2. AONDE FOI PARAR A BOA E VELHA DESORDEM BRASILEIRA?
O avião decolou do Rio de Janeiro e embicou para Belém num céu
de brigadeiro. Praticamente não havia nuvens entre as janelas dos
passageiros e o mundo lá embaixo. E o vôo, com três horas de
duração e praticamente sem serviço de bordo, era um convite
irrecusável a aproveitar a estiagem para ver, ao vivo, o que não
passava de um mapa colorido de verde nas aulas de geografia, do
tempo em que as escolas tinham aula de geografia.
assunto: viagem [narra-se o início da]
locutor: terceira pessoa
início de narrativa
A rota percorria a linha imaginária daquilo que o Brasil sempre
chamou de sertão, uma autêntica Tordesilhas do interior
supostamente impenetrável. Mas cadê o sertão? Com a estiagem
amarelando a serra do Espinhaço, na primeira hora de viagem o
mar de morros descascados foi logo avisando que tudo o que havia
a conquistar o País já conquistou. Dali, a mais de dez mil metros de
altitude, não se via uma nesga de terra sem a marca da grande
marcha para o oeste, que levou a civilização brasileira a bater nos
contrafortes dos Andes.
assunto: prossegue a viagem
subtemas
[alteração na paisagem natural brasileira]
[o processo civilizatório destruiu a natureza]
3. “É uma paisagem cicatrizada pelo trabalho humano”, dizia o
historiador Warren Dean, de um jato como esse, logo no primeiro
parágrafo de A ferro e fogo, o réquiem da Mata Atlântica. Ele
inventariou seus resultados há mais de 13 anos, pelas “voçorocas
alaranjadas e gredosas, incisões talhadas por séculos de
mineração, a agricultura e pecuária imprevidentes” na “colcha de
retalhos”, onde as estradas parecem “abertas por formigas
cortadeiras”.
assunto: destruição da natureza
técnica + subtemas
[citação de autoridade]
[o processo civilizatório destruiu a natureza]
Mas ele não viu, embora adivinhasse, o que viria depois. Faltou-lhe
o cerrado Brasil adentro, onde a topografia se acalma e o sertão vai
ficando cada vez mais geométrico, como se fosse desenhado a
régua e compasso. Em fins de agosto, a seca acentuava os círculos
exatos dos campos verdes, irrigados pela chuva artificial de longos
braços pivotantes. A seu redor, as cercas repartiam os pastos com
traços retos. As máquinas agrícolas acabavam de pentear o solo em
sulcos uniformes. E, onde alguém se lembrou de fingir que cumpre
os requisitos da reserva legal, os tufos de vegetação mais ou menos
nativa pareciam ainda mais artificiais do que as áreas cultivadas,
com seus recortes triangulares, quadrados, trapezoidais, no meio da
ganância generalizada.
assunto: destruição da natureza
tese: os latifúndios são os responsáveis
linguagem
conotação + focalização
[secas repartiam pastos com traços retos]
[alguém se lembrou de fingir de que cumpre]
4. Nesse ritmo, entrou-se na Amazônia sem perceber. O Brasil só
voltaria a ser ele mesmo, em sua esfuziante bagunça primordial,
pouco antes do pouso, quando o avião contornou, em longa curva,
as matas encharcadas das várzeas que cercam Belém. Mas aí era
tarde. A maior parte do País já tinha ficado para trás, quase
irreconhecível nesta época do ano, selvagem de menos, organizada
de mais. Nesta terra onde se reclama tanto da desordem urbana,
mal se fala do excesso de ordem agrícola no campo, onde a
desordem original faz tanta falta.
assunto: destruição da natureza
tese: crítica à destruição da natureza
brasileira levada a cabo p/ latifúndio agrícola
linguagem
conotação + focalização
Aonde foi parar a natureza exuberante e caótica, que fez o escrivão
Pero Vaz de Caminha confessar ao rei dom Manuel que era
impossível descrever este pedaço de novo mundo, porque aqui só
se viam árvores por todos os lados na baía do descobrimento?
Talvez na gravura em que, 200 anos atrás, o diplomata Claude
François Fortier, Conde de Clarac, às portas do Rio de Janeiro,
reproduziu folha a folha sua espantosa profusão de formas. Ela é o
modelo clássico da floresta tropical nos museus europeus. E
começa a fazer falta nas cartilhas escolares, para que os brasileiros
cresçam conhecendo o lugar em que nasceram.
assunto: destruição da natureza
tese: crítica à destruição da natureza
brasileira levada a cabo p/ latifúndio agrícola
linguagem
conotação + focalização + pergunta retórica
CORRÊA, M. S. Isto É, 2027, p. 122, 10 set. 2008
5. UFOP 2009/1
“Aonde foi parar a boa e velha desordem brasileira?”
tema
destruição da natureza brasileira [particularmente do Cerrado]
tese
o latifúndio irresponsável é o responsável pela destruição da natureza
locutor
apesar de se articular em terceira pessoa, o locutor externa muito claramente seu ponto de vista
linguagem
uso de conotação, citação de autoridade, focalização, modalização e pergunta retórica
tipo e gênero
tipo [expositivo-argumentativo-narrativo] e gênero [artigo de opinião]
6. UFOP 2009/1
questão 01
Assinale a alternativa que apresenta a proposta central do texto.
