LITERATURA E REDES SOCIAIS: UMA CONVIVÊNCIA HARMONIOSA
1. II Fórum Internacional de Educação do Mercosul
LITERATURA E REDES SOCIAIS:
UMA CONVIVÊNCIA HARMONIOSA
Angélica Mothé, Carla Cardoso Silva, Daniella Costantini,
Evandro Bolsoni, João Ventura, Joyce Vieira –
Grupo Ciber Redes – ciber.redes@gmail.com
Orientador: Prof. Dr. Carlos Henrique M. de Souza
chmsouza@uenf.br
Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF - CCH - Pós-Graduação em Cognição e Linguagem
INTRODUÇÃO TWITTER: REDE DE LEITURA
A relação entre literatura e ciberespaço está cada vez mais presente na educação. Com pouco A pesquisadora Raquel Recuero (2009) define sites de redes sociais como uma conseqüência da
mais de uma década, em uso de forma mais ampla no país, a Internet já ocupa um importante apropriação “das ferramentas de comunicação mediada pelo computador pelos atores sociais (...) toda
espaço no âmbito cultural da sociedade, e também como suporte para a leitura e aquisição de a ferramenta que for utilizada de modo a permitir que se expressem as redes sociais suportadas por
conhecimento. Em meio a blogs, microblogs, Facebook, Orkut, as redes sociais na Internet se elas”, (RECUERO, 2009, p.102).
consolidam, de forma contínua e crescente, como novos espaços para a criação de narrativas e Uma pesquisa divulgada pelo IBOPE Inteligência em 2008 anunciou o Brasil como o país que possui
difusão de conhecimentos. Entre fluxos de pensamentos à atualização da palavra, as histórias a maior taxa de participação em comunidades on-line: 78,4%, estando o país à frente do Japão (73,7%)
têm continuidade e vão tomando formas diferentes das tradicionais como as impressas em e França (62,9%). Foram entrevistados também 14 gestores de Marketing e Comunicação de diversas
livros, em novos meios e propriedades. empresas. Segundo o estudo, já são 40 milhões de brasileiros freqüentando a internet, onde 64% deles
A definição de literatura não é exata, visto que ela muda de tempos em tempos. Com isso, participam de sites de comunidades e 13% criam ou atualizam blogs.
“podemos abandonar, de uma vez por todas, a ilusão de que a categoria ‘literatura’ é ‘objetiva’, Nota-se, portanto, um avanço cada vez maior nesta utilização, que é constatada por Recuero (2004)
no sentido de ser eterna e imutável”, (EAGLETON, 2001, p. 14). É propício o momento atual por meio do fenômeno dos blogs, surgidos, inicialmente, com a proposta de servirem como filtros de
para que o professor utilize a ferramenta de forma adequada e ao seu favor, aproveitando a conteúdo na Internet. O Twitter se destaca entra tantas redes sociais oferecidas pela Internet. Trata-se
agilidade promovida pela interação entre os indivíduos que pode ser utilizadas, inclusive, na de um serviço global de mensagens rápidas, assim como os torpedos de telefones celulares, só que, na
criação de obras literárias coletivas, por exemplo. Destaca-se, para este artigo, a utilização do Internet, como um blog, onde os participantes postam as informações respondendo a uma pergunta
microblog Twitter, serviço que vem alcançando um bom número de pessoas no Brasil e no básica: “What are you doing?” (O que você está fazendo?). O serviço de troca de mensagens foi criado
mundo e que possibilitou a criação de um novo conceito para o fazer literário: a Twitteratura em 2006 por Jack Dorsey, Biz Stone e Evan Williams, e foi “descoberto” pelos internautas,
(Twitter + Literatura), questão que remete a algumas abordagens. Escritores (emissores) e principalmente pelos brasileiros, em 2008, (SILVA E VENTURA, 2009).
leitores (receptores) se adaptam ao ciberespaço, se adequam à nova mídia, já que a arte literária Essas mensagens curtas, constantemente enviadas, são também chamadas de tweets ou piados (está
deve “procurar espaços criadores até então desconhecidos, latitudes ainda não percorridas”, aí a explicação para o nome e do símbolo do serviço, um pássaro). As mensagens postadas são
(PORTELLA, 1973, p.94). observadas por todos os ‘seguidores’, pessoas que acompanham o cotidiano do emissor da informação
– sejam elas de seu convívio social, ou desconhecidas. O cadastro para receber atualizações de um
usuário é aberto a qualquer outro. Quem se cadastrar no espaço vai ficar informado de todos os passos
do twitteiro. São milhares de seguidores atentos às informações postadas a todos os momentos, numa
OBJETIVO E METODOLOGIA comunicação rápida e contínua.
