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UNIVERSIDADE PÚBLICA DE CABO VERDE
    Departamento das Ciências Socais e Humanas
             Delegação de São Vicente
              Curso de Filosofia




                      (1623-1662)



                       Título
“PARADOXOS DA CONDIÇÃO HUMANA EM PASCAL”
          “Grandeza e Miséria Humana.”
                    Realizado por
             Arlindo Nascimento Rocha


                      Orientadora
                  Mestre Elisa Silva


                        Mindelo
               Ano lectivo 2010/2011




           Licenciatura em Filosofia para Docência
Arlindo Nascimento Rocha


Paradoxos da Condição Humana em Pascal
             Grandeza e Miséria




              Licenciatura em Filosofia




         Universidade Pública de Cabo Verde




                        2011

                                              II
O JÚRI

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

     Universidade Pública de Cabo Verde, Pólo do Mindelo, aos ______ de Julho de 2011


                                                                                  III
I - DEDICATÓRIA

     Dedico este trabalho, a todos que colaboraram para o meu desenvolvimento como
pessoa, nomeadamente:
     Aos meus pais, Domingos Rocha e Georgina Rocha, que amorosamente me ensinaram
os primeiros passos, e que, nas suas exigências me impulsionaram a buscar ser quem sou, e
quem serei.
     Aos meus três irmãos: António, Isabel e Maria pelo apoio demonstrado ao longo dessa
jornada;
     À minha filha Linda Inês, com muito carinho e amor.
     À minha esposa Priscilla, com muito amor e elevada consideração pelo respeito e
apoio, sobretudo pela confiança em mim depositada e pelos sacrifícios que a vida nos impôs
ao longo desse trecho de nossas vidas;
     Aos meus amigos e colegas de trabalho do Pólo n.º 17 de São Vicente – Escola de São
Pedro, que sempre me apoiaram e me motivaram para continuar;
     Às pessoas que me mostraram a importância das grandes obras da humanidade;
     Aos meus professores, pela sapiência demonstrada em prol do meu aperfeiçoamento
como aluno e como pessoa.
     Aos colegas de turma pelo companheirismo e amizade.




                                                                                       IV
II – AGRADECIMENTOS

Agradeço:

     Em primeiro lugar, a Deus por ter me dado forças, para lutar no decorrer de toda esta
jornada e, principalmente, ter-me dado vida e saúde para honrar o mérito que Ele me
concedeu: estar fazendo um curso superior, desejado por muitos, e alcançado por tão poucos.
     Aos meus amados e saudosos pais, Domingos e Georgina, que sempre lutaram para me
verem chegar onde estou e que, apesar de não estarem mais entre os mortais, sei que estão
contentes com o meu desempenho; à minha filha e aos meus irmãos que tanto amo.
     Agradeço também aos professores e professoras do Curso de Licenciatura em Filosofia
para docência do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da “UINI-CV”, Delegação do
Mindelo, e que contribuiriam para a minha formação, e às pessoas que, de alguma forma ou
de outra, contribuíram para que este trabalho fosse materializado.
     Contudo, realço com muito respeito e admiração alguns em especial:
       A minha Orientadora Mestre Elisa Silva, pela orientação sempre motivadora, pela
disponibilidade que demonstrou desde o início, e principalmente pela boa vontade,
simplicidade e sabedoria demonstrada ao longo desse processo. O meu reconhecimento e
amizade.
       Aos professores do curso, particularmente ao Professor Alcides Ramos, António
Ramos, Ariana Lopes, Alfredo Brito, Antónia Gomes, Jair Silva, Lindsay Willasson, Dora
Pires e Henriqueta Silva.
       Agradeço especialmente, com elevada consideração e amor à minha esposa e
companheira, Priscilla Lundstedt, pelo apoio, paciência e conselhos que fizeram com que
esse trabalho fosse uma realidade.
       Aos meus colegas de turma, que me acompanharam durante os cinco             anos da
licenciatura, como forma de demonstrar o quanto foi bom e proveitoso para a minha
formação pessoal e em especial, aos meus colegas de trabalho. A todos faço votos de
melhores sucessos na vida pessoal e profissional.
       A todos um especial agradecimento e um afetuoso abraço!

                                                                                         V
III - CITAÇÃO




                     O homem não passa de um caniço, o mais fraco da
                natureza. Mas é um caniço pensante. Não é preciso que o
                universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma
                gota de água, bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o
                universo o esmagasse, o homem seria mais nobre do que
                quem o mata, porque sabe que morre e a vantagem que o
                universo tem sobre ele; o universo desconhece tudo isso...
                                Pascal – “Os Pensadores” frag. 347. Pág 123




                                                                             VI
IV - RESUMO

     Esta monografia de término de licenciatura tem como objectivo analisar a concepção
paradoxal do homem, presente na filosofia de Blaise Pascal; na sua dimensão antropológica,
entre “grandeza e miséria”, como paradoxo fundamental, e também, investigar a ideia de uma
individualidade, que se apresenta como ser humano consciente, que reconhece a própria
identidade.
     A nossa análise será temática, sobretudo antropológica e psicológica, apesar do enfoque
epistemológico. Parte-se da visão antropológica do homem antes e depois do pecado original,
a desproporção entre o homem e a pesquisa da natureza, a constituição do eu no mundo e a
graça, acreditamos obter informações necessárias, para a busca do nosso principal objectivo:
alcançar a verdade da condição humana entre miséria e grandeza, através do eixo da queda e
redenção, e do conhecimento do “eu” como ser naturalmente limitado, pela finitude da nossa
existência e pela desproporção entre o “eu” e a natureza.
     Analisaremos em Pascal os limites do conhecimento racional, que são colocados pela
condição da própria finitude humana, como insuficiência que marca o homem pascalino, que
só é ultrapassado mediante o conhecimento de si próprio e das suas insuficiências.
     A análise de outras dimensões que assume o conhecimento humano em Pascal e dos
paradoxos que fazem o “eu” na dimensão empírica, nos darão a chave da compreensão do
homem no seu verdadeiro conceito.
     Definimos o nosso objecto como o estudo da antropologia pascalina, na qual o conceito
central se revela: a insuficiência humana. Todavia para nós, a antropologia pascalina não se
limita aos textos escritos unicamente por Pascal, mas também a uma rica rede de
comentadores, que ao longo dos séculos se dedicaram à compreensão da obra pascalina.
     Este trabalho é o resultado de uma pesquisa bibliográfica, onde se procura fundamentar
a condição humana segundo Pascal, onde procuramos pôr em evidência aspectos muito
importantes para o próprio entendimento do homem na sua situação actual. Esse factor foi
determinante na escolha do tema, e particularmente do filósofo Pascal que, em nossa opinião,
soube melhor que ninguém caracterizar o homem em todas as suas dimensões.


Palavras-chave:
Concepção paradoxal; dimensão antropológica; miséria e grandeza; queda e redenção;
finitude humana; conhecimento humano;

                                                                                        VII
INDÍCE




I - DEDICATÓRIA ................................................................................................................IV
II – AGRADECIMENTOS .................................................................................................... V
IV - RESUMO ...................................................................................................................... VII


I - INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1
     1. Introdução ....................................................................................................................... 1
     1.1.     Vida e obras ................................................................................................................. 4
     1.2.     Fundamentação teórica ................................................................................................ 6


 CAPÍTULO - I ........................................................................................................................ 7
“CONCEPÇÃO HISTÓRICA DO HOMEM PASCALINO” ............................................. 7
     1. Antropologia pascalina ................................................................................................... 7
     1.3.     A natureza do homem antes do pecado ..................................................................... 10
     1.4.     A natureza do homem depois do pecado ................................................................... 11
     1.5.     A compreensão do homem ........................................................................................ 13


 CAPÍTULO - II ..................................................................................................................... 17
“CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA DO HOMEM PASCALINO” ............................. 17
     1. Desproporção entre o homem e a natureza .................................................................. 17
     1.1.     Dimensões do conhecimento em Pascal.................................................................... 20
     1.2.     Paradoxos da condição humana ................................................................................ 24


 CAPÍTULO - III ................................................................................................................... 29
“CONCEPÇÃO PSICOLÓGICA DO HOMEM PASCALINO” ...................................... 29
     1. Constituição do eu no mundo ....................................................................................... 29
     1.1.     Grandeza e miséria do homem .................................................................................. 33
     1.2.     A graça ...................................................................................................................... 38


I.      CONCLUSÃO ................................................................................................................. 44
II.         REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 50



                                                                                                                                        VIII
I. INTRODUÇÃO



   1. Introdução

      Blaise Pascal (1623-1662) desenvolveu uma influente leitura da condição humana que
se destaca entre os filósofos modernos. Isto ocorre, principalmente, pela tentativa de conciliar
dois aspectos que, a partir dos inícios da modernidade, estarão em conflito: fé e razão. Nesta
tensão, o homem desenvolve outro conflito existencial, a sua condição paradoxal, que se
constitui entre grandeza e miséria, que definem o seu modo de ser.
      Este trabalho tem por objetivo alcançar a compreensão do ser do homem em Pascal.
Parte-se da antropologia pascalina antes e depois do pecado, da desproporção entre o homem e
a pesquisa da natureza, em que Pascal marca a tragicidade humana; e também nos dá a
orientação para o resgate do homem através do aniquilamento, do autoconhecimento e do
reconhecimento da própria condição insuficiente diante das fraquezas e misérias humanas.
Neste aspecto, o estudo da constituição do “eu” no mundo, a grandeza, a miséria e a graça,
que se atestam na relação do conhecimento da parte e do todo, tornam-se necessárias.
      Ao levantar a problemática do infinito, Pascal convoca o homem a tomar consciência
das suas limitações, única condição para que ele possa abrir-se às verdades que ultrapassam os
limites da compreensão racional, ou melhor, para que ele possa se abrir à sua própria verdade.
A partir da apresentação das dimensões que assume o conhecimento humano no pensamento
de Pascal, acreditamos obter uma primeira orientação para a busca do nosso objectivo central:
alcançar a compreensão da verdade da condição humana.
      Ao buscar uma caracterização da verdade do homem em Pascal, cabe esclarecer que
pretendemos com o tema de “homem” expressar a ideia de uma individualidade que se
apresenta como ser humano consciente que reconhece a sua própria identidade.
      A nossa análise será temática, sobretudo psicológica e antropológica, além do enfoque
epistemológico. A análise dos paradoxos insuperáveis que fazem do eu na sua dimensão
empírica, nos darão a chave para a compreensão da dimensão da verdade.
      Pascal propõe ao homem a tomada da consciência das suas limitações, como condição
para chegar às verdades que ultrapassam os limites do conhecimento racional.




                                                                                              1
Ao buscar uma caracterização da verdade do homem em Pascal, cabe esclarecer que
pretendemos com o tema “homem”, expressar a ideia de uma individualidade que se
apresenta como ser humano consciente que reconhece a sua própria identidade.
        Em geral, a discórdia entre filósofos e cientistas dá-se sobre aquilo que é acidental,
embora ocorra no essencial; quando se deixa de contemplar o real.
         Pascal soube separar a filosofia e a ciência em si, do ser humano. “O coração tem
razões que a própria razão desconhece”, e por isso, a ciência e a técnica sempre ficarão
aquém de dar uma resposta definitiva quando o assunto é o homem.
        A defesa da riqueza humana, consiste justamente em aprofundar aspectos individuais e
sociais que estejam de acordo com o real, sem esgotar o diálogo que cada um tem consigo
mesmo e com o outro.
        Se Pascal merece ser estudado, é porque viveu intensamente situações que fazem o
homem lembrar-se de quem é, a morte prematura da mãe, a vida mundana após a morte do
pai, o convívio com os pobres, diálogo com os demais, a doença, a busca da verdade de modo
aberto e profundo.
         Mais de trezentos anos se passaram depois da sua morte, e o momento não deixa de ser
oportuno para recordar como Pascal viveu a ciência sem deixar, que a ciência fosse a sua
vida.
        A sua contribuição para a filosofia e a ciência foi significativa e de grande importância.
Actuou na matemática, na física, na geometria, mas é com as suas reflexões filosóficas e
teológicas que mais surpreende a humanidade. Só não contribuiu mais, devido à sua morte
prematura aos 39 anos.
        Os seus escritos filosóficos exprimem com incomparável eloquência as ansiedades que
agitam a alma humana. Ao longo dos seus escritos, pode-se notar um certo cepticismo,
pessimismo e misticismo; sente-se no entanto, uma forte disciplina do espírito filosófico e
teológico. Mais do que a disciplina, a inspiração. O pensamento de Pascal tem raízes
profundas na análise do infinito, que no seu tempo ressurgiram com nova roupagem.
        Para o presente trabalho, tivemos como suporte a edição de “Os pensadores” de Pascal, e
quando citamos os fragmentos dos Pensamentos, no final da citação, oferecemos o número
correspondente da ordenação precedido de fragmento.
        Sendo assim, e para que pudéssemos materializar o nosso propósito, dividimos o
trabalho em três capítulos (parte textual), onde abordamos as questões que achamos de maior
pertinência e objectividade, além da parte pré-textual e pós-textual.


                                                                                                2
Assim, a parte pré-textual contém: dedicatória, agradecimentos, citação, resumo,
introdução, vida e obras.
    No primeiro capítulo, pretendemos analisar as bases teóricas fundamentais para uma
verdadeira compreensão do homem pascalino, o que nos remete para o estudo antropológico,
e a compreensão histórica e teológica do homem, através dos dois estados da natureza
humana “antes e depois o pecado”, para que possamos fundamentar melhor o conhecimento
do homem nas suas múltiplas dimensões, como ser natural e racionalmentete limitado, e
melhor comprender os paradoxos que o afligem.
      No segundo capítulo, iniciaremos a nossa análise, refletindo sobre a desproporção
existente entre o homem perante pesquisas da natureza, para depois incidirmos o nosso
estudo nas dimensões do conhecimento e nos paradoxos da condição humana, que estão
intimamente ligados à insuficiência e à miséria humana.
      No terceiro capítulo, incidiremos o nosso estudo na dimensão psicológica do homem
pascalino, abordando primeiramente a constituição do “eu” no mundo, a grandeza e a miséria
humana e, por último, a graça, como atalho fundamental para a conquista do divino.
      Finalmente, concluiremos a monografia e destacaremos as referências bibliográficas, de
acordo com a “ABNT 6023 – 2000” que utilizamos como base para iniciar a investigação e
elaboração desta monografia.




                                                                                          3
1.1.    Vida e obras


      Filho de Étienne Pascal e Antoniette Bejon, Blaise Pascal nasceu em 19 de Junho de
1623, em Clermont-Ferrand, na França. Quando tinha apenas três anos, perdeu a mãe e, como
era o único filho do sexo masculino, o pai encarregou-se directamente da sua educação.
Étienne desenvolvia um método singular de educação do filho, com exercícios de diversos
tipos para despertar o apego à razão e ao juízo correcto. Geografia, história e filosofia eram
disciplinas ensinadas, sobretudo, por meio de jogos. Acreditava, que aulas de matemática só
deveriam ser ministradas ao filho quando este estivesse mais maduro. (Falceta, 1998b)
     Assim sendo, mantinha longe de Pascal os grossos livros de matemática, mas das
conversas que ouvia ou de obras que passavam pela censura do pai, logo descobriu as
maravilhas da ciência dos números. Mesmo sem professor ou livro guia, passou a
desenvolver os seus estudos. Um dia, o pai surpreendeu-o desenhando no piso figuras
geométricas com carvão. Fez por intuição, várias das proposições da matemática de Euclides.
Foi dada a Pascal a permissão para que avançasse livremente sobre aqueles ramos do
conhecimento.
     Pascal juntou-se aos sábios do círculo de Mersenne quando tinha 13 anos de idade. Ali,
pode coleccionar informações para desenvolver mais rapidamente seus trabalhos. Aos 17
anos, descobriu e publicou uma série de teoremas em geometria projectiva, fundamentais ao
desenvolvimento tecnológico futuro, no campo da aviação." (Falceta, 1998c).
     Posteriormente, para ajudar o pai, sempre ocupado com números, dedicou-se a criar
uma máquina de calcular. A partir de 1647, Pascal passou a dedicar os seus dias à aritmética.
Desenvolveu cálculos de probabilidade, a fórmula de geometria do acaso, o conhecido
Triângulo de Pascal e o tratado sobre as potências numéricas.
     Na física, contribuiu no campo da hidrostática, desenvolvendo importantes estudos
sobre a pressão atmosférica; escreveu o texto Prefácio ao tratado sobre o vácuo, no qual trata
da questão da Ciência e da tradição.
     Outro trabalho científico nesta fase: o Tratado sobre as Potências Numéricas, no qual
trata dos elementos "infinitamente pequenos".
     Entre outras obras suas, citam-se Nouvelles Expériences sur le Vide (Novas
Experiências sobre o Vácuo, 1647) e Discours sur le Passions de l’Amour (Discurso sobre as
Paixões do Amor); De Alea Geometriae (O Jogo da Geometria); Memorial; Oração para
pedir a Deus a graça de fazer bom uso das enfermidades e Pensées (Pensamentos), que

                                                                                            4
constituem um conjunto de reflexões pessoais acerca do sofrimento humano e da fé em Deus.
Deixou também um conjunto de reflexões sobre a condição humana, sobre os meios de se
atender a verdade, sobre a miséria e a grandeza do homem em relação a Deus.
      O trabalho excessivo minou a sua saúde, débil por constituição, e cedo ficou
gravemente doente. Em 1648 frequentou, com a sua irmã Jacqueline, os seguidores de Saint-
Cyran, que o levaram ao misticismo de Port-Royal. Depois da morte do pai, o seu fervor
religioso arrefeceu um pouco, iniciando-se o chamado período mundano de Pascal, devido
em parte à proibição médica de dedicar-se a trabalhos intelectuais, prejudiciais à sua saúde.
      A crise mundana foi superada na noite de 23 de novembro de 1654, graças a uma
espécie de visão mística.
      Pascal morreu em Paris, aos 19 de Agosto de 1662, depois de atrozes sofrimentos, que
soube suportar com grande resignação. As suas últimas palavras foram: "Que Deus jamais me
abandone!"




                                                                                                5
1.2.    Fundamentação teórica

     A escolha do filósofo “Blaise Pascal”, para elaboração da monografia, prende-se em
primeiro lugar, pela grandiosidade com que Pascal, contra tudo e todos propõe uma ruptura
epistemológica, que rompe com os traços característicos da Modernidade, defendidos
nomeadamente por filósofos como Descartes, Francis Bacon, Espinosa e Malebranche. Pascal
propõe métodos, para cada problema. Haveria tantos métodos quanto aos problemas a serem
resolvidos, diferente de Descartes, que tem um único método.
     Em segundo lugar, pela genialidade que revelou desde cedo tendo dedicado grande
parte da sua vida reflectindo sobre a ciência (matemática e física), a filosofia e a teologia,
tentando conciliar a fé e a razão, que estiveram em conflito a partir do início da Modernidade.
Reconheceu a autonomia da razão como grandeza humana no campo científico, onde a
autoridade era inútil, e a miséria humana como sendo a vivência do homem mergulhado no
pecado; e a única forma para sair deste estado, é a verdadeira conversão, assim demonstraria
que a razão e a autoridade tem campos delimitados.
     Em terceiro lugar, por ser um filósofo apaixonante, pela visão que tinha sobre a
condição paradoxal do homem, pela profundidade das suas reflexões, pela actualidade que o
seu pensamento goza passados três séculos após a sua morte, e também pelo percurso como
homem libertino de Port Royal, tendo optado pela verdadeira conversão religiosa, como
forma de se libertar da concupiscência, e levar uma vida austera.
     E em quarto lugar por sua obra ser destacada entre os estudiosos deste campo, seja por
cientistas, filósofos, teólogos entre outros, mas que não tem tido uma dimensão académica a
altura da sua grandiosidade.
     Tem-se como intenção ao elaborar esta monografia, divulgar sua Obra, e tornar mais
inteligível a sua visão antroplógica em que o homem se encontra em constantes paradoxos.




                                                                                             6
CAPÍTULO - I

          “CONCEPÇÃO HISTÓRICA DO HOMEM PASCALINO”


    1. Antropologia pascalina

     Neste capítulo, pretendemos analisar as bases teóricas fundamentais para uma verdadeira
compreensão do homem pascalino, o que nos remete ao estudo antropológico, e à
compreensão histórica e teológica do homem, através dos dois estados da natureza humana
“antes e depois do pecado”, para que possamos fundamentar melhor o conhecimento do
homem nas suas múltiplas dimensões, como ser natural e racionalmente limitado, e melhor
compreender os paradoxos que o afligem.
     No século XVII, a fundação das ciências encontra o seu ponto de partida, segundo a
ordem das razões, numa análise do homem e da sua constituição, numa antropologia. É no
homem que se encontra a chave que permite fundar um conhecimento verdadeiro e explicar
como se pode atingi-lo. Da consciência de que o conhecimento pode ser alterado pelo
trabalho das paixões, comum à maioria dos filósofos clássicos, decorre a necessidade de
purificar o pensamento de todos os elementos provenientes do conhecimento sensível.
     Diferente dos seus contemporâneos1, Pascal não retoma o discurso sobre as paixões. Não
existe na psicologia pascalina qualquer conflito entre a fé e a razão, nem entre a alma e as
paixões, que viriam de algum modo impedir o pleno desabrochar da razão. É impossível para
Pascal modificar o intelecto, purificando-o da influência das paixões, pois essa modificação
exigiria uma perfectibilidade virtual no homem, ao passo que o pecado original lhe retirou em
definitivo toda a capacidade de progresso.
     Na realidade, enquanto os seus contemporâneos pensam o homem como composto de
alma e corpo, de racionalidade e concupiscência, de um elemento positivo e de um elemento
negativo, Pascal embora retome essa dualidade, não pode pensá-lo como presença simultânea
de um princípio positivo e um negativo no homem, a respeito do qual pensa que o pecado de
Adão lhe interditou definitivamente qualquer saída do “estado de menoridade” em que está
mergulhado.
     Assim, a antropologia de Pascal leva em conta duas doutrinas, o que torna difícil a sua
compreensão. O primeiro estrato é constituído pela concepção dualista do homem como ser

1
 “Descartes, Francis Bacon, Espinosa e Malebranche” cujo objectivo era a procura de um método universal que
constituísse um conhecimento seguro.

