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CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
Tenho há bastante tempo uma grande admiração pela Comunidade Vida e Paz (CVP). Em boa
hora, a nossa estrutura – Distrital de Lisboa da JSD – decidiu contactar, convidar e encetar uma
parceria com esta (vossa) nobre instituição.
Para nós, essa é a essência mais nobre da política: trabalhar com todos os atores sociais para o
bem comum, cada um na sua área de intervenção e saber. Acreditamos que a realização de
grandes coisas não depende, apenas, da possibilidade de as fazer, depende da vontade de as
fazer. Acreditamos no valor das comunidades, nos projetos que a sociedade nas suas múltiplas
formas de organização e associação desenvolve para um coletivo mais justo, desenvolvido e
coeso.
Começámos em 2016, a 19 de Dezembro, quando organizámos uma tertúlia sobre “a falta de
um tecto” e convidámos a Comunidade Vida e Paz para partilhar connosco a sua experiência na
relação com pessoas em situação de sem-abrigo. A 20 de Fevereiro de 2018, estabelecemos
uma parceira inédita – uma juventude partidária e uma organização de cariz social – juntas a
agir, a ajudar, a construir uma comunidade melhor.
A iniciativa BORA – Busca Organizada de Roupa e Alimentos – tem continuado de forma ininter-
rupta, com entregas de bens por nós recolhidos à CVP.
Recentemente, a 25 e 27 de Fevereiro de 2019, vários membros da JSD Distrital de Lisboa
participaram nas ações de rua com as equipas da CVP. Uma experiência que todos deviam ter,
nem que fosse uma vez na vida. Uma experiência – quase que obrigatória – para quem, como
nós, tem intervenção cívica e política.
Não pelo ato solidário e gesto humanista em si, mas pelo seu significado, pelo que aprendemos
a falar com as pessoas que estão na rua, pelo impacto que depreendemos das respostas sociais
– como esta da CVP – na vida concreta de centenas de pessoas, de cada uma daquelas pessoas.
Conhecemos, aprendemos, ganhámos perceção. Não esqueceremos.
Este documento é também a manifestação da nossa vontade em continuar a batalhar por este
tema. Defendemos em Junho de 2018, no documento programático “Mais Cidadania, Melhor
Sociedade” a visão de “Sem-abrigo? Um novo paradigma já!”, pela resolução desta crise social
nos próximos anos, cumprindo a missão coletiva de um Portugal desenvolvido e coeso.
COMUNIDADE VIDA E PAZ
UM EXEMPLO DE CIDADANIA ATIVA
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
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Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
Reproduzimos essas nossas considerações e ideias neste documento porque queremos trans-
mitir à Comunidade Vida e Paz e à sociedade que não desistiremos desta luta. Obrigado por nos
fazerem acreditar. Vamos continuar convosco!
Alexandre Poço
Presidente da JSD Distrital de Lisboa
Não há sem abrigo. Há pessoas. A experiência que a Comunidade Vida e Paz (CVP) me propor-
cionou de participar numa volta pelas ruas de Lisboa para levar alimentos às pessoas em
situação de sem abrigo, foi o verbo feito ação. Foi a concretização da frase “nem só de Pão vive
o Homem”. Nada daquilo que os voluntários da CVP fazem tem a ver com o pão, o leite ou os
sumos que se entregam às pessoas. Tem tudo a ver com o estabelecimento de relações de
confiança entre pessoas, com a partilha de experiências, e uma mensagem de esperança. Os
voluntários da CVP são como anjos noturnos, que utilizam o pão como “desbloqueador”
daquela conversa que poderá mudar a vida daquela pessoa. Participei numa volta de
distribuição de alimentos, e percebi que a sua verdadeira utilidade é a sinalização para a volta
técnica. Com base nesta relação de confiança, a CVP procura depois na volta técnica encontrar
as pessoas em situação de sem abrigo sinalizadas e procurar com elas, soluções para a sua vida.
Acabei por regressar à CVP para mais uma volta. Procurei por uma senhora que tinha conhecido
na rua, a “L”. Foi com alegria que percebi, a “L” não estava mais ali porque a CVP já a tinha conse-
guido levar para uma comunidade terapêutica para tratar da sua dependência do álcool.
Torna-se exigente pôr por palavras o que senti e o que sinto. Além de gratidão pelo trabalho
desenvolvido pela CVP em prol da dignidade Humana, um enorme sentimento de esperança. E
esse sentimento não floresce apenas dos voluntários, mas de cada pessoa com quem me
cruzei. Um senhor que também conheci na rua, o “D”, disse-se: “Ei, não te esqueças do meu
amigo, ele ainda não chegou, mas vai dormir aqui, deixa aí um saco com comida também para
ele”. Pois é. Não nos podemos esquecer de quem está ou estará aqui ao lado, a partilhar este
mundo connosco. Obrigada Comunidade Vida e Paz!
Raquel Baptista Leite
TESTEMUNHOS
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
A experiência de uma volta com a Comunidade Vida e Paz abriu-me os olhos para uma reali-
dade que, apesar de muito próxima, é incrivelmente distante. Ou seja, embora as pessoas em
situação de sem abrigo convivam connosco no dia-a-dia nos mesmo locais por onde passamos
ou vivemos, é como se vivessem ocultas. Foi para mim um espanto encontrar tantas pessoas
nesta situação na zona de Alvalade, onde vivi durante 2 anos sem me aperceber desta proximi-
dade. Esta consciencialização é particularmente importante para nós, jovens, pelo confronto
com a situação de privilégio na qual felizmente vivemos.
A partir da noite que passei com a Comunidade Vida e Paz ganhei também consciência do
efeito da droga na vida de tantas dezenas de pessoas que encontrámos; creio que, na maioria
dos casos que encontrei, a droga foi ou passou a ser um fator determinante para a situação
atual das pessoas que encontrámos na rua. Outra questão para a qual ganhei consciência foi a
importância do acompanhamento das pessoas em situação de sem abrigo no que diz respeito
ao tratamento de doença mental, também um fator determinante para muitos dos casos que
conheci. A atuação da Comunidade Vida e Paz procura identificar e acompanhar todos aqueles
que necessitam deste enquadramento para estabilizar a sua vida, sendo relevante o papel dos
assistentes sociais e psicólogos com quem também nos cruzámos. A procura de emprego é
também um desafio; conhecemos uma pessoa em situação de sem abrigo que relatou algu-
mas experiências em entrevistas de recrutamento, invariavelmente terminando em recusas
pelo facto de não ter uma morada para indicar ao potencial empregador. Encontrámos
também pessoas idosas que viviam na rua por não terem outra opção ou que procuravam lixo
na reciclagem para vender e complementar as pensões de sobrevivência diminutas que
tinham. Ganhei consciência de que, como comunidade, como Estado, não temos respostas
para os casos variados que referi.
Globalmente, tendo sido uma experiência dura e marcante, acredito que estou hoje mais
consciente do impacto da droga, da doença mental e do desemprego em vidas que outrora
não seriam tão diferentes da minha. Valorizo hoje muito mais as iniciativas de cidadania que
procuram minorar as dificuldades das vidas de todos aqueles que precisam de proteção. A
atuação da Comunidade Vida e Paz neste contexto é para mim um exemplo pela mobilização
regular, organizada e desinteressada de voluntários que, a pouco e pouco, ganham a confiança
daqueles que muitas vezes são desconfiados e reservados mas a quem se vislumbra um sorriso
por qualquer palavra amável. Não tenho a mínima dúvida de que a vida de tantas centenas de
pessoas é menos difícil por este contacto humano com a Comunidade Vida e Paz.
Mariana Coelho
Testemunhos 4/21
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
A volta com a Comunidade Vida e Paz, fez-me conhecer de perto a realidade diária das pessoas
em condição de sem abrigo. Pelo testemunho das várias pessoas com quem falei, identifiquei
que as principais razões de ali estarem, eram ou por serem estrangeiros que chegaram a Portu-
gal sem nada, portugueses que tinham regressado e que já não tinham onde ficar, pessoas
abandonadas pelos seus familiares que por algum motivo recusaram dar apoio e por último o
consumo de álcool e drogas.
Em Santa Engrácia, deparei-me com pessoas a viver em tendas, em que a única coisa que têm
é o que vão acumulando em pilhas nas proximidades de onde pernoitam.
Longe da zona das tendas, mais propriamente nas Arcadas do Museu Militar, junto à Estação de
Santa Apolónia, estavam a pernoitar 10 pessoas. Mesmo com muito pouco, reparei que essas
pessoas têm em si o espírito de entre ajuda. Unidos, tentam ultrapassar as adversidades que
esta condição lhes causa.
Estas pessoas são diariamente visitaras pelas equipas da Comunidade Vida e Paz e a proximi-
dade entre os voluntários e as pessoas com quem nos cruzávamos na rua é notória. As palavras
são sempre de esperança, muito além do apoio na alimentação.
Fiquei em reflexão... A todos pareceu-me ter sido oferecida a hipótese de saírem da rua e
apoios, no entanto por qualquer razão, muitos preferem ficar na rua. Afinal, há algum de mais
profundo nisto. Qual a origem? Como podemos atuar?
Todos temos o dever de ajudar. Senti que o bem mais valioso que carregava nessa noite, era a
palavra amiga.