Este trabalho tem como objetivo discutir a conexão entre literatura, cibercultura e
ciberespaço, palavras tão faladas na contemporaneidade, e sua utilização como ferramenta para UM ROMANCE EM REDE
produção de conhecimento e incentivo à leitura na sala de aula. Pretende-se, ainda, com esta
pesquisa, identificar uma forma de sugestão para que aulas apresentem mais dinamismo com a
utilização das redes sociais da Internet, por meio de uma pesquisa bibliográfica e observações no O escritor Cláudio Soares acredita que no futuro (já não tão distante assim), será possível criar e
espaço das redes. Foi realizada, ainda, uma entrevista com o escritor Cláudio Soares, que, no interagir com uma história “não apenas através do livro de papel, mas através de vários formatos e
Brasil, foi reconhecido como o primeiro escritor a escrever um romance no Twitter, tornando-se idiomas. O romance será uma experiência sinestésica”. A previsão mantém um motivo especial. Autor
um dos precursores na criação de literatura utilizando o microblog. No ano passado, ele do romance ‘Santos Dumont Número 8 – o livro das superstições’, Cláudio foi reconhecido como o
reescreveu, na rede social, o romance “Santos Dumont Número 8 – o livro das superstições”, primeiro escritor brasileiro a escrever um romance pelo Twitter e, um projeto literário que se mantém
obra de sua autoria, publicada de forma tradicional, em papel, em 2006. A idéia é, com a em constante atualização.
continuação desse estudo, incentivar a prática em sala de aula, principalmente em meio a ‘Santos Dumont Número 8...’ conta a história de um cientista que numera suas invenções com o
professores de literatura, para levar mais dinâmica ao ensino. nome do aviador brasileiro, mas recusa o número oito. E é esse mistério que envolve toda a trama. Para
concretizar seu objetivo, o autor criou perfis de oito personagens e é por meio destes que a história vai
sendo recontada, com as inserções feitas por quem os segue no Twitter: mais de 1.600 perfis. Segundo o
DESENVOLVIMENTO autor, o livro impresso já usava a idéia do hipertexto, e oferecia alternativas aos leitores de ser lido
seqüencialmente ou em trechos não-seqüenciais. Por meio do Twitter, é possível “ouvir” as observações
A facilidade de mobilidade no tempo e espaço do texto destaca-se nesse contexto. A narrativa, do leitor que, ao apropriar-se da rede, acaba fazendo parte da história e esta interação rende novos
desta forma, pode ser lida em qualquer lugar do mundo, a qualquer hora. Como aponta Lévy contornos ao livro.
(1996), os “dispositivos hipertextuais nas redes digitais desterritorializaram o texto. Fizeram Nesta experiência, que teve início em março deste ano, Soares busca descobrir novas
emergir um texto sem fronteiras nítidas, sem interioridade definível”, (LÉVY, 1996, p.48). Para o possibilidades para sair de uma certa clausura que pode ser imposta por dogmáticos, conforme o
pesquisador, o texto é uma entidade virtual e abstrata que atualiza-se por meio da leitura e que, ao próprio autor explica durante entrevista concedida aos autores: “(...) que tipo de texto (literário)
interpretá-lo, “aqui e agora”, o leitor leva adiante uma cascata de atualizações (LÉVY, 1996, p.35). poderia (ou deveria) ser representado no Twitter? Penso que todos, se não formos tão supersticiosos
O autor diz que o texto é repleto de vazios que estimulam o desdobrar de seus múltiplos sentidos e como certos autores (dogmáticos) que só enxergam a limitação dos 140 caracteres. Eu, particularmente,
assim, “a interpretação comporta uma parte não eliminável de criação”, (LÉVY, 1996, p.41). vejo para além do empacotamento de uma narrativa curta em 140 caracteres, a possibilidade do texto
Como bem definido por Roland Barthes (2004) “o texto é um espaço de dimensões múltiplas, em rede, da narrativa fragmentada, distribuída, integrando texto, som, vídeo, etc. (...). Uma narrativa
onde se casam e se contestam escrituras variadas... O texto é um tecido de citações”, (BARTHES, na internet não precisa ser limitada a um único formato pré-definido pelo autor, mas pode ser
2004, p.62). Esse é o espaço onde várias vozes dialogam, onde autor e leitor se encontram e juntos, configurável pelo leitor, de acordo com suas próprias necessidades e vontades”.
