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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM MUSICOTERAPIA
DESEJO, MOTIVAÇÃO E RESISTÊNCIA NO PROCESSO
MUSICOTERAPÊUTICO
ISABELA MENI COSENZA
RIBEIRÃO PRETO
2004
UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM MUSICOTERAPIA
DESEJO, MOTIVAÇÃO E RESISTÊNCIA NO PROCESSO
MUSICOTERAPÊUTICO
Trabalho de conclusão de curso sob a
orientação do Prof. Renato Tocantins
Sampaio.
ISABELA MENI COSENZA
RIBEIRÃO PRETO
2004
Este trabalho é dedicado a todos aqueles
que direta ou indiretamente colaboraram
para que ele fosse realizado.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por proporcionar-me grandes oportunidades na vida. Por fazer-se
presente nos momentos de maior necessidade e acima de tudo, por dar-me paciência e
tranqüilidade necessárias para lidar com os obstáculos que surgiram no caminho;
Aos meus pais, por sempre me apoiarem, mesmo por algumas vezes sem
entenderem esta profissão. Por terem compreendido meus momentos de ausência, por me
encorajarem a fazer o que eu gosto, a crescer na vida e ir atrás dos meus objetivos. Por
terem me introduzido no mundo maravilhoso da Música. Por nunca terem me negado
conhecimentos, tanto os acadêmicos quanto os de experiência de vida. O resultado deste
curso e o presente trabalho não existiriam se não houvesse o apoio direto e indireto deles.
Serei eternamente grata por tudo;
À minha irmã, que do seu jeito brincalhão e extrovertido sempre me fez dar
boas risadas. Com ela aprendi a ser mais verdadeira e a lutar pelo que quero, sem medo de
errar e de aprender com nossos próprios erros;
Aos meus amigos, que de uma maneira tão especial fizeram e acredito que
sempre farão parte da minha vida. Áqueles que eu já conhecia, e aos que fiquei conhecendo
na Universidade. Com eles dividi as risadas, as brincadeiras, as tristezas, as brigas, os
sucessos e frustrações, as angústias e as situações do dia-a-dia. Lembrarei-me com carinho
de cada um deles;
Ao professor Renato Sampaio, por sua dedicação e paciência e por fazer com
que eu quisesse sempre ir além;
À professora Noemi Lang, pelos esclarecimentos e incentivos durante as aulas e
as supervisões;
À professora Ana Cristina Sampaio, pela ajuda, incentivo e partilha de
experiências;
Ao professor Roger El Khouri, por ter expandido meus conhecimentos e me
ajudado a aplicar melhor a música no contexto terapêutico;
Ao professor Armando Bugalho, por ter aguçado meu desejo de saber mais
sobre a Ciência;
À professora Angela Bataglion, pelo seu trabalho, por sua dedicação, por ter
colaborado com que eu gostasse ainda mais de cuidar do ser humano;
Ao professor Nando Araujo, por ter aguçado meu espírito crítico e questionador;
À minha professora de piano, Isabel Cristina Bortogliero Cinto, que me
acompanhou dos 8 aos 17 anos e ajudou a construir meu conhecimento musical. Pela sua
paciência, amor ao trabalho e sua compreensão durante as aulas e durante nosso convívio;
A todos aqueles que passaram por minhas mãos como pacientes, que me
aceitaram sem ao menos me conhecer. Obrigada pela grande aprendizagem e valiosa
experiência.
“So I say
Thank you for the music, the songs I'm singing
Thanks for all the joy they're bringing
Who can live without it, I ask in all honesty
What would life be?
Without a song or a dance what are we?
So I say thank you for the music
For giving it to me”
(Thank you for the music – ABBA)
“Então eu digo
Obrigado pela música, pelas canções que estou cantando
Obrigado por toda a alegria que elas estão trazendo
Quem pode viver sem isto, eu pergunto com toda honestidade
O que seria a vida?
Sem uma canção ou uma dança, o que somos nós?
Então eu digo obrigado pela música
Por tê-la dado a mim”
(Thank you for the music – ABBA)
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo investigar e relacionar aspectos da motivação
humana com aspectos da resistência no contexto terapêutico, questionando até que ponto a
falta de motivação, tantas vezes apresentada como queixa de muitos pacientes, tem relação
com a resistência deste dentro da terapia, se esta resistência pode ser trabalhada e os
resultados serem refletidos nos aspectos motivacionais do indivíduo. Através de revisão de
literatura e de um exemplo de caso clínico, chegamos em alguns resultados e conclusões.
A primeira é de que a motivação é um estado interno do indivíduo. Segundo
Cecília Bergamini, um dos mitos acerca deste aspecto é que um ser humano não é capaz de
motivar o outro, que cada um possui seus próprios desejos e pulsões, concluindo-se que a
motivação parte do paciente, no caso do processo terapêutico. Alguns autores afirmam que
a motivação depende não só do indivíduo, mas também do ambiente que o cerca.
A segunda conclusão é que resistência é um conceito complexo e que tem
muitas variações. Pode se desenvolver quando há uma tentativa, por parte do paciente, em
desviar os sentimentos de dor provocados por um certo medo ou angústia de mudança, ou
mesmo um sentimento invasivo. Sendo assim, é muito importante que a aliança entre
terapeuta e paciente seja bem estruturada, porque se houver confiança na relação, e se o
paciente tiver confiança nas suas próprias potencialidades, a resistência pode diminuir. Isto
pode alterar, em certos casos, os aspectos motivacionais do paciente. Uma pessoa mais
confiante, principalmente em si mesma, pode ser menos resistente e por isso pode estar
mais segura para enfrentar situações inesperadas e assim estar mais motivada a realizar uma
tarefa que ela julga não ser capaz.
ABSTRACT
The objective of this work is to investigate and relate aspects of the human
motivation with aspects of the resistance in therapeutical context, questioning what’s the
relations of the motivation lack, many times presented as complaint of many patients, with
the resistance of this same patient on therapy, if this resistance can be worked and the
results can be reflected in the motivacional aspects of the individual. Through revision of
literature and one example of a clinical case, we have arrived in some results and
conclusions.
The first one is that the motivation is an internal state of the individual.
According to Cecilia Bergamini, one of the myths about this aspect is that a human being is
not capable to motivate the other one, that each one possesss its proper desires and
pulsions, concluding that the motivation depends on the patient, in the case of the
therapeutical process. Some authors affirm that the motivation not only depends on the
individual, but also on the environment that fences him.
The second conclusion is that resistance is a complex concept and it has many
variations. It can be developed when it has an attempt, on the part of the patient, in
deviating the feelings of pain provoked by a certain fear or anguish of change, or same an
invasive feeling. Being thus, it is very important that the alliance between therapist and
patient is well structuralized, because if the relation can be trusted, and if the patient will
have confidence in its proper potentialities, the resistance can diminish. This can modify, in
certain cases, the motivacional aspects of the patient. A self-confident person can be less
resistant, and for that it can be more confidence to face unexpected situations, and thus to
be more motivated to carry through a task that it judges not to be capable.
SUMÁRIO
Introdução 10
1. Desejo 11
1.1 Definição 11
2. Motivação 13
2.1 Definição 13
2.2 Teorias acerca da motivação 15
2.2.1 Teorias de conteúdo estático 15
2.2.2 Teorias de processo 16
2.2.3 Teorias baseadas no ambiente 17
3. Resistência 19
3.1 Definição 19
3.2 O conceito de resistência para a musicoterapia 19
4. Musicoterapia 21
4.1 Definição 21
4.2 O processo musicoterapêutico 21
4.3 Desejo, motivação e resistência no processo
musicoterapêutico: como trabalhar?
22
4.4 Como intervir 25
5. Caso Clínico 29
5.1 O Caso “V.” 29
Conclusão 34
Referências Bibliográficas 35
10
INTRODUÇÃO
Este tema surgiu através de um atendimento, e também através de algumas
questões pessoais. Muitas vezes durante a experiência clínica, o musicoterapeuta se depara
com um paciente extremamente desmotivado. Algumas causas da desmotivação até podem
ser conhecidas, mas esta mesma desmotivação é também influente no processo
musicoterapêutico. O que fazer quando o paciente não quer ser ativo na sessão?
Nos primeiros capítulos serão abordados alguns conceitos, como o desejo, que
muitas vezes é confundido com a necessidade. Ele é algo mais concreto ou apenas uma
fantasia de nossas mentes? Cada autor explorado conceitua este termo de maneiras
diferentes. Ainda outros conceitos como a motivação e as teorias que a definem, e a
resistência, tão presente em muitos pacientes, são abordados.
Este trabalho ainda visa questionar a relação da falta de motivação do indivíduo
a uma forte resistência. A pessoa precisa ser menos resistente para ter uma maior motivação
em sua vida? No penúltimo capítulo, questões como estas serão discutidas, principalmente
para chegarmos a formas de “vencer” ou “enganar” a resistência dentro do processo
musicoterapêutico.
11
DESEJO
1.1 Definição
O desejo faz parte do comportamento e da vida psíquica humana. Vários autores
já abordaram este campo, através de dinâmicas diferentes. Neste capítulo serão abordados
conceitos de três autores.
Na dinâmica freudiana, o desejo é um dos pólos do conflito defensivo. Tende a
realizar-se, estabelecendo sinais ligados às primeiras vivências de satisfação (FREUD cf
LAPLANCHE, 1999). Na doutrina freudiana, o conceito de desejo, como tantos outros
conceitos, é tão fundamental em qualquer concepção do ser humano que não pode ser
limitado (LAPLANCHE, 1999), ou seja, o desejo é muito amplo e complexo e ao mesmo
tempo tão intrínseco ao ser humano que torna-se muitas vezes difícil conceituá-lo.
Freud (cf LAPLANCHE, 1999) diferencia o desejo da necessidade. Esta última
nasce de uma tensão interna e encontra sua satisfação pela ação específica que fornece o
objeto adequado, ou seja, entende-se que necessidade é um estado de tensão interna do
indivíduo, que visa um objetivo, e que para se obter a satisfação é necessária uma ação
específica a esta necessidade. Partindo para o conceito do desejo, Freud postula que:
(...) a imagem mnésica de uma certa percepção se conserva associada ao traço
mnésico da excitação resultante da necessidade. Logo que esta necessidade
aparecer de novo, produzir-se-á, graças à ligação que foi estabelecida, uma
moção psíquica que procurará reinvestir a imagem mnésica desta percepção e
mesmo invocar esta percepção, isto é, restabelecer a situação da primeira
satisfação: a essa moção é que chamaremos desejo; o reaparecimento da
percepção é a ‘realização de desejo’ (FREUD apud LAPLANCHE, 1999, p.
114).
Tendo como base este conceito de desejo, entende-se que ele é mais complexo e
menos diretivo do que a necessidade. Ele é resultado de ligações de imagens e traços
mnésicos, que foram memorizados pelo indivíduo. Quando a imagem mnésica de alguma
percepção é associada ao traço mnésico que foi causado pela excitação da necessidade, é
estabelecida uma ligação, uma moção psíquica que trará de volta à mente do indivíduo
12
estes traços e imagens sempre que uma nova necessidade for detectada. Assim o desejo
acaba por ser realizado, todas as vezes em que a percepção reaparece, e isto se dá como
num ciclo. Sinteticamente, armazenamos, em nossa memória, imagens das percepções que
temos. Toda necessidade também causa excitações, que também são armazenadas em
forma de traços. O desejo é a moção psíquica que liga as imagens da percepção com os
traços da necessidade.
Lacan (cf LAPLANCHE, 1999) também distingue desejo de necessidade e
também de demanda, conceitos com os quais o desejo é confundido. Segundo Lacan, a
necessidade tem um objetivo específico e satisfaz-se com ele. A demanda é formada, e
mesmo incidindo sobre um objeto, este não é essencial para ela. O desejo nasce da
defasagem entre a necessidade e a demanda, ocorre em um campo fantasioso. Ele não pode
ser irredutível à necessidade porque não se relaciona com o objeto real, nem irredutível à
demanda porque “procura impor-se sem levar em conta a linguagem e o inconsciente do
outro (...)” (LACAN cf LAPLANCHE, 1999, p. 114.).
Entende-se, com a diferenciação de Lacan, que o desejo não depende da
necessidade nem da demanda, mas os completa.
Suely Rolnik define desejo como “atração que nos leva a certos universos e
repulsa que nos afasta de outros, sem que saibamos exatamente porquê; formas de
expressão que criamos para dar corpo aos estados sensíveis que tais conexões e
desconexões vão produzindo na subjetividade.” (ROLNIK apud SAMPAIO, 2002 p. 47).
Para Rolnik (cf SAMPAIO, 2002), o desejo está associado ao ato criativo e sua
realização depende de uma ordem social que pode facilitar esta realização ou ainda impedir
que ela aconteça.
Alguns conceitos como a necessidade ainda serão discutidos no próximo
capítulo, dentro do processo da motivação. Também será utilizada a conceituação de Rolnik
para explorarmos outros aspectos do desejo.