Marcelo Santos
Testemunhos 5/21
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
Debruçando-me sobre todo o meu percurso de intervenção política, nenhuma outra atividade
me marcou tanto como a volta com a Comunidade Vida e Paz. No âmbito desta inesquecível
iniciativa da JSD Distrital de Lisboa, tive a oportunidade de conhecer duas realidades que em
nada se assemelham àquela que é a minha. em primeiro lugar, o contacto com pessoas sem
abrigo - maioria delas com o forte desejo de voltar a ter um teto, ao contrário daquilo que
pensava. Deixou-me sem palavras a felicidade com que as pessoas nos receberam, não só pela
simbólica sandes ou copo de leite, mas principalmente pela palavra de conforto que todos os
voluntários transportam. Fiquei chocado com os testemunhos de solidão, de rejeição da socie-
dade, de quem sofre com o facto de ser invisível para a restante sociedade, e para além da falta
de uma casa, sentirem falta de ter alguém que lhes retribua um “bom dia”. Ficará para todo o
sempre gravado na minha memória o Sr. Z, que confessou ter uns quantos cheques de RSI que
caducaram por falta de levantamento porque não precisa de dinheiro para nada, apenas precisa
de uma companhia com quem conversar. Este senhor passa o seu tempo a ouvir a sua telefonia
a pilhas, na tenda a que chama casa, e como gosta de ler, ocupa-se com os jornais gratuitos que
encontra espalhados pela cidade. Ficou também gravada a história de J e do seu sobrinho,
sem-abrigos de outra cidade distrito, que por passarem fome na sua terra natal, apanharam um
comboio e vieram para as ruas de Lisboa - ao menos aqui sabiam que tinham quem os apoiasse,
e ficaram surpresos quando nos viram pois confessaram que já achavam que naquele dia,
atenta a hora tardia, já ninguém ia aparecer, e ainda não haviam tomado qualquer refeição. Foi
a Santa Apolónia, ao local onde J tem o seu colchão, que passado uma semana voltei com a
minha namorada e levámos umas sandes e roupa que tínhamos acumulada. Ele lá estava no
mesmo sítio, com o seu sobrinho, e qual foi a minha surpresa quando me reconheceu, se
lembrou do meu nome e disse “Olha o Miguel! Não me digas que agora vais começar a
visitar-me todas as semanas?!”. O que responder a esta pergunta? E isto leva-me à segunda
realidade que também não é a minha: a força de quem, todos os dias, dispensa parte das suas
24h ao voluntariado, depois de um dia cheio de trabalho, mesmo que a lidar com problemas
profissionais, pessoais ou de saúde, porque sabe que fora daquela carrinha da CVP há uma
comunidade marginalizada que precisa do seu apoio. A todos, o meu muito obrigado por este
abrir de horizontes, um horizonte na esquina de cada prédio.
Miguel Henriques
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Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
A volta que fiz com a Comunidade Vida e Paz, foi sem dúvida uma experiência que me trouxe
um certo misto de emoções, sinto que naquelas cerca de 4 horas vivi muito mais do que
apenas “horas”. Não tinha noção da dimensão e importância da atuação da CVP no terreno, ao
longo da noite e de todas as paragens que foram sendo feitas, das expressões que mais ouvi foi
“olha a minha amiga/amiguinha”, percebia-se facilmente que para além dos alimentos, o que
as pessoas em condição de sem abrigo mais esperam destas equipas é a atenção e o sentimen-
to de serem aceites tal como são.
Enquanto estava pelo Parque das Nações, o “F” acompanhou-nos durante todo o nosso percur-
so sempre a dizer aos voluntários “vocês têm de vir ali ao fundo comigo conhecer o meu novo
espaço, e tenho lá o meu tio ele certamente também vos quer ver”, havia uma necessidade de
nos dar a conhecer o seu novo “cantinho”, de nos receber lá e de nos sentirmos sempre
bem-vindos em futuras visitas, e para o “F” isso era mais importante que os alimentos, pois até
se ia esquecendo de os levar com ele. Não pensei que o sentimento de partilha estivesse tão
presente, pois todos guardavam comida para os que não estavam presentes, ou dividiam entre
si alguns bens quando já estavam em menor quantidade.
Assisti a várias realidades, e escutei várias histórias ao longo da noite, algumas revoltantes
outras apenas infelizes, principalmente as que envolvem dependências. A verdade é que
houve um momento em que a ficha me caiu, quando fui entregar em mão a um senhor o saco
com os pães, e quando o observo, vestia-se da mesma forma que o meu pai, tinha um aspeto
cuidado, alguém que se passasse por mim na rua não desconfiaria se quer das condições em
que vive. Fixei-me uns segundos no relógio que trazia no seu pulso, pois não é comum ver um
sem-abrigo a usar um relógio, este foi o momento que mais mexeu com o meu psicológico sem
dúvida, apesar daquela situação estar distante da minha realidade ou da minha família, aquele
senhor podia ser o meu pai, foram várias as questões que me surgiram na altura, mas principal-
mente “como?”, Como é que alguém semelhante ao meu pai acaba a dormir na rua? Como é
que é possível um Estado não conseguir dar resposta a estas situações, aos seus cidadãos?
Como é que o ser humano pode tornar-se tão desumano ao ponto de conseguir diariamente
assistir de perto e ignorar tudo isto? E desde esta situação até ao fim da volta, o que mais vezes
me passou pela cabeça foi “podias ser tu”.
A Comunidade Vida e Paz para além das voltas noturnas que faz, e de todo o apoio que dá a
estas pessoas a nível de alimentação, roupa ou agasalhos, tem ainda várias respostas sociais às
suas necessidades, como casas e lares de reabilitação ou de desintoxicação. Apercebi-me em
Santa Apolónia que não é fácil para uma pessoa em condição de sem abrigo aceitar este tipo
de apoio, acreditar que inicialmente a melhor hipótese para uma mudança de vida deve
começar por agarrar esta oportunidade. Neste local presenciei um certo espírito de união, foi
um grupo de pessoas que gostei muito de conhecer por isso mesmo, o “J” mostrou-me uma
carteira de comprimidos que tirou às escondidas de um amigo que ali dorme mas que naquela
Testemunhos 7/21
noite não estava presente, explicou-me que o fez para o bem dele, pois a última vez que o viu a
consumir ficou completamente alterado quase em estado vegetal, como desconfiei um pouco
da situação questionei se podia deitar os comprimidos fora, e ele não hesitou em darmos para
a mão. O “J” contou-me um pouco do percurso de vida dele, este jovem de 31 anos, que é um
dos tais casos revoltantes que conheci, que teria tudo para dar certo mas por um histórico de
vício ao jogo da mãe e uma forte dependência às drogas do pai, lamentavelmente este jovem
sofreu as consequências dos atos da sua família, no entanto, o sorriso dificilmente saiu-lhe da
cara, e notou-se que tem esperança de que um dia vai voltar a ter a sua independência e uma
vida estável. Conclui que a pobreza extrema anda de mão dada com a ausência de auto-estima,
e assim mais rapidamente uma pessoa cai do que se levanta, e é por isso que é necessário que
a solidariedade em Portugal comece a ser verdadeiramente implementada na nossa socie-
dade, é imprescindível que pessoas nesta situação possam ser ouvidas com o intuito de perce-
ber as suas reais necessidades, sendo que acredito que este processo começa pela conscien-
cialização.
Marta Pinto
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
Testemunhos
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A experiência à CVP foi muito boa para perceber a forma como a comunidade trabalha no terre-
no. Mesmo já tendo tido algumas experiências de saídas aos sem abrigo, há uma grande
diferença naquilo que a comunidade faz e que as outras instituições não fazem: seguimento
das situações e um maior acompanhamento às pessoas que na rua "habitam". Tendo seguido
outras instituições que simplesmente se limitavam a entregar bens alimentares e roupa, repa-
rei que isso não e de todo suficiente. É preciso mais. Aqui, a equipa tem um trabalho constante
que permite identificar cada caso e conseguir fazer com que os "sem abrigo" possam recuperar
a vida que outrora tiveram. Na volta B cuja qual tive a oportunidade de seguir, encontrámos
pessoas habituais que cumprem uma determinada rota, e que já tem um grande afeto com os
elementos do grupo. Notou se claramente que há uma necessidade enorme de conversar, pois
a solidão é eminente. Alguns casos foram claros que não é fácil a interação derivado, muitas
vezes, à vergonha que estes seres humanos tal como nós, com sentimentos, têm quanto ao
facto de terem ido parar à rua. Muitas vezes por razões que lhes são impotentes. A CVP tendo
um trabalho constante, mesmo sendo ainda poucos os casos de recuperação efetiva pois
existe sempre a possibilidade de recaída, e este é sempre o caminho mais fácil. Consciencializar
cada vez mais todas as pessoas que têm uma vida dita "normal", é eminente, para que possa-
mos viver numa sociedade mais equilibrada e digna de viver.
Tiago Cardoso
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
Testemunhos
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A experiência que tenho tido com a Comunidade Vida e Paz (CVP) tem sido impressionante.
Tudo isto começa através de um protocolo inovador entre a JSD Distrital de Lisboa e a CVP,
chamada BORA, Busca Organizada de Roupa e Alimentos, assim como de uma conferência no
Mês da Cidadania acerca das pessoas em situação de sem-abrigo. Aos poucos fomos ganhando
cada vez mais consciência da importância de apoiar estas instituições e estas pessoas, até que
um dia a JSD Distrital de Lisboa entendeu participar na Volta da CVP. Não foi a minha primeira
vez, mas é sempre marcante viver momentos destes.
