Este documento apresenta uma coleção de obras de arte de João Grando em diferentes mídias como pintura, desenho, fotografia e vídeo. As obras exploram temas como a criação, a natureza humana, e as relações entre forma e conteúdo. Grando usa uma variedade de técnicas e estilos para criar camadas de significado em suas obras.
6. O AMOR É UMA LÁGRIMA DE MANGÁ
2009
30 x 40 cm
Grafite, carvão, nanquim, hidrocor e
caneta esferográfica sobre papel.
7. RONDON
2010
87 x 145 cm
Grafite, carvão, nanquim, hidrocor,
caneta esferográfica e acrílica
sobre papel.
8. I AM COMING
2011
87 x 145 cm
Grafite, carvão, nanquim,
caneta hidrocor, caneta
esferográfica e tinta acrílica
sobre papel.
9. RRRIDE
2010
70 x 50 cm
Grafite, nanquim, hidrocor,
esferográfica e acrílica sobre
papel.
10. PG,JG,JPG #3 (HOMEM-PRÉDIO)
2009
Grafite, nanquim, hidrocor,
caneta esferográfica e pastel
oleoso sobre papel 30 x 40 cm
(abaixo) com manipulação
digital posterior (à direita).
11. HORIZONS
2010
70 X 100 CM
Grafite, carvão, nanquim,
hidrocor, caneta
esferográfica, pastel oleoso
e tinta acrílica sobre papel.
12. As variações de cores, de tipos de pincelada, de
níveis de realismo trabalham na elaboração de camadas
acumuladas e na tensão entre elas. Uma figura tratada
tecnicamente de modo mais acadêmico com seus tons
pastéis dialoga com uma imagem de cores vibrantes e
contornos bem definidos por linhas fortes, chocando
tradição pictórica e gráfica, volume/profundidade e plano
bidimensional, cores misturadas e diluídas a cores
chapadas e puras.
Os elementos de estruturas retas do cenário como
prédios, ruas e os postes em seqüência reforçam a
perspectiva da cena, fazendo dela a origem não só dos
raios-guia de profundidade como de toda a imagem, como
se tudo que há ali erigisse dali, estendendo-se do fundo do
quadro e trocando influências entre figurações na extensão
do caminho (interessante salientar que é a ordem de
pintura do quadro também, tendo sido iniciado pela
pintura do céu, justamente do céu, abrigo divino da
criação na maioria das mitologias e origem da vida em
muitas correntes científicas).
sim e não ou não e sim
(in.form.ação)
[em andamento]
2013
133 x 188 cm
Acrílica e óleo sobre tela
A narrativa da cena é de acontecimentos ilógicos sem
relações aparentes: as personagens parecem ter sido
teletransportadas naquele instante de outro local ou
realidade, onde a ação acontecia e fora interrompida pelo
rapto do quadro. A existência das coisas dali está ligada à
condição que a imagem do quadro fornece, como se ela
tivesse começado naquele exato momento, entrosada com
o tempo do trabalho, com a existência da pintura em si, a
criação da forma como criação da forma representada, e
não como personagens que tivessem sua vida própria
independente do registro ali feito; os objetos físicos
passam a existir a partir da imaginação, como no célebre
conto “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, de Jorge Luis Borges.
Assim, as relações puras de forma transpõem a
realidade representada: uma linha inserida no espaço de
perspectiva diagonal da calçada transposta para o bloco de
texto deixa de ser profunda para virar uma forma
geométrica abstrata: a mesma linha reaplicada, colada,
toma outro sentido.
O quadro é o histórico dessas relações formais que
se influenciaram dinamicamente até o momento de
ficarem congeladas na imagem finalizada.
Entre os dois personagens maiores (dois
autorretratos complementares), no primeiro plano do
quadro, há uma relação de dúvida, ou ao menos
hesitação: aparentemente duelam, mas as feições não
esclarecem a força imprimida, há certa ambigüidade
entre a simulação e a efetividade do ato, se ele é de fato
agressivo ou se seria até mesmo afetuoso, se há de fato
voluntariedade em seus atos ou se é como se estivessem
ali por uma determinação, uma determinação visual por
assim dizer, como figurantes que cumprem seus papéis
burocraticamente (ou talvez o espanto da recém-chegada
a um cenário para o qual foram teletransportados).
No tratamento pictórico irregular do quadro a
textura que resolveria uma representação realista salta de
seu contexto e toma vida própria no espaço da tela, como
se a representação e o representado gerassem uma
terceira coisa, que ao mesmo tempo se materializa na
realidade representada diminuindo a distância entre o
que é representado (narrativa, conteúdo) de como se
representa (expressão, forma): tudo o que está na tela,
seja uma mancha ou um corpo nu, ganha vida tanto
como personagem quanto elemento abstrato, não há
exceções ou divisões: se dividem o mesmo plano
bidimensional, as regras são, ainda que generosas, as
mesmas para tudo. Há nessa ação totalizadora e
permissiva algo de indecisão assumida que proporciona
essa liberdade a qualquer resposta, qualquer tentativa,
onde há espaço para tudo; à tela qualquer coisa pode ser
trazida indistintamente; ao meu tecido expressivo,
qualquer tipo de criação é bem-vinda.
13. XXI E O MAL DE ALZHEIMER DE
ZEUS
2009
70 X 100 CM
Grafite, carvão, nanquim,
hidrocor, caneta
esferográfica e tinta
acrílica sobre papel.
14. FEMME ET FAUNE
2008
70 X 100 CM
Grafite, carvão, nanquim,
canetas hidrocor e
esferográfica sobre papel.
15. 2012
2009
70 X 100 CM
Grafite, carvão,
nanquim, hidrocor,
caneta esferográfica,
pastel oleoso e tinta
acrílica sobre papel.
16. TODAS AS FACEZINHAS BONITAS PARA
SUBSTITUIR UMA FACE TRISTE
2008
30 x 40 cm
Grafite e carvão sobre papel.