13
MOTIVAÇÃO
2.1 Definição
A motivação é uma das facetas do comportamento humano difícil de ser prevista
e classificada. Existem várias teorias sobre este conceito, seu processo e como ele afeta e
atua no comportamento do ser humano.
Segundo Soto (2002), a motivação é um processo cíclico que consta de três
aspectos: 1) uma necessidade, todo comportamento humano é decorrente de uma
necessidade de cobrir uma “deficiência”, por isso é considerada um elemento subjetivo. 2)
logo após há uma resposta ou conduta da pessoa, que está em função de sua motivação e é
considerada pelo autor a manifestação das atitudes dela. 3) O incentivo, meta ou a
finalidade, considerado elemento objetivo, é o processo de busca de objetivos dirigidos a
eliminar a insatisfação, satisfazendo assim, a necessidade. Ainda, seguindo as idéias do
autor: “A distinção entre necessidade e incentivo é a chave para explicar e entender a
conduta [da pessoa]” (SOTO, 2002, p. 119).
Lopes afirma que o homem quer tornar agradáveis as condições e o ambiente de
trabalho porque busca o prazer e o conforto, segundo as teorias hedonistas. Já para os
idealistas, a virtude e o saber constituem a motivação. Dessa maneira é preciso que as
organizações tenham ética e justiça, reconhecimento do trabalho bem executado, respeito e
progressão (LOPES, 1980).Várias teorias tentam explicar o fator da motivação tendo como
base enfoques diferenciados, como os hedonistas e os idealistas, mas isto será tratado no
próximo item deste capítulo.
O mesmo autor define a motivação desta maneira: “Um motivo é um estado
interno que dá energia, torna ativo ou move (daí motivação) e que dirige ou canaliza o
comportamento em direção a objetivos.” (LOPES, 1980, p. 3). Soto segue a mesma linha de
causa-efeito, mas elabora um pouco mais sua definição tendo como base aspectos
fisiológicos:
A motivação é a pressão interna surgida de uma necessidade, também interna,
que excitando (via eletroquímica) as estruturas nervosas, origina um estado
14
energizador que impulsiona o organismo à atividade iniciando, guiando e
mantendo a conduta até que alguma meta (objetivo, incentivo) seja conseguida ou
a resposta bloqueada (SOTO, 2002, p.118).
Bergamini diferencia e pontua a diferença entre necessidade e o fator que
satisfaz a necessidade. Segundo ela, “a água é um fator de satisfação de uma necessidade
denominada sede; todavia, sempre que a sede é sentida, há uma tendência de encarar a água
como a necessidade, em lugar da sede em sim mesma.” (BERGAMINI e CODA, 1997, p.
24). Ainda seguindo esta idéia, a necessidade que atuará sobre o intelecto da pessoa, é o
motivador, é o que faz a pessoa agir. Quando os fatores de satisfação da necessidade são
interpretados como sendo a própria necessidade, fica fácil afirmar que as necessidades têm
origem no meio ambiente.
Com essas afirmações, cai o mito de que uma pessoa é capaz de motivar a
outra, Segundo Bergamini, isto é falso. O que se pode fazer é satisfazer ou contra-satisfazer
as necessidades de outra pessoa. Pode-se oferecer água, comida, ou ainda negar esses
fatores, mas isto é satisfação ou contra-satisfação, respectivamente, e não motivação
(BERGAMINI e CODA, 1997).
Sigmund Freud foi quem primeiro descreveu a natureza da motivação no
contexto das necessidades humanas, descrevendo uma necessidade como um estímulo que
ataca, não de fora, mas de dentro do organismo. Não é um impacto momentâneo, mas uma
força resistente. Sendo assim, a satisfação é o que põe de lado a necessidade (cf
BERGAMINI e CODA, 1997).
Em suma, vários autores reconhecem que a motivação e as necessidades são
intrínsecas a cada indivíduo, e não dependem sempre do ambiente, considerando-se as
diferenciações de Bergamini a respeito das necessidades e dos fatores de satisfação das
necessidades. Cabe aqui também a questão da perseverança do indivíduo. Ele precisa
querer mudar e manter-se perseverante em suas escolhas.
15
2.2 Teorias acerca da motivação
Bowditch e Buono (2002) classificam as teorias acerca da motivação a partir de
três principais áreas de interesse:
1. O que energiza o comportamento humano?
2. O que dirige esse comportamento?
3. Como certos comportamentos podem ser sustentados ou mantidos ao longo
do tempo?
Devido a estas áreas de interesse, classificaram as teorias da motivação em
teorias de conteúdo estático, teorias de processo e teorias baseadas no ambiente. Neste
capítulo serão abordadas apenas as mais relevantes ao tema, dentro de cada classificação.
2.2.1 Teorias de conteúdo estático
As teorias de conteúdo estático, segundo Bowditch e Buono (2002) tratam dos
conteúdos que energizam o comportamento humano. Não prevêem o comportamento, mas
ajudam na sua compreensão. Aqui serão apresentadas apenas algumas delas.
Na Hierarquia das necessidades, Maslow (cf BOWDITCH e BUONO, 2002)
classificou as necessidades humanas em cinco níveis distintos, sendo que o indivíduo só
passa para o nível superior se as necessidades do nível inferior estão satisfeitas. Na parte
basal da pirâmide ficam as necessidades fisiológicas, seguidas das necessidades de
segurança, as necessidades sociais, necessidades de ego e auto-estima e por fim, no topo da
pirâmide, as necessidades de realização pessoal. Bowditch e Buono destacam que Maslow
classificou as necessidades desta forma através de uma perspectiva humanística, onde há
reconhecimento das necessidades individuais de cada pessoa. Conclusões acerca desta
teoria de Maslow apontam que, havendo reconhecimento das necessidades como
individuais, não se pode motivar todas as pessoas da mesma forma, e que cada indivíduo
pode encontrar-se em níveis diferentes das necessidades, ou estar em vários ao mesmo
tempo.
16
Na Teoria ERC, C. P. Alderfer (cf BOWDITCH e BUONO, 2002) tentou
diminuir os níveis da hierarquia de Maslow, encontrando três níveis de necessidades: as de
existência, de relacionamento e de crescimento, que são, as primeiras, necessidades básicas,
as segundas, de interação social, estima e reconhecimento, e as terceiras, de
desenvolvimento de potencial próprio e satisfação do ego. Alderfer notou que podia haver
progressão de um estágio para outro, e até uma sobreposição entre eles. Notou também que
as pessoas poderiam passar para o próximo estágio sem ter concluído todas as necessidades
do anterior.
Há ainda a Teoria das Necessidades Socialmente Adquiridas de McClelland
(cf BOWDITCH e BUONO, 2002), que identificou três necessidades básicas que as
pessoas desenvolvem: realização, poder e afiliação. Esta teoria propõe que cada pessoa é
influenciada em momentos diferentes por essas três necessidades, e que elas variam de
acordo com a experiência de vida do indivíduo. Salvo assim, alguns indivídos têm maior
necessidade de conquistar poder sobre outras pessoas, enquanto outros são motivados pela
necessidade de afiliação (necessidades sociais). A teoria de McClelland sugere que a
motivação é mutável e variável, mesmo na idade adulta.
Finalizando, a Teoria da Motivação-Higiene de Herzberg (cf BOWDITCH e
BUONO, 2002) sugere duas dimensões não relacionadas: a primeira são os aspectos e
atividades que impedem a insatisfação, mas não impulsionam o indivíduo a crescer, e a
segunda são os aspectos e atividades que encorajam o crescimento do indivíduo. A proposta
de Herzberg é que as duas dimensões sejam incorporadas simultaneamente no ambiente de
trabalho.
2.2.2 Teorias de processo
Bowditch e Buono (2002) afirmam que as teorias de processo da motivação nos
alertam para o fato de que as pessoas variam no modo como reagem, que muitas
necessidades podem estar em ação simultaneamente e que outros fatores além nas
17
necessidades insatisfeitas podem influenciar na motivação, e conseqüentemente, no
comportamento das pessoas.
Na Teoria das Expectativas, Vroom (cf BOWDITCH e BUONO, 2002)
distingue três componentes: esforço, desempenho e resultado. Quanto maior for o esforço
da pessoa, melhor seu desempenho (expectativa); quanto melhor seu desempenho, maiores
os resultados ou a recompensa (instrumentalidade) e como último aspecto ele pontua que o
valor da recompensa é diferente para cada indivíduo (valência). Este modelo tenta predizer
como o indivíduo se comportará em determinada situação.
A Teoria da Motivação pelo Caminho-Meta e a Teoria do Estabelecimento
de Metas são muito similares à teoria das expectativas. A primeira, proposta por House (cf
BOWDITCH e BUONO, 2002), traz a idéia de que as pessoas fazem suas opções tomando
por base a utilidade da recompensa para si próprias. Como sugere a teoria das expectativas,
elas só serão motivadas a produzir quando perceberem que seus esforços farão com que
obtenham recompensas desejadas. A Segunda teoria tem como premissa básica que as
metas de uma pessoa são determinantes da motivação relacionada à tarefa que será por ela
executada, visto que, segundo Locke (cf BOWDITCH e BUONO, 2002), as metas dirigem
nossos pensamentos e ações. “Todavia, nem todas as metas levam necessariamente ao
desempenho, visto que uma certa meta pode entrar em conflito com outras que a pessoa
possa ter, ou pode ser percebida como inadequada para aquela situação em particular”
(LOCKE cf BOWDITCH e BUONO, 1992, p. 48).
2.2.3 Teorias baseadas no ambiente
Segundo Bowditch e Buono (2002), essas teorias “vêem a motivação como um
variável interventora e dependente” (BOWDITCH e BUONO, 1992, p. 49). O enfoque será
nas antecedentes das variáves às quais o comportamento motivado é atribuído.
Na Teoria do Condicionamento e Reforço Operantes, segundo a teoria de
Skinner, “o comportamento ou a motivação de um indivíduo é uma função da
18
conseqüências daquele comportamento” (SKINNER apud BOWDITCH e BUONO, 1992,
p. 49). Ainda com a idéia de Skinner, se alguém quer manter um certo comportamento,
deverá reforçá-lo, oferecendo recompensas, ou seja, manipulando as conseqüências do
comportamento. Tanto o reforço positivo (recompensas) quanto o reforço negativo
(punições) podem moldar o comportamento. “Como esta escola supõe que todo
comportamento tem uma base condicionadora operante, a motivação fica reduzida a
identificar as necessidades e oferecer as recompensas apropriadas” (BOWDITCH e
BUONO, 1992, p.49).
19
RESISTÊNCIA
3.1 Definição
Quem descobriu e conceituou a resistência foi Freud, que primeiramente a
designou como “(...) uma atitude de oposição às suas descobertas na medida em que elas
revelavam os desejos inconscientes e infligiam ao homem um ‘vexame psicológico’”
(FREUD cf LAPLANCHE, 1999, p. 458).
Sendo assim, entende-se a resistência como algo que atravanca o processo
terapêutico, psicanaliticamente falando. Freud descobriu este aspecto quando encontrou
uma resistência maciça em certos pacientes, sendo que esta não podia ser superada nem
interpretada, e foi isso que fez com que Freud renunciasse à hipnose e à sugestão
(LAPLANCHE, 1999).
Para “enganar” essa resistência encontrada, Freud criou a regra da associação
livre, que “visa em primeiro lugar eliminar a seleção voluntária dos pensamentos (...), pôr
em evidência uma ordem determinada do inconsciente” (FREUD cf LAPLANCHE, 1999,
p. 39).
A partir deste ponto, após a definição freudiana serão expostas algumas
pontuações de vários musicoterapeutas sobre o conceito de resistência na musicoterapia,
que é um dos objetivos deste trabalho.
3.2 O conceito de resistência para a musicoterapia
A musicoterapeuta Pamela Steele pontua que “(...) o conceito de resistência em
terapia não implica em que o terapeuta tenha um plano com o qual o paciente se recusa a
cooperar; isto não estaria de acordo com a flexibilidade da resposta do terapeuta dentro do
ambiente musical” (STEELE, 1999, p. 42).
20
Muitas vezes, o que pode parecer uma falta de colaboração do paciente, é uma
grande resistência. Steele (1999) também faz uma metáfora musical à resistência, dizendo
que a relação entre paciente e terapeuta pode ser consonante ou dissonante, sendo que a
dissonância é resultante da resistência.
E como a musicoterapia também lida com aspectos não verbais, eis uma
colocação de Janice Dvorkin:
A resistência do paciente em expressar-se através da música é vista como uma
defesa contra trazer os sentimentos inconscientes e pensamentos do consciente por
meio da própria música. Este mesmo comportamento pode ser visto como uma
demonstração de medo, do paciente para o terapeuta, tanto de perder o controle
quanto de risco de ameaça do seu sentido de self. (DVORKIN, 1999, p. 60)
Priestley (1994) conecta alguns pensamentos de Freud com música e
resistência. Cita o resistance vacuum (vácuo de resistência), que é um espaço psíquico
ocupado por uma ligação entre emoção e pensamento, dentro de uma experiência musical.