Ao longo do percurso durante a noite da volta, considero ter vivido 2 momentos marcantes,
que sem dúvida me fazem pensar o quão agradecidos devemos ser por tudo o que temos, mas
também a grandeza da responsabilidade que temos enquanto participantes na vida política
das nossas cidades, dos nossos distritos e do nosso país. Embora já tivesse passado várias vezes
pelo Saldanha aquela hora e até ter parado para observar, nunca me tinha deparado com a
existência daquela a que chamamos pobreza escondida e até envergonhada. Nesse momento
devo dizer que foi duro. Confrontar-me com dois jovens da minha idade que se dirigiram a mim,
muito a receio, tentando que não fossem vistos, com ótimo aspeto, apenas para pedir pão e
leite. Pão e leite! É admissível?! É admissível que em pleno séc. XXI tenhamos em Portugal
jovens que, com medo de serem vistos, tenham que pedir pão e leite às 22h para terem uma
refeição? Senti uma raiva dentro de mim... Óbvio que todos devemos fazer por combater isso,
independentemente das faltas de cada um. Por vezes temos o estigma e preconceito de que as
pessoas que são suportadas por estas instituições vêm de situações que as mesmas não foram
capazes de combater ou controlar, mas a realidade é diferente. E mesmo que não fosse, é nossa
responsabilidade fazer diferente. Não querendo politizar este testemunho, custa-me bastante
ver o nível de hipocrisia de quem tem responsabilidades políticas suficientes para resolver este
tipo de questões, mas ignora-as até ao dia em que podem trazer uns votinhos.
Já que surgiu esta questão dos votinhos, aproveito para abordar o segundo momento que me
marcou bastante. A certa altura encontramo-nos com um senhor em situação de sem-abrigo
que já era conhecido das voluntárias habituais da CVP e que nos traz uma bela surpresa. De
repente, sem ele fazer a mais pequena ideia da nossa filiação política, começa a imitar o Prof.
Aníbal Cavaco Silva, depois o Dr. Mário Soares e a seguir o General Ramalho Eanes... Facilmente
perceberão o “festival” que foi. Conversa puxa conversa e encontro a oportunidade de lhe
perguntar “porque raio estava ele ali...” ao que ele me responde que tinha sido ator durante
muitos anos e que a vida lhe foi pregando umas partidas. A descrição das experiências que teve,
dos palcos que pisou, dos atores com quem partilhou e as peças em que participou
deixaram-me novamente com uma angústia tremenda. Nem há bem pouco tempo surgiam
diversas notícias acerca da difícil vida dos atores portugueses, em especial dos que estão fora
da “televisão a três cores” (expressão de uma música de António Manuel Ribeiro). Isto
deixou-me a pensar. Não é que este senhor mostrasse algum desalento ou até tristeza, sem
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
Testemunhos
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dúvida notava-se uma vontade tremenda de atenção, mas é tão triste ver a falta de acompan-
hamento que damos aos nossos...
Rapidamente me lembrei da importância da noção de que um dia estamos em alta e outro em
baixa e vice-versa, assim como fui pensando que é aquilo que fazemos “em alta” que certa-
mente nos define. A nossa atitude e postura contribuem para a nossa capacidade de fazer face
às adversidades e sinto, infelizmente, que a maioria de nós se esquece de olhar à volta quando
estamos em “alta”, se é que me faço entender. Enchemos o peito e consideramo-nos os
maiores, pode até ser só da nossa rua, mas é o suficiente para esquecermo-nos de olhar à nossa
volta e ajudar aqueles que, por alguma razão que pouco importa, precisam naquele momento
de um apoio extra. Esse apoio extra vem em primeiro lugar do indivíduo, da capacidade de cada
um decidir ajudar o próximo livremente e depois virá da comunidade, porque um conjunto de
indivíduos capazes de agir e pensar assim, farão certamente uma comunidade mais forte,
capaz de resolver os problemas dos que dela fazem parte.
Se há testemunho que posso dar é a necessidade que estas pessoas que dormem na rua têm
face à nossa capacidade de não os ignorar enquanto elementos da sociedade portuguesa.
David Pereira de Castro
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Testemunhos
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Quando soube da oportunidade de fazer, por um dia, a volta com a Comunidade Vida e Paz não
hesitei. Para mim, que nunca tinha feito até então qualquer tipo de voluntariado, era final-
mente uma oportunidade nem que fosse por um dia de conseguir contribuir e contactar com
pessoas que, apesar de “viverem” perto de nós, têm uma realidade muito diferente da nossa.
Chegado o dia integrei a equipa que faz a volta B, onde iríamos percorrer as zonas do Saldanha,
parte do Marquês de Pombal e Avenida da Liberdade. Considerava que as conhecia bastante
bem como a “palma da mão”, principalmente a zona do Saldanha onde estudei durante alguns
anos, mas com o início da volta percebi que estava redondamente enganado. Ao contrário do
que pensava, a realidade daqueles locais que todos conhecemos como remodelados e como
sendo o centro económico-financeiro da cidade de Lisboa, é completamente distinta durante
a noite, sendo o local onde muitas pessoas dormem.
Foi nesse mesmo dia que percebi que o “trabalho” que a CVP faz nas suas voltas, e que eu iria
ter oportunidade de fazer naquele dia, era muito mais do que simplesmente entregar comida
às pessoas que vivem em condição de “sem abrigo”. A nossa atuação consistiria principal-
mente em conversar com as pessoas, perceber os motivos que as levaram a viver na rua e de
que forma as poderíamos ajudar a mudar o rumo da sua vida. Na maioria dos casos, o que mais
desejam é que alguém converse com elas, que lhes dê atenção e ter alguém com quem
possam partilhar os seus problemas e amarguras.
Esta oportunidade de fazer a volta com a Comunidade Vida e Paz deu-me uma noção clara de
que são estas instituições, com o seu empenho, vontade de ajudar e o seu acompanhamento
diário, que permitem que estas pessoas consigam, através do apoio que vão sentindo,
integrar-se na sociedade de forma progressiva e quem sabe, talvez um dia mais tarde, venham
a estar novamente completamente integradas na sociedade.
Rafael Alves
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
Testemunhos
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Foi com grande entusiasmo que voltei ao "trabalho de campo", numa volta da Comunidade
Vida e Paz. Foi impactante lidar com vários tipos de situações como a doença mental, prostitu-
ição ou adições, mas o que me casou mais choque foi o facto de um voluntário ter afirmado
que muitas das pessoas em situação de sem-abrigo que visitam se encontram no desemprego
há pouco tempo. Tentando abordar os maiores desafios que estas pessoas encontram para
reverter a sua situação, encontramos entraves na procura de trabalho dado muitos dos
"sem-abrigo" não terem contacto telefónico ou muitos não terem identificação. Foi com
agrado que soube que, além das "voltas" diárias de apoio, a Comunidade Vida e Paz faz voltas
de sinalização e está envolvida no trabalho de recuperação terapêutica e reintegração social
para conferir aos sem-abrigo o retorno a uma vida "normal". Relativamente ao "feedback" dos
voluntários, apercebi-me da falta de trabalho em rede, havendo alguma falta de comunicação
entre instituições que acabam por repetir o mesmo trabalho, existindo lacunas por preencher.
Foi-me igualmente reportado que por vezes o trabalho dos voluntários se torna demasiado
burocrático e um pouco extensivo para a grande maioria que acumula esta nobre missão com
o seu trabalho diário.
Pedro Colaço
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
Testemunhos
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25 de fevereiro de 2019
David Pereira de Castro, Alexandre Poço, Andreia Bernardo, Mariana Coelho, Marta Pinto e Marcelo Santos
27 de fevereiro de 2019
Raquel Baptista Leite, Pedro Colaço, Miguel Henriques, Rafael Alves e Tiago Cardoso
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CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
A análise e propostas que se seguem são provenientes do documento “Mais Cidadania, Melhor
Sociedade”, elaborado pelo Gabinete de Cidadania da JSD Distrital de Lisboa a junho de 2018.
***
O direito à habitação está consignado quer na Declaração Universal dos Direitos Humanos
(Art.º 25º, nº 1 – 1948), quer na Constituição da República Portuguesa (CRP) (Art.º 65º, nº1 –
1976), todavia, vários são os desafios contemporâneos que não permitem que esta possa ser
uma realidade para todos.
Deste modo, assumimos como sendo uma missão coletiva a de preconizar aquilo que está
vertido na CRP e, sobretudo, temos a obrigação de nos dedicar às causas que assolam uma
grande franja da nossa sociedade, nomeadamente, tomando como nossa prerrogativa a
integração de pessoas sem-abrigo. No início de 2018, existem atualmente cerca de 8 000
pessoas em situação sem-abrigo no nosso país.
A multidimensionalidade do fenómeno sem-abrigo está para além da questão habitacional
(inexistente ou inadequada), remetendo-nos também para a pobreza, para dificuldade ou
ausência de recursos para suprimir necessidades básicas, para a ausência de suporte social ou
até mesmo para aspetos referentes aos percursos individuais (como por exemplo, problemas
de saúde mental, consumo de substâncias, institucionalização na infância). Assim sendo, o
aumento do número de pessoas na condição sem-abrigo torna premente o desenvolvimento
e a promoção de estratégias de intervenção apropriadas e eficazes.
Em Portugal, a necessidade de estar consciente da existência do fenómeno da pessoa
sem-abrigo, o parco conhecimento atualizado sobre o mesmo, o reconhecimento da escassa
resposta ao problema (muito assente na falta de articulação entre as várias intervenções) e,
ainda, o evitar a duplicação/sobreposição de esforços, foram aspetos que – em paralelo com a
emergência deste fenómeno – potenciaram o desenvolvimento de uma Estratégia Nacional
para a Integração da Pessoa Sem-Abrigo 2009-2015 (ENIPSA).
A ENIPSA teve como objetivos (1) a criação de condições para que ninguém tivesse de perma-
necer na rua por falta de alternativas e (2) a criação de condições que garantissem a promoção
de autonomia através da mobilização de todos os recursos disponíveis de acordo com o diag-
SEM-ABRIGO?
UM NOVO PARADIGMA JÁ!
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
gnostico e as necessidades individuais, com vista ao exercício pleno da cidadania (ENIPSA,
2009). À luz desta estratégia, a definição conceptual de sem-abrigo assenta na perspetiva mais
percetível da situação, remetendo para a ausência ou inadequabilidade da habitação, indepen-
dentemente das características individuais da pessoa (ENIPSA, 2009).