17. E SE AS COISAS RESOLVESSEM?
2010
40 x 40 cm
Grafite, carvão, caneta
esferográfica, aquarela e pastel
oleoso sobre papel.
20. NANONARRATIVAS IMPLOSIVAS: AUTORRETRATOS
Nalgumas fotografias trabalho explorando a situação gerada na captura da cena, como o lançamento
urgente de uma narrativa que lhe dê algum sentido, servindo de mote, início ou conclusão no desenrolar de
uma nanonarrativa tão fugaz quanto o instante captado pela máquina fotográfica. Esse sentido breve e leve se
dá implosivamente, como colocar um verso na música surgida da imagem.
Os recursos têm de ser exclusivamente da captura da imagem, ou seja, não há qualquer manipulação
digital posterior, as intervenções são feitas opticamente no ato da cena [leia mais nas páginas 99 e 100 deste
portfólio].
RAIO DE SOMBRA NO MUNDO SUBTERRÂNEO D’ÁGUA
2010
Fotografia
27. WWW.JOAOGRANDO.COM
Desde 2007
Site
Ensaio multiplataforma (“sobre tudo sob um”) dissipado numa
organização com espacialização dinâmica do tempo, tema,
modalidade etc. Autoria radicante.
[Leia mais nas páginas 99 e 100 deste portfólio.]
28. VÍDEOS
(VIDE-OS)
HTTP://YOUTUBE.COM/JOAOGRANDO
METEORO DE GAZA
3’42” (1920 X 1080) 2011
http://bit.ly/gazavideo
(2011)
Imagens documentais reeditadas + animação digital.
A vingança (onírica e, portanto, impossível) da Faixa de Gaza contra o
resto do mundo.
8’88”
9’26” (800 x 600) 2008
http://bit.ly/888video
Imagens documentais reeditadas + animação digital.
Vídeo feito em 2008 explorando os acontecimentos a partir do número 8 e
relacionando o maio de 1968 com o movimento Diretas Já de 1989.
29. BEIJO
1’27” (1920 X 1080) 2011
(2011)
No beijo, um suja o outro de si mesmo.
As marcas jamais se vão.
Animação stop-motion com desenhos a carvão.
http://bit.ly/beijoVIDEO
31.
CREPÚSCULO
2009
Montagem com fotos do céu ordenada por
horários (12h até 22h) na estrutura da
proporção áurea.
CAMINHO DA LUZ
2010
Fotografia
32. Nos precipícios, o silêncio, o vazio e a amplitude da vista se sintetizam num grito de VEM.
Não raro isso assusta e afasta, impõe uma cautela que cobre qualquer ato. Mas, no caso de
realmente se considerar a proposta do chamado e se dispor muito próximo a ele, o precipício, antes
de sugar num mar oco, usa seu poderoso som para falar e ali ele até ouve - para além dos testes
acústicos de gritos bumerangues, naquele silêncio em erupção o pensamento volta para si como se
fosse pensado por outro, donde, como no caso do eco ou de qualquer outro espelho, esclarece, até
revela.
Não estou em depressão, talvez até o contrário, mas devo dizer que cheguei à beira do precipício e
devo pular. Como se trata de uma metáfora, há a opção de VOAR.
E neste caso o silêncio traduzido por VEM virará VÁ.
txt
+ http://www.joaogrando.com/p/texto.html
+ http://www.joaogrando.com/search/label/TXT
ESBOÇO SOBRE A CONCENTRAÇÃO ESPONTÂNEA: A delicadeza é mais ou menos épica quando captada. Qualquer coisa o
é: há nesta captação quase o contrário de captura. Seja um cisco em zoom máximo colado à íris, seja o detalhe que é tudo na
contemplação. Percebe-se algo, que antes era e tão somente, e sempre fora e tão somente, mas agora (convém chamar agora a tal
instante) é, mas não mais apenas é, mas é miraculosamente, miraculosamente é. E não se sabe se mais vingança ou mais recompensa,
mas a coisa rebate o arrebatamento de sua privacidade invadida na proporção absurda de E = mc², do átomo que engole a metrópole ao
ter seu segredo descoberto. Encostar-se à verdade. E por breves instantes falar sua língua única e óbvia, como Dvořák derrete o som de
uma porta fechando vagarosamente para fechá-la de vez com seu violoncelo, ou como um tigre devora um boi e o transforma primeiro
em sono depois em salto. Em tal linguagem compulsória emprega-se muito mais esforço do que qualquer mestre pudesse esperar do
discípulo o mais dedicado: a demanda na nitidez com que de repente as coisas se apresentam. Ou melhor, parecem se apresentar, visto
que de fato quem põe o palco somos nós: elas estavam sempre ali; nós não estávamos. Até agora.
dú.vi.da_da_vi.da:_dá.di.va?
========================
Tudo é passível de debate, ponto de vista; e nem é preciso acreditar neste mistério evidente elucidado nos grandes ensinamentos esotéricos: as coisas em seu
funcionamento mesmo se reservam versões, impossibilitam uma não rarefeita verdade; como dispensar a maravilha potencial em cada possibilidade que há em tudo, em
qualquer infinitesimal vibração?
Há uma sintonia precisa entre quaisquer coisas que se preferem ou em qualquer coisa preferida. E talvez aquilo que parece uma sensação evoca uma dimensão inteira,
que transborda da sua camada e emerge delicadamente do ciclo padrão, na forma de sutilezas que nos põe em pequenos xeques eventuais, e nos inquirem justamente a
certeza: será que eu tenho certeza? Será que eu tenho, então, certeza? Será que abro mão da languidez da verdade para criar (crer na, fechar-me na) minha própria?
Tudo é possível certeza.
33.
34.
35. VÁ: O X DA QUESTÃO
Desde 2009
Nº -1: 332 páginas http://bit.ly/va-1
Nº 0, 1, 2, 3 etc.: sequência do projeto.
Arte sequencial.
36. S/ TÍTULO
Grafite e carvão sobre papel.
TRAZ AS PARADINHA
AÇÃO REAÇÃO
2009 70 X 100 cm
2009 70 X 100 cm
Grafite e carvão sobre papel.