Neste vácuo, esta resistência tenta ligar a emoção expressa na música ao pensamento.
Paul Nordoff e Clive Robbins (1977) relacionam a resistência ao nível de
participação do paciente na sessão, que pode ser diferente. Afirmam também que o caráter
resistente do paciente muda com o nível de relacionamento entre ele e o terapeuta.
Dentre todos os conceitos apresentados, a resistência aparece ainda como algo a
ser trabalhado no processo musicoterapêutico, pois segundo Aigen, “(...) resistência não é
alguma coisa destrutiva ou negativa; mas é, de fato, uma função essencial” (AIGEN, 1999,
p. 72). Como pode ser uma função essencial? Vista por todas estas perspectivas, a
resistência é uma forma de proteção. Se não houvesse resistência, o indivíduo não teria
consciência de suas dores, dos pontos emotivos que o tocam e/ou incomodam. Assim, a
resistência é importante tanto para o terapeuta, para que ele identifique o que emociona e
incomoda seu paciente, sobretudo para este último, como uma forma de proteção.
21
MUSICOTERAPIA
4.1 Definição
Dentre várias definições de musicoterapia, a mais pertinente ao tema deste
trabalho é a definição da World Federation of Music Therapy:
Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo,
melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo, em um
processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a
aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional,
mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais e desenvolver ou recuperar
funções do indivíduo de forma que ele possa alcançar melhor integração intra e
interpessoal e conseqüentemente uma melhor qualidade de vida. (apud BRUSCIA,
2000, p. 286).
Sendo assim, entende-se que a musicoterapia é um processo que engloba e pode
promover, através da música e de seus elementos, várias áreas que são muito importantes
para o ser humano, principalmente a comunicação e o relacionamento.
Neste trabalho serão destacadas estas duas últimas áreas, por motivo de
relevância ao tema apresentado.
2.3 O processo musicoterapêutico
O que seria um processo musicoterapêutico? Ele pode ser sistematizado? Qual a
diferença de processo e intervenção?
A primeira coisa a ser destacada por Bruscia (2002) em relação ao processo
musicoterapêutico, é o elemento tempo. A musicoterapia é “uma série de interações que
levam a uma relação cliente-terapeuta e não um único encontro interpessoal; uma
progressão por etapas de engajamentos musicais e não uma experiência musical isolada”
(BRUSCIA, 2000, p. 35).
22
Bruscia (2002) ainda destaca que a musicoterapia é um processo evolutivo e não
momentâneo. Por estas razões ele classifica sistematicamente os tipos de processo como
desenvolvimentista, educacional, interpessoal, criativo e científico. Entretanto, tais
classificações não serão detalhadas porque não é necessário a este trabalho.
2.4 Desejo, motivação e resistência no processo musicoterapêutico: como trabalhar?
Qual é a ligação de todos estes conceitos com a musicoterapia? Freqüentemente
aparecem em clínicas, hospitais, instituições e outros pacientes com um alto grau de
desmotivação.
À primeira vista, cabe ao terapeuta uma investigação do histórico deste paciente.
Muitos pacientes costumam apresentar desmotivação. Alguns não têm vontade nem de
cuidar da higiene pessoal e preferem ficar deitados, dormindo durante muitas horas. Na
sessão de musicoterapia, muitas vezes não querem conversar, ouvir uma música ou sequer
tocar um instrumento. É o caso de muitos pacientes depressivos. A este ponto, questiona-
se: aonde estão os desejos e a motivação deste indivíduo?
Voltando à definição de desejo de Rolnik (cf SAMPAIO, 2002), os desejos
dependem de uma ordem social, ou seja, muitas vezes este paciente foi tão frustrado em
várias tentativas de alcançar algum objetivo, que em certo ponto, ele desiste. Pode
acontecer uma cadeia de reações a um indivíduo que é mais suscetível a isso. Por exemplo,
se um desempregado ouvir um “não” inúmeras vezes, em certo ponto ele pode ficar tão
frustrado que dificilmente se sentirá motivado a procurar outro emprego, e isto traz uma
cadeia de reações que também podem afetar a auto-estima desta pessoa, e por
conseqüência, o seu relacionamento inter e intrapessoal. Em casos mais severos, pode
ocorrer até uma despersonalização, uma “anulação” de identidade, no sentido em que esta
pessoa nem conhece mais seus desejos e necessidades.
Todos estes aspectos podem converter-se em uma resistência no processo
musicoterapêutico. O indivíduo sem desejos não sabe o que quer nem na terapia. Os
23
pacientes resistem de várias formas diferentes: verbalizando ao extremo, “fugindo” do
assunto proposto, não querendo ouvir música nem tocar instrumentos, falando sempre do
mesmo assunto, de uma forma cíclica.
Tendo isto como base, por que os pacientes resistem?
É provável que eles resistem porque têm medo. Medo de perder o controle de
seu próprio self, segundo Dvorkin (1999), medo da mudança que pode ocorrer, medo de
entrar em contato com sentimentos que são dolorosos, sofridos... Afinal, a resistência é uma
proteção, como foi pontuado anteriormente. Às vezes é mais fácil resistir à mudança do que
se adaptar a outro funcionamento psíquico, a outra forma de agir diante dos problemas.
Muitas vezes aparece o medo do desconhecido. O indivíduo tem medo de ir para
um lugar que lhe é desconhecido, isto para ele pode ser angustiante. Como por exemplo,
uma criança que nunca saiu de casa sozinha, de repente perceber-se em uma situação onde
ela terá que sair, e terá que se adaptar ao meio. Isto pode ser muito angustiante para um
paciente dentro da terapia, pois ele não sabe o que pode encontrar ou o que pode emergir de
um processo terapêutico. Ele pode então resistir, porque pode ter medo de não saber lidar
com estes conteúdos que emergem da terapia.
A questão se volta para os terapeutas: como agir diante desta resistência? É
possível vencê-la?
Várias abordagens em musicoterapia têm um modo diferente de trabalhar.
Nordoff e Robbins (1977) acreditam na criatividade para trabalhar a resistência, sobretudo
das crianças. Algumas vezes, basta alguma “manobra” do terapeuta, como mudar de música
sutilmente, ou tentar outra tática, isto vai depender da capacidade do terapeuta em ser
criativo e encontrar outra forma de apresentar sua proposta ao paciente. Outros estados de
resistência podem precisar de muitas sessões de trabalho, em outras áreas de contato sem
ser a área da própria resistência. Isto é muito importante para o trabalho terapêutico, pois
muitas vezes em que se tenta combater diretamente a resistência, como Freud tentou no
caso da histeria, podemos nos deparar com outra ainda maior.
24
Segundo Barcellos, o método GIM criado por Helen Bonny, a resistência
também pode se apresentar. O método GIM consiste no trabalho com audição musical e as
imagens que as músicas suscitam na mente das pessoas. A resistência neste método pode
aparecer quando o paciente resiste a relaxar e relata que não vieram imagens à sua mente.
Cabe ao terapêuta reconhecer este fenômeno e perceber se este paciente está apto a este
trabalho, o terapeuta também deve se utilizar de instrumentos e outras intervenções para o
avanço do paciente no processo. (BARCELLOS, 1999, p. 119)
Afinal, o que pode vir em primeiro lugar para o trabalho da resistência em
musicoterapia?
Bruscia (2002) fala sobre a empatia, que é a “capacidade de compreender ou de
se identificar com o que outra pessoa está vivendo” (BRUSCIA, 2002, p. 66). Para ele, a
música é um meio de empatia, pois quando duas pessoas tocam ou cantam algo juntas,
compartilham a mesma melodia, ritmo, centro tonal e etc. Ainda segundo Bruscia, a
empatia se dá por meio de uma identificação do paciente com o terapeuta Com as palavras
de Barcellos: “A música, ao meu ver, nos induz a partilhar com o outro momentos nos
quais, em outras condições, ficaríamos sozinhos, isolados” (BARCELLOS, 1992, p. 9).
Algo que Etchegoyen (1987) engloba dentro de sua descrição de aliança
terapêutica, que é algo complexo e tem como um de vários aspectos a dissociação
terapêutica do ego:
(...) se deve a uma identificação com o analista, cujo protótipo é o processo de
formação do superego. Essa identificação é fruto da experiência da análise, no
sentido de que, frente aos conflitos do paciente, o analista reage com uma atitude
de observação e reflexão. Identificado com esta atitude, o paciente adquire
capacidade de observar e criticar seu próprio funcionamento (...)
(ETCHEGOYEN, 1987, p. 125-126).
A partir da identificação pode estabelecer-se confiança, ou seja, o paciente pode
passar a confiar no terapeuta. Podemos assim observar, que tanto no meio musical como no
meio psicanalítico, é necessária uma identificação. Se isto não acontecer, o trabalho do
terapeuta ficará mais difícil, pois o paciente pode tornar-se resistente.
25
Ainda sobre as atitudes do terapeuta, Patrícia Pellizzari reforça o aspecto da
escuta do terapeuta, que deve ser usada como meio e como fim: “Como meio porque a
partir dela o musicoterapeuta pode entrar no inconsciente do paciente e como fim, porque a
escuta do musicoterapeuta metaforiza a da própria voz interior do paciente” (PELLIZZARI,
1993, p.15).
Assim sendo, o terapeuta deve estar atento às manifestações do paciente, tanto
verbais quanto musicais, para saber a hora de intervir, de detectar e tentar dissolver, de um
modo não diretivo, a resistência apresentada.
4.4 Como intervir
O terapeuta não pode basear-se apenas na escuta. É um recurso importante, mas
não suficiente. Ele também precisa intervir, mas como acontecem as intervenções em
musicoterapia?
Este é um aspecto que traz muita polêmica à musicoterapia. Afinal, o terapeuta
pode usar recursos verbais com o paciente? O paciente pode conversar, ou ele tem que tocar
algum instrumento ou ouvir alguma música? Para respondermos a estas questões, devemos
nos basear no que Bruscia afirma sobre música como terapia e música na terapia:
Na música como terapia, a música exerce uma influência direta sobre o cliente e
sua saúde e serve como um agente primário na mudança terapêutica (...). Na
música na terapia, a música é usada não somente por suas próprias propriedades
curativas, mas também para intensificar os efeitos da relação cliente-terapeuta ou
de outras modalidadesde tratamento (por exemplo, argumentação verbal)
(BRUSCIA, 2000, p. 43).
Em suma, o que Bruscia coloca é que a música pode ser tanto um agente
primário como um secundário, ou seja, o processo musicoterapêutico pode ocorrer na
música ou com o auxílio da música. Um exemplo de música como terapia é o trabalho
desenvolvido por Paul Nordoff e Clive Robbins.
26
Seria importante, nesta parte do trabalho citar um pensamento de Jung: “na
Psicoterapia de hoje exige-se, às vezes, que o médico ou psicoterapeuta ‘siga’, por assim
dizer, o doente e as suas emoções. Não creio que esse seja o melhor caminho. Às vezes é
necessário que o médico intervenha ativamente” (JUNG apud BARCELLOS, 1992)
Entende-se que o papel do terapeuta é ajudar o paciente, e por isso às vezes é
necessário intervir. Se não ocorre intervenção quando necessário, o paciente pode repetir
padrões de comportamento, muitas vezes até agravando sua doença.
Barcellos (1992) classificou as intervenções em musicoterapia em verbais,
paraverbais/musicais, musicais propriamente ditas e corporais.
As intervenções verbais podem ser divididas em faladas ou cantadas. Quando
cantadas, através de músicas existentes ou improvisação de letras. As principais formas de
intervenção
- Interrogar: quando se pergunta algo ao paciente;
- Informar: quando o terapeuta fornece informações que julga serem necessárias;
- Confirmar: retificar conceitos do paciente sobre situações que ele solicite ou o terapeuta
julgue necessário;
- Clarificar: esclarecer alguma situação ao paciente;
- Recapitular: resumir pontos essenciais de cada sessão ou do processo;
- Assinalar: sinalizar relações entre os aspectos do paciente;
- Interpretar: o significado do comportamento e algumas situações apresentadas;
- Indicar: alguns comportamentos com caráter de prescrição;
- Sugerir: atitudes e mudanças
27
- Meta-intervenções: comentar o significado de ter recorrido a acontecimentos e sessões
anteriores;
- Outras intervenções: mudanças no contrato terapêutico, etc.. (BARCELLOS, 1992).
Os outros tipos de intervenções serão brevemente esclarecidas e não
aprofundadas, pois não são o foco de estudo deste trabalho.
Ainda seguindo as idéias de Barcellos (1992), as intervenções
paraverbais/musicais incluem mímica verbal, variações na forma de emissão e no tom de
voz, intensidade e inflexões rítmico-sonoras da fala. As intervenções musicais
propriamente ditas podem ser sonoras, rítmicas, melódicas e harmônicas, e as corporais
incluem gestos, posturas e olhares (BARCELLOS, 1992).
