4. Lina
Menina esperta que
descobre o mundo das letras,
suas diferentes formas,
seus desenhistas... Com o
gato Bigato faz uma viagem
inesquecível e passa a falar
só por meio de rimas!
Bigato
Um gato listrado astuto
e sabido que cativa Lina
com seu conhecimento do
mundo da tipografia.
5. Um sonho caligráfico
Tipo
Tipográfia
Família Tipográfica
Era tarde da noite, Lina fazia sua lição de caligrafia, copiando textos para
seu caderno. Achava esse exercício chato e tudo a distraía. Olhou para seu gato
rajado e pensou: “Bem que você podia me ajudar, mas nem falar você sabe, que
dirá escrever!”
Cansada, Lina caiu em um sono profundo e sonhou com um mundo
colorido, até que de repente apareceu um gato na sua frente! E não era um gato
qualquer; esse era roxo com listras vermelhas e falava sem parar! — Desculpe — disse o gato —, você está confusa, não é? Meu nome é Bigato, vamos para
— Venha! Precisamos resolver um caso de tipofagia! a Ilha Tipográfica, onde vivem todas as letras. Elas também são chamadas de tipos, por isso
— Quanta magia! Mas o que é tipofagia? — respondeu Lina. Ilha Tipográfica. Nós vamos para lá porque algo terrível está acontecendo: as letras estão
— Não temos tempo. Venha comigo agora! sendo capturadas por canibais comedores de tipos, são os tipófagos!
O gato pegou Lina pela mão. Os dois correram em direção ao mar e no — Tipos são letras: ok! Mas o que é tipografia ainda não sei!
horizonte surgiu um barco. — Tipografia é tudo aquilo que é escrito, tudo aquilo que tem a ver com as letras, ou
— Este barco — disse o gato — nos levará a uma ilha onde está acontecendo melhor, com os tipos. Quando eu digo canibal refiro-me àquele que come outras pessoas
um caso inédito de tipofagia. – essa coisa horrível se chama antropofagia –; como na Ilha Tipográfica os canibais estão
Lina estava curiosa: como um gato podia ser colorido e falar? Entraram no comendo tipos, o nome dado foi tipofagia... entendeu?
barco e ela perguntou: — Ahhhhhhhh, entendi! E me surpreendi! Nada de tão terrível já ouvi! Como faremos
— Sr. gato, quem é você? Eu preciso saber. E o significado de tipofagia? Eu para encontrar esses canibais aqui?
quero entender. — E assim ela percebeu que sempre que seus pensamentos Bigato, com um olhar inteligente, disse:
viravam palavras passavam a rimar. — Vamos percorrer a ilha e conhecer todos os moradores.
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6. A Coluna de Trajano
Lina, entusiasmada, perguntou:
— Um imperador! Quanto esplendor! Como ele virou governador?
— Lina, ele não governa esta ilha; Trajano é um dos célebres moradores. Na verdade
a importância dele está em sua coluna: a Coluna de Trajano! E antes que você pense que
se trata da coluna vertebral do moço, explico que é um monumento em que está escrita a
história de uma batalha; sua base é o que tem de mais importante para essa ilha, pois ali
estão as letras que viraram referência para toda a escrita do mundo.
Lina começou a entender a importância desse monumento na história da tipografia e
pediu a Bigato para falar mais sobre a Coluna de Trajano.
— Esse monumento é um registro da evolução da escrita. As letras eram sempre
maiúsculas e são chamadas de clássicas, pois têm proporções, curvas e espessura perfeitas.
A criação das minúsculas surgiu muitos anos depois.
A viagem seguiu e quando chegaram à ilha Bigato continuou sua conversa com Lina. Os novos amigos andaram mais uns dez minutos até avistarem uma bonita casa com a
— Essa ilha é dividida em duas grandes extensões de terra ligadas por uma pequena famosa coluna no pátio central. Aproximando-se, puderam constatar que a casa estava vazia
faixa de areia; na parte ocidental moram os tipos com serifa, enquanto na outra parte, a e foram olhar a famosa coluna. Lina logo percebeu que havia algo de errado naquelas formas
oriental, moram os tipos sem serifa ou grotescos, como são chamados pelos com serifa. e perguntou:
Na faixa ocidental toda a área é conhecida e de fácil circulação, já o lado oriental é pouco — As palavras estão grudadas! Por que eles escrevem assim, com elas coladas?
conhecido e tem florestas mais densas. Vamos caminhando até a fronteira para o lado — Antigamente, não se separavam as palavras. Com o passar do tempo fizeram um
oriental da ilha, durante o trajeto faremos algumas visitas para investigar o caso e a triângulo para separação entre elas e só depois é que as separaram com espaço.
primeira será ao imperador Trajano. Bigato procurou em cada canto da casa e infelizmente não encontrou ninguém.
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7. No castelo de Carlos Magno
O tempo estava agradável, o céu limpíssimo. Era possível ver — Seja bem-vindo, meu amigo Bigato, em que eu posso te ajudar?
letrinhas voando no horizonte. Lina perguntou: — Olá, Carlos Magno, estamos com um sério problema. Canibais estão
— Letras voando como pássaros... E nós, para onde direcionaremos raptando os tipos que vivem aqui na ilha.
nossos passos? — Nossa, mas que desgraça, felizmente aqui no castelo nenhum tipo foi
— Vamos para o castelo de Carlos Magno. devorado. Caminhe até o monastério aqui perto, quem sabe lá você consegue
Lina ficou surpresa: mais informações com os monges copistas.