2008 30 X 40 cm
(2011)
TORMENTA
Foto de desenho feito a hidrocor e grafite.
AÇÃO
REAÇÃO
II
2008 70 X 100 cm
(2011)
37. S/ TIÍTULO
2007 60 X 90 cm
Grafite sobre papel.
S/ TIÍTULO
S/ TIÍTULO
2007 60 X 90 cm
2007 70 X 100 cm
Carvão e pastel seco sobre papel.
S/ TIÍTULO
2007 60 X 90 cm
Grafite sobre papel.
Grafite sobre papel.
S/ TIÍTULO
2007 60 X 90 cm
Grafite sobre papel.
39. EVOLUÇÃO DO TIGRE
2013 15 X 10 cm
Caneta esferográfica sobre papel.
VOGAIS
GRANDO FT. KUNYIOSHI
2011 70 X 100 cm
Grafite, nanquim e tinta acrílica
sobre papel
(2011)
COMO ALTERAR
INTERPRETARTIVAMENTE
O SENTIDO DE UMA SETA
Cartaz.
Manipulação digital de texto.
41. VOCÊ MEANS YOU
Hidrocor sobre papel.
5W1H
Puxa-saco.
ENGLISH X PORTUGUÊS_BR
Cartaz.
ME CHAMA DE ARIAL
Internvenção digital
retirada de tumblr.
sobre
imagem
digital
Impressão em papel sulfite 30 x 40 cm
42. ANJO
S/
CAPA DE
DIÁRIO
2010 50 X 70 cm
Grafite, carvão, nanquim, hidrocor, caneta
esferográfica, pastel oleoso e tinta acrílica
sobre papel.
TÍTULO
2010 30 X 40 cm
Carvão sobre papel.
2009 70 X 100 cm
Carvão sobre papel.
54. JG,PG,JPG
Páginas de papel alheias cujos originais,
geralmente de 30 x 40 cm, são trabalhados com
grafite,
carvão,
caneta
esferográfica,
nanquim, marcadores, pastel, hidrocor etc.
Algumas tem uma leve manipulação digital
posterior.
MARY POPPINS RULES
74. VINÍCIUS DE MORAES MIRÍCIUS DE VONAES
2008
Impressão jato de tinta em papel
sulfite.
75. 11/set
2008
Poema
(Foi objeto de estudo no livro
“Português: linguagens: 6ª edição”, de
William Roberto Cereja e Thereza Cochar
Magalhães.)
76. (...) vemos isso nas representações do céu: eles aparecem na parte
superior (como conceitualmente não poderia deixar de ser), são céus
simbólicos, cuja Lua é também simbólica (o destaque às crateras
características), assim como o Sol (a síntese do Sol-corpo-celeste com
sua idéia de estrela: as chamas e explosões da transformação de
Hidrogênio em Hélio contidas no formato de pentagrama regular).
99. Bula
Essa situação gera um cenário artístico sem uma
corrente crítica principal, sem um mainstream lógico: não há
uma justificativa formal, social, política, poética ou estética
balizadora, não há regras para que a obra adentre o terreno
da arte contemporânea – o novo, que era o ingresso
histórico exigido pelo moderninsmo, já não se estabelece
numa cadeia evolutiva, como diz Luiz Camillo Osório¹:
JOÃO GRANDO
O autorretrato expandido
ensaio multiplataforma.
num
1 LINGUAGEM HETEROGÊNEA
1.1 CONTEMPORANEIDADE HETEROGÊNEA
As profundas mudanças nos indivíduos, na
sociedade, na comunicação etc. desde o pós-guerra
demandaram a necessidade de novas conceituações
compatíveis com a contemporaneidade. Uma série de
conceitos em crise foi remodelada a partir de reflexões
oriundas de todos os campos do saber (filosofia,
antropologia, economia etc.) e que se relacionam
mutuamente, logicamente a arte e seus rebentos aí
incluídos. Essas conceituações, mais do que apenas teorias,
elucidam uma situação já instaurada, no interior da qual
todas as propriedades humanas estão irremediavelmente
inseridas. Desde seu rompimento com a agenda moderna, a
arte tem articulado diversas modalidades antes alheias a ela
e se abriu em todos os seus aspectos, abrangendo
totalmente os nichos sociais, culturais, midiáticos, políticos
etc. A aurora dos anos 90, com o fim da dualidade URSSEUA e o avanço da tecnologia da rede mundial de
computadores, vem “[...] datar a entrada (...) da arte nesse
mundo globalizado e destituído de ‘grandes relatos’ que é
agora o nosso” (BOURRIAUD, 2011). As características de
subversão histórica do pós-moderno só se expandiram mais
e mais com a democratização do acesso e disseminação da
informação proporcionados pelas novas tecnologias.
Embora as obras de arte sempre foram
complementadas por uma porção variante oriunda de sua
inerente polissemia, como é próprio também de qualquer
comunicação, talvez nunca o interior de uma obra foi tão
frágil ante o seu exterior, cada vez mais amplo e influente,
quanto nos dias de hoje. É cada vez menos possível
determinar ou mesmo controlar a escala (público,
significado, exibição) de um trabalho, que se vulgariza,
supervaloriza, subverte-se à revelia do artista. Por analogia à
reflexão de Anthony Giddens acerca do esvaziamento do
espaço, o lugar contemporâneo é cada vez mais
fantasmagórico, na medida em que sofre influências de tal
modo diversas e numerosas que se torna difícil limitá-lo – é
definido por agentes múltiplos e complexos, de origens
distintas, numa teia de determinantes. Seguramente essa
rarefação dos limites pode ser estendida a qualquer conceito
em nossa época. Relativamente a isso, mas numa visão mais
ampla sobre os tempos atuais, Nicolas Bourriaud metaforiza
a contemporaneidade através de um arquipélago
interconectado, em oposição ao continente do modernismo;
aliados à conceituação de Marc Augé sobre os lugares
antropológicos e não-lugares, nos quais enfatiza a
incontornável relação de influência de um lugar no sentido
clássico com seu exterior, pode-se vislumbrar uma
atmosfera artística onde o território, a origem, o limite e
mesmo o individualismo, enquanto suspensão do
pertencimento a um conjunto totalizador, perdem força. Daí
tem-se uma rede complexa e única que abrange e relaciona
todas as heterogeneidades, acabando com qualquer
resquício de isolamento. A comunicação desta massa
também é assim, heterogênea e até onipresente pelo volume
concomitante e ininterrupto com que ocorre, um excesso de
informações e em meios de veiculação de fácil acesso e
disseminação.
