Este documento fornece um resumo da história da filosofia do direito desde a Grécia Antiga até os tempos modernos. Começa com uma breve discussão sobre os primórdios da filosofia na Grécia, incluindo as escolas jônica, eleática e pitagórica. Em seguida, aborda Sócrates, Platão, Aristóteles e as escolas estoica e epicuréia da Grécia Antiga, além dos juristas romanos. Discute também o Cristianismo e a filosofia do direito
Giorgio del vecchio - Historia da Filosofia do Direito (2010) By Leandro Santos
1. GIORGIO DEL VECCHIO
,
HISTORIA DA FILOSOFIA
DO DIREITO
Tradução e Notas de João Baptista da Silva
~~~~ ~~~1n
~
Belo Horizonte - 2010
2. -
Catalogação na Fonte da Biblioteca da Faculdade de Direito da UFMG e ISBN
Departamento Nacional do Livro
DeI Vecchio, Giorgio, 1878
D367h História da filosofia do direito I Giorgio DeI
Vecchio ; tradução de João Baptista da Silva.
Belo Horizonte: Ed. Líder, 2006. p. 284. Prefácio do autor
ISBN: 85-88466-33-3
1. Direito - Filosofia - História 2. Direito Na falta de uma ampla e completa história da Filosofia
comparado 1. Silva, João Baptista da, trad. lI.
Título
do direito (falta que se sente não só em nossa literatura, mas
também na estrangeira, não obstante a grande variedade de
CDU: 340.12(091) monografias), foi-me proposto, faz tempo, publicar, em edição
separada, esta exposição resumida, que corresponde à parte
COORDENAÇÃO
histórica das Lições, do mesmo autor, na sétima edição que
Dilson Machado de Lima vem à luz ao mesmo tempo.
É óbvio que um livro de tão pequenas dimensões, como
REVISÃO este, não poderia preencher toda aquela enorme lacuna.
Todavia (segundo observação do editor e de não poucos
Maria de Lourdes Costa Queiroz - Tucha
estudiosos), este compêndio poderá servir para integrar os
EDITORA
cursos de Filosofia do direito, que contêm apenas uma
exposição sistemática da matéria, e também para oferecer
Editora Líder Rua Loreto, 25 - São Gabriel CEP: esboço e subsídio aos cultores de outros ramos mais ou menos
31.980-550 - Belo Horizonte - Minas Gerais
Tel./Fax: (31) 3447-0375 Iiderjr@oLcom.br afins do saber, que desejariam, todavia, conhecer as principais
tendências do pensamento antigo e moderno sobre os problemas
do direito e do Estado. I
A exposição histórica vem acompanhada,
Copyright @ Dilson Machado de Lima Júnior - 2010 Licença freqüentemente, de observações e apreciações críticas que,
editorial para Livraria Líder e Editora Ltda. Todos os direitos
reservados. todavia, não prejudicam, segundo a visão do autor, a maior
objetividade possível e a exação nas referências das várias
IMPRESSÃO doutrinas. Mas a história do pensamento filosófico, e
Promove Artes Gráficas - (31) 3486-2696 - promoartes@terra.com.br
especialmente do pensamento filosófico-jurídico, não pode ser
mera série de dados; deve, sim, ser um
Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios ou formas,
sem a expressa autorização da Editora.
Impresso no Brasil
Printed in BraziJ
I A publicação da parte histórica das Lições em volume separado ocorre já em
algumas edições estrangeiras (por exemplo, na espanhola de 1930).
3. --
repensamento deles. Por essa mesma razão, o propósito deste
livro será plenamente atingido somente se o leitor quiser
retirar deles significado por suas próprias reflexões e juízos.
Sumário
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INTRODUÇÃO... ................................................................. 11
A FILOSOFIA GREGA ....................................................... 13
Os primórdios... ............................................................... .13
Os sofistas ...................................................................... ..14
Sócrates ........................................................................... .16
Platão ........................................................ " ....................... "..........................19
Aristóteles ....................................................................... .23
A escola estóica ............................................................... .30
A escola epicuréia ........................................................... .32
Os juristas romanos .......................................................... 34
O CRISTIANISMO E A FILOSOFIA DO DIREITO
NA IDADE MÉDIA .................................................................... .41
A Patrística ...................................................................... 4 3
A Escolástica ................................................................... .45
Os escritores gibelinos e a doutrina contratualística ....... 49
O Renascimento .............................................................. .57
A FILOSOFIA DO DIREITO NA IDADE MODERNA ..... 61
Maquiavel e Bodin .......................................................... .61
Grócio e outros escritores de seu tempo .......................... 65
Hobbes.............................................................................. 75
Espinosa ........................................................................... 79
Pufendorf ....................... ..., .............. ............. , ............. ...81
Locke e outros escritores ingleses .................................... 84
Leibniz, Thomasius e Wolf ................................................89
4. Vico e Montesquieu......................................................... 96
Rousseau e a Revolução Francesa ................................. 103
Kant........ """"""""'" ......................................................... ... ........ ..1 09
Fichte e a escola do direito racional .............................. 125
O historicismo ............................................................. ..131
O historicismo filosófico, ou idealismo objetivo
(Schelling, Hegel) ......................................................... .132
O historicismo político, ou a Filosofia da Restauração .138
O historicismo jurídico, ou a escola histórica do direito 141
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
IT ÁLIA, NOS TEMPOS RECENTES ............................. 149
1. Da época de Vico a 1870 ............................................... 149
2. De 1870 até aos nossos dias ........................................... 168
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
FRANÇA, NA BÉLGICA, ETC., NOS TEMPOS
RECENTES (SÉCULOS XIX-XX).................................. .197
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
INGLATERRA E NOS ESTADOS UNIDOS, NOS
TEMPOS RECENTES ..................................................... .209
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
ALEMANHA, NA ÁUSTRIA E NA SUíÇA, NOS
TEMPOS RECENTES .............................................................. .229
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NA
ESPANHA, EM PORTUGAL, NA AMÉRICA LATINA,
NA ROMÊNIA, NA HUNGRIA, NA GRÉCIA, NA
HOLANDA, NA ESCANDINÁ VIA, ETC .............................. 243
VISÃO DA FILOSOFIA DO DIREITO NOS "Compreender que há outros pontos de vista é o
PAÍSES ESLAVOS (POLÔNIA, RÚSSIA, início da sabedoria."
CHECOSLOV ÁQUIA, ruGOSLÁ VIA, BULGÁRIA) ........... 269 Campbell
5. INTRODUÇÃO
É vantajoso conhecer a história de toda ciência. Mas a
importância do conhecimento histórico revela-se espécialmente nas
disciplinas filosóficas, tanto que, nestas, não se entende o presente
sem o passado; o passado revive no presente. Os problemas filo- .
sóficos hoje discutidos são, no fundo, os mesmos que se
apresentaram, ainda que apenas em forma embrionária, aos
pensadores da antiguidade.
O exame dos sistemas filosóficos oferece-nos como uma
série de. experimentos lógicos, nos quais podemos logo ver a quais
conclusões se chega partindo de certas premissas, e delas podemos
tirar partido na direção de um mais perfeito sistema, evitando-lhe os
erros já cometidos e tirando proveito dos progressos atingidos.
A história da Filosofia é ainda um meio de estudo e de pes
- quisa que nos ajuda grandemente em nosso trabalho; oferece-nos
um acumulado de observações, de raciocínios, de distinções, que
será impossível a um único indivíduo reunir, como seria impossível
a todo artífice inventar, ele próprio, ex novo, todos os instrumentos
de sua arte.
A história da Filosofia do direito, especificamente, nos
mostra, antes de tudo, que em todo tempo se meditou sobre o
problema do direito e da justiça, o qual, em verdade, não foi
artificiosamente inventado, mas corresponde a uma necessidade
natural e constante do espírito humano.
Todavia, a Filosofia do direito, em sua origem, não se
apresenta autônoma, mas mesclada à Teologia, à Moral, à Política;
sóaos poucos se operou a distinção.