                                                                                                         7
dotado de uma alma e de um corpo que se poderia chamar de platónica2, e o segundo é
constituído pela antropologia Cristã “Santo Agostinho”, noção de pecado original.
     Pascal efectua duas mudanças na teoria platónica. A primeira concerne ao corpo,
englobando uma noção muito mais vasta da carne: ela designa que é material, e o que se opõe
ao movimento da elevação para Deus. A segunda consiste na introdução de um novo
elemento, o coração, que não pode ser identificado à alma platónica3. Para compreender qual
a realidade que a noção do coração abrange, pode-se, lembrar que, no momento da conversão,
Deus age sobre o coração, tornando-o receptivo à sua lei. “Eu vos darei um coração novo,
porei em vós um espírito novo, retirarei de vossa carne um coração de pedra e vos darei um
coração de carne”.(Ezequiel, 36, 26).
     O coração é considerado ao mesmo tempo o receptáculo da lei e o lugar de irradicação
dessa lei no corpo e, assim, subtraído à lei oposta da carne. Pode-se considerar o coração
como sinónimo de vontade que dirige o seu amor a Deus – e então será fonte de caridade e a
carne será a fonte da concupiscência. Como veremos, o coração é muito mais que uma
faculdade volitiva, pois pode também, conhecer.
     No centro da doutrina agostiniana, há a noção de pecado original, que constitui o
momento da mudança da natureza humana. Pascal fará a distinção entre os dois estados do
homem “antes e depois do pecado”, a cada um corresponde a uma visão do homem, base do
seu projecto antropológico. Este, baseia-se na constatação deste duplo estado da natureza
humana, que se reflete na presença de sinais de um e de outro. Colocando enfoque essa dupla
natureza do homem, a apologia deve produzir um choque na razão presa na contradição entre
a grandeza e a miséria do homem desconcertado pela copresença de factores incompatíveis.
     É a antroplogia agostiniana que orquestra todos os movimentos que deviam compor a
apologia pascalina. Mas, apesar do seu carácter originalmente religioso e do seu quadro de
desenvolvimento apologético, o móvel da antropologia pascalina ultrapasssa em muito uma
reflexão moral sobre o homem para abranger uma ontologia e uma epistemologia. A partir
dessa antropologia Pascal pode pensar os fundamentos da natureza do homem e desenvolver
as suas reflexões metodológicas.


2
  PASCAL– “Figuras do Saber” pág 34. “Esta diferença é válida sob a condição de se fundamentar bem as
diferenças ou semelhanças com o dualismo cartesiano e, depois, de considerada a parte do platonismo, no
agostinismo jansenista.
3
  PASCAL– “Figuras do Saber” pág 34. “As diferenças, que ele não mensiona P. Guénancia acrescenta que
existe entre um homem composto de alma e de corpo, como em Platão, o um homem na qual coabitam duas
naturezas, como em Agostinho e em Paulo, cf. P. Guénancia, Descartes et l´ordder politique, Paris PUF, 1983.
P. 162-3.

                                                                                                          8
Verificamos que ao longo dos seus escritos, funda um campo antropológico da
insuficiência humana, partindo de uma questão propriamente teológica, para chegar aos
aspectos psicológico, social, político, epistemológico e mesmo ontológico dessa
insuficiência.
    Não nos ocuparemos em particular da questão epistemológica, antes buscaremos lançar
algumas luzes sobre essa questão como mais um campo do problema antropológico da
insuficiência. Para nós, o problema da concepção antropológica do homem se revelará como
cenário de fundo para todo o seu pensamento: o homem é um ser insuficiente por definição. É
a consciência desse drama humano, que na obra pascalina será tratada em diversos modelos
temáticos, e é no conteúdo empírico desses modelos que entendemos por diversidade da
insuficiência, o qual iremos abordar ao longo do trabalho.




                                                                                         9
1.2.    A natureza do homem antes do pecado

    O estado em que Adão encontrava-se antes do pecado era de santidade e, sobretudo, de
inteligência completa e total. No estado de perfeição todas as faculdades de Adão eram
ordenadas para lhe permitir atingir a felicidade representada pela visão e conhecimento de
Deus. Além disso, a natureza inteira estava disposta em função de Deus, segundo uma
hierarquia que permitia atingir a felicidade máxima. Os seres estavam dispostos em sequência
ordenada, do menos perfeito ao mais perfeito, cada um dominado pela vontade do ser
superior que o dirigia, em compensação a essa dominação, rumo à felicidade.
    O mesmo acontecia com cada ser, todas as suas faculdades, seguindo a mesma
hierarquia. Assim, as faculdades humanas estavam submetidas umas às outras em função do
seu grau de perfeição e de participação na felicidade total de Adão.
    A concupiscência estava subordinada à vontade que se deixava guiar pelo intelecto. Este,
oferecendo uma visão e um conhecimento perfeito de Deus, permitia ao homem atingir a sua
felicidade completa. Os membros do homem, por sua vez, obedeciam completamente e sem
oposição às ordens que vinham da vontade, pois não era o lugar de aplicação de uma lei
oposta à que neles estava presente.
    Entre a concupiscência, “o amor da carne”, a caridade, “amor de Deus”, não havia
oposição, mas subordinação. Esse estado e inocência natural é inseparável aos dons da graça,
e é identificada com a natureza original do Homem.
    Em si mesma, a vontade não é senão o desejo de querer atingir o que satisfaz,
independente de qualquer objecto particular. Visto que o desejo natural de todos os seres
humanos é a felicidade, a vontade se dirige para os objectos cujo intelecto indica como
podendo dar-lhe o máximo de ventura. Nesses estados o homem não ama senão a Deus, no
qual encontra a sua beatitude. Todo o amor que tem por si mesmo ou que dedica às criaturas,
não passa de um amor parcial, que é um meio que, parando nas criaturas, tem por fim o amor
de Deus, isto é, a caridade. Quando o homem respeita essa ordem ele é glorioso e poderoso.
Porém o homem querendo se igualar a Deus movido pela ambição acabou caindo na segunda
natureza, que fez dele um ser mísero e paradoxal.
    Para nós, o estudo desse estado em que Adão se encontrava, revela alguns dados
essenciais. Ainda que sem qualquer sujeição à concupiscência, isto é, sem sofrer a terrível
atracção pelo amor de si mesmo, Adão, para realizar o seu fim supremo, necessita da acção
divina, uma vez que a primeira natureza é uma realidade insuficiente sem o mal.


                                                                                         10
1.3.     A natureza do homem depois do pecado

       Se a primeira natureza é uma realidade insuficiente sem o mal, a segunda é a
insuficiência vivida com o mal – insuficiência concupiscente.
       Este princípio “Queda”, que Pascal trabalha, tem a sua origem no pecado do homem
diante do seu criador. O homem quis fazer de si causa final e objecto de delícias prescindindo
do único e digno de tal status: Deus. Por essa razão, o homem-criatura foi precipitado a um
segundo estado de natureza. Já não mais um estado sadio como fora criado outrora, mas sim
um estado no qual as suas misérias lhe são visíveis, e mais, são causa de inquietude e
tormento.
       O pecado consiste num acto de orgulho da vontade que se revela contra a ordem em que
se encontrava o homem4 e muda o centro da sua vida. Em vez de considerar Deus como
centro e objecto de seu amor, o homem coloca a vontade no centro do seu amor. Essa
mudança atinge todos os planos do ser humano.
       No interior do homem, a razão foi atingida por três vezes: não pode conhecer os
primeiros princípios que lhe são comunicados pelo coração; a verdade não pode ser recebida
na alma a menos que seja aceita pela vontade, que é o guia do intelecto; a razão é atingida
uma terceira vez pela guerra que trava com a imaginação. Essas três limitações fazem com
que a razão não esteja em condição de fixar um valor às coisas.
       Se no estado de perfeição, a razão, que encontrava a sua fonte na luz comunicada por
Deus, estava em condição de guiar todas as suas faculdades, no estado de pecado ele se deixa
guiar pelos sentidos na busca do prazer da carne. Os sentidos orientam a razão, rumo ao
conhecimento da criatura, e a satisfação de todas as necessidades do corpo enquanto carne.
No estado de pós-queda, o homem encontra-se numa situação tal que, tendo a vontade
operado esse deslocamento, os sentidos podem indicar à razão onde se encontra o prazer e
levá-lo ao conhecimento dos objectos que o satisfaçam. Mas, fazendo-se de si, o centro
inverteu também a ordem hierárquica em que se encontrava em relação aos outros seres.
       Antes do pecado havia uma espécie de graduação dos seres, que partindo do mais baixo
grau de perfeição, o dos animais, passando pelos homens chegando até Deus, definia também
estados de dominação dos mais perfeitos sobre os menos perfeitos. Amor de Deus e
submissão à sua vontade coincidiam perfeitamente na vontade do homem. Assim, todos os

4
    PASCAL - “ Oeuvres Complétes, pág. 952” ... O pecado original somos todos culpados...”


                                                                                             11
seres animados lhe eram submissos, como ele próprio era submisso a Deus. Depois do pecado
a desordem introduzida no mundo pela mudança do centro, o desejo repercutiu também nas
relações de dominação e de submissão, assim como entre o homem e a criatura. O pecado
subverteu a ordem em que as faculdades humanas estavam dispostas, perturbando a
hierarquia que lhes permitia atingir a visão de Deus. O intelecto e o espírito sofreram as
consequências do pecado que enfraqueceu de modo considerável as suas capacidades.
    Concordamos com Pascal, quando afirma que “...o homem é uma criatura que o pecado
impede de coincidir consigo mesmo, esquartejado entre o coração que sabe com certeza um
saber indemonstrável e a razão que não pode senão tender para o saber convincente”.
    Diante deste quadro, afirmamos que a antropologia pascaliana, fundado num princípio
teológico (o homem é um ser decaído), é, antes de tudo, uma antropologia que se pode
observar, pois é passível de verificação na realidade (o homem não é soberano). A queda é
um mito que explica o que vemos no quotidiano.
    A problemática das duas naturezas, que vimos apresentam um conceito de insuficiência
não sob um formato de falta de algum componente estrutural, mas de um cenário no qual a
insuficiência surge como consequência de uma não organização entre os componentes
antropológicos do homem: Adão era feliz e desejou o mal. Pensar o homem como um ser
atormentado por ter duas natuezas é uma das figuras mais fortes da condição insuficiente,
pois ela nos remete a uma espécie de falta de funcionalidade humana em virtude de uma
multiplicidae de estruturas antropológicas componentes.
    Pode-se concluir que, na antroplogia pascalina, o homem é o que ele é, antes e depois do
pecado, não porque é um senhor sem Deus, mas porque Deus planeou o Homem como uma
criatura que só pode ser completa quando ligada-se a Deus.




                                                                                         12
1.4.     A compreensão do homem

     Pascal empenha-se no estudo do homem pela necessidade de comunicação, que não é
apenas com os outros, mas também consigo mesmo, isto é, clareza e sinceridade consigo
próprio. “O homem que foi feito visivelmente para pensar 5” (...) devia começar a pensar em
si próprio, mas tal não acontece e procura-se de preferência a ciência das coisas exteriores.
     O homem deve começar por si, a sua tarefa essencial e primeira é a de conhecer-se a si
mesmo. Mas para tal a razão não lhe serve de nada. Como guia do homem, a razão é débil,
inútil e incerta. Ela submete-se facilmente à imaginação, ao costume e ao sentimento, que
impelem o homem para extremos opostos, e a razão que devia instituir regras é flexível e
incapaz de a instruir.
     Uma outra via de acesso à realidade humana é o coração. O coração, diz Pascal, “tem
razões que a razão desconhece6”, entender e fazer valer as razões do coração é a tarefa do
espírito de finura.
     O antagonismo entre coração e razão, entre o conhecimento demonstrativo e a
compreensão instintiva é expresso por Pascal como um antagonismo entre o espírito de
geometria e o espírito de finura. No princípio de geometria, os princípios não são palpáveis,
alheios ao uso comum, e difíceis de ver; mas, uma vez vistos, é impossível que nos fujam. No
espírito de finura, os princípios estão no uso comum, perante os olhos de todos7. As coisas
relativas à finura sentem-se mais do que se vêem, requer um esforço imenso para as fazer
sentir aos que não sentem por si e não se podem demonstrar completamente porque não se
conhecem os seus princípios como se conhecem os da geometria. O espírito de finura vê o
objecto de um só golpe de vista e não através do raciocínio. A diferença é que o primeiro
raciocina e o segundo compreende.
     A eloquência, a moral, a filosofia fundam-se no espírito de finura, isto é, na compreensão
do homem, e quando dele prescindem tornam-se incapazes de atingir os seus objectivos. O
homem não pode conhecer-se como objecto geométrico, não pode comunicar consigo mesmo
e com os outros mediante uma cadeia de raciocínios.


5
  PASCAL - “Os Pensadores”frag 146. pág 76 “O homem é visivelmente feito para pensar, toda a sua dignidade
e todo o seu mérito; e todo o seu dever consiste em pensar correctamente”(...)
6
  PASCAL - “Os Pensadores”frag 277. pág 107- “O coração tem suas razões que a própria razão desconhece:
percebe-se isso em mil coisas”...
7
  PASCAL - “Os Pensadores” frag 1. pág 37 “ A diferença entre o espírito de geometria e o espírito de finura,
num os princípios são palpáveis, mas afastado do uso comum; (...) no outro os principios são de usocomum aos
olhos do mundo...

                                                                                                          13
A maior baixeza do homem é a procura da glória, por mais posses que tenha na terra, por
mais saúde e comodidade que possua, não se sente satisfeito se não conta com a estima dos
homens. Ele considera a razão do homem tão grande que, por maior vantagem que tenha na
terra, não se considera satisfeito se não estiver também vantajosamente colocado na razão
humana. É o mais belo lugar do mundo, e nada pode desviar o homem desses desejos. É essa
a qualidade mais indelével do coração humano.
       Os que mais desprezam os homens igualando-os aos animais, ainda querem ser
admitidos e acreditados, por isso contradizem por seu próprio sentimento, a sua natureza é
mais forte do que tudo, convence-os de grandeza do homem mais fortemente do que a razão
os convence da sua baixeza8.
       Neste capítulo, pensamos que está evidente o marco controverso em que Pascal se
demarca dos seus comtemporâneos, relativamente ao método para se chegar ao conhecimento
e ao conflito entre “fé e razão”. Por isso, Pascal propõe um pluralismo metodológico. Embora
Pascal aceite a dualidade “fé e razão”; mostra-nos que essas duas faculdades nunca entram
em conflito. Para isso, ele mescla duas doutrinas, “a platônica e a agostiniana”, em que na
primeira introduz a noção de coração, como elemento fundamental para o conhecimento, e a
segunda aproveita a noção do pecado original, como factor limitador do conhecimento de si
mesmo e da natureza.
       Está claro para nós, a distinção que Pascal faz entre os dois estados do homem “antes e
depois do pecado” e que a cada um deles corresponde uma visão do homem, que constui a
base do seu projecto antropológico. Esse projecto tem como tema central as questão da
“queda” ou então a perda das faculdades que o orientavam para Deus, para ater-se numa
dimensão em que a sua razão foi atingida, decaindo do estado de extrema perfeição para uma
segunda natureza, em que tudo se inclina para o conhecimento da criatura e a satisfação dos
prazeres da carne.
       Acreditamos também que, a partir desse projecto antropológico, Pascal pensou todos os
fundamentos da natureza humana, e desenvolveu as suas reflexões metodológicas tornando
possível uma leitura objectiva da sua posição quanto à condição do homem.
       Por isso, pensamos que não se trata de um voltar-se para si soberbo, nem de uma rejeição
de todas as qualidades do homem, mas sim de um processo de renúncia de toda e qualquer
forma de concupiscência. Trata-se de um voltar-se sério e objetivo para a sua condição de
finitude e da aceitação desta situação, para procurar a verdade.

8
    PASCAL - “Os Pensadores” frag 404 - pág 133

                                                                                            14
Parece-nos também que não se pode abstrair da reflexão psicológica, caso queiramos
compreender em que consiste o conhecimento e a reflexão sobre “si”, onde a tarefa
primordial é o “conhecer a si mesmo”, a sua grandeza, em que o homem se reconhece como
mísero; e a sua miséria quando o homem não consegue se livrar das amarras que o prendem,
fruto da decadência humana, e a necessidade de comunicação consigo mesmo, em detrimento
da procura das coisas exteriores.
    A conclusão extraída desse capítulo, é que o estudo e a compreensão da antropologia
pascalina passa necessariamente pelo estudo e a interpretação dos dois estados “antes e
depois do pecado”; o que nos serviu de guia inicial, como força motriz para alargar a nossa
pesquisa para outros domínios da condição humana. Nesse capítulo, pusemos tónica
principalmente nas aptidões que o homem possuía, quando estava subordinada ao amor de
Deus, e quando perdeu esse mesmo amor. Com a mudança desse amor, para com Deus, na
sua infinita bondade, o homem passou a ser objecto e artífice do seu próprio amor. Nesse
aspecto, Pascal mostra-nos claramente as consequências desse acto de desobediência e as
suas verdadeiras consequências.
    Revisitando tudo o que foi dito, podemos chegar a algumas conclusões importantes. Não
existe na psicologia pascalina conflito entre a fé e a razão, nem entre a alma e as paixões,
como defenderam alguns dos seus contemporâneos. Entretanto, Pascal apoia-se em duas
doutrinas: a concepção dualista platónica do homem como ser dotado de uma alma e de um
corpo; e a segunda, a concepção cristã “Santo Agostinho”, noção de pecado original.
    Vimos também, o estado em que Adão se encontrava antes do pecado: era de santidade e
sobretudo, de inteligência completa e total. Todas as faculdades estavam ordenadas para
poder atingir a felicidade pela visão e pelo conhecimento de Deus. Pela desobediência, o
homem foi precipitado no segundo estado de natureza motivado por um acto de orgulho,
“pecado”, da vontade que se revelou contra a ordem, na qual se encontrava o homem.
    Pensamos que é na dimensão histórica – teológica: criação, queda e redenção – que
podemos esperar alguma luz sobre o estado insuficiente do homem. A queda surge como uma
hipótese explicativa que busca iluminar, na forma de um mito, um dado observado
empiricamente. É a partir daí que a questão das duas naturezas, antes e depois da queda,
surgirá como uma análise antropológica que tentará pensar a insuficiência e os seus graus de
manifestação.
    Por isso, Pascal empenha-se no estudo do homem pela necessidade de comunicação, que
não é apenas comunicação com os outros, mas também comunicação consigo mesmo, isto é,


                                                                                         15
clareza e sinceridade consigo próprio. Para tal, a razão não lhe serve de nada, uma vez que
não possui o monopólio do conhecimento humano. Assim sendo, Pascal vê o coração como
outra via de acesso à realidade humana.
    Conclui-se que, a postura de Pascal, a nosso ver, é definida como “anti-humanista”,
porque para ele, o humanismo significa esquecer o Divino. isto é, de certa forma, a mesma
atitude que Adão teve, ao virar as costas para Deus, e afirmar a sua própria suficiência como
criatura. Nesse caso, entendemos a concupiscência como o abandono de Deus. Por isso, para
sermos capazes de desejar de modo recto, precisamos pedir ajuda a Deus.
    Em forma de síntese, podemos verificar que Pascal, no seu estudo antropológico, se
demarca dos seus contemporâneos, no que tange ao conhecimento, propondo um pluralismo
metodológico. Mescla a doutrina dualista platónica e a agostiniana, introduzindo a noção de
pecado original. Pascal, enfatiza a questão da dupla natureza humana, como forma de melhor
compreender s situação actual do homem. Por isso, assinala as qualidades que o homem
possuía antes da Queda, “natureza sadia e o amor direccionado à Deus”, e as qualidades da
segunda natureza, pós-Queda, onde impera o “amor à criatura e a concupiscência”. Por isso, o
homem deve empenhar-se e conhecer-se a si mesmo a partir das suas insuficiências, como
um ser historicamente dividido, extraviado e esquartejado entre duas naturezas antagónicas,
no qual não é possível existir comunicação entre as três ordens “carne, espírito e vontade”.