A aplicação das intervenções verbais na musicoterapia são muito discutidas.
Mas o processo musicoterapêutico precisa ter a música como agente principal? Por que a
música não pode exercer um papel de agente facilitador? A afirmação de Bruscia sobre
música na terapia é muito pertinente a este tema, pois ela não precisa ser necessariamente o
agente primário do processo musicoterapêutico.
As intervenções verbais cantadas podem ser um meio facilitador para trabalhar a
resistência, principalmente com o uso de canções populares. Para um paciente resistente, o
musicoterapeuta pode, inocentemente, propor que ele cante ou diga o nome de uma canção
que lhe vem à mente, e na maioria das vezes o paciente concorda, porque a canção expõe e
ao mesmo tempo não expõe os conteúdos internos e as emoções do paciente. A canção
popular é dialética.
Segundo Millecco, Brandão e Millecco (2001), os autores de canções populares
“emprestam” suas canções, que interagem com o mundo de cada um, ou seja, as canções
que o paciente canta são e ao mesmo tempo não são dele: são dele porque “quando uma
pessoa canta, no setting musicoterapêutico, ele ou ela não reproduz simplesmente a canção,
mas se apropria dela” (CHAGAS, 1998, p. 122), e também não são dele por questões
práticas: não foi ele quem a compôs, nem as palavras e nem as melodias, por isso este
28
processo se torna fácil. Muitas vezes, somente depois de cantar a canção, o paciente toma
consciência do que ela significa para ele. Muitas vezes são necessárias intervenções verbais
do musicoterapeuta, como assinalar as partes da canção que têm alguma relação com a
personalidade, o momento ou situação vivida pelo paciente.
Nem sempre o paciente precisa participar ativamente do canto. Ele pode
escolher uma canção e o musicoterapeuta pode cantá-la ou até acompanhá-lo em seu canto.
Luiz Tatit relaciona a canção com a linguagem falada quando coloca que o
cancionista é “um gesticulador que manobra sua oralidade, e cativa, melodicamente, a
confiança do ouvinte” (TATIT apud MILLECCO, BRANDÃO e MILLECCO, 2001, p.
83).
Sendo assim, a canção pode ser comparada à regra de associação livre de
Freud. A canção na musicoterapia “engana” a resistência do paciente, que pensa que apenas
vai cantar uma canção. O que muitas vezes ele desconhece, é que esta canção vem a partir
de associações de seu inconsciente.
Depois de estabelecida a confiança, a aliança terapêutica e trabalhada a
resistência do paciente, este sente-se mais confortável no processo, e o processo
musicoterapêutico passa a promover mudanças. O paciente que antes se sentia desmotivado
e que não sabia mais quais eram os seus desejos provavelmente resistia por medo,
insegurança ou angústia, por não saber com o que teria que lidar. Com o tempo do processo
o paciente adquire confiança na relação com o terapeuta, deixa um pouco de lado a
resistência e se abre ao processo e às mudanças, e isto pode ser um fator que irá refletir-se
nos aspectos motivacionais e no desejo dele.
29
CASO CLÍNICO
Este capítulo ilustrará este trabalho com um exemplo de um caso clínico.
5.1 O Caso “V.”
V, sexo feminino, 54 anos de idade, casada há 35 anos, com o diagnóstico de
depressão, começou seu tratamento comigo em março de 2004.
Suas maiores queixas eram a grande desmotivação e vontade de dormir, que não
a deixava fazer as coisas que gostava.
V. teve três filhos, dois faleceram logo após o parto por problemas congênitos.
O terceiro filho morreu aos 18 anos, com a hipótese de suicídio. V. não acredita que foi
sucídio. Desde então o quadro depressivo instalou-se. Hoje V. mora com seu marido e com
o quarto filho, que é adotivo.
V. queixou-se muito do marido. Disse-me que ele era ciumento e controlador, e
que durante todo seu tempo de casamento foi passiva, anulou seus gostos, desejos e
sentimentos para realizar os dele. V. fala do marido com muita raiva.
V. já planejou muitas vezes seu suicídio. Tentou por duas vezes matar seu
marido, uma atirando-lhe uma faca e outra envenenando sua cerveja, mas ficou com
remorso e retirou o copo da mão dele. Dizia-me que somente quando o matasse seria
realmente feliz, seria verdadeiramente ela, apresentando assim, um funcionamento muito
fantasioso.
Os primeiros contatos com esta paciente foram “frios”. Foi aplicado
primeiramente o teste do perfil psicomusical elaborado pela musicoterapeuta francesa
Verdeaux-Paillès, e percebi que V. não estava gostando do teste, mas que continuava com
ele somente para me agradar. Deixou bem claro para mim, na entrevista inicial, que é
viciada em analgésicos: “Não gosto de sentir dor”, e esclareceu também suas relações com
a música. Disse que prefere ouvir a tocar. Fez aulas de piano e violão, mas não continuou,
porque não gosta de tocar.
30
Em todas as sessões, V. verbalizava muito, e todas as vezes em que eu
perguntava se ela gostaria de ouvir alguma música, ela dizia que não se lembrava de
nenhuma no momento, e eu respeitava sua resistência. Durante várias sessões eu continuei
perguntando, até que um dia ela quis ouvir “Fascinação”, da Elis Regina. Peguei o violão e
comecei a cantar, pedi para que me ajudasse e ela comentou que não lembrava a letra. Eu
disse a ela que tudo bem, que eu cantaria a música para ela. Comecei a cantar e V.
acompanhou me, com uma voz fraca e bem afinada:
“Os sonhos mais lindos sonhei
De quimeras mil, um castelo ergui
E no seu olhar, tonto de emoção
Com sofreguidão mil venturas previ
O teu corpo é luz, sedução
Poema divino cheio de esplendor
Teu sorriso prende, inebria entontece
És fascinação, amor”.
Destaco aqui a importância da ordem social no desejo pontuada por Rolnik. A
terapeuta apoiou o canto da paciente, e por isso esta sentiu-se mais segura ao cantar.
Transcorreram-se várias sessões, e eu percebia que seria difícil levá-la aos
instrumentos, por isso decidi trabalhar com canções populares. V. sempre se mostrava
muito tímida ao cantar, e disse para mim que nunca gostou de ser o alvo das atenções. Ao
mesmo tempo, em seu discurso, ela me dizia que sentia culpa pelo suicídio do filho, por
não ter conseguido resolver um problema entre ele e o pai. Tendo como base essas
informações, pensei em dedicar uma música a ela em uma sessão.
Como eu sabia que ela gostava do timbre do piano, sentei-me ao teclado da sala,
ajustei o timbre para o piano e toquei “Alguém cantando”, de Caetano Veloso:
31
“Alguém cantando longe daqui, alguém cantando longe, longe
Alguém cantando muito, alguém cantando bem, alguém cantando é bom de se ouvir
Alguém cantando alguma canção, a voz de alguém nessa imensidão
A voz de alguém que canta, a voz de um certo alguém
Que canta como que pra ninguém
A voz de alguém quando vem do coração
De quem mantém toda pureza da natureza
Onde não há pecado nem perdão”
Ao terminar a música, o silêncio de V. permaneceu durante um tempo. Depois
ela comentou: “Só não vou chorar porque não quero te deixar triste”. Isto eu considerei
como uma pequena resistência que ela manifestou para não entrar realmente em contato
com os próprios sentimentos. A partir desta sessão, V. começou a cantar e lembrar mais
músicas.
Em uma outra sessão, V. trouxe um álbum de fotografias e comentava que
sentia como se não tivesse mais identidade, pois não tinha mais motivação nem para fazer
os trabalhos manuais que fazia. “Antigamente, eu levava um dia para fazer um tapete de
crochê”. Pedi então para que ela escolhesse uma foto, V. escolheu uma na qual ela estava
sozinha. Pedi para que ela olhando para aquela foto, se dedicasse uma canção. Ela me disse:
“Ah, tem que ser do Roberto Carlos” e logo após começou a cantar, muito tímida:
“Tanto tempo longe de você, quero ao menos lhe falar
A distância não vai impedir, meu amor, de te encontrar
Cartas já não adiantam mais, quero ouvir a sua voz
Vou telefonar dizendo que eu estou quase morrendo de saudade de você
Eu te amo, eu te amo, eu te amo
32
Mas o dia que eu puder te encontar eu quero contar o quanto sofri
Por todo este tempo que eu quis te falar
Eu te amo, eu te amo, eu te amo...”
Cantei a música junto com ela, ela resistia em chorar. Seus olhos estavam
marejados, então eu lhe pedi para que cantasse a mesma música, mas em primeira pessoa.
Ela cantou, com a voz trêmula:
“Tanto tempo longe de mim, quero ao menos me falar
A distância não vai impedir, meu amor, de me encontrar
Cartas já não adiantam mais, quero ouvir a minha voz
Vou telefonar dizendo que eu estou quase morrendo de saudade de mim
Eu me amo, eu me amo, eu me amo
Mas o dia que eu puder me encontrar eu quero contar o quanto sofri
Por todo este tempo que eu quis me falar
Eu me amo, eu me amo, eu me amo...”
Ao terminar a canção, V. chorava muito. Perguntava-me como era possível que
exatamente esta canção tinha vindo à sua mente. Respondi-lhe que era o que ela pensava e
sentia, mas que apenas se tornou consciente quando eu lhe pedi para que cantasse.
Ao término do primeiro semestre de atendimento, durante a entrevista
devolutiva, V. comentou que não gostou de mim na primeira impressão. Disse que não
queria nem mais voltar para a musicoterapia, mas que resolveu dar uma chance para mim,
para ela e para o tratamento.
33
Hoje V. mudou muitos aspectos em seu comportamento: disse que não é mais
tão passiva na relação com o marido e que hoje faz as coisas, come, se veste como ela
gosta. Não tem mais o forte ciúme que tinha do filho adotivo em relação à sua nora. Hoje
ela diz que o filho deve ter a vida que ele, não ela, escolher. Contou-me que agora gosta de
sair sozinha, caminhar e passear, está mais motivada a fazer os trabalhos manuais que fazia
antes da depressão.
O caso de V. é um exemplo onde a principal forma de trabalhar a resistência foi
o uso das canções, que possibilitaram, junto com o estabelecimento de uma aliança
terapêutica, da escuta e do acompanhamento da terapeuta, uma abertura da paciente ao
processo, e assim as mudanças foram acontecendo.
V. conseguiu resgatar sua identidade através da canção e das intervenções
musicoterapêuticas. O apoio da figura da terapeuta para que ela se sentisse mais segura em
suas descobertas também foi muito importante. V. conseguiu perceber outra vez quais eram
os seus desejos, e sentir-se motivada para alcançar seus objetivos. Percebeu também sua
resistência à mudança, e como poderia encontrar novas formas de ser feliz.
34
CONCLUSÃO
Durante a realização deste trabalho, foi concluído que os aspectos do desejo, e
motivação se relacionam com a resistência, e que esta resistência tem várias formas de se
apresentar.
O mais importante também foi o destaque para a intervenção do
musicoterapeuta. Se ele não intervém, ele pode estar contribuindo para a não-melhora do
paciente ou até um agravamento da doença, no caso de pacientes com depressão. Mas
também é importante destacar que esta intervenção deve ser “calculada”, de acordo com os
objetivos que o terapeuta tem, de acordo com a aliança terapêutica e a empatia estabelecida.
O destaque do trabalho foi o uso das canções dentro do processo terapêutico,
dentro de uma abordagem psicanalítica. É claro que temos que frisar que o paciente tem
que querer a mudança, tem que contribuir para que isto aconteça, e o musicoterapeuta é um
agente facilitador.
Ainda há mais complexidade dentro dos desejos, da motivação e da resistência
que não puderam ser abordados neste trabalho, devido ao fato de que a mente humana é
uma “caixinha de surpresas”. Como este trabalho foi desenvolvido por causa desta
experiência clínica, ainda há mais a ser explorado, que poderá ser assunto de outras
pesquisas sobre o tema.
35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia: transferência, contratransferência e
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BRUSCIA, K. E. Definindo Musicoterapia. 2 ed. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000. .
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Musicoterapia: transferência, contratransferência e resistência. Rio de Janeiro:
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LAPLANCHE, J. Vocabulário de Psicanálise Laplanche e Pontalis. São Paulo: Martins
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LOPES, T. V. M. Motivação no trabalho. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
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NORDOFF, P. ROBBINS, C. Creative Music Therapy. New York: John Day Co., 1977.
36
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Desejo, motivação e resistência no processo musicoterapêutico

  • 1. UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO CURSO DE GRADUAÇÃO EM MUSICOTERAPIA DESEJO, MOTIVAÇÃO E RESISTÊNCIA NO PROCESSO MUSICOTERAPÊUTICO ISABELA MENI COSENZA RIBEIRÃO PRETO 2004
  • 2. UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO CURSO DE GRADUAÇÃO EM MUSICOTERAPIA DESEJO, MOTIVAÇÃO E RESISTÊNCIA NO PROCESSO MUSICOTERAPÊUTICO Trabalho de conclusão de curso sob a orientação do Prof. Renato Tocantins Sampaio. ISABELA MENI COSENZA RIBEIRÃO PRETO 2004
  • 3. Este trabalho é dedicado a todos aqueles que direta ou indiretamente colaboraram para que ele fosse realizado.