— Carlos Magno, o imperador do Ocidente? Mas ele não Os dois foram em direção ao monastério. Ao se aproximarem perceberam
mora no continente? uma grande confusão. Um monge veio correndo e gritando:
— Sim, ele mesmo. Agora ele mora aqui. Carlos Magno é muito — Canibais, canibais, canibais! Canibais raptaram as letras góticas.
importante para a tipografia, pois ele organizou a maneira de escrever Lina não entendeu nada e perguntou:
obrigando todas as pessoas ilustres a terem calígrafos. Lembra — Mas não há lógica! O que é uma letra gótica?
do seu caderno de caligrafia? O calígrafo é um profissional O monge tomou fôlego e começou a explicar:
que desenha letras. E foi assim que surgiu a escrita feita de — Nós, os monges, desenhamos as letras góticas, que são apertadas e
letras maiúsculas e minúsculas. cabem aos montes em cada folha de papel. Canibais altos e fortes vieram
Lina pensou: “Nossa! Se soubesse disso antes até aqui e pegaram minhas letrinhas! Disseram que vão comê-las, por sorte
não acharia meus exercícios de caligrafia tão chatos”. consegui salvar algumas.
Quando chegaram ao castelo, foram recebidos Bigato disse ao monge, com um ar de detetive:
calorosamente pelo próprio Carlos Magno: — Fique tranqüilo, iremos atrás desses canibais devoradores de tipos.
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8. A oficina de Gutenberg
Bigato e Lina despediram-se rapidamente do monge e
caminharam para mais uma visita: a oficina de Gutenberg,
quem sabe ali encontrariam mais pistas.
— Estamos indo visitar a oficina de um dos mais
ilustres moradores desta ilha: Johannes Gutenberg, o
inventor do processo de impressão através dos tipos
móveis, que são letras em caixinhas de metal que recebem
tinta e imprimem no papel, como um carimbo. Com seu
invento Gutenberg possibilitou a produção de livros por
preços muito menores e, conseqüentemente, as pessoas
tiveram mais acesso aos livros! — Bigato explicava a Lina,
que estava fascinada com tudo que estava aprendendo.
Chegaram à oficina, um lugar cheio de livros,
papéis, tintas e diversos tipos móveis brincando no chão,
esperando para serem impressos em algum livro.
Bigato, como um verdadeiro detetive, pegou seu bloco
de anotações e interrompeu o trabalho de Gutenberg:
— Sr. Gutenberg, estimado amigo, essa é Lina e estamos atrás dos canibais que estão minha oficina. Felizmente consegui esconder todos os tipos em suas caixas. Eles
raptando os tipos de toda ilha. Você tem alguma informação que possa ser útil perguntaram onde estavam os tipos e eu respondi que eu era apenas um impressor
nas investigações? e que os tipos viviam livremente. Assim consegui convencê-los e eles se foram.
Lina sentia-se importante, como uma verdadeira assistente na investigação e ouvia com — Você conseguiu descobrir alguma coisa sobre eles? — perguntou Bigato
atenção as palavras de Gutenberg. — Estava com tanto medo que não perguntei nada. Tentem falar com Claude
— Olá amigos, tipos móveis fiquem em silêncio! O assunto aqui é importante. Fiquei Garamond, ele também é tipógrafo, quem sabe possa ajudar.
sabendo desse caso de tipofagia há algum tempo, pois alguns canibais entraram em Agradeceram ao Gutenberg, que voltou ao trabalho, e saíram.
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9. O navio de Garamond
Bigato e Lina tinham um novo destino: o navio de Claude Garamond.
— Chegamos! Esta é a caravela de Claude Garamond! Para que você saiba Lina,
foi ele quem desenhou o tipo romano substituindo os tipos góticos, aqueles do
monge, lembra? — foi explicando Bigato enquanto acenava ao Capitão Garamond,
que na mesma hora ordenou que sua tripulação jogasse a escada.
A tripulação era formada pelos tipos da família Garamond. Lina observava
fascinada um “A” lavando o convés, um “B” arrumando o mastro, sendo ajudado por
uma letra “T”, parecia um navio pirata. O Capitão Garamond gritou:
— Bem-vindos, Bigato e menina! A família Garamond os saúda com
grande alegria.
Bigato cumprimentou o Capitão Garamond e respondeu:
— Obrigado pela recepção, esta é minha amiga Lina. Estamos investigando o
caso de tipofagia da ilha.
— Aterrorizante essa história, mas aqui em meu navio nenhum tipo foi
devorado nem devoramos ninguém...
Lina estava curiosa e perguntou:
— Mas Capitão, você tem alguma dica que nos ajude a resolver essa situação?
— Algum tempo atrás os canibais, liderados por um que era gago, estiveram em
meu navio e conversamos muito. Eles reclamavam que não tinham registros escritos
e que a sua língua era somente falada. Com isso tinham sérios problemas
em registrar fatos. Eu recomendei que eles usassem as letras do alfabeto
e desenvolvessem uma tipografia própria, para conseguirem registrar
todas as suas histórias e lendas. Nossa conversa foi sobre esse assunto e eu
acredito que eles não comem mais carne humana... são pessoas muito boas.
Depois de muito conversar, o Capitão Garamond convidou todos para jantar
na cantina do italiano Bodoni e aproveitarem para investigar se ocorreu algum
problema por lá. Bigato e Lina aceitaram o convite.
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10. De repente alguém bateu à porta. Bodoni recebeu e abraçou o
A cantina de Bodoni visitante, apresentando-o a todos:
— Este é meu grande amigo Francesco Griffo, o sovina.
— Olá Bodoni, fiquei sabendo do rapto de seus tipos
minúsculos e vim até a cantina para me juntar a você!
— Sr. Griffo, desculpe interromper, sou a Lina
muito prazer, mas por que o senhor é sovina? Não
consigo compreender.
Sorrindo diante da inocência e da pergunta
rimada da menina, Griffo respondeu:
— Sovina significa mão-de-vaca e fui eu quem
inventou o tipo itálico, ou cursivo, aquele inclinado à direita
e mais estreito, que economiza espaço e páginas ao imprimir.