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6. -
GIORGIO DEL VECCHIO
Nos primeiros tempos a confusão é completa. Aparece-nos de
modo característico no Oriente, em cujos livros sacros são tratados
em conjunto a cosmogonia, a moral e os elementos de várias outras
ciências, teóricas e práticas. Neles domina o espírito dogmático; o
direito é concebido como um comando da divindade e como
superior ao poder humano, e, por isso, não como objeto de discussão FILOSOFIA GREGA
ou de conhecimento, mas apenas de fé. Assim, as leis positivas
consideram-se indiscutíveis, e inquestionável o poder existente,
como expressão da divindade.
Os primórdios
Nesse estágio próprio dos povos orientais, o espírito crítico
não tinha ainda despertado. Deve-se, todavia, recordar que alguns A Grécia é a terra clássica da Filosofia, que assume nela um
desses povos, especialmente os hebreus, os chineses e os indianos, desenvolvimento próprio. Em um primeiro momento, a mente grega
deram valiosos contributos aos estudos filosóficos, sobretudo no que não se envolveu, porém, com problemas éticos e muito menos
concerne à Moral. jurídicos, mas considerou apenas a natureza física. Assim, a Escola
Jônica, a mais antiga (VI século a.c.), tentou a explicação dos
fenômenos do mundo sensível reduzindo-os a certos tipos. Essa
Escola, à qual pertenceram, dentre outros, Tales, Anaximandro,
Anaximene, Heráclito, Empédocles (o qual formulou a teoria dos
quatro elementos: água, ar, fogo e terra), não teve, porém,
importância para o nosso estudo.
Outra Escola quase contemporânea da Jônica, a Eleática,
representada por Xenofonte, Parmênides, Zenão, de Eléa, e Melisso,
de Samo, tentou o mesmo problema, de modo mais profundo do que
aquela, no ponto em que, elevando-se a um conceito metafísico,
sustenta que o ser é uno, imutável, eterno.
Para ela há uma só distinção: o que é e o que não é; em
seguida, negação, pois, do conceito de movimento e de vir-a-ser,
que seria uma ilusão dos sentidos. Não seria possível um nascer, um
morrer, um vir-a-ser.
Maior nexo com a nossa disciplina teria uma outra Escola
- a Pitagórica.
Conhecemos Pitágoras imperfeitamente, seja quanto à
sua vida, seja quanto à sua doutrina. Nascido em Samo, em
582 a.c., transferiu-se para a Itália Meridional, para Crotona,
onde fundou uma seleta sociedade de adeptos da doutrina que
professava. To
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7. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRJA DA FILOSOFIA DO DIREITO
davia, esse aristocrático sodalício, de caráter moral e religioso, Diálogos de Platão, nos quais Sócrates disputa freqüentemente com
sujeito a uma forte disciplina, durou pouco tempo porque, tendo os Sofistas). Homens de grande eloqüência e bravura dialética,
surgido dissidência política, teve de refugiar-se em Metaponto, onde percorriam cidades, sustentando em seus discursos teses assaz
morreu por volta de 500 a.c. disparatadas; compraziam-se em se opor às crenças dominantes,
Parece que Pitágoras não escreveu. Seu ensinamento foi muitas vezes suscitando escândalo público em razão de seus
apenas oral. Suas teorias nos são conhecidas, em parte, por paradoxos.
fragmentos de seus discípulos e, em parte, pelas contestações de É notável, sobretudo, o fato de que, então, começou-se a
Aristóteles. Especialmente importante é o escrito de Filolau, discutir, a criticar o princípio da autoridade, a abalar a fé tradicional,
seguidor de Pitágoras e contemporâneo de Sócrates, com o título a despertar a atenção popular, isso em um período de discórdias
DEpt qJvcrEú)<; (Da natureza). Desse escrito chegaram-nos internas, em que se encontrava a Grécia. O trabalho dos sofistas
notáveis fragmentos. relaciona-se com essa efervescência.
O pensamento fundamental da doutrina pitagórica é que a Os Sofistas eram individualistas e subjetivistas. Ensinavam
essência de todas as coisas é o número; ou seja, os princípios dos que cada homem tem um modo próprio de ver e de conhecer as
números são os princípios das coisas. Esse conceito matemático coisas, do que resultava a tese de que não pode existir uma
abriu ensejo a considerações astronômicas, musicais e também verdadeira ciência objetiva e universalmente válida. Célebre é o dito
políticas. Na verdade, a Justiça é, para os pitagóricos, uma relação de Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas" (DáV'tÚ)v
aritmética, uma equação ou igualdade; daí a retribuição, a troca, a XPll/lá'tú)v /lÉ'tpov av8pÚ)7to<;). Isto é: todo indivíduo possui
correspondência entre o fato e o seu tratamento ('to uma visão própria da realidade.
avn7tE7tov8ó<;). Neste conceito (que se aplica também, mas Em sentido bem diverso foi dito, por exemplo, por Kant, que
não somente, à'pena) está o germe da doutrina aristotélica da a mente humana é a medida de todas as coisas. Kant entendia a
Justiça. mente humana como necessariamente idêntica em todos os
indivíduos, e, por isso, afirmar que ela seja a medida de todas as
coisas não destrói a validade universal da ciência.
As formas subjetivas, segundo Kant, apreendem, de certa
forma, a realidade, de maneira que toda experiência está por ser
Os Sofistas feita (mas estas formas são comuns a todos os sujeitos pensantes).
Para os Sofistas, ao contrário, existem apenas as opiniões
A Escola que por primeiro se decidiu a enfrentar os divergentes de cada individuo.
problemas do espírito humano, o problema do conhecimento e o Negando os Sofistas toda verdade objetiva, negam igualmente
problema ético foi a dos Sofistas, no VO século a.C. que exista uma justiça absoluta; também o direito, por si, é relati vo,
Os Sofistas, cujos principais foram Protágoras, Górgias, é uma opinião mutável, a expressão do arbítrio e da força: 'justo é o
Hípias, Calixto, Trasímaco, Pródico, etc., nascidos na Grécia ou na que favorece o mais poderoso". Assim, Trasímaco se pergunta se a
Magna Grécia (Itália Meridional, Sicília), costituíam um grupo de Justiça é um bem ou um mal, e responde: "A justiça é, em realidade,
pensadores e oradores que, mesmo ensinando doutrinas às vezes um bem alheio, uma vantagem para quem manda, um dano para
contrárias, tinham muitas características comuns. quem obedece".
Conhecemos suas doutrinas não diretamente, mas mediante os
escritos de seus adversários (fontes principais são, para nós, os
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8. GIORGIO DEL VECCHIO - HISTORIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
Também quanto a Sócrates estamos em condição análoga
Como se vê, os Sofistas eram moralmente céticos, e antes àquela em que nos vemos perante os Sofistas, isto é, não temos
negadores ou destruidores que construtores. Com tudo isso, tiveram escritos autênticos dele; conhecemo-Io apenas por meio de
o grande mérito de ter desviado a atenção sobre dados e problemas referências de outros, porém de seus admiradores (ao contrário do
inerentes ao homem, ao pensamento humano. A própria dúvida a que se deu com os Sofistas, cujas teorias nos foram transmitidas tão
respeito deles, levada à consciência pública, foi fecunda e benéfica, só por seus adversários), a saber: dos Diálogos, de Platão, e dos
tendo projetado o espírito crítico sobre muitos problemas que antes Memoráveis, de Xenofonte.
não tinham sido postos para o pensamento. Os Diálogos platônicos são, de longe, a fonte mais
Desta forma, enquanto os filósofos da Escola J ônica tinham importante, mas neles o pensamento de Sócrates é muito superado
considerado apenas a natureza exterior, os Sofistas voltaram-se para pelo do grande discípulo, com o qual se confunde. Isto
a consideração de problemas psicológicos, morais e sociais. especialmente nos últimos diálogos. Os primeiros (Apologia,
Foram eles que, por exemplo, puseram abertamente o Eutifrone, Crito, etc.) reportam mais fielmente as palavras de
problema se a justiça tinha um fundamento natural, quer dizer, se o Sócrates, as quais Platão recolheu de viva-voz.
que é justo por lei, ou, como diremos, por direito positivo, seja Sócrates disputava de maneira característica, devolvendo
também justo por natureza (antítese entre VÓ!lCú ÕíKalOV = justo por muitas perguntas e trazendo conclusões simples das respostas;
lei, e <púcrtt ÕíKalOV = justo pela natureza), problema ao qual afirmava nada saber, bem diversamente dos Sofistas, que
presumiam saber tudo; golpeava-os com ironia, e os confundia,
responderam em geral negativamente, observando que, se interrogando
existisse um
os (ironia = pergunta) sobre questões aparentemente simples,
. justo por natureza, todas as leis seriam iguais.
porém, no fundo, muito difíceis, e deste modo constrangendo-os
Mais importante ainda que esta resposta, porém, foi a
indiretamente a dar-lhe razão.
colocação mesma do problema; em verdade, depois da solução
Em um ponto Sócrates avizinhou-se dos Sofistas, a saber: no
negati va tentada pelos Sofistas, outros filósofos puderam tentar uma
haver dirigido o seu estudo ao homem. Sabe-se que a sua divisa era
solução afirmativa para ela.
a inscrição délfica: "Conhece-te a ti mesmo" (yv&8t crwuróv).