                                                                                               16
CAPÍTULO - II

    “CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA DO HOMEM PASCALINO”



    1. Desproporção entre o homem e a natureza

      No segundo capítulo do nosso trabalho, iniciaremos a nossa análise, reflectindo sobre a
desproporção existente entre o homem perante pesquisa da natureza, para depois incidirmos o
nosso estudo nas dimensões do conhecimento e nos paradoxos da condição humana, que
estão intimamente ligados à insuficiência e à miséria humana.
      No primeiro caso, pelo homem estar dividido entre dois abismos “o infinitamente
grande e o infinitamente pequeno”, o que caracteriza a sua situação de desproporção em
relação aos dois extremos; no segundo, pela incapacidade do homem em conhecer as
verdades ontológicas uma vez que está vedado ao homem o conhecimento racional da
verdadeira essência humana, e em terceiro, pela sua situação paradoxal subjacente à miséria,
a insuficiência e a opção pelo ser imaginário, em detrimento da sua verdadeira condição.
      Ao refletir sobre a relação entre o homem e a natureza, Pascal vê o carácter insuficiente
da existência humana, porque a razão se depara com aquilo que a ultrapassa infinitamente. O
homem encontra-se num estado de desproporção em relação à natureza, e isso indica os
limites da capacidade racional de conhecer as coisas.
      O homem está entre dois abismos, “o infinitamente grande” e o “infinitamente
pequeno”. O carácter infinito da natureza impossibilita qualquer relação proporcional. A
desproporção entre a finitude humana e a natureza, mostra a impossibilidade de acesso ao
plano essencial das coisas infinitas. O mesmo tipo de abismo que encontramos no
infinitamente grande da natureza, surge também no infinitamente pequeno9.
      A partir da consideração da insuficiência cosmológica e epistemológica do homem,
Pascal convida-nos a combater a “presunção” no campo do conhecimento científico, que
conduziu os homens a ambicionarem alcançar o princípio das coisas, confiando ter alguma
proporção com estas mesmas.
      Tendo em vista que o duplo infinito impossibilita ao homem o alcance do
conhecimento acerca da matéria, cabe a ele constatar a sua falta de proporção com as coisas,

9
 PASCAL - “Os Pensadores” frag 72 – pág 52 “(...) O homem é um nada em relação ao infinito; tudo em
relação ao nada; um ponto intermediário entre o nada e o nada “(...)

                                                                                                17
situada entre os “dois abismos do infinito e do nada”. Segundo Pascal, não podemos conhecer
as coisas devido à nossa desproporção em relação a elas. Devemos, portanto, combater a
presunção, que produz equívocos nos resultados a que chegam os conhecimentos das
ciências. Desse modo, temos no pensamento filosófico, um direcionamento epistemológico
que ressalta a importância ética da consideração dos limites do conhecimento humano.
      O duplo infinito da natureza sugere os limites do conhecimento racional; o homem é
incapaz de apreender os princípios últimos do conhecimento verdadeiro. A propriedade do
duplo infinito também se exprime na concepção pascalina de homem como “caniço
pensante10”. Essa noção caracteriza dois aspectos da condição humana: o homem é
materialmente limitado por um corpo finito, e a razão é incapaz de compreender a infinitude
do espaço, mas conhece a existência do infinito. Esses aspectos ressaltam a finitude do corpo
e a amplitude da razão. Cabe à razão a produção do conhecimento, e o conhecimento dos
limites do corpo.
      Mas de acordo com Pascal, o acesso aos primeiros princípios dar-se-á por outras vias,
porque não há no homem uma compreensão imediata. O acesso deve provir do corpo, por
meio do “sentimento”. É o coração que apreende os primeiros princípios através do
“sentimento”. Desse modo, o corpo e a razão encontram-se num estatuto semelhante, e a
relação entre ambos é mediada pelo “coração”, e nenhum ocupa um patamar mais elevado na
hierarquia das condições do conhecimento possível.
      Os primeiros princípios, fornecidos à razão pelo “coração”, são os que possibilitam a
produção do conhecimento. O coração fornece os princípios com que a razão trabalha de
modo lógico-demonstrativo (o método geométrico). Consideramos que está descartada em
Pascal a possibilidade de fundamentar o conhecimento racional em termos ontológicos,
porque o processo racional trabalha a partir de referenciais que a razão é incapaz de
demonstrar.
      Ao considerar a dimensão epistemológica do pensamento pascalino, alcançamos a
desproporção como traço elementar do homem, “está vedado à razão, o alcance de verdades
ontológicas”, o que também significa não ser possível uma apreensão racional da essência
humana11. Concordamos com Pascal, quando diz que a razão não possui o monopólio do


10
   PASCAL- “Os pensadores” frag. 347. Pág 123 “O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza.
Mas é um caniço pensante(...)
11
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 72. Pág 55. “Assim, se [somos] simplesmente materiais nada podemos
conhecer; e se somos compostos de espírito e matéria não podemos conhecer perfeitamente as coisas simples,
espirituais ou corporais...”


                                                                                                       18
conhecimento. Neste caso, a análise de outras dimensões produtoras de conhecimento
representa um alargar do campo da compreensão do sujeito como um ser dividido.
     Achamos também pertinente a análise dessas dimensões, uma vez que em Pascal não há
a possibilidade de compreensão racional da identidade humana, visto a impossibilidade de
uma apreensão racional da sua própria essência, tendo em conta a sua situação de
desproporção cosmológica, e a sua posição entre os dois abismos do infinito e do nada.




                                                                                         19
1.1.   Dimensões do conhecimento em Pascal

       A relação entre o homem e a natureza em Pascal resulta no estudo das possibilidades e
limites do conhecimento racional. A desproporção aponta para uma dimensão que a razão não
abarca. Assim, ao delimitar o âmbito da produção das verdades racionais, Pascal realizou uma
“cisão” no conhecimento em diversas esferas12.
       Segundo Pascal, o coração é um parâmetro de apreensão da verdade que exclui da razão
o monopólio das certezas. Cabe ao coração a apreensão dos “primeiros princípios” como
“espaço, tempo, movimento, número, igualdade entre outros”. Esses conhecimentos são
naturalmente claros, imediatos e universais13. Esses princípios são necessários como apoio e
fundamento de todo o discurso racional. O coração apreende esses princípios por “instinto” e
por “sentimento” e a razão segue o seu percurso lógico-demonstrativo a partir desses
princípios. Portanto, o coração tem no “sentimento” e no “instinto” dimensões de
conhecimento que apreendem os seus objectos de modo imediato.
       Considerando que o coração constitui-se como apoio ao discurso racional, a razão
apreende o seu objecto de modo mediato. O coração “sente” os princípios e a razão trabalha de
modo discursivo e demonstrativo extraindo conclusões dos princípios que lhe são dados.
       Segundo Pascal, há uma diferença entre coração e razão14, entre conhecimento mediato e
imediato. O conhecimento racional dá-se através da presença de princípios, que a razão não
pode demonstrar, necessitando das certezas do coração. Já o coração não necessita do auxílio
de outra faculdade, ele “vê” claramente de um só “golpe de vista”. Por isso, o seu tipo de
conhecimento é imediato.
       Pensamos que ao distinguir razão e coração, Pascal exclui a razão da esfera do coração,
mas, essas faculdades acabam por se complementar, na medida em que, é o coração o
fornecedor da razão nos primeiros princípios. Sendo assim, o coração é como uma espécie de
instrumento mediador, a base de todo o conhecimento humano.
       O conhecimento dos primeiros princípios que servem como base ao discurso racional
constituem somente um dos aspectos do potencial do coração. Ao estabelecer a diferença entre
o “espírito geométrico” e o “espírito de finura”, Pascal indica alguns dos aspectos dessa

12
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 282. Pág. 107 “Conhecemos a verdade não apenas pela razão, mas também
pelo coração;
13
   PASCAL - “Os Pensadores”. Frag 434. Pág. 143 “Sentimos naturalmente em nós a certeza da verdade dos
primeiros princípios por sentimento natural”
14
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 252. Pág. 103 “A razão age lentamente, com tantos exames e em tantos
princípios que sempre devem estar presentes que a todas as horas” (...); sentindo não age assim; age em um
momento, e sempre está pronto agir...

                                                                                                       20
potência. O “espírito de finura” está ligado ao coração e encontra-se mais voltado aos
princípios indemonstráveis, “vê de um só golpe de vista”; já o “espírito geométrico”, ligado à
razão, volta-se para as coisas da ciência, para em seguida empregar o raciocínio.
      O coração tem ainda a “memória” como uma das suas dimensões do conhecimento, em
que o homem pode guardar a ideia das coisas. Essas ideias transformam-se em sentimentos15.
Outra faculdade que abarca o homem é a “imaginação” que é contrária ao sentimento porque
opera somente com as imagens corpóreas que a memória retém. Ao trabalhar com as imagens
corpóreas, a imaginação estabelece indevidamente nexos causais entre as imagens. “A
imaginação impede o homem de tomar conhecimento da verdade16”, da sua condição, na
medida em que o induz a chegar a conclusões falsas, mas, com caráter verdadeiro. Esse caráter
de verdade emprestado às imagens conduz o homem ao erro.
      A imaginação é contrária ao sentimento, mas a razão, por ser flexível, não é capaz de
distinguir estes contrários. Ela é considerada por Pascal como sendo responsável e autora da
criação do hábito no homem, e por isso impede-o de conhecer a verdade da sua condição, e o
induz a cultivar somente aparências, ampliando-as ou diminuindo-as e afastando os homens de
considerar as coisas tais como são.
      Outra dimensão do conhecimento corresponde ao “instinto”, que enquanto dimensão do
conhecimento pertence à ordem do coração. É a faculdade que actua como uma espécie de
revelador da condição dupla do homem. A partir dele o homem lembra-se da dignidade da sua
primeira natureza ou ainda desvia-se de pensar sobre as misérias de sua natureza actual.
      Embora o instinto e o coração apreendam a verdade de forma intuitiva e imediata, Pascal
aponta a diferença que há entre os dois: os conhecimentos advindos do instinto são mecânicos
e rígidos, marcam os aspectos da natureza animal do homem; já o coração caracteriza-se como
uma faculdade de conhecimento por excelência, na medida em que oferece à razão os seus
princípios primeiros. Assim, a diferença que Pascal assinala entre instinto e razão é também a
diferença entre a natureza animal e a espiritual. Como é através do instinto e da experiência
que o homem poderá conhecer as contrariedades da sua natureza, a razão, por si, não pode dar
conta de uma explicação plena do homem.


15
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 95. Pág. 63 “A memória, a alegria são sentimentos e mesmo as proposições
da geometria se tornam sentimentos, pois a razão torna naturais os sentimentos e os sentimentos naturais se
apagam pela razão”
16
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 82. Pág 58 “Essa soberba potência inimiga da razão, que se compraz em
controlá-la e em dominá-la para mostrar quanto pode em todas as coisas, estabeleceu no homem uma segunda
natureza...”


                                                                                                        21
Pascal considera os conhecimentos do instinto úteis à vida, porque levam o homem à
conservação da sua existência. O instinto é considerado conhecimento natural, mas ressalta
que nem tudo que o homem faz mecanicamente é um conhecimento natural, ou seja, um
conhecimento instintivo17. “O costume que faz do rei o temor de seus súditos não corresponde
a uma força natural, ainda que também seja pautado na repetição. Por costume o homem não
age instintivamente, mas pela força da repetição18”. Mas o homem toma o costume –
adquirido pela força da repetição – como sua própria natureza19.
       O corpo é responsável pela criação de costumes e desenvolve mecanismos que
conduzem o homem na adaptação a todo tipo de coisas que se repetem com frequência. O
corpo é como uma máquina que automatiza tudo o que é necessário para a sobrevivência. Essa
automatização que produz hábitos e costumes, retira a liberdade de agir de modo lúcido.
       O hábito modela uma natureza no homem que acaba por distanciá-lo da necessária
reflexão sobre a verdade da sua condição, na medida em que cria um ambiente artificial no
qual os homens acabam por viver de determinados modos, em função de hábitos adquiridos.
       Pascal desenvolve o tema do corpo-máquina como um obstáculo às faculdades
superiores da alma, “a razão e o coração”. Embora o homem seja na essência a união entre
corpo e espírito, o corpo-máquina é um obstáculo para o espírito, para se despir dos hábitos
que este fez o homem adquirir.
       Revisitando essa análise, temos a caracterização de algumas dimensões do
conhecimento em Pascal que nos permite analisar a relação do homem com a natureza
caracterizada pela finitude humana como marca central dessa relação. Vimos que, os limites
da capacidade racional impedem ao homem o acesso a verdades ontológicas. Isso equivale a
dizer que não há em Pascal a possibilidade do acesso racional à essência do homem.
       Assim, podemos concluir que o homem encontra-se numa cegueira cognitiva, diante da
desproporção, fraqueza intelectual diante da faculdade da imaginação, infinitas possibilidades
de significado para as palavras devido ao equívoco dos sentidos, vácuo existencial causado
pela constante combate entre o divertimento e o ennui (angústia), medo diante do silêncio dos
espaços infinitos e as eternas razões do coração.


17
   PASCAL - “Os Pensadores” frag.308. Pág. 115 “O costume de ver o rei acompanhado de guardas, de
tambores, de oficiais e de todas as coisas que levam ao respeito e ao terror faz com que seu rosto, quando ele está
às vezes sozinho e sem estes acompanhamentos, imprima em seus súditos o respeito e o terror...”
18
   PASCAL - “Os Pensadores” frag.91. Pág. 63 “Quando vemos um efeito repetir-se seguidamente concluímos
tratar-se de uma necessidade natural: amanhã será dia...”
19
   PASCAL - “Os Pensadores” frag.93. Pág. 63 “O costume é uma segunda natureza que destrói a primeira...”


                                                                                                               22
A partir da posição pascalina, assistimos ao drama da racionalidade local, dependemos
de um ponto de vista, a partir da qual, construímos o nosso pobre conhecimento racional local
em relação a uma série de fenómenos. Esse ponto de vista é o “limite” da nossa racionalidade
empírica, entendida como a sua “localidade”, de certa forma, pode-se considerar um
“provincianismo cognitivo”.
     Para nós, todos esses dados afirmam, de diferentes formas, o princípio da insuficiência,
seja ela tomada na sua face mística “boa face”, seja em sua face desgraçada “miserável”.
Sendo assim, a filosofia pascalina, representará sobretudo um conjunto de “olhares” diferentes
sobre essa profunda realidade.




                                                                                           23
1.2.   Paradoxos da condição humana

       Em Pascal não há a possibilidade de alcançar a compreensão essencial do homem,
caracterizada pela negação das percepções sensíveis. Portanto, não há no pensamento de
Pascal uma crítica directa das percepções sensíveis. Ao contrário, afirma a evidência dos
dados fornecidos pelos sentidos20. Tanto as percepções como a razão somente tornam-se
enganadoras quando tentam operar fora do âmbito a que pertencem.
        Mesmo que as percepções e a razão possam ser princípios de verdade a partir da
mediação do “coração”, estão em permanente conflito, enganando-se mutuamente. As
percepções conduzem a razão ao erro quando lhe fornecem impressões falsas; e a razão, por
sua vez, interpreta os dados sensíveis de modo equivocado. Esse conflito que surge entre razão
e percepções decorre dos próprios limites do intelecto finito.
       Tanto a imaginação como a vontade são dimensões do conhecimento que se estabelecem
nos limites do conhecimento racional. A imaginação é considerada uma parte enganadora no
homem, porque conduz ao erro, pronunciando sobre factos que estão além do seu alcance. Ela
é a faculdade responsável por fundar no homem a aparência de felicidade, riqueza, crenças e
todos os disfarces que o distanciam de pensar na sua condição miserável.
       Enquanto a razão faz ver no homem a sua miséria, a imaginação molda uma realidade
fora do âmbito dessa faculdade. A imaginação estabelece no homem a segunda natureza e um
mundo marcado pela aparência. O homem prefere representar para si e para os outros esse
disfarce, que a imaginação sobreponha à razão, em que o mundo que ela lhe oferece
proporciona mais prazer. Essa faculdade segundo Pascal é a “senhora do erro e do engano21”.
       A imaginação alicia o homem com promessas de prazeres que seu estado de miséria
revelado pela razão não pode cumprir. Enquanto essa faculdade pode oferecer satisfação para
o homem, a razão só pode lhe proporcionar desespero. Como sugere Pascal: “(...) Não pode
tornar sábios os loucos; mas os torna felizes, ao contrário da razão, que só pode tornar seus
amigos miseráveis; uma cobrindo-os de glória, a outra de vergonha22”.
       Tanto no plano epistemológico, como no moral e no psicológico reina a imaginação,
visto que, estas faculdades estão aliadas à busca do prazer, à satisfação da concupiscência. Sob



20
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 9. Pág. 40 “... “As percepções dos sentidos são sempre verdadeiras...”
21
   PASCAL - “Os Pensadores” frag.82. Pág. 60 “... A imaginação dispõe de tudo: faz a beleza, a justiça e a
felicidade, que é tudo no mundo.”
22
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 82. Pág. 59

                                                                                                       24
o ponto de vista da psicologia existencial é mais aprazível orientar-se pela imaginação,
possibilita a criação de um modo de felicidade e satisfação que a razão não poderia oferecer.
      A vontade também se instala como a imaginação no reconhecimento dos limites da
razão; a sua função cognitiva consiste em reconhecer esses limites. Desse modo, embora seja
ela que revele a condição insuficiente do homem em relação ao infinito, também conduz a
razão ao erro ao fazê-la extrapolar os limites que lhe são próprios.
      A vontade pode desviar a razão do caminho dedutivo-demonstrativo em relação à
produção dos saberes geométricos, ao persuadi-la a estabelecer como verdadeiros e válidos os
juízos produzidos geometricamente sobre objectos não geométricos. A vontade persuade a
razão da evidência dos princípios possíveis do conhecimento geométrico, assim como a
persuade da certeza das verdades divinas.
      A razão não pode alcançar um conhecimento acerca da essência dos objetos da natureza,
porque a miséria da razão é também resultado desses limites. A imaginação e a vontade,
quando extrapolam os limites da razão, marcam a sua miséria e, em consequência, marcam a
miséria da condição humana.
      É essa situação de desproporção perante o universo e a insuficiência que marcam a
miséria da condição humana em Pascal. No entanto, é também a consciência da própria
miséria que faz a grandeza do homem, "é necessário saber-se miserável para ser grande23”.
      Sendo a essência do eu racionalmente inapreensível, restam apenas as qualidades
exteriores observáveis pelas percepções. Todavia, o homem deve buscar conhecer-se para
ordenar a sua conduta, como diz Pascal, “é preciso conhecer-se a si mesmo; se isso não
servisse para encontrar a verdade, serviria ao menos para regular a vida, e não há nada mais
justo 24”.
      A impossibilidade da compreensão racional da sua essência leva-o a tomar consciência
desse estado para ordenar melhor a sua vida. Mas a imaginação encobre com artifícios o
estado de miserabilidade do homem e a vontade o persuade de não buscar se conhecer.
       A partir da análise da imaginação no pensamento de Pascal, podemos caracterizar essa
faculdade como produtora de enganos, porque forja no homem um ser imaginário. A opção
que faz pela imaginação leva-o a fugir de vivenciar a miséria da sua verdadeira condição. O
homem opta por se distanciar da verdade da sua condição, na medida em que a orientação do
seu ser no mundo é a dinâmica do prazer.

23
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 397. Pág. 132. “A grandeza do homem é grande na medida em que ele se
conhece miserável...”
24
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 66. Pág. 50

                                                                                                     25
Consideramos, desse modo, que o domínio da imaginação sobre o homem, leva-o a não
considerar racionalmente a verdade da sua condição, a opção pelo ser imaginário, faz notar o
rompimento entre a busca do conhecimento e a aspiração à felicidade. Todavia, ao optar pelas
construções imaginárias, o homem escolhe uma forma de felicidade marcada pela
inconstância, uma vez que, a imaginação deforma a imagem das coisas, e o homem é
direccionado a cultivar somente falsidades25.
      Julgamos que a imaginação ao actuar desse modo amplia as qualidades que o homem
julga possuir, e cria uma imagem de grandeza para preencher um espaço interno que se
caracteriza como miséria. Imaginando-se grande, o homem esquece-se de constatar as misérias
presentes na sua condição. A imagem de grandeza com a qual a imaginação veste o homem
não pode constituir o seu verdadeiro ser.
      A imaginação enquanto instância produtora de subjetividade afasta-nos da verdade do
ser do homem. Essa incapacidade é extremamente problemática, porque a própria ideia de
identidade do sujeito supõe uma permanência na continuidade.
      É certo que a análise da capacidade racional do homem em Pascal fez notar a
insuficiência humana perante um universo que o ultrapassa. Pensamos, e concordamos com
Pascal, que é do reconhecimento dessa insuficiência (da sua miséria) que faz o homem
grande. Já a imaginação pode ser caracterizada como a faculdade da contingência e da
insuficiência como miséria, uma vez que instaura no homem o sentimento de grandeza.
      No entanto, a uma conclusão se chega a partir da análise dessa faculdade: a opção do
homem pelo ser imaginário vai de encontro com a recusa em aceitar a sua condição de miséria
que ele mesmo encobre. Mas Pascal diz-nos que o homem só pode ser grande quando
reconhece a sua miséria, e tal facto sugere que a verdade do ser (a sua grandeza) deve passar
pela consideração da miséria.
      Deste capítulo, e em breves trechos, podemos concluir os seguintes aspetos pertinentes:
relativamente à natureza, o homem está entre dois abismos, “o infinitamente grande” e o
“infinitamente pequeno”. Esse duplo infinito impossibilita-o de alcançar o conhecimento da
matéria. Segundo Pascal, o “homem é materialmente limitado por um corpo finito, e a razão
é incapaz de compreender a infinitude do espaço”. Sendo assim, a desproporção é um traço
elementar do homem, “está vedado à razão, o alcance de verdades ontológicas”.


