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FILOSOFIA




O Teeteto e a
Apologia




JORGE NUNES BARBOSA
Prefácio
Este texto destina-se aos meus alunos de Filosofia.         tras são localizadas nos mapas atuais, a partir das infor-
                                                            mações contidas na “Wikipedia”. O mesmo acontece
Foi composto a partir de apontamentos meus, muitos
                                                            com o valor do dinheiro da época que foi apurado a par-
deles sem qualquer referência, por se destinarem mais
                                                            tir da conversão das minas em dracmas.
a apoiar as minhas leituras do que a serem alguma vez
publicados, e a partir das obras de Platão: O Teeteto e a   A escrita deste texto, começada há já bastante tempo,
Apologia, em língua francesa. No meu tempo de estu-         foi interrompida e interrompe, agora, a escrita de um
dante de Filosofia no Ensino Superior, as obras de Pla-     outro texto sobre a Doutrina Social da Igreja (DSI). Na
tão não estavam acessíveis em língua portuguesa, pelo       verdade, este último tem-se revelado mais complexo do
que me habituei a lê-las em francês. Mais tarde, tendo      que era minha intenção inicial: A DSI não se compade-
completado a minha formação superior numa Universi-         ce com uma escrita esquemática, como aquela que eu
dade francesa, adquiri o gosto por ler Platão e outros      pensava fazer.
autores clássicos em francês. Desta circunstância, resul-
                                                            Tanto Platão como a DSI concordam num ponto em ter-
ta uma leitura do Teeteto que não coincide inteiramen-
                                                            mos de política: a justiça é o bem maior do Estado, a
te com aquela que se encontra nos manuais portugue-
                                                            justiça ou o bem comum. A liberdade individual deve
ses: assume-se que o tema do Teeteto é a ciência e não
                                                            subordinar-se à justiça. Numa época, em que as conce-
o conhecimento. No entanto, é mantida a terminologia,
                                                            ções políticas, por fanatismo liberal, se aproximam peri-
habitual nesses manuais, relativa à opinião e à opinião
                                                            gosamente de conceções e sobretudo de práticas anar-
verdadeira, por ser irrelevante outra qualquer, se o
                                                            quistas, quer Platão, quer a DSI podem, a par das teori-
tema considerado for o da Ciência.
                                                            as de Rawls ou de Amartya Senn, ser refrescantes e pro-
Os pormenores que se referem à vida de Sócrates são         missoras. A justiça de que aqui se fala não é a justiça
sobretudo influenciados pela História da Filosofia de       dos tribunais, que essa tem sempre origem na injusti-
Magalhães Vilhena. São acrescentados mapas, retira-         ça, mas a justiça que, se existisse, dispensaria os tribu-
dos do “google maps” para ilustrar a região geográfica      nais.
por onde Sócrates viajou. Algumas dessas localidades,
                                                            Jorge Nunes Barbosa	

 	

   	

   	

   	

   Julho, 2012
como Mégara e Kifissia, conheci-as pessoalmente, ou-

                                                                                                                         ii
C APÍTULO 1



A Vida de
Platão


A poesia enfrentava um declínio evidente
em Atenas, mas a prosa estava em ascen-
são. Lísias (que aparece em, pelo menos,
dois diálogos de Platão) escrevia discur-
sos de defesa em tribunal (parece que es-
creveu mesmo um para Sócrates), e Isó-
crates tinha fundado uma escola de retóri-
ca.
Platão nasceu em Atenas no ano 428-427 a.C., no povo-
                                   ado de Collytos. Segundo Diógenes de Laércio, o seu
Vida Atribulada de Platão          pai Aríston era descendente de uma família real, a famí-
                                   lia de Codros, o último rei de Atenas. A sua mãe, Pericti-
                                   one, irmã de Carmides e prima de Crítias, o tirano, des-
                                   cendia de Drópides, que Diógenes de Laércio dizia ser
                                   irmão de Sólon, um dos sete sábios da Grécia.

                                   A tradição mandava que a uma criança, como Platão,
S UMÁRIO                           fosse atribuído o nome do seu avô. Portanto, Platão de-
1. A Vida de Platão                veria ter-se chamado Aristocles. Segundo Diógenes de
                                   Laércio, o nome de Platão foi-lhe dado pelo seu mestre
2. Resumo da Filosofia de Platão   de ginástica, em alusão à sua corpulência.
3. O Teeteto
                                   A família de Platão possuía uma propriedade em Kifis-
4. A Apologia de Sócrates                                    sia, onde atualmente se situa
                                                             uma estação terminal da li-
                                                             nha 1 do metro de Atenas.
                                                             Aí, deve ter aprendido a gos-
                                                             tar da calma da vida rural,
                                                             mas, muito provavelmente,
                                                             deve ter passado a maior par-
                                                             te da sua infância na cidade,
                                                             para poder ter acesso à edu-
                                                             cação própria da sua condi-
                                                             ção social (o metro que liga o
                                                             centro da cidade de Atenas a

                                                                                           4
Kifissia é muito recente...). O mais certo, tendo em con-   lecida a constituição democrática em Atenas, Platão já
ta as suas origens de nobreza, é que tenha aprendido a      não estava tão confiante numa carreira política. A con-
honrar os deuses e a respeitar os rituais da religião,      denação de Sócrates pelo regime democrático desilu-
como era tradição em todas as famílias de bem. Mante-       diu-o de forma irrecuperável e definitiva. Ele tinha
rá durante toda a sua vida este respeito pela religião e    mantido a esperança de que a democracia haveria de
imporá esse respeito nas suas Leis. Para além da ginás-     melhorar a vida política; vendo que o mal parecia incu-
tica e da música, que eram a base da educação atenien-      rável, dedicou-se completamente a preparar, através
se, também terá sido iniciado no desenho e na pintura.      das suas obras, alterações políticas de fundo, onde os
Em filosofia, a sua formação terá começado com as li-       filósofos, preceptores e governantes da humanidade,
ções de um discípulo de Heraclito, Crátilo, cujo nome       haveriam de pôr fim à maldade que ele tanto repudia-
foi dado, por Platão, a um dos seus diálogos. Eram-lhe      va.
reconhecidos talentos para a poesia. Foi testemunha
                                                            Segundo consta, Platão estaria doente quando Sócrates
dos sucessos de Eurípides e Ágaton, e ele próprio com-
                                                            bebeu a cicuta, e, por isso, não pôde estar presente nos
pôs tragédias, poemas líricos e ditirambos.
                                                            seus últimos momentos. Após a morte do mestre, reti-
Com cerca de vinte anos de idade, Platão conheceu Só-       rou-se para Mégara (atualmente um aglomerado agríco-
crates. Diz-se que queimou as suas tragédias e que se       la a 43Km de Atenas, atravessado pela auto-estrada Ate-
dedicou completamente à filosofia. Sócrates tinha dedi-
cado toda a sua vida a ensinar a virtude aos seus conci-
dadãos: a reforma (a conversão à virtude) dos cidadãos
era a condição necessária e indispensável para o bem-
estar da cidade. Este será também o objetivo principal
da vida de Platão que, tal como o seu primo Crítias e o
seu tio Cármides, ambicionava dedicar-se a uma carrei-
ra política; no entanto, os excessos dos Trinta (um go-
verno oligárquico de Atenas composto por trinta magis-
trados) acabaram por o horrorizar. Quando foi restabe-
                                                                                                                  5
nas-Corinto), para junto de Euclides e Terpsion, tal                            co Teodoro, que será um dos inter-
como ele, discípulos de Sócrates. Mais tarde, teve de                           locutores do Teeteto. De Cirene,
voltar a Atenas para cumprir serviço militar na cavala-                         passou para Itália, onde fez amiza-
ria. Participou, segundo parece, nas campanhas de 395                           de com os pitagóricos Filolau, Ar-
e de 394 da guerra de Corinto. Na verdade, Platão nun-                          quitas e Timeu. Não é seguro que
ca se referiu aos seus serviços militares, mas sempre                           tenha sido com estes pitagóricos
preconizou os exercícios militares para desenvolver o                           que Platão passou a acreditar na
vigor físico dos jovens.                                                        migração das almas; mas a eles
                                                                                deve seguramente a ideia de eterni-
O desejo de instrução levou Platão a viajar. Cerca de
                                                                                dade da alma, que haveria de ser a
390, dirigiu-se ao Egito, levando consigo um carrega-
                                                            pedra angular da sua filosofia; essa ideia de imortalida-
mento de azeite para pagar a viagem. Aí, tomou contac-
                                                            de da alma forneceu a solução para o problema do co-
to com artes e costumes com milhares de anos de tradi-
                                                            nhecimento. Com esses pitagóricos, Platão aprofundou
ção. Há quem pense que foi graças ao espetáculo desta
                                                            também os seus conhecimentos em aritmética, em as-
civilização, fiel a antigas tradições, que Platão criou a
                                                            tronomia e em música.
ideia de que:

  os homens podem ser felizes, se respeitarem as for-
  mas imutáveis de vida,

   a música e a poesia não necessitam de novas cria-
  ções, e

  basta descobrir a melhor constituição e forçar os po-
  vos a aderir a ela para se viver numa cidade justa.

Do Egito, partiu para Cirene (colónia grega na região
da Líbia atual), onde frequentou a escola do matemáti-      Dirigiu-se, depois, para a Sicília e, em Siracusa, assistiu
                                                            às farsas populares e comprou o livro de um autor de
                                                                                                                      6
farsas em prosa. Foi recebido na corte de Dionísio na        que escreveu mesmo um para Sócrates), e Isócrates ti-
qualidade de estrangeiro distinto (diríamos agora VIP)       nha fundado uma escola de retórica. Dois discípulos de
                                 e conquistou para a filo-   Sócrates, Ésquines e Antístenes, que tinham tomado a
                                 sofia o cunhado do tira-    defesa do mestre, tinham uma escola e publicavam es-
                                 no. No entanto, não du-     critos ao gosto do povo ateniense. Platão dedicou-se
                                 rou muito tempo a cor-      também ao ensino; mas, em vez de o fazer através da
                                 dialidade de Dionísio       conversa, como Sócrates, fundou uma escola à imagem
                                 que o despachou num         das sociedades pitagóricas. Comprou um terreno próxi-
                                 barco com destino a         mo do ginásio do bosque de Academos, e aí mandou
                                 Egina (uma ilha a cer-      construir a sua escola. Daí, o nome de Academia, dado
                                 ca de 27 Km de Atenas,      à escola de Platão. Os seus alunos formavam um grupo
com a qual, na época, estava em conflito aberto), como       de amigos, cujo presidente era escolhido pelos jovens
escravo do Lacedemónio Pollis. Felizmente, um Cire-          que, sem dúvida, pagariam uma espécie de cotização.
neu, que reconheceu Platão, comprou a sua liberdade
                                                             Não se sabe nada dos vinte anos da vida de Platão, que
pelas vinte minas que ele tinha valido no mercado de
                                                             decorreram entre o seu retorno a Atenas e a sua nova
Siracusa (cerca de 128 dracmas - mal comparando, um
                                                             deslocação à Sicília. Nem nas suas obras se encontra
euro equivale à conversão de 340,750 dracmas, nos
                                                             qualquer alusão aos acontecimentos seus contemporâ-
tempos atuais). Platão voltou, então, a Atenas, muito
                                                             neos:
provavelmente com cerca de quarenta anos.
                                                                a reconstituição do império marítimo da Atenas,
Nesse ano (388 a.C.), Eurípides já tinha morrido e não
tinha sucessor à sua altura, Aristófanes acabava de re-         aos sucessos de Tebas com Epaminondas,
presentar a sua última tragédia, e o teatro cómico esta-
va em decadência. A poesia enfrentava um declínio evi-          à decadência de Esparta.
dente em Atenas, mas a prosa estava em ascensão. Lí-         Entretanto, Dionísio, o antigo, tinha morrido em 368.
sias (que aparece em, pelo menos, dois diálogos de Pla-      O seu cunhado, Deão, esperava poder influenciar o pen-
tão) escrevia discursos de defesa em tribunal (parece
                                                                                                                      7
samento de Dionísio, o jovem, sucessor de seu pai. So-     ser o mestre de Dionísio, ficou retido em Siracusa du-
nhava, ao que parece, transformar a tirania numa mo-       rante todo o Inverno. Finalmente, na primavera do ano
narquia constitucional, onde a lei e a liberdade pudes-    de 365, Dionísio autorizou-o a partir, sob promessa de
sem conviver pacificamente. Por isso, pediu ajuda a Pla-   voltar com Deão. Platão e Dionísio separaram-se, ape-
tão. Platão ainda alimentava a ambição de desempe-         sar de tudo, como amigos, graças sobretudo às diligên-
nhar um papel político importante, pondo em prática o      cias bem sucedidas de Platão junto de Arquitas de Ta-
seu sistema. Deixou a direção da sua escola a Eudoxo,      rento para que aceitasse fazer uma aliança com Dioní-
reforçando, deste modo, a sua amizade com Arkitas,         sio.
matemático filósofo que governava Tarento. Quando
                                                           De volta a Atenas, Platão encontrou Deão que levava
chegou a Siracusa, no entanto, a situação já tinha muda-
                                                           uma vida faustosa. Retomou o ensino. Entretanto, Dio-
do. Foi muito bem recebido por Dionísio, mas muito
                                                           nísio, aparentemente, tinha ganho o gosto pela filoso-
mal pelos partidários da tirania. Por outro lado, tendo-
                                                           fia. Tinha chamado à sua corte dois discípulos de Sócra-
se apercebido de que o tio, Deão, o queria manter sob
                                                           tes, Ésquino e Aristipo de Cirene, e manifestou o desejo
sua tutela, Dionísio expulsou-o de Siracusa. Enquanto
                                                           de voltar a encontrar-se com Platão. Na Primavera de
Deão foi viver para Atenas, Platão, sob o pretexto de
                                                           361, enviou um vaso de guerra ao Pireu. O seu coman-
                                                           dante era portador de cartas de Árquitas de Tarento e
                                                           de Dionísio, em que Árquitas lhe garantia a sua segu-
                                                           rança pessoal, e Dionísio lhe relembrava o interesse no
                                                           retorno de Deão no ano seguinte. Platão acreditou nes-
                                                           tes pedidos e partiu para Siracusa com um seu sobri-
                                                           nho, Speusipo. Novos contratempos o esperavam em
                                                           Siracusa, na Sicília: não conseguiu convencer Dionísio
                                                           a mudar de vida. Entretanto, Dionísio embargou os
                                                           bens de Deão. Platão quis partir; o tirano reteve-o, e foi
                                                           necessária a intervenção de Árquitas para que ele pu-

                                                                                                                   8
desse deixar Siracusa, na Primavera de 360. Encon-
trou, depois, Deão na cidade de Olímpia.

Sabe-se que, tendo sabido que Dionísio se tinha apro-
priado da sua mulher e oferecido a outro, Deão mar-
chou contra ele em 357 e apoderou-se de Siracusa. Aca-
bou por ser assassinado quatro anos depois, em 353.
Platão sobreviveu-lhe cinco anos.

A academia de Platão sobreviveu até 529 da nossa era,
ano em que o imperador Justiniano a mandou fechar.




