Sucatinha, um menino órfão que vivia nas ruas de Ceilândia na década de 70 na cidade de Brasília. Que é adotado por uma pobre senhora, que o cria como se fosse o seu próprio filho. E juntos conseguem achar consolo um no outro diante uma vida dura de dor e privação.
3. Dedico este livro a todos os
catadores que travam uma luta
árdua diariamente pela
sobrevivência.
4. Olá, amiguinho, este é mais um dos meus livros, o qual tive
um grande prazer em escrevê-lo para você. Como já notaram
os livros da Coleção Histórias e Brincadeiras sempre abordam
temas ecológicos, e sabe por quê? Porque sou apaixonado pela
fauna e a flora brasileira. Quantas vezes não passamos por um
parque, ou um jardim, e nem damos contas das inúmeras
formas de vida que habitam este pequeno, mas complexo
ecossistema.
Já parou para observar as formiguinhas trabalhando,
ajuntando folhas e gravetos para o inverno? O coral das
cigarras ecoando lá dos arvoredos? Ou um beija-flor que se
aproxima, dá um beijo delicado em uma flor e some ao longe.
É dá observação de pequenas coisas como estas que
afloram em mim a inspiração para escrever. Os livros da
Coleção Histórias e Brincadeiras, além de historinhas emotivas
e ilustrações criativas, também ensinam a cantar as músicas do
nosso Folclore, como também, a confeccionar lindas
dobraduras e brinquedos de sucatas. Então, amiguinho, tenha
uma boa leitura e diversão, um forte abraço e até a próxima.
O autor
6. Órfão de pai e mãe,
Mora só ele e sua avozinha,
Lá na rua das flores.
Em pequeno barraquinho,
Que ela mesmo construíra,
Com restos de construção.
Logo ao amanhecer,
Lá vai ele pelas ruas.
Olha uma lixeira aqui, outra ali,
Um contêiner cá, outro acolá,
Procura em todo lugar.
É o Sucatinha,
O menino catador de latinhas.
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7.
8. As telhas de chapasfalto,
Dessas de alcatrão.
O piso é de chão batido,
Com divisórias de papelão.
A mesa é um grande carretel,
Desses de fiação.
E um sofá com pés de latas,
Para dar sustentação.
Uma lata bem grandona,
Era o fogareiro.
Já outra menorzinha,
O açucareiro.
Outra arredondada,
O chuveiro,
E uma pititinha assim,
O saleiro.
E para iluminação,
Um candeeiro.
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9.
10. Dona Zefa,
Avó de Sucatinha,
Não é sua avó verdadeira não,
É só de coração.
Ela encontrou o pobre menino,
Em uma obra abandonada,
Próximo ao lixão.
E passou a cuidar dele,
Encontrando consolo
um no outro,
Diante uma vida dura,
De dor e privação.
Ela matriculou o menino,
Na Escola Classe do bairro,
No turno vespertino.
E de manhãzinha ele se
ocupava
Na tarefa de catar sucata.
Logo bem cedinho,
O café já está à mesa,
Torradas com manteiga,
Com chá de manjericão.
Sucatinha fecha os olhos,
E faz uma oração:
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11. — Obrigado, Senhor,
Por este café da manhã
Que vovó fez
Com tanto amor.
Agradeço também
Por mais este dia,
Amém.
Terminado o café,
Pega a sacola de estopa,
E segue para o lixão.
Pneu, tampa de vaso,
Cabide, boneca sem braço,
Roda de velocípede e cesto,
Chinela sem cabresto,
Bico de mamadeira,
Carrinho sem rodeiras,
Guarda-chuva, cuecão,
De tudo quanto há!
Se acha ali no lixão.
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12.
13. Aparecia outros catadores
Que disputavam o lixão,
Devido a algum achado,
Era aquela confusão.
Um tal de eu vi primeiro,
Foi eu! Não foi não!
Mas Sucatinha ia embora,
Pois, evitava discussão.
Depois Sucatinha
Ia vender a Sucata,
lá na Casa da Bagunça,
O ferro-velho do seu
Damião.