25
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 84. Pág. 62 “A imaginação amplia os pequenos objetos até encher- nos a
alma com eles, em uma avaliação fantasista; e numa insolência temerária diminui os grandes e os reduz à sua
medida, como ao falar de Deus”


                                                                                                        26
Ao delimitar o âmbito da produção das verdades, Pascal realizou uma “cisão” no
conhecimento em diversas esferas, razão e coração. Cabe ao coração a apreensão dos
“primeiros princípios” pelo “sentimento”, e a razão segue o seu o percurso lógico-
demonstrativo a partir desses princípios. O coração tem ainda a “memória”, o “instinto”,
como uma das suas dimensões do conhecimento.
      Não há no pensamento de Pascal, uma crítica directa das percepções sensíveis, ao
contrário, afirma a evidência dos dados fornecidos pelos sentidos. Segundo Pascal, as
percepções só conduzem a razão ao erro, quando lhe fornecem impressões falsas, e a razão
interpreta os dados sensíveis de modo equivocado.
      A imaginação é considerada uma parte enganadora no homem porque conduz ao erro,
pronunciando sobre factos que estão além do seu alcance. Enquanto a razão faz ver no homem
a sua miséria, a imaginação molda uma realidade fora do âmbito dessa faculdade. A
imaginação alicia o homem com promessas de prazeres que o seu estado de miséria revelado
pela razão não pode cumprir, enquanto essa faculdade pode oferecer satisfação para o homem,
a razão só lhe pode proporcionar desespero.
      A razão não pode alcançar um conhecimento acerca da essência dos objectos da
natureza, porque a miséria da razão é também resultado desses limites, e é essa situação de
desproporção perante o universo e a insuficiência que marcam a miséria da condição humana
em Pascal.
      Sintetizando, podemos afirmar que, para Pascal, o homem encontra-se no meio de dois
abismos, o que deixa claro a sua situação de desproporção com a natureza, mas também entre
as três ordens. Existe então, uma desproporção teológica, cosmológica e epistemológica
quando se trata dos limites do conhecimento humano. Por isso, torna-se necessário o estudo
dessas mesmas dimensões.
      Segundo Pascal, o homem não é um ser racional por excelência, por isso, aponta outras
faculdades que também permitem o homem chegar ao conhecimento, tendo em conta que o
conhecimento racional é local e parcial, devido à situação de insuficiência humana. Pascal
mostra que o coração é o parâmetro mais importante, uma vez que, é ele que fornece à razão
os primeiros princípios.
      O coração apreende os primeiros princípios através do sentimento e do instinto, que
apreendem os objectos de modo imediato, e ainda a memória, a imaginação e o costume que
apreendem os objectos de modo mediato, e por isso, quando se apoiam em dados falaciosos
impedem o homem de conhecer a sua verdadeira natureza.


                                                                                        27
Sendo assim, existe um conflito permanente entres as várias faculdades do
conhecimento “sensações e razão”, uma vez que enganam-se mutuamente. Os sentimentos
fornecem dados por vezes falsos e a razão interpreta-os de modo equivocado.




                                                                                28
CAPÍTULO - III

           “CONCEPÇÃO PSICOLÓGICA DO HOMEM PASCALINO”


       1. Constituição do “eu” no mundo

            Por último, e para finalizar o trabalho, tendo em vista o enfoque antropológico e
cosmológico dos capítulos antecedentes, neste presente capítulo, incidiremos o estudo na
dimensão psicológica do homem pascalino, abordando primeiramente a constituição do “eu”
no mundo, a grandeza e a miséria humana e, por último, a graça.
         No primeiro ponto, destacaremos a questão da fuga do homem mediada pela projecção
de um ser imaginário; e o divertimento, como forma do homem esconder a sua verdadeira
condição. No segundo incidiremos no ponto focal do nosso trabalho, destacando a situação
trágica do homem marcado e dilacerado por traços de grandeza e miséria, para depois nos
atermos no último ponto como sendo a solução pela qual o homem poderá ser resgatado,
mediante a ligação à potência divina.
         A construção do sujeito na psicologia pascalina e na ordem social realizam-se através da
imaginação, em que o homem se sobrepõe ao seu ser verdadeiro. O espaço psicológico é
marcado pela exterioridade do ser, uma vez que o objecto é definido no mundo a partir de
qualidades artificiais. A dimensão verdadeira do eu opõe-se ao ser imaginário e não se
comunica com o real empírico.
         A necessidade que o homem possui de desligar-se da sua condição pode ser
compreendida em Pascal, como a busca do amor: “A natureza do amor-próprio e desse eu que
é não amar senão a si e não considerar senão a si26”. Pascal mostra que esse “eu” está cheio
de misérias, mas quer ser objecto de amor e estima dos outros. Para isso, precisa cobrir com
construções imaginárias as suas imperfeições. Ao se negar reconhecer as suas imperfeições, o
homem soma às mesmas uma ilusão que resulta da sua aversão à verdade. É preciso encobrir
as suas misérias para forjar no olhar do outro uma aparente grandeza que o torne objecto
amado.
         Nas suas meditações sobre o homem, Pascal considerou que este deve sempre ver a si
mesmo enquanto Ser capaz de pensar, e afirma: “O homem é visivelmente feito para pensar; é
toda sua dignidade e todo o seu mérito; e todo o seu dever consiste em pensar

26
     PASCAL - “Os Pensadores” frag. 100. Pág. 64.

                                                                                              29
corretamente27”. Pascal opõe aquilo que deveria ser o pensamento às actividades do
divertimento: dançar, jogar, etc. em tornar-se rei, sem pensar o que é ser rei, e o que é ser
homem”.
      A descrição do plano existencial do homem em vários fragmentos nos “Pensadores”
expressa a condição de um ser que vive a constante fuga de pensar em si mesmo, e para
desviar-se dessa angústia o homem deixa-se alienar pelo divertimento. Um homem sem
diversão é um ser infeliz, pois nesse estado ele contempla o seu vazio. “No fragmento 164,
pág. 79 de “Os Pensadores”, Pascal esclarece essa necessidade de divertir-se: Mas, “tirai-lhes
a diversão, vós os vereis consumir de desgosto. Sentem “então o seu nada sem o conhecê-
lo...” O divertimento expressa a maneira pela qual um ser desejoso busca a felicidade.
      O homem que se diverte ocupa-se com uma actividade ilusória. Em qualquer actividade
os homens se iludem, e continuam indefinidamente buscando a felicidade. Marcado pela
escravidão do desejo e a fuga constante de admitir a miséria da sua condição surge no
divertimento como um ser que possui uma profunda necessidade de estima28.
      O homem que cria para si uma imagem de grandeza é incapaz de amar o outro, mas,
necessita do outro para reforçar a imagem que constrói de si. Essa necessidade de legitimar a
construção de si mesmo através do reconhecimento do outro é caracterizada por Pascal como a
guerra entre os “eus”. Tal situação impossibilita a realização da felicidade humana, uma vez
que todos querem ser estimados. Portanto, por mais que o homem preencha com disfarces
aquilo que nele falta, vive numa constante luta para ser confirmado pelo olhar do outro,
colocando em evidência a sua condição de miséria.
      Assim, a necessidade que o homem possui de se ocupar com actividades do
divertimento, pode ser explicada, na medida em que se compreende a sua condição: a de um
ser marcado por um desejo de estabelecer-se como uma entidade digna de estima. Mas, no
confronto com o outro, o homem sente o fracasso do seu projecto de felicidade e angustia-se.
Desse modo, o homem caracteriza-se pela marca de um paradoxo insuperável: embora a
verdade da sua condição aponte para um estado de miséria, enquanto ser desejoso, o homem
aspira à felicidade que resulta no campo existencial, na constituição de uma identidade digna
da estima do outro.
      A imaginação que actua no divertimento não livra o homem de sentir os paradoxos da
sua condição. Seguir os mecanismos do divertimento ou interrompê-los conduz o homem a

27
  PASCAL - “Os Pensadores” frag. 146. Pág. 76.
28
  PASCAL - “Os Pensadores” frag. 400. Pág. 132 “Grandeza do homem: temos uma ideia tão grande da alma
do homem que não podemos tolerar que sejamos desprezados e não estimados...”

                                                                                                  30
dois estados: no primeiro, sente a sua incapacidade para a felicidade, porque não tem a
confirmação do olhar e do amor do outro; no segundo, ele é lançado na angústia que provém
do sentimento do vazio original da natureza humana, e que foi encoberto pelas vestes do
hábito.
         Em Pascal o homem só pode constituir-se enquanto identidade no mundo da seguinte
forma: “Não nos contentamos com a vida que temos em nós e no nosso próprio ser: queremos
viver na ideia dos outros uma vida imaginária, e, para isso, esforçamo-nos por fingir.
Trabalhamos incessantemente para embelezar e fingir. E se temos tranquilidade, ou
generosidade, ou fidelidade, apressamo-nos em fazê-lo saber, a fim de ligar essas virtudes a
esse nosso outro ser.29(...) Nesse fragmento, há a descrição de uma identidade que só pode ser
construída através da imaginação, em que o sujeito está entregue às construções imaginárias.
Temos desse modo, representando a insuficiência humana em constituir-se enquanto
identidade.
         Está presente no homem uma desproporção entre uma substância necessária (eu
verdadeiro), e as qualidades artificiais buscados pelo próprio. Ao buscar a verdade do ser do
homem constatamos que o ser verdadeiro opõe-se ao ser imaginário. O homem é descrito a
partir das nuances do hábito e do costume, que para Pascal não equivalem à nossa verdadeira
natureza. Em suma, temos que a verdade do eu não pode estar presente na realidade empírico-
psicológica do homem, pois há uma desproporção entre esta e a verdade ontológica do ser.
         No entanto, se o homem somente se torna real a partir da imaginação, a base em que se
assentam tais construções (a falta, o vazio) faz notar a inconsistência de uma realidade
subjectiva artificial, imaginária e inacabada. O homem que optou pelo ser imaginário vive o
império do amor-próprio e, como diz Pascal: “A natureza do amor-próprio e desse eu humano
é não amar senão a si e não considerar senão a si30”(...), pois tudo tende para si mesmo, e a
tendência para si é o começo de toda desordem.
         A ideia de “tendência a si mesmo”, surge em Pascal como incapacidade presente no
homem em transcender o anseio de ser desejado. Tal anseio caracteriza o homem que se
constrói pela imaginação. O conceito do eu enquanto identidade não pode ser apreendido nem
externamente (socialmente), nem internamente (psicologicamente), ele só se pode sustentar a
partir de artifícios, tendo em conta que a razão é insuficiente para explicar a verdade da
condição humana, e a imaginação só nos permite ver uma condição que preenche esse vazio


29
     PASCAL - “Os Pensadores” frag. 147. Pág. 77.
30
     PASCAL - “Os Pensadores” frag. 100. Pág. 64

                                                                                           31
essencial com uma série de artifícios que constituem a base do ser social e psicológico do
homem.
         Como diz Pascal, o erro do homem não está em procurar actividades que o distanciem
de ver as suas misérias, mas sim em acreditar que toda a sua agitação visa o repouso; pois os
homens que sentem naturalmente a sua condição, não evitam nada quanto ao repouso; nada há
que não façam para buscar a agitação31.”
         Pascal censura aqueles que condenaram o homem por ser incapaz de ficar em repouso,
como o homem que se ilude pensando que o seu movimento visa um fim específico que lhe
proporcionaria a felicidade. Em ambas as situações há um desconhecimento da verdadeira
natureza humana.
         Em Pascal, o homem no seu estado actual está absorvido pelo jugo do desejo, mas a
mecânica do divertimento não assegura ao homem um estado de felicidade. De acordo com
Pascal, divertir-se é a única coisa que consola o homem das suas misérias e, no entanto, é a
marca de sua maior miséria. Portanto, convida o homem a opor-se ao divertimento e
mergulhar na angústia que o permite compreender a sua condição de miséria. Há dois
instintos que actuam no homem na mecânica do divertimento: um que o faz buscar as
agitações exteriores e que é fruto de suas misérias presentes; e outro instinto secreto que restou
da grandeza de sua primeira natureza e que o faz pressentir que a felicidade só está no
repouso.
         Como vimos no estudo das dimensões do conhecimento em Pascal, o instinto é marca de
duas naturezas no homem: “Instinto e razão”. Ele aponta que há no homem a marca de dois
instintos que o faz um todo confuso e dilacerado por paradoxos, procura o repouso pela
agitação e se o encontra não suporta o tédio que esse estado proporciona.
         A partir da multiplicação dos paradoxos da condição humana, do desenho de toda a
miséria em que vive o homem, Pascal considera que a problemática da nossa condição deve
ser buscada a partir do reconhecimento do nosso “coração”. A dimensão de nosso ser
verdadeiro deve ser buscada no encontro da teologia com a psicologia. É somente opondo
concupiscência e graça que nos aproximamos da definição essencial de nossa natureza. Mas
antes, pretendemos estender a nossa análise do homem visando compreender a duplicidade de
sua natureza caracterizada pelo paradoxo entre grandeza e miséria, para depois investigar
sobre a graça como o único meio capaz de alcançar a compreensão da plenitude de sentido da
existência humana.

31
     PASCAL - “Os Pensadores” frag. 139. Pág. 71

                                                                                               32
1.1.   Grandeza e miséria do homem

       Como vimos, “Os Pensadores” apresentam um desenho trágico da condição humana. O
homem vive uma situação paradoxal marcada por traços de grandeza e miséria. No entanto, o
homem recusa-se a ver a verdade da sua condição e vive disfarçando, forjando para si uma
máscara que esconda a sua miséria. Miséria que marca o homem com o selo da discórdia,
interna e externa. No plano interno, ela se reflete na luta entre a razão e as paixões; no plano
externo entre o homem e a natureza. O sujeito pascaliano vive o conflito do homem entre a
“Guerra intestina do homem entre razão e as paixões. Se só tivesse a razão sem as paixões...
Se só tivesse as paixões sem razão... Mas, tendo ambas não pode ficar sem guerra, não
podendo estar em paz com uma, senão entrando em guerra com a outra; assim está sempre
dividido e contrário a si mesmo32”.
        O homem marcado pela discórdia vive o império do amor-próprio. Esse amor
exagerado por si faz, no plano externo, o ódio nas relações na vida social33. Para Pascal, toda a
moral foi criada a partir da concupiscência e de modo algum pode apagar os traços de miséria
da condição humana, apenas os deixam velados aos olhos do homem que deseja parecer
grande. A verdadeira grandeza do homem só pode ser percebida a partir do conhecimento da
sua miséria.     “A grandeza do homem é grande na medida em que ele se reconhece
miserável34” É através do conhecimento que pode vir a ter de si mesmo que vai ao encontro da
sua grandeza, e não do conceito que faz de si.
       Quando Pascal aponta as misérias da condição humana e acusa o amor-próprio como o
responsável por essa situação, ele está conduzindo a sua análise do homem à teologia. A
explicação para o estado de miséria da nossa condição repousa na ideia cristã da Queda. Deus
puniu o pecado original convertendo o homem em Deus de seu amor próprio. No paraíso, o
homem vivia num estado de harmonia consigo, na medida em que vivia no seu plano
essencial, participando da essência divina. Com a queda, há uma ruptura do homem consigo
mesmo, e deixa de se relacionar com Deus. O homem decaído vive uma situação de miséria
existencial, lançado no vazio deixado pelo abandono de Deus.
       Dado o enfoque histórico-teológico que Pascal empreende na consideração do homem,
compreendemos a problemática do seu ser no seu pensamento. Sobre o eu Pascal nos diz: “o
eu tem duas qualidades: é injusto em si, fazendo-se centro de tudo; é incómodo aos outros,


32
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 412. Pág. 134.
33
   PASCAL - “Os Pensadores” frag.451. Pág. 150 “todos os homens se odeiam naturalmente entre si”(...)
34
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 397. Pág. 132.

                                                                                                        33
querendo sujeitá-los: pois cada eu é o inimigo e desejaria ser o tirano de todos os outros35”.
O eu pascaliano apresenta-se como sujeito e objecto do seu próprio amor que pretende destruir
os desejos dos outros eus. Esse eu é a expressão do homem separado de Deus e que se toma
por Deus. Um eu que cria para si mesmo no espaço vazio, da sua miséria existencial e busca
confirmar a sua dissimulação a partir do olhar do outro.
      Porém, ainda que o homem se esforce por preencher esse vazio que lhe é inerente, “o eu
não poderá impedir que esse objecto que ama esteja cheio de defeitos e misérias”. Pascal diz
desse eu: “... quer ser grande e acha-se pequeno; quer ser feliz e acha-se miserável; quer ser
perfeito e acha-se cheio de imperfeições; quer ser o objecto do amor e da estima dos homens,
e vê que seus defeitos só merecem deles aversão e desprezo36·. (...) Esse eu conduz o homem à
fuga de si mesmo e a só buscar -se fora de si. Marcado pelo vazio essencial, e por uma série de
contradições, o homem ocupa-se em mascarar -se. É evidente essa necessidade que o eu tem
de mascarar-se, forjando “eus” imaginários entre ele e si mesmo, entre ele e os outros “eus”.
Podemos notar que, na verdade, o eu se odeia profundamente, pois é no disfarce de si que ele
se sente tranquilo.
      No entanto, a grandeza do homem é tão visível, que se tira mesmo de sua miséria, a
natureza corrompida do homem, aponta para a sua grandeza. Mesmo na sua condição
miserável o homem mantém a sua dignidade e esta afirma-se no distanciamento do eu em
relação a si mesmo. O homem no seu estado actual é escravo da concupiscência e do amor
próprio. Portanto, é preciso que nesse estado o homem se odeie a si mesmo, para poder se
amar verdadeiramente.
      Como vimos, no divertimento o eu mascara o seu vazio com actos ilusórios, e se
aniquila completamente, uma vez que nega a sua capacidade de participação essencial com
Deus. Somente odiando a si mesmo e amando a Deus é que o eu assegura a possibilidade de
restituição da sua essência divina37. Desvencilhando-se do amor próprio, o eu pode se
direccionar a Deus e a ele se unir, porque enquanto natureza isolada, o eu não pode resgatar a
sua dimensão essencial, somente no desprendimento de si mesmo é que ele se ultrapassa e se
auto-supera.
      Concluídos que, é a partir do eixo da Queda e Redenção que Pascal assinala a destruição
total do conceito de eu, que se encontra escondido de si mesmo. Somente na revelação divina
o homem pode se ver a si mesmo, porque vê Deus. Pascal ressalta que sem esse mistério o

35
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 455. Pág. 150
36
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 100. Pág. 64
37
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 476. Pág. 154 “é preciso amar só a Deus e só odiar a si mesmo”

                                                                                                   34
homem é um “monstro incompreensível38”. O eu que se afirma para si mesmo e para os
outros enquanto superficialidade através das construções da imaginação, na relação com Cristo
se aniquila e assim se restitui.
      Pascal contrapõe e se distancia da concepção do eu cartesiano: ao “eu do cogito”, que se
realiza enquanto substância pensante. Contrapõe o sujeito na sua dimensão puramente
humana. Mas ao questionar o sujeito cartesiano, não desqualifica a racionalidade humana.
Num dos fragmentos de “Os Pensadores”, afirma a importância do pensamento: “O homem é
visivelmente feito para pensar (...) e toda a sua dignidade e todo o seu mérito; e todo o seu
dever consiste em pensar corretamente39. No entanto, Pascal também aponta que a ordem do
pensamento não deve deter-se no eu, ele deve “começar por si”.
      Sendo assim, pensamos que o indivíduo só pode tomar consciência de si mesmo, a partir
da relação com a consciência que tem dos outros em relação a si mesmo, pois, na medida em
que ele não possui um eu constitutivo necessita então criar um para si, ele se faz nesse
movimento um eu que só se afirma a partir do outro.
      Por fim, esse eu que se apresenta na dimensão humana só se realiza enquanto imagem
que constrói de si e que pretende impor aos demais. Tais imagens são forjadas através do
disfarce do eu, que esconde as suas qualidades. Esse eu nos apresenta como uma mentira,
caracterizada como uma realidade miserável. É o resultado da separação entre o homem e
Deus. A partir dessa separação, o homem foi condenado a separar-se de si mesmo, buscando
sempre em qualquer outra parte, onde não se encontra, e somente pode ser salvo desse estado
na relação com Deus, através do aniquilamento40.
      O homem perante a Natureza é frágil, insuficiente para abarcar tudo o que lhe escapa, na
vida social vive a superficialidade de ser uma máscara, “disfarce, mentira e hipocrisia”, e no
abandono de si mesmo vive a angústia existencial. Pascal convoca o homem a se considerar
perante o infinito: o infinitamente pequeno e o infinitamente grande, com o intuito de que
nesse movimento ele perceba a sua insignificância. Mas o homem dominado pelo amor
próprio não quer achar-se pequeno quando almeja ser grande, na relação consigo mesmo
coloca-se como o centro do mundo; perante os outros, encontra-se aprisionado na cela dos
seus desejos, e vive uma situação angustiante.




38
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 420. Pág.135.
39
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 146. Pág. 76.
40
   PASCAL - “Os Pensadores” frag. 492. Pág. 157. “Quem não odeia em si o seu amor-próprio, e esse instinto
que o leva a fazer-se Deus, é bem cego (...)”