                                                         9
C APÍTULO 2



A Filosofia de
Platão

Ninguém falou do bem e do belo com um
entusiasmo tão comunicativo. A vida que
vale a pena ser vivida, diz ele no Banque-
te, é a do homem que se elevou do amor
pelos corpos belos, ao amor pelas almas
belas, e deste, ao amor pelas belas ações,
depois, ao amor pelas belas ciências, até
à beleza absoluta que atravessa os cora-
ções com um arrebatamento inexprimí-
vel.
Nas suas primeiras obras, isto é, nos diálogos chama-                                      perto das fronteiras da
dos socráticos, Platão, fiel discípulo de Sócrates, dedi-                                  Grécia com a Turquia e a
ca-se, tal como este, a definir as ideias morais. Procura                                  Bulgária - antiga Trácia),
saber o que é a coragem, a sabedoria, a amizade, a pie-                                    travou conhecimento com
dade, a virtude. Sócrates acreditava que basta conhecer                                    Demócrito e com o ato-
o bem para o praticar, e que, por conseguinte, a virtude                                   mismo, uma das mais ge-
é ciência e o vício é ignorância. Platão manter-se-á fiel,                                 niais criações da filosofia
durante toda a sua vida, a esta doutrina. Tal como Só-                                     grega antes de Platão.
crates, honrará os deuses e defenderá que a virtude con-
                                                                                            De qualquer modo, o sis-
siste em se assemelhar a eles, tanto quanto o permita a
                                                                                            tema de Platão é uma sín-
fraqueza humana. Como Sócrates, acreditará que o
                                                                                            tese de tudo o que se sa-
bem é o fim supremo de toda a existência e que é no
                                                                                            bia no seu tempo, mas so-
bem que deve ser procurada a explicação do universo.
                                                                                            bretudo das doutrinas de
Mas, por muito dócil que Platão tenha sido às lições de                                     Sócrates, de Heraclito, de
Sócrates, a sua grande ambição de saber impediu que          Parménides e dos Pitagóricos. A teoria platónica das
se limitasse ao ensino puramente moral do seu mestre.        ideias é a base e a originalidade de todo o seu sistema.
Antes de conhecer Sócrates, tinha recebido lições de
                                                             Inicialmente, Platão tinha estudado a doutrina de Hera-
Crátilo que o familiarizou com a doutrina de Heraclito.
                                                             clito que se baseava no fluir universal das coisas. “Tudo
Também estudou as teorias dos Eleatas (Parménides),
                                                             flui, dizia Heraclito, nada permanece. O mesmo ho-
de Anaxágoras e os escritos de Empédocles. Durante a
                                                             mem não entra duas vezes no mesmo rio”. Desta ideia,
sua viagem a Cirene, aperfeiçoou-se na geometria e, em
                                                             Platão retira a consequência de que os seres, que se en-
Itália, dedicou-se ao estudo da aritmética, da astrono-
                                                             contram em perpétuo devir, dificilmente merecem o
mia, da música e da medicina dos pitagóricos. Tinha in-
                                                             nome de seres, e sobre eles só podemos formar opini-
tenção de visitar a Jónia e as cidades costeiras do mar
                                                             ões confusas, incapazes de se justificar a si mesmas.
Egeu, mas a guerra com a Pérsia demoveu-o dessa
                                                             Não podem ser objeto de uma verdadeira ciência, pois
ideia. Em Abdera (localidade que se situa atualmente
                                                                                                                    11
não não há ciência do que está em perpétua mudança;         são (à sua frente) as sombras projetadas dos objetos,
só há ciência do que é fixo e imutável. Todavia, quando     que desfilam por trás deles iluminados pela luz de uma
observamos atentamente esses seres em mutação per-          fogueira. Os objetos que passam por trás dos prisionei-
manente, damo-nos conta de que reproduzem, dentro           ros são os objetos do mundo inteligível (as Ideias), a
da mesma espécie, características constantes. Estas ca-     luz que os ilumina é a ideia de Bem, origem de toda a
racterísticas transmitem-se de indivíduo para indiví-       ciência e de toda a existência. Reconhece-se aqui a dou-
duo, de geração para geração. São, portanto, cópias de      trina de Parménides (escola Eleata), para quem o mun-
modelos universais, imutáveis, eternos a que Platão dá      do não passa de aparência, e para quem a única realida-
o nome de Formas ou de Ideias. Na nossa linguagem           de é a Unidade. Mas enquanto, para Parménides, o Ser
corrente, entendemos por ideia uma modificação, um          uno e imutável é uma abstração, para Platão, é o Ser
ato do espírito. Na linguagem de Platão, a Ideia expri-     por excelência, fonte de onde brota toda a vida.
me, não o ato do espírito que conhece, mas o próprio
                                                            A Ideia do Bem, diz Platão, está no limite do mundo in-
objeto que é conhecido. Assim, a Ideia de homem é a
                                                            teligível: é a última e a que ocupa o lugar mais alto; ad-
forma ideal de homem, que todos os homens reprodu-
                                                            mite, em todo o caso, que existe uma hierarquia de Idei-
zem com maior ou menor perfeição. Esta forma é pura-
                                                            as. No livro X da República, parece aceitar que todos os
mente inteligível, isto é, não se apreende pelos senti-
                                                            objetos da natureza e as criações do homem, como um
dos, mas nem por isso deixa de ser viva. É mesmo o úni-
                                                            banco ou uma mesa, retiram a sua existência de uma
co ser verdadeiramente vivo, pois as suas cópias, estan-
                                                            Ideia e que as Ideias são em número indeterminado.
do sempre em mudança, são mortais. A Ideia de ho-
                                                            Mas, habitualmente, só fala das Ideias do Belo, do Jus-
mem é aquilo que realmente existe, que é eterno e imu-
                                                            to e do Bem.
tável e, por isso, é aquilo que pode ser conhecido e ser
objeto da ciência.                                          A teoria das Ideias está estreitamente associada à dou-
                                                            trina da reminiscência e da imortalidade da alma. A
Platão ilustrou a sua teoria das Ideias na célebre alego-
                                                            nossa alma, que existiu antes de nós e passará para ou-
ria da caverna, onde os homens são comparados a prisi-
                                                            tros corpos depois de nós, já conheceu essas Ideias,
oneiros acorrentados que não podem virar a cabeça
                                                            mais ou menos vagamente, num outro mundo. O mito
para trás e que só vêem na parede do fundo da sua pri-
                                                                                                                   12
do Fedro mostra-nos a alma a subir as escadas para o        então deve ser a ciência de todos os bens e de todos os
céu, atrás do cortejo dos deuses, para ir contemplar as     males; nesse caso, essa definição aplicar-se-ia à virtude
Ideias do outro lado da abóbada celeste. Ela traz de lá     em geral e não especificamente à coragem. A partir da-
uma lembrança obscura que a filosofia se esforça por        qui os três interlocutores separam-se sem alcançarem a
esclarecer. Este esforço de esclarecimento implica um       definição procurada. Mas dá para perceber o processo
treino inicial destinado a despertar a reflexão.            que, de uma proposição, passa a outra mais compreen-
                                                            siva, até que se chegue à ideia geral que compreenderá
As ciências que se caracterizam pelo raciocínio puro, a
                                                            todos os casos e distinguir-se-á das ideias vizinhas. Pla-
aritmética, a geometria, a astronomia, são as mais indi-
                                                            tão aplica este método socrático ao domínio das Ideias,
cadas para nos familiarizar com o mundo do inteligível.
                                                            para as alcançar a elas, subindo das Ideias inferiores
A dialética surge então como o método mais eficaz. Pla-
                                                            até à Ideia do Bem. Temos de começar por uma hipóte-
tão parte da dialética socrática, espécie de conversa,
                                                            se a respeito do objeto estudado. Essa hipótese é verifi-
através da qual se busca a definição de uma virtude. As-
                                                            cada pelas conclusões a que conduz. Se as conclusões
sim, no diálogo Laques, os três interlocutores, Laques,
                                                            forem insustentáveis, a hipótese é rejeitada. Uma outra
Nicias e Sócrates procuram definir coragem. Laques
                                                            hipótese toma o seu lugar, sujeitando-se ao mesmo pro-
propõe uma primeira definição: “O homem corajoso,
                                                            cedimento, até que se encontre uma que resista ao exa-
diz ele, é o que se mantém firme contra o inimigo”. Só-
                                                            me da sua sustentabilidade. Cada hipótese é um degrau
crates considera esta definição muito pobre, pois a cora-
                                                            que nos conduz à Ideia. Quando tivermos examinado
gem pode ser aplicada em muitas outras circunstânci-
                                                            deste modo todos os objetos de conhecimento, alcança-
as. Laques propõe, então, uma nova definição: “A cora-
                                                            remos todos os princípios (arkai) incontestáveis, não
gem é uma espécie de firmeza”. Mas se essa firmeza se
                                                            somente em si mesmos, mas também na sua mútua de-
basear na loucura e na ignorância, responde Sócrates,
                                                            pendência e na relação que têm com o princípio superi-
não poderá corresponder à coragem. Por seu turno, Ni-
                                                            or e absoluto que é a Ideia de Bem. O diálogo Parméni-
cias diz que a coragem é a ciência que nos permite dis-
                                                            des fornece-nos um exemplo deste procedimento. Este
tinguir aquele que devemos temer daquele de quem
                                                            procedimento exige uma inteligência superior e um tra-
não precisamos de ter medo. A esta definição, Sócrates
                                                            balho incansável, de que só o filósofo é capaz.
apresenta outra objeção. Se a coragem é uma ciência,
                                                                                                                   13
Mas a dialética não é suficiente para compreendermos       modificando-as um pouco, fizeram delas dogmas religi-
todas as coisas. Há segredos impenetráveis para a ra-      osos.
zão, cuja posse os deuses reservaram para si mesmos.
Podem, é verdade, deixar que alguns homens privilegia-
dos tenham uma visão desses segredos, sem lhes dar o
privilégio de os alcançar plenamente. Os deuses permi-
tem, por exemplo, que os adivinhos conheçam, embora
imperfeitamente, o futuro e que os artistas tenham ins-
pirações; é o caso de Sócrates, a quem os deuses favore-
ceram, com informações privilegiadas. Assim, talvez se
verifiquem, nos poetas e nas crenças populares, traços
de uma revelação divina, que lançariam alguma luz so-
bre as nossas origens e o nosso destino após a morte.
Os Egípcios acreditavam que os homens são julgados
pelos seus atos após a morte, e os Pitagóricos acredita-
vam que a alma passa do corpo de um animal para o de
um outro. Platão não desprezou a recolha destas cren-
ças, mas recusou-se a dá-las como certas. Para ele, são
esperanças ou sonhos que ele expõe em mitos de uma
poesia sublime. A sua imaginação transmite-lhes um
brilho mágico e sugere pormenores tão precisos, que se
diria que Platão assistiu aos mistérios do Além. Encon-
trou nesse Além limbos, um purgatório e um inferno
eterno reservado à almas incorrigíveis. Estas visões ex-
traordinárias impressionaram de tal modo os espíritos
do seu tempo e dos tempos seguintes que os cristãos,

                                                                                                              14
o instinto e o desejo que atraem os homens para ob-
                                                               jetos sensíveis e para desejos grosseiros.
A Psicologia
                                                            O ponto mais fraco desta conceção é a reduzida valori-
                                                            zação da vontade livre. Platão defende, tal como Sócra-
                                                            tes, que o conhecimento do bem implica a adesão da
                                                            vontade, o que dificilmente se compagina com a experi-
                                                            ência. Platão tentou estabelecer os princípios que re-
                                                            gem a sobrevivência da alma através de demonstrações
                                                            dialéticas, e expôs no Górgias, na República e no Fé-
                                                            don as migrações e as purificações a que alma é subme-
                                                            tida, antes de voltar à terra e entrar num novo corpo. O
A psicologia de Platão é marcada por características        detalhe destas descrições varia, no entanto, de obra
profundamente espiritualistas. A alma é eterna. Antes       para obra.
de se unir ao corpo, contemplou as Ideias e, graças à re-
miniscência, pode reconhecê-las depois de ter incarna-
do num corpo. Devido à coabitação com a matéria, a
alma perde a sua pureza e adquire três componentes di-
ferentes:

   uma componente superior, ou a razão, faculdade
   contemplativa, destinada a governar e manter a har-
   monia entre ela e as duas componentes inferiores,

   a coragem, faculdade nobre e generosa que inclui ao
   mesmo tempo desejos elevados da nossa natureza e
   a vontade,

                                                                                                                  15
vel da cidade. Esta é constituída por três tipos de cida-
                                                           dãos que correspondem às três componentes da alma:
A Política
                                                              os magistrados filósofos que representam a razão;

                                                              os guerreiros que representam a coragem e que são
                                                              encarregados de proteger o Estado dos inimigos ex-
                                                              ternos e de fazer os cidadão obedecer às leis do Esta-
                                                              do;

                                                              finalmente, os trabalhadores, os artesãos e os co-
                                                              merciantes que representam o instinto e o desejo.

                                                           Para estes três tipos de cidadãos, a justiça consiste, tal
A política de Platão é modelada pela sua psicologia,
                                                           como para os indivíduos, em cumprir a sua função espe-
pois, no seu entender, os costumes do Estado são neces-
                                                           cífica. Os magistrados governam, os guerreiros obede-
sariamente modelados pelos dos indivíduos. A base fun-
                                                           cem aos magistrados, e os outros obedecem aos dois;
damental do Estado é a justiça: o Estado não pode exis-
                                                           deste modo, reinará a harmonia, isto é, a justiça entre
tir sem justiça. Platão entende a justiça de uma forma
                                                           as três categorias de cidadãos. A educação deve prepa-
mais ampla do que aquela que é habitual para a maior
                                                           rar os magistrados, os guerreiros e os auxiliares para o
parte das pessoas. Para um grande número de pessoas,
                                                           exercício das suas futuras funções, sendo também um
a justiça consiste em dar a cada um o que é seu. Sócra-
                                                           meio para determinar as características que definem,
tes rejeita esta definição no primeiro livro da Repúbli-
                                                           em cada um, a categoria social a que deve pertencer.
ca. Para ele, ao nível individual, a justiça consiste em
                                                           Tal como os homens, as mulheres também devem bene-
que cada componente da alma cumpra a função que lhe
                                                           ficiar dessa educação, uma vez que, segundo Platão,
é própria: que o desejo se submeta à coragem e que a
                                                           elas são tão aptas como os homens. Assim, as mulheres
coragem se submeta à razão. O mesmo se passa ao ní-
                                                           devem poder aceder aos mesmos cargos dos homens in-
                                                           cluindo a função de guerreiro. Os magistrados devem
                                                                                                                   16
ser escolhidos de entre os mais dotados, que tenham         O interesse pessoal seria suprimido através do estabele-
evidenciado uma maior dedicação ao bem público. De-         cimento da comunidade de bens, e o espírito de família
vem ser formados na dialética, para que possam con-         através da comunidade das mulheres e das crianças,
templar as Ideias e governar o Estado de acordo com a       que deveriam ser educadas pelo Estado. No entanto,
Ideia de Bem. Importa esclarecer que estas três catego-     esta comunidade de bens, de mulheres e de crianças
rias, ou classes, não correspondem a castas ou a privilé-   não deveria abranger todo o povo; só seria regra para
gios transmitidos de geração em geração; pelo contrá-       as duas ordens superiores, as únicas capazes de com-
rio, as crianças são encaminhadas para uma ou para ou-      preender o valor dessa comunidade e submeter-se a ela
tra categoria, de acordo com as aptidões que revelem        em nome do bem público. Por outro lado, os casamen-
possuir durante o processo de formação, e não de acor-      tos não poderiam ser deixados ao critério dos jovens:
do com os recursos ou estatuto social da sua família.       sendo efémeros como a experiência dizia que eram, se-
                                                            ria da competência dos magistrados regulá-los oficial e
Por outro lado, o Estado deve ser de dimensão reduzi-
                                                            solenemente.
da. Na verdade, Platão considerava que o pior perigo
para o Estado seria a sua divisão interna. Por isso, não    Platão não tinha quaisquer dúvidas a respeito da difi-
acredita na viabilidade da justiça em Estados de grande     culdade em pôr em prática o seu sistema. Ele sabia que
dimensão, do tipo do império Persa, como defendia Xe-       a doutrina das Ideias, em que ele se baseava, era incom-
nofonte. O seu modelo de Estado eram as cidades gre-        preensível para a multidão e que, por conseguinte, a
gas. Um Estado pequeno não corre o risco de se dividir      sua Constituição teria de ser imposta à maioria do
com a mesma facilidade de um grande Estado, forma-          povo, mesmo que fosse contra a sua vontade, e que
do por povos diferentes, e facilita também a supervisão     essa imposição só seria eficiente se fosse conduzida por
dos magistrados. Para evitar a divisão, o pior dos males    um rei filósofo, e filósofo à maneira de Platão. Houve
de que sofriam as cidades gregas, deveriam ser suprimi-     um momento em que parece que ele acreditou encon-
dos os inimigos mais temíveis da unidade:                   trar esse rei filósofo em Dionísio de Siracusa, o jovem,
                                                            e no seu amigo Deão. O seu fracasso junto do primeiro,
   o interesse pessoal, e
                                                            e o assassinato do segundo, depois de ter usurpado o
   o espírito de família.                                   poder a Dionísio, retiraram-lhe todas as ilusões. Mas a
                                                                                                                  17
política tinha sido sempre uma das preocupações domi-
nantes de Platão. Já velho, volta a pegar na pena para
redigir uma nova Constituição, que expôs em As Leis.
Esta nova Constituição baseia-se nos mesmos princípi-
os, mas é mais prática e abdica da comunidade dos
bens, das mulheres e das crianças.




                                                         18
Para determinar qual destes três prazeres é superior,
                                                             basta consultar aqueles que têm experiência deles. Ora,
A Moral                                                      o artesão, que procura o lucro, não conhece os outros
                                                             dois prazeres; o ambicioso, por seu turno, não conhece
                                                             o prazer da ciência; só o filósofo tem a experiência dos
                                                             três tipos de prazer e, por isso, é o único capaz de ter
                                                             opinião fundamentada sobre todos. Nesta linha de pen-
                                                             samento, aos seus olhos, o maior e o mais puro de to-
                                                             dos os prazeres é o prazer de conhecer próprio do filóso-
                                                             fo.
A Moral                                                      Por outro lado, uma vez que ele considera que o corpo
A moral de Platão tem um caráter, ao mesmo tempo, as-        é um empecilho da alma, que é como um objeto de
cético e intelectual. Platão reconhece, tal como Sócra-      chumbo que dificulta e impede mesmo que a alma voe
tes, que a felicidade é o fim natural da vida; mas, ao ní-   para as regiões superiores da Ideia, é necessário mortifi-
vel dos prazeres, de que depende a felicidade, há a mes-     cá-lo e libertar a alma, tanto quanto possível, das neces-
ma hierarquia que caracteriza as componentes da              sidades grosseiras que têm origem no corpo. Assim, a
alma. Cada componente da alma dá-nos um prazer es-           virtude consiste na submissão dos desejos inferiores ao
pecífico:                                                    desejo de conhecer, ao gosto ou amor pela sabedoria (fi-
                                                             losofia). Conhecendo o bem, o homem é naturalmente
   a razão, o prazer de conhecer;                            virtuoso, pois não é possível vê-lo sem o desejar; o vício
   a coragem, as satisfações da ambição;                     tem sempre origem na ignorância. Embora Platão redu-
                                                             za a ignorância a um erro de cálculo, ou a um erro de
   o desejo, os prazeres grosseiros a que Platão cha-        dialética, nem por isso deixa de a considerar suscetível
   mou o prazer do lucro.                                    de ser punida. O mau, segundo ele, deveria submeter-
                                                             se, a si mesmo, a expiar a sua ignorância. Em todo o

                                                                                                                    19
caso, se escapar neste mundo, não escapará no outro,
pensava Platão.




                                                       20
rem proceder de outro modo, proibi-los-emos de traba-
                                                            lhar na nossa cidade.” Em resultado destes princípios,
A Estética                                                  Platão proíbe todos os tipos musicais que não respei-
                                                            tem os estilos dório e frígio, os únicos que convêm à se-
                                                            riedade dos guerreiros. Proíbe a tragédia, cuja tendên-
                                                            cia para o queixume poderia amolecer o coração; proí-
                                                            be a comédia humorística (a bobice) e até o riso, que
                                                            condiz mal com a seriedade. Critica o próprio Homero,
                                                            de quem ele tanto gosta, cujos poemas conhece de cor e
                                                            que cita vezes sem conta, por não achar graça à descri-
A estética de Platão depende da teoria das Ideias e, tam-   ção que faz dos deuses como se fossem tão imorais
bém, da moral e da política, elas igualmente modeladas      como os homens. Depois de o ter “coroado com flores”,
pela doutrina das Ideias. Com efeito, as Ideias são imu-    Platão acaba por condenar Homero ao silêncio na sua
táveis e eternas. Uma vez que é nosso dever regularmo-      República. Em todo o caso, os mais desprezíveis para
nos por elas, as artes serão, tal como as Ideias, imutá-    ele são os pintores e os escultores. Como as suas obras
veis e estabelecidas para sempre. Platão não prevê a ne-    não passam de cópias incompletas dos objetos sensí-
cessidade de qualquer tipo de inovação, nem na poesia,      veis, e estes são cópias imperfeitas das Ideias, segundo
nem nas artes em geral. Uma vez alcançado o ideal, de-      Platão, elas distanciam-se, em três degraus, da verda-
veremos fixar-nos nele ou recopiá-lo permanentemen-         de; esses artistas são, portanto, ignorantes, inferiores
te. Por outro lado, a única função da arte é servir a mo-   mesmo aos artesãos que fabricam os objetos reais, cuja
ral e a política. “Nós obrigaremos os poetas, diz Platão,   distância à verdade é de dois degraus. Por outras pala-
a só oferecer nos seus poemas modelos de bons costu-        vras, quem pudesse ser Aquiles não quereria ser Home-
mes, e, do mesmo modo, controlaremos os outros artis-       ro: mais vale ser herói do que ser relator da heroicida-
tas e impedi-los-emos de imitar o vício, a intemperan-      de de quem quer que seja. Portanto, os poemas de Ho-
ça, a baixeza, seja na pintura de seres vivos, seja em      mero situam-se a um nível inferior ao da vida real de
qualquer outro tipo de imagem, ou, se não consegui-         Aquiles que eles relatam. É este o tipo de raciocínio, co-

                                                                                                                    21
erente, que Platão utiliza para a sua conceção de estéti-
ca. Levando este raciocínio ao limite, seria legítimo di-
zer que um sapateiro que criticasse Fídias seria superi-
or a este grande escultor, ou a Apeles, um dos mais im-
portantes pintores da Grécia clássica.

