1) Nostradamus nasceu na França no século 16 e estudou medicina, tornando-se um médico itinerante que tratou vítimas da peste com métodos não convencionais.
2) Ele desenvolveu habilidades de profecia e começou a prever eventos futuros de forma precisa em suas obras, ganhando fama.
3) Suas profecias incluem previsões de grandes guerras, o surgimento de um "Rei do Terror", e tanto eventos terríveis quanto uma era futura de progresso para a humanidade
6. VIAGEM NO TEMPO
O mundo em que vivemos não é somente um mundo de alta
tecnologia, um mundo em que as nossas realidades diárias (da
televisão à cirurgia de transplante e às viagens espaciais) são
coisas que, um século atrás, ou ainda menos, eram nada mais que
fantasias de escritores imaginativos, como Júlio Verne e H. G.
Wells.
7. Ao mesmo tempo vivemos em uma impregnante atmosfera de
mistério e mágica, pois atualmente muitos homens e mulheres
consultam clarividentes, astrólogos e tarólogos profissionais, na
tentativa de encontrar orientação sobre a sua vida sentimental, os
seus assuntos financeiros e o futuro da humanidade.
Os métodos adotados por aqueles que se interessam por esses
assuntos são muitos e variados. Vão desde a consulta àquele
antiqüíssimo livro-oráculo chinês, o I Ching (Livro das Mutações),
até a tentativa de atingir um estado alterado de consciência em que
o espírito é liberado do corpo e fica livre para percorrer todo o
tempo e o espaço.
Nenhuma dessas técnicas é nova. Uma das mais populares entre
elas vem sendo praticada, com variados graus de sucesso, desde
meados do século 16: a interpretação das estrofes proféticas de
quatro linhas (quadras) que há mais de quatrocentos anos foram
8. compostas pelo profeta francês Nostradamus - o vidente e
astrólogo de quem praticamente todo mundo já ouviu falar.
Essas quadras, reunidas sob o título Centúrias, foram escritas em
uma terminologia bastante codificada, cujo entendimento pleno
requer muito tempo e esforço. Seria uma atividade vã nos
dedicarmos a essa e a outras buscas semelhantes? Seria nada
mais do que lidar com relíquias humanas de um passado
supersticioso, já desatualizadas pelo desenvolvimento da ciência e
tecnologia modernas? Ou é genuinamente possível vislumbrarmos
9. o padrão do futuro? Teria Nostradamus realmente viajado através
do tempo e distinguido eventos que ainda nos esperam?
Um exemplo recente de uma arte divinatória antiga que prevê com
sucesso eventos futuros é ilustrado pela rotação de preços em
1992 na moderníssima Bolsa de Valores de Hong-Kong e sua
ligação com o "Índice (feng shui) do Vento e da Água".
Esse índice foi compilado no início de 1992 pelo Credit Lyonnais
Valores Mobiliários (Ásia), através de consulta a três adeptos da
antiga arte profética chinesa conhecida como feng shui. Através
dele se fizeram corretamente as previsões do grande aumento de
preços de março a maio de 1992, desde o pico do mercado de
Hong-Kong de novembro de 1992 e de sua tremenda queda, no
começo de dezembro, até o ponto mais baixo que foi registrado
nesse ano. Apesar disso, o Credit Lyonnais aconselhou seus
10. clientes com base em previsões mais ortodoxas do que as
previsões baseadas no feng shui; embora o aconselhamento
ortodoxo tenha sido excelente como de costume, não chegou nem
perto dos aconselhamentos dados pelos adeptos do feng shui.
Talvez as artes antigas não tenham sido tão superadas pela
tecnologia moderna como alguns pensam.
11. VIAJANTE RENASCENTISTA DO TEMPO
EXISTEM E SEMPRE EXISTIRAM MUITAS SUPOSTAS
PROFECIAS QUE INDICAM QUE O FUTURO PRÓXIMO SERÁ
12. PROVAVELMENTE TERRÍVEL. POUCAS MERECEM SER
LEVADAS A SÉRIO - MAS AS DE NOSTRADAMUS SÃO
VERDADEIRAMENTE IMPRESSIONANTES.
Foi profetizado que no sétimo mês (julho) de 1999, ou talvez no
começo do agosto seguinte, logo após o final desse sétimo mês, o
"Rei do Terror" desceria sobre a Terra.
Quem ou o que seria o Rei do Terror? Quase certamente seria
uma pessoa que desencadearia a guerra nuclear em nosso planeta
ou, talvez, uma bomba de fusão excepcionalmente grande e
destrutiva (ver páginas 202-6).
Antes e depois da vinda do Rei do Terror, "Marte reinaria contente"
- mas não para o contentamento da humanidade. Como Marte é ao
mesmo tempo o nome do deus da guerra romano e do planeta que,
na antiga tradição astrológica, é o regente da batalha, da matança
e da ira humana, essa frase significa uma só coisa: que nos meses
ou anos antes e depois da descida do Rei do Terror o mundo será
assolado por um conflito de uma ferocidade nunca antes vista.
Quando dos Jogos Olímpicos de 2008, um líder mundial, chefe de
um sinistro culto necromântico, que poderá muito bem ser o Rei do
Terror, realizará uma ação de grande importância relacionada a
"incendiar o leste".
Não são esses os únicos eventos que nos ameaçariam nos anos
que estão iminentes. Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse - praga,
fome, guerra e morte - estão destinados a cavalgar os ventos,
espalhando carnificina e miséria entre nós.
13. Entretanto, nem tudo o que nos aguarda é tão lúgubre assim. Para
além da escura ravina da história pela qual a raça humana está
destinada a passar, estão as terras altas e ensolaradas sobre a
qual homens e mulheres pisarão, tendo a cabeça entre as estrelas.
Todas essas profecias derivam das obras do escritor francês
Nostradamus (1503-1566), um homem muitas vezes chamado de
"o vidente de Salon", pois Salon foi o lugar onde ele finalmente se
estabeleceu, após uma vida itinerante durante a qual adquiriu
muitos conhecimentos estranhos.
14. Que tipo de homem foi Nostradamus? O que se sabe das
aventuras por que passou durante suas andanças? E, ainda mais
importante: tem ele um registro de profecias realizadas que possa
nos induzir a levar a sério suas previsões para o futuro da espécie
humana? Essas são as questões que o primeiro capítulo deste livro
tenta responder.
Nostradamus nasceu na cidade de St. Rémy, Provença, em 14 de
dezembro de 1503, de uma família de origem judaica, mas
convertida ao catolicismo. De acordo com uma das tradições a
respeito, os ancestrais de seu pai foram médicos eminentes,
conhecidos por seu saber, embora existam provas concretas de
que muitos dos antepassados diretos do vidente foram
comerciantes judeus no enclave papal de Avignon. Esse fato não
desautoriza completamente a tradição, no entanto, pois havia
grande quantidade de famílias bastante humildes de comerciantes
judeus, na Europa do século 16, descendentes colaterais ou
diretos de sábios rabinos, médicos e filósofos, e a família do
profeta pode ter sido uma delas.
15. De qualquer forma, é certo que, qualquer que tenha sido sua
ascendência, Nostradamus foi uma criança inteligente que, ao
atingir a puberdade, já havia dominado os rudimentos do grego, do
latim e da matemática e sido enviado para estudar em Avignon.
Em 1522, quando tinha 18 anos, Nostradamus deixou Avignon e foi
conduzido a Montpellier para estudar medicina. Três anos depois,
com apenas 21 anos de idade, ele recebeu sua licença para
praticar a arte de curar; então por alguns anos se tornou um
profissional itinerante, especializando-se no tratamento do que se
denominava le charbon, doença que era provavelmente uma
variante da peste bubônica ou da peste pneumônica.
Ele parece ter sido muito mais bem-sucedido do que a maioria de
seus colegas contemporâneos no tratamento das vítimas da le
charbon. Isso provavelmente não se deveu a nenhuma grande
virtude dos remédios que ele usava na terapia e cujas fórmulas
sobreviveram. Um deles, por exemplo, era composto de pétalas de
rosa, cravo-da-índia, aloés lenhoso e raízes secas e trituradas de
íris e cálamo.
16. Nostradamus era um estudioso do diagrama cabalístico místico
conhecido como Árvore da Vida
17. Nada que pudesse fazer mal aos seus pacientes, mas é improvável
que lhes tenha feito algum bem; é mais provável que ele devesse
seu sucesso ao fato de que se opunha ao uso da maioria dos
tratamentos violentos em voga na época - sangrias e o uso de
purgativos violentos, por exemplo -, os quais tendiam mais a
reduzir do que a aumentar as chances de sobrevivência do
paciente.
18.
19. É quase certo que foi durante os anos que passou como médico
itinerante que Nostradamus começou a adquirir conhecimento de
algumas das antigas técnicas de profecia que utilizaria mais tarde
para rasgar os véus do tempo e olhar o futuro (ver páginas
257-60). Entretanto não precisamos supor que, como alguns já
fizeram, por causa de suas capacidades como profeta,
Nostradamus estava muitos anos à frente do seu tempo como
praticante da medicina. Pelo que se pode saber, a maioria das
misturas que ele receitava para seus pacientes eram tão esquisitas
quanto qualquer remédio ordinariamente praticado naquela época.
Tome, por exemplo, o ungüento com o qual ele declarou ter curado
o Bispo de Carcassone de várias moléstias, feito com coral em pó,
lápis-Iazúli e ouro, misturados e batidos para formar folhas tão
finas que ficavam translúcidas; é algo que não poderia ter feito
grande mal, mas é difícil acreditar que tal mistura pudesse
realmente, como Nostradamus declarou, "rejuvenescer a pessoa...
proteger contra dores de cabeça e constipação... e aumentar o
esperma com tal abundância que um homem poderia fazer o que
quisesse sem prejudicar sua saúde". Houve um inconfundível
elemento de charlatanice nessa alegação, mas, como será
mostrado neste livro, embora possa às vezes ter-se portado como
um charlatão, Nostradamus também foi um autêntico profeta e um
mago praticante.
20. NOSTRADAMUS E A VIRGEM
Após a sua morte, parece que Nostradamus adquiriu a reputação
de homem que tanto tinha senso de humor como capacidade de
perceber o que ocorria em lugares dos quais estava separado no
tempo e no espaço. Por exemplo, poucos anos após a sua morte,
afirmou-se que um dia ele viu uma recatada jovem caminhando em
direção a uma local onde os adolescentes de Salon costumavam
encontrar-se. "Bonjour, pucelle (Bom dia, donzela)", disse o
vidente; ''Bonjour, Monsieur Nostredame", respondeu a garota,
fazendo educada mesura.
21. Uma hora mais tarde, ele a encontrou novamente, ainda com a
aparência recatada de sempre. Ela lhe fez nova mesura, repetindo:
''Bonjour, Monsieur Nostredame" - ao que o vidente respondeu com
um sorriso e as palavras ''Bonjour, petite femme (Bom dia, jovem
senhora)".
Essa e outras histórias semelhantes podem ser descartadas por
serem ficcionais, mas o próprio fato da existência delas é uma
indicação da reputação que tinha o profeta de ser um homem
capaz de libertar-se das amarras da existência diária e discernir as
realidades ocultadas sob a aparência exterior. Essa reputação
parece ser bem justificada, pois, como será demonstrado em
muitas das páginas a seguir, muitas das suas predições - algumas
das quais contêm tanto os nomes como as datas, sugeridos ou
reais, de eventos específicos - foram, cumpridas ao pé da letra.