Os Sofistas foram, em suma, o fermento que deu causa à
Ninguém mais que Sócrates insistiu na necessidade de conhecer a si
grande Filosofia idealística grega, uma tlorescência do pensamento,
mesmo. Mas nesse estudo chegou ele a conclusões opostas às dos
da qual talvez nenhum outro povo pôde vangloriar-se. Essa
Sofistas. Mostrou que cumpre distinguir o que é impressão dos
tlorescência resume-se, principalmente, nos nomes de Sócrates, de
sentidos, onde domina a variedade, o arbítrio individual, a
Platão e de Aristóteles, que brilharam soberanamente na história do
instabilidade e a acidentalidade subjetiva, daquilo que é produto da
pensamento.
razão, onde encontramos conhecimentos necessariamente iguais
para todos.
Assim, é preciso remontar dos sentidos à unidade conceitual,
racional. Sócrates ensinava a inquirir o princípio da verdade. Saber e
operar significa para ele uma coisa só, como ciência e virtude, já que
Sócrates esta não é senão a aplicação daquela. A virtude é a
verdade conhecida e aplicada.
O grande adversário dos Sofistas foi Sócrates, que viveu em
Atenas, de 469 a 399 a.c. Ele foi mais o sábio da vida que o filósofo
teórico.
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9. HISTORlA DA l'lLOSOHA DO DIRElTO
GIORGIO DEL VECCHIO
tendeu procurar os princípios racionais do agir, Sócrates
Isto que se afmna do saber em geral vale também para o saber
jurídico. Sobre cada coisa devemos saber ver a universalidade. merece ser considerado um dos principais (se não
Aqueles que vêem a variedade das coisas justas em cada tese ou absolutamente o primeiro) entre os fundadores da Ética.
norma jurídica, mas não a justiça em si, não são filósofos
(q:nÀócroq>Ot = filósofos), mas q>lÀóÕOçOt = amantes da Platão
glória) isto é, não amantes da sabedoria, mas da opinião da
nomeada. Sobre as contradições do mundo empírico, objeto da As obras do grande discípulo de Sócrates, Platão (427-347
opinião, está a unidade do mundo inteligível, objeto da ciência. a.c.), escritas em forma dialogal, apresentam o mestre discutindo
Filosofia é justamente o amor à ciência. com seus discípulos e com Sofistas, seus adversários, de modo que
Desta maneira, Sócrates deu os primeiros acenos de um o inteiro sistema de Platão vem expresso aparentemente por
sistema filosófico idealístico, mesmo não o construindo, como fez, Sócrates. Este, porém, não é o seu construtor. Sócrates iniciou na
depois, Platão. Ensinou o método do filosofar, com especial atenção especulação filosófica, mas não produziu ele mesmo um completo
para a Ética, reagindo contra o ceticismo prático dos Sofistas, por sistema. O Sócrates de Platão não é, pois, o Sócrates histórico, mas,
dirigir-se para o bem; ensinou a respeitar as leis (que os Sofistas em grande parte, o próprio Platão.
haviam ensinado a desprezar), e não só as leis escritas, mas também Das doutrinas deste último não podemos tratar senão
aquelas que, mesmo não escritas, valem, como dizia, igualmente, enquanto contempla mais especialmente a nossa disciplina.
em toda parte, e são impostas aos homens pelos deuses. Assim Faremos um resumo dos dois diálogos Politéia ou República
Sócrates afirmou a sua fé em uma justiça superior, por cuja validade (melhor se traduziria "Estado"), e Nó/-lOt, ou "Leis", aos quais
não é necessária uma sanção positiva, nem uma formulação escrita. pode-se acres
A obediência às leis do Estado é, pois, em todos os casos, centar como terceiro, intermediário entre os dois, o intitulado
para Sócrates, um dever. O bom cidadão deve obedecer também às TIoÀtnKÓç; (= O homem político)
leis más, para não encorajar o cidadão perverso a violar as boas. O mais importante é o primeiro, no qual Platão apresenta
O próprio Sócrates pôs em prática esse princípio quando, completamente a sua concepção ideal do Estado. Quer ele considerar
acusado de haver introduzido novos deuses e de ter corrompido a a justiça no Estado, porque, como ele diz, aí a justiça se mostra mais
juventude, e, tendo sido condenado à morte por esses pretensos claramente, sendo escrita em caracteres grandes, enquanto em cada
delitos, quis que se executasse a condenação, e enfrentou homem é escrita em caracteres pequenos.
serenamente a morte, da qual tinha podido escapar. Para Platão, o Estado é o homem em grande, isto é um
A acusação de querer introduzir novos deuses, já acenada por organismo perfeito ou, antes, a mais perfeita unidade: um todo
Aristófanes nas Rãs, tinha sido possível porque Sócrates diziase formado pelos vários indivíduos, e fmnemente constituído, como um
inspirado por uma di vindade (õat/-lwv = divindade), que não era outra corpo é formado de muitos órgãos, que, juntos, tomam possível a
que não a sua consciência; e tal atitude, que parecia contrária à vida de
religião dominante, serviu de pretexto para seus inimigos. les. Assim no indivíduo, como no Estado, deve reinar alguma
O modo sereno e sublime com que encarou a morte toma harmonia, que se obtém pela virtude. A Justiça é a virtude por
ainda mais admirável a sua figura e faz dele um precursor dos outros excelência, enquanto esta consiste em uma relação harmônica entre
mártires do pensamento. Por seu ensinamento, com o qual pre as várias partes de um todo.
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10. HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
GIORGIO DEL VECCHIO
São meios de educação, para Platão, sobretudo a Música (que
A Justiça exige que cada um faça o que lhe cabe ('tá Éamoü compreende a primeira instrução literária), e a Ginástica. A
1tpá't'tEtV). Platão traça com cuidado o paralelo entre o Estado e o Música gera uma disposição do ânimo apta ao acolhimento do bom
indivíduo e o faz também nos particulares, dando à sua concepção e do belo. Em seguida, a Matemática (compreendida a
base psicológica. Três partes ou faculdades existem na alma do Astronomia); segue, depois, para os mais capazes, o ensino das
indivíduo: a razão que domina, a coragem que atua, o senso que outras ciências e da Filosofia.
obedece. Assim, no Estado distinguem-se três classes: a dos sábios, Platão ocupa-se especialmente da preparação dos cidadãos
destinada a dominar; a dos guerreiros, que devem defender o para a vida pública. Os indivíduos melhores deverão chegar ao
organismo social; a dos artífices e agricultores, que devem nutri-lo. governo da coisa pública mediante gradual seleção e aplicada
Como o indivíduo é dominado pela razão, o Estado é pela classe que educação, e só depois dos cinqüenta anos de idade, dedicando-se
representa justamente a sabedoria, isto é, pelos filósofos. exclusivamente a essa função, que é a mais alta entre aquelas do
A causa da participação e da submissão do indivíduo ao cidadão.