Esta conceção de estética mostra bem até onde o espíri-
to de sistema, ou a busca de coerência a todo o custo,
conduz um homem, como Platão, que foi, ele próprio,
um dos maiores artistas da humanidade, pela beleza
dos seus escritos.




                                                            22
substâncias (as duas originais e a terceira criada por
                                                               Deus). Com o mundo nasceu também o tempo que é a
A Física e o Demiurgo                                          medida do movimento dos astros. Para povoar o mun-
                                                               do, o Demiurgo criou, em primeiro lugar, os deuses (as-
                                                               tros ou deuses mitológicos) e encarregou-os a eles de
                                                               criar os animais, para não ser responsável pelas suas
                                                               imperfeições. Os deuses formaram o corpo dos seres,
                                                               tendo em vista o maior bem; aplicaram na formação
                                                               desses corpos leis geométricas muito complexas. No
                                                               corpo do homem colocaram também uma alma, que,
No Timeu, Platão fornece a sua explicação do Universo          tendo em conta a forma como conduza a sua vida, se
em geral e do Homem em particular. Nessa obra con-             bem, após a morte voltará para o astro de onde é origi-
densou os conhecimentos da sua escola sobre a nature-          nária, se mal, passará para outros corpos até que seja
za.                                                            purificada. Platão só se interessa pelo destino do ho-
                                                               mem, e é por se interessar pelo homem que ele estuda
Segundo ele, existe um Deus muito bom que criou o              o Universo. Por conseguinte, a fisiologia e a higiene do
mundo à sua imagem. Não o criou do nada, como o                homem são o principal objeto do Timeu: a estrutura do
Deus dos judeus e dos cristãos, pois sempre coexisti-          corpo, os órgãos, a origem das impressões sensíveis, as
ram ao seu lado duas substâncias (a alma incorpórea e          causas das doenças do corpo e da alma, a geração, a me-
indivisível e a outra material e divisível), a que a filoso-   tempsicose. Platão tratou de todos estes assuntos, utili-
fia grega chama O Uno ou O Mesmo, e O Outro. O De-             zando os ensinamentos de Empédocles e do médico Alc-
miurgo (o Deus) criou, em primeiro lugar o mundo sen-          méon, acrescentando as descobertas realizadas na sua
sível. A partir da substância indivisível e da substância      escola.
divisível compôs, misturando-as, uma terceira substân-
cia intermédia que inclui a natureza do Uno e a nature-        Sendo o Timeu uma das últimas obras de Platão, acon-
za do Outro: a alma do mundo é formada por estas três          tece que nem sempre está de acordo com obras anterio-
                                                               res. A diferença mais importante tem a ver com o facto
                                                                                                                     23
de o Deus do Timeu ser distinto do mundo das Ideias
que lhe servem de modelos para a formação do mundo
sensível. Na República, pelo contrário, é a Ideia de
Bem que é a fonte, não só de todo o conhecimento, mas
também de toda a existência. É a Ideia de Bem que cor-
responde a Deus. Segundo Teofrasto, Platão tinha ten-
dência para identificar a Ideia de Bem com o Deus su-
premo; mas parece claro que Platão não levou ao limite
esta sua tendência, e o seu pensamento sobre Deus aca-
ba por ser flutuante.




                                                         24
da nos dias de hoje exerce um poderoso fascínio sobre
                                                               os seus leitores. Ninguém falou do bem e do belo com
Influência do Platonismo                                       um entusiasmo tão comunicativo. A vida que vale a
                                                               pena ser vivida, diz ele no Banquete, é a do homem que
                                                               se elevou do amor aos corpos belos, ao amor às almas
                                                               belas, e deste, ao amor às belas ações, e depois, ao
                                                               amor das belas ciências, até à beleza absoluta que atra-
                                                               vessa os corações com um arrebatamento inexprimível.

                                                               Uma multidão de ideias platónicas exerce ainda uma
                                                               influência muito considerável no mundo moderno. Pla-
A teoria essencial em que se baseia toda a filosofia de        tão é um autor espiritualista: concebeu a alma como o
Platão, a teoria das Ideias, foi rejeitada pelo seu discípu-   essencial do homem. Segundo ele, o homem deve esfor-
lo Aristóteles; o simples bom senso bastaria, aliás, para      çar-se por devolver à sua alma o estado de pureza que
a refutar. Discípulo dos Eleatas, para quem só o Uno           ela perdeu ao unir-se com o corpo. É deste esforço que
existia, e dos Pitagóricos, que viam no número o princí-       depende a sua vida futura. A vida deve, portanto, ser
pio das coisas, Platão concedeu uma existência real a          uma preparação para a morte. A existência de uma Pro-
conceitos abstratos que só existem no nosso espírito.          vidência que governa o mundo, a necessidade de expia-
Formado nos raciocínios matemáticos, aplicou-os intre-         ção de toda a maldade cometida, a recompensa dos
pidamente às noções morais, ao Uno, ao Ser, ao Bem, à          bons, a punição dos maus num outro mundo e muitas
Causa. Acreditou estar a dar sentido à realidade através       outras ideias foram incorporadas na filosofia cristã e
dos seus raciocínios, mas na verdade só dava sentido a         continuam a comandar a nossa conduta. Por este moti-
abstrações. Mas mesmo que as ideias não tenham uma             vo, podemos dizer que nenhum outro filósofo marcou
existência independente, basta que estejam no nosso            tão profundamente o pensamento dos antigos e o pen-
espírito como um ideal, para que nos possamos orien-           samento dos modernos.
tar por elas. É por isso que Platão, separando-nos do
mundo sensível para nos elevar ao ideal inteligível, ain-
                                                                                                                     25
C APÍTULO 3



O Teeteto




É, pois, uma resposta tonta dizer que a ci-
ência é uma opinião correta (ortodoxa)
acompanhada de ciência, seja da ciência
da diferença, seja da ciência de qualquer
outra coisa.
transportado, doente e ferido, do campo de batalha de
                                                           Corinto para Atenas. Que perda - exclama Terpsion - se
Argumento                                                  este grande sábio e valente soldado vier a morrer! Ele
                                                           justificou, diz Euclides, o augúrio de Sócrates, que lhe
                                                           tinha predito um futuro glorioso. Com efeito, Sócrates,
                                                           pouco antes de ter sido condenado, tinha conhecido
                                                           Teeteto e tinha tido com ele uma conversa, onde a pre-
                                                           coce inteligência do ainda jovem Teeteto o tinha surpre-
                                                           endido. Será que podes, pergunta Terpsion, relatar-me
                                                           essa conversa?. - Não, mas redigi um relato que Sócra-
O debate que é travado no Teeteto é precedido de uma       tes me fez dela. Só que, em vez de conservar a forma de
espécie de prólogo. É uma conversa entre dois megaria-     narrativa, construí um diálogo entre Sócrates e os seus
nos (habitantes de Mégara), antigos discípulos de Só-      dois interlocutores, Teodoro e Teeteto. Voltemos para
                                                           casa que o meu escravo far-nos-á a leitura desse diálo-
                                                           go.

                                                           Sócrates abre a conversa. Diz-me Teodoro, tu que ensi-
                                                           nas aqui geometria, se distinguiste, de entre os teus alu-
                                                           nos atenienses, alguns jovens que prometam tornar-se
                                                           homens de mérito. - Sim, Sócrates, um em particular.
                                                           Ele é fisicamente parecido contigo e é maravilhosamen-
                                                           te dotado de inteligência e de qualidades morais. Ali
                                                           vem ele, com aqueles jovens que se aproximam de nós.
                                                           Chama-se Teeteto. - Queres dizer-lhe que venha aqui?
                                                           Chamado por Teodoro, Teeteto aproxima-se. - Uma vez
crates, Euclides e Terpsion. Euclides, tendo ido ao por-   que aprendes as ciências na escola de Teodoro, diz-lhe
to de Mégara, encontrou lá Teeteto, que estava a ser       Sócrates, poderias dizer-me em que consiste a ciência?
                                                                                                                  27
- A ciência é aquilo que Teodoro ensina, a geometria, a     A partir daqui, entramos no tema central do Teeteto: o
astronomia, a harmonia, o cálculo e as artes em geral.      que é a ciência? Teeteto vai propor sucessivamente três
- Desse modo, não estás a definir a ciência, mas os seus    definições que serão examinadas e recusadas por Sócra-
objetos. Se eu te perguntasse o que é o barro e tu me       tes uma após outra:
respondesses: há barro dos oleiros, o barro dos tijolos e
                                                            1. A ciência é a sensação;
outros, eu não ficaria a saber nada sobre a natureza do
barro. O que era preciso que me dissesses é que o barro     2. A ciência é a opinião verdadeira;
é um certo tipo de terra misturada com água. - Compre-
endo, diz Teeteto: o que tu me perguntas, foi o que nós     3. A ciência é a opinião verdadeira, acompanhada de
fizemos há uns dias atrás, o jovem Sócrates e eu, a pro-       razão.
pósito das raízes. Sendo as raízes infinitas em número,
tentámos juntá-las todas num termo único, e reconhe-
cemos assim duas classes de números, a que chamá-
mos comprimentos e raízes. - Perfeito, diz Sócrates. E
agora, uma vez que englobaste todas as raízes numa for-
ma única, tenta fazer o mesmo com as numerosas for-
mas de ciência. - Já tentei várias vezes, mas sem suces-
so. No entanto, não consigo desinteressar-me da ques-
tão. - É porque tens uma alma grande, Teeteto. Bom,
não ouviste dizer que sou filho de uma parteira, e que
tenho a arte de fazer dar à luz os espíritos, como a par-
teira de fazer dar à luz as mulheres? Sei ainda discernir
se o espírito de um jovem está a dar à luz uma quimera,
ou um fruto real e verdadeiro. Confia, portanto, em
mim e não te aflijas se, ao examinar aquilo que dizes, o
julgar como um fantasma sem realidade.

                                                                                                                  28
bios, à exceção de Parménides e da sua escola (Eleata).
                                                              É a partir do movimento e da mistura (ou fusão) recí-
A Ciência é a Sensação                                        proca que se formam todos os seres que afirmamos
                                                              existirem; por seu turno, a ausência de movimento (o
                                                              repouso) destrói-os. Os seres não existem por si mes-
                                                              mos: a cor não é algo que exista à parte de tudo o resto;
                                                              com efeito, não é nem uma característica que se aplica
                                                              ao objeto, nem o objeto ao qual essa característica é
                                                              aplicada, mas um produto intermédio específico a cada
                                                              coisa ou indivíduo; esse produto varia não só de indiví-
A primeira definição, sozinha, ocupa mais tempo de            duo para indivíduo, mas também no mesmo indivíduo,
conversa do que as outras duas juntas. A razão é mais         porque este está em permanente mudança.
simples do que possa parecer: é que esta definição rela-      Como é costume em Sócrates, ele não vai limitar-se a
ciona-se com doutrinas célebres que Sócrates expõe            expor a teoria que critica; pelo contrário, aprofunda e
com todo o seu vigor antes de as refutar. A doutrina, se-     completa essa mesma teoria, assumindo completamen-
gundo a qual a ciência é sensação, é precisamente a teo-      te a perspetiva do adversário. Sócrates empenha-se,
ria de Protágoras, que diz que o homem é a medida de          portanto, em demonstrar que só o movimento existe.
todas as coisas, isto é, que se algo me aparece, ele é exa-   Vejamos a sua explicação. Há dois tipos de movimento,
tamente esse algo para mim, e se algo aparece a outro,        sendo cada um em número infinito. Um deles consiste
ele é exatamente esse algo para o outro. Como aparecer        numa força ativa, o outro é uma força passiva. Da sua
é ser sentido por alguém, então a sensação é a ciência.       união e fricção mútuas nascem proles em número infi-
Em que é que se apoia esta teoria de Protágoras? Na           nito, mas em pares gémeos que estão sempre unidos:
doutrina de Heraclito de que tudo está em movimento,          um é o objeto da sensação, e o outro a sensação. Tudo
de que nada é fixo, de que tudo flui. As bases desta teo-     está em movimento; mas este movimento pode ser rápi-
ria remontam a Homero e é seguida por todos os sá-            do ou lento. Tudo o que é lento move-se no mesmo lu-
                                                              gar ou em direção a objetos vizinhos, e é assim que esse
                                                                                                                     29
movimento é gerador da realidade. Quando os olhos e         sões dos sentidos. Mantendo a sua postura de defender
algum objeto, suscetível de ser visto, geram a brancura     convictamente aquilo que quer criticar, Sócrates conti-
e a sensação que lhe é específica por natureza, acontece    nua, contestando inicialmente esses argumentos. Com
que a visão que vem dos olhos e a brancura que vem do       efeito, pode responder-se que a sensação, durante o so-
objeto (que se concertaram para gerar a cor branca) se      nho, existe tanto para aquele que sonha, quanto existe
movem no espaço intermédio (e intermediário); deste         a sensação para aquele que está acordado; que a sensa-
modo, o olho preenche-se de visão e transforma-se,          ção de Sócrates doente continua a ser tão verdadeira
não numa visão, mas em olho vidente (olho que vê). Do       para ele quanto o é quando está de boa saúde. O único
mesmo modo, o objeto que concorreu com o olho para          juiz da sensação é aquele que a experiencia. É por isso,
a produção da cor, enche-se de brancura e transforma-       precisamente, que a sensação é a ciência.
se, não em brancura, mas em objeto branco, seja madei-
                                                            Após um curto intervalo na exposição e defesa da dou-
ra branca, ou pedra branca, por exemplo. O mesmo se
                                                            trina da sensação, em que anuncia que vai examinar
passa com o frio e o quente e com outras qualidades.
                                                            com cuidado o recém-nascido de Teeteto (a doutrina
Nada é isto ou aquilo em si e por si: é a partir das suas
                                                            da sensação), e em que Teodoro o exorta a dizer o que
aproximações mútuas que todas as coisas nascem do
                                                            realmente pensa dela, Sócrates desfere duas críticas ful-
movimento sob formas de todo o género. É assim im-
                                                            minantes a Protágoras: “Porque é que Protágoras consi-
possível conceber o elemento ativo e o elemento passi-
                                                            dera o homem a medida de todas as coisas, de preferên-
vo como existindo separadamente, pois não existe ele-
                                                            cia ao porco ou ao macaco, que são, eles também, seres
mento ativo antes de se associar ao elemento passivo,
                                                            com sensações? E se cada um é a medida da sua pró-
nem elemento passivo antes de se unir ao elemento ati-
                                                            pria sabedoria, em que é que Protágoras se pode consi-
vo; por outro lado aquilo que, numa certa união, é agen-
                                                            derar mais sábio do que os outros?” Incomodado por
te, numa outra poderá ser paciente (passivo). Desta
                                                            ver assim maltratado o seu amigo Protágoras, Teodoro
conceção resulta que nada é em si e que devemos extin-
                                                            pede que seja Teeteto a responder a Sócrates.
guir a palavra ser.
                                                            - Vejamos, Teeteto, diz Sócrates, não te surpreende ve-
As objeções a este sistema usam, frequentemente, o ar-
                                                            res-te igual em sabedoria a qualquer homem ou a qual-
gumento dos sonhos, das doenças, da loucura e das ilu-
                                                                                                                  30
quer deus? - Sim, responde Teeteto. - Vejamos então a       mos fazer com que pareçam bons àquele a quem eles
que consequência nos conduz a tese de que a ciência é       pareciam, e para quem eram, maus.
a sensação. Sentir através da visão ou da audição é sa-
                                                            O debate é, de novo, interrompido por um curto inter-
ber. Ora, aquele que vê e que tomou conhecimento do
                                                            valo. Receando que Protágoras o criticasse por só discu-
que viu, se fechar os olhos, lembra-se da coisa, mesmo
                                                            tir com gente nova, Sócrates pede que seja Teodoro a
sem a ver. Ora, dizer que não vê é dizer que não sabe,
                                                            responder-lhe. Teodoro bem tenta, mas acaba por resi-
pois ver é saber. Segue-se que, quando um homem ad-
                                                            gnar. Sócrates continua: Protágoras diz que aquilo que
quiriu o conhecimento de uma coisa de que ainda se
                                                            parece a cada um existe realmente para aquele a quem
lembra, mas não vê, não a sabe: consequência monstru-
                                                            isso parece. Ora, é opinião generalizada de que, entre
osa!
                                                            os homens, há uns que são sábios e outros que são igno-
Mas, se Protágoras estivesse presente para se defender,     rantes, e sabes tu de experiência própria que não há opi-
poderia alegar que, de facto, é possível que o mesmo ho-    nião que não encontre quem a contradiga. Se Protágo-
mem que sabe uma coisa, não a saiba. Supõe que al-          ras acredita que o homem é a medida de todas as coi-
guém te tapa com a mão um dos olhos e que te pergun-        sas, mas que a multidão se recusa a acreditar nele, de
ta se vês a sua roupa com esse olho fechado; serás força-   modo que o número daqueles que discordam supera o
do a dizer que vês e que não vês ao mesmo tempo. E de-      daqueles que concordam, então há razões para que o
pois, a memória que conservamos das coisas que senti-       seu princípio seja mais falso do que verdadeiro. Reco-
mos não é da mesma natureza da sensação que tínha-          nhecendo que só podemos ter opiniões verdadeiras,
mos e já não temos. Já não somos o mesmo homem,             Protágoras reconhece que os seus opositores têm uma
porque estamos sempre em mudança. Finalmente, Pro-          opinião verdadeira, ao julgar a sua falsa.
tágoras poderia sustentar que as sensações diferem,
                                                            A doutrina de Protágoras encontra um bom ponto de
não na sua qualidade de verdadeiras ou falsas, pois são
                                                            apoio nas sensações do tipo das do quente e do frio, do
todas reais, mas na sua qualidade de melhores ou pio-
                                                            doce e do amargo e de outras do mesmo género. Mas
res. Longe de não reconhecer nem sabedoria, nem sá-
                                                            essa doutrina encontra dificuldades sérias quando se
bio, ele diria, pelo contrário, que somos sábios, quan-
                                                            refere à saúde, ao justo, à piedade, onde fica claro que
do, mudando a face (ou aspeto) dos objetos, consegui-
                                                                                                                   31
há homens que têm mais razão do que outros. Aqui, Só-       rece ser ouvido a respeito do futuro das leis ou de qual-
crates pára e faz a reflexão de que um argumento con-       quer outro futuro.
duz a outro e que o debate não tem fim. - Bom, diz Teo-
                                                            Mas, também no que diz respeito às sensações imedia-
doro, não temos tempo livre? Esta réplica de Teodoro
                                                            tas do quente e do frio e de outras semelhantes, não po-
serve de pretexto para uma digressão sobre a vida do
                                                            demos garantir que sejam verdadeiras, baseando-nos
filósofo, que tem sempre tempo livre, ao contrário do
                                                            na doutrina do movimento. Existem dois tipos de movi-
orador ou do advogado que andam sempre atarefados.
                                                            mento, um de translação e outro de alteração. Como
O filósofo, afastado dos negócios públicos, só está pre-
                                                            tudo se move destas duas formas, a perceção e a quali-
sente de corpo na cidade; a sua alma plana sobre o em-
                                                            dade, que se move entre o sujeito e o objeto, têm de mu-
pírico. Como Tales que caiu num poço enquanto obser-
                                                            dar de natureza no momento exato da sensação e, por
vava os astros, o filósofo ignora o que se passa debaixo
                                                            isso, essa perceção e qualidade não podem sequer ser
dos seus pés e dá motivos para que os outros se riam
                                                            nomeadas. Nenhuma coisa existe, mais do que já não
dele. Ele não se preocupa com o poder, com a riqueza
                                                            existe: Nenhuma coisa deixa de ser “assim”, mais do
ou com a nobreza. Só se interessa pela virtude e dedi-
                                                            que não é “assim”, pois ambas as expressões se referem
ca-se a assemelhar-se a Deus. Este retrato do filósofo,
                                                            ao repouso. A sensação sempre em mudança não é, por-
onde são agrupados alguns traços dispersos na Repúbli-
                                                            tanto, a ciência, e a doutrina de Heraclito, pelo contrá-
ca, é o contraponto da imagem que Cálicles traçou no
                                                            rio, é a negação da ciência.
Górgias do filósofo que perde tempo com discussões in-
fantis e que, afastado da ágora (praça pública), se torna   Teeteto gostaria também de ouvir discutir a doutrina
incapaz de se defender contra o primeiro patife que o       dos adversários de Heraclito, que pretendem que tudo
acuse.                                                      está em repouso. Mas Sócrates recusa-se a fazê-lo para
                                                            não alongar o debate até ao infinito.
Voltemos ao assunto. Vejamos o exemplo de um Esta-
do que promulga as suas leis. Ele concebe-as tendo em
vista a sua utilidade futura. Ora, a sensação não tem
nada a ver com o futuro, e só o homem competente me-