Por algum tempo Nostradamus abandonou a vida itinerante, casou-
se e se estabeleceu na cidade de Agen, mas logo começou a se
deparar com má sorte e tragédias pessoais. Sua esposa e dois
filhos morreram de peste; a família da esposa falecida o processou
para reaver o dote dela; e, o pior de tudo, em 1538 ele se tornou
22. suspeito de heresia por conta de uma frase que disse a uma
pessoa que estava moldando uma imagem em bronze da
Abençoada Virgem Maria. Ele disse que o homem estava
"moldando a estátua de um demônio" uma afirmação infeliz, mas
que, insistia ele, tencionara ser somente um julgamento do mérito
artístico do trabalho.
Tais eventos levaram Nostradamus a retomar a vida de médico
itinerante. Pouca coisa se sabe de suas atividades nos anos
seguintes, até 1544, quando ele se encontrava em Marselha,
embora existam algumas evidências de que antes disso ele viajara
pela Lombardia, nas áreas dominadas por Veneza e pela Sicília.
Em 1546 ele foi convidado a ir até Aix, onde a peste tinha irrompido
de uma forma tão virulenta que, dizia-se, as mulheres atingidas
pelos primeiros sintomas da doença fechavam-se em mortalhas,
costurando-as em torno de si, para que seus corpos nus não
ficassem expostos à visão pública quando fossem carregadas em
carroças pela cidade a caminho das valas comuns de
sepultamento. Acredita-se que uma surpreendentemente elevada
proporção dos pacientes de Nostradamus se tenha recuperado e
que os agradecidos cidadãos de Aix lhe tenham concedido uma
pensão. Apesar disso ele logo se mudou para Salon de Craux (vêm
daí as freqüentes referências a ele como "o vidente de Salon" na
literatura), onde se casou novamente, com uma mulher que lhe deu
vários filhos.
Pouco tempo depois de ele ter-se mudado para Salon, foi chamado
a Lyons para ajudar no tratamento das vítimas de "uma espécie
particularmente virulenta de coqueluche", a qual foi, mais
provavelmente, uma epidemia de peste bubônica. Por algum
motivo sua boa reputação como médico diminuiu entre os cidadãos
de Salon durante essa ausência, e foi isso, de acordo com uma
23. fonte do século 19, que o induziu a começar um estudo sério de
astrologia e outras ciências ocultas.
Sou um pouco cético quanto a essa alegação e, como ficará claro
em páginas posteriores deste livro, penso que é provável que o
interesse de Nostradamus por assuntos esotéricos tenha
começado em um período muito anterior. Com relação a isso, é
interessante notar que Théophile de Garencieres, um estudioso da
vida e das profecias de Nostradamus que viveu no século 17,
afirmou que o vidente empreendeu o estudo sério de astrologia
porque estava convencido de que um médico realmente
competente tinha necessidade de algum conhecimento dela e,
nesse caso, sua familiarização prática com as antigas técnicas de
profecia e outras técnicas ocultas pode ter começado quando ele
tinha pouco mais de 18 anos.
24. Qualquer que seja a verdade sobre esse assunto, é certo que a
partir de 1550 Nostradamus passou a editar almanaques anuais
que continham uma considerável quantidade de matéria astrológica
e gozavam de uma circulação surpreendentemente ampla; um
deles parece ter sido publicado em tradução inglesa, com o título
Almanack for 1559, quase ao mesmo tempo do original francês.
25. Em 1555 Nostradamus publicou a primeira edição das Centúrias,
que continham menos de quatrocentas quadras. Essa publicação
atraiu grande atenção, embora alguns achassem que seu autor
devia ser um impostor ou um louco. Entretanto, quatro anos mais
tarde essa obra realmente deixou sua marca, por conter aquela
que foi então vista como tendo sido uma acurada previsão da
morte acidental do rei Henrique II da França - um evento que se
deu no verão de 1559 (ver páginas 23-6).
26. Dessa época em diante, a reputação do vidente como verdadeiro
profeta cresceu cada vez mais, e em 1566, quando ele morreu
27. (provavelmente por falência dos rins, decorrente de problemas
cardíacos), sua fama justificava totalmente a inscrição que foi
gravada em seu túmulo:
Aqui jazem os ossos do ilustre Michael Nostradamus,
Cuja pena quase divina foi a única,
Na consideração de todos os mortais,
A merecer registrar, sob a inspiração das estrelas,
Os eventos futuros do mundo inteiro [...]
Posteridade, não invada o seu descanso [...]
Nostradamus com certeza praticou astrologia; o redator de seu
epitáfio disse que ele registrou o futuro "sob a inspiração das
estrelas". Entretanto, não há nenhuma dúvida de que a maior parte
das profecias que há nas Centúrias - tanto as que já se cumpriram
como as que parecem profetizar uma sangrenta era de ferro e fogo
que está bem próxima de nós - foi feita por outros métodos que
não a astrologia. Falarei mais dessas técnicas poderosas (e talvez
perigosas) nas páginas 257-60.
28. A Quadra 42 da Centúria I de Nostradamus é de importância
fundamental em relação à natureza dos métodos usados pelo
vidente para contemplar as grandes paisagens do tempo. Nesse
contexto, seu conteúdo é examinado em detalhes nas páginas
261-4.
Uma linha dessa quadra é significativa sob outro aspecto bem
diferente: ela é a prova de que Nostradamus sabia de eventos
vindouros bem antes que acontecessem. Na tradução do francês,
essa linha diz: "O décimo dia das calendas góticas de abril".
Essa data parece bem simples - e no entanto ela demonstra, fora
de dúvida, que o vidente estava ciente de uma futura reforma do
calendário cristão, que só foi começar dezesseis anos após a sua
morte e ainda não está totalmente finalizada.
O uso que Nostradamus fez da palavra "calendas" foi tirado da
antiguidade. No calendário romano, "Calendas de Abril" era o
primeiro dia de abril, sendo que "calendas" significava
simplesmente o primeiro dia de um mês qualquer. Assim, com a
expressão "o décimo dia das calendas de abril", Nostradamus quis
dizer "10 de abril", mas ao qualificar essa expressão com a palavra
"góticas", ele afirmava que a data que tinha em mente era o que os
"godos" chamavam de "o décimo dia de abril", mas não era o
verdadeiro 10 de abril.
Mas a quem Nostradamus queria indicar através dessa referência
a "godos", e o que era tão peculiar a propósito do seu calendário
que fazia com que contassem errado os dias do mês?
A resposta que parece ser com certeza a resposta correta para
essa questão foi dada há mais de trezentos anos por Théophile de
Garencières em As Verdadeiras Profecias ou Prognósticos de
29. Michel Nostradamus (1672). De Garencières mostrou que o
calendário juliano, que era comumente empregado em todo o
mundo cristão à época de Nostradamus, corria ligeiramente mais
rápido, porque continha em excesso os ocasionais anos bissextos.
Com o passar dos séculos, o erro cumulativo tinha crescido cada
vez mais, até que, no século 16, o calendário usado pelos cristãos
estava dez dias atrás do calendário solar. Por exemplo, o dia
apontado no calendário juliano como o solstício de verão (isto é, o
dia mais longo do ano) caía na verdade dez dias depois do dia
realmente mais longo.
30. Em 1582, o Papa Gregório XIII reformou o calendário com o
simples expediente de acrescentar dez dias à data nominal e
determinando que no futuro algum ocasional ano bissexto devesse
31. ser omitido. A reforma foi rapidamente adotada pelos Estados
católicos da Europa, mas os povos de maioria protestante do norte
da Europa, os "godos" - não-latinos -, conservaram o velho e
incorreto calendário juliano até muito mais tarde. E de fato, na
época em que De Garencières publicou seu livro, a Inglaterra ainda
não tinha aceitado o calendário gregoriano, que os ingleses
parecem ter considerado uma desagradável inovação papista, e
demorariam ainda oitenta anos para aceitá-lo.
Os "godos" que governavam a Rússia czarista (no século 16, o
termo "godo" era usado com seqüência para denominar qualquer
bárbaro cristão) eram ainda mais conservadores do que os
ingleses, e a Rússia só veio a abandonar o calendário juliano após
a revolução de 1917. (As igrejas ortodoxa e monofisista do mundo
ainda se apegam ao impreciso calendário juliano, que, com o
passar do tempo, se encontra hoje atrasado em treze dias).
Foi um lance de sorte de Nostradamus? Talvez. Afinal, a quadra
não contém nenhum nome (como o do Papa Gregório) importante
para a reforma de calendário, nem alguma indicação da data em
que ela possivelmente começaria. Em todo caso, na época em que
Nostradamus grafou sua previsão, já existiam sugestões de
reforma do calendário juliano, e alguns de seus companheiros
buscadores do conhecimento secreto (como John Dee, na
Inglaterra) eram firmes apoiadores dessa idéia.
32. Mas nenhuma hipótese relativa a acaso ou lance de sorte
pareceria boa para explicar outros acertos de previsão encontrados
nas quadras das Centúrias, como por exemplo aquelas que contêm
datas ou nomes específicos - às vezes em forma anagramática ou
ligeiramente distorcida. Tome-se, por exemplo, a Quadra 16 da
Centúria IX, que diz:
33. De Castel [i.e., Castela, Espanha]
Franco apresentará a Assembléia,
Os Embaixadores não concordarão e causarão a divisão,
O povo de Ribiere estará na multidão,
E o grande homem terá negada sua entrada no Golfo.
Essa quadra contém referência a dois nomes, Franco e Ribiere,
que são importantes para o seu conteúdo. Ela parece se referir às
diferenças diplomáticas que surgiram em 1940 entre Adolf Hitler e
o ditador espanhol general Franco, e negaram ao "grande homem",
Hitler, a entrada no Golfo - nesse contexto, o controle do Estreito
de Gibraltar.
E a pessoa misteriosa a quem Nostradamus se refere como
"Ribiere"? Ele não pode ser identificado com certeza absoluta, mas
seu nome guarda semelhança com o do fundador, assassinado, do
fascismo espanhol, José Primo de Rivera - cujo "povo", os líderes
do Partido da Falange, estava certamente "entre a multidão", na
época das frustradas negociações entre Hitler e Franco.
Essas são apenas duas das profecias cumpridas que podem ser
encontradas nas Centúrias. Nas páginas seguintes, os leitores
saberão de muitas outras.
34.
35. Embora a primeira edição das Centúrias tenha atraído a atenção
geral, alguns dos leitores consideraram que o conteúdo da obra
indicava que o autor era bem louco. Outros, ainda, acreditavam
que ele não passava de um profeta charlatão - ou seja, alguém que
escrevia versos supostamente proféticos, que eram, na realidade,
bobagens obscuras e quase sem sentido.
No verão de 1559, pelo menos alguns desses céticos mudaram de
idéia e concluíram que o homem que haviam acusado de ser uma
fraude ou um maluco possuía de fato autênticos dons proféticos.
Essa reversão de opinião foi conseqüência direta da morte do Rei
Henrique II da França, que ocorreu em decorrência de um
ferimento recebido em uma justa.
36. O acidente fatal ocorreu quando o rei, então com 40 anos, que às
vezes usava o leão como seu emblema pessoal (embora essa
atitude da parte dele não estivesse de acordo com as leis da
heráldica), participava de um torneio de três dias que fora
organizado em honra dos noivados simultâneos de sua irmã
Elizabeth e sua filha Marguerite, respectivamente com Felipe II da
Espanha e o Duque de Savóia.
