2. SÍNTESE
o espelho
Este conto pode ser lido como uma síntese da análise humana de caracteres, pois através de
Jacobina, Machado propõe uma teoria da alma, ou melhor das almas humanas: a alma interior e
a alma exterior. Ao conquistar um título militar – e uma farda que represente esse título –, o
protagonista começa a perceber progressivamente que é o portador de uma alma exterior.
3. O ENREDO
o espelho
quatro pessoas conversam sobre a alma humana; Jacobina, que estivera calado até então, diz que
o homem não tem uma, mas duas almas; pede a palavra e fala que se não for interrompido pode
expor sua teoria acerca das almas: a que olha de dentro para fora e a que olha de fora para dentro:
A que olha para fora parece lembrar a filosofia racionalista, em que a mente, com sua
capacidade inata de compreender e organizar o mundo, dá origem ao conhecimento. A alma
que olha de fora para dentro lembra a filosofia empírica, que vê a mente como uma tábula rasa
em que a informação do mundo é registrada pelos sentidos.
a alma interior representa o que se é verdadeiramente – é o traço personalístico;
a alma exterior é o modo como os outros percebem o eu – é a aparência pública, máscara social;
Jacobina tinha, por ocasião dos eventos narrados, 25 anos; era pobre; chamavam-no Joãozinho
qdo é nomeado alferes da guarda nacional; seus amigos dão-lhe a farda completa; Tia Marcolina
convida o seu alferes p/ passar um tempo na fazenda – é celebrado até pelos escravos; eis senão
quando Marcolina precisa atender a uma filha que estava em trabalho de parto, longe da fazenda;
na mesma noite, os escravos fogem; fica sozinho em casa e, ante a falta de reconhecimento por
sua posição de alferes, entra em depressão; com o tempo, o alferes [exterior] elimina o homem:
4. O ENREDO
o espelho
Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças,
mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do
posto, nada do que falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que
entendia com exercício da patente; a outra dispersou-se no passado.
sozinho em casa – s/ reconhecimento originário do mundo exterior –, Jacobina quase enlouquece
certo dia, entretanto, passa em frente a um espelho antigo que havia em casa – primeiro, sem o
uniforme de alferes [o espelho mostra um vulto vago e impreciso]; depois, com a farda; para seu
espanto, dessa vez, sua imagem aparece reproduzida integralmente e muito garbosa; terminada
a narração, Jacobina [presente da enunciação] retira-se, deixando a todos embasbacados.
5. O ESPELHO
aspectos técnicos
o conto alegórico
01. a história é apenas um pretexto para se debater um assunto relevante;
02. trata-se de uma metáfora – uma representação alegórica da sociedade:
O alienista Teoria do medalhão Na arca
O segredo do bonzo O anel de Polícrates A sereníssima república
O espelho Uma visita de Alcebíades
6. O ESPELHO
aspectos temáticos
temas
análise psicológica conflito aparência x essência
7. O ESPELHO
aspectos técnicos
análise psicológica
A experiência radical vivida em “O espelho” só permite a fixação segura da máscara, da farda
vitoriosa, do papel que absorve perfeitamente o homem. A outra face, a que partira e se
esfumara diante do vidro, permanece uma interrogação. é o corpo opaco do medo, da vaidade,
do ciúme, da inveja, numa palavra, o enigma do desejo que recusa mostrar-se nu ao olhar do
outro. O narrador faz, discreta mas firmemente, as vezes desse olhar. Quem entrevê o que se
passa por trás da máscara da terceira pessoa já foi primeira pessoa que se olhou ao espelho.
importância do papel social e da aparência pública na formação da consciência e na percepção do eu
[é-se o que o outro percebe]
8. O ESPELHO
aspectos técnicos
o conflito aparência x essência
A alma exterior é uma personalidade fictícia sobreposta à verdadeira, por influência do hábito,
da imitação, das convenções sociais, e que aparece claramente noutro conto, ‘Teoria do
medalhão’, mas sob uma forma consciente, como instrumento de luta para a conquista do
prestígio em sociedade. [...] A farda representa, para ele, uma sublimação de si mesmo. [...] Ora,
Jacobina somos nós. Botamos a farda e representamos a paródia do nosso eu autêntico – não
na vida social apenas, na vida profunda do espírito, que anda quase sempre fardado.
a farda é símbolo e matéria de status e ter status é existir no mundo em estado sólido
[o olhar do outro é o nosso primeiro espelho].