                                                                                                                   32
ra, também tem de haver uma opinião falsa. Como é
                                                            que esta se forma? Parece impossível não se saber o
A Ciência é a Opinião Verdadeira                            que se sabe e saber o que não se sabe. Quando fazemos
                                                            um juízo falso, será que tomamos as coisas que sabe-
                                                            mos por outras que também sabemos, ou desconhece-
                                                            mos ambas? - É impossível. - Então, tomamos as coisas
                                                            que não sabemos por outras que também não sabe-
                                                            mos? - Também impossível. - Também não tomamos
                                                            as coisas que sabemos por aquelas que não sabemos,
                                                            nem aquelas que não sabemos por outras que sabe-
Sócrates pergunta a Teeteto: dado que o que se sente        mos? - Não. - Então, como explicar a origem da opinião
por um dos sentidos, não pode ser sentido por outro,        falsa? Consideremos o ser e o não ser no lugar do saber
através de quê poderemos conceber uma ideia que diz         e da ignorância. Aquele, que pensa o que não é, só pode
respeito aos dois sentidos ao mesmo tempo, e a que ór-      ter uma opinião falsa. Mas julgar o que não é, é não jul-
gãos podemos atribuir a perceção do que é comum a to-       gar nada. Fazer um juízo falso não é mais do que julgar
das as coisas, como o ser e o não ser? - Só podemos, res-   o que não é.
ponde Teeteto, atribuí-la à alma. É através da alma que     Não seria desprezível que confundíssemos no nosso
apreendemos não somente o ser, mas também o seme-           pensamento duas coisas igualmente reais, afirmando
lhante e o diferente, o belo e o feio, e outras ideias do   que uma é a outra? Mas quando o pensamento faz esta
mesmo género. A sensação não pode alcançar o ser,           confusão, não seria necessário que represente os dois
nem por conseguinte a ciência. Temos de a procurar na-      objetos ao mesmo tempo, ou um dos dois? - Sim. - Ora,
quilo, qualquer que seja o nome que lhe damos, a que        sendo o juízo um discurso que a alma tem consigo mes-
chamamos alma, quando ela própria, por si só, se dedi-      ma, quando tomamos uma coisa por outra, dizemos a
ca ao estudo dos seres. A essa procura chama-se julgar      nós próprios que uma é outra: será isso possível? Não,
e é o juízo ou opinião verdadeira que constitui a ciên-     pois é impossível que, ao pensarmos nos dois objetos
cia. Seja. Diz Sócrates; mas se há uma opinião verdadei-    ao mesmo tempo, julguemos que um é o outro e, se só
                                                                                                                   33
pensarmos num dos dois, nunca poderemos julgar que        falsa. A opinião falsa só pode existir a respeito de coi-
um é o outro (em que não estamos a pensar). Em todo       sas que sabemos: quando ajustamos direta e exatamen-
o caso, é indispensável que exista uma via, pela qual     te a cada objeto as impressões e as marcas que lhe são
seja possível tomar o que se sabe por aquilo que não se   próprias, a nossa opinião é verdadeira; se as ajustar-
sabe. Imaginemos na nossa alma um bloco de cera,          mos obliquamente e erradamente, a nossa opinião será
onde se gravam as nossas sensações, e que aquilo que      falsa.
assim foi impresso será recordado e conhecido por nós,
                                                          Neste ponto, apresenta-se uma objeção grave: se a opi-
enquanto que o que se apagou ou não pôde ser gravado
                                                          nião falsa não está nem nas sensações, nem nas suas re-
será esquecido ou desconhecido. Ora, um homem não
                                                          lações mútuas, nem nos pensamentos, mas no ajusta-
pode ter uma opinião falsa, pensando que as coisas que
                                                          mento da sensação ao pensamento, não deveríamos
conhece são, ora aquelas que ele sabe, ora aquelas que
                                                          confundir dois objetos conhecidos somente pelo pensa-
ele não sabe? Após passar em revista todos os casos a
                                                          mento. É, todavia, o que fazemos quando nos engana-
que esta hipótese dá lugar, Sócrates retém três, em que
                                                          mos nos números, por exemplo, quando acreditamos
a confusão lhe parece possível: um, em que se confun-
                                                          que 5+7=11 e não 12. Para explicar a possibilidade de
de uma coisa que se sabe com uma outra que também
                                                          erro neste caso, Sócrates compara o nosso espírito a
se sabe e que se perceciona, outra, em que se confunde
                                                          um pombal, onde vivem aves, umas em bando, outras
uma coisa que se sabe com uma outra que não se sabe e
                                                          em famílias e outras solitárias, mas esvoaçando mistu-
que se perceciona, e uma terceira, em que se confunde
                                                          radas todas umas com as outras. Temos todas as aves
o que se sabe e se perceciona com uma outra que se
                                                          no nosso espírito, mas quando queremos agarrar uma,
sabe e se perceciona igualmente. Por exemplo, diz Só-
                                                          pode acontecer que agarremos uma outra que não que-
crates, eu conheço-te, Teeteto, e conheço também Teo-
                                                          ríamos, trocamos uma rola por um pombo, por exem-
doro, e tenho no meu bloco de cera as impressões de
                                                          plo; isto é uma opinião falsa. Mas refletindo melhor, Só-
ambos. Vendo-vos, esforço-me por aplicar a marca pró-
                                                          crates não fica nada satisfeito com esta explicação. É ab-
pria de cada um de vós à visão que lhe é própria, e por
                                                          surdo, diz ele, pretender que, tendo nós a ciência de
fazer entrar e ajustar esta visão à sua própria impres-
                                                          um objeto, ignoremos esse objeto, não por ignorância,
são. Mas posso trocar as coisas, e a minha opinião será
                                                          mas devido à própria ciência, e que tomemos esse obje-
                                                                                                                 34
to por outro. - Talvez, diz Teeteto, tenhamos incluído
ignorâncias nas ciências. - Mas, nesse caso, teríamos
ecolhido um caminho sem fim: essas ciências e essas ig-
norâncias terão de ser objeto de novas ciências que se-
ria necessário apanhar em novos pombais. Teeteto in-
siste mesmo assim em definir a ciência como opinião
verdadeira. Mas a experiência do dia a dia mostra que a
opinião verdadeira pode ser encontrada nos juízes sem
a ciência.




                                                          35
ignorar os elementos separados e conhecê-los juntos?
                                                           Se, pelo contrário, a sílaba é uma entidade única, sem
A Ciência é a Opinião Verdadeira                           partes, então é indivisível e, por conseguinte, não é
Acompanhada de Razão                                       mais conhecível do que os elementos. Por outro lado, a
                                                           experiência prova que os elementos se prestam a um co-
                                                           nhecimento mais claro do que as sílabas. Quando
                                                           aprendemos a ler, o que fazemos é aprender a distin-
                                                           guir os elementos; quando aprendemos música, come-
                                                           çamos pelas notas; é que o elemento é mais conhecível
                                                           do que o composto.
Teeteto propõe, então, uma terceira definição, que ou-     Mas voltemos à tua definição, e diz-me, Teeteto, o que
viu ser dada por alguém: a ciência é a opinião verdadei-   é que devemos entender por essa razão que acompanha
ra acompanhada de razão, isto é, de uma explicação         a opinião verdadeira. Na minha opinião, creio que a po-
analítica ou definição. As coisas que podemos sujeitar     demos definir de três maneiras:
ao crivo da razão são conhecíveis; aquelas, que não po-
dem, são inconhecíveis. - O que eu ouvi dizer a alguém,       a primeira é tornar o pensamento sensível à voz,
replica Sócrates, foi que os elementos primeiros de que       através dos nomes e dos verbos, como se penteásse-
somos compostos são inconhecíveis e só podem ser no-          mos o pensamento na fala, como se esta fosse um
meados (não analisados ou definidos), e que, pelo con-        espelho ou uma superfície de água. Neste sentido, o
trário, os objetos que são compostos por eles são conhe-      juízo verdadeiro será sempre acompanhado de defi-
cíveis, pois a combinação com que são formados é a es-        nição, em todos aqueles que pensam corretamente
sência da sua definição. Mas será possível que, haven-        sobre algum objeto; nestas condições, o juízo verda-
do elementos inconhecíveis, o composto formado por            deiro nunca será encontrado sem a ciência.
eles seja conhecível? Se, por exemplo, as letras não são
                                                              a segunda consiste na enumeração das partes ou ele-
conhecíveis, como podem sê-lo as sílabas? Se a sílaba
                                                              mentos; mas podemos enumerar todas as partes de
consiste nos elementos combinados, como poderemos
                                                                                                                36
um objeto, tendo delas só uma opinião verdadeira,
   mas não a ciência.

   a terceira consiste na definição através da diferença
   característica. Mas o conhecimento desta diferença
   característica é justamente o que faz da opinião
   uma opinião verdadeira; não precisamos portanto
   de acrescentar a razão à opinião verdadeira, pois ela
   já lá está.

É, pois, uma resposta tonta dizer que a ciência é uma
opinião correta (ortodoxa) acompanhada de ciência,
seja da ciência da diferença, seja da ciência de qualquer
outra coisa.

Assim, a ciência não é, nem a sensação, nem a opinião
verdadeira, nem a opinião verdadeira acompanhada de
razão. Mas mesmo não sendo o debate conclusivo, no
mínimo ensinou Teeteto a não acreditar que sabe o que
não sabe.

Sócrates marca, então, encontro para o dia seguinte
com Teeteto e Teodoro, e deixa-os para ir responder à
acusação de Meleto, pela qual haveria de ser condena-
do à morte.




                                                            37
mento de que a sua doutrina abstrusa exigiria desenvol-
                                                           vimentos que abafariam a questão central. Na verdade,
Objeto e Composição do Teeteto                             a razão parece ser a de ter reservado uma obra comple-
                                                           ta para discutir a doutrina eleata, O Sofista. No Teete-
                                                           to, Platão limita-se aos sensualistas, cujas ideias, por se-
                                                           rem mais acessíveis, eram, sem dúvida, as mais divulga-
                                                           das. Já tinha, na primeira parte do Crátilo, exposto o
                                                           sistema do movimento universal dos sensualistas, asso-
                                                           ciando-o, para explicar a doutrina da linguagem, às cos-
                                                           mogonias primitivas e aos poetas Homero e Hesíodo.
O Teeteto tem por objeto a natureza da ciência. Platão     Faz o mesmo no Teeteto, onde atribui a teoria do fluir
já tinha tratado desta questão no Ménon, onde defende      universal a Homero. Expõe, depois, num tríptico magis-
que aprender é lembrar-se, que a alma viu toda a verda-    tral:
de nas suas existências anteriores e que ela pode reen-       a doutrina do homem medida de Protágoras
contrar os seus conhecimentos esquecidos, desde que
não desista de os procurar. Apesar da dúvida que ele          a doutrina de Heraclito, onde tem origem a de Protá-
(no Ménon) confessa ter a respeito da verdade desta te-       goras
oria, Platão reafirma-a peremtóriamente no Fédon e ba-
                                                              a doutrina dos seguidores fanáticos de Heraclito,
seia nela uma das suas provas da imortalidade da alma.
                                                              que reduzem tudo ao movimento perpétuo, chegan-
Mas era difícil fazê-la aceitar pelo público em geral e
                                                              do mesmo a negar a possibilidade de ciência.
até pelo público filosófico muito influenciado por ou-
tras doutrinas, nomeadamente as de Protágoras, de He-      A estes universais destruidores, Platão opõe o verdadei-
raclito e de Parménides. Podemos pensar que ele acre-      ro filósofo que, elevando-se acima do mundo das apa-
ditou ser necessário combatê-las e limpar o terreno        rências, se dedica a descobrir a essência das verdadei-
para mais facilmente fazer vingar a sua teoria. É verda-   ras realidades.
de que Platão deixa Parménides de fora, com o funda-
                                                                                                                    38
Depois de ter refutado aqueles que reduzem a ciência à     do à natureza da cera onde se gravam as nossas sensa-
sensação, Platão ataca aqueles que vêem na ciência         ções se encontra no tratado de Hipócrates sobre o Regi-
uma opinião verdadeira e, como a opinião verdadeira        me nas doenças agudas. Também se sabe que Platão
supõe que haja uma opinião falsa, é sobre a possibilida-   foi iniciado em Itália nas doutrinas médicas dos pitagó-
de de uma opinião falsa que ele conduz a sua pesquisa.     ricos.
Ele já tinha abordado este assunto no Eutidemo, onde
                                                           Encontra-se também na terceira definição, que a ciên-
Dionisiodoro pretende demonstrar que é impossível
                                                           cia é a opinião verdadeira acompanhada da razão, um
mentir e contradizer, ao que Sócrates responde: “Essa
                                                           eco dos debates seus contemporâneos. Sócrates diz que
tese, tenho-a ouvido da boca de muitas pessoas, e fico
                                                           ouviu dizer que os elementos ou sílabas são inconhecí-
sempre surpreendido com ela. Ela estava muito em
                                                           veis, enquanto os compostos que são formados por eles
voga no tempo de Protágoras (...). Quanto a mim, acho-
                                                           são conhecíveis. Baseando-nos no testemunho de Aris-
a sempre surpreendente: parece-me que destrói as ou-
                                                           tóteles, é muito provável que esta tese de que Sócrates
tras (doutrinas) e destrói-se a si mesma.”
                                                           ouviu falar seja de Antístenes.
No Teeteto, Sócrates tenta mostrar a possibilidade de
erro, através de duas imagens:

   a do bloco de cera, onde as nossas sensações se im-
   primem, e, neste caso, o erro nasce do mau ajusta-
   mento da sensação com o pensamento;

   a do pombal, onde esvoaçam aves diversas que po-
   demos tomar umas pelas outras.

Não é fácil determinar o que nestas duas imagens é ori-
ginal de Platão. Aquilo que se sabe é que a imagem do
bloco de cera também se encontra em Demócrito e que
a explicação das diferentes qualidades da memória devi-
                                                                                                                39
C APÍTULO 4



A Apologia
de Sócrates


Quais foram, então, as verdadeiras cau-
sas da sua condenação? Sócrates, que já
contava com ela, responde a esta pergun-
ta. Foram os ódios que atraiu, ao desmas-
carar a ignorância de personagens impor-
tantes na presença de gente jovem, que,
ainda por cima, obtinha grande prazer
em ver essas pessoas importantes sem sa-
ber o que dizer.
Sócrates tinha setenta anos quando foi acusado por Me-
                    leto, Anito e Lícon de não reconhecer os deuses do Esta-
Enquadramento       do, de introduzir novas divindades e de corromper a ju-
                    ventude. A pena que lhe foi aplicada foi a pena de mor-
                    te.