Estado é a falta de autarquia, isto é, a imperfeição do indivíduo, a Nesta concepção, o elemento individual é de todo sacrificado
sua insuficiência em si mesmo. O ser perfeito que basta a si mesmo, ao social e ao político. Falta inteiramente a idéia de que todo
que tudo absorve e tudo domina, é o Estado. O fim do Estado é indivíduo tenha certos direitos próprios, originários. O Estado
universal, compreende nele, por isso, suas atribuições, tanto quanto domina de modo absoluto.
a vida de cada um. O Estado tem por fim a felicidade de todos Para tomar mais legítima e estreita a estrutura política, Platão
mediante a virtude de todos. Note-se que, pela Filosofia grega suprime as entidades sociais intermediárias entre o indivíduo e o
clássica, felicidade e virtude não são termos antitéticos, mas Estado. Desta maneira, ele chega a sustentar a abolição da
coincidentes, porque a felicidade é a atividade da alma segundo a propriedade e da faIllilia, ou seja, a comunhão dos bens e dos
virtude, isto é segundo a sua verdadeira natureza. haveres de
O Estado, segundo Platão, domina ainda a atividade humana modo a formar uma só faIllilia, para que resulte inteira e perfeita a
em todas as suas manifestações; a ele compete promover o bem e unidade orgânica e a harmonia do Estado. Isto, porém, vale apenas
todas as suas formas. O poder do Estado é ilimitado, nada é para as duas classes superiores (ou seja, aquelas que participam
reservado exclusivamente ao arbítrio dos cidadãos, mas tudo está mais diretamente da vida pública). Estamos ainda bem distantes das
sob a competência e ingerência do Estado. Esta concepção modernas concepções comunistas.
absolutista é oposta àquela que foi, depois, sustentada por outros De certo modo, a personalidade do homem não é
filósofos, segundo os quais existem limites determinados para a adequadamente reconhecida por Platão. Em vão, por exemplo, se
ação do Estado (Estado de direito: Kant). buscaria em Platão uma condenação da escravidão. Os escravos
A concepção platônica é, de resto, a dominante no mundo não
helênico. Desta maneira, o Estado tem, antes de tudo, segundo os estão incluídos nem mesmo nas três classes postas por ele para
gregos, a função de educador. E no diálogo da República exercitarem as funções do Estado, do que se vê quanto erram
encontramos cumpridas dissertações sobre este tema. aqueles que costumam considerar a teoria platônica ligada à do
socialismo hodierno.
Platão foi movido a construir seu Estado ideal apenas com
preocupações éticas e políticas, nunca econômicas.
2]
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11. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
Estes, em resumo, os conceitos principais formulados N o diálogo das Leis, Platão demonstra um maior respeito
por Platão no diálogo da República. para com a personalidade individual (sempre, porém, apenas dos
O diálogo das Leis, composto mais tarde, quando Platão homens livres, excluídos os escravos). A família e a propriedade nos
aparecem mantidas, e não mais sacrificadas a uma sorte de
era mais que setenário, tem caráter di verso do precedente,
estatismo, como na República. Mas a autoridade do Estado
porque não traça ele um ideal puro, mas, ao contrário, permanece enorme e absorvente, por exemplo, no que concerne
considera a realidade histórica nos seus caracteres àrepartição da propriedade (onde há divisão dos cidadãos em
contingentes, e mostra-nos freqüentemente um admirável diversas classes segundo o censo), à formação dos matrimônios e
senso de experiência prática. àvida conjugal (sujeita sempre a uma rigorosa vigilância), à
No diálogo da República, Platão tinha expressado a atividade musical e poética (também essa regulada com precisão,
regra de que os sábios governariam segundo a sua sabedoria. em razão de fins educativos), à religião e ao culto, etc.
Na verdade, se supomos que a sabedoria domina o Quanto à forma política, Platão critica tanto a monarquia
mundo, as leis são supérfluas (cf. sobre isto o Político, quanto a democracia, na qual uma parte dos cidadãos comanda e
294/299 e). Mas, se consideramos a prática e a natureza outra serve; e propõe uma espécie de síntese, vale dizer, um governo
humana em concreto, vemos a necessidade delas. O diálogo misto, com vista especialmente ao regime de Esparta, em que, ao
lado das duas formas, havia o Senado e os Éforos.
das Leis põe exatamente a questão do que idealmente deveria e
Temos afirmado que no diálogo das Leis existe uma notável
do que acontece na vida, e trata largamente do problema da base histórica (há, por exemplo, uma exposição maravilhosa sobre a
legislação. gênese do direito), e aparece uma consciência da realidade empírica
Os princípios fundamentais da República mostram-se, muito maior que no da República. Também este, porém, onde o
não Estado aparece como pura concepção ideal, não falta uma conexão
obstante, os mesmos também no diálogo das Leis. Platão dá ao histórica, que é dada exatamente pelapólis grega, representada nos
Estado uma função educativa, quer as leis acompanhadas das seus traços essenciais e ao mesmo tempo idealizada.
exortações e dissertações que lhe mostram os fins. Platão visava reagir contra o ceticismo dos Sofistas e as
Nas leis penais, tem-se um escopo essencialmente tendências demagógicas do seu tempo, afmnando que só os
curativo. Platão considera os delinqüentes como doentes (pois melhores deveriam governar, e para impedir a dissolução da coisa
que, segundo o ensinamento socrático, nenhum homem é pública. Deve-se reconhecer também que a sua teoria política teve,
ainda, um intento prático e uma referência às condições históricas
voluntariamente injusto); a lei é o meio para cuidar dele; a
da sua idade.
pena, a sua medicina.
Mas, em razão do delito, também o Estado é, em certo
modo, doente, donde, se a saúde do Estado o exige, isto é,
quando se trata de um delinqüente incorrigível, o delinqüente
deverá ser eliminado ou suprimido para o bem comum.
(Convém notar, a este propósito, a diferença entre a
concepção de Platão e a da moderna Escola de Antropologia Aristóteles
criminal; esta considera a delinqüência como um produto da
degeneração física, enquanto que, para Platão, o delinqüente Aristóteles (384/322 a.c.), nascido em Estagira, foi discípulo
é, intelectualmente, um débil; e sua enfermidade é aberração, de Platão por bem vinte anos e, mais tarde, preceptor de Ale
ignorância do verdadeiro, isto é, da virtude, que é o
22 conhecimento do vero.) 23
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GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
xandre Magno. Quando este subiu ao trono, Aristóteles fundou sua perfeita, que tem por finalidade a virtude e a felicidade universal; é
escola em Atenas, no Ginásio Liceu (dedicado a ApoIo uma comunhão necessária., tendente ao escopo da perfeição da
AÚKElOÇ). vida.
Tratou o estagirita de quase todos os ramos do saber, e O homem é um animal político (ç<úov nOÀ.t'nKóV), isto é,
muitas ciências pode-se dizer que começaram com ele. Todavia, chamado pela sua própria natureza à vida política; e o Estado
tendo grande parte de seus escritos andado perdidos, não se pode logicamente existe antes dos indivíduos, tal como o organismo
determinar até que ponto valeu-se ele das perquirições de outrem. existe antes de suas partes. Vale dizer: como não é possível
O caráter do seu gênio é diverso do de Platão. Platão, por sua conceber, por exemplo, uma mão viva separada do corpo, assim não
natureza, mais especulativo; Aristóteles, mais inclinado à pode o indivíduo, propriamente, pensar sem o Estado.
observação dos fatos. Porém, em questões cardeais da Filosofia, ele O Estado regula a vida dos cidadãos por intermédio das leis.
não se distancia muito de seu mestre, e é equivocado apresentá-Ios Estas dominam toda a vida, porque o indivíduo não pertence a si,
como adversários e antagonistas, como às vezes se faz. É verdade mas ao Estado. O conteúdo das leis é a justiça, e desta Aristóteles
que Aristóteles refuta expressamente algumas teorias de Platão. elaborou profunda análise. O princípio da justiça é a igualdade, a
Temse mesmo acenado também para discórdias pessoais que se qual vem aplicada de vários modos.