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O velho pega a sucata,
E põe na balança no chão.
— Uh!... Três quilos e 500
Gramas.
— Diz o velho
Tirando a carteira,
De dentro da algibeira.
Tira duas nota de 2 Cruzeiros,
E algumas moedinhas,
E entrega a Sucatinha.
Que sem demora,
Corre pra casa,
Pra se ajeitar
E ir à escola..
14.
15. Na escola, Sucatinha,
Faz sucesso com seus amiguinhos,
Com seus brinquedos de sucatas,
E assim eles cantavam:
"Com uma garrafa
E canudos de jornal!
Faço um vasinho
Mas que coisa mais legal!
Com umas tampinhas
E um pedaço de papelão!
Olha o que virou
Esse belo caminhão!
Goma com barbante
E palitos de picolé!
Adivinhe o que que é:
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16. Da pilha que virou:
Um biloquê!
Casinha que eu fiz:
De machê!
Da meia um bonequinho:
De polvilho!
Tampinha que se abriu:
Em corrupio!
Brinquedos, brincadeiras
Eu vou brincar!
Brinquedos, brincadeiras
Agora eu vou cantar!
Brinquedos, brincadeiras
Como é que diz?
Ser criança é ser feliz."
— HÊ Ê Ê Ê Ê!...
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17. Tri Lin Lin lin lin!...
A sineta toca...
É o fim da aula.
Sucatinha pega a cartilha
Põe na capanga,
E corre pra casa.
Chegando em casa,
Abraça a vovó,
Que está na cozinha
Preparando o jantar.
Vovó tem uma máquina,
Antiga de costurar,
Mas estar quebrada,
E sem dinheiro pra consertar.
Sucatinha sempre repara,
O olhar triste da vovó,
Limpando a velha máquina.
Pertencia a sua mãe,
Que herdou de sua avó,
Que foi de sua tataravó.
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18.
19. Noutro dia,
Sem nem mesmo tomar café,
Sucatinha correu estrada,
Deixando Zefa preocupada:
— O que deu nesse menino?!
Deixa cá ele chegar.
Enquanto isso, Sucatinha
Caminhava pela cidade...
Passou na marcenaria
Do seu Joaquim,
Sucatinha vê dois sarrafos
Dentro de um tambor.
Sucatinha pergunta:
— Seu Joaquim,
Esses sarrafos têm serventia?
— Não têm, Sucatinha!
Sucatinha sem demora,
Pega os sarrafos
E vai-se embora.
Depois passou em frente
Ao verdurão do seu Tião,
Que usa um avental
E um baita botinão.
Sucatinha vê, num canto,
Um caixote de madeira...
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21. Sucatinha então pergunta:
— Seu, Tião,
Esse caixote tem serventia?
— Não tem não, Sucatinha.
Sucatinha sem demora,
Pega o caixote
E vai-se embora.
Com um tarugo,
E alguns pregos na mão,
Começa a construção:
PLAC! PLOC! PLUC!
Depois de um tempo,
Está prontinho...
OPS! Que dizer, quase!
Sucatinha vai correndo
À oficina do seu Tonhão.
Um homem baixo e gordo
Que conserta caminhão.
Procura nas lixeiras,
Até achar o que precisa.
Um rolamento bem grandão.
Põe o rolamento no lugar,
e... A gora, sim,
Que maravilha que ficou
O carrinho do Sucatinha!
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22. Chegando em casa,
Vovó está na porta
Com as mãos na cintura,
E cara de zangada.
— Porque sai desse jeito,
Sem nem mesmo dizer nada?
Sucatinha passa correndo,
Com as mãos na bunda.
Sucatinha se arruma
E vai pra escola.
Ao voltar pra casa,
Vovó está empurrando o carrinho.
Ela olha para Sucatinha e diz:
— Esse carrinho é bom de vera!
Sucatinha muito contente:
— Com ele, vovó!
Ajuntarei bem mais sucata,
Desde ferro-velho até garrafa!
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23. No outro dia,
Sucatinha não vê a hora
De estrear o carrinho.