                                                                                                         35
Considerado esse quadro de miséria que caracteriza a relação do homem consigo
mesmo, com os outros e com o mundo, notamos a necessidade de encontrar uma “plataforma
firme e segura” que resolva as contradições, os paradoxos da condição humana. Todavia, nas
palavras de Pascal essa plataforma é sempre frágil e com o menor vento rui, não há ponto fixo
que solucione as misérias humanas. “Os que vivem no desregramento dizem aos que vivem na
ordem que são estes que se afastam da natureza, e julgam segui-la: como os que estão no
barco julgam que os que estão na margem fogem41 (...)
         Ao desenhar as misérias da condição humana, Pascal aponta para a necessidade de
encontrar o sentido dessa mesma condição. Todavia, encontrar a verdade, da nossa condição
humana é tarefa árdua, uma vez que o homem encontra-se numa situação paradoxal, “um
ponto intermediário entre tudo e nada42”. Sendo apenas um ponto entre extremos infinitos, o
homem não pode de modo algum suprimir os contrários.
         Na filosofia pascalina há uma crítica contundente à filosofia cartesiana. De acordo com
Pascal, a metafísica, ao pretender estabelecer o vínculo entre o homem e o mundo através da
prova racional da existência de Deus, está fadada ao fracasso, porque a razão é sempre iludida
pela inconstância das aparências e nada pode fixar o finito entre dois infinitos.
         O eu pascaliano é expressão do ser paradoxal que reúne em si grandeza e miséria.
Reflete a consciência trágica que viveu a separação entre o finito e o infinito e que não pode
vislumbrar uma reconciliação desse estado a partir da razão. Esse homem paradoxal está
fadado a um emaranhado de dificuldades quando pretende encontrar um ponto de equilíbrio
para a sua condição. O próprio homem é um referencial que está em movimento num universo
descentrado. Desse modo, qualquer ponto tomado como centro equivale a qualquer outro.
         Diante de um universo descentrado, entre o infinitamente pequeno e o infinitamente
grande, qualquer ponto pode se constituir como centro. Nessa condição de desespero o homem
só pode acomodar-se em falsos centros. Grandeza e miséria marcam a nossa condição. O
homem é grande, na medida em que admite a sua miséria quando reconhece que a partir da
razão não pode encontrar um ponto de equilíbrio, a verdade da sua condição. O ponto de
equilíbrio que o homem busca é orientado pelo desejo, comum a todos, de busca da felicidade.
         A felicidade humana, o repouso da condição paradoxal do homem, só pode ser
designada por aquele que conhece os limites da circunferência, em quem as extremidades se
tocam e reúnem. Somente Deus pode ser essa verdade, Ele que é “o movimento infinito, o


41
     PASCAL - “Os Pensadores” frag. 383. Pág. 130.
42
     PASCAL - “Os Pensadores” frag. 72. Pág. 52.

                                                                                             36
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Paradoxos da Condição Humana em Blaise Pascal

