A reciclagem, a reparação e a reutilização de equipamentos elétricos e eletrónicos contribuem para minimizar os problemas ambientais e trazem ainda vantagens sociais e económicas para os consumidores. Veja como:
Floresta autoctone - A Natureza esta viva, Revista eco123, nº 20
Reutilização, Reparação e Reciclagem de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos, Jorge Moreira, O Instalador Nº 276 de abril 2019
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ELETRICIDADE E ELETRÓNICA
Reutilização, Reparação e
Reciclagem de Equipamentos
Elétricos e Eletrónicos
Texto e Fotos_Jorge Moreira [Ambientalista e Investigador]
A ciência é, portanto, uma perversão de si mesma,
a menos que tenha como fim último, melhorar a humanidade.
para comunicarmos com outra pessoa. Podemos gravar
‘eternamente’ momentos especiais da vida e revisitá-los na
nostalgia da felicidade, ou partilhá-los com os nossos ami-
gos virtuais. Podemos até prolongar a nossa vida com um
simples pacemaker.
Os equipamentos elétricos e eletrónicos dão-nos tudo isso
de uma forma supostamente limpa e eficaz. A palavra ‘supos-
tamente’ refere-se à outra face menos percetível do impacto
ambiental e social patente em todo o ciclo de vida desses
equipamentos. Desde a procura e extração de elementos
na Natureza, passando pela produção, transporte, armaze-
namento, venda, utilização e deposição/desmantelamento,
assim como todo a energia, que cada etapa consome e do
O desenvolvimento tecnológico trouxe uma enorme
quantidade de equipamentos elétricos e eletrónicos para as
nossas vidas, com o intuito de facilitar o trabalho, ampliar
competências, auxiliar nas perceções, medir diversas unida-
des, aumentar a eficiência de tarefas, ajudar no diagnóstico
e tratamento de doenças, encurtar distâncias e tempos,
proporcionar prazer, climatizar e purificar espaços e até
substituir certos elementos no nosso corpo ou ajudar a
identificar e tratar focos de poluição. Ver um bom filme ou
ouvir uma orquestra sinfónica é possível a qualquer hora e no
conforto do lar.
Já não necessitamos de procurar por lenha para cozinhar,
usar salgadeiras para conservar ou andar distâncias enormes
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ELETRICIDADE E ELETRÓNICA
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Equipamentos Elétricos e Eletrónicos
(EEE)
Os EEE são todos os equipamentos que dependem da
corrente elétrica ou de campos eletromagnéticos para fun-
cionarem, assim como geradores e equipamentos de trans-
ferência e medição dessas correntes e campos. Por motivos
normativos, estabeleceu-se que a classificação como EEE
utilizam uma tensão não superior a 1000V para uma corrente
alternada e 1500V para contínua.
Até agosto do ano passado, a classificação dos EEE estava
consignada por 10 categorias. A partir do dia 15 de agosto de
2018, o Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, que
transpõe para a legislação nacional a Directiva n.º 2006/66/
CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Setem-
bro, organiza os EEE em 6 categorias:
1. Equipamentos de regulação da temperatura;
2. Ecrãs, monitores e equipamentos com ecrãs de superfí-
cie superior a 100 cm2
;
3. Lâmpadas;
4. Equipamentos de grandes dimensões (qualquer di-
mensão externa superior a 50 cm), com exceção dos
equipamentos das categorias 1, 2 e 3;
5. Equipamentos de pequenas dimensões (nenhuma
dimensão externa superior a 50 cm), com exceção dos
equipamentos abrangidos pelas categorias 1, 2, 3 e 6;
trabalho, que muitas vezes ronda a escravidão e a idade
escolar, nomeadamente nos locais de extração e produção.