                    O principal acusador, Meleto, era um mau poeta que,
                    influenciado por Anitos, se encarregou de apresentar a
                    queixa junto do arconte-rei. Anitos e Lícon subscreve-
S UMÁRIO            ram-na. Anitos, um rico curtidor de peles, que tinha
1. Enquadramento    sido estratega em 409 e que tinha combatido os Trinta
                    (a tirania oligárquica), era um orador influente e um
2. Primeira Parte   dos líderes do partido popular. A acreditar em Xenofon-
3. Segunda parte    te (que escreveu a sua própria Apologia de Sócrates),
                    ele estava zangado com Sócrates porque este tinha-o
4. Terceira Parte
                    criticado severamente por pretender formar o seu filho
                    na profissão de curtidor. Mas tinha seguramente ou-
                    tros motivos bem mais sérios, motivos de natureza polí-
                    tica: Anitos deve ter-se sentido ferido com as críticas
                    de Sócrates contra os líderes do partido democrático
                    (ou popular). De Lícon, não se sabe grande coisa. Um
                    poeta satírico reprova-lhe o facto de ser de origem es-
                    trangeira e há quem faça alusão aos seus costumes efe-
                    minados. Em todo o caso, parece ter sido uma persona-
                    gem de pouca importância. Neste concerto de acusado-
                    res, Meleto representava os poetas, Anitos os artesãos e
                    os homens políticos, Lícon os oradores, todos tipos de
                                                                         41
pessoas que Sócrates tinha criticado, pondo em causa o       ter meditado antes, com certeza. Nesse discurso, Sócra-
seu amor próprio.                                            tes evidenciou um orgulho de linguagem que surpreen-
                                                             deu tanto os seus amigos quanto os seus juízes. “Ou-
Sócrates, exposto a todos estes ódios, não alimentou ilu-
                                                             tros, diz Xenofonte, escreveram sobre o seu processo, e
sões a respeito do que seria o seu destino. Mas, embora
                                                             todos transmitiram correta-
esperasse ser condenado, continuou as suas conversas
                                                             mente o orgulho da sua lin- O tribunal dos Heliastas
com os seus discípulos, como testemunha Platão no
                                                             guagem, o que prova que foi que julgou Sócrates era com-
Teeteto, a respeito de assuntos muito distantes do tema                                      posto por 6 000 membros,
                                                             mesmo assim que ele fa-
do seu processo. Havendo quem se admirasse com o de-                                         escolhidos por sorteio. Mas
                                                             lou.” Condenado por uma
sinteresse de Sócrates pelo seu processo, chegando ao                                        não deliberavam todos ao
                                                             maioria de 60 votos num         mesmo tempo: normalmen-
ponto de nem sequer preparar a sua defesa (segundo a
                                                             júri de 500 ou 501 votantes, te, o tribunal era formado
Apologia de Xenofonte), terá respondido: “Não te pare-
                                                             e convidado a escolher a sua por 500 ou 501 juízes, por
ce que me ocupei dele durante toda a vida? - e como? -
                                                             pena, recusou fazê-lo para      vezes, 1 000, outras vezes,
Vivendo sem cometer nenhuma injustiça.” E como o
                                                             não se reconhecer como cul- 300 ou 400. O júri, diante
avisassem de que os tribunais de Atenas já tinham con-
                                                             pado, diz Xenofonte. Segun- do qual Sócrates compare-
denado pessoas inocentes, respondeu que, por duas ve-
                                                             do Platão ele propôs mesmo ceu era composto por 500
zes, tinha tentado compor uma apologia (um discurso                                          ou 501 juízes.
                                                             que a sua pena fosse a de
de defesa), mas o seu signo divino tinha-o afastado des-
                                                             ser gratuitamente alimenta-
sa tarefa. Segundo Diógenes de Laércio, Lísias ter-lhe-
                                                             do pelo Estado. Esta proposta pareceu uma provoca-
ia proposto um discurso de defesa que, seguramente,
                                                             ção, e o júri condenou-o à morte com uma maioria ain-
teria o efeito de o tribunal o considerar inocente. Sócra-
                                                             da mais significativa. Levado para a prisão, teve ainda
tes recusou, dizendo: “O teu discurso é muito belo, mas
                                                             de esperar que a comitiva, enviada a Delos para ofere-
não me convém.” Esse discurso era, sem dúvida, com-
                                                             cer o sacrifício anual a Apolo, voltasse a Atenas; não
posto seguindo as regras da retórica e visava alimentar
                                                             era permitido executar um prisioneiro entre a partida e
a piedade dos juízes. Era isso precisamente que Sócra-
                                                             a chegada dos enviados à ilha sagrada. Sócrates teve,
tes não queria. Defendeu-se, portanto, a si mesmo com
                                                             por isso, oportunidade para se evadir da prisão. Mas re-
um discurso que não escreveu, mas sobre o qual deve
                                                                                                                     42
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Teeteto e Apologia