  • 1. UNIVERSIDADE PÚBLICA DE CABO VERDE Departamento das Ciências Socais e Humanas Delegação de São Vicente Curso de Filosofia (1623-1662) Título “PARADOXOS DA CONDIÇÃO HUMANA EM PASCAL” “Grandeza e Miséria Humana.” Realizado por Arlindo Nascimento Rocha Orientadora Mestre Elisa Silva Mindelo Ano lectivo 2010/2011 Licenciatura em Filosofia para Docência
  • 2. Arlindo Nascimento Rocha Paradoxos da Condição Humana em Pascal Grandeza e Miséria Licenciatura em Filosofia Universidade Pública de Cabo Verde 2011 II
  • 4. I - DEDICATÓRIA Dedico este trabalho, a todos que colaboraram para o meu desenvolvimento como pessoa, nomeadamente: Aos meus pais, Domingos Rocha e Georgina Rocha, que amorosamente me ensinaram os primeiros passos, e que, nas suas exigências me impulsionaram a buscar ser quem sou, e quem serei. Aos meus três irmãos: António, Isabel e Maria pelo apoio demonstrado ao longo dessa jornada; À minha filha Linda Inês, com muito carinho e amor. À minha esposa Priscilla, com muito amor e elevada consideração pelo respeito e apoio, sobretudo pela confiança em mim depositada e pelos sacrifícios que a vida nos impôs ao longo desse trecho de nossas vidas; Aos meus amigos e colegas de trabalho do Pólo n.º 17 de São Vicente – Escola de São Pedro, que sempre me apoiaram e me motivaram para continuar; Às pessoas que me mostraram a importância das grandes obras da humanidade; Aos meus professores, pela sapiência demonstrada em prol do meu aperfeiçoamento como aluno e como pessoa. Aos colegas de turma pelo companheirismo e amizade. IV
  • 5. II – AGRADECIMENTOS Agradeço: Em primeiro lugar, a Deus por ter me dado forças, para lutar no decorrer de toda esta jornada e, principalmente, ter-me dado vida e saúde para honrar o mérito que Ele me concedeu: estar fazendo um curso superior, desejado por muitos, e alcançado por tão poucos. Aos meus amados e saudosos pais, Domingos e Georgina, que sempre lutaram para me verem chegar onde estou e que, apesar de não estarem mais entre os mortais, sei que estão contentes com o meu desempenho; à minha filha e aos meus irmãos que tanto amo. Agradeço também aos professores e professoras do Curso de Licenciatura em Filosofia para docência do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da “UINI-CV”, Delegação do Mindelo, e que contribuiriam para a minha formação, e às pessoas que, de alguma forma ou de outra, contribuíram para que este trabalho fosse materializado. Contudo, realço com muito respeito e admiração alguns em especial: A minha Orientadora Mestre Elisa Silva, pela orientação sempre motivadora, pela disponibilidade que demonstrou desde o início, e principalmente pela boa vontade, simplicidade e sabedoria demonstrada ao longo desse processo. O meu reconhecimento e amizade. Aos professores do curso, particularmente ao Professor Alcides Ramos, António Ramos, Ariana Lopes, Alfredo Brito, Antónia Gomes, Jair Silva, Lindsay Willasson, Dora Pires e Henriqueta Silva. Agradeço especialmente, com elevada consideração e amor à minha esposa e companheira, Priscilla Lundstedt, pelo apoio, paciência e conselhos que fizeram com que esse trabalho fosse uma realidade. Aos meus colegas de turma, que me acompanharam durante os cinco anos da licenciatura, como forma de demonstrar o quanto foi bom e proveitoso para a minha formação pessoal e em especial, aos meus colegas de trabalho. A todos faço votos de melhores sucessos na vida pessoal e profissional. A todos um especial agradecimento e um afetuoso abraço! V
  • 6. III - CITAÇÃO O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza. Mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma gota de água, bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria mais nobre do que quem o mata, porque sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo desconhece tudo isso... Pascal – “Os Pensadores” frag. 347. Pág 123 VI
  • 7. IV - RESUMO Esta monografia de término de licenciatura tem como objectivo analisar a concepção paradoxal do homem, presente na filosofia de Blaise Pascal; na sua dimensão antropológica, entre “grandeza e miséria”, como paradoxo fundamental, e também, investigar a ideia de uma individualidade, que se apresenta como ser humano consciente, que reconhece a própria identidade. A nossa análise será temática, sobretudo antropológica e psicológica, apesar do enfoque epistemológico. Parte-se da visão antropológica do homem antes e depois do pecado original, a desproporção entre o homem e a pesquisa da natureza, a constituição do eu no mundo e a graça, acreditamos obter informações necessárias, para a busca do nosso principal objectivo: alcançar a verdade da condição humana entre miséria e grandeza, através do eixo da queda e redenção, e do conhecimento do “eu” como ser naturalmente limitado, pela finitude da nossa existência e pela desproporção entre o “eu” e a natureza. Analisaremos em Pascal os limites do conhecimento racional, que são colocados pela condição da própria finitude humana, como insuficiência que marca o homem pascalino, que só é ultrapassado mediante o conhecimento de si próprio e das suas insuficiências. A análise de outras dimensões que assume o conhecimento humano em Pascal e dos paradoxos que fazem o “eu” na dimensão empírica, nos darão a chave da compreensão do homem no seu verdadeiro conceito. Definimos o nosso objecto como o estudo da antropologia pascalina, na qual o conceito central se revela: a insuficiência humana. Todavia para nós, a antropologia pascalina não se limita aos textos escritos unicamente por Pascal, mas também a uma rica rede de comentadores, que ao longo dos séculos se dedicaram à compreensão da obra pascalina. Este trabalho é o resultado de uma pesquisa bibliográfica, onde se procura fundamentar a condição humana segundo Pascal, onde procuramos pôr em evidência aspectos muito importantes para o próprio entendimento do homem na sua situação actual. Esse factor foi determinante na escolha do tema, e particularmente do filósofo Pascal que, em nossa opinião, soube melhor que ninguém caracterizar o homem em todas as suas dimensões. Palavras-chave: Concepção paradoxal; dimensão antropológica; miséria e grandeza; queda e redenção; finitude humana; conhecimento humano; VII
  • 8. INDÍCE I - DEDICATÓRIA ................................................................................................................IV II – AGRADECIMENTOS .................................................................................................... V IV - RESUMO ...................................................................................................................... VII I - INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1 1. Introdução ....................................................................................................................... 1 1.1. Vida e obras ................................................................................................................. 4 1.2. Fundamentação teórica ................................................................................................ 6 CAPÍTULO - I ........................................................................................................................ 7 “CONCEPÇÃO HISTÓRICA DO HOMEM PASCALINO” ............................................. 7 1. Antropologia pascalina ................................................................................................... 7 1.3. A natureza do homem antes do pecado ..................................................................... 10 1.4. A natureza do homem depois do pecado ................................................................... 11 1.5. A compreensão do homem ........................................................................................ 13 CAPÍTULO - II ..................................................................................................................... 17 “CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA DO HOMEM PASCALINO” ............................. 17 1. Desproporção entre o homem e a natureza .................................................................. 17 1.1. Dimensões do conhecimento em Pascal.................................................................... 20 1.2. Paradoxos da condição humana ................................................................................ 24 CAPÍTULO - III ................................................................................................................... 29 “CONCEPÇÃO PSICOLÓGICA DO HOMEM PASCALINO” ...................................... 29 1. Constituição do eu no mundo ....................................................................................... 29 1.1. Grandeza e miséria do homem .................................................................................. 33 1.2. A graça ...................................................................................................................... 38 I. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 44 II. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 50 VIII
  • 9. I. INTRODUÇÃO 1. Introdução Blaise Pascal (1623-1662) desenvolveu uma influente leitura da condição humana que se destaca entre os filósofos modernos. Isto ocorre, principalmente, pela tentativa de conciliar dois aspectos que, a partir dos inícios da modernidade, estarão em conflito: fé e razão. Nesta tensão, o homem desenvolve outro conflito existencial, a sua condição paradoxal, que se constitui entre grandeza e miséria, que definem o seu modo de ser. Este trabalho tem por objetivo alcançar a compreensão do ser do homem em Pascal. Parte-se da antropologia pascalina antes e depois do pecado, da desproporção entre o homem e a pesquisa da natureza, em que Pascal marca a tragicidade humana; e também nos dá a orientação para o resgate do homem através do aniquilamento, do autoconhecimento e do reconhecimento da própria condição insuficiente diante das fraquezas e misérias humanas. Neste aspecto, o estudo da constituição do “eu” no mundo, a grandeza, a miséria e a graça, que se atestam na relação do conhecimento da parte e do todo, tornam-se necessárias. Ao levantar a problemática do infinito, Pascal convoca o homem a tomar consciência das suas limitações, única condição para que ele possa abrir-se às verdades que ultrapassam os limites da compreensão racional, ou melhor, para que ele possa se abrir à sua própria verdade. A partir da apresentação das dimensões que assume o conhecimento humano no pensamento de Pascal, acreditamos obter uma primeira orientação para a busca do nosso objectivo central: alcançar a compreensão da verdade da condição humana. Ao buscar uma caracterização da verdade do homem em Pascal, cabe esclarecer que pretendemos com o tema de “homem” expressar a ideia de uma individualidade que se apresenta como ser humano consciente que reconhece a sua própria identidade. A nossa análise será temática, sobretudo psicológica e antropológica, além do enfoque epistemológico. A análise dos paradoxos insuperáveis que fazem do eu na sua dimensão empírica, nos darão a chave para a compreensão da dimensão da verdade. Pascal propõe ao homem a tomada da consciência das suas limitações, como condição para chegar às verdades que ultrapassam os limites do conhecimento racional. 1
  • 10. Ao buscar uma caracterização da verdade do homem em Pascal, cabe esclarecer que pretendemos com o tema “homem”, expressar a ideia de uma individualidade que se apresenta como ser humano consciente que reconhece a sua própria identidade. Em geral, a discórdia entre filósofos e cientistas dá-se sobre aquilo que é acidental, embora ocorra no essencial; quando se deixa de contemplar o real. Pascal soube separar a filosofia e a ciência em si, do ser humano. “O coração tem razões que a própria razão desconhece”, e por isso, a ciência e a técnica sempre ficarão aquém de dar uma resposta definitiva quando o assunto é o homem. A defesa da riqueza humana, consiste justamente em aprofundar aspectos individuais e sociais que estejam de acordo com o real, sem esgotar o diálogo que cada um tem consigo mesmo e com o outro. Se Pascal merece ser estudado, é porque viveu intensamente situações que fazem o homem lembrar-se de quem é, a morte prematura da mãe, a vida mundana após a morte do pai, o convívio com os pobres, diálogo com os demais, a doença, a busca da verdade de modo aberto e profundo. Mais de trezentos anos se passaram depois da sua morte, e o momento não deixa de ser oportuno para recordar como Pascal viveu a ciência sem deixar, que a ciência fosse a sua vida. A sua contribuição para a filosofia e a ciência foi significativa e de grande importância. Actuou na matemática, na física, na geometria, mas é com as suas reflexões filosóficas e teológicas que mais surpreende a humanidade. Só não contribuiu mais, devido à sua morte prematura aos 39 anos. Os seus escritos filosóficos exprimem com incomparável eloquência as ansiedades que agitam a alma humana. Ao longo dos seus escritos, pode-se notar um certo cepticismo, pessimismo e misticismo; sente-se no entanto, uma forte disciplina do espírito filosófico e teológico. Mais do que a disciplina, a inspiração. O pensamento de Pascal tem raízes profundas na análise do infinito, que no seu tempo ressurgiram com nova roupagem. Para o presente trabalho, tivemos como suporte a edição de “Os pensadores” de Pascal, e quando citamos os fragmentos dos Pensamentos, no final da citação, oferecemos o número correspondente da ordenação precedido de fragmento. Sendo assim, e para que pudéssemos materializar o nosso propósito, dividimos o trabalho em três capítulos (parte textual), onde abordamos as questões que achamos de maior pertinência e objectividade, além da parte pré-textual e pós-textual. 2
  • 11. Assim, a parte pré-textual contém: dedicatória, agradecimentos, citação, resumo, introdução, vida e obras. No primeiro capítulo, pretendemos analisar as bases teóricas fundamentais para uma verdadeira compreensão do homem pascalino, o que nos remete para o estudo antropológico, e a compreensão histórica e teológica do homem, através dos dois estados da natureza humana “antes e depois o pecado”, para que possamos fundamentar melhor o conhecimento do homem nas suas múltiplas dimensões, como ser natural e racionalmentete limitado, e melhor comprender os paradoxos que o afligem. No segundo capítulo, iniciaremos a nossa análise, refletindo sobre a desproporção existente entre o homem perante pesquisas da natureza, para depois incidirmos o nosso estudo nas dimensões do conhecimento e nos paradoxos da condição humana, que estão intimamente ligados à insuficiência e à miséria humana. No terceiro capítulo, incidiremos o nosso estudo na dimensão psicológica do homem pascalino, abordando primeiramente a constituição do “eu” no mundo, a grandeza e a miséria humana e, por último, a graça, como atalho fundamental para a conquista do divino. Finalmente, concluiremos a monografia e destacaremos as referências bibliográficas, de acordo com a “ABNT 6023 – 2000” que utilizamos como base para iniciar a investigação e elaboração desta monografia. 3
  • 12. 1.1. Vida e obras Filho de Étienne Pascal e Antoniette Bejon, Blaise Pascal nasceu em 19 de Junho de 1623, em Clermont-Ferrand, na França. Quando tinha apenas três anos, perdeu a mãe e, como era o único filho do sexo masculino, o pai encarregou-se directamente da sua educação. Étienne desenvolvia um método singular de educação do filho, com exercícios de diversos tipos para despertar o apego à razão e ao juízo correcto. Geografia, história e filosofia eram disciplinas ensinadas, sobretudo, por meio de jogos. Acreditava, que aulas de matemática só deveriam ser ministradas ao filho quando este estivesse mais maduro. (Falceta, 1998b) Assim sendo, mantinha longe de Pascal os grossos livros de matemática, mas das conversas que ouvia ou de obras que passavam pela censura do pai, logo descobriu as maravilhas da ciência dos números. Mesmo sem professor ou livro guia, passou a desenvolver os seus estudos. Um dia, o pai surpreendeu-o desenhando no piso figuras geométricas com carvão. Fez por intuição, várias das proposições da matemática de Euclides. Foi dada a Pascal a permissão para que avançasse livremente sobre aqueles ramos do conhecimento. Pascal juntou-se aos sábios do círculo de Mersenne quando tinha 13 anos de idade. Ali, pode coleccionar informações para desenvolver mais rapidamente seus trabalhos. Aos 17 anos, descobriu e publicou uma série de teoremas em geometria projectiva, fundamentais ao desenvolvimento tecnológico futuro, no campo da aviação." (Falceta, 1998c). Posteriormente, para ajudar o pai, sempre ocupado com números, dedicou-se a criar uma máquina de calcular. A partir de 1647, Pascal passou a dedicar os seus dias à aritmética. Desenvolveu cálculos de probabilidade, a fórmula de geometria do acaso, o conhecido Triângulo de Pascal e o tratado sobre as potências numéricas. Na física, contribuiu no campo da hidrostática, desenvolvendo importantes estudos sobre a pressão atmosférica; escreveu o texto Prefácio ao tratado sobre o vácuo, no qual trata da questão da Ciência e da tradição. Outro trabalho científico nesta fase: o Tratado sobre as Potências Numéricas, no qual trata dos elementos "infinitamente pequenos". Entre outras obras suas, citam-se Nouvelles Expériences sur le Vide (Novas Experiências sobre o Vácuo, 1647) e Discours sur le Passions de l’Amour (Discurso sobre as Paixões do Amor); De Alea Geometriae (O Jogo da Geometria); Memorial; Oração para pedir a Deus a graça de fazer bom uso das enfermidades e Pensées (Pensamentos), que 4
  • 13. constituem um conjunto de reflexões pessoais acerca do sofrimento humano e da fé em Deus. Deixou também um conjunto de reflexões sobre a condição humana, sobre os meios de se atender a verdade, sobre a miséria e a grandeza do homem em relação a Deus. O trabalho excessivo minou a sua saúde, débil por constituição, e cedo ficou gravemente doente. Em 1648 frequentou, com a sua irmã Jacqueline, os seguidores de Saint- Cyran, que o levaram ao misticismo de Port-Royal. Depois da morte do pai, o seu fervor religioso arrefeceu um pouco, iniciando-se o chamado período mundano de Pascal, devido em parte à proibição médica de dedicar-se a trabalhos intelectuais, prejudiciais à sua saúde. A crise mundana foi superada na noite de 23 de novembro de 1654, graças a uma espécie de visão mística. Pascal morreu em Paris, aos 19 de Agosto de 1662, depois de atrozes sofrimentos, que soube suportar com grande resignação. As suas últimas palavras foram: "Que Deus jamais me abandone!" 5
  • 14. 1.2. Fundamentação teórica A escolha do filósofo “Blaise Pascal”, para elaboração da monografia, prende-se em primeiro lugar, pela grandiosidade com que Pascal, contra tudo e todos propõe uma ruptura epistemológica, que rompe com os traços característicos da Modernidade, defendidos nomeadamente por filósofos como Descartes, Francis Bacon, Espinosa e Malebranche. Pascal propõe métodos, para cada problema. Haveria tantos métodos quanto aos problemas a serem resolvidos, diferente de Descartes, que tem um único método. Em segundo lugar, pela genialidade que revelou desde cedo tendo dedicado grande parte da sua vida reflectindo sobre a ciência (matemática e física), a filosofia e a teologia, tentando conciliar a fé e a razão, que estiveram em conflito a partir do início da Modernidade. Reconheceu a autonomia da razão como grandeza humana no campo científico, onde a autoridade era inútil, e a miséria humana como sendo a vivência do homem mergulhado no pecado; e a única forma para sair deste estado, é a verdadeira conversão, assim demonstraria que a razão e a autoridade tem campos delimitados. Em terceiro lugar, por ser um filósofo apaixonante, pela visão que tinha sobre a condição paradoxal do homem, pela profundidade das suas reflexões, pela actualidade que o seu pensamento goza passados três séculos após a sua morte, e também pelo percurso como homem libertino de Port Royal, tendo optado pela verdadeira conversão religiosa, como forma de se libertar da concupiscência, e levar uma vida austera. E em quarto lugar por sua obra ser destacada entre os estudiosos deste campo, seja por cientistas, filósofos, teólogos entre outros, mas que não tem tido uma dimensão académica a altura da sua grandiosidade. Tem-se como intenção ao elaborar esta monografia, divulgar sua Obra, e tornar mais inteligível a sua visão antroplógica em que o homem se encontra em constantes paradoxos. 6
  • 15. CAPÍTULO - I “CONCEPÇÃO HISTÓRICA DO HOMEM PASCALINO” 1. Antropologia pascalina Neste capítulo, pretendemos analisar as bases teóricas fundamentais para uma verdadeira compreensão do homem pascalino, o que nos remete ao estudo antropológico, e à compreensão histórica e teológica do homem, através dos dois estados da natureza humana “antes e depois do pecado”, para que possamos fundamentar melhor o conhecimento do homem nas suas múltiplas dimensões, como ser natural e racionalmente limitado, e melhor compreender os paradoxos que o afligem. No século XVII, a fundação das ciências encontra o seu ponto de partida, segundo a ordem das razões, numa análise do homem e da sua constituição, numa antropologia. É no homem que se encontra a chave que permite fundar um conhecimento verdadeiro e explicar como se pode atingi-lo. Da consciência de que o conhecimento pode ser alterado pelo trabalho das paixões, comum à maioria dos filósofos clássicos, decorre a necessidade de purificar o pensamento de todos os elementos provenientes do conhecimento sensível. Diferente dos seus contemporâneos1, Pascal não retoma o discurso sobre as paixões. Não existe na psicologia pascalina qualquer conflito entre a fé e a razão, nem entre a alma e as paixões, que viriam de algum modo impedir o pleno desabrochar da razão. É impossível para Pascal modificar o intelecto, purificando-o da influência das paixões, pois essa modificação exigiria uma perfectibilidade virtual no homem, ao passo que o pecado original lhe retirou em definitivo toda a capacidade de progresso. Na realidade, enquanto os seus contemporâneos pensam o homem como composto de alma e corpo, de racionalidade e concupiscência, de um elemento positivo e de um elemento negativo, Pascal embora retome essa dualidade, não pode pensá-lo como presença simultânea de um princípio positivo e um negativo no homem, a respeito do qual pensa que o pecado de Adão lhe interditou definitivamente qualquer saída do “estado de menoridade” em que está mergulhado. Assim, a antropologia de Pascal leva em conta duas doutrinas, o que torna difícil a sua compreensão. O primeiro estrato é constituído pela concepção dualista do homem como ser 1 “Descartes, Francis Bacon, Espinosa e Malebranche” cujo objectivo era a procura de um método universal que constituísse um conhecimento seguro. 7
  • 16. dotado de uma alma e de um corpo que se poderia chamar de platónica2, e o segundo é constituído pela antropologia Cristã “Santo Agostinho”, noção de pecado original. Pascal efectua duas mudanças na teoria platónica. A primeira concerne ao corpo, englobando uma noção muito mais vasta da carne: ela designa que é material, e o que se opõe ao movimento da elevação para Deus. A segunda consiste na introdução de um novo elemento, o coração, que não pode ser identificado à alma platónica3. Para compreender qual a realidade que a noção do coração abrange, pode-se, lembrar que, no momento da conversão, Deus age sobre o coração, tornando-o receptivo à sua lei. “Eu vos darei um coração novo, porei em vós um espírito novo, retirarei de vossa carne um coração de pedra e vos darei um coração de carne”.(Ezequiel, 36, 26). O coração é considerado ao mesmo tempo o receptáculo da lei e o lugar de irradicação dessa lei no corpo e, assim, subtraído à lei oposta da carne. Pode-se considerar o coração como sinónimo de vontade que dirige o seu amor a Deus – e então será fonte de caridade e a carne será a fonte da concupiscência. Como veremos, o coração é muito mais que uma faculdade volitiva, pois pode também, conhecer. No centro da doutrina agostiniana, há a noção de pecado original, que constitui o momento da mudança da natureza humana. Pascal fará a distinção entre os dois estados do homem “antes e depois do pecado”, a cada um corresponde a uma visão do homem, base do seu projecto antropológico. Este, baseia-se na constatação deste duplo estado da natureza humana, que se reflete na presença de sinais de um e de outro. Colocando enfoque essa dupla natureza do homem, a apologia deve produzir um choque na razão presa na contradição entre a grandeza e a miséria do homem desconcertado pela copresença de factores incompatíveis. É a antroplogia agostiniana que orquestra todos os movimentos que deviam compor a apologia pascalina. Mas, apesar do seu carácter originalmente religioso e do seu quadro de desenvolvimento apologético, o móvel da antropologia pascalina ultrapasssa em muito uma reflexão moral sobre o homem para abranger uma ontologia e uma epistemologia. A partir dessa antropologia Pascal pode pensar os fundamentos da natureza do homem e desenvolver as suas reflexões metodológicas. 2 PASCAL– “Figuras do Saber” pág 34. “Esta diferença é válida sob a condição de se fundamentar bem as diferenças ou semelhanças com o dualismo cartesiano e, depois, de considerada a parte do platonismo, no agostinismo jansenista. 3 PASCAL– “Figuras do Saber” pág 34. “As diferenças, que ele não mensiona P. Guénancia acrescenta que existe entre um homem composto de alma e de corpo, como em Platão, o um homem na qual coabitam duas naturezas, como em Agostinho e em Paulo, cf. P. Guénancia, Descartes et l´ordder politique, Paris PUF, 1983. P. 162-3. 8
  • 17. Verificamos que ao longo dos seus escritos, funda um campo antropológico da insuficiência humana, partindo de uma questão propriamente teológica, para chegar aos aspectos psicológico, social, político, epistemológico e mesmo ontológico dessa insuficiência. Não nos ocuparemos em particular da questão epistemológica, antes buscaremos lançar algumas luzes sobre essa questão como mais um campo do problema antropológico da insuficiência. Para nós, o problema da concepção antropológica do homem se revelará como cenário de fundo para todo o seu pensamento: o homem é um ser insuficiente por definição. É a consciência desse drama humano, que na obra pascalina será tratada em diversos modelos temáticos, e é no conteúdo empírico desses modelos que entendemos por diversidade da insuficiência, o qual iremos abordar ao longo do trabalho. 9
  • 18. 1.2. A natureza do homem antes do pecado O estado em que Adão encontrava-se antes do pecado era de santidade e, sobretudo, de inteligência completa e total. No estado de perfeição todas as faculdades de Adão eram ordenadas para lhe permitir atingir a felicidade representada pela visão e conhecimento de Deus. Além disso, a natureza inteira estava disposta em função de Deus, segundo uma hierarquia que permitia atingir a felicidade máxima. Os seres estavam dispostos em sequência ordenada, do menos perfeito ao mais perfeito, cada um dominado pela vontade do ser superior que o dirigia, em compensação a essa dominação, rumo à felicidade. O mesmo acontecia com cada ser, todas as suas faculdades, seguindo a mesma hierarquia. Assim, as faculdades humanas estavam submetidas umas às outras em função do seu grau de perfeição e de participação na felicidade total de Adão. A concupiscência estava subordinada à vontade que se deixava guiar pelo intelecto. Este, oferecendo uma visão e um conhecimento perfeito de Deus, permitia ao homem atingir a sua felicidade completa. Os membros do homem, por sua vez, obedeciam completamente e sem oposição às ordens que vinham da vontade, pois não era o lugar de aplicação de uma lei oposta à que neles estava presente. Entre a concupiscência, “o amor da carne”, a caridade, “amor de Deus”, não havia oposição, mas subordinação. Esse estado e inocência natural é inseparável aos dons da graça, e é identificada com a natureza original do Homem. Em si mesma, a vontade não é senão o desejo de querer atingir o que satisfaz, independente de qualquer objecto particular. Visto que o desejo natural de todos os seres humanos é a felicidade, a vontade se dirige para os objectos cujo intelecto indica como podendo dar-lhe o máximo de ventura. Nesses estados o homem não ama senão a Deus, no qual encontra a sua beatitude. Todo o amor que tem por si mesmo ou que dedica às criaturas, não passa de um amor parcial, que é um meio que, parando nas criaturas, tem por fim o amor de Deus, isto é, a caridade. Quando o homem respeita essa ordem ele é glorioso e poderoso. Porém o homem querendo se igualar a Deus movido pela ambição acabou caindo na segunda natureza, que fez dele um ser mísero e paradoxal. Para nós, o estudo desse estado em que Adão se encontrava, revela alguns dados essenciais. Ainda que sem qualquer sujeição à concupiscência, isto é, sem sofrer a terrível atracção pelo amor de si mesmo, Adão, para realizar o seu fim supremo, necessita da acção divina, uma vez que a primeira natureza é uma realidade insuficiente sem o mal. 10