sabe existiram entre mestre e discípulo. Mas, provavelmente, se Aristóteles distingue, a seguir, a justiça em várias espécies. A
exagerou sobre este ponto, e se formaram lendas. Deve-se primeira entre elas é a justiça distributiva ('"Cà ôíKmov Év '"Catç
reconhecer que também Aristóteles foi essencialmente metafísico e ôwvoJlmç, '"Co ÔWVE~ll'nKÓV), que se aplica na repartição das
idealista. honras e dos bens, e visa a que cada um dos consociados dela receba
Também a respeito deste filósofo deveremos limitar-nos ao uma porção adequada ao seu mérito (Ka'"C' àçíav).
exame das doutrinas que concemem à Filosofia do direito. As obras Se, pois - aduz Aristóteles - as pessoas não são iguais,
mais importantes são, por isso, a Política e a Ética. Desta têm-se também não terão elas coisas iguais. Com isto, evidentemente, não
três redações: Ética a Nicômaco, Ética Eudemia e a também dita se faz mais que reafirmar o princípio da igualdade, pois que ele seria
Grande moral ou magna moralia, que em muitas partes se violado em sua função específica, se se desse igual tratamento a
equivalem. Apenas a primeira (Ética a Nicômaco) é certamente méritos desiguais. A justiça distributiva consiste pois em uma
obra de Aristóteles, enquanto a Eudemia é provavelmente obra de relação proporcional, que Aristóteles, não sem algum artifício,
Eudemo, define como uma proporção geométrica (YEW~E'"CptK~ àvaÀ.oyta).
seu aluno, e a Grande Moral é um extrato das duas precedentes. A A segunda espécie de justiça é a corretiva ou igualadora, que
Política (IToÀ.t'nKá), em oito livros, não chegou a completar-se. também se pode dizer retificadora ou sinalagmática, isto é, re
Outro escrito, sobre Constituições (IToÀ.t'"CElm), que guladora das relações mútuas ('"Cà Êv '"Colç cr~vaÀ.À.áy~a<H
continha a descrição de 158 constituições, perdeu-se em grande ÔlOp8w'nKÓV). Também aqui se aplica o princípio da igualdade,
parte (recentemente encontrou-se importante fragmento da mas em forma diversa daquela vista antes; pois aqui se trata só de
Constituição dos Atenienses). medir impessoalmente o dano ou o proveito, isto é, as coisas e as
Como para Platão, também para Aristóteles o sumo bem é a ações no seu valor objetivo, considerando-se como iguais os termos
felicidade produzida pela virtude. O Estado é uma necessidade; não pessoais. Uma tal medida tinha, segundo Aristóteles, o seu próprio
é simples aliança (O'U~I.taxía), isto é, associação temporal feita para se tipo na proporção aritmética (dpt8~lltK~ ávaÀ.oyÍa).
alcançar qualquer fim particular, mas é uma união orgânica
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13. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
Esta espécie de justiça tende a fazer que cada uma das Para tornar claro este conceito, ele equipara a equidade a uma
duas partes que se encontre em uma relação venha a encontrar- certa medida (régua lésbia*), feita de uma substância flexível, que
se, em relação à outra, em uma condição de paridade; de modo permitia seguir a sinuosidade dos objetos a medir.
que nenhuma tenha dado nem recebido a mais nem a menos. Assim, as leis são formais, abstratas, esquemáticas. Sua justa
Daí a definição desta forma de justiça como o ponto aplicação exige certa adaptação. Esta adaptação é constituída da
equidade, que, segundo Aristóteles, pode chegar, nos casos não
intermédio ou o meio entre o dano e a vantagem. Estes termos
contemplados propriamente pelo legislador, até a sugerir novas
vão, porém, em sentido lato, aplicando-se não só às relações normas.
voluntárias ou contratuais, mas também àquelas que Quanto às relações entre o Estado e os indivíduos, enquanto
Aristóteles chama involuntárias (âKOÚcnCX), e que nascem do Platão queria afastados os graus intermediários, absorvidos nele,
delito, mesmo que, porém, a seguir, se exija certa equiparação, vale Aristóteles os conserva, concebendo assim o Estado como a mais
dizer, exata corespondência entre o delito e a pena. elevada síntese da convivência, mas síntese que não elimina os
A justiça corretiva (igualitária ou retificadora) vale, pois, para agregados menores, como a família, mesmo a tribo, ou os vilarejos
toda sorte de troca e de interferência, de natureza ci vil ou penal. (KéD~CXt).
A respeito, sempre segundo Aristóteles, que, todavia, não Do primeiro agregado, a fanulia, passa-se ao segundo, a tribo,
desenvolve aqui muito claramente o seu pensamento, faz-se logo ou vila. Em seguida, a reunião das KW~CXt dá lugar à 7tóÀtç, ou
ulterior subdistinção. seja, ao Estado grego (Note-se que a pólis grega é uma unidade
Ajustiça corretiva ou igualitária pode mostrar-se sob dois política mais reduzida do Estado moderno).
aspectos: enquanto determina a formação das relações de troca A consideração daqueles graus intermédios de convivência
segundo certa medida, e se apresenta, então, como justiça demonstra uma melhor concepção histórica em Aristóteles do que
comutativa, ou enquanto tende a fazer prevalecer tal medida no em Platão. Aqueles agregados são como as diversas etapas para
caso de controvérsias, com a intervenção do juiz, e se apresenta, aí, formar o Estado.
como justiça judiciária. A abolição da fanulia e da propriedade, concebida por Platão,
Em matéria de delitos, a justiça corretiva exercita-se de encontra em seu discípulo uma oposição e uma confutação veemen
forma necessária, imediatamente, na forma judicial, porque, aí, se
tratata, necessariamnente, de reparar, contra a vontade de uma das
partes, um dano advindo injustamente. Ao invés, em matéria de
permutas ou de contratos, aquela justiça oferece normas, antes de
tudo, aos próprios contratantes, e a atuação corretiva do juiz pode
também não ser necessária.
Aristóteles preocupou-se com a dificuldade de aplicação das * N. T. - Régua lesbiana - Define-a Larousse como regle de plomb qui pouvait se plier pour prendre
leis abstratas aos casos concretos e indicou um corretivo para a le contour dês pierres à surface courbe ou brisée = "régua de chumbo que podia dobrar-se
rigidez da justiça: a eqüidade, critério de aplicação da lei que para tomar o contorno das pedras de superfície curva ou fragmentada" (GRAND diccionaire
universal du XIXême siêcIe. Paris, 1865, tome treiziême, p. 856). A régua lesbinana é
permite adaptá-Ia a cada caso, temperando-lhe a dureza. tomada, aqui, em sentido intelectual, no campo das idéias, mais pelas suas propriedades que
pela figura em sua materialidade. Tal como a régua, que amolga ao ser aplicada a
superfícies sinuosas, a eqüidade representa o amolgamento (adaptação) da conduta do juiz
para atender a peculiaridades do caso que examina. Mas, por que lesbiana? Parece que a
razão deve ser buscada na idéia de adaptação, presente na eqüidade e, também, na coisa,
lesbianismo. Estarei certo ou obrando em fantasia?
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14. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
teso Desse contraste revela-se o temperamento diverso dos dois bliotecas, especialmente ao tempo do Império. Talvez
grandes filósofos: ao idealismo absoluto, puramente especulativo de possamos, então, compreender, até certo ponto, como
um, opõe-se o espírito observador do outro, que busca nos próprios Aristóteles considerava necessária a escravidão a qual- dizia -
fatos sua relativa razão, e os graus de seu sucessivo se poderia abolir "se a lançadeira corresse por si sobre o
desenvolvimento. tear"*
A farrulia tem como elementos o homem, a mulher, os filhos Tais palavras demonstram como existia nele uma
e os servos, uma sociedade estabelecida perpetuamene pela
profunda compreensão da função econômica da escravidão no
natureza. Da união de várias farru1ias surge a vila, ou a comuna
seu tempo. Na verdade, para a abolição da escravatura, nos
(KWfll1); da reunião de várias comunas, o Estado, que, ele só,
tempos que se seguiram, contribuiu também o progresso da
possui a plena autonomia administrativa. Este é, portanto, o
indústria, a invenção da máquina, etc.
fim das outras comunidades dado pela natureza. Para não
Todavia, podendo-se admitir, em certas fases históricas,
precisar da sociedade deve
a relativa razão da escravatura - e, neste ponto, são apreciáveis
rá ser ou mais, ou menos que um homem, um animal, ou um
as razões de Aristóteles -, não é admissível a sua tese, quando
deus.