Paralelamente, a economia vigente ganha com o lançamen-
to ininterrupto de novos modelos no mercado, que pouco
ou nada acrescentam, do que a ilusão de algo novo. Para
alimentar todo o sistema de consumo, os produtores criam
mecanismos de obsolescência programada, para limitar/
reduzir o tempo e as características dos equipamentos,
obrigando os consumidores a adquirirem novos produtos
equivalentes e descartar os ‘velhos’. Algumas vezes, a
compra de um determinado equipamento acaba por ser uma
farsa, porque o produtor, com as novas tecnologias ligadas
em rede, tem sempre controlo do aparelho, conseguindo
manipulá-lo remotamente para, por exemplo, incutir lentidão
ou incompatibilidades diversas, como no caso dos computa-
dores portáteis, smartphones, impressoras, etc., obrigando o
dono, desesperado com a perda das características iniciais
do equipamento, a abandoná-lo para comprar um novo.
Este ciclo esgota os recursos naturais, necessita de imensa
energia e de locais próprios para abandonar os aparelhos,
com a agravante de muitos deles conterem produtos alta-
mente nocivos para o Ambiente. É precisamente sobre esta
última etapa que nos vamos centrar – a possibilidade de
prolongar a vida dos equipamentos e a reciclagem, quando
efetivamente chegam ao fim de vida, tentando inverter, na
medida do possível, o ciclo consumista, e minorando o im-
pacto que estes equipamentos acarretam para o Ambiente.
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· Entregar no local da compra de um novo equipamento,
desde que este seja de características equivalentes;
· Depositar os REEE de pequena dimensão (inferior a
25cm) nas lojas retalhistas com áreas de venda superio-
res a 400m2
(sem a obrigatoriedade de adquirir um novo
equipamento);
· Depositar nos ‘pontos electrão’, ‘depositrões’ ou locais
análogos, e em campanhas específicas nas Escolas ou
Associações de Bombeiros;
· Depositar nas instalações de recolha seletiva pertencen-
tes às redes das entidades gestoras atualmente licencia-
das para o efeito - Amb3E, ERP Portugal e WEEECYCLE).
Alternativas e Técnicas Sustentáveis
Para minorar o problema dos resíduos, da delapidação
dos recursos naturais e do consumo, a solução passa
muitas vezes pela reparação do equipamento e sua reu-
tilização total ou parcial (componentes em bom estado
de funcionamento). Por exemplo, um TV LCD pode ser
constituído por vários componentes, e.g. painel screen,
motherboard, fonte de alimentação, placa t-con, inverter ou
led driver. Certamente que alguns modelos trazem certos
componentes integrados numa ou mais placas eletrónicas,
mas no básico são constituídos por estes elementos se-
parados. Quando um painel é partido ou fica danificado,
6. Equipamentos informáticos e de telecomunicações
de pequenas dimensões (nenhuma dimensão externa
superior a 50 cm).
Reciclagem de Equipamentos Elétricos
e Eletrónicos (REEE)
Quando uma máquina de lavar, um frigorífico, uma
televisão, uma lâmpada ou uma varinha mágica deixa de
funcionar, estamos perante um aparelho que precisa de ser
reparado ou reciclado. No segundo caso, que serve tam-
bém para quando já não necessitamos ou não queremos
um determinado aparelho e precisamos nos libertar dele,
estamos perante um REEE - um fluxo específico de resíduos
de equipamentos elétricos e eletrónicos. Por conseguinte,
o REEE refere-se aos EEE acima descritos, que o detentor
se desfaz ou pretende se desfazer, incluindo todos os
componentes e consumíveis que fazem parte integrante do
equipamento no momento em que este é descartado.
A legislação que regula o fluxo de REEE atribui a res-
ponsabilidade de gestão do resíduo ao produtor, quando
este atinge o final de vida, podendo ser assumida a título
individual ou transferida para um sistema integrado.
O detentor particular que pretenda desfazer-se de algum
REEE, deve remeter para um local de recolha de REEE pelas
seguintes vias gratuitas:
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ELETRICIDADE E ELETRÓNICA
mais baixo, e o ambiente – que vê alguns
componentes estenderem o seu ciclo de
vida. Dada a quantidade de aparelhos, a
volatilidade de modelos e os interesses
dos produtores, algumas vezes já não
se consegue encontrar componentes
originais de substituição para reparar
um determinado aparelho, e a solução
passa também e muitas das vezes, por
utilizar componentes usados na repara-
ção. O mesmo se passa para outro tipo
de equipamentos, que ainda possuam
elementos em bom estado que possam
ser reutilizados. Na Internet existem vá-
rias plataformas onde se pode comprar
e vender alguns componentes usados
por e para profissionais ou particulares
que desejam fazer a reparação dos
seus equipamentos. Contudo, chamo
a atenção que os EEE funcionam com
energia elétrica, e mesmo desligados da
corrente, podem ser perigosos. Por esse
motivo, se não tiver noções de reparação
de EEE pense sempre em recorrer a um
profissional da sua confiança.