Bigato pegou seu bloco de anotações e começou
a fazer perguntas:
Após uma tranqüila parada todos desembarcaram do — Sr. Francesco Griffo, você encontrou algum canibal nesta ilha, ou
navio e caminharam numa trilha em direção à cantina. Quando tem alguma informação que possa nos ajudar?
já estavam lá perto, Capitão Garamond gritou: — Eu não vi nenhum canibal até agora, mas sei de alguém que corre grande
— Bodoni! Sou eu, Garamond! Trouxe alguns amigos para perigo: Willian Caslon, dono da pensão Caslon. Lá moram muitas letras, a família
saborearem o seu macarrão! Caslon é muito numerosa, a maior da nossa ilha, se eles estão interessados em
— Meu amigo, você não imagina o que aconteceu em devorar tipos lá os encontrarão em quantidade.
minha cantina: um bando de canibais vieram almoçar,
mas não comeram meu macarrão... levaram todos os tipos
Bodoni minúsculos! Disseram que iam comê-los! Logo os
meus pequeninos! Eu não sei o que fazer!
— Com licença, Sr. Bodoni — disse Bigato. — Estamos
investigando esse caso de tipofagia; como eram esses canibais?
— Eram altos, fortes e liderados por um gago.
— Finalmente acertamos! São os mesmos que conversaram com o Capitão
Garamond, claro! O líder é gago!
Garamond respondeu:
— Muito estranho. Por que eles fariam isso?
— É isso que vamos descobrir, o importante é que estamos no caminho certo!
— Bigato respondeu, entusiasmado.
O italiano, na esperança de que seus pequenos tipos retornassem, gritou:
— Para comemorar a coragem e astúcia de vocês vamos comer o melhor
macarrão desta ilha!
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11. O Capitão completou os relatos sobre o lado oriental da ilha:
A macarronada de Bodoni — Não conhecemos direito o outro lado da ilha, as trilhas são muito
fechadas. Diversas criaturas ainda desconhecidas vivem por lá, dizem que
todo cuidado é pouco na área da floresta, pois é a morada dos “Dingbats”.
— Dingbats, que diferente! Que nome é esse que fica em minha mente?
— perguntou Lina
— É o nome dos símbolos, pequenos desenhos. Não são letras, mas
pensam que são. Muito cuidado com eles!
Bigato completou:
— É nosso dever proteger todos os tipos, mesmo que
não tenham serifa, que se disfarcem de desenho. Temos
de visitar Willian Caslon, ele corre perigo! Preciso de ajuda
para atravessar o rio.
Francesco Griffo disse:
— Eu posso ajudar, meu barco está lá.
Garamond ficou na cantina de Bodoni para ajudar na
proteção de novos ataques, enquanto Francesco Griffo guiou
os dois amigos até o rio. O sol começava a se pôr na Ilha
Tipográfica e um nevoeiro tomou conta do caminho. Lina
disse baixinho:
— Estou com medo, não enxergo nada além
do meu dedo!
— Não se preocupe, nada de errado
vai acontecer.
Francesco Griffo gritou:
Bodoni saiu da cozinha — Pessoal! Para chegar à pensão de Caslon é
com uma panela enorme de só seguir em frente nesta trilha. Adeus e espero que
macarrão al sugo; letras ajudaram-no a consigam resolver este caso.
levar a panela até a mesa. O cheiro e o sabor eram
maravilhosos e em poucos minutos a panela ficou vazia e, todos
satisfeitos com a iguaria, conversavam sobre os perigos que habitavam
o lado oriental da ilha.
Bigato pulou sobre a mesa e berrou a todos:
— Eu não tenho medo e vou caminhar por toda esta ilha!
Uma letra “R” da tripulação de Garamond respondeu com uma voz amedrontada:
— Você diz isso porque não conhece o outro lado da ilha. Lá só moram os tipos
grotescos, eles não têm serifa!
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12. Pensão Caslon
Seguiram a trilha até que Lina avistou uma placa:
“Pensão Caslon”. Bateram na porta e de lá de dentro
uma voz perguntou:
— Quem são vocês e o que querem?
— Eu sou Bigato e esta é minha amiga Lina. Willian Caslon aproximou-se, abraçou Bigato e disse em tom severo:
— Bigato! É você? Entre. Caslon está no balcão, — Essas histórias não são mentiras. Tipos estão sumindo e não sabemos qual é a causa.
vai ficar feliz em te ver. — Sr. Caslon, o sumiço dos tipos está acontecendo na ilha inteira e trata-se de um
Quando a porta abriu foi possível visualizar o caso de tipofagia. Não são os tipos grotescos que estão fazendo isso, são canibais que estão
porteiro, um pequeno asterisco. Ele trancou a porta e seqüestrando os tipos com o objetivo de comê-los.
disse baixinho: — Sério? Isso explica o sumiço repentino de alguns tipos. Aqui em minha pensão
— Devemos tomar muito cuidado à noite nesta somos muitos, é difícil controlar toda a família... vocês precisam descansar, tenho um
região da ilha. quarto especial para vocês. — Os dois agradeceram em coro e seguiram Caslon até o andar
— Por quê? — perguntou Bigato. superior. Foram acomodados num quarto grande e espaçoso.
— Os antigos contam histórias de que tipos Bigato tomou a dianteira, atirou-se em uma cama e disse a Lina:
grotescos caminham à noite, assustando e devorando — Vamos descansar um pouco, porque amanhã teremos mais investigações a fazer.
qualquer um que estiver em seu caminho. Principalmente porque iremos atravessar para o lado oriental da ilha. Não devemos ter
Bigato interrompeu: medo das letras sem serifa, mas a mata é muito fechada e contam histórias horripilantes
— Deixe de bobagem! Sabemos claramente que os de lá. Durma bem, Lina.
tipos sem serifa não são horríveis e que essas histórias não — Tentarei descansar, são tantas novidades que não consigo parar de pensar! —
passam de mentiras. respondeu Lina
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13. A travessia
Por volta das 5 horas da manhã um dos tipos Caslon faz muito barulho para Ao longe iam surgindo, bem devagar, soldados com uniformes azuis e vermelhos.
acordar Lina e Bigato, que esfregou os olhos e perguntou para a letra: Bigato entrou em desespero:
— O que você está fazendo? Eu estava dormindo! — O que faremos? São os soldados de Napoleão!