Por conseguinte, esta estratégia, revelou-se como um bom “pontapé de saída” para que
entidades públicas e privadas trabalhassem de modo articulado visando atingir os objetivos
supramencionados, o que permitiu, por exemplo, uma uniformização do conceito de sem-abri-
go a nível nacional, a elaboração de um Modelo de Intervenção e Acompanhamento definido
pela própria ENIPSA, a criação de um projeto-piloto (Housing First) e a tentativa de dinami-
zar/criar Núcleos de Planeamento e Intervenção junto das Pessoas Sem-Abrigo (NPISA), numa
lógica local.
Não obstante, a JSD Distrital de Lisboa considera que esta estratégia também fica aquém do
esperado, nomeadamente, ao nível da promoção da qualidade técnica dos profissionais ou na
parca intervenção ao nível da melhoria da qualidade das respostas sociais.
Reconhecendo que urge solidificar o trabalho iniciado, foi aprovada em Conselho de Ministros
a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023
(ENIPSSA), assente em três objetivos estratégicos, que visam a promoção do conhecimento do
fenómeno das pessoas em situação de sem-abrigo; o reforço de uma intervenção promotora
da integração das pessoas em situação de sem-abrigo, bem como a coordenação, monitoriza-
ção e avaliação da própria ENIPSSA 2017-2023 (Resolução do Conselho de Ministros n.º
107/2017).
Resumidamente, ambas as estratégias são orientadas para a criação e/ou reconfiguração dos
modelos de intervenção vigentes, tentar que haja uma estratégia nacional monitorizada e
apostar na prevenção deste fenómeno.
Porém, é a multidimensionalidade das problemáticas da pessoa sem-abrigo que torna a inter-
venção complexa e exigente, isto é, uma abordagem que procure intervir em fatores estruturais
e individuais, para além das necessidades básicas (Federação Europeia de Organizações Nacio-
nais que trabalham com os Sem-abrigo; FEANTSA, 2003).
Tratando-se de uma problemática multifacetada a ausência de dados atualizados e consis-
tentes obsta a que se faça uma adequada caracterização deste fenómeno ou que se conheça
verdadeiramente o seu contexto e a sua expressão na nossa sociedade.
Por outro lado, a inexistência de uma regulamentação que nos permita monitorizar/fiscalizar
com rigor as respostas sociais existentes, limitando assim uma intervenção plena e eficaz que
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Sem-abrigo? Um novo paradigma já!
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16/21
se paute por índices de qualidade.
Por este motivo, a JSD Distrital de Lisboa propõe as seguintes medidas:
Caracterização e cálculo da extensão e prevalência do fenómeno em Portugal
Como antecipado, a falta de informação estatística, bem como a inexistência de métodos
adequados para a recolha de dados, enumeração e estimativa do número de pessoas semabri-
go que espelhe a atual definição de pessoa em condição de sem abrigo dificulta a apreensão
da relevância do problema e, paralelamente, o cálculo da sua prevalência. Tendencialmente as
estimativas incidem em elementos administrativos, como o número de pessoas que recorrem
aos serviços de apoio aos sem-abrigo. Assim sendo, a caracterização do fenómeno das pessoas
em situação sem-abrigo permitirá:
- Desenhar, implementar e avaliar programas de intervenção e formação e políticas que
ajudem as pessoas a controlar os aspetos mais desestabilizadores dos ambientes comunitários
e organizacionais;
- Avaliar as necessidades de uma comunidade e ensinar os seus membros a reconhecer um
problema, lidar com ele e preveni-lo;
- Estudar e intervir junto as instituições, implementando princípios de humanização, capaci-
tação e empowerment, no sentido de reinserir pessoas e adequar os seus comportamentos e
ações em benefício da comunidade;
- Desenvolvimento de um instrumento único nacional que permita a contagem, observação e
entrevista (por inquérito) em lugares públicos (críticos e outros aleatórios) em instituições/
serviços com periodicidade definida (por exemplo, semestralmente);
- Desenvolvimento de uma plataforma nacional para introdução de dados;
- Desenvolvimento de um observatório para as questões dos grupos vulneráveis que possa
tratar dos dados;
- Constituição de uma equipa de “inquiridores”, garantido que:
- Tenham uma formação específica para esta tarefa;
- Seja atribuída prioridade a atores-chave na intervenção (ex. voluntários, técnicos, comuni-
dades locais);
- Passem por um processo de avaliação e seleção rigoroso;
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Sem-abrigo? Um novo paradigma já!
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17/21
- Sejam registados em base de dados criada para o efeito.
Regulamentação das respostas sociais de intervenção de Emergência (1ª linha) e
Acompanhamento (2ª linha)
A literatura indica que os serviços para esta população são maioritariamente de emergência,
suprimindo as suas necessidades básicas e direcionados para grupos específicos, geralmente
não contemplado situações de saúde mental e/ou dependências. Deste modo, estes serviços
ao serem tendencialmente direcionados para as necessidades básicas pouco contribuem para
a verdadeira resolução do fenómeno.
Em Portugal, as respostas sociais e serviços existentes para esta população são essencial-
mente ou equipas de rua, que facultam serviços na área de redução de riscos e minimização de
danos, e que fornecem alimentação e/ou roupas; ou refeitórios e centros de alojamento
temporários (isto é, resposta social que acolhe, por um período de tempo limitado, de pessoas
adultas em situação de carência), o que corrobora a ideia da supressão de necessidades básicas
apenas.
A FEANTSA (2003) sugere que uma boa prática no combate à situação de sem-abrigo deve
particularizar o grupo, olhar para a pessoa sem-abrigo numa perspetiva multidimensional,
providenciando soluções para os diferentes problemas de vida (casa, saúde, trabalho, saúde
mental e educação) e, deveria introduzir medidas de prevenção, implementar instalações que
ajudem sem-abrigo e criar projetos de reintegração adaptados a cada problemática.
Muitos autores criticam a insuficiente coordenação e articulação entre os vários serviços
sugerindo que os programas de integração sejam desenhados, integrando diferentes facetas e
serviços necessários à reabilitação da pessoa sem-abrigo.
Por estes motivos, pretende-se que com a criação de um decreto-regulamentar se definam
novas regras de organização e funcionamento para as estruturas de acolhimento e acompa-
nhamento da pessoa sem-abrigo.
A ausência de um Regulamento enquadrador das respostas às pessoas sem-abrigo não nos
permite uma boa avaliação das diversas Associações/ Instituições que prestam serviços a esta
população. Ou seja, a existência de um documento normativo que permita monitorizar/
fiscalizar a respostas dadas à pessoa sem-abrigo fará com que as Instituições de Apoio Social à
pessoa sem-abrigo possam obter o licenciamento para o exercício da sua atividade, por
exemplo.
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Sem-abrigo? Um novo paradigma já!
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18/21
Paralelamente, este regulamento permitirá sempre que possível atualizar as respostas de
acordo com orientações de política nacional e internacional de prevenção deste fenómeno.
Desenvolvimento de uma intervenção de 3.ª linha, visando um acompanhamento
não estigmatizante e desagregado das respostas sociais para pessoas sem-abrigo,
mas que atuem juntos dos fatores associados à exclusão social
Sob pena de se promover a verdadeira capacitação da pessoa sem-abrigo, é importante que a
resposta seja dada fora do contexto em que estas pessoas estão alojadas/integradas. É essen-
cial que o acompanhamento desta população possa ter por base a condição de exclusão social
subjacente ao facto de ser sem-abrigo (e.g., consumos, desempregado, falta de formação)
porque só assim é possível promover uma resposta social sem estigmas e empenhada em
suprir as reais necessidades da pessoa, e não da condição (sem-abrigo).
Desburocratização e simplificação dos processos de identificação
Desenvolver a Plataforma informática de registo e identificação de sem-abrigo para as asso-
ciações, ONG e IPSS, rotas estruturadas, identificação das necessidades de ajuda, desenho de
um mapa do quotidiano destas estruturas para identificação de zonas críticas; sinalização e
acompanhamento técnico para operacionalizar a partilha com as diversas estruturas (registo
dos voluntários para que possam escrever diariamente com quem contactaram, para que o
voluntário que contactar no dia seguinte com a pessoa, possa saber o “perfil” em causa. Esta-
belece-se um conhecimento de todos os voluntários e do quotidiano do sem-abrigo, tendo
sempre em conta a importância da privacidade das pessoas em situação de sem abrigo).
Promoção da integração de pessoas sem-abrigo no Mercado de Trabalho
Este é um dos grandes desafios de integração de pessoas em situações de grande vulnerabili-
dade. É necessário incentivar a criação de parcerias no contexto da administração autárquica,
IPSS, ONG e empresas para promoção da integração no mercado de trabalho. Criação de siste-
mas de empregos protegidos e estratégias integradas.
Implementar uma nova estratégia de políticas públicas de promoção de saúde
acompanhada
Revisão da Lei do Tratamento da Saúde Mental, incentivo à alteração legal dos critérios de
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Internamento compulsivo, combatendo a burocracia excessiva implícita no processo gerido
pelos organismos de polícia. Abertura do debate à definição dos critérios para o acompanha-
mento psiquiátrico, visto apenas ser obrigatório o internamento compulsivo quando o próprio
ou terceiros são expostos em risco.
Promoção de novas políticas de habitação para erradicação da pobreza
A estratégia deve seguir um percurso de apanhar o grosso numa primeira fase e focar, poste-
riormente, numa resposta de caso a caso. Para isto, é necessário criar um programa de resposta
habitacional para a pessoa sem abrigo. A título de exemplo: Projeto Housing First, alojamento à
medida, caracterizando-se por integração em habitação privada na esfera da promoção da
atribuição de habitação à pessoa sem-abrigo, em que 30% do rendimento da pessoa em
situação de sem-abrigo serve para pagar esta habitação e o resto é assegurado pela autarquia.