Cafés Conserto
A reciclagem e a reutilização de com-
ponentes de REEE pode ser ainda uma
fonte de peças para os Repair Cafés,
também conhecidos por Cafés Conserto,
Inspirados pela Repair Café Foundation.
São projetos voluntários, muitas vezes
com caráter itinerante, onde se promove
o espírito de comunidade, entreajuda e
partilha de conhecimentos de reparação
e restauro de EEE, assim como de mobi-
liário, bicicletas, vestuário e certos dispo-
sitivos mecânicos. Nos Repair Cafés, os
voluntários, que normalmente possuem
conhecimentos técnicos ou são artesãos
locais, incentivam e ajudam as pessoas a
reparar o seu próprio equipamento ou a
restaurar outros bens, de forma gratuita,
no sentido de uma verdadeira economia
circular.
Estes centros não pretendem substituir
os profissionais da área. Pelo contrário.A
sua intenção é estimular a reparação e a
reutilização como práticas efetivas das
pessoas no seu dia-a-dia e ajudar os
mais desfavorecidos.
componentes se encontrem avariados (e
sem reparação) e ainda a um custo mais
baixo. Todos ficam a ganhar, o dono do
aparelho inutilizado – que vendeu as
placas, a oficina de reparações – que
consegue reparar a um custo acessível,
o detentor do aparelho avariado – que
manda reparar o equipamento a custo
normalmente não compensa a reparação
do TV, face ao valor do componente de
substituição, mas os outros componen-
tes (motherboard, fonte de alimentação,
etc.) estão a funcionar perfeitamente
e podem ser recolhidos e reutilizados
em reparações de outros equipa-
mentos equivalentes, em que esses
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REEE para reutilização, a fim de serem doados a escolas,
creches e outras instituições. A Espanha e a Valónia (Bél-
gica) estabeleceram metas para a reutilização.
Um dos grandes problemas para os reparadores é a
falta de informação técnica e o acesso a peças originais
de substituição. Alguns produtores utilizam firmware nos
equipamentos, sem os disponibilizar aos reparadores
não oficiais da marca, dificultando a sua assistência, pelo
menos a preços mais acessíveis. Da mesma forma, há
marcas que não fornecem peças de substituição fora da
sua rede, e muitas vezes, nem dentro da rede. Modelos
são lançados no mercado, e após o término da garantia,
já não podem ser reparados por falta de material. Da
mesma forma, muitos EEE de consumo são lançados com
obsolescência programada, para avariarem pouco tempo
depois da garantia terminar. Embora existam leis que proí-
bam todas essas práticas, elas continuam a existir. Nesse
sentido, a França obriga os produtores a garantir a disponi-
bilidade de peças sobressalentes por determinado tempo
de vida e a disponibilizar informações sobre a reparação. O
Reino Unido lançou orientações para ajudar os designers e
produtores a desenvolver produtos que durem mais e têm
menos impacto ambiental. Na Áustria, foi elaborado um
selo sustentável para equipamentos elétricos e eletrónicos
de longa vida útil é fáceis de reparar. O rótulo ecológico
alemão Blue Angel é atribuído a produtos ecológicos e
serviços e encerra alguns EEE.
Outras medidas têm sido tomadas para recompensar ou
penalizar os produtores em relação a fatores como o eco-
design, reduzindo ou elevando a participação ecológica.