— Hora de levantar, Caslon pediu para acordá-los cedo. — Soldados de Napoleão! Mas o que eles fazem aqui nessa imensidão? —
Caslon os esperava com uma mesa cheia de pães, queijos e doces: perguntou Lina.
— Estávamos aguardando vocês para tomarmos o café-da-manhã. — De acordo com as histórias que contam, aparecem por aqui para saquear todos
Sentaram-se à mesa e fizeram uma excelente refeição. Era chegado o momento da os tesouros das pirâmides. Vamos, depressa! Precisamos nos esconder!
despedida. Bigato agradeceu toda a hospitalidade e Lina despediu-se de todos os tipos — Não há lugar onde poderíamos nos esconder! O que vamos fazer?
Caslon. O sol estava nascendo quando os dois começaram a caminhada em direção O medo ia crescendo... De repente, um pequeno alçapão se abriu no meio do
ao lado oriental da ilha. Conforme chegavam próximo da estreita faixa de areia, a caminho e surgiu uma letra “D”:
paisagem se modificava, a vegetação sumia devagar até chegarem numa região onde — Venham, venham depressa! Aqui vocês poderão se proteger dos soldados.
havia apenas areia e muito vento. Bigato, demonstrando coragem, disse: Sem perder tempo, os dois pularam no alçapão.
— Vamos seguir em frente, tenho certeza de que nada de mal vai nos acontecer!
Após alguns minutos de caminhada o cenário era o mesmo. Apenas areia em todo
lugar, até que de repente avistaram uma pirâmide. Bigato arregalou os olhos e gritou:
— Uma pirâmide egípcia! Então não era lenda, existem pirâmides na ilha!
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14. — Sim, fique tranqüila, estamos na floresta dos Dingbats.
Não os conhecemos direito, devemos apenas tomar cuidado,
mas não somos letras, não temos o que temer.
Por dentro do alçapão De repente, um barulho muito forte começou a se
aproximar. Bigato subiu em uma árvore para observar de onde
vinha o barulho; depois, abriu um sorriso e, feliz da vida, gritou:
— Lina! Estamos com muita sorte! É Trajano com seu
exército de letras.
O alçapão dava acesso a uma grande galeria, muito iluminada por tochas. Bigato ficou — Por onde andou, Bigato? Havíamos pensado que
olhando a letra “D” e perguntou: você também fora raptado.
— Primeiramente, muito obrigado por nos salvar. A que família você pertence? — Felizmente estou bem, colhendo informações
— Eu sou uma Clarendon. Podem reparar pela minha serifa quadrada, inspirada nas para resolver esse assunto.
inscrições das pirâmides. Vamos em frente, pois há uma saída segura. Lina interrompeu:
Após alguns passos nossos amigos encontraram uma grande sala e um — Meu nome é Lina, estou investigando esse caso de
homem de costas. tipofagia. O senhor conhece dos canibais a filosofia?
— Sejam bem-vindos! Meu nome é Robert Besley. Mas o que vocês fazem por aqui? — Menina, que jeito engraçado de falar esse seu. Não
— Estamos investigando um caso de tipofagia; tipos estão sendo raptados para serem conheço a filosofia desses canibais, mas podemos trabalhar
devorados. juntos. Também estamos atrás deles. Soubemos desse
— Nossa, que notícia horrível. Felizmente não enfrentamos esses problemas. Nosso caso e partimos imediatamente para o
maior dilema são os soldados de Napoleão, que dificultam os estudos arqueológicos. lado oriental da ilha. Faremos
— Que bom que vocês estão seguros senhor, nós temos que seguir adiante em nossa uma ótima parceria. Vamos
viagem. Poderia nos indicar uma saída segura? marchar para dentro desta
— Claro! Sigam a letra “D”. floresta. Levantem-se, letras,
Eles seguiram em frente até outro alçapão. O ”D” se despediu e explicou que dali não temos o dia todo!
em diante não teriam mais problemas com os soldados. Depois de uns minutos de
caminhada sobre a areia quente, a paisagem mudou completamente para uma floresta
tropical, de mata muito fechada. Lina, com bastante medo, olhou para todas aquelas árvores
e comentou baixinho:
— Quantas árvores, está meio escuro. Você sabe o que nos reserva o futuro?
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15. A Floresta de Dingbats
— Estamos apenas de passagem, procuramos os canibais que estão
raptando tipos — respondeu Bigato.
— Nossa! Comendo tipos! Eles passaram por aqui e não desconfiamos
A floresta era toda colorida, formada por plantas muito esquisitas. Todos estavam de nada, pareciam sujeitos muito bons e prestativos, ficaram conosco por
apreensivos, pois não sabiam como seria a recepção em relação a eles. De repente algum tempo e depois partiram.
encontraram o primeiro Dingbat. O pequeno, ao ver todo aquele exército, saiu correndo — Partiram para onde? — Bigato perguntou, nervoso
em disparada. Todos foram atrás dele, em busca de alguma informação. — Foram em direção aos Alpes.
Alguns metros depois, depararam com uma grande clareira, parecida com uma — Senhor, estamos perto de desmascará-los, peço permissão para
aldeia. Não havia ninguém. Bigato perguntou a Lina: partirmos de sua aldeia.