pre
Aristóteles observa o fenômeno da escravidão, e também
tende dar para ela uma justificativa absoluta, uma vez que,
buscajustificá-Io demonstrando como os homens que são
por si mesma, a escravidão choca-se contra o direito à
incapazes de se governarem deviam ser dominados. Alguns
autonomia, que todo homem possui naturalmente; e não se
homens afirma ele - são nascidos para a liberdade; outros, para a pode sustentar que exista uma categoria de homens destinada
escravidão. Tenta ainda provar com razões de índole prática a pela natureza a servir.
utilidade da escravidão. Enquanto Platão havia engendrado um ideal de Estado,
O Estado, na concepção aristotélica, tem necessidade de Aristóteles, ao contrário, contempla, antes de tudo, a realidade
uma classe de homens dedicada às ocupações materiais, que dos Estados existentes, desenvolvendo uma série de análises.
sirva a outra classe, de condição privilegiada, permitindo a ela De sua coleção de Constituições políticas infelizmente a
atender a formas superiores de atividade, especialmente à vida maior parte se perdeu, e apenas, como dissemos, foi
pública. Cumpre salientar que, então, a escravidão era encontrada a parte referente à Constituição dos Atenienses,
geralmente considerada como necessidade para o Estado traduzida em italilano por Ferrier, se bem que a Política
(Note-se que também o Estado romano tinha uma de suas contenha também considerações de
bases nessa instituição. Pense-se, por exemplo, nas grandes caráter geral. Nela Aristóteles destaca o nexo das instituições
obras públicas construídas pelos escravos. De mais a mais, a políticas com as condições históricas e naturais; não, sem
possibilidade de os cidadãos participarem livremente da vida dúvida, o melhor absoluto, mas o relativo, e examina quais os
pública, e de se dedicarem às letras e às ciências, dependia, governos mais adequados em relação aos vários elementos de
em parte, da escravidão. Esta era um efeito, considerado fato. Acena ele, o filósofo, mas não era profeta. O que lhe parecia impossível, e era,
* N. T. - Aristóteles era
legítimo, da conquista militar. Muitos dos escravos mais
inventivo de
mesmo, no seu tempo (a lançadeira correr sozinha sobre o tear), o gênio
cultos, especialmente gregos, desempenhavam funções Ark Wrigst (Sir Richard - 1732/1792) fez realidade em 1769 quando,
nobres, ajudando também aos seus donos naquilo que dizia retomando experiências de James Hargreaves, patenteou o invento de uma máquina de tecer
que substituiu o braço escravo, movida, inicialmente, pela força eqüestre, depois pela força
respeito aos seus conhecimentos. Sabe-se que muitos escravos hidráulica, abrindo a Revolução Industrial do século XVIII.
em Roma eram amanuenses e professores muito apreciados, e,
ainda, adidos às numerosas bi 29
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15. GIORGIO DEL VECCHIO HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
por primeiro, para uma distinção entre os Poderes do Estado A escola estóica liga-se à escola cínica, mas é uma
(Executivo, Legislativo e Judiciário). A Constituição política é o sublimação da idéia fundamental dos cínicos. Teve ela por primeiro
ordenamento desses Poderes. Segundo o poder supremo diga fundador Zenão de Cipro, que começou a ensinar em Atenas, em
respeito a um, a alguns, a todos, Aristóteles distingue três tipos de 308, a.c., e tomou o nome de stoá, ou pórtico de Atenas que era o
constituições: monárquica, aristocrática, policial, que considera lugar onde se ensinava. Além de Zenão, entre os antigos estóicos,
igualmente bons, desde que quem tenha o poder o exercite para o são dignos de nota Cleante e Crisipo, que sucederam no ensino a
bem Zenão.
de todos (KOWOV crtl.upÉpov). Mas, se o poder é exercitado por Entre os estóicos de uma era posterior, devem-se recordar,
quem governa para utilidade própria (t8wv crtl.UpÉpov), aquelas especialmente, Panésio, Posei dão, que foi mestre de Cícero em
formans normais de governo degeneram, dando lugar, respectiva Rodes, em seguida, Sêneca, Epiteto (autor do famoso Enqueiridión,
mente, à tirania, à oligarquia, à democracia (que melhor se diria ou Manual, belamente traduzido por Lopardi, e Marco Aurélio).
hoje demagogia, nesse sentido). Os estóicos conceberam um ideal do saber humano, que
possui aquele que venceu todas as paixões e vê-se liberado das
influências externas. Somente desta maneira se obtém o acordo
A escola estóica consigo mesmo, isto é, a verdadeira liberdade.
Este ideal, que para os estóicos era personificado por
Sócrates, deve ser tido em mira por todo homem, porque lhe é
Vamos recordar, agora, duas escolas pós-aristotélicas de imposto pela reta razão. Existe uma lei natural que domina o mundo,
grande importância: a estóica e a epicuréia. e reflete-se também na consciência individual: o homem épartícipe,
A escola estóica deriva de uma precedente, dita escola por sua natureza, de uma lei que vale unversalmente. O
dos cínicos, representada principalmente por Antístenes, que preceito supremo da Ética é, pois, para os estóicos, "viver
teve entre seus seguidores o famoso Diógenes. segundo
Antístenes foi primeiro discípulo de Górgias, e depois de ( I - I
Sócrates, mas colocou-se numa espécie de antagonismo com a natureza" (o!-!oÀOYOU!-!EVú)S; 111 <pucra
outros discípulos de Sócrates, especialmente com Platão. Sl1v).
Para os cínicos, a virtude é o só bem e consiste na Esse conceito de uma lei universal faz que se quebrem as
modéstia, na barreiras políticas, e o homem se considera (como ocorria com os
continência, no contentar-se com pouco. O sábio quase não cínicos, mas aqui em um sentido mais alto) um cosmopolita, cidadão
tem necessidades e despreza aquilo que os homens comuns do universo.
desejam: ele segue apenas a lei da virtude, e não cuida das Como Platão, em homenagem à pólis (= cidade), suprimia a
faml1ia e a propriedade, assim a escola estóica suprime os Estados
demais leis positivas. particulares em reverência ao Estado universal.
Assim, ele não é estrangeiro em lugar algum; é Até então dominava um ideal estritamente político no qual o
cosmopolita, fim supremo era, em suma, a pertença do indivíduo ao Estado. Mas
cidadão do mundo. com a Filosofia estóica anuncia-se e se prepara uma moral mais
De acordo com esta idéia, os cínicos desprezam todas as abrangente e mais humana.
leis e os costumes dominantes, têm uma postura negativa
perante o Estado e buscam desprender os cidadãos dos
vínculos que os unem a ele, retomando à simplicidade
primitiva do estado de natureza.
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GIORGIO DEL VECCHIO
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
o estoicismo afmna que existe uma liberdade que jamais
qualquer opressão poderá destruir, aquela que deriva da supressão resultado constitua a maior quantidade possível de prazer e a menor
das paixões. O homem é livre se segue a sua verdadeira natureza, possível, de dor.
isto é, se aprende a vencer as paixões, postando-se independente Isto implica certo cálculo ou medida de utilidade. No caso, a
delas. falta de moderação abrevia a vida, prejudica o organismo e diminui,
Nesse sentido, não há diferença entre livre e escravo. Temse assim, a faculdade de gozar.
uma sociedade do gênero humano, além dos limites assinalados Neste ponto, Epicuro chegou a oferecer preceitos éticos.
pelos Estados políticos, fundada sob a identidade da natureza Além disso, a escola de Epicuro manifestajá uma teoria sobre a
humana e da lei racional, que corresponde a ela. distinção qualitativa, ou graduação dos prazeres.
É por si mesmo significativo que encontremos entre os mais Diferentemente da Escola Cirenaica, que considerava
insignes escritores cultores e seguidores da Filosofia estóica um sobretudo as sensações físicas, Epicuro dá maior peso aos prazeres e
escravo, como Epiteto, e um Imperador, como Marco Aurélio. às dores do espírito, que são mais duradouros do que aquelas. A
A Filosofia estóica prenuncia, de certo modo, o Cristianismo. amizade é consderada por Epicuro como o maior dos prazeres. Isto
mostra como sua doutrina não é apenas materialista.