Exemplos de políticas sustentáveis
Para além dos Cafés Conserto, a possibilidade de existir
espaços onde as pessoas possam doar EEE indesejados,
pode ser uma alternativa ecológica e social muito útil. Este
tipo de locais já existem, por exemplo na República Checa,
onde os consumidores são incentivados a oferecer EEE,
que são posteriormente submetidos a reparação e testes
para garantir o seu uso em segurança, e encaminhados
para instituições de solidariedade parceiras. Em Inglaterra
existe apoio para a reutilização de EEE recolhidos nos cen-
tros de REEE. Na Flandres, com a ajuda dos municípios,
os REEE são separados entre reutilizável e não reutilizável,
sendo os primeiros submetidos a reparação e posterior-
mente colocados à venda por valores acessíveis. O Plano
Sectorial Municipal do País de Gales encerra a criação
de uma rede de reutilização e preparação de REEE. A
Áustria, além de reutilizar os REEE e encaminhá-los para
pessoas socialmente vulneráveis, criou um serviço barato
de reparação dos EEE, que também melhora a eficiência
energética desse aparelhos. A Suécia tem incentivos à
reparação de EEE, com a possibilidade dos detentores do
aparelhos puderem ter o reembolso de taxas, que repre-
sentam metade do custo do serviço. Para além disso, a
Suécia reduziu os impostos para as pessoas que prestem
serviços de reparação, para diminuir substancialmente o
custo das reparações. Na França a ‘Lei de Hamon’ integra
empresas sociais e ONG na preparação para a reutilização
de REEE. Na Roménia, a ONG Ateliere Fara Frontiere ofe-
rece trabalho para pessoas desempregadas que preparam
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ELETRICIDADE E ELETRÓNICA
A França fixou taxas de ecoparticipação
com base em critérios de fabricação
normais e ambiciosos. A Suécia im-
plementou uma lei que cobra impostos
sobre substâncias químicas nocivas em
produtos eletrónicos.
Muitas destas políticas poderiam ser
pensadas e aplicadas em Portugal e
noutros países. Para tal fim, seria im-
portante criar nos pontos de recolha de
REEE, espaços próprios para separar os
equipamentos que possam ser total ou
parcialmente reutilizados e apoiar o esta-
belecimento de uma rede de recolha, re-
paração e preparação para a reutilização
desses REEE. Muitos poderiam reentrar
no mercado nacional ou internacional
a preços acessíveis ou distribuídos em
economias solidárias. No caso da reuti-
lização de componentes, estes deveriam
integrar uma base de dados disponível
aos reparadores, para que possam utili-
zar essas peças nas suas assistências.
O que podemos também
fazer
Os EEE são bens que podem ser utili-
zados para benefício da Humanidade e
até do Planeta. O problema é que a vida
moderna depende cada vez mais deles e
por esse motivo assiste-se a uma cres-
cente procura e a um aliciamento cons-
tante por novos produtos que a indústria
disponibiliza, especialmente os EEE de
consumo, que comprometem a susten-
tabilidade dos recursos e acrescentam
problemas ambientais. A reciclagem,
reparação e reutilização são soluções
ecológicas, com vantagens sociais e
económicas para os consumidores. Mas
é necessário olhar para estes equipamen-
tos como objetos úteis e não como meio
para exaltar a posse e o ego. Descartar
um equipamento que ainda funciona
perfeitamente por um novo, que pouco
ou nada acrescenta, não traz qualquer
vantagem. Muitas vezes, acrescentar
um pequeno módulo barato, é suficiente
para atualizar o sistema. Por exemplo,
colocar uma box com sistema android
num tv tradicional, transforma-o numa
smart tv com acesso aos conteúdos
online, sem necessitar de deitar fora o
antigo equipamento e comprar um novo.
Quando um EEE se avaria, normalmente
ele pode ser reparado a preços muito
inferiores comparativamente à aquisição
de um novo. Se tivermos dúvidas, deve-
mos pedir um orçamento de reparação
num centro de assistência técnica local
e ver se compensa. Não devemos ficar
reféns do consumo constante deste tipo
de equipamentos que têm um impacto
enorme no Ambiente e até na nossa saú-
de mental. Eles são úteis, mas também
podemos ficar aprisionados no seu mun-
do e não conseguirmos ver o mundo real
que todos os dias e todas noites clama
por nós. Sejamos mais conscientes!