tecem os sentidos literários dessa produção. No Twitter, Soares desdobra seu texto em pequenos fragmentos, mas outros trechos da história
A pesquisadora Cinthya C. Santos observa que, por meio das ligações hipertextuais, a também são publicados com anexos de vídeo e música, além da própria conversa com leitores, em
literatura passou, portanto, por muitas modificações. Desde a do estatuto do leitor, “já que toda outras redes sociais, incluindo uma rádio no blip.fm e um canal no youtube.com. Em outros endereços,
leitura na internet é também uma edição, uma montagem singular, em que o leitor participa cujos links podem ser facilmente encontrados no microblog, é possível encontrar resumos de capítulos
ativamente selecionando tópicos e navegando de acordo com suas escolhas, em uma seqüência inteiros, com traduções para inglês, espanhol e francês. O livro trata-se também de uma metaficção,
própria e única”, (SANTOS, 2003, p. 5), como a do próprio suporte em si, o suporte digital, que uma vez que o narrador está lendo a obra e tem a impressão de que a história lida está de fato
permite concatenação de discursos em uma rede articulada. acontecendo, demonstrando claramente essa possibilidade da atualização da leitura.
Estabelecem-se novos tipos de leitura e escritas coletivas, nos quais “um grande número de
pessoas anota, aumenta, comenta, conecta os textos uns aos outros por meio de ligações
hipertextuais em relação a outros corpus hipertextuais e instrumentos de auxílio à interpretação, o
que multiplica as ocasiões de produção de sentido e permite enriquecer a leitura. Os usuários, CONSIDERAÇÕES FINAIS
tradicionalmente passivos, tornam-se parte ativa de um processo de construção de discursos, na
elaboração de uma tessitura polifônica”, (SANTOS, 2003, p.5). Partindo desses pressupostos, podemos considerar ainda que, em meio às novas formas de
representação e significação, a literatura se vê frente a novas possibilidades. O exemplo do escritor
Cláudio Soares pode ser adequado e levado às salas de aulas, e tornar-se ferramenta de ensino não
REFERÊNCIAS apenas na disciplina de literatutura, como foi sugerido a princípio, mas a muitas outras matérias
curriculares: geografia, línguas, matemática, e outras. A Twitteratura mostra-se apenas uma destas
BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma possibilidades. Contudo, a mediação eletrônica, longe de ser um fantasma a assombrar o futuro da
introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2001. arte literária, torna-se um suporte de mecanismos inovadores de produção artística, pautados na
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Editora 34, 1999
___________ O que é o virtual? São Paulo. Editora 34, 1996. mobilidade, na imaterialização, na instantaneidade e na interatividade, tendo autores e leitores como
PARENTE, André. O Virtual e o Hipertextual. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999. protagonistas da mesma história. O assunto não esgota-se nessa sugestão, mas é tema de estudo e
PORTELLA, Eduardo. Teoria da comunicação literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973. pode render ainda muitos outros trabalhos.
RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Coleção Cibercultura. Porto Alegre. Sulina. 2009.
________________. Webrings: As Redes de Sociabilidade e os Weblogs - Artigo publicado na revista Sessões do Imaginário, da
Famecos/PUCRS, edição 11, em 2004.
SANTOS, Cinthya Costa. Literatura Digital: Intertexto, Intratexto E Hipertexto. Disponível no site:
http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/encontro.
SILVA, Carla Cardoso e João Ventura. “O ‘eu’ no Twitter – a autobiografia no microblog”. Artigo apresentado no III
Simpósio Nacional da ABCiber, disponível em:
http://www.abciber.com.br/simposio2009/trabalhos/anais/pdf/artigos/2_entretenimento/eixo2_art7.pdf. Acesso em 31.05.2010.
SOUZA, Carlos Henrique Medeiros e Maria Lúcia Moreira Gomes. Educação e Ciberespaço. Brasília. Editora Usina de Letras,
2009.
SOUZA, C.H.M. Comunicação, Educação e Novas Tecnologias. Campos dos Goyataczes, Ed. FAFIC-Grafimax, 2003.