37. No terceiro dia do torneio, o rei combateu contra o comandante de
sua
guarda escocesa, um homem de 33 anos conhecido como Coryes,
ou, mais comumente, Montgomery. Embora esse comandante
tivesse um nome normando e pareça ter nascido na França, tinha-
se em conta que seus antepassados eram naturais da Escócia, um
país cujo símbolo heráldico era (e ainda é) um leão exuberante. A
lança de Montgomery estilhaçou-se: uma parte infligiu ligeiro
ferimento na garganta do rei, mas a maior parte da cabeça da
lança deslizou através das barras douradas da viseira-gaiola que
38. cobria a face do rei e entrou por um olho. O olho do infeliz monarca
infeccionou-se e, além disso, pelo menos uma parte da lança
parece ter penetrado no cérebro. Após dez dias do mais torturante
sofrimento, a morte misericordiosamente interrompeu os gritos de
agonia do rei.
Quase imediatamente, foi lembrado que esse evento teria sido
profetizado por Nostradamus na Centúria I, Quadra 35, que havia
sido publicada cerca de quatro anos antes, mas à época de sua
publicação parecera sem sentido. A quadra diz:
O jovem Leão vencerá o velho
Em campo como o de guerra, em combate simples,
Ele perfurará seus olhos em uma gaiola de ouro,
Uma ruptura entre duas, então ele morrerá de morte cruel
Considerou-se em geral que a quadra era espantosamente
apropriada às circunstâncias do terrível fim do rei. O "jovem leão"
era obviamente Montgomery, comandante da Guarda Escocesa. O
"velho leão" derrotado por ele "em campo como o de guerra, em
combate simples" (ou seja, uma justa em um torneio), era, também
obviamente, o Rei Henrique lI, cujo olho foi perfurado mesmo
estando protegido por uma "gaiola de ouro" - sua viseira dourada -
e que realmente morreu "de morte cruel" como conseqüência de
"uma ruptura entre duas" da lança de seu adversário.
39. UMA BRINCADEIRA PROFÉTICA
Entre os resultados imediatos do acerto de Nostradamus quanto à
morte de Henrique lI, ocorreu que ele foi nomeado um dos médicos
40. regulares do Rei Carlos IX da França e que a sua reputação de
vidente cresceu entre os membros da nobreza, muitos dos quais o
consultavam em assuntos de saúde e negócios pessoais. Essa
reputação se mostrou duradoura e crescente, tanto durante a sua
vida como após a sua morte, e não somente entre a nobreza, mas
também entre camponeses, comerciantes e até mesmo, é de se
acreditar, entre caçadores de tesouros e ladrões de túmulos.
Pode ser que Nostradamus tenha previsto até mesmo sua fama
póstuma, pois, de acordo com uma história que foi publicada pela
primeira vez no começo do século 18, ele fez uma brincadeira
prática que só surtiria efeito muito tempo depois de sua morte,
quando começaram a se espalhar lendas a respeito de
manuscritos ou tesouros que supostamente teriam sido enterrados
com ele em seu túmulo.
Lendas como essa eram muito comuns com relação aos túmulos
de homens santos, videntes e magos, e tais lendas circularam
amplamente pelo sepulcro de Nostradamus por volta da década de
1690 ou antes. Tão forte era a crença nessas lendas, que em 1700
o túmulo foi aberto por uma gangue de ousados ladrões de
tumbas.
Os assaltantes não encontraram nem tesouro nem documentos
que contivessem revelações de Nostradamus até então não
conhecidas - mas o túmulo continha, junto com os ossos do
vidente, um fino medalhão decorado. Nele estavam gravadas as
letras MDCC - que, em algarismos romanos, significam 1700, o
ano em que os ladrões cometeram seu ato de sacrilégio. Parece
que Nostradamus tinha senso de humor!
41. Após a morte de Henrique II (ver páginas 23-6), Francisco lI, um
dos sete filhos que Henrique tivera com Catarina de Médici, o
sucedeu no trono.
Catarina era uma mulher culta e inteligente, mas que parecia não
ter nenhum princípio, tendo como único desejo verdadeiro manter o
poder de seus filhos e, mais especialmente, o próprio poder. Para
chegar a esses fins ela foi cruel e traiçoeira, exibindo toda a
impiedosa sagacidade que é tradicionalmente atribuída (ainda que
muito injustamente) às serpentes.
De modo bastante singular - e primorosamente adequado -, após a
morte do marido ela mudou seu emblema heráldico para uma
serpente que mordia a própria cauda. Nostradamus predisse isso
nas primeiras duas linhas da Quadra 19 da Centúria I, que dizia:
Quando as serpentes circundarem o altar,
E o sangue troiano estiver agitado [...]
42. A segunda linha oferece um belo exemplo de como Nostradamus
muitas vezes achava conveniente transmitir o que queria dizer por
alusões obscuras, em lugar de usar declarações diretas. Aqui e em
outros lugares das Centúrias ele usou a expressão "sangue
troiano" como código que significa a família real francesa, aludindo
à lenda medieval que dizia que a família descendia de um mítico
Francus, supostamente fIlho de Príamo de Tróia.
43. O período de mais ou menos trinta anos durante os quais os atos
da serpente e da sua raça - Catarina de Médici e seus fIlhos -
foram de grande importância na história da França parece ter sido
foco de atenção de muitas das visões de Nostradamus. Com
44. exceção do período da Revolução Francesa e sua culminação no
Primeiro Império (ver páginas 73-84), nenhuma outra época teve
tantas quadras a ela dedicadas pelo vidente. Isso pode ter ocorrido
porque ele era fascinado pelo caráter de Catarina de Médici, a
quem fez referências factuais mas preconceituosas em mais de um
verso - por exemplo, na Centúria VI, Quadra 63, que diz:
A grande dama que foi deixada só no reino,
Seu único [marido] primeiro morto no leito de honra:
Por sete anos chorará ela com pesar,
E depois uma longa vida pela felicidade do reino
Catarina, de fato, nunca voltou a se casar após a morte de
Henrique II e, como previu o vidente, guardou luto formal por sua
morte durante sete anos inteiros, após os quais viveu uma vida
longa. No entanto, poucos historiadores partilhariam da opinião de
Nostradamus de que o resto de sua vida foi devotado à busca da
"felicidade do reino". Parece-nos que ou o vidente foi
extremamente parcial em seu modo de ver, ou, mais
provavelmente, como a quadra era obviamente aplicável a Catarina
e foi publicada durante a vida dela e dele, ele considerou mais
político apresentar as motivações dela sob uma luz lisonjeira,
embora inexata.
Francisco II, o mais velho dos cinco filhos de Catarina e primeiro
marido de Mary Rainha da Escócia (ver páginas 47-8),
permaneceu no trono por apenas dois anos, e há apenas duas
referências - uma delas notavelmente vaga - nas Centúrias que
foram aplicadas diretamente a ele (ver páginas 47-8). Embora se
mantivesse oficialmente que Francisco já atingira a maioridade, ele
foi considerado muito jovem para governar, e, durante seu breve
45. reinado, os verdadeiros regentes da França foram os tios de Mary,
os irmãos Guise.
Um sofisticado plano conhecido como "conspiração de Amboise",
de instigação basicamente protestante, foi tramado contra a
influência desses irmãos, mas o plano malogrou e foi reprimido
com vigor - como pode ter sido previsto por Nostradamus na
Centúria 1, Quadra 13, em que ele escreveu em termos muito
gerais sobre uma conspiração envolvendo exilados (protestantes)
que eram consumidos por ira e "ódio visceral".
A morte de Francisco II em 1560 não pareceu oferecer ameaça à
continuação da dinastia dos Valois como reis da França, pois
embora suas duas irmãs fossem impedidas, pela lei sálica
remanescente do século 6, de herdar o trono, ele tinha quatro
irmãos menores. Entretanto, Nostradamus sabia que todos
estavam fadados a morrer sem herdeiros legítimos. Isso ele deixou
claro na Centúria I, Quadra 10, que diz:
Um caixão está colocado na câmara de ferro
Que guarda os sete filhos do Rei,
Seus antepassados emergirão do fundo do inferno,
Lamentando a morte do fruto de sua linhagem.
Apesar da terminologia aforística em que Nostradamus expressou
essa quadra (como tantos outros de seus versos), parece não
haver dúvida de que ela profetizava tanto o fim da dinastia dos
Valois quanto um evento específico que ocorreu em 1610 - a
remoção do corpo do último monarca dos Valois (Henrique III,
46. morto em 1589) de seu túmulo temporário para o mausoléu da
família em Saint Denis.
Francisco II foi substituído no trono da França por seu irmão Carlos
IX, que reinou de 1560 a 1574. Entretanto, grande parte do
verdadeiro poder era exercido por sua mãe, a rainha-serpente
Catarina de Médici, que parece ter sido a instigadora de certos
excessos que ocorreram durante o reinado dele. Alguns desses
excessos foram profetizados por Nostradamus.
47. De acordo com os relatos comuns, Catarina de Médici, embora
basicamente não tivesse nenhum sentimento religioso genuíno, era
profundamente preocupada com o impacto do sobrenatural na sua
vida e na vida de sua família; à medida que o tempo passava, seu
interesse pelas coisas misteriosas se tornava mais e mais
perceptível. Embora isso chocasse alguns de seus súditos, não era
coisa que surpreendesse, pois ela via se cumprirem, uma a uma,
as profecias que Nostradamus havia feito e que eram direta e
pessoalmente relevantes para ela - por exemplo, a Centúria VI,
Quadra 11, que dizia:
Os sete ramos serão reduzidos a três,
Os mais velhos serão surpreendidos pela morte,
Os dois serão seduzidos e levados ao fratricídio,
Os conspiradores morrerão durante o sono.
48. Em dezembro de 1588, os que conheciam essa quadra a viram
como uma profecia exata - mais um elemento de prova de que
Nostradamus tinha realmente visto o futuro. Pois "os sete ramos"
da primeira linha eram os sete filhos de Catarina (ver página 27),
dos quais apenas três - Henrique III, François e Marguerite -
estavam vivos no começo de 1576. Houve disputa fratricida entre
os dois irmãos, com François, que tinha esperança de se alçar ao
trono, aliando-se aos irmãos Guise e conspirando com eles contra
o rei.
Os conspiradores - os dois irmãos Guise - de fato morreram,
assassinados por ordem do rei, embora não "durante o sono",
como previsto na última linha da quadra. Pouca dúvida pode haver,
entretanto, de que era à morte desses dois que o vidente se
referia, pois ele fez uma previsão bastante detalhada dos
assassinatos e de suas circunstâncias na Centúria III, Quadra 51,
que diz:
Paris conspira [literalmente, "jura unida"]
Para cometer grande assassinato,
Blois garantirá que ele seja executado,
O povo de Orleans desejará substituir seu líder,
Angers, Troyes e Langres lhes farão um desserviço.
O assassinato do Duque de Guise e de seu irmão Louis, o Cardeal
de Guise, fora planejado em Paris. O primeiro deles ocorreu em
Blois no dia 23 de dezembro de 1588; o outro, um dia mais tarde.
Aproximadamente na mesma época, a burguesia de Orleans se
revoltou contra seu governador e o substituiu por um parente dos
Guise, ardentemente católico. Em vista da exatidão dessa profecia,
além de outras das Centúrias, que pareciam se relacionar com os
49. assassinatos, não surpreende que as histórias que tinham sido
contadas durante a vida de Nostradamus, com relação a seus dons
miraculosos, circulassem ainda mais amplamente.
Oito meses após os insensíveis assassinatos sob as ordens do rei,
ele próprio foi assassinado por um monge que tinha sido um
partidário da causa dos Guise. Esse evento também foi profetizado
por Nostradamus, que escreveu na Centúria I, Quadra 97:
Aquilo que nem ferro nem fogo puderam alcançar,
Por uma língua doce em conselho será executado:
Dormindo, em sonho, o rei verá
Um inimigo, não em fogo ou sangue militar.