  • 19. 1.3. A natureza do homem depois do pecado Se a primeira natureza é uma realidade insuficiente sem o mal, a segunda é a insuficiência vivida com o mal – insuficiência concupiscente. Este princípio “Queda”, que Pascal trabalha, tem a sua origem no pecado do homem diante do seu criador. O homem quis fazer de si causa final e objecto de delícias prescindindo do único e digno de tal status: Deus. Por essa razão, o homem-criatura foi precipitado a um segundo estado de natureza. Já não mais um estado sadio como fora criado outrora, mas sim um estado no qual as suas misérias lhe são visíveis, e mais, são causa de inquietude e tormento. O pecado consiste num acto de orgulho da vontade que se revela contra a ordem em que se encontrava o homem4 e muda o centro da sua vida. Em vez de considerar Deus como centro e objecto de seu amor, o homem coloca a vontade no centro do seu amor. Essa mudança atinge todos os planos do ser humano. No interior do homem, a razão foi atingida por três vezes: não pode conhecer os primeiros princípios que lhe são comunicados pelo coração; a verdade não pode ser recebida na alma a menos que seja aceita pela vontade, que é o guia do intelecto; a razão é atingida uma terceira vez pela guerra que trava com a imaginação. Essas três limitações fazem com que a razão não esteja em condição de fixar um valor às coisas. Se no estado de perfeição, a razão, que encontrava a sua fonte na luz comunicada por Deus, estava em condição de guiar todas as suas faculdades, no estado de pecado ele se deixa guiar pelos sentidos na busca do prazer da carne. Os sentidos orientam a razão, rumo ao conhecimento da criatura, e a satisfação de todas as necessidades do corpo enquanto carne. No estado de pós-queda, o homem encontra-se numa situação tal que, tendo a vontade operado esse deslocamento, os sentidos podem indicar à razão onde se encontra o prazer e levá-lo ao conhecimento dos objectos que o satisfaçam. Mas, fazendo-se de si, o centro inverteu também a ordem hierárquica em que se encontrava em relação aos outros seres. Antes do pecado havia uma espécie de graduação dos seres, que partindo do mais baixo grau de perfeição, o dos animais, passando pelos homens chegando até Deus, definia também estados de dominação dos mais perfeitos sobre os menos perfeitos. Amor de Deus e submissão à sua vontade coincidiam perfeitamente na vontade do homem. Assim, todos os 4 PASCAL - “ Oeuvres Complétes, pág. 952” ... O pecado original somos todos culpados...” 11
  • 20. seres animados lhe eram submissos, como ele próprio era submisso a Deus. Depois do pecado a desordem introduzida no mundo pela mudança do centro, o desejo repercutiu também nas relações de dominação e de submissão, assim como entre o homem e a criatura. O pecado subverteu a ordem em que as faculdades humanas estavam dispostas, perturbando a hierarquia que lhes permitia atingir a visão de Deus. O intelecto e o espírito sofreram as consequências do pecado que enfraqueceu de modo considerável as suas capacidades. Concordamos com Pascal, quando afirma que “...o homem é uma criatura que o pecado impede de coincidir consigo mesmo, esquartejado entre o coração que sabe com certeza um saber indemonstrável e a razão que não pode senão tender para o saber convincente”. Diante deste quadro, afirmamos que a antropologia pascaliana, fundado num princípio teológico (o homem é um ser decaído), é, antes de tudo, uma antropologia que se pode observar, pois é passível de verificação na realidade (o homem não é soberano). A queda é um mito que explica o que vemos no quotidiano. A problemática das duas naturezas, que vimos apresentam um conceito de insuficiência não sob um formato de falta de algum componente estrutural, mas de um cenário no qual a insuficiência surge como consequência de uma não organização entre os componentes antropológicos do homem: Adão era feliz e desejou o mal. Pensar o homem como um ser atormentado por ter duas natuezas é uma das figuras mais fortes da condição insuficiente, pois ela nos remete a uma espécie de falta de funcionalidade humana em virtude de uma multiplicidae de estruturas antropológicas componentes. Pode-se concluir que, na antroplogia pascalina, o homem é o que ele é, antes e depois do pecado, não porque é um senhor sem Deus, mas porque Deus planeou o Homem como uma criatura que só pode ser completa quando ligada-se a Deus. 12
  • 21. 1.4. A compreensão do homem Pascal empenha-se no estudo do homem pela necessidade de comunicação, que não é apenas com os outros, mas também consigo mesmo, isto é, clareza e sinceridade consigo próprio. “O homem que foi feito visivelmente para pensar 5” (...) devia começar a pensar em si próprio, mas tal não acontece e procura-se de preferência a ciência das coisas exteriores. O homem deve começar por si, a sua tarefa essencial e primeira é a de conhecer-se a si mesmo. Mas para tal a razão não lhe serve de nada. Como guia do homem, a razão é débil, inútil e incerta. Ela submete-se facilmente à imaginação, ao costume e ao sentimento, que impelem o homem para extremos opostos, e a razão que devia instituir regras é flexível e incapaz de a instruir. Uma outra via de acesso à realidade humana é o coração. O coração, diz Pascal, “tem razões que a razão desconhece6”, entender e fazer valer as razões do coração é a tarefa do espírito de finura. O antagonismo entre coração e razão, entre o conhecimento demonstrativo e a compreensão instintiva é expresso por Pascal como um antagonismo entre o espírito de geometria e o espírito de finura. No princípio de geometria, os princípios não são palpáveis, alheios ao uso comum, e difíceis de ver; mas, uma vez vistos, é impossível que nos fujam. No espírito de finura, os princípios estão no uso comum, perante os olhos de todos7. As coisas relativas à finura sentem-se mais do que se vêem, requer um esforço imenso para as fazer sentir aos que não sentem por si e não se podem demonstrar completamente porque não se conhecem os seus princípios como se conhecem os da geometria. O espírito de finura vê o objecto de um só golpe de vista e não através do raciocínio. A diferença é que o primeiro raciocina e o segundo compreende. A eloquência, a moral, a filosofia fundam-se no espírito de finura, isto é, na compreensão do homem, e quando dele prescindem tornam-se incapazes de atingir os seus objectivos. O homem não pode conhecer-se como objecto geométrico, não pode comunicar consigo mesmo e com os outros mediante uma cadeia de raciocínios. 5 PASCAL - “Os Pensadores”frag 146. pág 76 “O homem é visivelmente feito para pensar, toda a sua dignidade e todo o seu mérito; e todo o seu dever consiste em pensar correctamente”(...) 6 PASCAL - “Os Pensadores”frag 277. pág 107- “O coração tem suas razões que a própria razão desconhece: percebe-se isso em mil coisas”... 7 PASCAL - “Os Pensadores” frag 1. pág 37 “ A diferença entre o espírito de geometria e o espírito de finura, num os princípios são palpáveis, mas afastado do uso comum; (...) no outro os principios são de usocomum aos olhos do mundo... 13
  • 22. A maior baixeza do homem é a procura da glória, por mais posses que tenha na terra, por mais saúde e comodidade que possua, não se sente satisfeito se não conta com a estima dos homens. Ele considera a razão do homem tão grande que, por maior vantagem que tenha na terra, não se considera satisfeito se não estiver também vantajosamente colocado na razão humana. É o mais belo lugar do mundo, e nada pode desviar o homem desses desejos. É essa a qualidade mais indelével do coração humano. Os que mais desprezam os homens igualando-os aos animais, ainda querem ser admitidos e acreditados, por isso contradizem por seu próprio sentimento, a sua natureza é mais forte do que tudo, convence-os de grandeza do homem mais fortemente do que a razão os convence da sua baixeza8. Neste capítulo, pensamos que está evidente o marco controverso em que Pascal se demarca dos seus comtemporâneos, relativamente ao método para se chegar ao conhecimento e ao conflito entre “fé e razão”. Por isso, Pascal propõe um pluralismo metodológico. Embora Pascal aceite a dualidade “fé e razão”; mostra-nos que essas duas faculdades nunca entram em conflito. Para isso, ele mescla duas doutrinas, “a platônica e a agostiniana”, em que na primeira introduz a noção de coração, como elemento fundamental para o conhecimento, e a segunda aproveita a noção do pecado original, como factor limitador do conhecimento de si mesmo e da natureza. Está claro para nós, a distinção que Pascal faz entre os dois estados do homem “antes e depois do pecado” e que a cada um deles corresponde uma visão do homem, que constui a base do seu projecto antropológico. Esse projecto tem como tema central as questão da “queda” ou então a perda das faculdades que o orientavam para Deus, para ater-se numa dimensão em que a sua razão foi atingida, decaindo do estado de extrema perfeição para uma segunda natureza, em que tudo se inclina para o conhecimento da criatura e a satisfação dos prazeres da carne. Acreditamos também que, a partir desse projecto antropológico, Pascal pensou todos os fundamentos da natureza humana, e desenvolveu as suas reflexões metodológicas tornando possível uma leitura objectiva da sua posição quanto à condição do homem. Por isso, pensamos que não se trata de um voltar-se para si soberbo, nem de uma rejeição de todas as qualidades do homem, mas sim de um processo de renúncia de toda e qualquer forma de concupiscência. Trata-se de um voltar-se sério e objetivo para a sua condição de finitude e da aceitação desta situação, para procurar a verdade. 8 PASCAL - “Os Pensadores” frag 404 - pág 133 14
  • 23. Parece-nos também que não se pode abstrair da reflexão psicológica, caso queiramos compreender em que consiste o conhecimento e a reflexão sobre “si”, onde a tarefa primordial é o “conhecer a si mesmo”, a sua grandeza, em que o homem se reconhece como mísero; e a sua miséria quando o homem não consegue se livrar das amarras que o prendem, fruto da decadência humana, e a necessidade de comunicação consigo mesmo, em detrimento da procura das coisas exteriores. A conclusão extraída desse capítulo, é que o estudo e a compreensão da antropologia pascalina passa necessariamente pelo estudo e a interpretação dos dois estados “antes e depois do pecado”; o que nos serviu de guia inicial, como força motriz para alargar a nossa pesquisa para outros domínios da condição humana. Nesse capítulo, pusemos tónica principalmente nas aptidões que o homem possuía, quando estava subordinada ao amor de Deus, e quando perdeu esse mesmo amor. Com a mudança desse amor, para com Deus, na sua infinita bondade, o homem passou a ser objecto e artífice do seu próprio amor. Nesse aspecto, Pascal mostra-nos claramente as consequências desse acto de desobediência e as suas verdadeiras consequências. Revisitando tudo o que foi dito, podemos chegar a algumas conclusões importantes. Não existe na psicologia pascalina conflito entre a fé e a razão, nem entre a alma e as paixões, como defenderam alguns dos seus contemporâneos. Entretanto, Pascal apoia-se em duas doutrinas: a concepção dualista platónica do homem como ser dotado de uma alma e de um corpo; e a segunda, a concepção cristã “Santo Agostinho”, noção de pecado original. Vimos também, o estado em que Adão se encontrava antes do pecado: era de santidade e sobretudo, de inteligência completa e total. Todas as faculdades estavam ordenadas para poder atingir a felicidade pela visão e pelo conhecimento de Deus. Pela desobediência, o homem foi precipitado no segundo estado de natureza motivado por um acto de orgulho, “pecado”, da vontade que se revelou contra a ordem, na qual se encontrava o homem. Pensamos que é na dimensão histórica – teológica: criação, queda e redenção – que podemos esperar alguma luz sobre o estado insuficiente do homem. A queda surge como uma hipótese explicativa que busca iluminar, na forma de um mito, um dado observado empiricamente. É a partir daí que a questão das duas naturezas, antes e depois da queda, surgirá como uma análise antropológica que tentará pensar a insuficiência e os seus graus de manifestação. Por isso, Pascal empenha-se no estudo do homem pela necessidade de comunicação, que não é apenas comunicação com os outros, mas também comunicação consigo mesmo, isto é, 15
  • 24. clareza e sinceridade consigo próprio. Para tal, a razão não lhe serve de nada, uma vez que não possui o monopólio do conhecimento humano. Assim sendo, Pascal vê o coração como outra via de acesso à realidade humana. Conclui-se que, a postura de Pascal, a nosso ver, é definida como “anti-humanista”, porque para ele, o humanismo significa esquecer o Divino. isto é, de certa forma, a mesma atitude que Adão teve, ao virar as costas para Deus, e afirmar a sua própria suficiência como criatura. Nesse caso, entendemos a concupiscência como o abandono de Deus. Por isso, para sermos capazes de desejar de modo recto, precisamos pedir ajuda a Deus. Em forma de síntese, podemos verificar que Pascal, no seu estudo antropológico, se demarca dos seus contemporâneos, no que tange ao conhecimento, propondo um pluralismo metodológico. Mescla a doutrina dualista platónica e a agostiniana, introduzindo a noção de pecado original. Pascal, enfatiza a questão da dupla natureza humana, como forma de melhor compreender s situação actual do homem. Por isso, assinala as qualidades que o homem possuía antes da Queda, “natureza sadia e o amor direccionado à Deus”, e as qualidades da segunda natureza, pós-Queda, onde impera o “amor à criatura e a concupiscência”. Por isso, o homem deve empenhar-se e conhecer-se a si mesmo a partir das suas insuficiências, como um ser historicamente dividido, extraviado e esquartejado entre duas naturezas antagónicas, no qual não é possível existir comunicação entre as três ordens “carne, espírito e vontade”. 16
  • 25. CAPÍTULO - II “CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA DO HOMEM PASCALINO” 1. Desproporção entre o homem e a natureza No segundo capítulo do nosso trabalho, iniciaremos a nossa análise, reflectindo sobre a desproporção existente entre o homem perante pesquisa da natureza, para depois incidirmos o nosso estudo nas dimensões do conhecimento e nos paradoxos da condição humana, que estão intimamente ligados à insuficiência e à miséria humana. No primeiro caso, pelo homem estar dividido entre dois abismos “o infinitamente grande e o infinitamente pequeno”, o que caracteriza a sua situação de desproporção em relação aos dois extremos; no segundo, pela incapacidade do homem em conhecer as verdades ontológicas uma vez que está vedado ao homem o conhecimento racional da verdadeira essência humana, e em terceiro, pela sua situação paradoxal subjacente à miséria, a insuficiência e a opção pelo ser imaginário, em detrimento da sua verdadeira condição. Ao refletir sobre a relação entre o homem e a natureza, Pascal vê o carácter insuficiente da existência humana, porque a razão se depara com aquilo que a ultrapassa infinitamente. O homem encontra-se num estado de desproporção em relação à natureza, e isso indica os limites da capacidade racional de conhecer as coisas. O homem está entre dois abismos, “o infinitamente grande” e o “infinitamente pequeno”. O carácter infinito da natureza impossibilita qualquer relação proporcional. A desproporção entre a finitude humana e a natureza, mostra a impossibilidade de acesso ao plano essencial das coisas infinitas. O mesmo tipo de abismo que encontramos no infinitamente grande da natureza, surge também no infinitamente pequeno9. A partir da consideração da insuficiência cosmológica e epistemológica do homem, Pascal convida-nos a combater a “presunção” no campo do conhecimento científico, que conduziu os homens a ambicionarem alcançar o princípio das coisas, confiando ter alguma proporção com estas mesmas. Tendo em vista que o duplo infinito impossibilita ao homem o alcance do conhecimento acerca da matéria, cabe a ele constatar a sua falta de proporção com as coisas, 9 PASCAL - “Os Pensadores” frag 72 – pág 52 “(...) O homem é um nada em relação ao infinito; tudo em relação ao nada; um ponto intermediário entre o nada e o nada “(...) 17
  • 26. situada entre os “dois abismos do infinito e do nada”. Segundo Pascal, não podemos conhecer as coisas devido à nossa desproporção em relação a elas. Devemos, portanto, combater a presunção, que produz equívocos nos resultados a que chegam os conhecimentos das ciências. Desse modo, temos no pensamento filosófico, um direcionamento epistemológico que ressalta a importância ética da consideração dos limites do conhecimento humano. O duplo infinito da natureza sugere os limites do conhecimento racional; o homem é incapaz de apreender os princípios últimos do conhecimento verdadeiro. A propriedade do duplo infinito também se exprime na concepção pascalina de homem como “caniço pensante10”. Essa noção caracteriza dois aspectos da condição humana: o homem é materialmente limitado por um corpo finito, e a razão é incapaz de compreender a infinitude do espaço, mas conhece a existência do infinito. Esses aspectos ressaltam a finitude do corpo e a amplitude da razão. Cabe à razão a produção do conhecimento, e o conhecimento dos limites do corpo. Mas de acordo com Pascal, o acesso aos primeiros princípios dar-se-á por outras vias, porque não há no homem uma compreensão imediata. O acesso deve provir do corpo, por meio do “sentimento”. É o coração que apreende os primeiros princípios através do “sentimento”. Desse modo, o corpo e a razão encontram-se num estatuto semelhante, e a relação entre ambos é mediada pelo “coração”, e nenhum ocupa um patamar mais elevado na hierarquia das condições do conhecimento possível. Os primeiros princípios, fornecidos à razão pelo “coração”, são os que possibilitam a produção do conhecimento. O coração fornece os princípios com que a razão trabalha de modo lógico-demonstrativo (o método geométrico). Consideramos que está descartada em Pascal a possibilidade de fundamentar o conhecimento racional em termos ontológicos, porque o processo racional trabalha a partir de referenciais que a razão é incapaz de demonstrar. Ao considerar a dimensão epistemológica do pensamento pascalino, alcançamos a desproporção como traço elementar do homem, “está vedado à razão, o alcance de verdades ontológicas”, o que também significa não ser possível uma apreensão racional da essência humana11. Concordamos com Pascal, quando diz que a razão não possui o monopólio do 10 PASCAL- “Os pensadores” frag. 347. Pág 123 “O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza. Mas é um caniço pensante(...) 11 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 72. Pág 55. “Assim, se [somos] simplesmente materiais nada podemos conhecer; e se somos compostos de espírito e matéria não podemos conhecer perfeitamente as coisas simples, espirituais ou corporais...” 18
  • 27. conhecimento. Neste caso, a análise de outras dimensões produtoras de conhecimento representa um alargar do campo da compreensão do sujeito como um ser dividido. Achamos também pertinente a análise dessas dimensões, uma vez que em Pascal não há a possibilidade de compreensão racional da identidade humana, visto a impossibilidade de uma apreensão racional da sua própria essência, tendo em conta a sua situação de desproporção cosmológica, e a sua posição entre os dois abismos do infinito e do nada. 19
  • 28. 1.1. Dimensões do conhecimento em Pascal A relação entre o homem e a natureza em Pascal resulta no estudo das possibilidades e limites do conhecimento racional. A desproporção aponta para uma dimensão que a razão não abarca. Assim, ao delimitar o âmbito da produção das verdades racionais, Pascal realizou uma “cisão” no conhecimento em diversas esferas12. Segundo Pascal, o coração é um parâmetro de apreensão da verdade que exclui da razão o monopólio das certezas. Cabe ao coração a apreensão dos “primeiros princípios” como “espaço, tempo, movimento, número, igualdade entre outros”. Esses conhecimentos são naturalmente claros, imediatos e universais13. Esses princípios são necessários como apoio e fundamento de todo o discurso racional. O coração apreende esses princípios por “instinto” e por “sentimento” e a razão segue o seu percurso lógico-demonstrativo a partir desses princípios. Portanto, o coração tem no “sentimento” e no “instinto” dimensões de conhecimento que apreendem os seus objectos de modo imediato. Considerando que o coração constitui-se como apoio ao discurso racional, a razão apreende o seu objecto de modo mediato. O coração “sente” os princípios e a razão trabalha de modo discursivo e demonstrativo extraindo conclusões dos princípios que lhe são dados. Segundo Pascal, há uma diferença entre coração e razão14, entre conhecimento mediato e imediato. O conhecimento racional dá-se através da presença de princípios, que a razão não pode demonstrar, necessitando das certezas do coração. Já o coração não necessita do auxílio de outra faculdade, ele “vê” claramente de um só “golpe de vista”. Por isso, o seu tipo de conhecimento é imediato. Pensamos que ao distinguir razão e coração, Pascal exclui a razão da esfera do coração, mas, essas faculdades acabam por se complementar, na medida em que, é o coração o fornecedor da razão nos primeiros princípios. Sendo assim, o coração é como uma espécie de instrumento mediador, a base de todo o conhecimento humano. O conhecimento dos primeiros princípios que servem como base ao discurso racional constituem somente um dos aspectos do potencial do coração. Ao estabelecer a diferença entre o “espírito geométrico” e o “espírito de finura”, Pascal indica alguns dos aspectos dessa 12 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 282. Pág. 107 “Conhecemos a verdade não apenas pela razão, mas também pelo coração; 13 PASCAL - “Os Pensadores”. Frag 434. Pág. 143 “Sentimos naturalmente em nós a certeza da verdade dos primeiros princípios por sentimento natural” 14 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 252. Pág. 103 “A razão age lentamente, com tantos exames e em tantos princípios que sempre devem estar presentes que a todas as horas” (...); sentindo não age assim; age em um momento, e sempre está pronto agir... 20
  • 29. potência. O “espírito de finura” está ligado ao coração e encontra-se mais voltado aos princípios indemonstráveis, “vê de um só golpe de vista”; já o “espírito geométrico”, ligado à razão, volta-se para as coisas da ciência, para em seguida empregar o raciocínio. O coração tem ainda a “memória” como uma das suas dimensões do conhecimento, em que o homem pode guardar a ideia das coisas. Essas ideias transformam-se em sentimentos15. Outra faculdade que abarca o homem é a “imaginação” que é contrária ao sentimento porque opera somente com as imagens corpóreas que a memória retém. Ao trabalhar com as imagens corpóreas, a imaginação estabelece indevidamente nexos causais entre as imagens. “A imaginação impede o homem de tomar conhecimento da verdade16”, da sua condição, na medida em que o induz a chegar a conclusões falsas, mas, com caráter verdadeiro. Esse caráter de verdade emprestado às imagens conduz o homem ao erro. A imaginação é contrária ao sentimento, mas a razão, por ser flexível, não é capaz de distinguir estes contrários. Ela é considerada por Pascal como sendo responsável e autora da criação do hábito no homem, e por isso impede-o de conhecer a verdade da sua condição, e o induz a cultivar somente aparências, ampliando-as ou diminuindo-as e afastando os homens de considerar as coisas tais como são. Outra dimensão do conhecimento corresponde ao “instinto”, que enquanto dimensão do conhecimento pertence à ordem do coração. É a faculdade que actua como uma espécie de revelador da condição dupla do homem. A partir dele o homem lembra-se da dignidade da sua primeira natureza ou ainda desvia-se de pensar sobre as misérias de sua natureza actual. Embora o instinto e o coração apreendam a verdade de forma intuitiva e imediata, Pascal aponta a diferença que há entre os dois: os conhecimentos advindos do instinto são mecânicos e rígidos, marcam os aspectos da natureza animal do homem; já o coração caracteriza-se como uma faculdade de conhecimento por excelência, na medida em que oferece à razão os seus princípios primeiros. Assim, a diferença que Pascal assinala entre instinto e razão é também a diferença entre a natureza animal e a espiritual. Como é através do instinto e da experiência que o homem poderá conhecer as contrariedades da sua natureza, a razão, por si, não pode dar conta de uma explicação plena do homem. 15 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 95. Pág. 63 “A memória, a alegria são sentimentos e mesmo as proposições da geometria se tornam sentimentos, pois a razão torna naturais os sentimentos e os sentimentos naturais se apagam pela razão” 16 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 82. Pág 58 “Essa soberba potência inimiga da razão, que se compraz em controlá-la e em dominá-la para mostrar quanto pode em todas as coisas, estabeleceu no homem uma segunda natureza...” 21
  • 30. Pascal considera os conhecimentos do instinto úteis à vida, porque levam o homem à conservação da sua existência. O instinto é considerado conhecimento natural, mas ressalta que nem tudo que o homem faz mecanicamente é um conhecimento natural, ou seja, um conhecimento instintivo17. “O costume que faz do rei o temor de seus súditos não corresponde a uma força natural, ainda que também seja pautado na repetição. Por costume o homem não age instintivamente, mas pela força da repetição18”. Mas o homem toma o costume – adquirido pela força da repetição – como sua própria natureza19. O corpo é responsável pela criação de costumes e desenvolve mecanismos que conduzem o homem na adaptação a todo tipo de coisas que se repetem com frequência. O corpo é como uma máquina que automatiza tudo o que é necessário para a sobrevivência. Essa automatização que produz hábitos e costumes, retira a liberdade de agir de modo lúcido. O hábito modela uma natureza no homem que acaba por distanciá-lo da necessária reflexão sobre a verdade da sua condição, na medida em que cria um ambiente artificial no qual os homens acabam por viver de determinados modos, em função de hábitos adquiridos. Pascal desenvolve o tema do corpo-máquina como um obstáculo às faculdades superiores da alma, “a razão e o coração”. Embora o homem seja na essência a união entre corpo e espírito, o corpo-máquina é um obstáculo para o espírito, para se despir dos hábitos que este fez o homem adquirir. Revisitando essa análise, temos a caracterização de algumas dimensões do conhecimento em Pascal que nos permite analisar a relação do homem com a natureza caracterizada pela finitude humana como marca central dessa relação. Vimos que, os limites da capacidade racional impedem ao homem o acesso a verdades ontológicas. Isso equivale a dizer que não há em Pascal a possibilidade do acesso racional à essência do homem. Assim, podemos concluir que o homem encontra-se numa cegueira cognitiva, diante da desproporção, fraqueza intelectual diante da faculdade da imaginação, infinitas possibilidades de significado para as palavras devido ao equívoco dos sentidos, vácuo existencial causado pela constante combate entre o divertimento e o ennui (angústia), medo diante do silêncio dos espaços infinitos e as eternas razões do coração. 17 PASCAL - “Os Pensadores” frag.308. Pág. 115 “O costume de ver o rei acompanhado de guardas, de tambores, de oficiais e de todas as coisas que levam ao respeito e ao terror faz com que seu rosto, quando ele está às vezes sozinho e sem estes acompanhamentos, imprima em seus súditos o respeito e o terror...” 18 PASCAL - “Os Pensadores” frag.91. Pág. 63 “Quando vemos um efeito repetir-se seguidamente concluímos tratar-se de uma necessidade natural: amanhã será dia...” 19 PASCAL - “Os Pensadores” frag.93. Pág. 63 “O costume é uma segunda natureza que destrói a primeira...” 22
  • 31. A partir da posição pascalina, assistimos ao drama da racionalidade local, dependemos de um ponto de vista, a partir da qual, construímos o nosso pobre conhecimento racional local em relação a uma série de fenómenos. Esse ponto de vista é o “limite” da nossa racionalidade empírica, entendida como a sua “localidade”, de certa forma, pode-se considerar um “provincianismo cognitivo”. Para nós, todos esses dados afirmam, de diferentes formas, o princípio da insuficiência, seja ela tomada na sua face mística “boa face”, seja em sua face desgraçada “miserável”. Sendo assim, a filosofia pascalina, representará sobretudo um conjunto de “olhares” diferentes sobre essa profunda realidade. 23
  • 32. 1.2. Paradoxos da condição humana Em Pascal não há a possibilidade de alcançar a compreensão essencial do homem, caracterizada pela negação das percepções sensíveis. Portanto, não há no pensamento de Pascal uma crítica directa das percepções sensíveis. Ao contrário, afirma a evidência dos dados fornecidos pelos sentidos20. Tanto as percepções como a razão somente tornam-se enganadoras quando tentam operar fora do âmbito a que pertencem. Mesmo que as percepções e a razão possam ser princípios de verdade a partir da mediação do “coração”, estão em permanente conflito, enganando-se mutuamente. As percepções conduzem a razão ao erro quando lhe fornecem impressões falsas; e a razão, por sua vez, interpreta os dados sensíveis de modo equivocado. Esse conflito que surge entre razão e percepções decorre dos próprios limites do intelecto finito. Tanto a imaginação como a vontade são dimensões do conhecimento que se estabelecem nos limites do conhecimento racional. A imaginação é considerada uma parte enganadora no homem, porque conduz ao erro, pronunciando sobre factos que estão além do seu alcance. Ela é a faculdade responsável por fundar no homem a aparência de felicidade, riqueza, crenças e todos os disfarces que o distanciam de pensar na sua condição miserável. Enquanto a razão faz ver no homem a sua miséria, a imaginação molda uma realidade fora do âmbito dessa faculdade. A imaginação estabelece no homem a segunda natureza e um mundo marcado pela aparência. O homem prefere representar para si e para os outros esse disfarce, que a imaginação sobreponha à razão, em que o mundo que ela lhe oferece proporciona mais prazer. Essa faculdade segundo Pascal é a “senhora do erro e do engano21”. A imaginação alicia o homem com promessas de prazeres que seu estado de miséria revelado pela razão não pode cumprir. Enquanto essa faculdade pode oferecer satisfação para o homem, a razão só pode lhe proporcionar desespero. Como sugere Pascal: “(...) Não pode tornar sábios os loucos; mas os torna felizes, ao contrário da razão, que só pode tornar seus amigos miseráveis; uma cobrindo-os de glória, a outra de vergonha22”. Tanto no plano epistemológico, como no moral e no psicológico reina a imaginação, visto que, estas faculdades estão aliadas à busca do prazer, à satisfação da concupiscência. Sob 20 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 9. Pág. 40 “... “As percepções dos sentidos são sempre verdadeiras...” 21 PASCAL - “Os Pensadores” frag.82. Pág. 60 “... A imaginação dispõe de tudo: faz a beleza, a justiça e a felicidade, que é tudo no mundo.” 22 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 82. Pág. 59 24