“[...] a diferença do novo não está
ligada a um suporte ou meio
expressivo, não tem nada a ver
com evolução tecnológica (nem é
contra ela), mas se apresenta
como uma surpresa estética: algo
que nos tira das fórmulas
constituídas e nos faz poder
perceber as coisas de um modo
singular.”
As minhas experiências anteriores, inda que se
tenham desenvolvido frutiferamente, sempre me foram
insuficientes quando não múltiplas em seu processo criativo.
Se há a necessidade de estabelecer uma coerência
em minha produção, para que ela não seja fomentada e para
que não atrofie o desenvolvimento mais do que germiná-lo,
ela tem de se apresentar pela instauração de liberdade:
formal, temática e poética, porque a sua base é ideal, sendo
a prioridade, portanto.
Trata-se da soma de um anseio totalizador à
assunção da dúvida/indecisão como agente libertador.
2 AUTORRETRATO
Partindo dos desbravamentos da arte, esse cenário
abrangedor estende-se também gradualmente para os
demais campos criativos, como destaca Heloísa Buarque de
Hollanda² ao comentar que os novíssimos escritores
brasileiros (segundo ela basicamente os nascidos de 1980
em diante) são de “[...] uma geração que tem uma formação
literária com forte input de imagens, música, quadrinhos,
clipes etc. Então você vê uma literatura quase
multiplataforma [...]”. Já há tempo, mas cada vez mais, as
categorias têm perdido importância no processo de criação
em si.
Outra
questão
perene
espontânea
e
compulsoriamente desde sempre em minha produção é a
utilização de minha própria imagem. Ela se dá em
autorretratos (fotográficos, desenhados ou pintados), na
exploração de novas figuras derivadas desses autorretratos,
na inserção de minha imagem como personagem em
desenhos e pinturas, e se estende, metaforicamente, na
utilização de meu universo cotidiano, que se nivela às
demais temáticas universais, bem como na produção de
textos autobiográficos, nos quais a minha expressão pessoal
é explicitada no mesmo espaço de impressões intelectuais
gerais, igualando ponto de vista e conhecimento,
imaginação e fato.
Nesse sentido, se como artista minha arte moverse-á compulsoriamente nesse cenário, é preciso pensá-la
nesse cenário, sob o risco de intenções ultrapassadas se
perderem quando expressadas, ou seja, a produção se
voltar para um fim que rapidamente será subvertido pelo
“uso” dos receptores (espectadores, colaboradores, leitores,
críticos etc.).
2.1 ATOR NA NANONARRATIVA FOTOGRÁFICA
1.2 PRODUÇÃO ARTÍSTICA INDIVIDUAL HETEROGÊNEA
Minha produção artística desde sempre tramitou por
variadas plataformas de criação. Sob um mesmo guardachuva chamado arte – já nem mais uso o termo artes visuais,
e tendo cada vez mais a usar apenas o termo criação –, ela é
como um tecido expressivo no qual se costuram retalhos
distintos, que acabam por se relacionar casualmente, ou no
qual se desenvolve, de modo então interagido a priori, um
plano de síntese dessas modalidades diversas, sendo esta
interação também a conseqüente construção de uma
terceira parte congruente; em termos práticos, desmembrase uma produção que relaciona desenho, pintura e foto
combinados, por confronto ou complementação, ao texto, e
manipulados num espaço comum, geralmente ordenada
seqüencialmente para leitura, que pode ser estático, e assim
organizado através do design gráfico, ou cinético,
organizado pelo vídeo, já naturalmente uma plataforma de
convergência. Ou ainda uma série de registros em diferentes
meios arquivados num local comum para manipulação do
espectador-leitor, ficando à sua leitura a ordenação que será
utilizada.
Essa espontânea e quase compulsória construção
criativa híbrida e abrangente demanda-se de uma por assim
dizer incapacidade de concentração, de uma incapacidade
de abrir mão de modalidades para se isolar nalguma delas e
desenvolver uma pesquisa específica; isso se asila numa
vontade de franquear as habilidades criativas exercidas,
acumulando os ofícios pretendidos e até então entremeados
de escritor, ilustrador, quadrinista, realizador audiovisual,
designer, pintor e até mesmo, já sem tanta pretensão quanto
os anteriores, ator, sob a liberdade criativa da arte
contemporânea, único terreno permissivo para dispensa de
classificações.
Nalgumas fotografias trabalho extraindo algum
sentido de uma situação inusitada presente na cena, como o
lançamento urgente de uma narrativa que lhe dê algum
sentido, servindo de mote, início ou conclusão no desenrolar
de uma nanonarrativa tão fugaz quanto o instante captado
pela máquina. Esse sentido breve e leve se dá
implosivamente, como colocar um verso na música surgida
da imagem.
2.2 DESDOBRAMENTOS DA PRÓPRIA IMAGEM
Trabalho também na coisificação da minha própria
imagem, transmutando-me, por exemplo, num logotipo,
usando-me de personagem dos próprios desenhos e
pinturas; minha própria imagem funciona como referencial
inequívoco pessoal da raça humana, da existência e do
universo, garantindo uma veracidade da poética sob uma
hipótese solipsista, como no mapa em que, a partir da
ampliação repetida de um autorretrato a grafite, eu justifico o
universo como sendo nada mais do que uma questão de
escala de um todo composto ou extensivo a esse ser que
sou.