Dessa graduação dos prazeres origina-se, porém, a crítica do
utilitarismo, uma vez que, admitindo-se prazeres inferiores e
A escola epicuréia superiores, há necessidade de um critério de escolha, de uma régua
qualitativa e não quantitativa, pela qual o sumo bem pode ser a
A escola estóica opõe-se à escola epicuréia, que, por sua satisfação da consciência, a ser alcançada até mesmo a preço de uma
vez, foi precedida da escola cirenaica ou hedonística, fundada dor física. Supera-se, assim, a singela doutrinna hedonística, que
por Aristipo de Cirene. Segundo esta escola, o prazer é o único busca o prazer pelo prazer, sem distinções.
bem e não existem outros fundamentos de obrigação, além Merece ainda consideração a parte da doutrina de Epicuro que
daqueles que derivam da finalidade do prazer. conceme ao Estado. Também aqui domina a concepção utilitária.
Epicuro nega que o homem seja social por natureza. Em sua origem
Epicuro, que fundou sua escola em Atenas em 306 a.c., e
estaria em luta permanente com os outros homens, mas esta luta,
a continuou até o ano de sua morte (270), partiu do mesmo gerando dor, vem a ser abolida com a formação do Estado.
conceito fundamental dos cirenaicos, mas teve o mérito de dar Assim, para Epicuro, o direito é apenas um pacto utilitário, e
um desenvolvimento mais amplo e mais razoável à doutrina o Estado é o efeito de um acordo que os homens poderiam romper
hedonística. toda vez que em tal união não encontrassem a utilidade pela qual a
Para Epicuro a virtude não é o fim supremo, como para concluíram.
os estóicos, mas um meio para chegar à felicidade. Assim, Como se vê, o Estado de Epicuro está, pois, em condição de
enuncia-se o princípio utilitário, ou hedonístico, avesso à anarquia potencial. Tem-se, aqui, a primeira formulação
moral estóica; e podese afirmar que as escolas éticas (prescindindo-se de qualquer aceno dos Sofistas) da doutrina
posteriores dividiram-se segundo essas duas concepções, em platônica e aristotélica, que, ao contrário, fundava o Estado sobre a
contínuo contraste. natureza mesma dos homens.
Pessoalmente, Epicuro foi um homem sábio e pregava a
temprança como a primeira virtude para assegurar o prazer.
Segundo a sua doutrina, não é necessário procurar o prazer,
nem evi
tar toda dor, mas conduzir-se de maneira que o êxito final ou
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17. GIORGIO DEL VECCHIO
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
Veremos depois, os sucessivos desenvolvimentos da conceitos fundamentais da melhor Filosofia grega, expressos em
teoria contratualista, na Idade Média e na moderna. forma elegante e clara, para torná-los bem acessíveis ao povo
romano.
Os juristas romanos O próprio Cícero apela para o bom senso natural, para a
persuação comum dos homens, dando ao seu discurso caráter
popular. A sua tese principal é que o direito não é um produto do
Roma não teve uma filosofia original. Mas como no Oriente arbítrio, mas dado pela natureza. Natura juris ab homines repetenda
o supremo objeto da atividade espiritual foi a religião e na Grécia, a
est natura( = "A essência do direito deve ser procurada pelos homens na
Filosofia, em Roma foi o direito. Nisto, a sabedoria romana excele.
Houve em Roma, certamente, correntes filosóficas, mas elas natureza"). Tem-se, aí, como ensinaram os estóicos, uma lei eterna,
derivaram da Grécia. Pode-se dizer que todas as Escolas gregas que é uma expressão da razão universal. Portanto, ele combate os
tiveram em Roma representantes próprios. O Epicurismo, por céticos, os quais, afirmando a impossibilidade do conhecimento, e a
exemplo, teve Lucrécio Caro que, no poema De rerum natura, expôs mutação e relatividade de todas as coisas, deduziram daí a
com eloquência as teorias de Epicuro; o Estoicismo teve Sêneca e impossibilidade de uma justiça absoluta (em especial a Cameades
Marco Aurélio, etc. que, com sua pregação cética, causara em Roma certa turbação,
Cícero (106/43 a.C.) foi aquele a quem pertence o mérito de abalando as convicções comuns, e sustentando que o critério do
ter tomado popular a Filosofia em Roma, o intermediário típico justo não é fundado na natureza.
entre o pensamento grego e o latino. Autor de obras às quais deu Cícero opõe-se a esses argumentos, e observa que nem tudo
esplendor de forma e de eloquência, mas cujo conteúdo é quase que é posto como direito é justo, que, em tal caso, também as leis
todo grego. Ele mesmo afirmou que seus escritos "apografa sunt", dos tiranos formariam o direito. O direito funda-se em opinião
e acrescenta: Verba tantum aftero, quibus abundo (= "apenas lhes arbitrária, mas existe um justo natural, imutável e necessário, pelo
dou as palavras, nas quais sou fértil"). testemunho inferido da própria consciência do homem.
Suas obras mais importantes para o direito são: De Este conceito é desenvolvido por Cícero com grande
Republica, De Legibus, De OfficÜs, além de De finibus bonorum et eloquência: Est quidem vera lex recta ratio, naturae congruens,
malorum, Tusculararum desputationum libri quinque, etc. diffusa in omnes, constans, sempiterna... neque est quaerendus
Do De Republica chegou-nos apenas cerca de uma terça explanator, aut interpres eius alius. Nec erit alia lex Romae, alia
parte, descoberta em maio de 1819 em um palimpsesto vaticano. O Athenis, alia nunc, alia posthac, sed et omnes gentes et omni
De legibus é também incompleto, mas talvez tenha sido deixado tempore una lex, et sempiterna, et immutabilis continebit... cui qui
assim pelo próprio autor. non parebit, ipse se fugiet, ac naturam hominis
Cícero não pertenceu propriamente a nenhuma Escola, mas aspernatus hoc ipso luet, maximas poenas, etiamsi cetera suplicia,
sentiu a influência de muitas, a começar pela Estóica, à qual se quae putantur, eftugerit (= "Na verdade, a reta razão é uma lei
filiava conforme à natureza, difusa em todos, constante, eterna... não exige
seu mestre Poseidon. Foi eclético. O título e a forma de algumas de quem a explique, ou um outro intérprete. Nem existe outra lei em
suas obras (De Republica, De legibus) são platônicos; o conteúdo é Roma, outra em Atenas, outra agora, outra depois, mas uma só lei
aristotélico e estóico; encontram-se neles, em suma, revigorados, existirá para todas as pessoas e em todo tempo,
os
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GIORGIO DEL VECCHIO
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
eterna, imutável... quem não lhe obedecer foge de si mesmo, e tendo O conceito de jus naturale liga-se ao da eqüidade. A
desprezado a natureza do homem, sofrerá por isso mesmo as eqüidade significa propriamente uma equalitação, tratamento igual
maiores penas, embora fuja de outros sofrimentos, que imagine"). de coisas e assuntos iguais, um critério que obriga a reconhecer o
Além do jus naturale, e em imediata pertinência com ele, que é idêntico no substrato das coisas, além do vário e do acidental.
existe umjus gentium, observado por todos os povos, que serve de A idéia de eqüidade e a de lei natural tomam-se fatores de
base a suas relações recíprocas porque se funda sobre suas comuns progresso no direito. O direito positivo é uma modificação do
necessidades, não obstante as modificações que as diversas direito natural, com elementos de acidentalidade e de arbítrio. As
circunstâncias tomam necessárias. condições de lugar e de tempo mudam, a utilidade sugere normas
Por último, existe o jus civile, vigente para cada povo, em particulares, e isso os juristas romanos reconhecem amplamente.
particular. Mas, não obstante, está neles o cuidado permanente de reconduzir o
Entre os termos dessa tricotomia (jus naturale, jus gentium e direito às suas mais profundas raízes, de confrontar a norma com
jus civile) não existe contradição, sendo eles antes determinações seu fundamento natural, tolhendo as desarmonias e desigualdades,
graduais de um mesmo princípio. igualando equiparando, com o objetivo de corrigir o que seja iníquo
Ainda, para Cícero é o Estado um produto da natureza. Um ou irracional.