  • 4. AGRADECIMENTOS A Deus, por proporcionar-me grandes oportunidades na vida. Por fazer-se presente nos momentos de maior necessidade e acima de tudo, por dar-me paciência e tranqüilidade necessárias para lidar com os obstáculos que surgiram no caminho; Aos meus pais, por sempre me apoiarem, mesmo por algumas vezes sem entenderem esta profissão. Por terem compreendido meus momentos de ausência, por me encorajarem a fazer o que eu gosto, a crescer na vida e ir atrás dos meus objetivos. Por terem me introduzido no mundo maravilhoso da Música. Por nunca terem me negado conhecimentos, tanto os acadêmicos quanto os de experiência de vida. O resultado deste curso e o presente trabalho não existiriam se não houvesse o apoio direto e indireto deles. Serei eternamente grata por tudo; À minha irmã, que do seu jeito brincalhão e extrovertido sempre me fez dar boas risadas. Com ela aprendi a ser mais verdadeira e a lutar pelo que quero, sem medo de errar e de aprender com nossos próprios erros; Aos meus amigos, que de uma maneira tão especial fizeram e acredito que sempre farão parte da minha vida. Áqueles que eu já conhecia, e aos que fiquei conhecendo na Universidade. Com eles dividi as risadas, as brincadeiras, as tristezas, as brigas, os sucessos e frustrações, as angústias e as situações do dia-a-dia. Lembrarei-me com carinho de cada um deles; Ao professor Renato Sampaio, por sua dedicação e paciência e por fazer com que eu quisesse sempre ir além; À professora Noemi Lang, pelos esclarecimentos e incentivos durante as aulas e as supervisões; À professora Ana Cristina Sampaio, pela ajuda, incentivo e partilha de experiências; Ao professor Roger El Khouri, por ter expandido meus conhecimentos e me ajudado a aplicar melhor a música no contexto terapêutico;
  • 5. Ao professor Armando Bugalho, por ter aguçado meu desejo de saber mais sobre a Ciência; À professora Angela Bataglion, pelo seu trabalho, por sua dedicação, por ter colaborado com que eu gostasse ainda mais de cuidar do ser humano; Ao professor Nando Araujo, por ter aguçado meu espírito crítico e questionador; À minha professora de piano, Isabel Cristina Bortogliero Cinto, que me acompanhou dos 8 aos 17 anos e ajudou a construir meu conhecimento musical. Pela sua paciência, amor ao trabalho e sua compreensão durante as aulas e durante nosso convívio; A todos aqueles que passaram por minhas mãos como pacientes, que me aceitaram sem ao menos me conhecer. Obrigada pela grande aprendizagem e valiosa experiência.
  • 6. “So I say Thank you for the music, the songs I'm singing Thanks for all the joy they're bringing Who can live without it, I ask in all honesty What would life be? Without a song or a dance what are we? So I say thank you for the music For giving it to me” (Thank you for the music – ABBA) “Então eu digo Obrigado pela música, pelas canções que estou cantando Obrigado por toda a alegria que elas estão trazendo Quem pode viver sem isto, eu pergunto com toda honestidade O que seria a vida? Sem uma canção ou uma dança, o que somos nós? Então eu digo obrigado pela música Por tê-la dado a mim” (Thank you for the music – ABBA)
  • 7. RESUMO Este trabalho tem como objetivo investigar e relacionar aspectos da motivação humana com aspectos da resistência no contexto terapêutico, questionando até que ponto a falta de motivação, tantas vezes apresentada como queixa de muitos pacientes, tem relação com a resistência deste dentro da terapia, se esta resistência pode ser trabalhada e os resultados serem refletidos nos aspectos motivacionais do indivíduo. Através de revisão de literatura e de um exemplo de caso clínico, chegamos em alguns resultados e conclusões. A primeira é de que a motivação é um estado interno do indivíduo. Segundo Cecília Bergamini, um dos mitos acerca deste aspecto é que um ser humano não é capaz de motivar o outro, que cada um possui seus próprios desejos e pulsões, concluindo-se que a motivação parte do paciente, no caso do processo terapêutico. Alguns autores afirmam que a motivação depende não só do indivíduo, mas também do ambiente que o cerca. A segunda conclusão é que resistência é um conceito complexo e que tem muitas variações. Pode se desenvolver quando há uma tentativa, por parte do paciente, em desviar os sentimentos de dor provocados por um certo medo ou angústia de mudança, ou mesmo um sentimento invasivo. Sendo assim, é muito importante que a aliança entre terapeuta e paciente seja bem estruturada, porque se houver confiança na relação, e se o paciente tiver confiança nas suas próprias potencialidades, a resistência pode diminuir. Isto pode alterar, em certos casos, os aspectos motivacionais do paciente. Uma pessoa mais confiante, principalmente em si mesma, pode ser menos resistente e por isso pode estar mais segura para enfrentar situações inesperadas e assim estar mais motivada a realizar uma tarefa que ela julga não ser capaz.
  • 8. ABSTRACT The objective of this work is to investigate and relate aspects of the human motivation with aspects of the resistance in therapeutical context, questioning what’s the relations of the motivation lack, many times presented as complaint of many patients, with the resistance of this same patient on therapy, if this resistance can be worked and the results can be reflected in the motivacional aspects of the individual. Through revision of literature and one example of a clinical case, we have arrived in some results and conclusions. The first one is that the motivation is an internal state of the individual. According to Cecilia Bergamini, one of the myths about this aspect is that a human being is not capable to motivate the other one, that each one possesss its proper desires and pulsions, concluding that the motivation depends on the patient, in the case of the therapeutical process. Some authors affirm that the motivation not only depends on the individual, but also on the environment that fences him. The second conclusion is that resistance is a complex concept and it has many variations. It can be developed when it has an attempt, on the part of the patient, in deviating the feelings of pain provoked by a certain fear or anguish of change, or same an invasive feeling. Being thus, it is very important that the alliance between therapist and patient is well structuralized, because if the relation can be trusted, and if the patient will have confidence in its proper potentialities, the resistance can diminish. This can modify, in certain cases, the motivacional aspects of the patient. A self-confident person can be less resistant, and for that it can be more confidence to face unexpected situations, and thus to be more motivated to carry through a task that it judges not to be capable.
  • 9. SUMÁRIO Introdução 10 1. Desejo 11 1.1 Definição 11 2. Motivação 13 2.1 Definição 13 2.2 Teorias acerca da motivação 15 2.2.1 Teorias de conteúdo estático 15 2.2.2 Teorias de processo 16 2.2.3 Teorias baseadas no ambiente 17 3. Resistência 19 3.1 Definição 19 3.2 O conceito de resistência para a musicoterapia 19 4. Musicoterapia 21 4.1 Definição 21 4.2 O processo musicoterapêutico 21 4.3 Desejo, motivação e resistência no processo musicoterapêutico: como trabalhar? 22 4.4 Como intervir 25 5. Caso Clínico 29 5.1 O Caso “V.” 29 Conclusão 34 Referências Bibliográficas 35
  • 10. 10 INTRODUÇÃO Este tema surgiu através de um atendimento, e também através de algumas questões pessoais. Muitas vezes durante a experiência clínica, o musicoterapeuta se depara com um paciente extremamente desmotivado. Algumas causas da desmotivação até podem ser conhecidas, mas esta mesma desmotivação é também influente no processo musicoterapêutico. O que fazer quando o paciente não quer ser ativo na sessão? Nos primeiros capítulos serão abordados alguns conceitos, como o desejo, que muitas vezes é confundido com a necessidade. Ele é algo mais concreto ou apenas uma fantasia de nossas mentes? Cada autor explorado conceitua este termo de maneiras diferentes. Ainda outros conceitos como a motivação e as teorias que a definem, e a resistência, tão presente em muitos pacientes, são abordados. Este trabalho ainda visa questionar a relação da falta de motivação do indivíduo a uma forte resistência. A pessoa precisa ser menos resistente para ter uma maior motivação em sua vida? No penúltimo capítulo, questões como estas serão discutidas, principalmente para chegarmos a formas de “vencer” ou “enganar” a resistência dentro do processo musicoterapêutico.
  • 11. 11 DESEJO 1.1 Definição O desejo faz parte do comportamento e da vida psíquica humana. Vários autores já abordaram este campo, através de dinâmicas diferentes. Neste capítulo serão abordados conceitos de três autores. Na dinâmica freudiana, o desejo é um dos pólos do conflito defensivo. Tende a realizar-se, estabelecendo sinais ligados às primeiras vivências de satisfação (FREUD cf LAPLANCHE, 1999). Na doutrina freudiana, o conceito de desejo, como tantos outros conceitos, é tão fundamental em qualquer concepção do ser humano que não pode ser limitado (LAPLANCHE, 1999), ou seja, o desejo é muito amplo e complexo e ao mesmo tempo tão intrínseco ao ser humano que torna-se muitas vezes difícil conceituá-lo. Freud (cf LAPLANCHE, 1999) diferencia o desejo da necessidade. Esta última nasce de uma tensão interna e encontra sua satisfação pela ação específica que fornece o objeto adequado, ou seja, entende-se que necessidade é um estado de tensão interna do indivíduo, que visa um objetivo, e que para se obter a satisfação é necessária uma ação específica a esta necessidade. Partindo para o conceito do desejo, Freud postula que: (...) a imagem mnésica de uma certa percepção se conserva associada ao traço mnésico da excitação resultante da necessidade. Logo que esta necessidade aparecer de novo, produzir-se-á, graças à ligação que foi estabelecida, uma moção psíquica que procurará reinvestir a imagem mnésica desta percepção e mesmo invocar esta percepção, isto é, restabelecer a situação da primeira satisfação: a essa moção é que chamaremos desejo; o reaparecimento da percepção é a ‘realização de desejo’ (FREUD apud LAPLANCHE, 1999, p. 114). Tendo como base este conceito de desejo, entende-se que ele é mais complexo e menos diretivo do que a necessidade. Ele é resultado de ligações de imagens e traços mnésicos, que foram memorizados pelo indivíduo. Quando a imagem mnésica de alguma percepção é associada ao traço mnésico que foi causado pela excitação da necessidade, é estabelecida uma ligação, uma moção psíquica que trará de volta à mente do indivíduo
  • 12. 12 estes traços e imagens sempre que uma nova necessidade for detectada. Assim o desejo acaba por ser realizado, todas as vezes em que a percepção reaparece, e isto se dá como num ciclo. Sinteticamente, armazenamos, em nossa memória, imagens das percepções que temos. Toda necessidade também causa excitações, que também são armazenadas em forma de traços. O desejo é a moção psíquica que liga as imagens da percepção com os traços da necessidade. Lacan (cf LAPLANCHE, 1999) também distingue desejo de necessidade e também de demanda, conceitos com os quais o desejo é confundido. Segundo Lacan, a necessidade tem um objetivo específico e satisfaz-se com ele. A demanda é formada, e mesmo incidindo sobre um objeto, este não é essencial para ela. O desejo nasce da defasagem entre a necessidade e a demanda, ocorre em um campo fantasioso. Ele não pode ser irredutível à necessidade porque não se relaciona com o objeto real, nem irredutível à demanda porque “procura impor-se sem levar em conta a linguagem e o inconsciente do outro (...)” (LACAN cf LAPLANCHE, 1999, p. 114.). Entende-se, com a diferenciação de Lacan, que o desejo não depende da necessidade nem da demanda, mas os completa. Suely Rolnik define desejo como “atração que nos leva a certos universos e repulsa que nos afasta de outros, sem que saibamos exatamente porquê; formas de expressão que criamos para dar corpo aos estados sensíveis que tais conexões e desconexões vão produzindo na subjetividade.” (ROLNIK apud SAMPAIO, 2002 p. 47). Para Rolnik (cf SAMPAIO, 2002), o desejo está associado ao ato criativo e sua realização depende de uma ordem social que pode facilitar esta realização ou ainda impedir que ela aconteça. Alguns conceitos como a necessidade ainda serão discutidos no próximo capítulo, dentro do processo da motivação. Também será utilizada a conceituação de Rolnik para explorarmos outros aspectos do desejo.