E assim aconteceu. Três noites antes de seu assassinato,
Henrique III teve um sonho que o perturbou, pois parecia
premonitório de morte iminente nas mãos de um monge ou pessoa
do povo. Em seu sonho, Henrique viu sua coroa, cetro, espada e
manto real sendo pisoteados na lama por um grande ajuntamento
de monges e plebeus pobres.
Três dias mais tarde, o sonho e a profecia de Nostradamus se
cumpriram. Em St. Cloud, o rei foi abordado por um monge que
disse ter um conselho a dar com respeito a uma carta secreta.
Quando Henrique se inclinou para a frente para ouvi-lo, foi
esfaqueado no estômago pelo falso conselheiro. Ele levou quase
um dia para morrer.
O sobrenome do monge era Clemente, que significa doce, suave;
parece que o vidente apontou esse detalhe quando descreveu o
assassino como tendo "língua doce".
50.
51. NOSTRADAMUS E OS PORCOS
Como Nostradamus ligava datas específicas a algumas de suas
profecias, não é de surpreender que mesmo em vida ele tenha
começado a adquirir a reputação de estar invariavelmente certo, e
que fossem contadas lendas a respeito de sua virtual onisciência.
De acordo com uma dessas lendas, um nobre perguntou ao
vidente qual de dois leitões, sendo um branco e um preto, ele
comeria primeiro. Nostradamus disse: "O leitão branco". O nobre,
então, para provar que ele estava errado, ordenou que o leitão
preto fosse imediatamente morto e servido no jantar.
Mais ou menos uma hora depois, o leitão assado estava na mesa -
mas o cozinheiro teve que pedir desculpas ao seu patrão: um lobo
havia roubado o leitão preto, portanto era o branco que estava
sendo servido.
52.
53. Mesmo antes da morte de Henrique II, ficou óbvio para a maior
parte das pessoas que o fim da dinastia dos Valois estava próximo
(ver páginas 31-3).
Como conseqüência desse reconhecimento, apareceram muitos
pretendentes ao direito de sucessão do trono da França.
Sobressaíam entre esses pretendentes vários membros da família
Guise. Esses homens eram importantes adversários do
protestantismo e participantes ativos da Liga Católica militante.
Alguns deles chegaram a ponto de pagar pela construção de uma
genealogia completamente falsificada, com o fim de demonstrar
que tinham direito ao trono por causa de sua (imaginada)
descendência do imperador Carlos Magno.
Na verdade, com base na genealogia, o verdadeiro herdeiro do
trono era sem dúvida o rei Henrique de Navarra - um homem cujas
terras eram poucas, que tinha passado a maior parte de sua vida
adulta como soldado e que era protestante. Em vista deste último
fato, ele era inaceitável como futuro rei da França para a Espanha,
para o papa, para os bispos franceses, que deixaram claro que não
ungiriam a coroação de um "rei herege", e para a maior parte do
povo francês.
Entretanto, Henrique de Navarra triunfaria - como fora profetizado
por Nostradamus na Quadra 50 da Centúria IX, recheada de
anagramas, que diz:
Mendosus logo virá para seu grande reino,
Deixando Nolaris para trás,
O vermelho pdlido, aquele do tempo entre reinados,
O jovem tímido e o medo de Barbaris.
54. "Mendosus" está entre os muitos anagramas parciais que
Nostradamus empregou; significa "Vendosme", ou seja, Henrique
de Navarra, que tinha herdado o Ducado de Vendosme de seu pai.
"Nolaris" foi a palavra, baseada em outro anagrama parcial, que o
vidente empregou com freqüência para dizer Lorraine, a tradicional
casa da família Guise. Conseqüentemente, as duas primeiras
linhas da estrofe podem ser parafraseadas como:
Henrique de Navarra logo vird para seu grande reino,
Deixando os Guise para trás [...]
55. Muito sangue foi derramado pelas facções que disputavam o trono
da França
56. As palavras que abrem a terceira linha, "o vermelho pálido", são
igualmente fáceis de interpretar. Em dezembro de 1585, quase
quatro anos antes da morte de Henrique III, fora feito um acordo,
em Joinville, entre o rei Felipe da Espanha, o papa e os Guise, com
o objetivo de impedir que Henrique de Navarra subisse ao trono.
Ficou combinado que, após a morte de Henrique III, um dos Guise
- Carlos, o idoso Cardeal de Bourbon - deveria ser proclamado rei
da França, e ele faria então um testamento reconhecendo
Henrique de Guise como seu sucessor.
Martinho Lutero
O Cardeal de Bourbon foi chamado de "vermelho pálido" por
Nostradamus. Isso porque vermelha é a cor do chapéu de um
57. cardeal e ele tinha a palidez devido à sua idade - e também, talvez,
devido à proximidade de sua morte. Embora o idoso clérigo tenha
de fato sido proclamado rei, com o nome de Carlos X, no final de
1589, ele nunca governaria, pois foi prisioneiro de Henrique de
Navarra durante todo o seu reinado fantasma e morreu logo
depois.
Quanto a "aquele do tempo entre reinados", o "jovem tímido" e
"Barbaris", são referências nostradamianas cifradas a outros rivais
que desafiaram o direito de Henrique de Navarra ao trono: o
primeiro foi o Duque de Mayenne; o segundo, o mais jovem Duque
de Guise; e o último, o rei Felipe da Espanha, cuja pretensão
pessoal nunca foi levada muito a sério, nem por ele mesmo.
Henrique de Navarra não só teve de lutar muito para ganhar o
trono da França, como também foi forçado a mudar de religião (ver
páginas 43-6). No entanto, ele acabou conseguindo seu intento,
destruindo as pretensões de seus únicos rivais de verdade, o
Duque de Mayenne e o jovem e tímido Duque de Guise, como
profetizado por Nostradamus na Centúria X, Quadra 18:
A Casa de Lorraine dará passagem a Vendosme,
Os grandes serão humilhados e os humildes serão exaltados,
O filho de Mamon [ou Hamon - em qualquer caso, é um herege o
indicado] será escolhido em Roma,
E os dois grandes serão derrotados.
O significado do uso que o vidente dava às palavras "Lorraine" e
"Vendosme" já foi explicado, e assim se verá que a primeira linha
da quadra quer dizer "Os Guise terão de dar passagem a Henrique
de Navarra”. O conteúdo da segunda linha é evidente; a terceira
significa que o papa acabaria reconhecendo Henrique como o rei
58. de direito; e os dois grandes derrotados da última linha foram os
dois pretendentes, o Duque de Mayenne e o Duque de Guise.
Nostradamus fez pelo menos uma outra referência específica ao
rei Henrique IV (embora de certa obscuridade). Na Quadra 45 da
Centúria X, ele previu:
A sombra do Rei de Navarra é falsa,
Ela fará de um homem forte um bastardo [ou ilegítimo]
A vaga promessa feita em Cambrai,
O rei em Orleans dará uma parede [fronteira] legal
Parece provável que nessa quadra Nostradamus estivesse se
referindo a irregularidades na vida pessoal de Henrique, e não a
eventos políticos de maior importância, pois Henrique certamente
tinha muitas amantes, inclusive a esposa do governador de
Cambrai, e se dizia que ele era pai de vários filhos ilegítimos.
Entretanto a segunda linha da estrofe poderia ser uma referência a
um dos pretendentes ao trono que Henrique tornou "ilegítimo".
59. A Europa, na época de Nostradamus, era um continente dominado
por discussões teológicas a respeito de assuntos como livre arbítrio
e predestinação, a natureza da presença de Cristo no pão e no
vinho da Eucaristia e a supremacia do papa. Tais discussões se
emaranhavam quase inseparavelmente com as ambições
dinásticas de uns e os projetos econômicos de outros. Por
exemplo, a luta dos calvinistas e outros protestantes da Holanda
para praticar sua religião livremente estava entrelaçada tanto com
os primeiros frêmitos de uma noção de identidade nacional que
levava a um ressentimento contra "o jugo espanhol" - a subjugação
dos Países Baixos ao rei da Espanha – quanto com as tensões
econômicas decorrentes da crescente importância mercantil das
áreas ao norte (grosseiramente falando, a Holanda moderna) e o
relativo declínio da Antuérpia.
60. No entanto, embora os fatores puramente políticos e econômicos
tivessem importância real, as diferenças religiosas é que estavam
na raiz de toda a série de conflitos, revoltas e guerras que
causaram enorme dano à Europa e a seus povos por um período
que se estendeu desde a terceira década do século de
Nostradamus até meados do século seguinte.
Sendo um homem de seu próprio tempo e também um católico
devoto, Nostradamus tendia não somente a interpretar suas visões
dos conflitos de um futuro próximo em termos puramente
religiosos, mas também a fazê-lo com propensão marcadamente
pró-católica. Essa tendência é evidente em quase todas as
quadras que por alguma forma se relacionam, mesmo que
marginalmente, com a Igreja e todos aqueles que se rebelavam
61. contra ela, mas em ponto algum é mais gritante do que na Centúria
III, Quadra 67, que diz:
Uma nova seita de filósofos
Desprezando a morte, honras, ouro e outras riquezas
Não será limitada pelas fronteiras [literalmente, montanhas] da
Alemanha [nesse contexto, todas as áreas de língua alemã]
Seus apoiadores serão numerosos.
Esse é um prenúncio em palavras um tanto vagas para qualquer
um que o leia nos dias de hoje. Entretanto, para os católicos que
se deparavam com ela nas três ou quatro décadas após sua
primeira publicação, era uma profecia cruelmente realizada a
respeito da maneira pela qual as doutrinas de Calvino (Calvinus -
literalmente "homem calvo") tinham se espalhado por toda a
Europa, a partir de sua sede em Genebra, cidade de língua alemã.
Um dos lugares onde essas doutrinas lançaram raízes foi
Lausanne, de onde, como Nostradamus tinha profetizado de modo
um tanto deselegante na primeira linha da Centúria VIII, Quadra
10, "virá um grande fedor" como resultado das atividades de
Theodore Beza, discípulo de Calvino.
O preconceito católico de Nostradamus era tal, que ele não hesitou
em publicar profecias relativas ao protestantismo que poderiam ser
descritas como difamatórias - isto é, predições em que ele
falsamente atribuía a todos os protestantes as opiniões imoderadas
defendidas por apenas uma pequena proporção deles. A segunda
linha da quadra
mencionada anteriormente dá um exemplo disso, com
Nostradamus assumindo que todos os protestantes
compartilhavam das opiniões comunistas de extremistas tão
62. violentos como Jan de Leyden. Alguns comentaristas de
Nostradamus alegaram até que o vidente, bem deliberadamente,
publicou falsas profecias de conversões em massa do
protestantismo à Igreja. Como exemplo dessa hipocrisia, indicam a
Centúria III, Quadra 76, que diz:
Na Alemanha aparecerão várias seitas
Que se parecerão a um paganismo feliz,
O coração escravizado e pouco tendo recebido,
Eles voltarão para pagar o verdadeiro dízimo.
63. Para este escritor, porém, parece provável que Nostradamus seja
inocente da imputação de falsidade e que a quadra acima se refira
às seitas neo-pagãs nórdicas que surgiram no período 1890-1945.
CATOLICISMO E REENCARNAÇÃO
Embora, por um curto período, Nostradamus tenha enfrentado
suspeita de heresia, é certo que durante toda a sua vida ele foi
regularmente à missa e desempenhou as outras obrigações
religiosas de um filho leal da Igreja.