Diverge de habituação social porque se trata de habitação particular e implica um acompanha-
mento biopsicossocial da família/pessoa. Este projeto é hoje implementado pela IPSS Gaivotas
da Torre/AEIPS.
Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
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Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa

  • 1.
  • 2. CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS Tenho há bastante tempo uma grande admiração pela Comunidade Vida e Paz (CVP). Em boa hora, a nossa estrutura – Distrital de Lisboa da JSD – decidiu contactar, convidar e encetar uma parceria com esta (vossa) nobre instituição. Para nós, essa é a essência mais nobre da política: trabalhar com todos os atores sociais para o bem comum, cada um na sua área de intervenção e saber. Acreditamos que a realização de grandes coisas não depende, apenas, da possibilidade de as fazer, depende da vontade de as fazer. Acreditamos no valor das comunidades, nos projetos que a sociedade nas suas múltiplas formas de organização e associação desenvolve para um coletivo mais justo, desenvolvido e coeso. Começámos em 2016, a 19 de Dezembro, quando organizámos uma tertúlia sobre “a falta de um tecto” e convidámos a Comunidade Vida e Paz para partilhar connosco a sua experiência na relação com pessoas em situação de sem-abrigo. A 20 de Fevereiro de 2018, estabelecemos uma parceira inédita – uma juventude partidária e uma organização de cariz social – juntas a agir, a ajudar, a construir uma comunidade melhor. A iniciativa BORA – Busca Organizada de Roupa e Alimentos – tem continuado de forma ininter- rupta, com entregas de bens por nós recolhidos à CVP. Recentemente, a 25 e 27 de Fevereiro de 2019, vários membros da JSD Distrital de Lisboa participaram nas ações de rua com as equipas da CVP. Uma experiência que todos deviam ter, nem que fosse uma vez na vida. Uma experiência – quase que obrigatória – para quem, como nós, tem intervenção cívica e política. Não pelo ato solidário e gesto humanista em si, mas pelo seu significado, pelo que aprendemos a falar com as pessoas que estão na rua, pelo impacto que depreendemos das respostas sociais – como esta da CVP – na vida concreta de centenas de pessoas, de cada uma daquelas pessoas. Conhecemos, aprendemos, ganhámos perceção. Não esqueceremos. Este documento é também a manifestação da nossa vontade em continuar a batalhar por este tema. Defendemos em Junho de 2018, no documento programático “Mais Cidadania, Melhor Sociedade” a visão de “Sem-abrigo? Um novo paradigma já!”, pela resolução desta crise social nos próximos anos, cumprindo a missão coletiva de um Portugal desenvolvido e coeso. COMUNIDADE VIDA E PAZ UM EXEMPLO DE CIDADANIA ATIVA Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
  • 3. 2/21 Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS Reproduzimos essas nossas considerações e ideias neste documento porque queremos trans- mitir à Comunidade Vida e Paz e à sociedade que não desistiremos desta luta. Obrigado por nos fazerem acreditar. Vamos continuar convosco! Alexandre Poço Presidente da JSD Distrital de Lisboa
  • 4. Não há sem abrigo. Há pessoas. A experiência que a Comunidade Vida e Paz (CVP) me propor- cionou de participar numa volta pelas ruas de Lisboa para levar alimentos às pessoas em situação de sem abrigo, foi o verbo feito ação. Foi a concretização da frase “nem só de Pão vive o Homem”. Nada daquilo que os voluntários da CVP fazem tem a ver com o pão, o leite ou os sumos que se entregam às pessoas. Tem tudo a ver com o estabelecimento de relações de confiança entre pessoas, com a partilha de experiências, e uma mensagem de esperança. Os voluntários da CVP são como anjos noturnos, que utilizam o pão como “desbloqueador” daquela conversa que poderá mudar a vida daquela pessoa. Participei numa volta de distribuição de alimentos, e percebi que a sua verdadeira utilidade é a sinalização para a volta técnica. Com base nesta relação de confiança, a CVP procura depois na volta técnica encontrar as pessoas em situação de sem abrigo sinalizadas e procurar com elas, soluções para a sua vida. Acabei por regressar à CVP para mais uma volta. Procurei por uma senhora que tinha conhecido na rua, a “L”. Foi com alegria que percebi, a “L” não estava mais ali porque a CVP já a tinha conse- guido levar para uma comunidade terapêutica para tratar da sua dependência do álcool. Torna-se exigente pôr por palavras o que senti e o que sinto. Além de gratidão pelo trabalho desenvolvido pela CVP em prol da dignidade Humana, um enorme sentimento de esperança. E esse sentimento não floresce apenas dos voluntários, mas de cada pessoa com quem me cruzei. Um senhor que também conheci na rua, o “D”, disse-se: “Ei, não te esqueças do meu amigo, ele ainda não chegou, mas vai dormir aqui, deixa aí um saco com comida também para ele”. Pois é. Não nos podemos esquecer de quem está ou estará aqui ao lado, a partilhar este mundo connosco. Obrigada Comunidade Vida e Paz! Raquel Baptista Leite TESTEMUNHOS Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
  • 5. Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS A experiência de uma volta com a Comunidade Vida e Paz abriu-me os olhos para uma reali- dade que, apesar de muito próxima, é incrivelmente distante. Ou seja, embora as pessoas em situação de sem abrigo convivam connosco no dia-a-dia nos mesmo locais por onde passamos ou vivemos, é como se vivessem ocultas. Foi para mim um espanto encontrar tantas pessoas nesta situação na zona de Alvalade, onde vivi durante 2 anos sem me aperceber desta proximi- dade. Esta consciencialização é particularmente importante para nós, jovens, pelo confronto com a situação de privilégio na qual felizmente vivemos. A partir da noite que passei com a Comunidade Vida e Paz ganhei também consciência do efeito da droga na vida de tantas dezenas de pessoas que encontrámos; creio que, na maioria dos casos que encontrei, a droga foi ou passou a ser um fator determinante para a situação atual das pessoas que encontrámos na rua. Outra questão para a qual ganhei consciência foi a importância do acompanhamento das pessoas em situação de sem abrigo no que diz respeito ao tratamento de doença mental, também um fator determinante para muitos dos casos que conheci. A atuação da Comunidade Vida e Paz procura identificar e acompanhar todos aqueles que necessitam deste enquadramento para estabilizar a sua vida, sendo relevante o papel dos assistentes sociais e psicólogos com quem também nos cruzámos. A procura de emprego é também um desafio; conhecemos uma pessoa em situação de sem abrigo que relatou algu- mas experiências em entrevistas de recrutamento, invariavelmente terminando em recusas pelo facto de não ter uma morada para indicar ao potencial empregador. Encontrámos também pessoas idosas que viviam na rua por não terem outra opção ou que procuravam lixo na reciclagem para vender e complementar as pensões de sobrevivência diminutas que tinham. Ganhei consciência de que, como comunidade, como Estado, não temos respostas para os casos variados que referi. Globalmente, tendo sido uma experiência dura e marcante, acredito que estou hoje mais consciente do impacto da droga, da doença mental e do desemprego em vidas que outrora não seriam tão diferentes da minha. Valorizo hoje muito mais as iniciativas de cidadania que procuram minorar as dificuldades das vidas de todos aqueles que precisam de proteção. A atuação da Comunidade Vida e Paz neste contexto é para mim um exemplo pela mobilização regular, organizada e desinteressada de voluntários que, a pouco e pouco, ganham a confiança daqueles que muitas vezes são desconfiados e reservados mas a quem se vislumbra um sorriso por qualquer palavra amável. Não tenho a mínima dúvida de que a vida de tantas centenas de pessoas é menos difícil por este contacto humano com a Comunidade Vida e Paz. Mariana Coelho Testemunhos 4/21
  • 6. Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS A volta com a Comunidade Vida e Paz, fez-me conhecer de perto a realidade diária das pessoas em condição de sem abrigo. Pelo testemunho das várias pessoas com quem falei, identifiquei que as principais razões de ali estarem, eram ou por serem estrangeiros que chegaram a Portu- gal sem nada, portugueses que tinham regressado e que já não tinham onde ficar, pessoas abandonadas pelos seus familiares que por algum motivo recusaram dar apoio e por último o consumo de álcool e drogas. Em Santa Engrácia, deparei-me com pessoas a viver em tendas, em que a única coisa que têm é o que vão acumulando em pilhas nas proximidades de onde pernoitam. Longe da zona das tendas, mais propriamente nas Arcadas do Museu Militar, junto à Estação de Santa Apolónia, estavam a pernoitar 10 pessoas. Mesmo com muito pouco, reparei que essas pessoas têm em si o espírito de entre ajuda. Unidos, tentam ultrapassar as adversidades que esta condição lhes causa. Estas pessoas são diariamente visitaras pelas equipas da Comunidade Vida e Paz e a proximi- dade entre os voluntários e as pessoas com quem nos cruzávamos na rua é notória. As palavras são sempre de esperança, muito além do apoio na alimentação. Fiquei em reflexão... A todos pareceu-me ter sido oferecida a hipótese de saírem da rua e apoios, no entanto por qualquer razão, muitos preferem ficar na rua. Afinal, há algum de mais profundo nisto. Qual a origem? Como podemos atuar? Todos temos o dever de ajudar. Senti que o bem mais valioso que carregava nessa noite, era a palavra amiga. Marcelo Santos Testemunhos 5/21