2.3 ARQUIVO DE AUTORRETRATOS
Contrapondo essas experiências com a imagem, em
que, ainda que se conte com o acaso, há a intenção de
elaborar-se alguma expressão, há também uma série de
registros cujo único pretexto seja eu aparecer na foto (na sua
imensa maioria fotografada por mim mesmo). Na rede social
virtual Flickr mantenho e atualizo desde 2007 um álbum
chamado SELF i_大_j_g autorretrato, que agrupa um
histórico desses registros – hoje há cerca de mil fotos.
Ainda que não sejam todas as fotos do período, está mais
para um diário do que para uma seleção; há desde fotos
com toalha sem preparação alguma até disparos acidentais
em que apareci a centímetros da câmera. Essa coleção cujo
único critério é minha aparição ganha sentido no conjunto,
em como a “[...] aglomeração de objetos contribui para o
surgimento do sentido de diferença, produzindo essa
diferença enquanto valor. Toda série, toda gradação, toda
comparação, gera variedade e diversidade” (SEGALEN, 1999
apud BOURRIAUD, 2011, p. 69).
3 ENSAIO MULTIPLATAFORMA
3.1 AUTORIA COMO CENTRO DE GRAVIDADE
À
multiplicidade
de
estímulos
da
contemporaneidade posiciono-me replicando múltiplas
respostas formais eladas pela autoria, freqüentemente
explícita através da utilização de autorretratos, impugnando
a casualidade e anonimato que de praxe estes estímulos
carregam – a própria imagem funcionando como assinatura,
até como certa absolvição, na medida em exponho somente
a mim mesmo, e certa autenticação, na medida que sou
dono da minha verdade e o detentor dos direito de imagem
que reflito para a realidade.
Desta prática que não restringe modalidades afluem
experiências e obras de desenho, pintura, escrita, fotografia,
vídeo etc. que se cruzam e afastam ao longo de seus cursos,
operando ora independentemente, ora relacionadas (pela
síntese ou sobreposição), mas sempre como rios diversos
pertencentes a uma mesma bacia hidrográfica; seu registro e
publicação também são variados, complexando inda mais a
contingência para um espaço de exibição estático por tempo
determinado.
Ainda assim, ela rebentara-se de um mesmo
contexto de produção no qual a autoria, para além do
estabelecimento compulsório de uma trajetória, estilo,
histórico etc., talvez seja a chave conceitual que a retenha:
os textos extensos ou pequenos, as fotos, os infográficos, as
montagens, até mesmo as inserções em redes sociais, são
expressões cujo único elo é o emissor, fazendo do autor um
lugar dissipado pelas obras, um vetor que as relaciona. Este
método correria o risco de ser vago, já que se vale das
pertinências da autoria, mas é como tenho trabalhado e a
experiência me mostra que ele tem sido eficaz ao
conglomerar os diferentes tipos de manifestações e mesmo
assim dar um mesmo tom a elas, dar-lhes algo perceptível
em comum.
(Nalguns casos o autorretrato torna forçosa a
autoria, relacionando-se, por oposição ou adaptação, às
tendências de fim de anonimato e criação coletiva, vistos em
movimentos como o Copyleft, quase como um levante.)
3.2 ENSAIO DISSIPADO
Talvez a principal característica do ensaio, gênero
literário cujas bases foram fundamentas por Bacon e
Montaigne, consista na liberdade: ela está no âmago das
características atribuídas a ele, como a possibilidade de ser
breve, como a possibilidade de transitar entre estilos, sua
informalidade, sua subjetividade, sua assunção da liberdade
para falar sobre qualquer tema. Sob essa ótica, é difícil não
associar o gênero aos cadernos de Leonardo da Vinci, uma
versão visual (e já há 5 séculos atrás complexando
categorias) em que um esboço artístico para um afresco
divide espaço com o projeto de uma ponte ou estudo
científico anatômico. Não vejo melhor associação ao meu
trabalho do que esta, uma série de ensaios ou um grande
ensaio que se rarefaz em parcelas variadas tanto no espaço
quanto no tempo. Não por acaso, logo que iniciei minhas
publicações na internet, em 2007, meu lema (talvez slogan
tenha mais cabimento) era “sobre tudo sob um”.
3.3 MEIOS DE EXIBIÇÃO
Dado então ser da minha atividade criativa operar
em plataformas várias e de publicação gradual e dissipada,
ela problematiza a questão da exposição como fomentação
de um lugar, já que não se trataria de um espaço pensado
previamente para tanto, mas um espaço que deve abarcar o
gênero desta produção, na falta da identificação de um
conceito estreito que a acompanhe.
Vejamos o caso da pintura, a qual, no caso da
utilização que faço dela, comunica-se mais tradicionalmente
com o público, pela natureza do suporte: o quadro na
parede para ser contemplado e analisado in loco em todos
os seus detalhes, a materialidade (relevos, dimensão,
camadas de tinta etc.) presente além da imagem retiniana,
além do que uma reprodução visual registra; porém a
reprodução do original pintado ressonará em outros meios,
podendo ser reutilizada por mim com manipulação digital e
associada às outras formas de criação, ou ainda por outrem,
pela simples disseminação permitida pelas tecnologias
atuais. A imagem conceitual, a idéia emanada da
materialidade se move livremente, acumulando significados
e usos adquiridos na sua trajetória.
Talvez o caminho para atender isso seja a exposição
fractal, retalhada e costurada, superposta, misturada, tal
como a é virtualmente pelo site onde mantenho e atualizo
parte
considerável
de
minha
produção:
http://www.joaogrando.com. Nele o discurso fragmentado
em imagens (fotos, infográficos, desenhos, pinturas,
rascunhos etc.), textos de diferentes estilos e tamanhos se
organiza tal como num jornal ou site de notícias: as partes
têm interdependência, a aproximação se dá pelo espaço
disponibilizado, passível de manipulação pelo visitante, que
pode reordená-lo por alguns critérios disponíveis, como
ordem temporal, por assuntos (amor, esporte, arte etc.)
através dos marcadores de postagens, por formato (texto,
imagem, foto etc.). Além disso, há ainda uma pequena gama
de opções para a diagramação e dinâmica geral do site (há
um menu suspenso no canto superior esquerdo que permite
escolher
dentre
sete
formatos,
que
mudam
consideravelmente o padrão (padrão, não original) da
exibição). Interessante notar que, embora o agregador de
conteúdos possa ser manipulado pelo leitor-espectador, eles
se mantêm originais em todos os detalhes (o texto, além de
ser imutável, mantém a formatação definida por mim). O
controle é sobre o conteúdo, o meio é livre. Temos aqui a
espacialização do tempo, a espacialização do tema,
disponíveis em modulações manipuláveis pelo espectador.