Alguns insinuaram que seu catolicismo era de aparência, simples
artifício para garantir distância de atenção eclesiástica indesejável
e que as opiniões religiosas de Nostradamus eram na realidade
extremamente não-ortodoxas, estendendo-se a uma crença na
reencarnação. Como prova dessas afirmações, essas pessoas dão
como exemplo a Centúria II, Quadra 13, que diz:
O corpo sem alma não mais no sacrifício,
No dia da morte é trazido ao renascimento.
O Divino Espírito fará a alma se regozijar,
Vendo a eternidade da Palavra.
A primeira linha dessa quadra, argumentou-se, significa que
Nostradamus pessoalmente rejeitava a doutrina cristã da
ressurreição do corpo, enquanto a segunda linha demonstra que
ele acreditava na reencarnação.
Na opinião deste escritor, todos esses argumentos se baseiam em
um mal-entendido quanto ao conteúdo da quadra, pois, se ela
64. indubitavelmente contém um significado religioso pessoal para seu
autor, o seu conteúdo, por outro lado, é impecavelmente ortodoxo.
Tudo que o vidente expressou nessa quadra foi sua certeza da
salvação, e seus versos podem ser parafraseados assim:
Após a minha morte, meu corpo não estará mais presente ao
sacrifício da missa,
Minha alma estará renascida no céu, onde verei a eternidade
com o Espírito Santo [i.e., o Logos, literalmente "Palavra”, do
Evangelho de São João].
Parece não haver nenhuma boa razão para duvidar do catolicismo
de Nostradamus, embora, como alguns outros ocultistas ao longo
dos séculos, ele pareça ter achado sua fé bastante compatível com
a prática de mágica ritualística e outras artes proibidas (ver páginas
253-6).
65. A ascensão de Henrique de Navarra ao trono da França tinha sido
prenunciada nas Centúrias de Nostradamus (ver páginas 35-8). Do
mesmo modo o foram pelo menos algumas das batalhas militares e
diplomáticas que ele deveria empreender para ficar seguro no
trono que lhe pertencia de direito - por exemplo, na Centúria III,
Quadra 25, que diz:
Aquele que mantém [ou herda] o Reino de Navarra
Quando Nápoles e Sicília são unidas,
Ele manterá [ou tomará] Bigore e Landes, até Foix e Oloron,
De alguém muito estreitamente unido à Espanha.
A profecia é um tanto vaga, mas a primeira e a segunda linha, lidas
em conjunto, permitem que se datem os eventos aos quais
Nostradamus se referia com razoável grau de exatidão, pois
embora os reinos de Nápoles e da Sicília fossem, na prática,
unidos entre si durante séculos, houve apenas três ocasiões
históricas em que sua união foi formalmente proclamada.
66. As duas últimas ocasiões ocorreram no século 19, época em que o
pequenino Reino de Navarra já havia deixado de existir como
Estado independente desde há muito tempo. Conseqüentemente, a
quadra não poderia se referir a nenhuma delas; o que deixa
apenas a primeira ocasião - em 1554, quando Felipe da Espanha
afirmou a unidade dos dois reinos. E foi em 1562, durante o reino
de Felipe, que o futuro Henrique IV da França herdou o trono de
Navarra. Podemos ter certeza, então, de que era a ele, e não a
algum outro governante de Navarra, que Nostradamus se referia
quando escreveu as palavras dessa quadra.
67. Os nomes da terceira linha são todos de localidades em Navarra,
mas um deles, Bigore, é importante em um contexto diferente - o
das batalhas entre os soldados protestantes de Henrique IV e seus
adversários católicos, pois "Bigorro" era uma palavra entoada
durante as batalhas pelos soldados de infantaria de Henrique.
68. O significado da última linha da quadra é vago - muitos dos
inimigos de Henrique eram mais intimamente aliados da Espanha
do que ele gostaria -, mas, por ela, uma coisa parece ficar
definitivamente estabelecida: Nostradamus sabia um bocado sobre
as lutas entre Henrique e seus adversários muito antes que elas
começassem!
Embora Henrique fosse um soldado de gênio, seus sucessos
militares não foram suficientes para garantir-lhe inteiramente o
trono. Para isso, ele teve que mudar de religião e adotar a fé
católica, pois, como ele mesmo colocou cinicamente, "Paris
merece uma missa". Entretanto, embora abandonasse o
protestantismo, Henrique não abandonou os protestantes que
haviam lutado por ele, e pelo Édito de Nantes, de 1598, foi
assegurada aos seguidores franceses do calvinismo uma
tolerância religiosa quase total, bem como exatamente os mesmos
direitos civis que tinham os súditos católicos do rei.
Previsivelmente, o Édito de Nantes não foi recebido com agrado
pelos católicos mais extremados, em geral pró espanhóis; foi um
deles que, em 1610, assassinou Henrique IV - mais um evento
futuro do qual Nostradamus obviamente sabia muito.
A AMPUTAÇÃO DO RAMO SAGRADO
Na primavera de 1610, em conseqüência de uma complexa disputa
que envolvia a sucessão ao trono do pequeno Estado de Julich-
Cleves, Henrique IV fazia preparativos para entrar em guerra
contra os Habsburgo.
Era um caminho sério e perigoso que o rei da França pretendia
seguir, e, se ele tivesse continuado nessa rota, isso faria com que
69. a França ficasse em sério desacordo com metade da Europa, pois
um ramo da dinastia dos Habsburgo governava a ainda poderosa
Espanha, enquanto outro governava o extenso Sacro Império
Romano, que incluía em seus domínios a Boêmia, a Morávia e
todas as terras de língua alemã da Europa Central, com exceção
da Suíça.
A guerra não aconteceu porque, em 14 de maio de 1610, Henrique
IV morreu apunhalado por um assassino pró Espanha, de nome
François Ravaillac, e foi sucedido por seu jovem filho, Luís XIII. A
mãe do novo rei, nomeada regente, cedeu ao partido pró Espanha
- homens que eram "mais católicos do que o Papa" - e chegou a
uma reaproximação com os Habsburgo.
70. O assassinato de Henrique foi profetizado por Nostradamus na
Centúria III, Quadra 11, que diz:
Por longa estação as armas lutam no céu,
A árvore caiu no meio da cidade,
O ramo sagrado amputado por uma espada do outro lado de Tison,
Assim o monarca Hadrie sucumbe [tomba]
71. O primeiro verso da estrofe, com sua referência a "lutam no céu",
faz parecer que a quadra se aplica ao século 20 ou mais tarde. No
entanto, a última linha mostra que não é esse o caso, pois todas as
várias menções de Nostradamus ao monte-código "Hadrie"
parecem aplicar-se a Henrique IV: De fato, a primeira linha se
refere ao fato de que, à época do assassinato de Henrique, havia
relatos bastante semelhantes àqueles que circularam também no
início da guerra civil inglesa - de exércitos espectrais vistos nos
céus.
O ramo sagrado amputado no meio da cidade era o próprio
Henrique - na condição de rei ungido, sua pessoa era considerada
sagrada - e seu assassinato ocorreu próximo à Rua Tison (ver
terceira linha da quadra).
Mais uma vez, uma quadra de estranhos dizeres estava destinada
a ser cumprida pelo curso da história.
72. Mary Stuart, talvez mais conhecida como "Mary, rainha da Escócia”
teve como primeiro esposo o monarca Francisco II, dos Valois, (ver
página 29), filho de Henrique II e sua rainha, Catarina de Médici.
O casamento de Francisco e Mary e a sua breve duração, que
terminou na viuvez dela, foram corretamente prenunciados na
Centúria X, Quadra 39, que diz:
O primeiro filho, uma viúva, um casamento desafortunado
Sem filhos, duas ilhas [reinos?] em discórdia.
Antes dos dezoito anos, menor de idade,
Do outro a [idade da] boda será ainda menor.
A despeito do fraseado curioso e da sintaxe estranha, o significado
profético dessa quadra fIcou imediatamente evidente para a corte
francesa à época em que os eventos nela referidos ocorreram; ela
foi corretamente vista como um notável acerto de previsão e
ajudou a construir a reputação de Nostradamus como vidente.
73. Francisco era o filho mais velho dos monarcas franceses, e sua
esposa Mary nome escrito por Nostradamus em sua forma inglesa/
escocesa, e não na forma francesa "Marie", na Centúria X, Quadra
55 (ver adiante) - tornou-se uma viúva sem filhos, com a sua morte.
Além disso, Francisco era menor de idade, com menos de 18 anos,
na data de sua boda, e as conseqüências do retorno de Mary à
Escócia após a morte precoce do marido seriam a causa de muita
discórdia tanto na Inglaterra como na Escócia.
A última linha da quadra também tinha significado para os
contemporâneos de Nostradamus; eles a tomaram como referência
74. direta aos esponsais celebrados entre Carlos, irmão de Francisco,
aos 11 anos de idade, e Elizabeth da Áustria.
Nostradamus fez uma segunda referência ao desafortunado
primeiro casamento de Mary na Centúria X, Quadra 55:
O infausto casamento será celebrado
Com grande alegria, mas seu fim será infeliz.
A mãe [do marido] desprezará Mary,
O Phybe morto e a nora grandemente lamentosa.
O significado profético das duas primeiras linhas ficou facilmente
evidente e rapidamente foi cumprido. A terceira linha também
parece ter um significado óbvio, mostrando-se exata, pois Catarina
e Mary não gostavam uma da outra. De fato, conta-se que Mary
ousou chegar a ponto de fazer uma rude alusão às (distantes)
origens burguesas da família Médici, referindo-se à sua sogra
como "a filha de mercador".
As três primeiras palavras da quarta linha da quadra parecem sem
sentido em uma primeira leitura, mas são explicáveis por dois dos
muitos truques de jogo de palavras com línguas clássicas com que
Nostradamus se comprazia. "Phybe" é uma palavra composta de
duas letras do alfabeto grego: "phi" tem a pronúncia da letra efe; e
"beta”, letra usada na Grécia antiga para representar o número
dois. Assim, "Phybe" significava nada mais que "FII" - ou, em
outras palavras, Francisco II.
CASAMENTO, ASSASSINATO E AS CARTAS DO
ESCRÍNIO
75. O segundo e o terceiro casamento de Mary, rainha da Escócia,
foram ainda mais malfadados do que o primeiro, para ela e para
outros. Seu segundo marido foi Henry Stewart, Lord Darnley, que
ela desposou na capela de Holyrood no verão de 1565. Na época
do casamento, Darnley era um jovem bem apessoado - após seu
primeiro encontro, Mary o descreveu como "o homem alto mais
bem-proporcionado que já vi" – e, embora a rainha provavelmente
tenha escolhido o seu marido em grande parte por razões políticas,
ela também parece ter tido real afeição por ele. Certamente o
relacionamento entre eles foi próximo o bastante para que ela
ficasse grávida dele, tendo o filho que veio a se tornar James I da
Inglaterra e James VI da Escócia.
76. No entanto, quando essa criança nasceu, a rainha já dedicava a
seu pai ódio e desrespeito. Ele fora o responsável pelo assassinato
de Rizzio, o secretário italiano de Mary, tinha perdido sua boa
aparência juvenil, estava sofrendo a devastação da sífilis terciária;
e Mary estava em processo de se apaixonar. O objeto do seu amor
era o Conde de Bothwell, que, muito provavelmente com a
conivência de Mary, assassinou Darnley e desposou sua viúva
algumas semanas depois.
77. A descoberta de algumas cartas e outros documentos em um
escrínio de jóias levou a que se tornasse aceito como fato o
alegado envolvimento de Mary no assassinato de seu segundo
marido. O resultado disso foi uma rebelião contra ela na Escócia,
quando então ela fugiu para a Inglaterra buscando refúgio junto à
rainha Elizabeth I, sua prima em segundo grau.
