1. PRODUTOS INFINITOS E FORMULAÇÕES
DISCRETAS DA DINÂMICA DE UM FOGUETE
L. Miranda S. Moreira2
Miranda1,
1 Coordenação de Licenciatura em Matemática, IFPI, Brasil
2 Coordenação de Licenciatura em Física, IFPI, Brasil
Resumo
Fazemos uma correlação entre as seqüências de retiradas de partes de uma massa
discretamente variável e o movimento linear desta, enfatizando o uso da teoria dos
produtos infinitos.
Palavras-chave: Massa variável, seqüências de Antifonte, produtos infinitos.
1
2. Introdução
O Cálculo se inicia com a Conjectura de Antifonte (480-411, Grécia), a qual
afirma que se de uma quantidade de certa grandeza retirarmos uma porção não
menor que a metade, e da quantidade restante também retirarmos uma segunda
porção não menor que a metade, e assim sucessivamente, então haverá alguma
etapa em que o restante não retirado tornar-se-á tão pequeno quanto qualquer
quantidade previamente fixada da referida grandeza. Em lugar da metade pode-se
também considerar uma fração fixa qualquer entre zero e um. Originalmente, deve-
se ter considerado a metade, inclusive porque o procedimento proposto por
Antifonte para a quadratura do círculo pleiteia tal possibilidade, conforme cita
Temístio [Temístio, In Aristotelis Physica parafrasis 3.27-4.8 Schenkel [B.13 DK/
B.13 U/ F13(c) P, conforme Bellintani Ribeiro].
A generalização deste procedimento de exaustão, que nos leva naturalmente aos
produtos infinitos, cujos primeiros estudos são atribuídos a Vieta [Opera
mathematica, Leyden, 1646, p.400], induz de modo natural uma bijeção entre a
dinâmica que exaure uma quantidade (de qualquer grandeza mensurável) e o
2
3. conjunto das seqüências de números do intervalo 0,1 . A partir dos resultados
teóricos acerca dos produtos infinitos, adquiridos desde Vieta, faremos uma
classificação de tais movimentos através da divergência para zero dos produtos
infinitos dos complementos dos elementos destas seqüências, bem como da
convergência das mesmas e divergência de suas séries. Aplicamos estes resultados
ao estudo dos movimentos livres de corpos de massas discretamente variáveis
2. As seqüências de Antifonte
Considere uma quantidade não nula de uma grandeza mensurável qualquer.
Propomo-nos a fazer uma classificação de todas as seqüências de retiradas, sem
reposição, capazes de exaurir esta quantidade. Por exaurir devemos entender o
seguinte: para qualquer quantidade previamente fixada da mesma grandeza existe
uma retirada para a qual o resto da quantidade é menor que a quantidade .
Suponhamos que a primeira retirada, a qual corresponde à condição inicial seja
de uma fração nula de , isto é, 0. Seja a primeira porção efetivamente
retirada, com o respectivo primeiro resto efetivo 1 . Seja (1- a
3
4. segunda porção retirada, com respectivo resto 1 1 . Este
procedimento pode se repetir indefinidamente, e é formalizado no seguinte
resultado.
PROPOSIÇÃO 1. Seja 0 , , ,…, ,…| 0,1 o conjunto das
respectivas frações dos restos sucessivos de uma quantidade mensurável 0 de
uma determinada grandeza. Então: i) o resto de ordem é igual a ∏ 1
; ii) a soma das partes retiradas na ordem , , é igual a
∑ ∏! " 1 ! .
DEMONSTRAÇÃO. Provaremos por indução sobre . Para 0 o resto de tal
ordem é igual a 0 e a soma das partes, 0 0. Por outro lado,
∏ 1 1 0 e ∑ ∏! " 1 ! 0, visto que neste
somatório não há nenhuma parcela. Suponhamos por indução que as duas
expressões sejam verdadeiras para a ordem , isto é, que ∏ 1 e
∑ ∏! " 1 ! . Temos #1 $
1 $ ∏ 1 1 $ ∏ $ 1 e #1
4
5. # $ ∑ ∏! " 1 ! # $ ∏ 1
∑ $ ∏! " 1 ! %
Notemos que ∑ ∏! " 1 ! 1 ∏ 1 .
DEFINIÇÃO 1. A uma seqüência , , ,… de números reais do intervalo
unitário 0,1 damos o nome de seqüência antifontiana se &'( )$* ∏ 1
0 e em caso contrário, seqüência não antifontiana.
Note que o escólio da proposição 1 indica que , ,… é antifontiana se e
somente &'( )$* ∑ ∏! " 1 ! 1.
3. Produtos infinitos e seqüências antifontianas
Nesta parte usaremos alguns resultados clássicos da teoria dos produtos
infinitos para fazer a classificação das seqüências antifontianas. Os resultados
podem ser vistos nos textos usuais de análise, tais como Tom Apostol.