Abraça a vovó e diz:
— Benção, vovó.
— Deus te abençoe, meu filho.
Mas hoje é sábado,
Não carece de trabalhar.
— Mas ontem nada catei,
E quero compensar.
Pegou então o carrinho,
E seguiu para o lixão.
— Até logo! Meu filho,
Que Deus te dê proteção.
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25. Por onde ele passa,
As crianças param de brincar
Para ver o carrinho do Sucatinha.
— Olha que carrinho maneiro!
— Que pôs cocos!
— Deixa eu empurrar um pouco!
— Eu também quero!
“Olha a laranjinha!
Olha a laranjinha!
Botou uma, botou duas,
botou três, mas não vingou...
Sereno de amor
Sereno de amor...”
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26. “Pique-pega! Salve-latinha!
Na ruralzinha! Pega rabeira!
Na capoeira! Roda o pneu!
Do seu Tadeu! Amarelinha!
A menininha! Pula no cééééu!”
Depois disso Sucatinha
Pôs-se a andar...”
Foi na feira central,
Nos terrenos baldios,
Na comercial...
Mas a cata estava fraca,
O caminhão do lixo passara,
Levando todo o material,
Para o Lixão da Estrutural.
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28. Voltando para casa,
Triste e pensativo
Quando de repente
Vê algo no chão,
Que lhe chama a atenção.
É uma carteira
Cheia de dinheiro,
Mas percebe que a carteira,
Pertence ao Zé serralheiro.
Sucatinha mais que depressa
Foi devolver a carteira.
O velho muito animado,
Por ter a carteira de volta,
Quis recompensar o menino,
Lhe fazendo um carrinho,
Mas Sucatinha achou melhor,
Consertar a máquina da vovó,
Que não cabia em si de
Contente por ver a velha
Máquina,
Funcionando novamente.
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29.
30. Havia um Senhor
Em um caminhão,
Que trocava pintinhos
Por garrafas de vidro.
Sucatinha trocou
Uma de suas garrafas
Por um pintinho,
Que hoje é um galo
Cantor das madrugadas.
Como não tinha água encanada,
Dependiam do caminhão - pipa,
Que vinham lá da caixa d’água,
E passava nas quartas e sextas,
Com as mulheres equilibrando,
As latas d'águas na cabeça.
Apesar da idade,
Vovó era muito forte,
Pois como ela mesma dizia:
"Quem não pode como o pote,
Não pega rudia."
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31.
32. Vovó fez uma biqueira,
Pra conter a água da chuva,
Para um casco de geladeira,
Com a água apurada...
Lavava a roupa e a privada,
Jogava também na casa,
Para abaixar a poeira.
Na padaria do seu Romildo,
Ela sempre passava,
Pra ver se tinha pão dormido,
Pois, com eles preparava
Farelos e torradas.
E no terreiro duas touceiras,
De capim-santo e cidreira.
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33. Um dia, vovó,
Recebeu uma carta,
De sua irmã,
Que mora em Minas...
Miguelópolis,
03 de fevereiro de 1978
Saudações:
Espero que esta
Ao chegar em tuas mãos,
A encontre com muita saúde,
E paz no coração...
Me resposte o mais ligeiro,
Sua irmã,
Conceição.
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34. Sucatinha gostava muito,
De ouvir as histórias da vovó,
Desde a sua infância em Minas,
Até sua chegada...
De mala e cuia em Brasília.
Foi morar na Cidade Livre,
Na Invasão do IAPI.
Que depois se mudou...
Para a CEI.
Através dos monóculos
Que ela ia mostrando,
Que a história às imagens
Iam aos poucos se
amarrando.
E o menino olhos atentos,
Ouvindo e acompanhando.
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35. Com o tempo,
O menino Sucatinha,
Se tornou um artesão,
Pois, tudo o que catava,
Virava arte em suas mãos.
E passou a vender
Os Seus trabalhos.
Nas feiras e nas praças.
Alegrando a criançada
Que brincavam e sorriam,
Com seus brinquedos
de sucatas.
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