  • 1. FILOSOFIA O Teeteto e a Apologia JORGE NUNES BARBOSA
  • 3. Este texto destina-se aos meus alunos de Filosofia. tras são localizadas nos mapas atuais, a partir das infor- mações contidas na “Wikipedia”. O mesmo acontece Foi composto a partir de apontamentos meus, muitos com o valor do dinheiro da época que foi apurado a par- deles sem qualquer referência, por se destinarem mais tir da conversão das minas em dracmas. a apoiar as minhas leituras do que a serem alguma vez publicados, e a partir das obras de Platão: O Teeteto e a A escrita deste texto, começada há já bastante tempo, Apologia, em língua francesa. No meu tempo de estu- foi interrompida e interrompe, agora, a escrita de um dante de Filosofia no Ensino Superior, as obras de Pla- outro texto sobre a Doutrina Social da Igreja (DSI). Na tão não estavam acessíveis em língua portuguesa, pelo verdade, este último tem-se revelado mais complexo do que me habituei a lê-las em francês. Mais tarde, tendo que era minha intenção inicial: A DSI não se compade- completado a minha formação superior numa Universi- ce com uma escrita esquemática, como aquela que eu dade francesa, adquiri o gosto por ler Platão e outros pensava fazer. autores clássicos em francês. Desta circunstância, resul- Tanto Platão como a DSI concordam num ponto em ter- ta uma leitura do Teeteto que não coincide inteiramen- mos de política: a justiça é o bem maior do Estado, a te com aquela que se encontra nos manuais portugue- justiça ou o bem comum. A liberdade individual deve ses: assume-se que o tema do Teeteto é a ciência e não subordinar-se à justiça. Numa época, em que as conce- o conhecimento. No entanto, é mantida a terminologia, ções políticas, por fanatismo liberal, se aproximam peri- habitual nesses manuais, relativa à opinião e à opinião gosamente de conceções e sobretudo de práticas anar- verdadeira, por ser irrelevante outra qualquer, se o quistas, quer Platão, quer a DSI podem, a par das teori- tema considerado for o da Ciência. as de Rawls ou de Amartya Senn, ser refrescantes e pro- Os pormenores que se referem à vida de Sócrates são missoras. A justiça de que aqui se fala não é a justiça sobretudo influenciados pela História da Filosofia de dos tribunais, que essa tem sempre origem na injusti- Magalhães Vilhena. São acrescentados mapas, retira- ça, mas a justiça que, se existisse, dispensaria os tribu- dos do “google maps” para ilustrar a região geográfica nais. por onde Sócrates viajou. Algumas dessas localidades, Jorge Nunes Barbosa Julho, 2012 como Mégara e Kifissia, conheci-as pessoalmente, ou- ii
  • 4. C APÍTULO 1 A Vida de Platão A poesia enfrentava um declínio evidente em Atenas, mas a prosa estava em ascen- são. Lísias (que aparece em, pelo menos, dois diálogos de Platão) escrevia discur- sos de defesa em tribunal (parece que es- creveu mesmo um para Sócrates), e Isó- crates tinha fundado uma escola de retóri- ca.
  • 5. Platão nasceu em Atenas no ano 428-427 a.C., no povo- ado de Collytos. Segundo Diógenes de Laércio, o seu Vida Atribulada de Platão pai Aríston era descendente de uma família real, a famí- lia de Codros, o último rei de Atenas. A sua mãe, Pericti- one, irmã de Carmides e prima de Crítias, o tirano, des- cendia de Drópides, que Diógenes de Laércio dizia ser irmão de Sólon, um dos sete sábios da Grécia. A tradição mandava que a uma criança, como Platão, S UMÁRIO fosse atribuído o nome do seu avô. Portanto, Platão de- 1. A Vida de Platão veria ter-se chamado Aristocles. Segundo Diógenes de Laércio, o nome de Platão foi-lhe dado pelo seu mestre 2. Resumo da Filosofia de Platão de ginástica, em alusão à sua corpulência. 3. O Teeteto A família de Platão possuía uma propriedade em Kifis- 4. A Apologia de Sócrates sia, onde atualmente se situa uma estação terminal da li- nha 1 do metro de Atenas. Aí, deve ter aprendido a gos- tar da calma da vida rural, mas, muito provavelmente, deve ter passado a maior par- te da sua infância na cidade, para poder ter acesso à edu- cação própria da sua condi- ção social (o metro que liga o centro da cidade de Atenas a 4
  • 6. Kifissia é muito recente...). O mais certo, tendo em con- lecida a constituição democrática em Atenas, Platão já ta as suas origens de nobreza, é que tenha aprendido a não estava tão confiante numa carreira política. A con- honrar os deuses e a respeitar os rituais da religião, denação de Sócrates pelo regime democrático desilu- como era tradição em todas as famílias de bem. Mante- diu-o de forma irrecuperável e definitiva. Ele tinha rá durante toda a sua vida este respeito pela religião e mantido a esperança de que a democracia haveria de imporá esse respeito nas suas Leis. Para além da ginás- melhorar a vida política; vendo que o mal parecia incu- tica e da música, que eram a base da educação atenien- rável, dedicou-se completamente a preparar, através se, também terá sido iniciado no desenho e na pintura. das suas obras, alterações políticas de fundo, onde os Em filosofia, a sua formação terá começado com as li- filósofos, preceptores e governantes da humanidade, ções de um discípulo de Heraclito, Crátilo, cujo nome haveriam de pôr fim à maldade que ele tanto repudia- foi dado, por Platão, a um dos seus diálogos. Eram-lhe va. reconhecidos talentos para a poesia. Foi testemunha Segundo consta, Platão estaria doente quando Sócrates dos sucessos de Eurípides e Ágaton, e ele próprio com- bebeu a cicuta, e, por isso, não pôde estar presente nos pôs tragédias, poemas líricos e ditirambos. seus últimos momentos. Após a morte do mestre, reti- Com cerca de vinte anos de idade, Platão conheceu Só- rou-se para Mégara (atualmente um aglomerado agríco- crates. Diz-se que queimou as suas tragédias e que se la a 43Km de Atenas, atravessado pela auto-estrada Ate- dedicou completamente à filosofia. Sócrates tinha dedi- cado toda a sua vida a ensinar a virtude aos seus conci- dadãos: a reforma (a conversão à virtude) dos cidadãos era a condição necessária e indispensável para o bem- estar da cidade. Este será também o objetivo principal da vida de Platão que, tal como o seu primo Crítias e o seu tio Cármides, ambicionava dedicar-se a uma carrei- ra política; no entanto, os excessos dos Trinta (um go- verno oligárquico de Atenas composto por trinta magis- trados) acabaram por o horrorizar. Quando foi restabe- 5
  • 7. nas-Corinto), para junto de Euclides e Terpsion, tal co Teodoro, que será um dos inter- como ele, discípulos de Sócrates. Mais tarde, teve de locutores do Teeteto. De Cirene, voltar a Atenas para cumprir serviço militar na cavala- passou para Itália, onde fez amiza- ria. Participou, segundo parece, nas campanhas de 395 de com os pitagóricos Filolau, Ar- e de 394 da guerra de Corinto. Na verdade, Platão nun- quitas e Timeu. Não é seguro que ca se referiu aos seus serviços militares, mas sempre tenha sido com estes pitagóricos preconizou os exercícios militares para desenvolver o que Platão passou a acreditar na vigor físico dos jovens. migração das almas; mas a eles deve seguramente a ideia de eterni- O desejo de instrução levou Platão a viajar. Cerca de dade da alma, que haveria de ser a 390, dirigiu-se ao Egito, levando consigo um carrega- pedra angular da sua filosofia; essa ideia de imortalida- mento de azeite para pagar a viagem. Aí, tomou contac- de da alma forneceu a solução para o problema do co- to com artes e costumes com milhares de anos de tradi- nhecimento. Com esses pitagóricos, Platão aprofundou ção. Há quem pense que foi graças ao espetáculo desta também os seus conhecimentos em aritmética, em as- civilização, fiel a antigas tradições, que Platão criou a tronomia e em música. ideia de que: os homens podem ser felizes, se respeitarem as for- mas imutáveis de vida, a música e a poesia não necessitam de novas cria- ções, e basta descobrir a melhor constituição e forçar os po- vos a aderir a ela para se viver numa cidade justa. Do Egito, partiu para Cirene (colónia grega na região da Líbia atual), onde frequentou a escola do matemáti- Dirigiu-se, depois, para a Sicília e, em Siracusa, assistiu às farsas populares e comprou o livro de um autor de 6
  • 8. farsas em prosa. Foi recebido na corte de Dionísio na que escreveu mesmo um para Sócrates), e Isócrates ti- qualidade de estrangeiro distinto (diríamos agora VIP) nha fundado uma escola de retórica. Dois discípulos de e conquistou para a filo- Sócrates, Ésquines e Antístenes, que tinham tomado a sofia o cunhado do tira- defesa do mestre, tinham uma escola e publicavam es- no. No entanto, não du- critos ao gosto do povo ateniense. Platão dedicou-se rou muito tempo a cor- também ao ensino; mas, em vez de o fazer através da dialidade de Dionísio conversa, como Sócrates, fundou uma escola à imagem que o despachou num das sociedades pitagóricas. Comprou um terreno próxi- barco com destino a mo do ginásio do bosque de Academos, e aí mandou Egina (uma ilha a cer- construir a sua escola. Daí, o nome de Academia, dado ca de 27 Km de Atenas, à escola de Platão. Os seus alunos formavam um grupo com a qual, na época, estava em conflito aberto), como de amigos, cujo presidente era escolhido pelos jovens escravo do Lacedemónio Pollis. Felizmente, um Cire- que, sem dúvida, pagariam uma espécie de cotização. neu, que reconheceu Platão, comprou a sua liberdade Não se sabe nada dos vinte anos da vida de Platão, que pelas vinte minas que ele tinha valido no mercado de decorreram entre o seu retorno a Atenas e a sua nova Siracusa (cerca de 128 dracmas - mal comparando, um deslocação à Sicília. Nem nas suas obras se encontra euro equivale à conversão de 340,750 dracmas, nos qualquer alusão aos acontecimentos seus contemporâ- tempos atuais). Platão voltou, então, a Atenas, muito neos: provavelmente com cerca de quarenta anos. a reconstituição do império marítimo da Atenas, Nesse ano (388 a.C.), Eurípides já tinha morrido e não tinha sucessor à sua altura, Aristófanes acabava de re- aos sucessos de Tebas com Epaminondas, presentar a sua última tragédia, e o teatro cómico esta- va em decadência. A poesia enfrentava um declínio evi- à decadência de Esparta. dente em Atenas, mas a prosa estava em ascensão. Lí- Entretanto, Dionísio, o antigo, tinha morrido em 368. sias (que aparece em, pelo menos, dois diálogos de Pla- O seu cunhado, Deão, esperava poder influenciar o pen- tão) escrevia discursos de defesa em tribunal (parece 7
  • 9. samento de Dionísio, o jovem, sucessor de seu pai. So- ser o mestre de Dionísio, ficou retido em Siracusa du- nhava, ao que parece, transformar a tirania numa mo- rante todo o Inverno. Finalmente, na primavera do ano narquia constitucional, onde a lei e a liberdade pudes- de 365, Dionísio autorizou-o a partir, sob promessa de sem conviver pacificamente. Por isso, pediu ajuda a Pla- voltar com Deão. Platão e Dionísio separaram-se, ape- tão. Platão ainda alimentava a ambição de desempe- sar de tudo, como amigos, graças sobretudo às diligên- nhar um papel político importante, pondo em prática o cias bem sucedidas de Platão junto de Arquitas de Ta- seu sistema. Deixou a direção da sua escola a Eudoxo, rento para que aceitasse fazer uma aliança com Dioní- reforçando, deste modo, a sua amizade com Arkitas, sio. matemático filósofo que governava Tarento. Quando De volta a Atenas, Platão encontrou Deão que levava chegou a Siracusa, no entanto, a situação já tinha muda- uma vida faustosa. Retomou o ensino. Entretanto, Dio- do. Foi muito bem recebido por Dionísio, mas muito nísio, aparentemente, tinha ganho o gosto pela filoso- mal pelos partidários da tirania. Por outro lado, tendo- fia. Tinha chamado à sua corte dois discípulos de Sócra- se apercebido de que o tio, Deão, o queria manter sob tes, Ésquino e Aristipo de Cirene, e manifestou o desejo sua tutela, Dionísio expulsou-o de Siracusa. Enquanto de voltar a encontrar-se com Platão. Na Primavera de Deão foi viver para Atenas, Platão, sob o pretexto de 361, enviou um vaso de guerra ao Pireu. O seu coman- dante era portador de cartas de Árquitas de Tarento e de Dionísio, em que Árquitas lhe garantia a sua segu- rança pessoal, e Dionísio lhe relembrava o interesse no retorno de Deão no ano seguinte. Platão acreditou nes- tes pedidos e partiu para Siracusa com um seu sobri- nho, Speusipo. Novos contratempos o esperavam em Siracusa, na Sicília: não conseguiu convencer Dionísio a mudar de vida. Entretanto, Dionísio embargou os bens de Deão. Platão quis partir; o tirano reteve-o, e foi necessária a intervenção de Árquitas para que ele pu- 8
  • 10. desse deixar Siracusa, na Primavera de 360. Encon- trou, depois, Deão na cidade de Olímpia. Sabe-se que, tendo sabido que Dionísio se tinha apro- priado da sua mulher e oferecido a outro, Deão mar- chou contra ele em 357 e apoderou-se de Siracusa. Aca- bou por ser assassinado quatro anos depois, em 353. Platão sobreviveu-lhe cinco anos. A academia de Platão sobreviveu até 529 da nossa era, ano em que o imperador Justiniano a mandou fechar. 9
  • 11. C APÍTULO 2 A Filosofia de Platão Ninguém falou do bem e do belo com um entusiasmo tão comunicativo. A vida que vale a pena ser vivida, diz ele no Banque- te, é a do homem que se elevou do amor pelos corpos belos, ao amor pelas almas belas, e deste, ao amor pelas belas ações, depois, ao amor pelas belas ciências, até à beleza absoluta que atravessa os cora- ções com um arrebatamento inexprimí- vel.
  • 12. Nas suas primeiras obras, isto é, nos diálogos chama- perto das fronteiras da dos socráticos, Platão, fiel discípulo de Sócrates, dedi- Grécia com a Turquia e a ca-se, tal como este, a definir as ideias morais. Procura Bulgária - antiga Trácia), saber o que é a coragem, a sabedoria, a amizade, a pie- travou conhecimento com dade, a virtude. Sócrates acreditava que basta conhecer Demócrito e com o ato- o bem para o praticar, e que, por conseguinte, a virtude mismo, uma das mais ge- é ciência e o vício é ignorância. Platão manter-se-á fiel, niais criações da filosofia durante toda a sua vida, a esta doutrina. Tal como Só- grega antes de Platão. crates, honrará os deuses e defenderá que a virtude con- De qualquer modo, o sis- siste em se assemelhar a eles, tanto quanto o permita a tema de Platão é uma sín- fraqueza humana. Como Sócrates, acreditará que o tese de tudo o que se sa- bem é o fim supremo de toda a existência e que é no bia no seu tempo, mas so- bem que deve ser procurada a explicação do universo. bretudo das doutrinas de Mas, por muito dócil que Platão tenha sido às lições de Sócrates, de Heraclito, de Sócrates, a sua grande ambição de saber impediu que Parménides e dos Pitagóricos. A teoria platónica das se limitasse ao ensino puramente moral do seu mestre. ideias é a base e a originalidade de todo o seu sistema. Antes de conhecer Sócrates, tinha recebido lições de Inicialmente, Platão tinha estudado a doutrina de Hera- Crátilo que o familiarizou com a doutrina de Heraclito. clito que se baseava no fluir universal das coisas. “Tudo Também estudou as teorias dos Eleatas (Parménides), flui, dizia Heraclito, nada permanece. O mesmo ho- de Anaxágoras e os escritos de Empédocles. Durante a mem não entra duas vezes no mesmo rio”. Desta ideia, sua viagem a Cirene, aperfeiçoou-se na geometria e, em Platão retira a consequência de que os seres, que se en- Itália, dedicou-se ao estudo da aritmética, da astrono- contram em perpétuo devir, dificilmente merecem o mia, da música e da medicina dos pitagóricos. Tinha in- nome de seres, e sobre eles só podemos formar opini- tenção de visitar a Jónia e as cidades costeiras do mar ões confusas, incapazes de se justificar a si mesmas. Egeu, mas a guerra com a Pérsia demoveu-o dessa Não podem ser objeto de uma verdadeira ciência, pois ideia. Em Abdera (localidade que se situa atualmente 11
  • 13. não não há ciência do que está em perpétua mudança; são (à sua frente) as sombras projetadas dos objetos, só há ciência do que é fixo e imutável. Todavia, quando que desfilam por trás deles iluminados pela luz de uma observamos atentamente esses seres em mutação per- fogueira. Os objetos que passam por trás dos prisionei- manente, damo-nos conta de que reproduzem, dentro ros são os objetos do mundo inteligível (as Ideias), a da mesma espécie, características constantes. Estas ca- luz que os ilumina é a ideia de Bem, origem de toda a racterísticas transmitem-se de indivíduo para indiví- ciência e de toda a existência. Reconhece-se aqui a dou- duo, de geração para geração. São, portanto, cópias de trina de Parménides (escola Eleata), para quem o mun- modelos universais, imutáveis, eternos a que Platão dá do não passa de aparência, e para quem a única realida- o nome de Formas ou de Ideias. Na nossa linguagem de é a Unidade. Mas enquanto, para Parménides, o Ser corrente, entendemos por ideia uma modificação, um uno e imutável é uma abstração, para Platão, é o Ser ato do espírito. Na linguagem de Platão, a Ideia expri- por excelência, fonte de onde brota toda a vida. me, não o ato do espírito que conhece, mas o próprio A Ideia do Bem, diz Platão, está no limite do mundo in- objeto que é conhecido. Assim, a Ideia de homem é a teligível: é a última e a que ocupa o lugar mais alto; ad- forma ideal de homem, que todos os homens reprodu- mite, em todo o caso, que existe uma hierarquia de Idei- zem com maior ou menor perfeição. Esta forma é pura- as. No livro X da República, parece aceitar que todos os mente inteligível, isto é, não se apreende pelos senti- objetos da natureza e as criações do homem, como um dos, mas nem por isso deixa de ser viva. É mesmo o úni- banco ou uma mesa, retiram a sua existência de uma co ser verdadeiramente vivo, pois as suas cópias, estan- Ideia e que as Ideias são em número indeterminado. do sempre em mudança, são mortais. A Ideia de ho- Mas, habitualmente, só fala das Ideias do Belo, do Jus- mem é aquilo que realmente existe, que é eterno e imu- to e do Bem. tável e, por isso, é aquilo que pode ser conhecido e ser objeto da ciência. A teoria das Ideias está estreitamente associada à dou- trina da reminiscência e da imortalidade da alma. A Platão ilustrou a sua teoria das Ideias na célebre alego- nossa alma, que existiu antes de nós e passará para ou- ria da caverna, onde os homens são comparados a prisi- tros corpos depois de nós, já conheceu essas Ideias, oneiros acorrentados que não podem virar a cabeça mais ou menos vagamente, num outro mundo. O mito para trás e que só vêem na parede do fundo da sua pri- 12
  • 14. do Fedro mostra-nos a alma a subir as escadas para o então deve ser a ciência de todos os bens e de todos os céu, atrás do cortejo dos deuses, para ir contemplar as males; nesse caso, essa definição aplicar-se-ia à virtude Ideias do outro lado da abóbada celeste. Ela traz de lá em geral e não especificamente à coragem. A partir da- uma lembrança obscura que a filosofia se esforça por qui os três interlocutores separam-se sem alcançarem a esclarecer. Este esforço de esclarecimento implica um definição procurada. Mas dá para perceber o processo treino inicial destinado a despertar a reflexão. que, de uma proposição, passa a outra mais compreen- siva, até que se chegue à ideia geral que compreenderá As ciências que se caracterizam pelo raciocínio puro, a todos os casos e distinguir-se-á das ideias vizinhas. Pla- aritmética, a geometria, a astronomia, são as mais indi- tão aplica este método socrático ao domínio das Ideias, cadas para nos familiarizar com o mundo do inteligível. para as alcançar a elas, subindo das Ideias inferiores A dialética surge então como o método mais eficaz. Pla- até à Ideia do Bem. Temos de começar por uma hipóte- tão parte da dialética socrática, espécie de conversa, se a respeito do objeto estudado. Essa hipótese é verifi- através da qual se busca a definição de uma virtude. As- cada pelas conclusões a que conduz. Se as conclusões sim, no diálogo Laques, os três interlocutores, Laques, forem insustentáveis, a hipótese é rejeitada. Uma outra Nicias e Sócrates procuram definir coragem. Laques hipótese toma o seu lugar, sujeitando-se ao mesmo pro- propõe uma primeira definição: “O homem corajoso, cedimento, até que se encontre uma que resista ao exa- diz ele, é o que se mantém firme contra o inimigo”. Só- me da sua sustentabilidade. Cada hipótese é um degrau crates considera esta definição muito pobre, pois a cora- que nos conduz à Ideia. Quando tivermos examinado gem pode ser aplicada em muitas outras circunstânci- deste modo todos os objetos de conhecimento, alcança- as. Laques propõe, então, uma nova definição: “A cora- remos todos os princípios (arkai) incontestáveis, não gem é uma espécie de firmeza”. Mas se essa firmeza se somente em si mesmos, mas também na sua mútua de- basear na loucura e na ignorância, responde Sócrates, pendência e na relação que têm com o princípio superi- não poderá corresponder à coragem. Por seu turno, Ni- or e absoluto que é a Ideia de Bem. O diálogo Parméni- cias diz que a coragem é a ciência que nos permite dis- des fornece-nos um exemplo deste procedimento. Este tinguir aquele que devemos temer daquele de quem procedimento exige uma inteligência superior e um tra- não precisamos de ter medo. A esta definição, Sócrates balho incansável, de que só o filósofo é capaz. apresenta outra objeção. Se a coragem é uma ciência, 13
  • 15. Mas a dialética não é suficiente para compreendermos modificando-as um pouco, fizeram delas dogmas religi- todas as coisas. Há segredos impenetráveis para a ra- osos. zão, cuja posse os deuses reservaram para si mesmos. Podem, é verdade, deixar que alguns homens privilegia- dos tenham uma visão desses segredos, sem lhes dar o privilégio de os alcançar plenamente. Os deuses permi- tem, por exemplo, que os adivinhos conheçam, embora imperfeitamente, o futuro e que os artistas tenham ins- pirações; é o caso de Sócrates, a quem os deuses favore- ceram, com informações privilegiadas. Assim, talvez se verifiquem, nos poetas e nas crenças populares, traços de uma revelação divina, que lançariam alguma luz so- bre as nossas origens e o nosso destino após a morte. Os Egípcios acreditavam que os homens são julgados pelos seus atos após a morte, e os Pitagóricos acredita- vam que a alma passa do corpo de um animal para o de um outro. Platão não desprezou a recolha destas cren- ças, mas recusou-se a dá-las como certas. Para ele, são esperanças ou sonhos que ele expõe em mitos de uma poesia sublime. A sua imaginação transmite-lhes um brilho mágico e sugere pormenores tão precisos, que se diria que Platão assistiu aos mistérios do Além. Encon- trou nesse Além limbos, um purgatório e um inferno eterno reservado à almas incorrigíveis. Estas visões ex- traordinárias impressionaram de tal modo os espíritos do seu tempo e dos tempos seguintes que os cristãos, 14