Repetir estas ferramentas permitidas pela tecnologia
digital analogicamente é um desafio, mas pode não ser a
única saída. A dificuldade em expor para visitação esta parte
do trabalho é projetar o dinamismo destes elementos que se
ligam por diferentes fatores, ora narrativos, ora temporais,
ora unicamente pela centralização autoral; costumeiramente
eles não têm critérios específicos para exibição, ou seja, são
disponibilizados virtualmente, para leituras nos veículos que
convirem
aos
espectadores
(computador
pessoal,
smartphone, tablet, televisão etc.). Então a sua exposição
planejada num espaço para ser visitada presencialmente
tende a uma atmosfera arquivista, de compilação. Para
evitá-la, se for o caso ou intenção, é preciso fazer uma
curadoria do próprio trabalho, estabelecendo recortes
temáticos, temporais ou, mais profundamente, elaborar uma
narrativa multiplataforma, um processo de montagem que
trabalhe novos significados a partir do material existente –
embora esta prática também possa ser realizada a priori
deliberadamente. Isso entanto cria um novo degrau, já que
essas práticas resultantes em narrativas se assentam mais
adequadamente no formato livro ou vídeo, mais propensos à
distribuição para o público do que para a visitação.
100. 3.4 CONVERGÊNCIA
Uma tendência natural dessas práticas é que
passem da simples sobreposição para um cruzamento, já aí
não apenas unidas por um conjunto artístico, mas unidas no
interior de uma peça isolada.
Daí nivelam-se as potencialidades poéticas
desenvolvidas nas diferentes linguagens, de tal modo que,
uma vez aplanadas, permutem suas propriedades típicas: o
ritmo do texto pode se transferir para a imagem; a imagem
pode se valer de um contexto estabelecido anteriormente
pelo texto num processo de estímulo mútuo. As linguagens
trabalharão também nas elipses deixadas por outras
linguagens, atuando como chaves de interpretação.
O
cuidado fundamental é não mascarar “reinvenções de roda”
na simples mistura de modelos já resolvidos; para tanto, as
formatações devem, como já disse, trabalhar a favor da
narrativa ou punção poética que as agrupa: têm função, mas
função não implica vontade – esta é da poética, e ela que
determina o que será usado, ela é o fio condutor.
3.4.1 MMA e iPhone
O MMA (mixed martial arts, traduzido da língua
inglesa significa literalmente “artes marciais misturadas”) é
um conceito que vem se desenvolvendo desde os anos 60,
crescendo em popularidade nos anos 90 e gozando de
grande prestígio nos dias atuais. Inicialmente consistia numa
competição intermodalidades (a sobreposição do boxe, jiu
jitsu, caratê etc.) que evoluiu rapidamente, graças às regras
únicas que atendiam todos os estilos, abrigando-os num
lugar comum, para a competição de um novo estilo surgido,
onde os lutadores usaram o que lhes interessava em cada
modalidade: a síntese do boxe, jiu jitsu, caratê etc.
Todas as artes marciais têm suas regras próprias,
suas tradições, suas especialidades; o MMA despreza essas
especificidades e recruta o que é prático para um fim. O
smartphone (um aparelho telefônico móvel com funções
estendidas, quase um mini computador portátil) ecoa esse
mesmo conceito do nosso tempo: embora não seja uma
máquina fotográfica, é usado para tirar fotos; embora não
seja um computador, é usado para processar programas
vários. Analogamente, para além da linguagem comum
binária que processa todos os tipos de arquivo (imagem,
vídeo, som, texto), a comunicação e expressão são para
mim a prioridade nesses casos da convergência, e assim
sendo podem convocar o meio que for necessário para seus
objetivos, reforçando que o público já se relaciona
naturalmente com esses cruzamentos.
3.4.2 VÁ #-1
O trabalho “VÁ #-1”, de 2009, um arquivo PDF de
332 páginas disponível para leitura e download na internet ,
transita entre um periódico (“#-1” sugere a seqüência do
programa nos números 0, 1, 2 etc.), livro de artista, romance
gráfico, catálogo, portfólio etc. Ao decorrer de suas páginas,
textos de todos os tipos e imagens de todos os tipos se
relacionam através da organização poética do design. Há
textos inéditos e manipulações de trabalhos anteriores, que
se combinam (um poema de 2006 é aglutinado a um esboço
até então esquecido de 2004) e atuam combinadamente
num álbum de idéias gráfico-textuais.
4
3.5 METONÍMIAS DA MULTIPLICIDADE
Ao analisar algumas obras verifica-se que esse
método operacional de abarcar as linguagens livremente
vista no conjunto do meu trabalho se repete nalgumas
experiências de suas unidades, refiro-me especialmente
àquelas que demandam mais dedicação nas suas
elaborações e execuções: as pinturas e desenhos grandes
refletem metonimicamente este mesmo sistema totalizador e
permissivo, ora sobrepõe ora sintetizam estilos, técnicas,
figurações, elementos de comunicação etc. sob uma
estrutura que os cinja.