  • 13. 13 MOTIVAÇÃO 2.1 Definição A motivação é uma das facetas do comportamento humano difícil de ser prevista e classificada. Existem várias teorias sobre este conceito, seu processo e como ele afeta e atua no comportamento do ser humano. Segundo Soto (2002), a motivação é um processo cíclico que consta de três aspectos: 1) uma necessidade, todo comportamento humano é decorrente de uma necessidade de cobrir uma “deficiência”, por isso é considerada um elemento subjetivo. 2) logo após há uma resposta ou conduta da pessoa, que está em função de sua motivação e é considerada pelo autor a manifestação das atitudes dela. 3) O incentivo, meta ou a finalidade, considerado elemento objetivo, é o processo de busca de objetivos dirigidos a eliminar a insatisfação, satisfazendo assim, a necessidade. Ainda, seguindo as idéias do autor: “A distinção entre necessidade e incentivo é a chave para explicar e entender a conduta [da pessoa]” (SOTO, 2002, p. 119). Lopes afirma que o homem quer tornar agradáveis as condições e o ambiente de trabalho porque busca o prazer e o conforto, segundo as teorias hedonistas. Já para os idealistas, a virtude e o saber constituem a motivação. Dessa maneira é preciso que as organizações tenham ética e justiça, reconhecimento do trabalho bem executado, respeito e progressão (LOPES, 1980).Várias teorias tentam explicar o fator da motivação tendo como base enfoques diferenciados, como os hedonistas e os idealistas, mas isto será tratado no próximo item deste capítulo. O mesmo autor define a motivação desta maneira: “Um motivo é um estado interno que dá energia, torna ativo ou move (daí motivação) e que dirige ou canaliza o comportamento em direção a objetivos.” (LOPES, 1980, p. 3). Soto segue a mesma linha de causa-efeito, mas elabora um pouco mais sua definição tendo como base aspectos fisiológicos: A motivação é a pressão interna surgida de uma necessidade, também interna, que excitando (via eletroquímica) as estruturas nervosas, origina um estado
  • 14. 14 energizador que impulsiona o organismo à atividade iniciando, guiando e mantendo a conduta até que alguma meta (objetivo, incentivo) seja conseguida ou a resposta bloqueada (SOTO, 2002, p.118). Bergamini diferencia e pontua a diferença entre necessidade e o fator que satisfaz a necessidade. Segundo ela, “a água é um fator de satisfação de uma necessidade denominada sede; todavia, sempre que a sede é sentida, há uma tendência de encarar a água como a necessidade, em lugar da sede em sim mesma.” (BERGAMINI e CODA, 1997, p. 24). Ainda seguindo esta idéia, a necessidade que atuará sobre o intelecto da pessoa, é o motivador, é o que faz a pessoa agir. Quando os fatores de satisfação da necessidade são interpretados como sendo a própria necessidade, fica fácil afirmar que as necessidades têm origem no meio ambiente. Com essas afirmações, cai o mito de que uma pessoa é capaz de motivar a outra, Segundo Bergamini, isto é falso. O que se pode fazer é satisfazer ou contra-satisfazer as necessidades de outra pessoa. Pode-se oferecer água, comida, ou ainda negar esses fatores, mas isto é satisfação ou contra-satisfação, respectivamente, e não motivação (BERGAMINI e CODA, 1997). Sigmund Freud foi quem primeiro descreveu a natureza da motivação no contexto das necessidades humanas, descrevendo uma necessidade como um estímulo que ataca, não de fora, mas de dentro do organismo. Não é um impacto momentâneo, mas uma força resistente. Sendo assim, a satisfação é o que põe de lado a necessidade (cf BERGAMINI e CODA, 1997). Em suma, vários autores reconhecem que a motivação e as necessidades são intrínsecas a cada indivíduo, e não dependem sempre do ambiente, considerando-se as diferenciações de Bergamini a respeito das necessidades e dos fatores de satisfação das necessidades. Cabe aqui também a questão da perseverança do indivíduo. Ele precisa querer mudar e manter-se perseverante em suas escolhas.
  • 15. 15 2.2 Teorias acerca da motivação Bowditch e Buono (2002) classificam as teorias acerca da motivação a partir de três principais áreas de interesse: 1. O que energiza o comportamento humano? 2. O que dirige esse comportamento? 3. Como certos comportamentos podem ser sustentados ou mantidos ao longo do tempo? Devido a estas áreas de interesse, classificaram as teorias da motivação em teorias de conteúdo estático, teorias de processo e teorias baseadas no ambiente. Neste capítulo serão abordadas apenas as mais relevantes ao tema, dentro de cada classificação. 2.2.1 Teorias de conteúdo estático As teorias de conteúdo estático, segundo Bowditch e Buono (2002) tratam dos conteúdos que energizam o comportamento humano. Não prevêem o comportamento, mas ajudam na sua compreensão. Aqui serão apresentadas apenas algumas delas. Na Hierarquia das necessidades, Maslow (cf BOWDITCH e BUONO, 2002) classificou as necessidades humanas em cinco níveis distintos, sendo que o indivíduo só passa para o nível superior se as necessidades do nível inferior estão satisfeitas. Na parte basal da pirâmide ficam as necessidades fisiológicas, seguidas das necessidades de segurança, as necessidades sociais, necessidades de ego e auto-estima e por fim, no topo da pirâmide, as necessidades de realização pessoal. Bowditch e Buono destacam que Maslow classificou as necessidades desta forma através de uma perspectiva humanística, onde há reconhecimento das necessidades individuais de cada pessoa. Conclusões acerca desta teoria de Maslow apontam que, havendo reconhecimento das necessidades como individuais, não se pode motivar todas as pessoas da mesma forma, e que cada indivíduo pode encontrar-se em níveis diferentes das necessidades, ou estar em vários ao mesmo tempo.
  • 16. 16 Na Teoria ERC, C. P. Alderfer (cf BOWDITCH e BUONO, 2002) tentou diminuir os níveis da hierarquia de Maslow, encontrando três níveis de necessidades: as de existência, de relacionamento e de crescimento, que são, as primeiras, necessidades básicas, as segundas, de interação social, estima e reconhecimento, e as terceiras, de desenvolvimento de potencial próprio e satisfação do ego. Alderfer notou que podia haver progressão de um estágio para outro, e até uma sobreposição entre eles. Notou também que as pessoas poderiam passar para o próximo estágio sem ter concluído todas as necessidades do anterior. Há ainda a Teoria das Necessidades Socialmente Adquiridas de McClelland (cf BOWDITCH e BUONO, 2002), que identificou três necessidades básicas que as pessoas desenvolvem: realização, poder e afiliação. Esta teoria propõe que cada pessoa é influenciada em momentos diferentes por essas três necessidades, e que elas variam de acordo com a experiência de vida do indivíduo. Salvo assim, alguns indivídos têm maior necessidade de conquistar poder sobre outras pessoas, enquanto outros são motivados pela necessidade de afiliação (necessidades sociais). A teoria de McClelland sugere que a motivação é mutável e variável, mesmo na idade adulta. Finalizando, a Teoria da Motivação-Higiene de Herzberg (cf BOWDITCH e BUONO, 2002) sugere duas dimensões não relacionadas: a primeira são os aspectos e atividades que impedem a insatisfação, mas não impulsionam o indivíduo a crescer, e a segunda são os aspectos e atividades que encorajam o crescimento do indivíduo. A proposta de Herzberg é que as duas dimensões sejam incorporadas simultaneamente no ambiente de trabalho. 2.2.2 Teorias de processo Bowditch e Buono (2002) afirmam que as teorias de processo da motivação nos alertam para o fato de que as pessoas variam no modo como reagem, que muitas necessidades podem estar em ação simultaneamente e que outros fatores além nas
  • 17. 17 necessidades insatisfeitas podem influenciar na motivação, e conseqüentemente, no comportamento das pessoas. Na Teoria das Expectativas, Vroom (cf BOWDITCH e BUONO, 2002) distingue três componentes: esforço, desempenho e resultado. Quanto maior for o esforço da pessoa, melhor seu desempenho (expectativa); quanto melhor seu desempenho, maiores os resultados ou a recompensa (instrumentalidade) e como último aspecto ele pontua que o valor da recompensa é diferente para cada indivíduo (valência). Este modelo tenta predizer como o indivíduo se comportará em determinada situação. A Teoria da Motivação pelo Caminho-Meta e a Teoria do Estabelecimento de Metas são muito similares à teoria das expectativas. A primeira, proposta por House (cf BOWDITCH e BUONO, 2002), traz a idéia de que as pessoas fazem suas opções tomando por base a utilidade da recompensa para si próprias. Como sugere a teoria das expectativas, elas só serão motivadas a produzir quando perceberem que seus esforços farão com que obtenham recompensas desejadas. A Segunda teoria tem como premissa básica que as metas de uma pessoa são determinantes da motivação relacionada à tarefa que será por ela executada, visto que, segundo Locke (cf BOWDITCH e BUONO, 2002), as metas dirigem nossos pensamentos e ações. “Todavia, nem todas as metas levam necessariamente ao desempenho, visto que uma certa meta pode entrar em conflito com outras que a pessoa possa ter, ou pode ser percebida como inadequada para aquela situação em particular” (LOCKE cf BOWDITCH e BUONO, 1992, p. 48). 2.2.3 Teorias baseadas no ambiente Segundo Bowditch e Buono (2002), essas teorias “vêem a motivação como um variável interventora e dependente” (BOWDITCH e BUONO, 1992, p. 49). O enfoque será nas antecedentes das variáves às quais o comportamento motivado é atribuído. Na Teoria do Condicionamento e Reforço Operantes, segundo a teoria de Skinner, “o comportamento ou a motivação de um indivíduo é uma função da
  • 18. 18 conseqüências daquele comportamento” (SKINNER apud BOWDITCH e BUONO, 1992, p. 49). Ainda com a idéia de Skinner, se alguém quer manter um certo comportamento, deverá reforçá-lo, oferecendo recompensas, ou seja, manipulando as conseqüências do comportamento. Tanto o reforço positivo (recompensas) quanto o reforço negativo (punições) podem moldar o comportamento. “Como esta escola supõe que todo comportamento tem uma base condicionadora operante, a motivação fica reduzida a identificar as necessidades e oferecer as recompensas apropriadas” (BOWDITCH e BUONO, 1992, p.49).
  • 19. 19 RESISTÊNCIA 3.1 Definição Quem descobriu e conceituou a resistência foi Freud, que primeiramente a designou como “(...) uma atitude de oposição às suas descobertas na medida em que elas revelavam os desejos inconscientes e infligiam ao homem um ‘vexame psicológico’” (FREUD cf LAPLANCHE, 1999, p. 458). Sendo assim, entende-se a resistência como algo que atravanca o processo terapêutico, psicanaliticamente falando. Freud descobriu este aspecto quando encontrou uma resistência maciça em certos pacientes, sendo que esta não podia ser superada nem interpretada, e foi isso que fez com que Freud renunciasse à hipnose e à sugestão (LAPLANCHE, 1999). Para “enganar” essa resistência encontrada, Freud criou a regra da associação livre, que “visa em primeiro lugar eliminar a seleção voluntária dos pensamentos (...), pôr em evidência uma ordem determinada do inconsciente” (FREUD cf LAPLANCHE, 1999, p. 39). A partir deste ponto, após a definição freudiana serão expostas algumas pontuações de vários musicoterapeutas sobre o conceito de resistência na musicoterapia, que é um dos objetivos deste trabalho. 3.2 O conceito de resistência para a musicoterapia A musicoterapeuta Pamela Steele pontua que “(...) o conceito de resistência em terapia não implica em que o terapeuta tenha um plano com o qual o paciente se recusa a cooperar; isto não estaria de acordo com a flexibilidade da resposta do terapeuta dentro do ambiente musical” (STEELE, 1999, p. 42).
  • 20. 20 Muitas vezes, o que pode parecer uma falta de colaboração do paciente, é uma grande resistência. Steele (1999) também faz uma metáfora musical à resistência, dizendo que a relação entre paciente e terapeuta pode ser consonante ou dissonante, sendo que a dissonância é resultante da resistência. E como a musicoterapia também lida com aspectos não verbais, eis uma colocação de Janice Dvorkin: A resistência do paciente em expressar-se através da música é vista como uma defesa contra trazer os sentimentos inconscientes e pensamentos do consciente por meio da própria música. Este mesmo comportamento pode ser visto como uma demonstração de medo, do paciente para o terapeuta, tanto de perder o controle quanto de risco de ameaça do seu sentido de self. (DVORKIN, 1999, p. 60) Priestley (1994) conecta alguns pensamentos de Freud com música e resistência. Cita o resistance vacuum (vácuo de resistência), que é um espaço psíquico ocupado por uma ligação entre emoção e pensamento, dentro de uma experiência musical. Neste vácuo, esta resistência tenta ligar a emoção expressa na música ao pensamento. Paul Nordoff e Clive Robbins (1977) relacionam a resistência ao nível de participação do paciente na sessão, que pode ser diferente. Afirmam também que o caráter resistente do paciente muda com o nível de relacionamento entre ele e o terapeuta. Dentre todos os conceitos apresentados, a resistência aparece ainda como algo a ser trabalhado no processo musicoterapêutico, pois segundo Aigen, “(...) resistência não é alguma coisa destrutiva ou negativa; mas é, de fato, uma função essencial” (AIGEN, 1999, p. 72). Como pode ser uma função essencial? Vista por todas estas perspectivas, a resistência é uma forma de proteção. Se não houvesse resistência, o indivíduo não teria consciência de suas dores, dos pontos emotivos que o tocam e/ou incomodam. Assim, a resistência é importante tanto para o terapeuta, para que ele identifique o que emociona e incomoda seu paciente, sobretudo para este último, como uma forma de proteção.