— Será que aqui é a aldeia dos canibais? — Permissão concedida, meu caro gato. Fiquem calmos, nós estávamos
— Hummmmm, pergunta um tanto incomum. — Pensativa, Lina continuou: com mais medo e vimos que os canibais não tinham nada de suspeito.
—Você mesmo disse que ninguém nunca entrou nesta floresta, como então — Desculpem-nos, é que nunca entramos nesta floresta, e são tantas
poderia haver uma aldeia como esta? histórias que ouvimos daqui.
Um barulho de tambores ensurdecedor tomou conta do lugar; ninguém sabia — Pois de agora em diante podem nos visitar quando quiserem.
o que fazer. No topo das árvores ao redor da clareira começaram a aparecer vários As pessoas fantasiam com tudo o que não conhecem direito, são
Dingbats. Em poucos instantes as árvores estavam abarrotadas deles. Um desses sinais preconceituosas, mas vocês puderam ver que aqui não há perigo algum.
gritou do alto da árvore: — Muito obrigado, vocês foram muito gentis. Lina, vamos em
— Eu sou o chefe Dingbat! O que vocês fazem em nossa floresta? direção aos Alpes.
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16. Roubo de ovelhas
Lina e Bigato mantiveram-se unidos ao grupo de Trajano e em passos firmes O pastor, mais calmo, agradeceu a cada um deles.
rumaram para os Alpes. A paisagem daquela região era belíssima, com campos de Lina, Bigato, Trajano e sua equipe partiram para os Alpes, atravessaram um
vegetação rasteira e pequenas flores coloridas e perfumadas. Lina estava calma, pequeno rio, que era bem raso, e aproveitaram para beber um pouco de água e
tranqüilizada pela bela paisagem. Bigato viu bem de longe um pastor com suas encher seus cantis. Bigato tinha passado por ali há algum tempo e traçou uma
letras pastando; o homem falava sozinho, parecia nervoso. rota alternativa, passando pela Floresta Negra e subindo os Alpes ao final dela.
Aproximaram-se e Bigato perguntou: Trajano concordou, pois sabia que Bigato conhecia a ilha como ninguém. Com o
— Tudo bem com o senhor? consentimento geral, seguiram para a Floresta Negra.
— Não, não está tudo bem comigo! Eu estou arruinado, não consigo acreditar no
que acabaram de fazer.
— Conte-nos, assim poderemos ajudá-lo.
— Eu estava aqui tirando uma soneca enquanto minhas letrinhas pastavam;
de repente, quando acordo, vejo minhas letras sendo levadas. Por sorte acordei e
consegui que eles não levassem todas.
— Calma, senhor pastor, estamos investigando e vamos solucionar este caso,
pode contar com nossa ajuda.
— Obrigado, meu nome é Frederic Goudy, quem são vocês? Vocês podem trazer
de volta minhas queridas letrinhas?
— Meu nome é Bigato e essa é Lina, viemos para a Ilha Tipográfica para resolver
esse terrível caso de tipofagia. Temos a ajuda de Trajano e sua equipe. E agora
estamos bem perto de solucionar esse mistério. Já temos fortes pistas de quem está
fazendo isso. Pode contar conosco, faremos todo o possível para trazer suas letrinhas
de volta.
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17. Tipo sem serifa Tipo com serifa
O primeiro encontro
— Nunca viram letras sem serifa e o que fazem então em nossa morada?
— Você tem família? Trajano tenta mudar de assunto, mas só piora a situação.
— Claro que eu tenho família! Você acha que eu sou sozinha no mundo? Sou a
tipografia mais nova da família Caslon.
— Caslon tem tipos sem serifa com ele? — Trajano parece indignado.
— Claro que tem! Você acha que eu sou mentirosa? Olha, vocês não sabem de nada,
me deixaram com um mau humor terrível, tenho de ir, vou procurar um lugar mais calmo
A Floresta Negra era pequena, porém com árvores muito altas, que impediam onde não serei perturbada.
a entrada de luz. No início da caminhada todos ficaram um pouco apreensivos, pois A letra foi embora deixando o grupo boquiaberto. Lina correu em sua
era um ambiente assustador, cheio de árvores secas e muito escuro. O grupo avista direção e disse:
uma letra “A” deitada no chão. Trajano olha fixamente para ela: — Não fique triste com quem não a
— Pessoal, aquela letra tinha uma serifa e parece que foi cortada. Não pode ser! entende. Eu garanto que por conhecê-la
Como alguém teria coragem de fazer uma barbaridade dessas? Ela está sem as estou muito contente.
suas serifas! A letrinha sorriu e disse
O grupo decidiu aproximar-se com o objetivo de ajudar a letra, mas de repente para Lina:
ela levantou-se e começou a tagarelar: — É porque você, menina dona
— Quem são vocês? O que fazem aqui? O que querem de mim? da rima, não tem preconceito, você
— Está tudo bem com você? Estamos aqui para ajudá-la! — disse Trajano. possui uma das maiores e raras
— Comigo está tudo bem, estava tirando uma gostosa soneca até vocês virtudes: o respeito às diferenças.
me acordarem. Siga seu caminho e boa sorte
— Mas você está machucada! Não está sentindo dor com a perda de suas na missão.
serifas? — pergunta Bigato. Lina voltou para perto de seus
— Serifas? Eu nunca tive serifas! companheiros; estava muito feliz
— Você é uma grotesca? — diz Trajano com espanto. com o que ouvira.
— Olhe o palavreado! Eu simplesmente não tenho serifa.
— Desculpe-nos, ainda não havíamos encontrado nenhuma letra sem serifa.
— Bigato tenta corrigir a grosseria de Trajano.
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18. Tipográfica. A subida era difícil, mas a vista era espetacular. Conforme iam
Os alpes subindo, o frio aumentava, pois se aproximavam do pico dos Alpes, onde a
neve nunca derretia. Lina, curiosa, perguntou:
— Bigato, o que há nestes Alpes de tão importante? Por que os canibais
vieram para um lugar tão distante?