Esse refúgio mostrou ser apenas temporário. Mary tinha um direito
genealógico ao trono da Inglaterra e começou então a conspirar
contra a prima. Suas tramas eram inteligentes, mas sempre
falharam; e ela se tornou prisioneira, em vez de hóspede, da rainha
Elizabeth, que em 1587 mandou decapitá-la.
Nostradamus não fez predição disso, mas parece ter profetizado
corretamente o achado das "Cartas do Escrínio", na misteriosa
Centúria VIII, Quadra 23, que diz:
Cartas são encontradas nos escrínios da rainha,
Sem assinatura e escritor sem nome,
O artifício [ou o governo] ocultará as ofertas,
Para que não saibam quem é o amante.
78. Considera-se que uma quantidade surpreendentemente grande
das quadras das Centúrias se refere ao Período Revolucionário
Inglês - isto é, aos anos de luta entre a Coroa e o Parlamento, à
primeira e à segunda Guerra Civil, ao governo pessoal de Oliver
Cromwell como Lorde Protetor e aos eventos que resultaram na
Restauração Stuart de 1660.
Para este escritor, algumas dessas referências parecem um tanto
forçadas, baseadas mais em uma distorção do significado das
profecias de fraseado obscuro do que em aplicadas tentativas de
desvendar seu significado muitas vezes codificado. Tome-se, por
exemplo, a Centúria III, Quadra 81:
O grande orador, ousado e descarado,
Será escolhido capitão do exército,
A audácia de sua disputa,
A ponte quebrada, a cidade morta de medo.
79. Argumentou-se muitas vezes que a pessoa descrita nas duas
primeiras linhas dessa quadra como oradora audaciosa e
imperturbável que se torna capitão do exército foi Oliver Cromwell.
E "a cidade morta de medo"? Falou-se que ela seria o baluarte
monarquista de Pontefract - cidade cujo nome é a junção das
palavras latinas "ponte" e "fract" (quebrada) -, que suportou dois
grandes cercos durante as Guerras Civis.
Talvez, mas a estrofe poderia ser igualmente ser interpretada como
referência à revolta de Kronstadt, de 1921, contra o governo
bolchevista liderado por Lênin; caso em que o ousado orador seria
Trotsky, líder do Exército Vermelho, a cidade atemorizada seria a
própria Kronstadt e a "ponte quebrada” seria o istmo de gelo que a
ligava ao continente, estilhaçado por bombardeios, sobre o qual as
tropas de Trotsky avançaram ao tomar de assalto a fortaleza dos
rebeldes.
80. Outra quadra "cromweliana” dubiamente interpretada (Centúria VIII,
Quadra 56) prediz, segundo se alega, a vitória de Cromwell sobre
os escoceses na Batalha de Dunbar. Entretanto essa estrofe, que
contém um anagrama parcial tipicamente nostradamiano da
palavra Edinburgh, parece ser mais bem aplicada à Batalha de
Culloden (1746) do que à de Dunbar.
A despeito da existência de exageradas interpretações
cromwelianas de determinadas estrofes das Centúrias, parece não
haver dúvida de que Nostradamus sabia muito da guerra civil
inglesa quase cem anos antes de ela acontecer. De fato, ele previu
especificamente, na Centúria IX, Quadra 49, que "o Senado (i.e., o
Parlamento) de Londres condenará seu rei à morte" (ver páginas
55-8). A numeração dessa quadra pode ser importante, pois leva a
crer que o vidente pode ter conhecido até o ano em que esse
81. evento, a execução de Carlos I, estava destinado a acontecer -
1649.
Ao ler as quadras que certamente, provavelmente ou
possivelmente se referem aos homens e aos eventos que
dominaram a história da Inglaterra no período 1641-60, percebe-se
um forte preconceito antiparlamentarista por parte do vidente, que
foi o responsável, por exemplo, pela visão negativa e nada
lisonjeira do caráter de Oliver Cromwell. Um preconceito
semelhante é evidente nas quadras relativas a outras épocas de
revolução e agitação social. Quando olhava, em visão medi única,
para os anos à frente, Nostradamus estava sempre do lado dos
governantes, nunca dos governados; era como se uma névoa de
sangue distorcesse suas percepções clarividentes. Ele sempre via
o sofrimento da realeza e da nobreza, raramente o sofrimento do
povo; ao ver os ciclos de mudança e revolução, ele tendia a
compadecer-se da plumagem e esquecer o pássaro agonizante.
Esse compadecimento ficou expresso em várias quadras
relacionadas a Carlos I, que o vidente via como um homem
inocente, cujo sangue foi derramado sem uma boa razão (ver
páginas 55-8).
82. CROMWELL, O AÇOUGUEIRO
Nostradamus parece ter reprovado Cromwell quase tanto quanto
criticou os líderes da Revolução Francesa (ver páginas 77-88),
83. referindo-se a ele como "cesto de carne" (açougueiro) e "bastardo".
Este último termo, encontrado na Centúria III, Quadra 80, que
basicamente trata do caráter de Carlos I, parece ter sido aplicado
metaforicamente, no sentido de "ignóbil", e não literalmente. O
termo anterior pode ser encontrado na Centúria VIII, Quadra 76,
que diz:
Mais um cesto de carne do que um rei da Inglaterra,
Nascido na obscuridade ele galgará ao cargo pela força,
Covarde sem fé [católica], ele sangrará a terra;
Seu tempo está tão perto que eu suspiro.
A referência a Cromwell como açougueiro tem dupla aplicação, do
tipo a que Nostradamus era inclinado. Por um lado, o termo se
refere à carnificina dos auxiliares de campo que sempre se seguia
às vitórias de Cromwell; por outro, a uma lenda de que no século
15 seus antepassados tinham sido açougueiros e ferreiros. Na
realidade, as origens de Cromwell eram obscuras (ver segunda
linha da quadra) apenas no sentido de que ele não era de sangue
nobre e de que, antes do início da guerra civil, viveu como um
pacato cavalheiro do campo.
A "proximidade" da chegada de Cromwell, citada na última linha da
estrofe, era de mais ou menos quarenta anos - ou seja, o período
entre a primeira publicação dessa quadra e o ano do nascimento
de Cromwell (1597).
84. Nostradamus era um conservador no sentido básico da palavra, ou
seja, era um homem ligado à tradição e que desaprovava toda
mudança, a menos que lhe parece bastante certo que tal mudança
seria para melhor.
Esse conservadorismo, combinado com uma reverência típica do
século 16 pelo princípio da monarquia hereditária, refletiu-se em
muitas das estrofes que previam eventos que iam envolver levante
do povo. Assim, por exemplo, as muitas estrofes das Centúrias que
parecem se referir à Revolução Francesa (ver páginas 77-88) são
geralmente notáveis não apenas por sua exatidão mas também
pela desaprovação - implícita e explícita - dos revolucionários e
todos os seus feitos. Essa nota de censura é principalmente
marcada nas quadras que se acredita serem referentes à execução
de Luís XVI e sua rainha; fica claro que Nostradamus acreditava
que o sangue real era sagrado.
Sua atitude em relação a um ato anterior de regicídio, a
decapitação do rei Carlos I por seus súditos ingleses, em 30 de
85. janeiro de 1649, foi igualmente condenatória. De fato, as profecias
do vidente relativas aos dois grandes desastres que deveriam
ocorrer na Londres da década de 1660 deixam evidente que ele as
via como sendo a natureza da retribuição divina. Londres,
prenunciou ele, iria receber punição por sua participação
pecaminosa na execução do rei.
As quadras em que esses desastres foram vaticinados pelo vidente
- Centúria II, Quadra 51, e Centúria II, Quadra 53 - serão
examinadas em relação às "punições" de Londres e em mútua
relação nas páginas 59-62. Aqui estamos tratando das partes delas
que foram referências proféticas à execução do rei Carlos - que
são a primeira linha da quadra 51, que diz "O sangue do justo será
exigido de Londres", e a terceira linha da quadra 53, "O sangue do
justo condenado por crime comum". Nesta última quadra
Nostradamus não fez menção específica a Londres, mas referiu-se
ao lugar onde a condenação injusta ocorreu como sendo "uma
cidade marítima”. Nenhum porto importante além de Londres
passou por desastres semelhantes àqueles que serão tratados nas
páginas 59-62, na data indicada pelo vidente; portanto podemos
estar bem certos de que a capital da Inglaterra foi o lugar para o
qual ele pressagiou que o sangue do homem justo estava
destinado a ser derramado.
É bastante óbvio que as duas linhas citadas no parágrafo
precedente, assim como as respectivas quadras em sua totalidade,
foram escritas com a intenção de que fossem lidas uma em
conjunção com a outra - caso em que o "sangue do homem justo",
que foi descrito por Nostradamus como destinado a ser condenado
por nenhum crime, só poderia ser aquele do rei Carlos, o Mártir,
executado pelas ordens daqueles que o haviam ilegalmente
julgado e sentenciado à morte. Em ambas as quadras a palavra
86. francesa "Dame" foi usada para descrever a Catedral de São Paulo
- descrita como "ultrajada”, na última linha da Centúria 11, Quadra
53, porque à época do assassinato judicial do rei seus ocupantes
de direito, clérigos leais à Igreja da Inglaterra, tinham sido expulsos
e substituídos por sectários de algum tipo.
Certamente, os céticos podem perguntar se não houve "homens
justos", além de Carlos I, que tenham sido executados em Londres
antes dos desastres que Nostradamus profetizou. Por que o
"homem justo" apontado deveria ser o rei martirizado?
Há três boas razões para essa identificação. Primeiro, a referência
ao fato de a Catedral de São Paulo estar ocupada por "fingidores" ,
termo com o qual Nostradamus indicou ministros de religião que
eram sectários, mais do que meramente cismáticos. Era este
87. último termo, e não o anterior, que era normalmente aplicado pelos
católicos aos padres e bispos anglicanos na época em que
Nostradamus viveu - as ordens anglicanas não eram formalmente
condenadas pelo Santo Ofício antes de 1896. Como cismáticos, os
clérigos anglicanos eram considerados em estado de pecado
mortal, mas não eram fingidores de um sacerdócio que não
possuíam. O único período, entre a publicação das Centúrias e a
época de hoje, em que a catedral foi total ou parcialmente ocupada
por aqueles que Nostradamus chamou de "fingidores" foi entre
1641 e 1662, portanto tem de ter sido nesse intervalo que o sangue
do justo foi derramado.
Em segundo lugar, a expressão "o homem justo" foi usada pelos
monarquistas ingleses para se referir ao seu antigo monarca - a
forma das palavras tinha um significado textual decorrente da
tradução da Bíblia feita pelo rei James e era, de qualquer forma,
uma expressão mais segura para usar do que a alternativa "o
mártir real".
88. E em terceiro lugar, na terceira linha da Centúria IX, Quadra 49,
Nostradamus profetizou especificamente que "o Senado de
Londres condenará seu rei à morte".
As duas quadras, lidas juntas, dão a entender que Nostradamus
certamente teve visões de eventos que deveriam ocorrer em
89. Londres nos anos 1649-66. Seus dois primeiros vislumbres
clarividentes do futuro de Londres foram, em ordem cronológica, o
dos "fingidores" na Catedral de São Paulo e o da execução do rei
Carlos I. Os outros dois foram os dos desastres descritos nas
páginas 59-62. Sendo o vidente um homem do seu tempo, quando
se aceitou que o céu estava constantemente interferindo nos
assuntos da terra, ele tirou a conclusão de que os dois últimos
eventos seriam infligidos a Londres como punição pela participação
que seus cidadãos teriam tido nos dois primeiros.
