10 moedas. Smith tem então boas informações
para acreditar na seguinte proposição:
a) Jones será promovido e Jones tem 10 moedas no bolso.
Smith deduz, então, deste enunciado o seguinte:
b) O homem que será promovido tem 10 moedas no bolso.
Suponha-se agora que Jones não receberá a promoção, embora Smith não o saiba.
Em vez disso, será o próprio Smith a ser promovido. E suponha-se que Smith
também tem dez moedas dentro do bolso. Smith acredita em b, e b é verdadeira.
Gettier afirma também que Smith acredita justificadamente em b, dado que a
deduziu de a. Apesar de a ser falsa, Smith tem excelentes razões para pensar que
é verdadeira. Gettier conclui que Smith tem uma crença verdadeira justificada
em b, mas que Smith não sabe que b é verdadeira.
O outro exemplo de Gettier exibe o mesmo padrão. Um sujeito deduz
validamente uma proposição verdadeira a partir de uma proposição que está
muito bem apoiada por informações, embora esta seja falsa, apesar de o sujeito
não o saber. Quero agora descrever um tipo de contra-exemplo à teoria CVJ na
qual o sujeito raciocina não dedutivamente.
O filósofo e matemático britânico Bertrand Russell (1872-1970) refere um relógio
muito fiável que está numa praça. Esta manhã olhas para ele para saber que horas
são. Como resultado ficas a saber que são 9.55. Tens justificações para acreditar
nisso, baseado na suposição correcta de que o relógio tem sido muito fiável no
passado. Mas supõe que o relógio parou há exactamente 24 horas, apesar de tu
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não o saberes. Tens a crença verdadeira justificada de que são 9.55, mas não
sabes que esta é a hora correcta.
Que Têm os Contra-Exemplos em Comum?
Em todos estes casos, o sujeito tem dados para acreditar na proposição em causa
que são altamente credíveis, mas não infalíveis. O patrão está geralmente certo
sobre quem vai ser promovido, o relógio está geralmente certo quanto às horas.
Mas é claro que geralmente não é sempre. As fontes da informação que os
sujeitos exploraram nestes exemplos são altamente credíveis, mas não
são perfeitamente credíveis. Todas as fontes de informação eram susceptíveis de
erro, pelo menos até certo ponto.
Será que estes exemplos refutam realmente a teoria CVJ? Depende de como
entendemos a ideia de justificação. Se dados altamente credíveis são suficientes
para justificar uma crença, então estes contra-exemplos refutam realmente a
teoria CVJ. Mas se a justificação requer dados perfeitamente infalíveis, então
estes exemplos não refutam a teoria.
A minha opinião é de que os dados que justificam uma crença não precisam de
ser infalíveis. Penso que podemos ter crenças racionais bem apoiadas mesmo
quando não nos empenhamos em estar absolutamente certos de que o que
acreditamos é verdadeiro. Assim, concluo que a crença verdadeira justificada
não é suficiente para o conhecimento.”
Elliott Sober
Tradução de Paula Mateus
http://criticanarede.com/fil_conhecimento.html