— Dizem que um dos moradores daqui é Max Miedinger, um tipógrafo,
desenhista de letras e alpinista nas horas vagas. Ele criou a família Helvetica,
umas das mais famosas famílias tipográficas sem serifa. Seu desenho
simples, sem enfeites e com muita facilidade para leitura, transformou essa
tipografia na mais popular do século XX.
De repente eles ouviram um grito que ecoou pelo ar:
— Socorroooooooo! Aquiiiiiiiiiiii! No abiiiissssssmoooooooo!
Todos olharam para o abismo e viram um homem e várias letras,
pendurados por cordas.
— Sou eu, Max Miedinger! Ajudem-me, estava fugindo de uns canibais
que queriam capturar minhas helveticas para serem devoradas. O que estão
esperando? Esta corda não vai nos agüentar por muito tempo.
O exército de Trajano providenciou tudo que era necessário
para o resgate.
— Sr. Max, que bom que está bem. Nós estamos atrás desses canibais.
— disse Bigato enquanto o ajudava.
— Obrigado, mas apressem-se, pois eles passaram por aqui há
Depois de quase duas horas caminhando pouquíssimo tempo.
a paisagem mudou: árvores, flores, folhas Bigato gritou:
dispostas de maneira simétrica, ou seja, — Trajano! É melhor você ficar para resgatar todas as letras. Eu e Lina
organizadinhas, enfileiradas. Diante daquele iremos na frente.
ambiente simétrico Lina não se conteve: Trajano achou a idéia pertinente e despediu-se dos amigos
— Olhem esses triângulos formando o desejando sorte no final da batalha.
gramado! Será que estamos em um desenho
animado?
Bigato respondeu:
— Uma vez ouvi falar deste lugar. Um
dos moradores daqui é Paul Renner, criador
da tipografia futura. Uma tipografia sem
serifa, uniforme e geométrica.
Continuaram a caminhada até chegarem
ao início da subida aos Alpes da Ilha
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19. Só a antropofagia nos une
Lina e Bigato seguiram a caminhada. Bigato percebeu que Lina estava O homem respondeu:
muito apreensiva e disse: — Não pode ser, eu sou amigo dos canibais. Eles não fazem mal a ninguém. Xiii! Eu
— Lina, eu enviei uma mensagem numa caligrafia que voará e avisará acho que fui mal-interpretado! Eu sou Oswald de Andrade. Durante um tempo convivi com
Bodoni e Garamond que estamos na direção dos canibais. os canibais e transmiti a eles meu manifesto antropofágico. “Só a Antropofagia nos une.
Viram os canibais à distância. Então se esconderam e ficaram Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada
observando o que eles estavam fazendo. Lina viu um homem bem vestido de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os
vindo na direção deles e disse: tratados de paz. Tupi or not tupi, that is the question”, e por aí vai... Eu não disse para eles
— Hei, você aí! Esconda-se com a gente aqui! devorarem os tipos desta ilha, eles não me entenderam. Saiam desse esconderijo, devemos
— Por que deveria esconder-me? fazer alguma coisa para mudar esta situação.
Bigato ajudou: Lina respondeu:
— Esconda-se rápido, antes que os canibais o vejam! Eles estão — Ah! Então é muito simples a conclusão! Vamos conversar com os canibais e explicar
capturando todos os tipos da ilha com a promessa de devorá-los. toda essa confusão!
— Claro, mas devemos nos apressar, porque reparem o que está prestes a acontecer.
— disse Bigato, revoltado.
Os canibais estavam carregando grandes caldeirões para cozinhar os tipos. Trajano com
seu exército e Max Miedinger com todas as suas helveticas estavam chegando perto dali e
prestes a atacar os canibais. Oswald de Andrade ordenou:
— Depressa pessoal, temos de evitar uma guerra, vamos para perto dos canibais antes
que as letras de Trajano iniciem uma guerra por engano!
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20. Sopa de letrinhas
Oswald de Andrade tomou a liderança do grupo e, quando estava próximo Todos responderam que sim, mas olharam para Bodoni
dos canibais, gritou: admirados: o que ele pretendia com a água fervendo do caldeirão?
— O que vocês estão fazendo? E Bodoni, orgulhoso, continuou:
— Oswald, me... me... meu grande amigo! Veio à ce... ce... cerimônia tipofágica? — Perfeito, em nome da paz na ilha eu ofereço
Hoje devo... devo... devoraremos todos os tipos que fo... foram capturados e assim a minha mais nova invenção: a sopa de
te... te... te... teremos a tã... tão sonhada identidade tipográfica. letrinhas. As letras são feitas de massa
— Canibal Gago! Você entendeu tudo errado! Quando eu falei em antropofagia, de macarrão!
não era devorar outro ser, mas apropriar-se de todo conhecimento para desenvolver Todos riram da forma inteligente
a sua própria identidade. como Bodoni encerrou a questão e Lina,
Nesse momento, o exército de Trajano e as helveticas de Max Miedinger animada, gritou:
apareceram prontos para atacar os canibais. Bigato correu na direção deles e — Que grande confusão!
interrompeu o ataque: Agora, se querem comer as
— Parem todos! Acalmem-se! O caso foi resolvido! letras que sejam de macarrão!
— Como, resolvido? Olhem o caldeirão e todos os tipos presos nestas redes!
— disse Trajano, indignado.
— Acalmem-se! Tudo não passou de um mal-entendido. Vamos libertar
todos esse tipos. Canibal Gago ordene que os outros canibais ajudem na libertação
dos tipos.
Oswald e Canibal Gago subiram numa pedra e começaram a discursar:
— Pessoal, creio que devemos desculpas a todos por essa grande confusão, mas
pensem que foi por ele que nos encontramos de forma tão única. Vivemos a união
dos tipos com e sem serifa. Vocês trabalharam em equipe, esta data deve entrar para
a história da Ilha Tipográfica. O dia em que o Ocidente e o Oriente se encontraram.