O universo da imagem funciona como um agrupador
para diferentes experiências e tratamentos gráficos e
pictóricos. Veja-se o exemplo da obra “Rondon”: seu cenário
compreende uma rua simples rodeada de alguns prédios e
árvores; habitam o cenário pessoas, animais e máquinas;
trata-se, então, quase da manifestação conceitual da idéia
de cenário urbano, no qual basicamente são esses os
elementos que se misturam: mineral, vegetal, animal,
humano e máquina. Na cena do desenho todas as imagens
geradas, independentemente de função, estilo, cor etc.
compartilham um ambiente comum imposto pelo cenário
que ocupa todo o quadro: o macaco feito a grafite com
traços marcados, o homem e seus filhos feitos a grafite com
traços leves, os grafismos feitos com caneta hidrocor e
qualquer outro elemento transitam no mesmo ambiente
imaginário. A figura principal que ocupa a parte direita do
centro do quadro alegoricamente sintetiza todos os
elementos tratados no seu entorno, atraindo para si
magneticamente todas as manifestações formais e
representativas sem qualquer seleção: a operação
totalizadora e permissiva transnominada mais uma vez
dentro de si mesma, uma sinédoque dentro de outra
sinédoque: o que une tão diferentes tratamentos gráficos e
pictóricos, cores, níveis de realismo é a estrutura da figura,
seu contorno: sua idéia de corpo, neste caso, abarca
qualquer coisa dentro dos limites de seu contorno, de sua
imagem. Como o DNA, a estrutura pode ser encontrado em
qualquer mínima amostra.
Associada a outra obra, feita no ano seguinte (“I’m
coming”) vemos isso nas representações do céu: eles
aparecem na parte superior (como conceitualmente não
poderia deixar de ser), são céus simbólicos, cuja Lua é
também simbólica (o destaque às crateras características),
assim como o Sol (a síntese do Sol-corpo-celeste com sua
idéia de estrela: as chamas e explosões da transformação de
Hidrogênio em Hélio contidas no formato de pentagrama
regular).
A sobreposição e síntese dão-se complexamente em todos
os níveis do trabalho, como nos materiais (partes do
desenho a grafite, outras partes com tinta acrílica, tinta óleo,
colagens, canetas hidrográficas), nos estilos (tratamento ora
realista, ora expressivo, ora esquemático), nos métodos de
comunicação (texto, imagem, estrutura espacial guiada ora
pela cena da imagem ora pela plataforma abstrata da
superfície). Esse processo construtivo vem evoluindo até
hoje, como veremos nas obras a seguir, as mais recentes,
terminadas no final deste ano de 2013.
3.5.1 Análise da obra “sim e não ou não e sim:
in.form.ação”
Como nos trabalhos analisados anteriormente e na
produção de forma geral, temos aqui um ecletismo que
permeia todos os fatores da obra.
As variações de cores, de tipos de pincelada, de
níveis de realismo trabalham na elaboração de camadas
acumuladas e na tensão entre elas. Uma figura tratada
tecnicamente de modo mais acadêmico com seus tons
pastéis dialoga com uma imagem de cores vibrantes e
contornos bem definidos por linhas fortes, chocando
tradição pictórica e gráfica, volume/profundidade e plano
bidimensional, cores misturadas e diluídas a cores chapadas
e puras.
mancha ou um corpo nu, ganha vida tanto como
personagem quanto elemento abstrato, não há exceções ou
divisões: se dividem o mesmo plano bidimensional, as regras
são, ainda que generosas, as mesmas para tudo. Há nessa
ação totalizadora e permissiva algo de indecisão assumida
que proporciona essa liberdade a qualquer resposta,
qualquer tentativa, onde há espaço para tudo; à tela
qualquer coisa pode ser trazida indistintamente; ao meu
tecido expressivo, qualquer tipo de criação é bem-vinda.
3.5.2 Análise da obra “Contato”
Os elementos de estruturas retas do cenário como
prédios, ruas e os postes em seqüência reforçam a
perspectiva da cena, fazendo dela a origem não só dos
raios-guia de profundidade como de toda a imagem, como
se tudo que há ali erigisse dali estendendo-se do fundo do
quadro e trocando influências entre figurações na extensão
do caminho (interessante salientar que é a ordem de pintura
do quadro também, tendo sido iniciado pela pintura do céu,
justamente do céu, abrigo divino da criação na maioria das
mitologias e origem da vida em muitas correntes científicas).
Embora a pintura “Contato”, óleo e acrílica sobre
tela de 123 x 222 cm finalizada em dezembro de 2013, tratase de uma representação fantástica e com ambientação
inóspita, nalguns pontos ela recebe um tratamento realista; e
embora ela tenha um aspecto geral figurativo, nalguns
pontos ela tem um tratamento pictórico abstrato.
A narrativa da cena é de acontecimentos ilógicos
sem relações aparentes: as personagens parecem ter sido
teletransportadas naquele instante de outro local ou
realidade, onde a ação acontecia e fora interrompida pelo
rapto do quadro. A existência das coisas dali está ligada à
condição que a imagem do quadro fornece, como se ela
tivesse começado naquele exato momento, entrosada com o
tempo do trabalho, com a existência da pintura em si, a
criação da forma como criação da forma representada, e
não como personagens que tivessem sua vida própria
independente do registro ali feito; os objetos físicos passam
a existir a partir da imaginação, como no célebre conto
“Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, de Jorge Luis Borges.
Às vezes as figuras têm seus laços entre umas e
outras representados (a representação de uma conexão
física, como os tentáculos da figura verde ou a continuidade
do corpo em uma estrutura brilhante de metal), noutras
vezes parecem estar apenas coladas, sem nada que as
justifique ali.
Assim, as relações puras de forma transpõem a
realidade representada: uma linha inserida no espaço de
perspectiva diagonal da calçada transposta para o bloco de
texto deixa de ser profunda para virar uma forma geométrica
abstrata: a mesma linha reaplicada, colada, toma outra
sentido. O quadro é o histórico dessas relações formais que
se influenciaram dinamicamente até o momento de ficarem
congeladas na imagem finalizada.