90.
91. Acredita-se que tanto a erupção da peste bubônica que assolou
Londres em 1665 como o Grande Incêndio que se lhe seguiu em
1666 foram profetizados por Nostradamus. Quanto ao segundo
evento, ele chegou a ponto de dar a data, pois a Centúria II,
Quadra 51 diz:
O sangue do justo será exigido de Londres,
Queimada pelo fogo em três vezes vinte mais seis,
A antiga Dama cairá de seu alto posto,
E muitos da mesma seita cairão.
O significado secreto da primeira linha dessa estrofe já foi discutido
na página 56. O significado literal da segunda é evidente - grande
parte de Londres foi reduzida a cinzas. As únicas datas nas quais
ocorreram grandes incêndios em Londres foram 1941, em
conseqüência do bombardeio alemão, e em 1666, quando um
incêndio que começou em uma padaria se alastrou durante muitos
92. dias, destruindo enormes áreas da cidade. É claro que o incêndio a
que Nostradamus se referiu, previsto para irromper em "três vezes
vinte mais seis", era o segundo.
A "antiga Dama” parece ter sido a Catedral de São Paulo - sendo
que a palavra "Dama” era freqüentemente empregada pelo vidente
com o significado de "igreja” - e os "muitos da mesma seita” que
cairiam eram, pode-se presumir, as mais de oitenta igrejas de
Londres que foram destruídas no Grande Incêndio.
Como muitas outras profecias do vidente, essa não poderia ter sido
feita com base na astrologia. Embora existissem, e existam,
métodos proféticos que supostamente habilitam os astrólogos a
fazer prognósticos experimentais do tipo "na data tal, a oposição
entre Júpiter e Marte, a tantos graus de Áries, combinada com a
quadratura entre Saturno e o Sol em Gêmeos, indicam o risco de
irrupção de graves incêndios em Londres", nunca houve uma
técnica astrológica capaz de fazer uma previsão tão detalhada
como a contida na quadra em questão.
A peste que precedeu o incêndio parece ter sido apontada na
Centúria II, Quadra 53, que diz:
A Grande Peste da cidade marítima
Não amainará antes que a morte tenha obtido vingança,
Pelo sangue do [homem] justo condenado por nenhum crime,
A grande Dama é ultrajada por fingidores.
93. Por razões já explicadas na página 56, é provável que a cidade
marítima mencionada nessa quadra fosse Londres, e isso parece
relacionado com a erupção da peste de 1665, que reduziu
temporariamente a cidade de Londres a algo como uma aldeia
fantasma, com mato crescendo nas ruas e com todos os habitantes
que podiam buscando refúgio na área rural. Julga-se praticamente
94. certo que as duas quadras tenham sido escritas para ser lidas uma
em conjunto com a outra, como se se referissem a eventos
próximos entre si.
Para este escritor, parece provável que as duas quadras tenham
sido baseadas em uma visão ou uma série de visões
experimentadas pelo vidente, em que ele viu, no "olho medi único"
da mente, quatro eventos separados ocorrendo em uma cidade
que, para ele, era evidentemente a Londres dos anos 1649-66. Os
dois primeiros eventos foram comentados nas páginas 55-8. O
terceiro (a julgar pela ordem em que as quadras apareceram
impressas) foi o Grande Incêndio de 1666; e o quarto foi a erupção
de peste bubônica em 1665.
95. TESOURO ENTERRADO
Nostradamus não foi o único vidente que parece ter previsto
corretamente a erupção de peste bubônica e o Grande Incêndio
que se lhe seguiu, em Londres. Outro foi o inglês William Lilly, um
homem que, como Nostradamus, era mais conhecido como
astrólogo e médico, mas que também praticava algumas outras
artes ocultas e tinha interesse em todos os aspectos do
sobrenatural - em certa ocasião, chegou a ponto de expressar a
96. opinião de que uma criatura que alguém relatava ter sumido "com
um zumbido muito melodioso" era uma fada.
Suas buscas místicas podem ser simbolizadas por uma aventura
que ele empreendeu certa noite no início da década de 1660. Na
companhia de outros experimentadores do oculto, ele utilizou "as
Varinhas Mosaicas" - que parecem ter relação com rabdomancia
ritual - para procurar um tesouro enterrado na velha Catedral de
São Paulo, de Londres. A tentativa foi frustrada; os buscadores do
tesouro conseguiram somente perturbar alguns espíritos guardiões,
que iniciaram uma tempestade tal que eles tiveram medo de que o
teto da catedral lhes desabasse sobre a cabeça.
Tempestades semelhantes foram encontradas por outros
buscadores de tesouro enterrado. O dr. John Dee, matemático e
geógrafo da rainha Elizabeth I, usava sua varinha de adivinhações
"para encontrar coisas que podiam estar perdidas, e com sua
varinha realmente recuperou, para muitas pessoas, prata e objetos
semelhantes que tinham estado perdidos às vezes durante anos".
Em uma ocasião assim, Dee descobriu ouro em uma lagoa em
Breconshire, no País de Gales. A suas atividades, notadas pelo
pessoal da aldeia, seguiu-se uma tempestade tão forte como "as
pessoas nunca tinham visto igual", e no momento crítico da
colheita. Dee e seus companheiros foram presos como feiticeiros e
suspeitos de coisa pior pelos furiosos aldeões.
97. Carlos II, o rei da Casa de Stuart que foi reconduzido aos tronos da
Inglaterra, Escócia e Irlanda em 1660, bem como seu irmão mais
novo, James, tinham tido vida infeliz. Quando crianças, tinham
passado pelos alarmes e sublevações da Guerra Civil; quando
adolescentes conheceram o sofrimento de saber do julgamento e
execução de seu pai, Carlos I - o "homem justo" das Centúrias (ver
páginas 55-8); quando jovens, viveram com pessoas leais a eles,
no exílio e na pobreza, inteiramente dependentes da exígua ajuda
financeira fornecida por fontes francesas e holandesas.
Os primeiros anos da Restauração Stuart foram bastante felizes; o
complacente Parlamento Monarquista era mais cordial do que
qualquer parlamento com que seu pai tinha tido de lidar, e eles
eram benquistos em todos os setores da comunidade, exceto por
aqueles que eram firmemente ligados à "Boa e Velha Causa" - o
Republicanismo Protestante.
Era bom demais para durar. Londres foi devastada pela peste e
pelo fogo (ver páginas 59-61), o Parlamento começou a fazer
críticas - a família real parecia ter um insaciável apetite por dinheiro
e era também suspeita de simpatizar com o catolicismo - e uma
98. guerra impopular contra a Holanda trouxe derrotas no mar e uma
humilhante incursão holandesa pelo Rio Tâmisa adentro, no
decorrer da qual muitos navios ingleses foram destruídos ou
aprisionados e rebocados pelos vitoriosos.
Em 1670 o Tesouro estava vazio, e tanto Carlos II como seu irmão
James, Duque de York, começaram a copiar o exemplo que lhes
vinha do outro lado do Canal da Mancha. Foi uma decisão que
acabou por se mostrar desastrosa: fez com que James, que herdou
o trono do irmão em 1685, perdesse a coroa e com que a dinastia
dos Stuart fosse substituída pela fria linhagem de Hanover. Todos
esses acontecimentos tinham sido previstos por Nostradamus, mas
em 1670 eles ainda pertenciam ao futuro, e pareceu aos Stuart que
fazia sentido se aliarem à França. Carlos fez isso pela assinatura
do Tratado de Dover, um acordo que tinha como apêndices
protocolos secretos que só foram revelados mais de um século
depois, pelos quais Carlos receberia fartos subsídios em
retribuição por sua conversão ao catolicismo e por fazer com que a
99. política britânica, tanto a externa como a doméstica, fosse
subserviente aos interesses franceses.
Na França, Luís XIV; o "Rei Sol" que estava destinado a dominar a
vida política da Europa por meio século, tinha começado o seu
reinado em 1661 e já tinha aumentado muito o poder e a reputação
do seu país. A França tinha deixado para trás os conflitos internos
dos vinte anos precedentes e começado um período de
prosperidade material e transformação física que foi profetizado por
Nostradamus na Centúria X, Quadra 89:
As paredes serão transformadas de tijolo em mármore,
Cinqüenta e sete [ou setenta e cinco] anos de paz.
Alegria a todo o povo, o aqueduto renovado,
Saúde, a alegria de colheitas abundantes, tempos doces como o
mel.
A primeira linha dessa quadra é de especial interesse porque faz
uma alusão a Luís XIV semelhante à que foi feita pelo historiador
romano Suetonius ao Imperador Augusto (63 a.C.-14 d.C.), que ele
diz que descrevia a si mesmo como "tendo encontrado Roma em
tijolo e a deixado em mármore". A semi-identificação dos dois
governantes foi particularmente significativa porque Luís era
chamado de "Rei Sol" e Augusto foi deificado postumamente como
um avatar (encarnação) do "Sol Invencível".
Entretanto, embora a quadra seja bastante exata na essência, ela
mostra a tendência de Nostradamus a favor de monarcas
franceses poderosos, que é evidente nas Centúrias, pois, ainda
que os anos do reinado de Luís XIV tenham sido bastante pacíficos
no plano interno (exceto para seus súditos que se agarravam à fé
protestante), sua política exterior era beligerante ao extremo. Em
100. justiça para com Luís, é preciso admitir que suas políticas
guerreiras eram, pelo menos nos primeiros anos de seu reinado,
uma reação natural ao ambiente de guerra externa e civil em que
ele havia nascido e passado a infância.
Esse período de agitação na França fora prenunciado por
Nostradamus, que o descreveu na Centúria X, Quadra 58:
Em uma época de tristeza o monarca felino
Declarará guerra ao jovem Emátion,
A Gália estremece, o barco [de Pedro] em perigo,
Marselha testada e conversas no Oeste.
101. A expressão "jovem Emátion", na segunda linha da quadra, é uma
óbvia referência à transmutação de Luís no Rei Sol, pois na
mitologia clássica Emátion é o filho da Aurora e pode, portanto, ser
identificado com o Sol. O "monarca felino" da linha precedente era
o astucioso Felipe IV da Espanha, que ativamente guerreou contra
a França durante o período de luto que se seguiu à morte de Luís
XIII em 1643. E a "Gália estremeceu" (terceira linha) por causa da
Fronde (rebeliões contra as exigências excessivas de impostos e a
administração do Cardeal Mazarin) e outras lutas e levantes civis
que marcaram os anos da minoridade de Luís XIV:
A expressão "o barco [de Pedro] em perigo", na terceira linha, tem
um significado dual do tipo que é freqüentemente encontrado nas
Centúrias. Primeiro, ela se aplica à difícil posição da Igreja galicana
durante os anos 1643-61; segundo, às disputas posteriores entre
Roma e Luís XIV: A primeira foi conseqüência do fato de que
durante os anos em questão a Igreja foi estorvada em suas
relações muitas vezes difíceis com o Estado porque o ministro
principal de Luís XIV; Cardeal Mazarin, era ele mesmo um príncipe
da Igreja. As disputas serão descritas na página 66.
102. Na Centúria X, Quadra 58, Nostradamus previu que a política de
Luís XIV, o Rei Sol, colocaria a Igreja Católica - "o barco [de
Pedro]" - em perigo. Como Luís XIV era um católico fanático
(embora nem sempre devoto), isso poderia ser descartado como
um dos erros proféticos de Nostradamus. Na realidade, a previsão
foi surpreendentemente correta, pois, no exato momento em que
Luís atingiu o pináculo do sucesso tanto diplomático como militar
que levou sicofantas a saudá-lo como "a Glória da Europa”, uma
disputa há muito fermentada entre o rei e o papado finalmente
explodiu.