instinto natural leva o homem à sociabilidade, e precisamente à O simples reconhecimento de que o direito positivo é
convivência política. Renova-se, assim, a doutrina aristotélica. contrário ao direito natural não basta, por si, para aboli-Io, mas
Os juristas romanos tiveram, em geral, uma cultura determina uma tendência à sua reforma ou.modificação, também no
filosófica. O estoicismo foi, entre todos os sistemas da filosofia momento da aplicação judicial, por meio da equidade.
grega, o que teve mais sorte em Roma, porque melhor correspondia Advirta-se que o magistrado romano tinha um poder mais
à índole austera, ao caráter fortemente rígido do cidadão romano. vasto que o do magistrado moderno; tanto que, assumindo o cargo,
Também o pretor publicava as regras que informariam sua jurisdição
o ideal cosmopolítico dos estóicos tinha certa repercussão positiva (edictum).
no crescente domínio de Roma. O direito natural permanece o mais alto critério teórico. Dele
O conceito de uma lei natural, comum a todos os homens deduzem-se as máximas mais gerais; por exemplo, aquela segundo a
torna-se familiar aos juristas romanos, como uma crença implícita e qual todos os homens são iguais e livres por natureza (segundo o
subentendida na sua própria noção do direito positivo. É apontado ensinamento da Filosofia estóica).
como o fundamento deste a naturalis ratio, que não significa a Desta maneira, os juristas romanos reconhecem,
mera razão subjetiva, individual, mas aquela racionalidade que está expressamente, que a servidão é contrária ao direito natural;
inscrita na porémjustificam-na em nome do jus gentium, sendo ela usada por
ordem das coisas e é, por isso, superior ao arbítrio humano. Há, todos os povos (em conseqüência das guerras).
portanto, uma lei da natureza, imutável, não feita a propósito, mas Outro princípio do direito natural é, por exemplo, a
já existente, nata; lei uniforme e não sujeita a mutações por obra legitimidade da defesa (Adversus periculum naturalis ratio permitit
huma
se defendere = "Diante do perigo a razão natural permite a defesa"), ou
na (Jus naturale est id quod semper bonum et aequum est = seja, vim vi reppelere (repelir a violência pela violência).
"Direito natural é aquilo que é bom e eqüitativo sempre").
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GIORGIO DEL VECCHIO
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO
Ulpiano oferece do direito natural uma formulação que não
se encontra em outros escritores: o direito natural -diz- é a todos os povos (quasi quo jure omnes utuntur = "o direito que
todos usam").
quod natura omnia animalia docuit ( = "aquilo que a natureza ensinou
Assim, um fato da experiência assume, pouco a pouco, um
a todos os animais"). significado filosófico, chegando-se à triconomia: direito natural
Com isso estende a validade do direito natural também aos (universal, o mesmo sempre, perpétuo), direito das gentes
animais em geral. Mas, em substância, nada mais faz que dar (elementos comuns que se encontram nos vários direitos positivos),
expressão restrita àquilo que também era para todos um fIrme direito civil (com suas particularidades, que são determinações
princípio, ou seja, que o fundamento do direito está na natureza posteriores das espécies precedentes).
mesma das coisas, naqueles motivos que, desenvolvidos maiormente Freqüentemente o jus gentium é confundido com o jus
no naturale. Mas aquele é conceito essencialmente romano, nascido da
homem, estão, também, em germe, nos animais inferiores. experiência histórica dos romanos; já este é conceito expresso pela
Uma questão importante em tomo das idéias jurídicas dos Filosofia grega. Isto não exclui, porém, que os romanos possam ter
romanos é a que concerne ao jus gentium, denominação usada em tido alguma intuição nesse sentido, antes ainda da influência daquela
diversos sentidos acuradamente distintos. FilosofIa.
Entende-se porjus gentium, em primeiro signifIcado, o Os dois conceitos tendem a encontrar-se, e talvez pareçam
complexo de normas que, no Estado romano, são aplicáveis aos coincidir; têm, todavia, um significado diverso, e certamente são
estrangeiros (isto é, entre estrangeiros e estrangeiros, e entre também contrapostos, de tal modo que não se pode aceitar a tese
estrangeiros e cidadãos romanos, uma vez que os estrangeiros eram segundo a qual constituiriam eles uma só coisa.
excluídos do jus civile. Assim, por exemplo, os juristas romanos reconheceram a
De regra, para estas relações internacionais se estabeleceu escravidão como contrária ao direito natural (pelo qual todos nascem
um direito simples, despojado daquelas formalidades solenes, das livres); encontraram, todavia, para ela, justifIcativa na prática
quais era revestido o direito próprio do povo romano. comum dos povos, no jus gentium.
O jus gentium é o modo simples e sufIciente para regular as Bastaria isto para demonstrar a diversidade dos dois
relações às quais são admitidos também os estrangeiros. conceitos. De resto, os juristas romanos não foram notáveis nas
Quanto ao segundo sentido em que se entende o jus gentium, abstrações teóricas, nas idéias puramente filosóficas, mas no
é provável que se tenha chegado a ele com o seguinte processo: a traspasse delas para a prática do direito positivo, na sua aplicação,
princípio, os romanos não conceberiam esse direito como superior satisfazendo sempre, com genial agudeza, as exigências lógicas e as
ao civil, antes, como um direito primitivo e rudimentar; depois, o necessidades mutáveis da realidade.
estudo da FilosofIa grega fez reconhecer naquela própria Consagrando o maior respeito pelas formas tradicionais e
simplicidade a indicação da natureza, o reflexo da lei natural; em históricas dos institutos, e não rompendo nunca de maneira violenta
seguida, a continuidade do seu desenvolvimento, os juristas romanos jamais
vislumbrou-se nele um elemento de superioridade, considerou-se o perderam de vista a vida concreta e a natureza das coisas, e
jus gentium como expressão das exigências primordiais e comuns souberam fazer progredir continuamente o direito segundo o
a todos os povos, como revelação mais direta da razão universal. coteúdo das
Entende-se, então, por direito das gentes o direito positivo comum
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GIORGIO DEL VECCHIO
novas exigências, mas com uma técnica formal perfeita. Nisto está a
sua glória máxima. A nossa disciplina tem por fontes clássicas a
Filosofia grega e a Jurisprudência romana.
o CRISTIANISMO E A FILOSOFIA DO /
DIREITO NA IDADE MEDIA
A sublime doutrina religiosa e moral que, nascida na
Palestina, difundiu-se em poucos séculos em grande parte do mundo
civil, produziu uma mutação profunda na concepção do direito e do
Estado.
Originariamente, porém, a doutrina cristã não teve
significado jurídico ou político, mas tão só moral.
O princípio da caridade não se desenvolveu para obter
reformas políticas e sociais, mas para reformar as consciências.
Seguiam, sim este princípio, a liberdade, a igualdade de todos os
homens, e a unidade da grande farm1ia humana, porém, como
corolário da pregação evangélica; mas essas idéias não se opuseram
diretamente à ordem poÍítica estabelecida.
A própria escravidão não foi combatida, mas respeitada como
iQstituição humana, porém afmnando-se a fraternidade dos homens
pela lei divina. Ao contrário, chegaram alguns Padres da Igreja a
considerá-Ia como ocasião propícia para que os escravos se
exercitassem na paciência, e na obediência aos patrões, e os patrões
na brandura com os escravos. Não se sustenta, em suma, a
necessidade de abolir, na prática, a escravidão, mas contentou-se
com mitigá-Ia, através do princípio cristão da caridade e do amor.
A doutrina do Evangelho foi essencialmente apolítica. Todos
os seus ensinamentos tiveram, originariamente, um sentido
espiritual: "Não vim para ser servido, mas para servir - O meu
Reino não é deste mundo - Dai a César o que é de César, e a Deus, o
que é de Deus". Os tributos devem ser pagos ao Estado, não à
Igreja.
Todavia, a doutrina da Igreja teve efeitos e influência
notáveis também -sobre a Política e sobre as ciências atinentes a ela.
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