  • 7. Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS Debruçando-me sobre todo o meu percurso de intervenção política, nenhuma outra atividade me marcou tanto como a volta com a Comunidade Vida e Paz. No âmbito desta inesquecível iniciativa da JSD Distrital de Lisboa, tive a oportunidade de conhecer duas realidades que em nada se assemelham àquela que é a minha. em primeiro lugar, o contacto com pessoas sem abrigo - maioria delas com o forte desejo de voltar a ter um teto, ao contrário daquilo que pensava. Deixou-me sem palavras a felicidade com que as pessoas nos receberam, não só pela simbólica sandes ou copo de leite, mas principalmente pela palavra de conforto que todos os voluntários transportam. Fiquei chocado com os testemunhos de solidão, de rejeição da socie- dade, de quem sofre com o facto de ser invisível para a restante sociedade, e para além da falta de uma casa, sentirem falta de ter alguém que lhes retribua um “bom dia”. Ficará para todo o sempre gravado na minha memória o Sr. Z, que confessou ter uns quantos cheques de RSI que caducaram por falta de levantamento porque não precisa de dinheiro para nada, apenas precisa de uma companhia com quem conversar. Este senhor passa o seu tempo a ouvir a sua telefonia a pilhas, na tenda a que chama casa, e como gosta de ler, ocupa-se com os jornais gratuitos que encontra espalhados pela cidade. Ficou também gravada a história de J e do seu sobrinho, sem-abrigos de outra cidade distrito, que por passarem fome na sua terra natal, apanharam um comboio e vieram para as ruas de Lisboa - ao menos aqui sabiam que tinham quem os apoiasse, e ficaram surpresos quando nos viram pois confessaram que já achavam que naquele dia, atenta a hora tardia, já ninguém ia aparecer, e ainda não haviam tomado qualquer refeição. Foi a Santa Apolónia, ao local onde J tem o seu colchão, que passado uma semana voltei com a minha namorada e levámos umas sandes e roupa que tínhamos acumulada. Ele lá estava no mesmo sítio, com o seu sobrinho, e qual foi a minha surpresa quando me reconheceu, se lembrou do meu nome e disse “Olha o Miguel! Não me digas que agora vais começar a visitar-me todas as semanas?!”. O que responder a esta pergunta? E isto leva-me à segunda realidade que também não é a minha: a força de quem, todos os dias, dispensa parte das suas 24h ao voluntariado, depois de um dia cheio de trabalho, mesmo que a lidar com problemas profissionais, pessoais ou de saúde, porque sabe que fora daquela carrinha da CVP há uma comunidade marginalizada que precisa do seu apoio. A todos, o meu muito obrigado por este abrir de horizontes, um horizonte na esquina de cada prédio. Miguel Henriques Testemunhos 6/21
  • 8. Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS A volta que fiz com a Comunidade Vida e Paz, foi sem dúvida uma experiência que me trouxe um certo misto de emoções, sinto que naquelas cerca de 4 horas vivi muito mais do que apenas “horas”. Não tinha noção da dimensão e importância da atuação da CVP no terreno, ao longo da noite e de todas as paragens que foram sendo feitas, das expressões que mais ouvi foi “olha a minha amiga/amiguinha”, percebia-se facilmente que para além dos alimentos, o que as pessoas em condição de sem abrigo mais esperam destas equipas é a atenção e o sentimen- to de serem aceites tal como são. Enquanto estava pelo Parque das Nações, o “F” acompanhou-nos durante todo o nosso percur- so sempre a dizer aos voluntários “vocês têm de vir ali ao fundo comigo conhecer o meu novo espaço, e tenho lá o meu tio ele certamente também vos quer ver”, havia uma necessidade de nos dar a conhecer o seu novo “cantinho”, de nos receber lá e de nos sentirmos sempre bem-vindos em futuras visitas, e para o “F” isso era mais importante que os alimentos, pois até se ia esquecendo de os levar com ele. Não pensei que o sentimento de partilha estivesse tão presente, pois todos guardavam comida para os que não estavam presentes, ou dividiam entre si alguns bens quando já estavam em menor quantidade. Assisti a várias realidades, e escutei várias histórias ao longo da noite, algumas revoltantes outras apenas infelizes, principalmente as que envolvem dependências. A verdade é que houve um momento em que a ficha me caiu, quando fui entregar em mão a um senhor o saco com os pães, e quando o observo, vestia-se da mesma forma que o meu pai, tinha um aspeto cuidado, alguém que se passasse por mim na rua não desconfiaria se quer das condições em que vive. Fixei-me uns segundos no relógio que trazia no seu pulso, pois não é comum ver um sem-abrigo a usar um relógio, este foi o momento que mais mexeu com o meu psicológico sem dúvida, apesar daquela situação estar distante da minha realidade ou da minha família, aquele senhor podia ser o meu pai, foram várias as questões que me surgiram na altura, mas principal- mente “como?”, Como é que alguém semelhante ao meu pai acaba a dormir na rua? Como é que é possível um Estado não conseguir dar resposta a estas situações, aos seus cidadãos? Como é que o ser humano pode tornar-se tão desumano ao ponto de conseguir diariamente assistir de perto e ignorar tudo isto? E desde esta situação até ao fim da volta, o que mais vezes me passou pela cabeça foi “podias ser tu”. A Comunidade Vida e Paz para além das voltas noturnas que faz, e de todo o apoio que dá a estas pessoas a nível de alimentação, roupa ou agasalhos, tem ainda várias respostas sociais às suas necessidades, como casas e lares de reabilitação ou de desintoxicação. Apercebi-me em Santa Apolónia que não é fácil para uma pessoa em condição de sem abrigo aceitar este tipo de apoio, acreditar que inicialmente a melhor hipótese para uma mudança de vida deve começar por agarrar esta oportunidade. Neste local presenciei um certo espírito de união, foi um grupo de pessoas que gostei muito de conhecer por isso mesmo, o “J” mostrou-me uma carteira de comprimidos que tirou às escondidas de um amigo que ali dorme mas que naquela Testemunhos 7/21
  • 9. noite não estava presente, explicou-me que o fez para o bem dele, pois a última vez que o viu a consumir ficou completamente alterado quase em estado vegetal, como desconfiei um pouco da situação questionei se podia deitar os comprimidos fora, e ele não hesitou em darmos para a mão. O “J” contou-me um pouco do percurso de vida dele, este jovem de 31 anos, que é um dos tais casos revoltantes que conheci, que teria tudo para dar certo mas por um histórico de vício ao jogo da mãe e uma forte dependência às drogas do pai, lamentavelmente este jovem sofreu as consequências dos atos da sua família, no entanto, o sorriso dificilmente saiu-lhe da cara, e notou-se que tem esperança de que um dia vai voltar a ter a sua independência e uma vida estável. Conclui que a pobreza extrema anda de mão dada com a ausência de auto-estima, e assim mais rapidamente uma pessoa cai do que se levanta, e é por isso que é necessário que a solidariedade em Portugal comece a ser verdadeiramente implementada na nossa socie- dade, é imprescindível que pessoas nesta situação possam ser ouvidas com o intuito de perce- ber as suas reais necessidades, sendo que acredito que este processo começa pela conscien- cialização. Marta Pinto Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Testemunhos CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 8/21
  • 10. A experiência à CVP foi muito boa para perceber a forma como a comunidade trabalha no terre- no. Mesmo já tendo tido algumas experiências de saídas aos sem abrigo, há uma grande diferença naquilo que a comunidade faz e que as outras instituições não fazem: seguimento das situações e um maior acompanhamento às pessoas que na rua "habitam". Tendo seguido outras instituições que simplesmente se limitavam a entregar bens alimentares e roupa, repa- rei que isso não e de todo suficiente. É preciso mais. Aqui, a equipa tem um trabalho constante que permite identificar cada caso e conseguir fazer com que os "sem abrigo" possam recuperar a vida que outrora tiveram. Na volta B cuja qual tive a oportunidade de seguir, encontrámos pessoas habituais que cumprem uma determinada rota, e que já tem um grande afeto com os elementos do grupo. Notou se claramente que há uma necessidade enorme de conversar, pois a solidão é eminente. Alguns casos foram claros que não é fácil a interação derivado, muitas vezes, à vergonha que estes seres humanos tal como nós, com sentimentos, têm quanto ao facto de terem ido parar à rua. Muitas vezes por razões que lhes são impotentes. A CVP tendo um trabalho constante, mesmo sendo ainda poucos os casos de recuperação efetiva pois existe sempre a possibilidade de recaída, e este é sempre o caminho mais fácil. Consciencializar cada vez mais todas as pessoas que têm uma vida dita "normal", é eminente, para que possa- mos viver numa sociedade mais equilibrada e digna de viver. Tiago Cardoso Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Testemunhos CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 9/21
  • 11. A experiência que tenho tido com a Comunidade Vida e Paz (CVP) tem sido impressionante. Tudo isto começa através de um protocolo inovador entre a JSD Distrital de Lisboa e a CVP, chamada BORA, Busca Organizada de Roupa e Alimentos, assim como de uma conferência no Mês da Cidadania acerca das pessoas em situação de sem-abrigo. Aos poucos fomos ganhando cada vez mais consciência da importância de apoiar estas instituições e estas pessoas, até que um dia a JSD Distrital de Lisboa entendeu participar na Volta da CVP. Não foi a minha primeira vez, mas é sempre marcante viver momentos destes. Ao longo do percurso durante a noite da volta, considero ter vivido 2 momentos marcantes, que sem dúvida me fazem pensar o quão agradecidos devemos ser por tudo o que temos, mas também a grandeza da responsabilidade que temos enquanto participantes na vida política das nossas cidades, dos nossos distritos e do nosso país. Embora já tivesse passado várias vezes pelo Saldanha aquela hora e até ter parado para observar, nunca me tinha deparado com a existência daquela a que chamamos pobreza escondida e até envergonhada. Nesse momento devo dizer que foi duro. Confrontar-me com dois jovens da minha idade que se dirigiram a mim, muito a receio, tentando que não fossem vistos, com ótimo aspeto, apenas para pedir pão e leite. Pão e leite! É admissível?! É admissível que em pleno séc. XXI tenhamos em Portugal jovens que, com medo de serem vistos, tenham que pedir pão e leite às 22h para terem uma refeição? Senti uma raiva dentro de mim... Óbvio que todos devemos fazer por combater isso, independentemente das faltas de cada um. Por vezes temos o estigma e preconceito de que as pessoas que são suportadas por estas instituições vêm de situações que as mesmas não foram capazes de combater ou controlar, mas a realidade é diferente. E mesmo que não