A discussão era sobre a posse dos benefícios materiais e direitos
espirituais de bispados vagos, que o rei afirmava que lhe
pertenciam. A Assembléia Francesa do Clero concordava e, pelos
quatro Artigos de 1682, Luís e a Assembléia proclamaram que o
papado tinha poder sobre assuntos espirituais apenas e que as
regras da Igreja francesa eram invioláveis. O papa reagiu
recusando autorização para a consagração de bispos que tivessem
sido indicados por Luís, e o complicado corpo-a-corpo que se
seguiu enfraqueceu tanto a Igreja como o Estado.
103. Luís tinha persuadido a Assembléia do Clero a tomar seu partido
nesse assunto, dando seguimento à rígida abordagem adotada
pelo clero francês em relação ao protestantismo no país. Os
protestantes franceses, homens e mulheres que eram devotados à
teologia rigidamente lógica do calvinismo, tinham recebido o direito
de tolerância integral pelo Édito de Nantes, em 1598 (ver página
45). A partir de 1651, entretanto, o clero católico da França como
um todo e um grupo chamado Companhia do Sagrado
Sacramento, em particular, fizeram tudo que estava a seu alcance
para anular os efeitos do Édito, com o uso de uma interpretação
legalista estreita de seus artigos.
104. Desejoso de ter a Igreja galicana do seu lado nas batalhas que
previsivelmente teria com Roma, Luís apoiou essa política de
confrontação religiosa desde o início de seu próprio reinado em
1661. Entre essa data e 1685, os huguenotes (calvinistas
franceses) foram submetidos a um processo de desgaste que os
destituiu sucessivamente de suas escolas, universidades e
hospitais. Multas pesadas lhes foram impostas e, quando isso se
mostrou ineficaz para produzir conversões ao catolicismo, soldados
violentos e brutais foram colocados em cima deles. Finalmente, em
1685, Luís simplesmente revogou o Édito de Nantes e embarcou
em uma política de declarada perseguição que acabaria resultando
em uma guerra de guerrilha que durou oito anos e que fora
corretamente prevista por Nostradamus quase 150 anos antes.
105. Três anos após a Revogação, os esforços que Luís vinha fazendo
desde 1670 para garantir a dominação católica na Inglaterra (ver
páginas 64-5) fizeram-se totalmente em pedaços. Esse colapso,
bem como a identidade do homem que o teria causado - William,
Príncipe de Orange -, tinham sido discernidos antecipadamente por
Nostradamus, que falou deles na Centúria II, Quadras 67, 68 e 69.
106. William de Orange era o genro de James II da Inglaterra - o antigo
Duque de York e irmão mais novo de Carlos II. A convite de um
grande número de protestantes eminentes, ele invadiu a Inglaterra
e, com sua esposa, Mary, tomou posse do trono inglês. Esse foi
um grande golpe para Luís que tinha sido corretamente profetizado
por Nostradamus:
Um rei gaulês da direita celta [i.e., Holanda],
Vendo a discórdia da Grande Monarquia,
Brandirá seu cetro sobre os três leopardos,
Contra o Capeto [i.e., o rei francês] da grande Hierarquia.
107. GUERRA DE GUERRILHA
Quando Luís revogou o Édito de Nantes em 1685, ele pensou estar
pondo um fim ao calvinismo francês; na realidade, embora a sua
ação tenha assegurado tanto conversões em massa quanto
emigração em massa, a organização huguenote conseguiu
sobreviver, mais notavelmente na área montanhosa das Cevennes.
Em 1703, levados ao desespero pela brutalidade e a matança, os
protestantes montanheses se ergueram em revolta e, durante oito
anos, lutaram uma valente guerra de guerrilha contra os exércitos
reais, que acabou frustrada. Essa luta corajosa e seu fim infeliz
foram profetizados por Nostradamus na Centúria III, Quadra 63 e
na Centúria lI, Quadra 64. As linhas importantes da primeira dizem:
O exército celta [neste contexto, gaulês, i.e., francês] contra os
montanheses,
Que se tornarão conhecidos e, traídos,
Perecerão pela espada...
Essa é uma previsão um tanto vaga, e se pode argumentar que é
facilmente aplicável a um exército francês que derrote
montanheses. Entretanto, a Quadra 64, com suas referências aos
seguidores de Calvino e às Cevennes, é específica:
O povo de Genebra [i.e., os calvinistas] secará de sede e fome,
Suas esperanças falharão;
A lei das Cevennes estará em ponto de ruptura,
A esquadra não pode entrar no grande porto.
108. A única linha que exige explicação é a última, que parece ser uma
referência ao fracasso do calvinismo internacional no fornecimento
de ajuda eficaz à guerrilha protestante dos "Camisards".
109.
110. REVOLUÇÃO, MATANÇA E O ÁTOMO
NOSTRADAMUS VIVEU NA ÉPOCA EM QUE MONARCAS
GOVERNAVAM O MUNDO E UM CAVALO A GALOPE ERA O
MEIO MAIS RÁPIDO DE TRANSPORTE - E NO ENTANTO,
VIAJANDO PELO TEMPO, ELE PREVIU VIAGENS ESPACIAIS,
REVOLUÇÕES REPUBLICANAS E AS CONQUISTAS DA
TECNOLOGIA MODERNA.
Revoluções, a ascensão e a queda do Império Napoleônico, a
política maligna de Adolf Hitler, fome, matança e tecnologia
moderna são os temas predominantes deste capítulo. Antes de ler
sobre esses temas, porém, os leitores devem ter em mente
importantes pontos.
Ao ler as Centúrias, seja na sua forma original ou em tradução, a
reação inicial de muitas pessoas é geralmente de desnorteamento,
pois, como os leitores deste livro já terão percebido a esta altura,
as quadras foram escritas basicamente em uma linguagem oblíqua
e codificada, na qual abundam anagramas e neologismos clássicos
(palavras inventadas derivadas do grego e do latim) e as pessoas
são referidas por nomes alusivos (Henrique de Navarra por
"Vendosme", por exemplo). Até mesmo o título da obra é
enganador, pois a palavra "centúrias" leva a crer que Nostradamus
tenha escrito suas profecias segundo algum tipo de estrutura
cronológica - ou seja, que as quadras do começo do livro tratariam
de eventos do tempo do vidente, enquanto as quadras finais
tratariam do futuro, do futuro mais distante.
111. Mas não é assim. As Centúrias parecem ser o registro de uma
série de visões que não estavam completamente sob o controle do
vidente e lhe davam uma seleção aleatória de vislumbres do futuro
- e do passado, pois há algumas quadras que parecem ser
"profecias retrospectivas" .
Existem outras explicações para a natureza aparentemente
aleatória das quadras. A mais plausível delas, relacionada com as
112. teorias sobre "realidades alternativas" aceitas por alguns físicos
matemáticos, será examinada nas páginas 245-48. Entretanto,
qualquer que possa ser a explicação para o fato de as quadras não
estarem em ordem cronológica nem, até onde se possa discernir,
arranjadas segundo algum padrão estruturado, os intérpretes de
Nostradamus devem aceitar isso como fato e esforçar-se para
encará-lo da melhor maneira possível.
O problema é maior na interpretação das profecias de que
trataremos neste capítulo. As quadras referentes a Napoleão, por
exemplo, podem ser encontradas em quase todas as dez partes
das Centúrias e, no entanto, parece não haver dúvida de que
essas estrofes espalhadas realmente se referem ao mesmo
homem.
“Esse é o maior evento que já aconteceu no mundo! E é o melhor
de todos!", escreveu Charles James Fox (1749-1806), líder da ala
radical do Partido Whig da Câmara dos Comuns britânica e talvez
o maior orador parlamentar inglês de todos os tempos, ao
113. chegarem à Inglaterra as notícias da deflagração da Revolução
Francesa.
Nostradamus, que morreu mais de duzentos anos antes do
acontecimento que Fox comentou assim em carta a seu amigo
Richard Fitzpatrick, teve um ponto de vista muito diferente sobre o
assunto. Para Nostradamus, a Revolução Francesa foi um dos
piores acontecimentos da história humana, e não o melhor; quase
todas as referências aos jacobinos e outros revolucionários que
aparecem nas quadras das Centúrias são desfavoráveis ao
extremo.
Mas, poder-se-ia perguntar, Nostradamus fez mesmo referências
específicas à Revolução, mais de duzentos anos antes de ela
ocorrer? Há provas muito fortes de que ele fez isso. Tomemos, por
exemplo, o texto da Centúria IX, Quadra 20:
À noite virão através da floresta de Reines
Dois consortes, por um caminho sinuoso, a Rainha, a pedra
branca,
O rei-monge de cinza a Varennes,
O Capeto escolhido, resultando em tormenta, fogo, retalhação
sangrenta.
À época de sua publicação, o significado dessa quadra não era
conhecido, mas nos primeiros anos da década de 1790 seu
significado se tornou evidente, e o que parecia quase uma
algaravia incoerente tinha sido transformado pela história em algo
importante e em uma evidência de que Nostradamus tinha a
capacidade de ver o futuro.
A coisa mais notável a respeito dessa quadra é que ela chega até
mesmo a mencionar o nome Varennes, pois esse vilarejo um tanto
114. insignificante tem apenas uma associação de alguma importância
histórica - o fato de ter sido lá que se frustrou, em 1791, a tentativa
que Luís XVI e sua rainha, Maria Antonieta, fizeram para escapar
da Revolução.
Os dois realmente foram para Varennes por um caminho
alternativo, através da floresta de Reines; Luís parece realmente
ter trajado um cinza discreto, e não o escarlate e o ouro mais
comumente associados aos monarcas do século 18; e a captura do
casal real certamente resultou em tormenta (no sentido de agitação
social), no arder do fogo da revolução e em "retalhação sangrenta”
no sentido mais literal - tanto Luís como sua rainha foram enviados
à guilhotina.
Duas expressões usadas na quadra - "o Capeto escolhido" e "a
pedra branca” requerem explicação.
Ao usar o termo "eleito" ou "escolhido", Nostradamus quase
certamente se referiu ao próprio Luís XVI. Estritamente falando, o
nome "Capeto" só deveria ter sido utilizado em referência a
monarcas de uma dinastia francesa anterior à família Bourbon, da
qual Luís XVI era o chefe. Entretanto, esse nome foi muitas vezes
empregado em um sentido mais amplo, para significar qualquer rei
coroado da França.
115. A "pedra branca” não é tão fácil de explicar, embora muitos
comentaristas tenham tentado fazê-lo. Sugeriu-se, por exemplo,
que essas palavras se referissem a um curioso escândalo da
década de 1780, apelidado "O Caso do Colar de Diamantes", que
muito contribuiu para levar a monarquia ao descrédito e que
envolveu um colar de diamantes, um cardeal senil e crédulo, Maria
Antonieta e o aventureiro do oculto que dizia se chamar Cagliostro
- homem que tinha um forte elemento de charlatanismo em seu
caráter, mas que pode ter possuído também algumas capacidades
proféticas.
116. É possível que os que ligaram a "pedra branca” de Nostradamus
ao colar de diamantes estejam certos, embora para o escritor deste
livro tal interpretação pareça forçada. Em certo sentido, no entanto,
a questão não é de grande peso. O real significado da Centúria IX,
Quadra 20, é que ela parece fornecer a prova concreta de que na
década de 1550 Nostradamus tinha ciência de detalhes de um
acontecimento que só aconteceria em 1791.