  • 21. 21 MUSICOTERAPIA 4.1 Definição Dentre várias definições de musicoterapia, a mais pertinente ao tema deste trabalho é a definição da World Federation of Music Therapy: Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo, em um processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais e desenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele possa alcançar melhor integração intra e interpessoal e conseqüentemente uma melhor qualidade de vida. (apud BRUSCIA, 2000, p. 286). Sendo assim, entende-se que a musicoterapia é um processo que engloba e pode promover, através da música e de seus elementos, várias áreas que são muito importantes para o ser humano, principalmente a comunicação e o relacionamento. Neste trabalho serão destacadas estas duas últimas áreas, por motivo de relevância ao tema apresentado. 2.3 O processo musicoterapêutico O que seria um processo musicoterapêutico? Ele pode ser sistematizado? Qual a diferença de processo e intervenção? A primeira coisa a ser destacada por Bruscia (2002) em relação ao processo musicoterapêutico, é o elemento tempo. A musicoterapia é “uma série de interações que levam a uma relação cliente-terapeuta e não um único encontro interpessoal; uma progressão por etapas de engajamentos musicais e não uma experiência musical isolada” (BRUSCIA, 2000, p. 35).
  • 22. 22 Bruscia (2002) ainda destaca que a musicoterapia é um processo evolutivo e não momentâneo. Por estas razões ele classifica sistematicamente os tipos de processo como desenvolvimentista, educacional, interpessoal, criativo e científico. Entretanto, tais classificações não serão detalhadas porque não é necessário a este trabalho. 2.4 Desejo, motivação e resistência no processo musicoterapêutico: como trabalhar? Qual é a ligação de todos estes conceitos com a musicoterapia? Freqüentemente aparecem em clínicas, hospitais, instituições e outros pacientes com um alto grau de desmotivação. À primeira vista, cabe ao terapeuta uma investigação do histórico deste paciente. Muitos pacientes costumam apresentar desmotivação. Alguns não têm vontade nem de cuidar da higiene pessoal e preferem ficar deitados, dormindo durante muitas horas. Na sessão de musicoterapia, muitas vezes não querem conversar, ouvir uma música ou sequer tocar um instrumento. É o caso de muitos pacientes depressivos. A este ponto, questiona- se: aonde estão os desejos e a motivação deste indivíduo? Voltando à definição de desejo de Rolnik (cf SAMPAIO, 2002), os desejos dependem de uma ordem social, ou seja, muitas vezes este paciente foi tão frustrado em várias tentativas de alcançar algum objetivo, que em certo ponto, ele desiste. Pode acontecer uma cadeia de reações a um indivíduo que é mais suscetível a isso. Por exemplo, se um desempregado ouvir um “não” inúmeras vezes, em certo ponto ele pode ficar tão frustrado que dificilmente se sentirá motivado a procurar outro emprego, e isto traz uma cadeia de reações que também podem afetar a auto-estima desta pessoa, e por conseqüência, o seu relacionamento inter e intrapessoal. Em casos mais severos, pode ocorrer até uma despersonalização, uma “anulação” de identidade, no sentido em que esta pessoa nem conhece mais seus desejos e necessidades. Todos estes aspectos podem converter-se em uma resistência no processo musicoterapêutico. O indivíduo sem desejos não sabe o que quer nem na terapia. Os
  • 23. 23 pacientes resistem de várias formas diferentes: verbalizando ao extremo, “fugindo” do assunto proposto, não querendo ouvir música nem tocar instrumentos, falando sempre do mesmo assunto, de uma forma cíclica. Tendo isto como base, por que os pacientes resistem? É provável que eles resistem porque têm medo. Medo de perder o controle de seu próprio self, segundo Dvorkin (1999), medo da mudança que pode ocorrer, medo de entrar em contato com sentimentos que são dolorosos, sofridos... Afinal, a resistência é uma proteção, como foi pontuado anteriormente. Às vezes é mais fácil resistir à mudança do que se adaptar a outro funcionamento psíquico, a outra forma de agir diante dos problemas. Muitas vezes aparece o medo do desconhecido. O indivíduo tem medo de ir para um lugar que lhe é desconhecido, isto para ele pode ser angustiante. Como por exemplo, uma criança que nunca saiu de casa sozinha, de repente perceber-se em uma situação onde ela terá que sair, e terá que se adaptar ao meio. Isto pode ser muito angustiante para um paciente dentro da terapia, pois ele não sabe o que pode encontrar ou o que pode emergir de um processo terapêutico. Ele pode então resistir, porque pode ter medo de não saber lidar com estes conteúdos que emergem da terapia. A questão se volta para os terapeutas: como agir diante desta resistência? É possível vencê-la? Várias abordagens em musicoterapia têm um modo diferente de trabalhar. Nordoff e Robbins (1977) acreditam na criatividade para trabalhar a resistência, sobretudo das crianças. Algumas vezes, basta alguma “manobra” do terapeuta, como mudar de música sutilmente, ou tentar outra tática, isto vai depender da capacidade do terapeuta em ser criativo e encontrar outra forma de apresentar sua proposta ao paciente. Outros estados de resistência podem precisar de muitas sessões de trabalho, em outras áreas de contato sem ser a área da própria resistência. Isto é muito importante para o trabalho terapêutico, pois muitas vezes em que se tenta combater diretamente a resistência, como Freud tentou no caso da histeria, podemos nos deparar com outra ainda maior.
  • 24. 24 Segundo Barcellos, o método GIM criado por Helen Bonny, a resistência também pode se apresentar. O método GIM consiste no trabalho com audição musical e as imagens que as músicas suscitam na mente das pessoas. A resistência neste método pode aparecer quando o paciente resiste a relaxar e relata que não vieram imagens à sua mente. Cabe ao terapêuta reconhecer este fenômeno e perceber se este paciente está apto a este trabalho, o terapeuta também deve se utilizar de instrumentos e outras intervenções para o avanço do paciente no processo. (BARCELLOS, 1999, p. 119) Afinal, o que pode vir em primeiro lugar para o trabalho da resistência em musicoterapia? Bruscia (2002) fala sobre a empatia, que é a “capacidade de compreender ou de se identificar com o que outra pessoa está vivendo” (BRUSCIA, 2002, p. 66). Para ele, a música é um meio de empatia, pois quando duas pessoas tocam ou cantam algo juntas, compartilham a mesma melodia, ritmo, centro tonal e etc. Ainda segundo Bruscia, a empatia se dá por meio de uma identificação do paciente com o terapeuta Com as palavras de Barcellos: “A música, ao meu ver, nos induz a partilhar com o outro momentos nos quais, em outras condições, ficaríamos sozinhos, isolados” (BARCELLOS, 1992, p. 9). Algo que Etchegoyen (1987) engloba dentro de sua descrição de aliança terapêutica, que é algo complexo e tem como um de vários aspectos a dissociação terapêutica do ego: (...) se deve a uma identificação com o analista, cujo protótipo é o processo de formação do superego. Essa identificação é fruto da experiência da análise, no sentido de que, frente aos conflitos do paciente, o analista reage com uma atitude de observação e reflexão. Identificado com esta atitude, o paciente adquire capacidade de observar e criticar seu próprio funcionamento (...) (ETCHEGOYEN, 1987, p. 125-126). A partir da identificação pode estabelecer-se confiança, ou seja, o paciente pode passar a confiar no terapeuta. Podemos assim observar, que tanto no meio musical como no meio psicanalítico, é necessária uma identificação. Se isto não acontecer, o trabalho do terapeuta ficará mais difícil, pois o paciente pode tornar-se resistente.
  • 25. 25 Ainda sobre as atitudes do terapeuta, Patrícia Pellizzari reforça o aspecto da escuta do terapeuta, que deve ser usada como meio e como fim: “Como meio porque a partir dela o musicoterapeuta pode entrar no inconsciente do paciente e como fim, porque a escuta do musicoterapeuta metaforiza a da própria voz interior do paciente” (PELLIZZARI, 1993, p.15). Assim sendo, o terapeuta deve estar atento às manifestações do paciente, tanto verbais quanto musicais, para saber a hora de intervir, de detectar e tentar dissolver, de um modo não diretivo, a resistência apresentada. 4.4 Como intervir O terapeuta não pode basear-se apenas na escuta. É um recurso importante, mas não suficiente. Ele também precisa intervir, mas como acontecem as intervenções em musicoterapia? Este é um aspecto que traz muita polêmica à musicoterapia. Afinal, o terapeuta pode usar recursos verbais com o paciente? O paciente pode conversar, ou ele tem que tocar algum instrumento ou ouvir alguma música? Para respondermos a estas questões, devemos nos basear no que Bruscia afirma sobre música como terapia e música na terapia: Na música como terapia, a música exerce uma influência direta sobre o cliente e sua saúde e serve como um agente primário na mudança terapêutica (...). Na música na terapia, a música é usada não somente por suas próprias propriedades curativas, mas também para intensificar os efeitos da relação cliente-terapeuta ou de outras modalidadesde tratamento (por exemplo, argumentação verbal) (BRUSCIA, 2000, p. 43). Em suma, o que Bruscia coloca é que a música pode ser tanto um agente primário como um secundário, ou seja, o processo musicoterapêutico pode ocorrer na música ou com o auxílio da música. Um exemplo de música como terapia é o trabalho desenvolvido por Paul Nordoff e Clive Robbins.
  • 26. 26 Seria importante, nesta parte do trabalho citar um pensamento de Jung: “na Psicoterapia de hoje exige-se, às vezes, que o médico ou psicoterapeuta ‘siga’, por assim dizer, o doente e as suas emoções. Não creio que esse seja o melhor caminho. Às vezes é necessário que o médico intervenha ativamente” (JUNG apud BARCELLOS, 1992) Entende-se que o papel do terapeuta é ajudar o paciente, e por isso às vezes é necessário intervir. Se não ocorre intervenção quando necessário, o paciente pode repetir padrões de comportamento, muitas vezes até agravando sua doença. Barcellos (1992) classificou as intervenções em musicoterapia em verbais, paraverbais/musicais, musicais propriamente ditas e corporais. As intervenções verbais podem ser divididas em faladas ou cantadas. Quando cantadas, através de músicas existentes ou improvisação de letras. As principais formas de intervenção - Interrogar: quando se pergunta algo ao paciente; - Informar: quando o terapeuta fornece informações que julga serem necessárias; - Confirmar: retificar conceitos do paciente sobre situações que ele solicite ou o terapeuta julgue necessário; - Clarificar: esclarecer alguma situação ao paciente; - Recapitular: resumir pontos essenciais de cada sessão ou do processo; - Assinalar: sinalizar relações entre os aspectos do paciente; - Interpretar: o significado do comportamento e algumas situações apresentadas; - Indicar: alguns comportamentos com caráter de prescrição; - Sugerir: atitudes e mudanças
  • 27. 27 - Meta-intervenções: comentar o significado de ter recorrido a acontecimentos e sessões anteriores; - Outras intervenções: mudanças no contrato terapêutico, etc.. (BARCELLOS, 1992). Os outros tipos de intervenções serão brevemente esclarecidas e não aprofundadas, pois não são o foco de estudo deste trabalho. Ainda seguindo as idéias de Barcellos (1992), as intervenções paraverbais/musicais incluem mímica verbal, variações na forma de emissão e no tom de voz, intensidade e inflexões rítmico-sonoras da fala. As intervenções musicais propriamente ditas podem ser sonoras, rítmicas, melódicas e harmônicas, e as corporais incluem gestos, posturas e olhares (BARCELLOS, 1992). A aplicação das intervenções verbais na musicoterapia são muito discutidas. Mas o processo musicoterapêutico precisa ter a música como agente principal? Por que a música não pode exercer um papel de agente facilitador? A afirmação de Bruscia sobre música na terapia é muito pertinente a este tema, pois ela não precisa ser necessariamente o agente primário do processo musicoterapêutico. As intervenções verbais cantadas podem ser um meio facilitador para trabalhar a resistência, principalmente com o uso de canções populares. Para um paciente resistente, o musicoterapeuta pode, inocentemente, propor que ele cante ou diga o nome de uma canção que lhe vem à mente, e na maioria das vezes o paciente concorda, porque a canção expõe e ao mesmo tempo não expõe os conteúdos internos e as emoções do paciente. A canção popular é dialética. Segundo Millecco, Brandão e Millecco (2001), os autores de canções populares “emprestam” suas canções, que interagem com o mundo de cada um, ou seja, as canções que o paciente canta são e ao mesmo tempo não são dele: são dele porque “quando uma pessoa canta, no setting musicoterapêutico, ele ou ela não reproduz simplesmente a canção, mas se apropria dela” (CHAGAS, 1998, p. 122), e também não são dele por questões práticas: não foi ele quem a compôs, nem as palavras e nem as melodias, por isso este
  • 28. 28 processo se torna fácil. Muitas vezes, somente depois de cantar a canção, o paciente toma consciência do que ela significa para ele. Muitas vezes são necessárias intervenções verbais do musicoterapeuta, como assinalar as partes da canção que têm alguma relação com a personalidade, o momento ou situação vivida pelo paciente. Nem sempre o paciente precisa participar ativamente do canto. Ele pode escolher uma canção e o musicoterapeuta pode cantá-la ou até acompanhá-lo em seu canto. Luiz Tatit relaciona a canção com a linguagem falada quando coloca que o cancionista é “um gesticulador que manobra sua oralidade, e cativa, melodicamente, a confiança do ouvinte” (TATIT apud MILLECCO, BRANDÃO e MILLECCO, 2001, p. 83). Sendo assim, a canção pode ser comparada à regra de associação livre de Freud. A canção na musicoterapia “engana” a resistência do paciente, que pensa que apenas vai cantar uma canção. O que muitas vezes ele desconhece, é que esta canção vem a partir de associações de seu inconsciente. Depois de estabelecida a confiança, a aliança terapêutica e trabalhada a resistência do paciente, este sente-se mais confortável no processo, e o processo musicoterapêutico passa a promover mudanças. O paciente que antes se sentia desmotivado e que não sabia mais quais eram os seus desejos provavelmente resistia por medo, insegurança ou angústia, por não saber com o que teria que lidar. Com o tempo do processo o paciente adquire confiança na relação com o terapeuta, deixa um pouco de lado a resistência e se abre ao processo e às mudanças, e isto pode ser um fator que irá refletir-se nos aspectos motivacionais e no desejo dele.