Bigato olhou para o horizonte:
— Olhem, é o navio de Garamond!
O navio aportou no pequeno trapiche e Bodoni desceu correndo do
navio e perguntou:
— Algum tipo foi devorado?
— Não, Bodoni, tudo foi resolvido. Tudo isso não passou de um grande
mal-entendido! — exclamou Lina.
— Senhores canibais, os caldeirões estão com água fervendo?
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21. — Ahhhh Lina — disse Bigato com cara de orgulhoso —, não sei se minha
Tratado tipográfico idéia é pela paz mundial, mas reforça a convivência pacífica na Ilha Tipográfica...
— Além de colocar em prática de verdade o manifesto de Oswald de
Andrade — interrompeu Lina.
Bigato afastou-se, subiu nos caixotes de madeira em que Bodoni trouxe sua
massa de macarrão e anunciou:
— Por favor, um minuto de atenção: gostaria de aproveitar esse momento de
festa para sugerir um acordo.
Todos pararam o que estavam fazendo e prestaram a máxima atenção
ao que Bigato tinha a dizer:
— Gostaria que instaurássemos hoje aqui o tratado tipográfico de
ajuda mútua entre Ocidente e Oriente. Por meio desse tratado os canibais
liderados pelo Canibal Gago ficariam na Ilha Tipográfica aprendendo
tudo sobre tipografia. Dessa forma, cultivaríamos corretamente os
ideais antropofágicos de Oswald de Andrade.
Todos ficam em silêncio por uns dez segundos, tempo suficiente
para que Bigato ficasse temeroso. Depois de se entreolharem, todos
responderam aos gritos:
Era uma cena fantástica, — Viva o tratado tipográfico! Viva o Bigato! Viva a Lina,
canibais conversando com a menina que rima!
soldados de Trajano, tipos com e sem Após muito tempo de festa e diversão o sol foi se pondo e a festa
serifa convivendo alegremente. Uma festa chegando ao fim. Garamond prometeu seguir o tratado e ajudar todos
inimaginável. os tipos a voltar para suas famílias.
As diferenças foram colocadas de lado. Todos
experimentaram e aprovaram a deliciosa
sopa de letrinhas de Bodoni, o caldo cheio
de legumes dava mais sabor às letrinhas
de massa de macarrão. No meio de tanta
harmonia, Bigato teve uma idéia e pediu a
opinião de Lina.
— Lina, pensei em sugerir um acordo
para que o Ocidente e o Oriente da ilha
vivam sempre em paz e harmonia.
— Que legal! Depois de tudo o que
aconteceu uma idéia para a paz mundial!
Sugira agora, aproveitando o momento de
felicidade geral.
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22. De volta à realidade
Depois de muito festejar com todos os seus amigos, Bigato disse a Lina:
— É hora de irmos, Lina.
— Sim, creio que nosso trabalho chegou ao fim. Lina se debateu na água e foi segura pela mão por Bigato. Ela tentou subir à
— Exato, nossa missão foi cumprida. tona, mas seus olhos se fecharam.
— Será difícil me despedir, sinto que minha amizade com todos aqui só tende a progredir. Quando Lina recuperou os sentidos escutou o barulho da chuva forte e viu seu
— Esse é o fim de uma missão, mas a amizade estará sempre guardada em sua gato rajado entrando em seu quarto pela janela, todo ensopado:
memória e coração. — Nossa, tudo foi um sonho, parecia tão real. Vivi uma aventura sem igual.
A despedida foi alegre, com promessa de retorno o mais breve possível. Os dois O gato rajado de Lina ficou olhando para ela.
seguiram pela floresta dos tipos psicodélicos até o farol onde pegariam outro barco. A visita — E você? Seu gato danado! Por onde andou, que está todo molhado?
à Ilha Tipográfica chegava ao fim. Bigato, um pouco triste, abraçou Lina: O fato de falar com rimas já não a incomodava mais, talvez fosse a forma dela
— Foi uma grande aventura, não? nunca esquecer a aventura que vivera minutos atrás e ela concluiu:
Ela sorriu com os olhos cheios de lágrimas. Eles entraram no barco para retornarem para — Nossa, já são 2 da manhã, vou vestir meu pijama e voltar para cama.
casa. Lina perguntou: Hummmm quem sabe volte e sonhar com a Ilha Tipográfica e com aquela
— Bigato, com tanto aprendizado e cultura, como voltarei para casa depois viagem fantástica.
dessa aventura? Lina colocou seu pijama, deitou na cama e caiu rapidamente no sono. O gato,
— Não se preocupe, você simplesmente retornará. olhando para a menina, disse baixinho:
Após a última palavra de Bigato uma onda gigantesca encobriu o barco e todos — Durma bem querida! E quanto à sua pergunta: “por onde andei?”,
caíram no mar. a resposta é simples: estive ao seu lado, o tempo todo.
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23. O fim, ahhhhh mas não dá
para acabar assim
Nossa história acaba aqui, mas essa aventura não tem um fim. Todo os dias novos
tipógrafos criam e recriam suas famílias tipográficas. Você vai ter sempre novas letras para
conhecer e se encantar com suas histórias e belos desenhos.
Todas as vezes que deparar com uma nova família de letras, seja nos livros, nos jogos ou
no seu computador, lembre-se da Lina e do Bigato, quem sabe eles não aparecem aí no seu
quarto e te levam para mais uma aventura de barco...
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24. Bigato conta a história de cada Johannes Gutenberg
Inventor alemão que se tornou famoso pela sua contribuição para
personagem que visitou na ilha a tecnologia da impressão e tipografia. Criou uma liga para os tipos
de metal e tintas à base de óleo, além de uma prensa gráfica, inspirada
nas prensas utilizadas para espremer as uvas no fabrico do vinho.