fosse, é nossa responsabilidade fazer diferente. Não querendo politizar este testemunho, custa-me bastante ver o nível de hipocrisia de quem tem responsabilidades políticas suficientes para resolver este tipo de questões, mas ignora-as até ao dia em que podem trazer uns votinhos. Já que surgiu esta questão dos votinhos, aproveito para abordar o segundo momento que me marcou bastante. A certa altura encontramo-nos com um senhor em situação de sem-abrigo que já era conhecido das voluntárias habituais da CVP e que nos traz uma bela surpresa. De repente, sem ele fazer a mais pequena ideia da nossa filiação política, começa a imitar o Prof. Aníbal Cavaco Silva, depois o Dr. Mário Soares e a seguir o General Ramalho Eanes... Facilmente perceberão o “festival” que foi. Conversa puxa conversa e encontro a oportunidade de lhe perguntar “porque raio estava ele ali...” ao que ele me responde que tinha sido ator durante muitos anos e que a vida lhe foi pregando umas partidas. A descrição das experiências que teve, dos palcos que pisou, dos atores com quem partilhou e as peças em que participou deixaram-me novamente com uma angústia tremenda. Nem há bem pouco tempo surgiam diversas notícias acerca da difícil vida dos atores portugueses, em especial dos que estão fora da “televisão a três cores” (expressão de uma música de António Manuel Ribeiro). Isto deixou-me a pensar. Não é que este senhor mostrasse algum desalento ou até tristeza, sem Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Testemunhos CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 10/21
  • 12. dúvida notava-se uma vontade tremenda de atenção, mas é tão triste ver a falta de acompan- hamento que damos aos nossos... Rapidamente me lembrei da importância da noção de que um dia estamos em alta e outro em baixa e vice-versa, assim como fui pensando que é aquilo que fazemos “em alta” que certa- mente nos define. A nossa atitude e postura contribuem para a nossa capacidade de fazer face às adversidades e sinto, infelizmente, que a maioria de nós se esquece de olhar à volta quando estamos em “alta”, se é que me faço entender. Enchemos o peito e consideramo-nos os maiores, pode até ser só da nossa rua, mas é o suficiente para esquecermo-nos de olhar à nossa volta e ajudar aqueles que, por alguma razão que pouco importa, precisam naquele momento de um apoio extra. Esse apoio extra vem em primeiro lugar do indivíduo, da capacidade de cada um decidir ajudar o próximo livremente e depois virá da comunidade, porque um conjunto de indivíduos capazes de agir e pensar assim, farão certamente uma comunidade mais forte, capaz de resolver os problemas dos que dela fazem parte. Se há testemunho que posso dar é a necessidade que estas pessoas que dormem na rua têm face à nossa capacidade de não os ignorar enquanto elementos da sociedade portuguesa. David Pereira de Castro Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Testemunhos CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 11/21
  • 13. Quando soube da oportunidade de fazer, por um dia, a volta com a Comunidade Vida e Paz não hesitei. Para mim, que nunca tinha feito até então qualquer tipo de voluntariado, era final- mente uma oportunidade nem que fosse por um dia de conseguir contribuir e contactar com pessoas que, apesar de “viverem” perto de nós, têm uma realidade muito diferente da nossa. Chegado o dia integrei a equipa que faz a volta B, onde iríamos percorrer as zonas do Saldanha, parte do Marquês de Pombal e Avenida da Liberdade. Considerava que as conhecia bastante bem como a “palma da mão”, principalmente a zona do Saldanha onde estudei durante alguns anos, mas com o início da volta percebi que estava redondamente enganado. Ao contrário do que pensava, a realidade daqueles locais que todos conhecemos como remodelados e como sendo o centro económico-financeiro da cidade de Lisboa, é completamente distinta durante a noite, sendo o local onde muitas pessoas dormem. Foi nesse mesmo dia que percebi que o “trabalho” que a CVP faz nas suas voltas, e que eu iria ter oportunidade de fazer naquele dia, era muito mais do que simplesmente entregar comida às pessoas que vivem em condição de “sem abrigo”. A nossa atuação consistiria principal- mente em conversar com as pessoas, perceber os motivos que as levaram a viver na rua e de que forma as poderíamos ajudar a mudar o rumo da sua vida. Na maioria dos casos, o que mais desejam é que alguém converse com elas, que lhes dê atenção e ter alguém com quem possam partilhar os seus problemas e amarguras. Esta oportunidade de fazer a volta com a Comunidade Vida e Paz deu-me uma noção clara de que são estas instituições, com o seu empenho, vontade de ajudar e o seu acompanhamento diário, que permitem que estas pessoas consigam, através do apoio que vão sentindo, integrar-se na sociedade de forma progressiva e quem sabe, talvez um dia mais tarde, venham a estar novamente completamente integradas na sociedade. Rafael Alves Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Testemunhos CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 12/21
  • 14. Foi com grande entusiasmo que voltei ao "trabalho de campo", numa volta da Comunidade Vida e Paz. Foi impactante lidar com vários tipos de situações como a doença mental, prostitu- ição ou adições, mas o que me casou mais choque foi o facto de um voluntário ter afirmado que muitas das pessoas em situação de sem-abrigo que visitam se encontram no desemprego há pouco tempo. Tentando abordar os maiores desafios que estas pessoas encontram para reverter a sua situação, encontramos entraves na procura de trabalho dado muitos dos "sem-abrigo" não terem contacto telefónico ou muitos não terem identificação. Foi com agrado que soube que, além das "voltas" diárias de apoio, a Comunidade Vida e Paz faz voltas de sinalização e está envolvida no trabalho de recuperação terapêutica e reintegração social para conferir aos sem-abrigo o retorno a uma vida "normal". Relativamente ao "feedback" dos voluntários, apercebi-me da falta de trabalho em rede, havendo alguma falta de comunicação entre instituições que acabam por repetir o mesmo trabalho, existindo lacunas por preencher. Foi-me igualmente reportado que por vezes o trabalho dos voluntários se torna demasiado burocrático e um pouco extensivo para a grande maioria que acumula esta nobre missão com o seu trabalho diário. Pedro Colaço Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Testemunhos CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 13/21
  • 15. 25 de fevereiro de 2019 David Pereira de Castro, Alexandre Poço, Andreia Bernardo, Mariana Coelho, Marta Pinto e Marcelo Santos 27 de fevereiro de 2019 Raquel Baptista Leite, Pedro Colaço, Miguel Henriques, Rafael Alves e Tiago Cardoso CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS
  • 16. CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS A análise e propostas que se seguem são provenientes do documento “Mais Cidadania, Melhor Sociedade”, elaborado pelo Gabinete de Cidadania da JSD Distrital de Lisboa a junho de 2018. *** O direito à habitação está consignado quer na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art.º 25º, nº 1 – 1948), quer na Constituição da República Portuguesa (CRP) (Art.º 65º, nº1 – 1976), todavia, vários são os desafios contemporâneos que não permitem que esta possa ser uma realidade para todos. Deste modo, assumimos como sendo uma missão coletiva a de preconizar aquilo que está vertido na CRP e, sobretudo, temos a obrigação de nos dedicar às causas que assolam uma grande franja da nossa sociedade, nomeadamente, tomando como nossa prerrogativa a integração de pessoas sem-abrigo. No início de 2018, existem atualmente cerca de 8 000 pessoas em situação sem-abrigo no nosso país. A multidimensionalidade do fenómeno sem-abrigo está para além da questão habitacional (inexistente ou inadequada), remetendo-nos também para a pobreza, para dificuldade ou ausência de recursos para suprimir necessidades básicas, para a ausência de suporte social ou até mesmo para aspetos referentes aos percursos individuais (como por exemplo, problemas de saúde mental, consumo de substâncias, institucionalização na infância). Assim sendo, o aumento do número de pessoas na condição sem-abrigo torna premente o desenvolvimento e a promoção de estratégias de intervenção apropriadas e eficazes. Em Portugal, a necessidade de estar consciente da existência do fenómeno da pessoa sem-abrigo, o parco conhecimento atualizado sobre o mesmo, o reconhecimento da escassa resposta ao problema (muito assente na falta de articulação entre as várias intervenções) e, ainda, o evitar a duplicação/sobreposição de esforços, foram aspetos que – em paralelo com a emergência deste fenómeno – potenciaram o desenvolvimento de uma Estratégia Nacional para a Integração da Pessoa Sem-Abrigo 2009-2015 (ENIPSA). A ENIPSA teve como objetivos (1) a criação de condições para que ninguém tivesse de perma- necer na rua por falta de alternativas e (2) a criação de condições que garantissem a promoção de autonomia através da mobilização de todos os recursos disponíveis de acordo com o diag- SEM-ABRIGO? UM NOVO PARADIGMA JÁ! Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa