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6. DEFINIÇÃO 2. Seja + , , ,… uma seqüência de números reais e ,
∏ + . Ao par + . , damos o nome de produto infinito e o denotamos por
∏* + . i) Se infinitos + são nulos diz-se que o produto é 0; ii) se nenhum + é
nulo diz-se que o produto converge se e somente se existe , /0 tal que
&'( )* , ,. Se &'( )* , 0, diz-se que o produto diverge para 0. iii) se
existe 1 tal que 2 1 implica + 0, diz-se que o produto converge, sempre que
∏* 3$ + converge no sentido descrito em (ii) e neste caso ∏* +
+ + … +3 ∏* 3$ + . iv) o produto é divergente se não convergir em nenhum dos
sentidos (ii) ou (iii).
TEOREMA 1. Se 4 0, então ∏* 1 converge se e somente se ∑*
converge.
Em conformidade com o teorema acima, se 0,1 e ∑* diverge,
então ∏* 1 não é convergente. Visto que , ∏* 1 decresce
monotonicamente e , 2 0, 5 1, resulta que &'( )* , 0, ou seja, o produto
diverge para 0. Isto significa que a divergência de ∑* 6 , com 2 0 para
algum ( 1, é condição suficiente para que a seqüência , , ,… seja
6
7. antifontiana. Em particular, este é o caso das seqüências pertencentes aos conjuntos
da forma 6 8 0
7 , ,… : :, 1 , 5 2 (;, sendo : 2 0. Obviamente,
esta divergência não é condição necessária, pois toda seqüência do tipo
0, … 0, 1, 0, … é antifontiana. No entanto, se a seqüência antifontiana , ,…
é tal que 0,1 , 5 4 (, então ∑* 6 diverge. De fato, neste caso o produto
diverge para 0 e, portanto, ∑* 6 não poderá convergir.
TEOREMA 2. Toda seqüência 0 , ,… ,… , 0,1 , não
antifontiana converge para 0.
DEMONSTRAÇÃO. Suponhamos que não convirja para 0. Então existe
subseqüência < = > , ,… de s, e ? 2 0 tais que =
2 ?, 5& 1, 2, … Pela
observação acima, < será seqüência antifontiana. Portanto, , que associada a um
processo de retiradas sucessivas não exaure qualquer quantidade pré-fixada,
possuirá uma subseqüência que exaure a mesma quantidade. Como não há
reposição de qualquer quantidade retirada, a existência desta subseqüência
antifontiana constitui uma contradição. Logo, não existe tal subseqüência e,
portanto, s deve convergir para zero%
7
8. 4. Produtos infinitos e movimentos livres de corpos de massas discretamente
variáveis
Em relação a um referencial inercial ABCD um corpo de massa variável, com
massa inicial ( no instante de tempo E 0, encontra-se livremente em repouso
(num campo de forças nulo). No instante E 2 E é ejetada com velocidade + ,
relativa ao referencial ABCD, uma porção do corpo de massa igual a ( , restando
um 1-subcorpo de massa igual a 1 ( . No instante de tempo E 2 E , do 1-
subcorpo restante da primeira ejeção é ejetada com velocidade + , relativa ao
referencial ABCD, uma segunda porção de massa igual a 1 ( , restando
um 2-subcorpo de massa igual 1 1 ( . Iterativamente, no instante
E 2 E " é ejetada com velocidade + , relativa ao referencial ABCD, uma porção
de massa igual a 1 " 1 " ·… · 1 ( , restando um n-
subcorpo de massa igual a 1 1 " · …· 1 ( .
A seguir, apresentamos o cálculo da velocidade imediatamente após a -ésima
ejeção. Pelo princípio de conservação da quantidade de movimento, temos:
8
9. JK
1ª Ejeção: G
HHHHI HHHHI;
+
"JK
JK JL
2ª Ejeção: G
HHHHI HHHHI
+ HHHHI;
+
"JL "JK "JL
JK JL JN
3ª Ejeção: GM
HHHHI HHHHI
+ HHHHI
+ HHHHI;
+M
"JN "JL "JK "JN "JL "JN
.
.
.
JO
ª Ejeção: HHHHI
G ∑S HHHI
+T
∏Q
PRO "JP
"
Tendo em conta que G
HHHHI + # ∑U
HHHHI ∏U" 1
> > U +U
HHHHI , se
∏Q
PRK "JP
3 for antifontiana, lim )$* YHHHHIY só não divergirá caso o somatório
G
∑U ∏U" 1
> > U +U
HHHHI convirja para o vetor nulo. Mesmo com quantidades
finitas de energia é possível, com conveniente escolha da seqüência de velocidades
+T S 30 , atingirmos velocidades G arbitrariamente grandes.
HHHI HHHHI
9
10. Conclusão
As condições de mútua suficiência e necessidade para que uma seqüência seja
antifontiana, por nós apresentadas, é de baixa operacionalização técnica, sendo de
alta operacionalização apenas a condição suficiente. A classificação dos
movimentos livres de corpos de massas discretamente variáveis depende de um
estudo mais aprofundado das correlações existentes entre as seqüências +T S 30 e
HHHI
30 .
Bibliografia
1. ANTIFONTE - Testemunhos, Fragmentos, Discursos. Edição bilíngüe. Prefácio
e tradução: Luís Felipe Bellintani Ribeiro. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
2. APOSTOL, T. M. Análisis Matemático. Tradução de Henrique Linés Escardó.
Editorial Reverté, 1976.
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