Tradicionalmente, crê-se que teria inventado os tipos móveis — que não
passavam, no entanto, de uma melhoria dos blocos de impressão já em
Imperador Trajano
uso na Europa. (pág. 12)
Marco Úlpio Nerva Trajano foi imperador em Roma de 98 a 117. Entre
outras construções, fez a Coluna de Trajano, para glorificar sua capacidade
militar. O seu baixo-relevo em espiral comemora as vitórias das
Claude Garamond
campanhas militares contra os Dácios. Depois de sua morte, em 117,
Um dos mais importantes desenhistas de letras do século XVI, desenhou
o Senado decidiu que as cinzas do seu corpo deviam ser enterradas
a família de letras Garamond, obra-prima da tipografia na época e
na base da coluna. (pág. 8)
considerada, segundo pesquisas, a letra mais legível do mundo para
textos. Redescoberta no século XX, teve várias reproduções. (pág. 15)
Carlos Magno
Foi sucessivamente rei dos Francos (de 771 a 814), rei dos Lombardos
Giambattista Bodoni
(a partir de 774), e ainda o primeiro imperador do Sacro Império Romano
De Parma, na Itália, começou trabalhando na gráfica do Vaticano
(coroado em 25 de dezembro do ano 800), restaurando, assim, o antigo
e tornou-se um gênio não só pela beleza do desenho de sua família de
Império Romano do Ocidente. Para unificar e fortalecer o seu império,
letras mais famosa (bodoni), mas pelo conjunto de sua obra: os belíssimos
Carlos Magno decidiu executar uma reforma na educação e instaurou
livros que imprimiu e as inovações tecnólogicas nas máquinas de
a Renascença Carolina, movimento de renovação cultural e intelectual
impressão e nos materiais. Bodoni recebeu os prêmios mais importantes
que trouxe, entre outras coisas, a escrita em letras maiúsculas
de sua época (século XVIII), incluindo medalhas outorgadas por Napoleão
e minúsculas à tona. (pág. 10)
e pelos reis da Espanha. (pág. 16)
Monges e letras Góticas
Distinta do modelo carolíngio, a letra gótica teve origem por volta do
Francesco Griffo
século XI, na Bélgica e no norte da França. Em vários conventos medievais
A sua maior façanha foi a invenção do itálico tipográfico, nos anos
funcionavam as scriptorias, oficinas caligráficas encarregadas de copiar
1500-1501. Inicialmente ourives – como a maioria dos gravadores de tipos
textos religiosos – e, por vezes, textos da Antiguidade. Era imperativo
da época – e exímio artesão, é considerado o iniciador da independência
economizar espaço na folha de pergaminho, compactação ainda reforçada
nos desenhos dos tipos para impressão, das letras dos manuscritos
pelo uso contínuo de abreviaturas. (pág. 11)
humanistas, de onde era adaptada, na época, a maioria dos tipos
venezianos (hoje conhecidos como ‘itálicos’). (pág. 17)
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25. Napoleão Bonaparte
Willian Caslon
Figura importante no cenário político mundial da época, já que esteve
Foi o primeiro grande impressor inglês. Como era excelente desenhista,
no poder da França durante 15 anos e nesse tempo conquistou grandes
passou a desenhar tipos, abrindo a primeira fundição ao lado da
partes do continente europeu. Os biógrafos afirmam que seu sucesso
Universidade de Oxford. O estilo de letra de Caslon é limpo e legível;
deu-se devido ao seu talento como estrategista e ao seu talento para
a declaração de independência dos Estados Unidos foi composta por tipos
empolgar os soldados com promessas de riqueza e glória após vencidas
desenhados por ele. (pág. 20)
as batalhas. Neste livro falamos do ataque ao Egito. A estratégia de
Napoleão nessa batalha era atrair a Inglaterra para fora das Ilhas
Britânicas, bloqueando-lhe o contato com seu império indiano. Nessa
Robert Besley
batalha ficaram conhecidos os saques aos tesouros das pirâmides. (pág. 23)
Editou letras condensadas, sombreadas, perfiladas... Depois, editou
o grupo de fontes que chamou Ionics, para finalmente desembocar
na bela síntese de uma fonte inglesa com o nome de Clarendon.
Max Miedinger
Gravada, em Londres, no ano de 1845, a Clarendon tornou-se o protótipo de
Tipógrafo suíço, desenhou a Helvetica, um tipo eficaz no uso cotidiano,
todas as slab-serifs. (pág. 24)
com alta legibilidade tanto para texto como para leitura à distância.
Foi considerada a letra dos designers durante os anos 1950, 1960 e 1970 em
todo o mundo, sendo considerada símbolo do bom desenho nesse período.
Frederic Goudy
(pág. 33)
Tipógrafo norte-americano, desenhou por volta de 124 famílias de
letras. Goudy, que não gostava do modo mecânico como as fundições
comerciais traduziam os seus desenhos de tipos feitos à mão, decide criar
a sua própria fundição em 1925 – para poder controlar todas as fases do
Oswald de Andrade
processo. (pág. 28)
Foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna de 1922, em
São Paulo, tornando-se um dos grandes nomes do modernismo literário
brasileiro. Foi o autor de dois manifestos modernistas: O Manifesto da
Paul Renner
Poesia Pau Brasil e o Manifesto Antropófago. Esse manifesto
Trabalhou como desenhista gráfico, tipógrafo, pintor e professor.
constitui-se numa síntese de alguns pensamentos do autor sobre
Lançou a letra Futura em 1927, exemplo máximo das letras geométricas
o Modernismo Brasileiro. (pág. 35)
sem serifa, considerado na época o tipo da nova tipografia baseado em
formas geométricas representativas do estilo visual da Bauhaus dos anos
1920 e 1930. (pág. 32)
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