  • 16. o instinto e o desejo que atraem os homens para ob- jetos sensíveis e para desejos grosseiros. A Psicologia O ponto mais fraco desta conceção é a reduzida valori- zação da vontade livre. Platão defende, tal como Sócra- tes, que o conhecimento do bem implica a adesão da vontade, o que dificilmente se compagina com a experi- ência. Platão tentou estabelecer os princípios que re- gem a sobrevivência da alma através de demonstrações dialéticas, e expôs no Górgias, na República e no Fé- don as migrações e as purificações a que alma é subme- tida, antes de voltar à terra e entrar num novo corpo. O A psicologia de Platão é marcada por características detalhe destas descrições varia, no entanto, de obra profundamente espiritualistas. A alma é eterna. Antes para obra. de se unir ao corpo, contemplou as Ideias e, graças à re- miniscência, pode reconhecê-las depois de ter incarna- do num corpo. Devido à coabitação com a matéria, a alma perde a sua pureza e adquire três componentes di- ferentes: uma componente superior, ou a razão, faculdade contemplativa, destinada a governar e manter a har- monia entre ela e as duas componentes inferiores, a coragem, faculdade nobre e generosa que inclui ao mesmo tempo desejos elevados da nossa natureza e a vontade, 15
  • 17. vel da cidade. Esta é constituída por três tipos de cida- dãos que correspondem às três componentes da alma: A Política os magistrados filósofos que representam a razão; os guerreiros que representam a coragem e que são encarregados de proteger o Estado dos inimigos ex- ternos e de fazer os cidadão obedecer às leis do Esta- do; finalmente, os trabalhadores, os artesãos e os co- merciantes que representam o instinto e o desejo. Para estes três tipos de cidadãos, a justiça consiste, tal A política de Platão é modelada pela sua psicologia, como para os indivíduos, em cumprir a sua função espe- pois, no seu entender, os costumes do Estado são neces- cífica. Os magistrados governam, os guerreiros obede- sariamente modelados pelos dos indivíduos. A base fun- cem aos magistrados, e os outros obedecem aos dois; damental do Estado é a justiça: o Estado não pode exis- deste modo, reinará a harmonia, isto é, a justiça entre tir sem justiça. Platão entende a justiça de uma forma as três categorias de cidadãos. A educação deve prepa- mais ampla do que aquela que é habitual para a maior rar os magistrados, os guerreiros e os auxiliares para o parte das pessoas. Para um grande número de pessoas, exercício das suas futuras funções, sendo também um a justiça consiste em dar a cada um o que é seu. Sócra- meio para determinar as características que definem, tes rejeita esta definição no primeiro livro da Repúbli- em cada um, a categoria social a que deve pertencer. ca. Para ele, ao nível individual, a justiça consiste em Tal como os homens, as mulheres também devem bene- que cada componente da alma cumpra a função que lhe ficiar dessa educação, uma vez que, segundo Platão, é própria: que o desejo se submeta à coragem e que a elas são tão aptas como os homens. Assim, as mulheres coragem se submeta à razão. O mesmo se passa ao ní- devem poder aceder aos mesmos cargos dos homens in- cluindo a função de guerreiro. Os magistrados devem 16
  • 18. ser escolhidos de entre os mais dotados, que tenham O interesse pessoal seria suprimido através do estabele- evidenciado uma maior dedicação ao bem público. De- cimento da comunidade de bens, e o espírito de família vem ser formados na dialética, para que possam con- através da comunidade das mulheres e das crianças, templar as Ideias e governar o Estado de acordo com a que deveriam ser educadas pelo Estado. No entanto, Ideia de Bem. Importa esclarecer que estas três catego- esta comunidade de bens, de mulheres e de crianças rias, ou classes, não correspondem a castas ou a privilé- não deveria abranger todo o povo; só seria regra para gios transmitidos de geração em geração; pelo contrá- as duas ordens superiores, as únicas capazes de com- rio, as crianças são encaminhadas para uma ou para ou- preender o valor dessa comunidade e submeter-se a ela tra categoria, de acordo com as aptidões que revelem em nome do bem público. Por outro lado, os casamen- possuir durante o processo de formação, e não de acor- tos não poderiam ser deixados ao critério dos jovens: do com os recursos ou estatuto social da sua família. sendo efémeros como a experiência dizia que eram, se- ria da competência dos magistrados regulá-los oficial e Por outro lado, o Estado deve ser de dimensão reduzi- solenemente. da. Na verdade, Platão considerava que o pior perigo para o Estado seria a sua divisão interna. Por isso, não Platão não tinha quaisquer dúvidas a respeito da difi- acredita na viabilidade da justiça em Estados de grande culdade em pôr em prática o seu sistema. Ele sabia que dimensão, do tipo do império Persa, como defendia Xe- a doutrina das Ideias, em que ele se baseava, era incom- nofonte. O seu modelo de Estado eram as cidades gre- preensível para a multidão e que, por conseguinte, a gas. Um Estado pequeno não corre o risco de se dividir sua Constituição teria de ser imposta à maioria do com a mesma facilidade de um grande Estado, forma- povo, mesmo que fosse contra a sua vontade, e que do por povos diferentes, e facilita também a supervisão essa imposição só seria eficiente se fosse conduzida por dos magistrados. Para evitar a divisão, o pior dos males um rei filósofo, e filósofo à maneira de Platão. Houve de que sofriam as cidades gregas, deveriam ser suprimi- um momento em que parece que ele acreditou encon- dos os inimigos mais temíveis da unidade: trar esse rei filósofo em Dionísio de Siracusa, o jovem, e no seu amigo Deão. O seu fracasso junto do primeiro, o interesse pessoal, e e o assassinato do segundo, depois de ter usurpado o o espírito de família. poder a Dionísio, retiraram-lhe todas as ilusões. Mas a 17
  • 19. política tinha sido sempre uma das preocupações domi- nantes de Platão. Já velho, volta a pegar na pena para redigir uma nova Constituição, que expôs em As Leis. Esta nova Constituição baseia-se nos mesmos princípi- os, mas é mais prática e abdica da comunidade dos bens, das mulheres e das crianças. 18
  • 20. Para determinar qual destes três prazeres é superior, basta consultar aqueles que têm experiência deles. Ora, A Moral o artesão, que procura o lucro, não conhece os outros dois prazeres; o ambicioso, por seu turno, não conhece o prazer da ciência; só o filósofo tem a experiência dos três tipos de prazer e, por isso, é o único capaz de ter opinião fundamentada sobre todos. Nesta linha de pen- samento, aos seus olhos, o maior e o mais puro de to- dos os prazeres é o prazer de conhecer próprio do filóso- fo. A Moral Por outro lado, uma vez que ele considera que o corpo A moral de Platão tem um caráter, ao mesmo tempo, as- é um empecilho da alma, que é como um objeto de cético e intelectual. Platão reconhece, tal como Sócra- chumbo que dificulta e impede mesmo que a alma voe tes, que a felicidade é o fim natural da vida; mas, ao ní- para as regiões superiores da Ideia, é necessário mortifi- vel dos prazeres, de que depende a felicidade, há a mes- cá-lo e libertar a alma, tanto quanto possível, das neces- ma hierarquia que caracteriza as componentes da sidades grosseiras que têm origem no corpo. Assim, a alma. Cada componente da alma dá-nos um prazer es- virtude consiste na submissão dos desejos inferiores ao pecífico: desejo de conhecer, ao gosto ou amor pela sabedoria (fi- losofia). Conhecendo o bem, o homem é naturalmente a razão, o prazer de conhecer; virtuoso, pois não é possível vê-lo sem o desejar; o vício a coragem, as satisfações da ambição; tem sempre origem na ignorância. Embora Platão redu- za a ignorância a um erro de cálculo, ou a um erro de o desejo, os prazeres grosseiros a que Platão cha- dialética, nem por isso deixa de a considerar suscetível mou o prazer do lucro. de ser punida. O mau, segundo ele, deveria submeter- se, a si mesmo, a expiar a sua ignorância. Em todo o 19
  • 21. caso, se escapar neste mundo, não escapará no outro, pensava Platão. 20
  • 22. rem proceder de outro modo, proibi-los-emos de traba- lhar na nossa cidade.” Em resultado destes princípios, A Estética Platão proíbe todos os tipos musicais que não respei- tem os estilos dório e frígio, os únicos que convêm à se- riedade dos guerreiros. Proíbe a tragédia, cuja tendên- cia para o queixume poderia amolecer o coração; proí- be a comédia humorística (a bobice) e até o riso, que condiz mal com a seriedade. Critica o próprio Homero, de quem ele tanto gosta, cujos poemas conhece de cor e que cita vezes sem conta, por não achar graça à descri- A estética de Platão depende da teoria das Ideias e, tam- ção que faz dos deuses como se fossem tão imorais bém, da moral e da política, elas igualmente modeladas como os homens. Depois de o ter “coroado com flores”, pela doutrina das Ideias. Com efeito, as Ideias são imu- Platão acaba por condenar Homero ao silêncio na sua táveis e eternas. Uma vez que é nosso dever regularmo- República. Em todo o caso, os mais desprezíveis para nos por elas, as artes serão, tal como as Ideias, imutá- ele são os pintores e os escultores. Como as suas obras veis e estabelecidas para sempre. Platão não prevê a ne- não passam de cópias incompletas dos objetos sensí- cessidade de qualquer tipo de inovação, nem na poesia, veis, e estes são cópias imperfeitas das Ideias, segundo nem nas artes em geral. Uma vez alcançado o ideal, de- Platão, elas distanciam-se, em três degraus, da verda- veremos fixar-nos nele ou recopiá-lo permanentemen- de; esses artistas são, portanto, ignorantes, inferiores te. Por outro lado, a única função da arte é servir a mo- mesmo aos artesãos que fabricam os objetos reais, cuja ral e a política. “Nós obrigaremos os poetas, diz Platão, distância à verdade é de dois degraus. Por outras pala- a só oferecer nos seus poemas modelos de bons costu- vras, quem pudesse ser Aquiles não quereria ser Home- mes, e, do mesmo modo, controlaremos os outros artis- ro: mais vale ser herói do que ser relator da heroicida- tas e impedi-los-emos de imitar o vício, a intemperan- de de quem quer que seja. Portanto, os poemas de Ho- ça, a baixeza, seja na pintura de seres vivos, seja em mero situam-se a um nível inferior ao da vida real de qualquer outro tipo de imagem, ou, se não consegui- Aquiles que eles relatam. É este o tipo de raciocínio, co- 21
  • 23. erente, que Platão utiliza para a sua conceção de estéti- ca. Levando este raciocínio ao limite, seria legítimo di- zer que um sapateiro que criticasse Fídias seria superi- or a este grande escultor, ou a Apeles, um dos mais im- portantes pintores da Grécia clássica. Esta conceção de estética mostra bem até onde o espíri- to de sistema, ou a busca de coerência a todo o custo, conduz um homem, como Platão, que foi, ele próprio, um dos maiores artistas da humanidade, pela beleza dos seus escritos. 22
  • 24. substâncias (as duas originais e a terceira criada por Deus). Com o mundo nasceu também o tempo que é a A Física e o Demiurgo medida do movimento dos astros. Para povoar o mun- do, o Demiurgo criou, em primeiro lugar, os deuses (as- tros ou deuses mitológicos) e encarregou-os a eles de criar os animais, para não ser responsável pelas suas imperfeições. Os deuses formaram o corpo dos seres, tendo em vista o maior bem; aplicaram na formação desses corpos leis geométricas muito complexas. No corpo do homem colocaram também uma alma, que, No Timeu, Platão fornece a sua explicação do Universo tendo em conta a forma como conduza a sua vida, se em geral e do Homem em particular. Nessa obra con- bem, após a morte voltará para o astro de onde é origi- densou os conhecimentos da sua escola sobre a nature- nária, se mal, passará para outros corpos até que seja za. purificada. Platão só se interessa pelo destino do ho- mem, e é por se interessar pelo homem que ele estuda Segundo ele, existe um Deus muito bom que criou o o Universo. Por conseguinte, a fisiologia e a higiene do mundo à sua imagem. Não o criou do nada, como o homem são o principal objeto do Timeu: a estrutura do Deus dos judeus e dos cristãos, pois sempre coexisti- corpo, os órgãos, a origem das impressões sensíveis, as ram ao seu lado duas substâncias (a alma incorpórea e causas das doenças do corpo e da alma, a geração, a me- indivisível e a outra material e divisível), a que a filoso- tempsicose. Platão tratou de todos estes assuntos, utili- fia grega chama O Uno ou O Mesmo, e O Outro. O De- zando os ensinamentos de Empédocles e do médico Alc- miurgo (o Deus) criou, em primeiro lugar o mundo sen- méon, acrescentando as descobertas realizadas na sua sível. A partir da substância indivisível e da substância escola. divisível compôs, misturando-as, uma terceira substân- cia intermédia que inclui a natureza do Uno e a nature- Sendo o Timeu uma das últimas obras de Platão, acon- za do Outro: a alma do mundo é formada por estas três tece que nem sempre está de acordo com obras anterio- res. A diferença mais importante tem a ver com o facto 23
  • 25. de o Deus do Timeu ser distinto do mundo das Ideias que lhe servem de modelos para a formação do mundo sensível. Na República, pelo contrário, é a Ideia de Bem que é a fonte, não só de todo o conhecimento, mas também de toda a existência. É a Ideia de Bem que cor- responde a Deus. Segundo Teofrasto, Platão tinha ten- dência para identificar a Ideia de Bem com o Deus su- premo; mas parece claro que Platão não levou ao limite esta sua tendência, e o seu pensamento sobre Deus aca- ba por ser flutuante. 24
  • 26. da nos dias de hoje exerce um poderoso fascínio sobre os seus leitores. Ninguém falou do bem e do belo com Influência do Platonismo um entusiasmo tão comunicativo. A vida que vale a pena ser vivida, diz ele no Banquete, é a do homem que se elevou do amor aos corpos belos, ao amor às almas belas, e deste, ao amor às belas ações, e depois, ao amor das belas ciências, até à beleza absoluta que atra- vessa os corações com um arrebatamento inexprimível. Uma multidão de ideias platónicas exerce ainda uma influência muito considerável no mundo moderno. Pla- A teoria essencial em que se baseia toda a filosofia de tão é um autor espiritualista: concebeu a alma como o Platão, a teoria das Ideias, foi rejeitada pelo seu discípu- essencial do homem. Segundo ele, o homem deve esfor- lo Aristóteles; o simples bom senso bastaria, aliás, para çar-se por devolver à sua alma o estado de pureza que a refutar. Discípulo dos Eleatas, para quem só o Uno ela perdeu ao unir-se com o corpo. É deste esforço que existia, e dos Pitagóricos, que viam no número o princí- depende a sua vida futura. A vida deve, portanto, ser pio das coisas, Platão concedeu uma existência real a uma preparação para a morte. A existência de uma Pro- conceitos abstratos que só existem no nosso espírito. vidência que governa o mundo, a necessidade de expia- Formado nos raciocínios matemáticos, aplicou-os intre- ção de toda a maldade cometida, a recompensa dos pidamente às noções morais, ao Uno, ao Ser, ao Bem, à bons, a punição dos maus num outro mundo e muitas Causa. Acreditou estar a dar sentido à realidade através outras ideias foram incorporadas na filosofia cristã e dos seus raciocínios, mas na verdade só dava sentido a continuam a comandar a nossa conduta. Por este moti- abstrações. Mas mesmo que as ideias não tenham uma vo, podemos dizer que nenhum outro filósofo marcou existência independente, basta que estejam no nosso tão profundamente o pensamento dos antigos e o pen- espírito como um ideal, para que nos possamos orien- samento dos modernos. tar por elas. É por isso que Platão, separando-nos do mundo sensível para nos elevar ao ideal inteligível, ain- 25
  • 27. C APÍTULO 3 O Teeteto É, pois, uma resposta tonta dizer que a ci- ência é uma opinião correta (ortodoxa) acompanhada de ciência, seja da ciência da diferença, seja da ciência de qualquer outra coisa.
  • 28. transportado, doente e ferido, do campo de batalha de Corinto para Atenas. Que perda - exclama Terpsion - se Argumento este grande sábio e valente soldado vier a morrer! Ele justificou, diz Euclides, o augúrio de Sócrates, que lhe tinha predito um futuro glorioso. Com efeito, Sócrates, pouco antes de ter sido condenado, tinha conhecido Teeteto e tinha tido com ele uma conversa, onde a pre- coce inteligência do ainda jovem Teeteto o tinha surpre- endido. Será que podes, pergunta Terpsion, relatar-me essa conversa?. - Não, mas redigi um relato que Sócra- O debate que é travado no Teeteto é precedido de uma tes me fez dela. Só que, em vez de conservar a forma de espécie de prólogo. É uma conversa entre dois megaria- narrativa, construí um diálogo entre Sócrates e os seus nos (habitantes de Mégara), antigos discípulos de Só- dois interlocutores, Teodoro e Teeteto. Voltemos para casa que o meu escravo far-nos-á a leitura desse diálo- go. Sócrates abre a conversa. Diz-me Teodoro, tu que ensi- nas aqui geometria, se distinguiste, de entre os teus alu- nos atenienses, alguns jovens que prometam tornar-se homens de mérito. - Sim, Sócrates, um em particular. Ele é fisicamente parecido contigo e é maravilhosamen- te dotado de inteligência e de qualidades morais. Ali vem ele, com aqueles jovens que se aproximam de nós. Chama-se Teeteto. - Queres dizer-lhe que venha aqui? Chamado por Teodoro, Teeteto aproxima-se. - Uma vez crates, Euclides e Terpsion. Euclides, tendo ido ao por- que aprendes as ciências na escola de Teodoro, diz-lhe to de Mégara, encontrou lá Teeteto, que estava a ser Sócrates, poderias dizer-me em que consiste a ciência? 27
  • 29. - A ciência é aquilo que Teodoro ensina, a geometria, a A partir daqui, entramos no tema central do Teeteto: o astronomia, a harmonia, o cálculo e as artes em geral. que é a ciência? Teeteto vai propor sucessivamente três - Desse modo, não estás a definir a ciência, mas os seus definições que serão examinadas e recusadas por Sócra- objetos. Se eu te perguntasse o que é o barro e tu me tes uma após outra: respondesses: há barro dos oleiros, o barro dos tijolos e 1. A ciência é a sensação; outros, eu não ficaria a saber nada sobre a natureza do barro. O que era preciso que me dissesses é que o barro 2. A ciência é a opinião verdadeira; é um certo tipo de terra misturada com água. - Compre- endo, diz Teeteto: o que tu me perguntas, foi o que nós 3. A ciência é a opinião verdadeira, acompanhada de fizemos há uns dias atrás, o jovem Sócrates e eu, a pro- razão. pósito das raízes. Sendo as raízes infinitas em número, tentámos juntá-las todas num termo único, e reconhe- cemos assim duas classes de números, a que chamá- mos comprimentos e raízes. - Perfeito, diz Sócrates. E agora, uma vez que englobaste todas as raízes numa for- ma única, tenta fazer o mesmo com as numerosas for- mas de ciência. - Já tentei várias vezes, mas sem suces- so. No entanto, não consigo desinteressar-me da ques- tão. - É porque tens uma alma grande, Teeteto. Bom, não ouviste dizer que sou filho de uma parteira, e que tenho a arte de fazer dar à luz os espíritos, como a par- teira de fazer dar à luz as mulheres? Sei ainda discernir se o espírito de um jovem está a dar à luz uma quimera, ou um fruto real e verdadeiro. Confia, portanto, em mim e não te aflijas se, ao examinar aquilo que dizes, o julgar como um fantasma sem realidade. 28
  • 30. bios, à exceção de Parménides e da sua escola (Eleata). É a partir do movimento e da mistura (ou fusão) recí- A Ciência é a Sensação proca que se formam todos os seres que afirmamos existirem; por seu turno, a ausência de movimento (o repouso) destrói-os. Os seres não existem por si mes- mos: a cor não é algo que exista à parte de tudo o resto; com efeito, não é nem uma característica que se aplica ao objeto, nem o objeto ao qual essa característica é aplicada, mas um produto intermédio específico a cada coisa ou indivíduo; esse produto varia não só de indiví- A primeira definição, sozinha, ocupa mais tempo de duo para indivíduo, mas também no mesmo indivíduo, conversa do que as outras duas juntas. A razão é mais porque este está em permanente mudança. simples do que possa parecer: é que esta definição rela- Como é costume em Sócrates, ele não vai limitar-se a ciona-se com doutrinas célebres que Sócrates expõe expor a teoria que critica; pelo contrário, aprofunda e com todo o seu vigor antes de as refutar. A doutrina, se- completa essa mesma teoria, assumindo completamen- gundo a qual a ciência é sensação, é precisamente a teo- te a perspetiva do adversário. Sócrates empenha-se, ria de Protágoras, que diz que o homem é a medida de portanto, em demonstrar que só o movimento existe. todas as coisas, isto é, que se algo me aparece, ele é exa- Vejamos a sua explicação. Há dois tipos de movimento, tamente esse algo para mim, e se algo aparece a outro, sendo cada um em número infinito. Um deles consiste ele é exatamente esse algo para o outro. Como aparecer numa força ativa, o outro é uma força passiva. Da sua é ser sentido por alguém, então a sensação é a ciência. união e fricção mútuas nascem proles em número infi- Em que é que se apoia esta teoria de Protágoras? Na nito, mas em pares gémeos que estão sempre unidos: doutrina de Heraclito de que tudo está em movimento, um é o objeto da sensação, e o outro a sensação. Tudo de que nada é fixo, de que tudo flui. As bases desta teo- está em movimento; mas este movimento pode ser rápi- ria remontam a Homero e é seguida por todos os sá- do ou lento. Tudo o que é lento move-se no mesmo lu- gar ou em direção a objetos vizinhos, e é assim que esse 29
  • 31. movimento é gerador da realidade. Quando os olhos e sões dos sentidos. Mantendo a sua postura de defender algum objeto, suscetível de ser visto, geram a brancura convictamente aquilo que quer criticar, Sócrates conti- e a sensação que lhe é específica por natureza, acontece nua, contestando inicialmente esses argumentos. Com que a visão que vem dos olhos e a brancura que vem do efeito, pode responder-se que a sensação, durante o so- objeto (que se concertaram para gerar a cor branca) se nho, existe tanto para aquele que sonha, quanto existe movem no espaço intermédio (e intermediário); deste a sensação para aquele que está acordado; que a sensa- modo, o olho preenche-se de visão e transforma-se, ção de Sócrates doente continua a ser tão verdadeira não numa visão, mas em olho vidente (olho que vê). Do para ele quanto o é quando está de boa saúde. O único mesmo modo, o objeto que concorreu com o olho para juiz da sensação é aquele que a experiencia. É por isso, a produção da cor, enche-se de brancura e transforma- precisamente, que a sensação é a ciência. se, não em brancura, mas em objeto branco, seja madei- Após um curto intervalo na exposição e defesa da dou- ra branca, ou pedra branca, por exemplo. O mesmo se trina da sensação, em que anuncia que vai examinar passa com o frio e o quente e com outras qualidades. com cuidado o recém-nascido de Teeteto (a doutrina Nada é isto ou aquilo em si e por si: é a partir das suas da sensação), e em que Teodoro o exorta a dizer o que aproximações mútuas que todas as coisas nascem do realmente pensa dela, Sócrates desfere duas críticas ful- movimento sob formas de todo o género. É assim im- minantes a Protágoras: “Porque é que Protágoras consi- possível conceber o elemento ativo e o elemento passi- dera o homem a medida de todas as coisas, de preferên- vo como existindo separadamente, pois não existe ele- cia ao porco ou ao macaco, que são, eles também, seres mento ativo antes de se associar ao elemento passivo, com sensações? E se cada um é a medida da sua pró- nem elemento passivo antes de se unir ao elemento ati- pria sabedoria, em que é que Protágoras se pode consi- vo; por outro lado aquilo que, numa certa união, é agen- derar mais sábio do que os outros?” Incomodado por te, numa outra poderá ser paciente (passivo). Desta ver assim maltratado o seu amigo Protágoras, Teodoro conceção resulta que nada é em si e que devemos extin- pede que seja Teeteto a responder a Sócrates. guir a palavra ser. - Vejamos, Teeteto, diz Sócrates, não te surpreende ve- As objeções a este sistema usam, frequentemente, o ar- res-te igual em sabedoria a qualquer homem ou a qual- gumento dos sonhos, das doenças, da loucura e das ilu- 30