  • 33. o ponto de vista da psicologia existencial é mais aprazível orientar-se pela imaginação, possibilita a criação de um modo de felicidade e satisfação que a razão não poderia oferecer. A vontade também se instala como a imaginação no reconhecimento dos limites da razão; a sua função cognitiva consiste em reconhecer esses limites. Desse modo, embora seja ela que revele a condição insuficiente do homem em relação ao infinito, também conduz a razão ao erro ao fazê-la extrapolar os limites que lhe são próprios. A vontade pode desviar a razão do caminho dedutivo-demonstrativo em relação à produção dos saberes geométricos, ao persuadi-la a estabelecer como verdadeiros e válidos os juízos produzidos geometricamente sobre objectos não geométricos. A vontade persuade a razão da evidência dos princípios possíveis do conhecimento geométrico, assim como a persuade da certeza das verdades divinas. A razão não pode alcançar um conhecimento acerca da essência dos objetos da natureza, porque a miséria da razão é também resultado desses limites. A imaginação e a vontade, quando extrapolam os limites da razão, marcam a sua miséria e, em consequência, marcam a miséria da condição humana. É essa situação de desproporção perante o universo e a insuficiência que marcam a miséria da condição humana em Pascal. No entanto, é também a consciência da própria miséria que faz a grandeza do homem, "é necessário saber-se miserável para ser grande23”. Sendo a essência do eu racionalmente inapreensível, restam apenas as qualidades exteriores observáveis pelas percepções. Todavia, o homem deve buscar conhecer-se para ordenar a sua conduta, como diz Pascal, “é preciso conhecer-se a si mesmo; se isso não servisse para encontrar a verdade, serviria ao menos para regular a vida, e não há nada mais justo 24”. A impossibilidade da compreensão racional da sua essência leva-o a tomar consciência desse estado para ordenar melhor a sua vida. Mas a imaginação encobre com artifícios o estado de miserabilidade do homem e a vontade o persuade de não buscar se conhecer. A partir da análise da imaginação no pensamento de Pascal, podemos caracterizar essa faculdade como produtora de enganos, porque forja no homem um ser imaginário. A opção que faz pela imaginação leva-o a fugir de vivenciar a miséria da sua verdadeira condição. O homem opta por se distanciar da verdade da sua condição, na medida em que a orientação do seu ser no mundo é a dinâmica do prazer. 23 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 397. Pág. 132. “A grandeza do homem é grande na medida em que ele se conhece miserável...” 24 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 66. Pág. 50 25
  • 34. Consideramos, desse modo, que o domínio da imaginação sobre o homem, leva-o a não considerar racionalmente a verdade da sua condição, a opção pelo ser imaginário, faz notar o rompimento entre a busca do conhecimento e a aspiração à felicidade. Todavia, ao optar pelas construções imaginárias, o homem escolhe uma forma de felicidade marcada pela inconstância, uma vez que, a imaginação deforma a imagem das coisas, e o homem é direccionado a cultivar somente falsidades25. Julgamos que a imaginação ao actuar desse modo amplia as qualidades que o homem julga possuir, e cria uma imagem de grandeza para preencher um espaço interno que se caracteriza como miséria. Imaginando-se grande, o homem esquece-se de constatar as misérias presentes na sua condição. A imagem de grandeza com a qual a imaginação veste o homem não pode constituir o seu verdadeiro ser. A imaginação enquanto instância produtora de subjetividade afasta-nos da verdade do ser do homem. Essa incapacidade é extremamente problemática, porque a própria ideia de identidade do sujeito supõe uma permanência na continuidade. É certo que a análise da capacidade racional do homem em Pascal fez notar a insuficiência humana perante um universo que o ultrapassa. Pensamos, e concordamos com Pascal, que é do reconhecimento dessa insuficiência (da sua miséria) que faz o homem grande. Já a imaginação pode ser caracterizada como a faculdade da contingência e da insuficiência como miséria, uma vez que instaura no homem o sentimento de grandeza. No entanto, a uma conclusão se chega a partir da análise dessa faculdade: a opção do homem pelo ser imaginário vai de encontro com a recusa em aceitar a sua condição de miséria que ele mesmo encobre. Mas Pascal diz-nos que o homem só pode ser grande quando reconhece a sua miséria, e tal facto sugere que a verdade do ser (a sua grandeza) deve passar pela consideração da miséria. Deste capítulo, e em breves trechos, podemos concluir os seguintes aspetos pertinentes: relativamente à natureza, o homem está entre dois abismos, “o infinitamente grande” e o “infinitamente pequeno”. Esse duplo infinito impossibilita-o de alcançar o conhecimento da matéria. Segundo Pascal, o “homem é materialmente limitado por um corpo finito, e a razão é incapaz de compreender a infinitude do espaço”. Sendo assim, a desproporção é um traço elementar do homem, “está vedado à razão, o alcance de verdades ontológicas”. 25 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 84. Pág. 62 “A imaginação amplia os pequenos objetos até encher- nos a alma com eles, em uma avaliação fantasista; e numa insolência temerária diminui os grandes e os reduz à sua medida, como ao falar de Deus” 26
  • 35. Ao delimitar o âmbito da produção das verdades, Pascal realizou uma “cisão” no conhecimento em diversas esferas, razão e coração. Cabe ao coração a apreensão dos “primeiros princípios” pelo “sentimento”, e a razão segue o seu o percurso lógico- demonstrativo a partir desses princípios. O coração tem ainda a “memória”, o “instinto”, como uma das suas dimensões do conhecimento. Não há no pensamento de Pascal, uma crítica directa das percepções sensíveis, ao contrário, afirma a evidência dos dados fornecidos pelos sentidos. Segundo Pascal, as percepções só conduzem a razão ao erro, quando lhe fornecem impressões falsas, e a razão interpreta os dados sensíveis de modo equivocado. A imaginação é considerada uma parte enganadora no homem porque conduz ao erro, pronunciando sobre factos que estão além do seu alcance. Enquanto a razão faz ver no homem a sua miséria, a imaginação molda uma realidade fora do âmbito dessa faculdade. A imaginação alicia o homem com promessas de prazeres que o seu estado de miséria revelado pela razão não pode cumprir, enquanto essa faculdade pode oferecer satisfação para o homem, a razão só lhe pode proporcionar desespero. A razão não pode alcançar um conhecimento acerca da essência dos objectos da natureza, porque a miséria da razão é também resultado desses limites, e é essa situação de desproporção perante o universo e a insuficiência que marcam a miséria da condição humana em Pascal. Sintetizando, podemos afirmar que, para Pascal, o homem encontra-se no meio de dois abismos, o que deixa claro a sua situação de desproporção com a natureza, mas também entre as três ordens. Existe então, uma desproporção teológica, cosmológica e epistemológica quando se trata dos limites do conhecimento humano. Por isso, torna-se necessário o estudo dessas mesmas dimensões. Segundo Pascal, o homem não é um ser racional por excelência, por isso, aponta outras faculdades que também permitem o homem chegar ao conhecimento, tendo em conta que o conhecimento racional é local e parcial, devido à situação de insuficiência humana. Pascal mostra que o coração é o parâmetro mais importante, uma vez que, é ele que fornece à razão os primeiros princípios. O coração apreende os primeiros princípios através do sentimento e do instinto, que apreendem os objectos de modo imediato, e ainda a memória, a imaginação e o costume que apreendem os objectos de modo mediato, e por isso, quando se apoiam em dados falaciosos impedem o homem de conhecer a sua verdadeira natureza. 27
  • 36. Sendo assim, existe um conflito permanente entres as várias faculdades do conhecimento “sensações e razão”, uma vez que enganam-se mutuamente. Os sentimentos fornecem dados por vezes falsos e a razão interpreta-os de modo equivocado. 28
  • 37. CAPÍTULO - III “CONCEPÇÃO PSICOLÓGICA DO HOMEM PASCALINO” 1. Constituição do “eu” no mundo Por último, e para finalizar o trabalho, tendo em vista o enfoque antropológico e cosmológico dos capítulos antecedentes, neste presente capítulo, incidiremos o estudo na dimensão psicológica do homem pascalino, abordando primeiramente a constituição do “eu” no mundo, a grandeza e a miséria humana e, por último, a graça. No primeiro ponto, destacaremos a questão da fuga do homem mediada pela projecção de um ser imaginário; e o divertimento, como forma do homem esconder a sua verdadeira condição. No segundo incidiremos no ponto focal do nosso trabalho, destacando a situação trágica do homem marcado e dilacerado por traços de grandeza e miséria, para depois nos atermos no último ponto como sendo a solução pela qual o homem poderá ser resgatado, mediante a ligação à potência divina. A construção do sujeito na psicologia pascalina e na ordem social realizam-se através da imaginação, em que o homem se sobrepõe ao seu ser verdadeiro. O espaço psicológico é marcado pela exterioridade do ser, uma vez que o objecto é definido no mundo a partir de qualidades artificiais. A dimensão verdadeira do eu opõe-se ao ser imaginário e não se comunica com o real empírico. A necessidade que o homem possui de desligar-se da sua condição pode ser compreendida em Pascal, como a busca do amor: “A natureza do amor-próprio e desse eu que é não amar senão a si e não considerar senão a si26”. Pascal mostra que esse “eu” está cheio de misérias, mas quer ser objecto de amor e estima dos outros. Para isso, precisa cobrir com construções imaginárias as suas imperfeições. Ao se negar reconhecer as suas imperfeições, o homem soma às mesmas uma ilusão que resulta da sua aversão à verdade. É preciso encobrir as suas misérias para forjar no olhar do outro uma aparente grandeza que o torne objecto amado. Nas suas meditações sobre o homem, Pascal considerou que este deve sempre ver a si mesmo enquanto Ser capaz de pensar, e afirma: “O homem é visivelmente feito para pensar; é toda sua dignidade e todo o seu mérito; e todo o seu dever consiste em pensar 26 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 100. Pág. 64. 29
  • 38. corretamente27”. Pascal opõe aquilo que deveria ser o pensamento às actividades do divertimento: dançar, jogar, etc. em tornar-se rei, sem pensar o que é ser rei, e o que é ser homem”. A descrição do plano existencial do homem em vários fragmentos nos “Pensadores” expressa a condição de um ser que vive a constante fuga de pensar em si mesmo, e para desviar-se dessa angústia o homem deixa-se alienar pelo divertimento. Um homem sem diversão é um ser infeliz, pois nesse estado ele contempla o seu vazio. “No fragmento 164, pág. 79 de “Os Pensadores”, Pascal esclarece essa necessidade de divertir-se: Mas, “tirai-lhes a diversão, vós os vereis consumir de desgosto. Sentem “então o seu nada sem o conhecê- lo...” O divertimento expressa a maneira pela qual um ser desejoso busca a felicidade. O homem que se diverte ocupa-se com uma actividade ilusória. Em qualquer actividade os homens se iludem, e continuam indefinidamente buscando a felicidade. Marcado pela escravidão do desejo e a fuga constante de admitir a miséria da sua condição surge no divertimento como um ser que possui uma profunda necessidade de estima28. O homem que cria para si uma imagem de grandeza é incapaz de amar o outro, mas, necessita do outro para reforçar a imagem que constrói de si. Essa necessidade de legitimar a construção de si mesmo através do reconhecimento do outro é caracterizada por Pascal como a guerra entre os “eus”. Tal situação impossibilita a realização da felicidade humana, uma vez que todos querem ser estimados. Portanto, por mais que o homem preencha com disfarces aquilo que nele falta, vive numa constante luta para ser confirmado pelo olhar do outro, colocando em evidência a sua condição de miséria. Assim, a necessidade que o homem possui de se ocupar com actividades do divertimento, pode ser explicada, na medida em que se compreende a sua condição: a de um ser marcado por um desejo de estabelecer-se como uma entidade digna de estima. Mas, no confronto com o outro, o homem sente o fracasso do seu projecto de felicidade e angustia-se. Desse modo, o homem caracteriza-se pela marca de um paradoxo insuperável: embora a verdade da sua condição aponte para um estado de miséria, enquanto ser desejoso, o homem aspira à felicidade que resulta no campo existencial, na constituição de uma identidade digna da estima do outro. A imaginação que actua no divertimento não livra o homem de sentir os paradoxos da sua condição. Seguir os mecanismos do divertimento ou interrompê-los conduz o homem a 27 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 146. Pág. 76. 28 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 400. Pág. 132 “Grandeza do homem: temos uma ideia tão grande da alma do homem que não podemos tolerar que sejamos desprezados e não estimados...” 30
  • 39. dois estados: no primeiro, sente a sua incapacidade para a felicidade, porque não tem a confirmação do olhar e do amor do outro; no segundo, ele é lançado na angústia que provém do sentimento do vazio original da natureza humana, e que foi encoberto pelas vestes do hábito. Em Pascal o homem só pode constituir-se enquanto identidade no mundo da seguinte forma: “Não nos contentamos com a vida que temos em nós e no nosso próprio ser: queremos viver na ideia dos outros uma vida imaginária, e, para isso, esforçamo-nos por fingir. Trabalhamos incessantemente para embelezar e fingir. E se temos tranquilidade, ou generosidade, ou fidelidade, apressamo-nos em fazê-lo saber, a fim de ligar essas virtudes a esse nosso outro ser.29(...) Nesse fragmento, há a descrição de uma identidade que só pode ser construída através da imaginação, em que o sujeito está entregue às construções imaginárias. Temos desse modo, representando a insuficiência humana em constituir-se enquanto identidade. Está presente no homem uma desproporção entre uma substância necessária (eu verdadeiro), e as qualidades artificiais buscados pelo próprio. Ao buscar a verdade do ser do homem constatamos que o ser verdadeiro opõe-se ao ser imaginário. O homem é descrito a partir das nuances do hábito e do costume, que para Pascal não equivalem à nossa verdadeira natureza. Em suma, temos que a verdade do eu não pode estar presente na realidade empírico- psicológica do homem, pois há uma desproporção entre esta e a verdade ontológica do ser. No entanto, se o homem somente se torna real a partir da imaginação, a base em que se assentam tais construções (a falta, o vazio) faz notar a inconsistência de uma realidade subjectiva artificial, imaginária e inacabada. O homem que optou pelo ser imaginário vive o império do amor-próprio e, como diz Pascal: “A natureza do amor-próprio e desse eu humano é não amar senão a si e não considerar senão a si30”(...), pois tudo tende para si mesmo, e a tendência para si é o começo de toda desordem. A ideia de “tendência a si mesmo”, surge em Pascal como incapacidade presente no homem em transcender o anseio de ser desejado. Tal anseio caracteriza o homem que se constrói pela imaginação. O conceito do eu enquanto identidade não pode ser apreendido nem externamente (socialmente), nem internamente (psicologicamente), ele só se pode sustentar a partir de artifícios, tendo em conta que a razão é insuficiente para explicar a verdade da condição humana, e a imaginação só nos permite ver uma condição que preenche esse vazio 29 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 147. Pág. 77. 30 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 100. Pág. 64 31
  • 40. essencial com uma série de artifícios que constituem a base do ser social e psicológico do homem. Como diz Pascal, o erro do homem não está em procurar actividades que o distanciem de ver as suas misérias, mas sim em acreditar que toda a sua agitação visa o repouso; pois os homens que sentem naturalmente a sua condição, não evitam nada quanto ao repouso; nada há que não façam para buscar a agitação31.” Pascal censura aqueles que condenaram o homem por ser incapaz de ficar em repouso, como o homem que se ilude pensando que o seu movimento visa um fim específico que lhe proporcionaria a felicidade. Em ambas as situações há um desconhecimento da verdadeira natureza humana. Em Pascal, o homem no seu estado actual está absorvido pelo jugo do desejo, mas a mecânica do divertimento não assegura ao homem um estado de felicidade. De acordo com Pascal, divertir-se é a única coisa que consola o homem das suas misérias e, no entanto, é a marca de sua maior miséria. Portanto, convida o homem a opor-se ao divertimento e mergulhar na angústia que o permite compreender a sua condição de miséria. Há dois instintos que actuam no homem na mecânica do divertimento: um que o faz buscar as agitações exteriores e que é fruto de suas misérias presentes; e outro instinto secreto que restou da grandeza de sua primeira natureza e que o faz pressentir que a felicidade só está no repouso. Como vimos no estudo das dimensões do conhecimento em Pascal, o instinto é marca de duas naturezas no homem: “Instinto e razão”. Ele aponta que há no homem a marca de dois instintos que o faz um todo confuso e dilacerado por paradoxos, procura o repouso pela agitação e se o encontra não suporta o tédio que esse estado proporciona. A partir da multiplicação dos paradoxos da condição humana, do desenho de toda a miséria em que vive o homem, Pascal considera que a problemática da nossa condição deve ser buscada a partir do reconhecimento do nosso “coração”. A dimensão de nosso ser verdadeiro deve ser buscada no encontro da teologia com a psicologia. É somente opondo concupiscência e graça que nos aproximamos da definição essencial de nossa natureza. Mas antes, pretendemos estender a nossa análise do homem visando compreender a duplicidade de sua natureza caracterizada pelo paradoxo entre grandeza e miséria, para depois investigar sobre a graça como o único meio capaz de alcançar a compreensão da plenitude de sentido da existência humana. 31 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 139. Pág. 71 32
  • 41. 1.1. Grandeza e miséria do homem Como vimos, “Os Pensadores” apresentam um desenho trágico da condição humana. O homem vive uma situação paradoxal marcada por traços de grandeza e miséria. No entanto, o homem recusa-se a ver a verdade da sua condição e vive disfarçando, forjando para si uma máscara que esconda a sua miséria. Miséria que marca o homem com o selo da discórdia, interna e externa. No plano interno, ela se reflete na luta entre a razão e as paixões; no plano externo entre o homem e a natureza. O sujeito pascaliano vive o conflito do homem entre a “Guerra intestina do homem entre razão e as paixões. Se só tivesse a razão sem as paixões... Se só tivesse as paixões sem razão... Mas, tendo ambas não pode ficar sem guerra, não podendo estar em paz com uma, senão entrando em guerra com a outra; assim está sempre dividido e contrário a si mesmo32”. O homem marcado pela discórdia vive o império do amor-próprio. Esse amor exagerado por si faz, no plano externo, o ódio nas relações na vida social33. Para Pascal, toda a moral foi criada a partir da concupiscência e de modo algum pode apagar os traços de miséria da condição humana, apenas os deixam velados aos olhos do homem que deseja parecer grande. A verdadeira grandeza do homem só pode ser percebida a partir do conhecimento da sua miséria. “A grandeza do homem é grande na medida em que ele se reconhece miserável34” É através do conhecimento que pode vir a ter de si mesmo que vai ao encontro da sua grandeza, e não do conceito que faz de si. Quando Pascal aponta as misérias da condição humana e acusa o amor-próprio como o responsável por essa situação, ele está conduzindo a sua análise do homem à teologia. A explicação para o estado de miséria da nossa condição repousa na ideia cristã da Queda. Deus puniu o pecado original convertendo o homem em Deus de seu amor próprio. No paraíso, o homem vivia num estado de harmonia consigo, na medida em que vivia no seu plano essencial, participando da essência divina. Com a queda, há uma ruptura do homem consigo mesmo, e deixa de se relacionar com Deus. O homem decaído vive uma situação de miséria existencial, lançado no vazio deixado pelo abandono de Deus. Dado o enfoque histórico-teológico que Pascal empreende na consideração do homem, compreendemos a problemática do seu ser no seu pensamento. Sobre o eu Pascal nos diz: “o eu tem duas qualidades: é injusto em si, fazendo-se centro de tudo; é incómodo aos outros, 32 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 412. Pág. 134. 33 PASCAL - “Os Pensadores” frag.451. Pág. 150 “todos os homens se odeiam naturalmente entre si”(...) 34 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 397. Pág. 132. 33
  • 42. querendo sujeitá-los: pois cada eu é o inimigo e desejaria ser o tirano de todos os outros35”. O eu pascaliano apresenta-se como sujeito e objecto do seu próprio amor que pretende destruir os desejos dos outros eus. Esse eu é a expressão do homem separado de Deus e que se toma por Deus. Um eu que cria para si mesmo no espaço vazio, da sua miséria existencial e busca confirmar a sua dissimulação a partir do olhar do outro. Porém, ainda que o homem se esforce por preencher esse vazio que lhe é inerente, “o eu não poderá impedir que esse objecto que ama esteja cheio de defeitos e misérias”. Pascal diz desse eu: “... quer ser grande e acha-se pequeno; quer ser feliz e acha-se miserável; quer ser perfeito e acha-se cheio de imperfeições; quer ser o objecto do amor e da estima dos homens, e vê que seus defeitos só merecem deles aversão e desprezo36·. (...) Esse eu conduz o homem à fuga de si mesmo e a só buscar -se fora de si. Marcado pelo vazio essencial, e por uma série de contradições, o homem ocupa-se em mascarar -se. É evidente essa necessidade que o eu tem de mascarar-se, forjando “eus” imaginários entre ele e si mesmo, entre ele e os outros “eus”. Podemos notar que, na verdade, o eu se odeia profundamente, pois é no disfarce de si que ele se sente tranquilo. No entanto, a grandeza do homem é tão visível, que se tira mesmo de sua miséria, a natureza corrompida do homem, aponta para a sua grandeza. Mesmo na sua condição miserável o homem mantém a sua dignidade e esta afirma-se no distanciamento do eu em relação a si mesmo. O homem no seu estado actual é escravo da concupiscência e do amor próprio. Portanto, é preciso que nesse estado o homem se odeie a si mesmo, para poder se amar verdadeiramente. Como vimos, no divertimento o eu mascara o seu vazio com actos ilusórios, e se aniquila completamente, uma vez que nega a sua capacidade de participação essencial com Deus. Somente odiando a si mesmo e amando a Deus é que o eu assegura a possibilidade de restituição da sua essência divina37. Desvencilhando-se do amor próprio, o eu pode se direccionar a Deus e a ele se unir, porque enquanto natureza isolada, o eu não pode resgatar a sua dimensão essencial, somente no desprendimento de si mesmo é que ele se ultrapassa e se auto-supera. Concluídos que, é a partir do eixo da Queda e Redenção que Pascal assinala a destruição total do conceito de eu, que se encontra escondido de si mesmo. Somente na revelação divina o homem pode se ver a si mesmo, porque vê Deus. Pascal ressalta que sem esse mistério o 35 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 455. Pág. 150 36 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 100. Pág. 64 37 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 476. Pág. 154 “é preciso amar só a Deus e só odiar a si mesmo” 34
  • 43. homem é um “monstro incompreensível38”. O eu que se afirma para si mesmo e para os outros enquanto superficialidade através das construções da imaginação, na relação com Cristo se aniquila e assim se restitui. Pascal contrapõe e se distancia da concepção do eu cartesiano: ao “eu do cogito”, que se realiza enquanto substância pensante. Contrapõe o sujeito na sua dimensão puramente humana. Mas ao questionar o sujeito cartesiano, não desqualifica a racionalidade humana. Num dos fragmentos de “Os Pensadores”, afirma a importância do pensamento: “O homem é visivelmente feito para pensar (...) e toda a sua dignidade e todo o seu mérito; e todo o seu dever consiste em pensar corretamente39. No entanto, Pascal também aponta que a ordem do pensamento não deve deter-se no eu, ele deve “começar por si”. Sendo assim, pensamos que o indivíduo só pode tomar consciência de si mesmo, a partir da relação com a consciência que tem dos outros em relação a si mesmo, pois, na medida em que ele não possui um eu constitutivo necessita então criar um para si, ele se faz nesse movimento um eu que só se afirma a partir do outro. Por fim, esse eu que se apresenta na dimensão humana só se realiza enquanto imagem que constrói de si e que pretende impor aos demais. Tais imagens são forjadas através do disfarce do eu, que esconde as suas qualidades. Esse eu nos apresenta como uma mentira, caracterizada como uma realidade miserável. É o resultado da separação entre o homem e Deus. A partir dessa separação, o homem foi condenado a separar-se de si mesmo, buscando sempre em qualquer outra parte, onde não se encontra, e somente pode ser salvo desse estado na relação com Deus, através do aniquilamento40. O homem perante a Natureza é frágil, insuficiente para abarcar tudo o que lhe escapa, na vida social vive a superficialidade de ser uma máscara, “disfarce, mentira e hipocrisia”, e no abandono de si mesmo vive a angústia existencial. Pascal convoca o homem a se considerar perante o infinito: o infinitamente pequeno e o infinitamente grande, com o intuito de que nesse movimento ele perceba a sua insignificância. Mas o homem dominado pelo amor próprio não quer achar-se pequeno quando almeja ser grande, na relação consigo mesmo coloca-se como o centro do mundo; perante os outros, encontra-se aprisionado na cela dos seus desejos, e vive uma situação angustiante. 38 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 420. Pág.135. 39 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 146. Pág. 76. 40 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 492. Pág. 157. “Quem não odeia em si o seu amor-próprio, e esse instinto que o leva a fazer-se Deus, é bem cego (...)” 35
  • 44. Considerado esse quadro de miséria que caracteriza a relação do homem consigo mesmo, com os outros e com o mundo, notamos a necessidade de encontrar uma “plataforma firme e segura” que resolva as contradições, os paradoxos da condição humana. Todavia, nas palavras de Pascal essa plataforma é sempre frágil e com o menor vento rui, não há ponto fixo que solucione as misérias humanas. “Os que vivem no desregramento dizem aos que vivem na ordem que são estes que se afastam da natureza, e julgam segui-la: como os que estão no barco julgam que os que estão na margem fogem41 (...) Ao desenhar as misérias da condição humana, Pascal aponta para a necessidade de encontrar o sentido dessa mesma condição. Todavia, encontrar a verdade, da nossa condição humana é tarefa árdua, uma vez que o homem encontra-se numa situação paradoxal, “um ponto intermediário entre tudo e nada42”. Sendo apenas um ponto entre extremos infinitos, o homem não pode de modo algum suprimir os contrários. Na filosofia pascalina há uma crítica contundente à filosofia cartesiana. De acordo com Pascal, a metafísica, ao pretender estabelecer o vínculo entre o homem e o mundo através da prova racional da existência de Deus, está fadada ao fracasso, porque a razão é sempre iludida pela inconstância das aparências e nada pode fixar o finito entre dois infinitos. O eu pascaliano é expressão do ser paradoxal que reúne em si grandeza e miséria. Reflete a consciência trágica que viveu a separação entre o finito e o infinito e que não pode vislumbrar uma reconciliação desse estado a partir da razão. Esse homem paradoxal está fadado a um emaranhado de dificuldades quando pretende encontrar um ponto de equilíbrio para a sua condição. O próprio homem é um referencial que está em movimento num universo descentrado. Desse modo, qualquer ponto tomado como centro equivale a qualquer outro. Diante de um universo descentrado, entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande, qualquer ponto pode se constituir como centro. Nessa condição de desespero o homem só pode acomodar-se em falsos centros. Grandeza e miséria marcam a nossa condição. O homem é grande, na medida em que admite a sua miséria quando reconhece que a partir da razão não pode encontrar um ponto de equilíbrio, a verdade da sua condição. O ponto de equilíbrio que o homem busca é orientado pelo desejo, comum a todos, de busca da felicidade. A felicidade humana, o repouso da condição paradoxal do homem, só pode ser designada por aquele que conhece os limites da circunferência, em quem as extremidades se tocam e reúnem. Somente Deus pode ser essa verdade, Ele que é “o movimento infinito, o 41 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 383. Pág. 130. 42 PASCAL - “Os Pensadores” frag. 72. Pág. 52. 36