  • 29. 29 CASO CLÍNICO Este capítulo ilustrará este trabalho com um exemplo de um caso clínico. 5.1 O Caso “V.” V, sexo feminino, 54 anos de idade, casada há 35 anos, com o diagnóstico de depressão, começou seu tratamento comigo em março de 2004. Suas maiores queixas eram a grande desmotivação e vontade de dormir, que não a deixava fazer as coisas que gostava. V. teve três filhos, dois faleceram logo após o parto por problemas congênitos. O terceiro filho morreu aos 18 anos, com a hipótese de suicídio. V. não acredita que foi sucídio. Desde então o quadro depressivo instalou-se. Hoje V. mora com seu marido e com o quarto filho, que é adotivo. V. queixou-se muito do marido. Disse-me que ele era ciumento e controlador, e que durante todo seu tempo de casamento foi passiva, anulou seus gostos, desejos e sentimentos para realizar os dele. V. fala do marido com muita raiva. V. já planejou muitas vezes seu suicídio. Tentou por duas vezes matar seu marido, uma atirando-lhe uma faca e outra envenenando sua cerveja, mas ficou com remorso e retirou o copo da mão dele. Dizia-me que somente quando o matasse seria realmente feliz, seria verdadeiramente ela, apresentando assim, um funcionamento muito fantasioso. Os primeiros contatos com esta paciente foram “frios”. Foi aplicado primeiramente o teste do perfil psicomusical elaborado pela musicoterapeuta francesa Verdeaux-Paillès, e percebi que V. não estava gostando do teste, mas que continuava com ele somente para me agradar. Deixou bem claro para mim, na entrevista inicial, que é viciada em analgésicos: “Não gosto de sentir dor”, e esclareceu também suas relações com a música. Disse que prefere ouvir a tocar. Fez aulas de piano e violão, mas não continuou, porque não gosta de tocar.
  • 30. 30 Em todas as sessões, V. verbalizava muito, e todas as vezes em que eu perguntava se ela gostaria de ouvir alguma música, ela dizia que não se lembrava de nenhuma no momento, e eu respeitava sua resistência. Durante várias sessões eu continuei perguntando, até que um dia ela quis ouvir “Fascinação”, da Elis Regina. Peguei o violão e comecei a cantar, pedi para que me ajudasse e ela comentou que não lembrava a letra. Eu disse a ela que tudo bem, que eu cantaria a música para ela. Comecei a cantar e V. acompanhou me, com uma voz fraca e bem afinada: “Os sonhos mais lindos sonhei De quimeras mil, um castelo ergui E no seu olhar, tonto de emoção Com sofreguidão mil venturas previ O teu corpo é luz, sedução Poema divino cheio de esplendor Teu sorriso prende, inebria entontece És fascinação, amor”. Destaco aqui a importância da ordem social no desejo pontuada por Rolnik. A terapeuta apoiou o canto da paciente, e por isso esta sentiu-se mais segura ao cantar. Transcorreram-se várias sessões, e eu percebia que seria difícil levá-la aos instrumentos, por isso decidi trabalhar com canções populares. V. sempre se mostrava muito tímida ao cantar, e disse para mim que nunca gostou de ser o alvo das atenções. Ao mesmo tempo, em seu discurso, ela me dizia que sentia culpa pelo suicídio do filho, por não ter conseguido resolver um problema entre ele e o pai. Tendo como base essas informações, pensei em dedicar uma música a ela em uma sessão. Como eu sabia que ela gostava do timbre do piano, sentei-me ao teclado da sala, ajustei o timbre para o piano e toquei “Alguém cantando”, de Caetano Veloso:
  • 31. 31 “Alguém cantando longe daqui, alguém cantando longe, longe Alguém cantando muito, alguém cantando bem, alguém cantando é bom de se ouvir Alguém cantando alguma canção, a voz de alguém nessa imensidão A voz de alguém que canta, a voz de um certo alguém Que canta como que pra ninguém A voz de alguém quando vem do coração De quem mantém toda pureza da natureza Onde não há pecado nem perdão” Ao terminar a música, o silêncio de V. permaneceu durante um tempo. Depois ela comentou: “Só não vou chorar porque não quero te deixar triste”. Isto eu considerei como uma pequena resistência que ela manifestou para não entrar realmente em contato com os próprios sentimentos. A partir desta sessão, V. começou a cantar e lembrar mais músicas. Em uma outra sessão, V. trouxe um álbum de fotografias e comentava que sentia como se não tivesse mais identidade, pois não tinha mais motivação nem para fazer os trabalhos manuais que fazia. “Antigamente, eu levava um dia para fazer um tapete de crochê”. Pedi então para que ela escolhesse uma foto, V. escolheu uma na qual ela estava sozinha. Pedi para que ela olhando para aquela foto, se dedicasse uma canção. Ela me disse: “Ah, tem que ser do Roberto Carlos” e logo após começou a cantar, muito tímida: “Tanto tempo longe de você, quero ao menos lhe falar A distância não vai impedir, meu amor, de te encontrar Cartas já não adiantam mais, quero ouvir a sua voz Vou telefonar dizendo que eu estou quase morrendo de saudade de você Eu te amo, eu te amo, eu te amo
  • 32. 32 Mas o dia que eu puder te encontar eu quero contar o quanto sofri Por todo este tempo que eu quis te falar Eu te amo, eu te amo, eu te amo...” Cantei a música junto com ela, ela resistia em chorar. Seus olhos estavam marejados, então eu lhe pedi para que cantasse a mesma música, mas em primeira pessoa. Ela cantou, com a voz trêmula: “Tanto tempo longe de mim, quero ao menos me falar A distância não vai impedir, meu amor, de me encontrar Cartas já não adiantam mais, quero ouvir a minha voz Vou telefonar dizendo que eu estou quase morrendo de saudade de mim Eu me amo, eu me amo, eu me amo Mas o dia que eu puder me encontrar eu quero contar o quanto sofri Por todo este tempo que eu quis me falar Eu me amo, eu me amo, eu me amo...” Ao terminar a canção, V. chorava muito. Perguntava-me como era possível que exatamente esta canção tinha vindo à sua mente. Respondi-lhe que era o que ela pensava e sentia, mas que apenas se tornou consciente quando eu lhe pedi para que cantasse. Ao término do primeiro semestre de atendimento, durante a entrevista devolutiva, V. comentou que não gostou de mim na primeira impressão. Disse que não queria nem mais voltar para a musicoterapia, mas que resolveu dar uma chance para mim, para ela e para o tratamento.
  • 33. 33 Hoje V. mudou muitos aspectos em seu comportamento: disse que não é mais tão passiva na relação com o marido e que hoje faz as coisas, come, se veste como ela gosta. Não tem mais o forte ciúme que tinha do filho adotivo em relação à sua nora. Hoje ela diz que o filho deve ter a vida que ele, não ela, escolher. Contou-me que agora gosta de sair sozinha, caminhar e passear, está mais motivada a fazer os trabalhos manuais que fazia antes da depressão. O caso de V. é um exemplo onde a principal forma de trabalhar a resistência foi o uso das canções, que possibilitaram, junto com o estabelecimento de uma aliança terapêutica, da escuta e do acompanhamento da terapeuta, uma abertura da paciente ao processo, e assim as mudanças foram acontecendo. V. conseguiu resgatar sua identidade através da canção e das intervenções musicoterapêuticas. O apoio da figura da terapeuta para que ela se sentisse mais segura em suas descobertas também foi muito importante. V. conseguiu perceber outra vez quais eram os seus desejos, e sentir-se motivada para alcançar seus objetivos. Percebeu também sua resistência à mudança, e como poderia encontrar novas formas de ser feliz.
  • 34. 34 CONCLUSÃO Durante a realização deste trabalho, foi concluído que os aspectos do desejo, e motivação se relacionam com a resistência, e que esta resistência tem várias formas de se apresentar. O mais importante também foi o destaque para a intervenção do musicoterapeuta. Se ele não intervém, ele pode estar contribuindo para a não-melhora do paciente ou até um agravamento da doença, no caso de pacientes com depressão. Mas também é importante destacar que esta intervenção deve ser “calculada”, de acordo com os objetivos que o terapeuta tem, de acordo com a aliança terapêutica e a empatia estabelecida. O destaque do trabalho foi o uso das canções dentro do processo terapêutico, dentro de uma abordagem psicanalítica. É claro que temos que frisar que o paciente tem que querer a mudança, tem que contribuir para que isto aconteça, e o musicoterapeuta é um agente facilitador. Ainda há mais complexidade dentro dos desejos, da motivação e da resistência que não puderam ser abordados neste trabalho, devido ao fato de que a mente humana é uma “caixinha de surpresas”. Como este trabalho foi desenvolvido por causa desta experiência clínica, ainda há mais a ser explorado, que poderá ser assunto de outras pesquisas sobre o tema.
  • 35. 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AIGEN, K. “Energia, resistência e transformação com música e fantasia criativa.” In: BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia: transferência, contratransferência e resistência. Rio de Janeiro: Enelivros, 1999. BARCELLOS, L. R. M. “Transferência, Contratransferência e Resistência no método Bonny” In: BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia: transferência, contratransferência e resistência. Rio de Janeiro: Enelivros, 1999. BARCELLOS, L. R. M. Cadernos de Musicoterapia 2. Rio de Janeiro: Enelivros, 1992. BERGAMINI C. W. CODA, R. Pscodinâmica da vida organizacional: motivação e liderança. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1997. BOWDITCH, J. L. BUONO, A. F. Elementos de comportamento organizacional. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002. BRUSCIA, K. E. Definindo Musicoterapia. 2 ed. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000. . CHAGAS, M. “Cantar é mover o som.” In: Anais do IV Fórum Estadual de Musicoterapia. Rio de Janeiro: AMT-RJ, 1998. DVORKIN, J. M.. “Considerações sobre questões de desenvolvimento e escolha de intervenções para trabalhar a resistência em musicoterapia”. In: BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia: transferência, contratransferência e resistência. Rio de Janeiro: Enelivros, 1999. ETCHEGOYEN, R. H. Fundamentos da técnica psicanalítica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. LAPLANCHE, J. Vocabulário de Psicanálise Laplanche e Pontalis. São Paulo: Martins Fontes, 1998. LOPES, T. V. M. Motivação no trabalho. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1980. MILLECCO, L. A. BRANDÃO, M. R. E. MILLECCO, R. P. É preciso cantar – musicoterapia, cantos e canções. Rio de Janeiro: Enelivros, 2001. NORDOFF, P. ROBBINS, C. Creative Music Therapy. New York: John Day Co., 1977.
  • 36. 36 PELLIZZARI, P. Musicoterapia psicoanalítica: el malestar en la voz. Buenos Aires: Ricardo R. Resio Editor, 1993. PRIESTLEY, M. Essays on Analytical Music Therapy. Phoenixville, PA: Barcelona Publishers, 1994 SAMPAIO, R. T. “Música e comunicação: reflexões sobre a biologia do conhecer e a musicoterapia”. In: Revista Brasileira de Musicoterapia. Ano V, n. 6. Rio de Janeiro: UBAM, 2002. SOTO, E. Comportamento Organizacional: o impacto das emoções. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. STEELE, P. H. “Aspectos da resistência em musicoterapia: teoria e técnica. In BARCELLOS, L. R. M. Musicoterapia: transferência, contratransferência e resistência. Rio de Janeiro: Enelivros, 1999.