Entre os dois personagens maiores (dois
autorretratos complementares), no primeiro plano do quadro,
há uma relação de dúvida, ou ao menos hesitação:
aparentemente duelam, mas as feições não esclarecem a
força imprimida, há certa ambigüidade entre a simulação e a
efetividade do ato, se ele é de fato agressivo ou se seria até
mesmo afetuoso, se há de fato voluntariedade em seus atos
ou se é como se estivessem ali por uma determinação, uma
determinação visual por assim dizer, como figurantes que
cumprem seus papéis burocraticamente (ou talvez o espanto
da recém-chegada a um cenário para o qual foram
teletransportados).
No tratamento pictórico irregular do quadro a textura
que resolveria uma representação realista salta de seu
contexto e toma vida própria no espaço da tela, como se a
representação e o representado gerassem uma terceira
coisa, que ao mesmo tempo se materializa na realidade
representada diminuindo a distância entre o que é
representado (narrativa, conteúdo) de como se representa
(expressão, forma): tudo o que está na tela, seja uma
Isso cria certa tensão entre realidade e fantasia,
novamente cria camadas de representação sobrepostas,
acumuladas.
O cenário onde a ação ocorre é de uma simplicidade
conceitual: o céu acima e o chão abaixo criando uma linha
horizontal que os separa exatamente na metade do plano
pictórico. Suas cores reforçam o contraste entre os seus
conceitos: a soma das cores do céu (bases azuis e negras)
com a das cores do chão (bases amarelas e brancas) gera
uma terceira cor (bases verdes e cinzas) que surge e se
desenvolve no sentido de leitura ocidental, da esquerda para
direita, fomentando uma figura que se justifica tanto no
plano abstrato pictórico, quanto no espaço cênico
representado, quanto na significação metafórica de origem,
surgimento, formação (céu com estrelas associado ao chão
e suas pedras e minerais resultando numa forma orgânica
viva, numa forma que carrega a escrita).
A sombra é arbitrária; ainda que quando incida, ela
incida sob as regras do realismo, baseando-se nas formas e
ângulos que a formam. Mas é arbitrária, como as demais
representações realistas do quadro, que não constituem a
sua regra: o realismo é sempre uma alternativa a ser
solicitada, uma alternativa para ancorar alguns trechos da
imagem num imaginário referenciado no concreto, como se
a cena ali erigida através de diversos recursos pictóricos e
gráficos tivesse algo de acontecido, algo de registro.
independente para fazer parte do cenário; aqui novamente
há uma escala em que ele vai e volta níveis de realismo,
entre o texto como integrante da ação cênica e o texto como
informação diagramado independentemente da imagem.
O título emerge das relações tratadas na cena, na
medida em que se vale das aberturas que a palavra contato
em si carrega, de suas possibilidades de uso a partir de seu
estado isolado, como uma entrada de dicionário (contato no
sentido de contatos com seres extraterrestres, contato no
sentido de contatar através da linguagem, mensagens,
contato no sentido de tato, contato no sentido de resultado),
como um índice visual de conotações.
4 PROCESSO
Se a produção em si carrega essa característica
múltipla, o processo criativo não teria como ser diferente.
Nele experiências se cruzam, rotas são desviadas e novos
caminhos são abertos inesperadamente, filigranas de
movimento intenso e multilateral.
Principia-se – a despeito do processo ser contínuo
pode-se usar esse termo – de um movimento aleatório de
diversos esboços, ações, idéias, intenções etc. até que se
alinhem numa situação favorável à criação mais pensada,
orientada e planejada, daí se rebentando dessa tempestade
de estímulos para um caminho só, qual a formação de um
planeta surgido de poeira cósmica. Um processo de
evolução como o elucidado pela Teoria da Inflação da física,
onde pequenas irregularidades e acidentes iniciais
acumulam-se em progressão geométrica e geram resultados
não previstos inicialmente, como uma bola de neve cujo
formato esférico seja substituído pela novidade na dinâmica
de sua evolução.
Do recorte de uma cena de um vídeo em que eu me
movimentava para a filmadora estacionada sobre uma
cadeira surgiu um esboço sem fim definido; tempos depois,
esse esboço completou outro esboço que havia sido criado
alheiamente a esse processo. Indubitavelmente o caminho
do frame do vídeo à pintura “Contato” não foi planejado,
mas surgiu devido à fértil permissividade instaurada no
ambiente de atelier.
Não deixa de ser, claro, o processo mental criativo
ordinário, em que intenção e acaso (e até mesmo
intervenção divina para os mais crentes, como eu) se
confundem no turbilhão de estímulos que se cruzam a todo
o momento na imaginação de um criador de imagens. Tento
somente perder o mínimo possível (o que será sempre
muitíssimo) desse processo registrando-o para que sejam
acordes passíveis de composição ou ao menos uma coleção
de obedientes impressões, traduções da introspecção,
mapas dos circuitos internos – todos solúveis entre si.
O compromisso com a realidade é firmado e abandonado à
ordem da execução ou da organização pictórica.
Camadas de texto ordinariamente se posicionam
num espaço visual abstrato, numa camada além-imagem,
suspensa do espaço cênico em que os demais elementos
visuais se relacionam; é o que ocorre com os blocos de
textos que sobrepõe fotos em materiais jornalísticos e peças
publicitárias, com as legendas de filmes etc. Entanto nessa
obra o texto se movimenta entre camadas de maior ou
menor profundidade, a ponto de se fixar na mesma camada
do espaço imagético, recuar da condição de informação
1 Luiz Camillo Osorio in revista Filme Cultura nº 54, 2011, pág. 56,
CTAv (Centro Técnico Audivisual CTAv) maio/2011.)
2 Heloísa Buarque de Hollanda (idem)
101. JOÃO GRANDO (João Ricardo Lopes Grando), Torres–RS, 1982.
Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 2013
(poéticas: projeto de graduação “O autorretrato expandido num ensaio multiplataforma”)
*
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Selecionado no Festival Hotspot 2013, curadoria de Speto e Graziela Peres
Publicado na ffw>>Mag! #32 (1 página inteira (pág. 188))
Publicado na ZUPI #23 (5 páginas inteiras, das quais 2 imagens em folhas duplas (seção “start/stop”))
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