  • 17. gnostico e as necessidades individuais, com vista ao exercício pleno da cidadania (ENIPSA, 2009). À luz desta estratégia, a definição conceptual de sem-abrigo assenta na perspetiva mais percetível da situação, remetendo para a ausência ou inadequabilidade da habitação, indepen- dentemente das características individuais da pessoa (ENIPSA, 2009). Por conseguinte, esta estratégia, revelou-se como um bom “pontapé de saída” para que entidades públicas e privadas trabalhassem de modo articulado visando atingir os objetivos supramencionados, o que permitiu, por exemplo, uma uniformização do conceito de sem-abri- go a nível nacional, a elaboração de um Modelo de Intervenção e Acompanhamento definido pela própria ENIPSA, a criação de um projeto-piloto (Housing First) e a tentativa de dinami- zar/criar Núcleos de Planeamento e Intervenção junto das Pessoas Sem-Abrigo (NPISA), numa lógica local. Não obstante, a JSD Distrital de Lisboa considera que esta estratégia também fica aquém do esperado, nomeadamente, ao nível da promoção da qualidade técnica dos profissionais ou na parca intervenção ao nível da melhoria da qualidade das respostas sociais. Reconhecendo que urge solidificar o trabalho iniciado, foi aprovada em Conselho de Ministros a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023 (ENIPSSA), assente em três objetivos estratégicos, que visam a promoção do conhecimento do fenómeno das pessoas em situação de sem-abrigo; o reforço de uma intervenção promotora da integração das pessoas em situação de sem-abrigo, bem como a coordenação, monitoriza- ção e avaliação da própria ENIPSSA 2017-2023 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2017). Resumidamente, ambas as estratégias são orientadas para a criação e/ou reconfiguração dos modelos de intervenção vigentes, tentar que haja uma estratégia nacional monitorizada e apostar na prevenção deste fenómeno. Porém, é a multidimensionalidade das problemáticas da pessoa sem-abrigo que torna a inter- venção complexa e exigente, isto é, uma abordagem que procure intervir em fatores estruturais e individuais, para além das necessidades básicas (Federação Europeia de Organizações Nacio- nais que trabalham com os Sem-abrigo; FEANTSA, 2003). Tratando-se de uma problemática multifacetada a ausência de dados atualizados e consis- tentes obsta a que se faça uma adequada caracterização deste fenómeno ou que se conheça verdadeiramente o seu contexto e a sua expressão na nossa sociedade. Por outro lado, a inexistência de uma regulamentação que nos permita monitorizar/fiscalizar com rigor as respostas sociais existentes, limitando assim uma intervenção plena e eficaz que Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Sem-abrigo? Um novo paradigma já! CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 16/21
  • 18. se paute por índices de qualidade. Por este motivo, a JSD Distrital de Lisboa propõe as seguintes medidas: Caracterização e cálculo da extensão e prevalência do fenómeno em Portugal Como antecipado, a falta de informação estatística, bem como a inexistência de métodos adequados para a recolha de dados, enumeração e estimativa do número de pessoas semabri- go que espelhe a atual definição de pessoa em condição de sem abrigo dificulta a apreensão da relevância do problema e, paralelamente, o cálculo da sua prevalência. Tendencialmente as estimativas incidem em elementos administrativos, como o número de pessoas que recorrem aos serviços de apoio aos sem-abrigo. Assim sendo, a caracterização do fenómeno das pessoas em situação sem-abrigo permitirá: - Desenhar, implementar e avaliar programas de intervenção e formação e políticas que ajudem as pessoas a controlar os aspetos mais desestabilizadores dos ambientes comunitários e organizacionais; - Avaliar as necessidades de uma comunidade e ensinar os seus membros a reconhecer um problema, lidar com ele e preveni-lo; - Estudar e intervir junto as instituições, implementando princípios de humanização, capaci- tação e empowerment, no sentido de reinserir pessoas e adequar os seus comportamentos e ações em benefício da comunidade; - Desenvolvimento de um instrumento único nacional que permita a contagem, observação e entrevista (por inquérito) em lugares públicos (críticos e outros aleatórios) em instituições/ serviços com periodicidade definida (por exemplo, semestralmente); - Desenvolvimento de uma plataforma nacional para introdução de dados; - Desenvolvimento de um observatório para as questões dos grupos vulneráveis que possa tratar dos dados; - Constituição de uma equipa de “inquiridores”, garantido que: - Tenham uma formação específica para esta tarefa; - Seja atribuída prioridade a atores-chave na intervenção (ex. voluntários, técnicos, comuni- dades locais); - Passem por um processo de avaliação e seleção rigoroso; Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Sem-abrigo? Um novo paradigma já! CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 17/21
  • 19. - Sejam registados em base de dados criada para o efeito. Regulamentação das respostas sociais de intervenção de Emergência (1ª linha) e Acompanhamento (2ª linha) A literatura indica que os serviços para esta população são maioritariamente de emergência, suprimindo as suas necessidades básicas e direcionados para grupos específicos, geralmente não contemplado situações de saúde mental e/ou dependências. Deste modo, estes serviços ao serem tendencialmente direcionados para as necessidades básicas pouco contribuem para a verdadeira resolução do fenómeno. Em Portugal, as respostas sociais e serviços existentes para esta população são essencial- mente ou equipas de rua, que facultam serviços na área de redução de riscos e minimização de danos, e que fornecem alimentação e/ou roupas; ou refeitórios e centros de alojamento temporários (isto é, resposta social que acolhe, por um período de tempo limitado, de pessoas adultas em situação de carência), o que corrobora a ideia da supressão de necessidades básicas apenas. A FEANTSA (2003) sugere que uma boa prática no combate à situação de sem-abrigo deve particularizar o grupo, olhar para a pessoa sem-abrigo numa perspetiva multidimensional, providenciando soluções para os diferentes problemas de vida (casa, saúde, trabalho, saúde mental e educação) e, deveria introduzir medidas de prevenção, implementar instalações que ajudem sem-abrigo e criar projetos de reintegração adaptados a cada problemática. Muitos autores criticam a insuficiente coordenação e articulação entre os vários serviços sugerindo que os programas de integração sejam desenhados, integrando diferentes facetas e serviços necessários à reabilitação da pessoa sem-abrigo. Por estes motivos, pretende-se que com a criação de um decreto-regulamentar se definam novas regras de organização e funcionamento para as estruturas de acolhimento e acompa- nhamento da pessoa sem-abrigo. A ausência de um Regulamento enquadrador das respostas às pessoas sem-abrigo não nos permite uma boa avaliação das diversas Associações/ Instituições que prestam serviços a esta população. Ou seja, a existência de um documento normativo que permita monitorizar/ fiscalizar a respostas dadas à pessoa sem-abrigo fará com que as Instituições de Apoio Social à pessoa sem-abrigo possam obter o licenciamento para o exercício da sua atividade, por exemplo. Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Sem-abrigo? Um novo paradigma já! CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 18/21
  • 20. Paralelamente, este regulamento permitirá sempre que possível atualizar as respostas de acordo com orientações de política nacional e internacional de prevenção deste fenómeno. Desenvolvimento de uma intervenção de 3.ª linha, visando um acompanhamento não estigmatizante e desagregado das respostas sociais para pessoas sem-abrigo, mas que atuem juntos dos fatores associados à exclusão social Sob pena de se promover a verdadeira capacitação da pessoa sem-abrigo, é importante que a resposta seja dada fora do contexto em que estas pessoas estão alojadas/integradas. É essen- cial que o acompanhamento desta população possa ter por base a condição de exclusão social subjacente ao facto de ser sem-abrigo (e.g., consumos, desempregado, falta de formação) porque só assim é possível promover uma resposta social sem estigmas e empenhada em suprir as reais necessidades da pessoa, e não da condição (sem-abrigo). Desburocratização e simplificação dos processos de identificação Desenvolver a Plataforma informática de registo e identificação de sem-abrigo para as asso- ciações, ONG e IPSS, rotas estruturadas, identificação das necessidades de ajuda, desenho de um mapa do quotidiano destas estruturas para identificação de zonas críticas; sinalização e acompanhamento técnico para operacionalizar a partilha com as diversas estruturas (registo dos voluntários para que possam escrever diariamente com quem contactaram, para que o voluntário que contactar no dia seguinte com a pessoa, possa saber o “perfil” em causa. Esta- belece-se um conhecimento de todos os voluntários e do quotidiano do sem-abrigo, tendo sempre em conta a importância da privacidade das pessoas em situação de sem abrigo). Promoção da integração de pessoas sem-abrigo no Mercado de Trabalho Este é um dos grandes desafios de integração de pessoas em situações de grande vulnerabili- dade. É necessário incentivar a criação de parcerias no contexto da administração autárquica, IPSS, ONG e empresas para promoção da integração no mercado de trabalho. Criação de siste- mas de empregos protegidos e estratégias integradas. Implementar uma nova estratégia de políticas públicas de promoção de saúde acompanhada Revisão da Lei do Tratamento da Saúde Mental, incentivo à alteração legal dos critérios de Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Sem-abrigo? Um novo paradigma já! CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS 19/21
  • 21. Internamento compulsivo, combatendo a burocracia excessiva implícita no processo gerido pelos organismos de polícia. Abertura do debate à definição dos critérios para o acompanha- mento psiquiátrico, visto apenas ser obrigatório o internamento compulsivo quando o próprio ou terceiros são expostos em risco. Promoção de novas políticas de habitação para erradicação da pobreza A estratégia deve seguir um percurso de apanhar o grosso numa primeira fase e focar, poste- riormente, numa resposta de caso a caso. Para isto, é necessário criar um programa de resposta habitacional para a pessoa sem abrigo. A título de exemplo: Projeto Housing First, alojamento à medida, caracterizando-se por integração em habitação privada na esfera da promoção da atribuição de habitação à pessoa sem-abrigo, em que 30% do rendimento da pessoa em situação de sem-abrigo serve para pagar esta habitação e o resto é assegurado pela autarquia. Diverge de habituação social porque se trata de habitação particular e implica um acompanha- mento biopsicossocial da família/pessoa. Este projeto é hoje implementado pela IPSS Gaivotas da Torre/AEIPS. Comunidade Vida e Paz: um exemplo de cidadania ativa Sem-abrigo? Um novo paradigma já! 20/21 CIDADANIA-JSD | Junho 2019ESTAMOS JUNTOS