  • 32. quer deus? - Sim, responde Teeteto. - Vejamos então a mos fazer com que pareçam bons àquele a quem eles que consequência nos conduz a tese de que a ciência é pareciam, e para quem eram, maus. a sensação. Sentir através da visão ou da audição é sa- O debate é, de novo, interrompido por um curto inter- ber. Ora, aquele que vê e que tomou conhecimento do valo. Receando que Protágoras o criticasse por só discu- que viu, se fechar os olhos, lembra-se da coisa, mesmo tir com gente nova, Sócrates pede que seja Teodoro a sem a ver. Ora, dizer que não vê é dizer que não sabe, responder-lhe. Teodoro bem tenta, mas acaba por resi- pois ver é saber. Segue-se que, quando um homem ad- gnar. Sócrates continua: Protágoras diz que aquilo que quiriu o conhecimento de uma coisa de que ainda se parece a cada um existe realmente para aquele a quem lembra, mas não vê, não a sabe: consequência monstru- isso parece. Ora, é opinião generalizada de que, entre osa! os homens, há uns que são sábios e outros que são igno- Mas, se Protágoras estivesse presente para se defender, rantes, e sabes tu de experiência própria que não há opi- poderia alegar que, de facto, é possível que o mesmo ho- nião que não encontre quem a contradiga. Se Protágo- mem que sabe uma coisa, não a saiba. Supõe que al- ras acredita que o homem é a medida de todas as coi- guém te tapa com a mão um dos olhos e que te pergun- sas, mas que a multidão se recusa a acreditar nele, de ta se vês a sua roupa com esse olho fechado; serás força- modo que o número daqueles que discordam supera o do a dizer que vês e que não vês ao mesmo tempo. E de- daqueles que concordam, então há razões para que o pois, a memória que conservamos das coisas que senti- seu princípio seja mais falso do que verdadeiro. Reco- mos não é da mesma natureza da sensação que tínha- nhecendo que só podemos ter opiniões verdadeiras, mos e já não temos. Já não somos o mesmo homem, Protágoras reconhece que os seus opositores têm uma porque estamos sempre em mudança. Finalmente, Pro- opinião verdadeira, ao julgar a sua falsa. tágoras poderia sustentar que as sensações diferem, A doutrina de Protágoras encontra um bom ponto de não na sua qualidade de verdadeiras ou falsas, pois são apoio nas sensações do tipo das do quente e do frio, do todas reais, mas na sua qualidade de melhores ou pio- doce e do amargo e de outras do mesmo género. Mas res. Longe de não reconhecer nem sabedoria, nem sá- essa doutrina encontra dificuldades sérias quando se bio, ele diria, pelo contrário, que somos sábios, quan- refere à saúde, ao justo, à piedade, onde fica claro que do, mudando a face (ou aspeto) dos objetos, consegui- 31
  • 33. há homens que têm mais razão do que outros. Aqui, Só- rece ser ouvido a respeito do futuro das leis ou de qual- crates pára e faz a reflexão de que um argumento con- quer outro futuro. duz a outro e que o debate não tem fim. - Bom, diz Teo- Mas, também no que diz respeito às sensações imedia- doro, não temos tempo livre? Esta réplica de Teodoro tas do quente e do frio e de outras semelhantes, não po- serve de pretexto para uma digressão sobre a vida do demos garantir que sejam verdadeiras, baseando-nos filósofo, que tem sempre tempo livre, ao contrário do na doutrina do movimento. Existem dois tipos de movi- orador ou do advogado que andam sempre atarefados. mento, um de translação e outro de alteração. Como O filósofo, afastado dos negócios públicos, só está pre- tudo se move destas duas formas, a perceção e a quali- sente de corpo na cidade; a sua alma plana sobre o em- dade, que se move entre o sujeito e o objeto, têm de mu- pírico. Como Tales que caiu num poço enquanto obser- dar de natureza no momento exato da sensação e, por vava os astros, o filósofo ignora o que se passa debaixo isso, essa perceção e qualidade não podem sequer ser dos seus pés e dá motivos para que os outros se riam nomeadas. Nenhuma coisa existe, mais do que já não dele. Ele não se preocupa com o poder, com a riqueza existe: Nenhuma coisa deixa de ser “assim”, mais do ou com a nobreza. Só se interessa pela virtude e dedi- que não é “assim”, pois ambas as expressões se referem ca-se a assemelhar-se a Deus. Este retrato do filósofo, ao repouso. A sensação sempre em mudança não é, por- onde são agrupados alguns traços dispersos na Repúbli- tanto, a ciência, e a doutrina de Heraclito, pelo contrá- ca, é o contraponto da imagem que Cálicles traçou no rio, é a negação da ciência. Górgias do filósofo que perde tempo com discussões in- fantis e que, afastado da ágora (praça pública), se torna Teeteto gostaria também de ouvir discutir a doutrina incapaz de se defender contra o primeiro patife que o dos adversários de Heraclito, que pretendem que tudo acuse. está em repouso. Mas Sócrates recusa-se a fazê-lo para não alongar o debate até ao infinito. Voltemos ao assunto. Vejamos o exemplo de um Esta- do que promulga as suas leis. Ele concebe-as tendo em vista a sua utilidade futura. Ora, a sensação não tem nada a ver com o futuro, e só o homem competente me- 32
  • 34. ra, também tem de haver uma opinião falsa. Como é que esta se forma? Parece impossível não se saber o A Ciência é a Opinião Verdadeira que se sabe e saber o que não se sabe. Quando fazemos um juízo falso, será que tomamos as coisas que sabe- mos por outras que também sabemos, ou desconhece- mos ambas? - É impossível. - Então, tomamos as coisas que não sabemos por outras que também não sabe- mos? - Também impossível. - Também não tomamos as coisas que sabemos por aquelas que não sabemos, nem aquelas que não sabemos por outras que sabe- Sócrates pergunta a Teeteto: dado que o que se sente mos? - Não. - Então, como explicar a origem da opinião por um dos sentidos, não pode ser sentido por outro, falsa? Consideremos o ser e o não ser no lugar do saber através de quê poderemos conceber uma ideia que diz e da ignorância. Aquele, que pensa o que não é, só pode respeito aos dois sentidos ao mesmo tempo, e a que ór- ter uma opinião falsa. Mas julgar o que não é, é não jul- gãos podemos atribuir a perceção do que é comum a to- gar nada. Fazer um juízo falso não é mais do que julgar das as coisas, como o ser e o não ser? - Só podemos, res- o que não é. ponde Teeteto, atribuí-la à alma. É através da alma que Não seria desprezível que confundíssemos no nosso apreendemos não somente o ser, mas também o seme- pensamento duas coisas igualmente reais, afirmando lhante e o diferente, o belo e o feio, e outras ideias do que uma é a outra? Mas quando o pensamento faz esta mesmo género. A sensação não pode alcançar o ser, confusão, não seria necessário que represente os dois nem por conseguinte a ciência. Temos de a procurar na- objetos ao mesmo tempo, ou um dos dois? - Sim. - Ora, quilo, qualquer que seja o nome que lhe damos, a que sendo o juízo um discurso que a alma tem consigo mes- chamamos alma, quando ela própria, por si só, se dedi- ma, quando tomamos uma coisa por outra, dizemos a ca ao estudo dos seres. A essa procura chama-se julgar nós próprios que uma é outra: será isso possível? Não, e é o juízo ou opinião verdadeira que constitui a ciên- pois é impossível que, ao pensarmos nos dois objetos cia. Seja. Diz Sócrates; mas se há uma opinião verdadei- ao mesmo tempo, julguemos que um é o outro e, se só 33
  • 35. pensarmos num dos dois, nunca poderemos julgar que falsa. A opinião falsa só pode existir a respeito de coi- um é o outro (em que não estamos a pensar). Em todo sas que sabemos: quando ajustamos direta e exatamen- o caso, é indispensável que exista uma via, pela qual te a cada objeto as impressões e as marcas que lhe são seja possível tomar o que se sabe por aquilo que não se próprias, a nossa opinião é verdadeira; se as ajustar- sabe. Imaginemos na nossa alma um bloco de cera, mos obliquamente e erradamente, a nossa opinião será onde se gravam as nossas sensações, e que aquilo que falsa. assim foi impresso será recordado e conhecido por nós, Neste ponto, apresenta-se uma objeção grave: se a opi- enquanto que o que se apagou ou não pôde ser gravado nião falsa não está nem nas sensações, nem nas suas re- será esquecido ou desconhecido. Ora, um homem não lações mútuas, nem nos pensamentos, mas no ajusta- pode ter uma opinião falsa, pensando que as coisas que mento da sensação ao pensamento, não deveríamos conhece são, ora aquelas que ele sabe, ora aquelas que confundir dois objetos conhecidos somente pelo pensa- ele não sabe? Após passar em revista todos os casos a mento. É, todavia, o que fazemos quando nos engana- que esta hipótese dá lugar, Sócrates retém três, em que mos nos números, por exemplo, quando acreditamos a confusão lhe parece possível: um, em que se confun- que 5+7=11 e não 12. Para explicar a possibilidade de de uma coisa que se sabe com uma outra que também erro neste caso, Sócrates compara o nosso espírito a se sabe e que se perceciona, outra, em que se confunde um pombal, onde vivem aves, umas em bando, outras uma coisa que se sabe com uma outra que não se sabe e em famílias e outras solitárias, mas esvoaçando mistu- que se perceciona, e uma terceira, em que se confunde radas todas umas com as outras. Temos todas as aves o que se sabe e se perceciona com uma outra que se no nosso espírito, mas quando queremos agarrar uma, sabe e se perceciona igualmente. Por exemplo, diz Só- pode acontecer que agarremos uma outra que não que- crates, eu conheço-te, Teeteto, e conheço também Teo- ríamos, trocamos uma rola por um pombo, por exem- doro, e tenho no meu bloco de cera as impressões de plo; isto é uma opinião falsa. Mas refletindo melhor, Só- ambos. Vendo-vos, esforço-me por aplicar a marca pró- crates não fica nada satisfeito com esta explicação. É ab- pria de cada um de vós à visão que lhe é própria, e por surdo, diz ele, pretender que, tendo nós a ciência de fazer entrar e ajustar esta visão à sua própria impres- um objeto, ignoremos esse objeto, não por ignorância, são. Mas posso trocar as coisas, e a minha opinião será mas devido à própria ciência, e que tomemos esse obje- 34
  • 36. to por outro. - Talvez, diz Teeteto, tenhamos incluído ignorâncias nas ciências. - Mas, nesse caso, teríamos ecolhido um caminho sem fim: essas ciências e essas ig- norâncias terão de ser objeto de novas ciências que se- ria necessário apanhar em novos pombais. Teeteto in- siste mesmo assim em definir a ciência como opinião verdadeira. Mas a experiência do dia a dia mostra que a opinião verdadeira pode ser encontrada nos juízes sem a ciência. 35
  • 37. ignorar os elementos separados e conhecê-los juntos? Se, pelo contrário, a sílaba é uma entidade única, sem A Ciência é a Opinião Verdadeira partes, então é indivisível e, por conseguinte, não é Acompanhada de Razão mais conhecível do que os elementos. Por outro lado, a experiência prova que os elementos se prestam a um co- nhecimento mais claro do que as sílabas. Quando aprendemos a ler, o que fazemos é aprender a distin- guir os elementos; quando aprendemos música, come- çamos pelas notas; é que o elemento é mais conhecível do que o composto. Teeteto propõe, então, uma terceira definição, que ou- Mas voltemos à tua definição, e diz-me, Teeteto, o que viu ser dada por alguém: a ciência é a opinião verdadei- é que devemos entender por essa razão que acompanha ra acompanhada de razão, isto é, de uma explicação a opinião verdadeira. Na minha opinião, creio que a po- analítica ou definição. As coisas que podemos sujeitar demos definir de três maneiras: ao crivo da razão são conhecíveis; aquelas, que não po- dem, são inconhecíveis. - O que eu ouvi dizer a alguém, a primeira é tornar o pensamento sensível à voz, replica Sócrates, foi que os elementos primeiros de que através dos nomes e dos verbos, como se penteásse- somos compostos são inconhecíveis e só podem ser no- mos o pensamento na fala, como se esta fosse um meados (não analisados ou definidos), e que, pelo con- espelho ou uma superfície de água. Neste sentido, o trário, os objetos que são compostos por eles são conhe- juízo verdadeiro será sempre acompanhado de defi- cíveis, pois a combinação com que são formados é a es- nição, em todos aqueles que pensam corretamente sência da sua definição. Mas será possível que, haven- sobre algum objeto; nestas condições, o juízo verda- do elementos inconhecíveis, o composto formado por deiro nunca será encontrado sem a ciência. eles seja conhecível? Se, por exemplo, as letras não são a segunda consiste na enumeração das partes ou ele- conhecíveis, como podem sê-lo as sílabas? Se a sílaba mentos; mas podemos enumerar todas as partes de consiste nos elementos combinados, como poderemos 36
  • 38. um objeto, tendo delas só uma opinião verdadeira, mas não a ciência. a terceira consiste na definição através da diferença característica. Mas o conhecimento desta diferença característica é justamente o que faz da opinião uma opinião verdadeira; não precisamos portanto de acrescentar a razão à opinião verdadeira, pois ela já lá está. É, pois, uma resposta tonta dizer que a ciência é uma opinião correta (ortodoxa) acompanhada de ciência, seja da ciência da diferença, seja da ciência de qualquer outra coisa. Assim, a ciência não é, nem a sensação, nem a opinião verdadeira, nem a opinião verdadeira acompanhada de razão. Mas mesmo não sendo o debate conclusivo, no mínimo ensinou Teeteto a não acreditar que sabe o que não sabe. Sócrates marca, então, encontro para o dia seguinte com Teeteto e Teodoro, e deixa-os para ir responder à acusação de Meleto, pela qual haveria de ser condena- do à morte. 37
  • 39. mento de que a sua doutrina abstrusa exigiria desenvol- vimentos que abafariam a questão central. Na verdade, Objeto e Composição do Teeteto a razão parece ser a de ter reservado uma obra comple- ta para discutir a doutrina eleata, O Sofista. No Teete- to, Platão limita-se aos sensualistas, cujas ideias, por se- rem mais acessíveis, eram, sem dúvida, as mais divulga- das. Já tinha, na primeira parte do Crátilo, exposto o sistema do movimento universal dos sensualistas, asso- ciando-o, para explicar a doutrina da linguagem, às cos- mogonias primitivas e aos poetas Homero e Hesíodo. O Teeteto tem por objeto a natureza da ciência. Platão Faz o mesmo no Teeteto, onde atribui a teoria do fluir já tinha tratado desta questão no Ménon, onde defende universal a Homero. Expõe, depois, num tríptico magis- que aprender é lembrar-se, que a alma viu toda a verda- tral: de nas suas existências anteriores e que ela pode reen- a doutrina do homem medida de Protágoras contrar os seus conhecimentos esquecidos, desde que não desista de os procurar. Apesar da dúvida que ele a doutrina de Heraclito, onde tem origem a de Protá- (no Ménon) confessa ter a respeito da verdade desta te- goras oria, Platão reafirma-a peremtóriamente no Fédon e ba- a doutrina dos seguidores fanáticos de Heraclito, seia nela uma das suas provas da imortalidade da alma. que reduzem tudo ao movimento perpétuo, chegan- Mas era difícil fazê-la aceitar pelo público em geral e do mesmo a negar a possibilidade de ciência. até pelo público filosófico muito influenciado por ou- tras doutrinas, nomeadamente as de Protágoras, de He- A estes universais destruidores, Platão opõe o verdadei- raclito e de Parménides. Podemos pensar que ele acre- ro filósofo que, elevando-se acima do mundo das apa- ditou ser necessário combatê-las e limpar o terreno rências, se dedica a descobrir a essência das verdadei- para mais facilmente fazer vingar a sua teoria. É verda- ras realidades. de que Platão deixa Parménides de fora, com o funda- 38
  • 40. Depois de ter refutado aqueles que reduzem a ciência à do à natureza da cera onde se gravam as nossas sensa- sensação, Platão ataca aqueles que vêem na ciência ções se encontra no tratado de Hipócrates sobre o Regi- uma opinião verdadeira e, como a opinião verdadeira me nas doenças agudas. Também se sabe que Platão supõe que haja uma opinião falsa, é sobre a possibilida- foi iniciado em Itália nas doutrinas médicas dos pitagó- de de uma opinião falsa que ele conduz a sua pesquisa. ricos. Ele já tinha abordado este assunto no Eutidemo, onde Encontra-se também na terceira definição, que a ciên- Dionisiodoro pretende demonstrar que é impossível cia é a opinião verdadeira acompanhada da razão, um mentir e contradizer, ao que Sócrates responde: “Essa eco dos debates seus contemporâneos. Sócrates diz que tese, tenho-a ouvido da boca de muitas pessoas, e fico ouviu dizer que os elementos ou sílabas são inconhecí- sempre surpreendido com ela. Ela estava muito em veis, enquanto os compostos que são formados por eles voga no tempo de Protágoras (...). Quanto a mim, acho- são conhecíveis. Baseando-nos no testemunho de Aris- a sempre surpreendente: parece-me que destrói as ou- tóteles, é muito provável que esta tese de que Sócrates tras (doutrinas) e destrói-se a si mesma.” ouviu falar seja de Antístenes. No Teeteto, Sócrates tenta mostrar a possibilidade de erro, através de duas imagens: a do bloco de cera, onde as nossas sensações se im- primem, e, neste caso, o erro nasce do mau ajusta- mento da sensação com o pensamento; a do pombal, onde esvoaçam aves diversas que po- demos tomar umas pelas outras. Não é fácil determinar o que nestas duas imagens é ori- ginal de Platão. Aquilo que se sabe é que a imagem do bloco de cera também se encontra em Demócrito e que a explicação das diferentes qualidades da memória devi- 39
  • 41. C APÍTULO 4 A Apologia de Sócrates Quais foram, então, as verdadeiras cau- sas da sua condenação? Sócrates, que já contava com ela, responde a esta pergun- ta. Foram os ódios que atraiu, ao desmas- carar a ignorância de personagens impor- tantes na presença de gente jovem, que, ainda por cima, obtinha grande prazer em ver essas pessoas importantes sem sa- ber o que dizer.
  • 42. Sócrates tinha setenta anos quando foi acusado por Me- leto, Anito e Lícon de não reconhecer os deuses do Esta- Enquadramento do, de introduzir novas divindades e de corromper a ju- ventude. A pena que lhe foi aplicada foi a pena de mor- te. O principal acusador, Meleto, era um mau poeta que, influenciado por Anitos, se encarregou de apresentar a queixa junto do arconte-rei. Anitos e Lícon subscreve- S UMÁRIO ram-na. Anitos, um rico curtidor de peles, que tinha 1. Enquadramento sido estratega em 409 e que tinha combatido os Trinta (a tirania oligárquica), era um orador influente e um 2. Primeira Parte dos líderes do partido popular. A acreditar em Xenofon- 3. Segunda parte te (que escreveu a sua própria Apologia de Sócrates), ele estava zangado com Sócrates porque este tinha-o 4. Terceira Parte criticado severamente por pretender formar o seu filho na profissão de curtidor. Mas tinha seguramente ou- tros motivos bem mais sérios, motivos de natureza polí- tica: Anitos deve ter-se sentido ferido com as críticas de Sócrates contra os líderes do partido democrático (ou popular). De Lícon, não se sabe grande coisa. Um poeta satírico reprova-lhe o facto de ser de origem es- trangeira e há quem faça alusão aos seus costumes efe- minados. Em todo o caso, parece ter sido uma persona- gem de pouca importância. Neste concerto de acusado- res, Meleto representava os poetas, Anitos os artesãos e os homens políticos, Lícon os oradores, todos tipos de 41
  • 43. pessoas que Sócrates tinha criticado, pondo em causa o ter meditado antes, com certeza. Nesse discurso, Sócra- seu amor próprio. tes evidenciou um orgulho de linguagem que surpreen- deu tanto os seus amigos quanto os seus juízes. “Ou- Sócrates, exposto a todos estes ódios, não alimentou ilu- tros, diz Xenofonte, escreveram sobre o seu processo, e sões a respeito do que seria o seu destino. Mas, embora todos transmitiram correta- esperasse ser condenado, continuou as suas conversas mente o orgulho da sua lin- O tribunal dos Heliastas com os seus discípulos, como testemunha Platão no guagem, o que prova que foi que julgou Sócrates era com- Teeteto, a respeito de assuntos muito distantes do tema posto por 6 000 membros, mesmo assim que ele fa- do seu processo. Havendo quem se admirasse com o de- escolhidos por sorteio. Mas lou.” Condenado por uma sinteresse de Sócrates pelo seu processo, chegando ao não deliberavam todos ao maioria de 60 votos num mesmo tempo: normalmen- ponto de nem sequer preparar a sua defesa (segundo a júri de 500 ou 501 votantes, te, o tribunal era formado Apologia de Xenofonte), terá respondido: “Não te pare- e convidado a escolher a sua por 500 ou 501 juízes, por ce que me ocupei dele durante toda a vida? - e como? - pena, recusou fazê-lo para vezes, 1 000, outras vezes, Vivendo sem cometer nenhuma injustiça.” E como o não se reconhecer como cul- 300 ou 400. O júri, diante avisassem de que os tribunais de Atenas já tinham con- pado, diz Xenofonte. Segun- do qual Sócrates compare- denado pessoas inocentes, respondeu que, por duas ve- do Platão ele propôs mesmo ceu era composto por 500 zes, tinha tentado compor uma apologia (um discurso ou 501 juízes. que a sua pena fosse a de de defesa), mas o seu signo divino tinha-o afastado des- ser gratuitamente alimenta- sa tarefa. Segundo Diógenes de Laércio, Lísias ter-lhe- do pelo Estado. Esta proposta pareceu uma provoca- ia proposto um discurso de defesa que, seguramente, ção, e o júri condenou-o à morte com uma maioria ain- teria o efeito de o tribunal o considerar inocente. Sócra- da mais significativa. Levado para a prisão, teve ainda tes recusou, dizendo: “O teu discurso é muito belo, mas de esperar que a comitiva, enviada a Delos para ofere- não me convém.” Esse discurso era, sem dúvida, com- cer o sacrifício anual a Apolo, voltasse a Atenas; não posto seguindo as regras da retórica e visava alimentar era permitido executar um prisioneiro entre a partida e a piedade dos juízes. Era isso precisamente que Sócra- a chegada dos enviados à ilha sagrada. Sócrates teve, tes não queria. Defendeu-se, portanto, a si mesmo com por isso, oportunidade para se evadir da prisão. Mas re- um discurso que não escreveu, mas sobre o qual deve 42