O Brasil deve voltar a ser uma bagunça.
O Brasil não deve reclamar da ordem agrícola.
O Brasil só apresenta bagunça na Amazônia.
O Brasil precisa aprender com a desordem natural.
7. SOLUÇÃO COMENTADA
questão 01
A desordem e a bagunça referidas pelo locutor [no título e no sexto parágrafo do texto] têm como
referentes exclusivos a exuberância e a grandiosidade da natureza brasileira. A elas se opõem a
civilização, aludida no texto através da metáfora matemática da geometrização. Na medida em que
se criticam as ações do latifúndio, pode-se afirmar que o locutor defende a força [não racional] da
natureza. Ou, de outra maneira, defende-se a desordem natural. Marque-se, pois, a alternativa “d”.
8. UFOP 2009/1
questão 02
Assinale a expressão que, de acordo com o sentido global do texto, não denota um
ponto de vista negativo.
desordem original
ganância generalizada
paisagem cicatrizada
agricultura e pecuária imprevidentes
9. SOLUÇÃO COMENTADA
questão 02
O texto “Aonde foi parar a boa e velha desordem brasileira?”, desde o título, caracteriza a palavra
desordem positivamente, na medida em que seu oposto – o ordenamento geométrico: círculos,
triângulos, quadrados, trapézios – aparece associado à destruição da natureza. Por isso, deve-se
assinalar a alternativa “a”. Em tempo, as palavras ganância, cicatrizadas e imprevidentes aparecem, no
texto, com conotações negativas.
10. UFOP 2009/1
questão 03
De acordo com o contexto, nas expressões “Aonde foi parar a boa e velha desordem
brasileira?” e “Faltou-lhe o cerrado Brasil adentro, onde a topografia se acalma [...]”, os
termos aonde e onde significam, respectivamente:
a que lugar / que
por onde / no qual
por onde / que
em que lugar / no qual
11. SOLUÇÃO COMENTADA
questão 03
O pronome onde indica lugar físico. No título, o pronome interrogativo [de valor adverbial] aonde tem
por significado “em que lugar”. Desse modo, temos: Em que lugar foi parar a boa e velha desordem
brasileira?. Já o pronome relativo onde [da segunda frase em destaque nesta questão], retoma o
sintagma nominal “o cerrado”, podendo, pois, ser substituído por “no qual” [Faltou-lhe o cerrado Brasil
adentro, no qual a topografia se acalma]. Assinale-se, pois, a alternativa “d”.
12. UFOP 2009/1
questão 04
Talvez na gravura em que, 200 anos atrás, o diplomata Claude François Fortier, Conde
de Clarac, às portas do Rio de Janeiro, reproduziu folha a folha sua espantosa profusão
de formas.
Para se compreender o período transcrito acima, é necessário identificar a relação de
referência entre o pronome sua e:
o escrivão Pero Vaz de Caminha.
a natureza exuberante.
as cartilhas escolares.
a ordem urbana.
13. SOLUÇÃO COMENTADA
questão 04
O pronome possessivo sua tem por referente, na conclusão, o sintagma natureza exuberante e
caótica. Senão, vejamos: Aonde foi parar a natureza exuberante e caótica, que fez o escrivão Pero Vaz de
Caminha confessar ao rei dom Manuel que era impossível descrever este pedaço de novo mundo, porque aqui só se
viam árvores por todos os lados na baía do descobrimento? Talvez na gravura em que, 200 anos atrás, o diplomata
Claude François Fortier, Conde de Clarac, às portas do Rio de Janeiro, reproduziu folha a folha sua espantosa
profusão de formas. Assinale-se, pois, a alternativa “b”.
14. UFOP 2009/1
questão 05
Faltou-lhe o cerrado Brasil adentro, onde a topografia se acalma e o sertão vai ficando
cada vez mais geométrico, como se fosse desenhado a régua e compasso. No trecho
em destaque, é correto afirmar sobre o a antes de “régua”:
É apenas um artigo definido, por isso não leva o acento indicativo de crase.
É somente uma preposição, por isso não leva o acento indicativo de crase.
Representa artigo e preposição, por isso deveria levar o acento indicativo de crase.
Combina com o e antes de compasso, por isso deveria levar o acento indicativo de crase.
15. SOLUÇÃO COMENTADA
questão 05
O a que está anteposto a “régua” e a “compasso” introduz uma expressão adverbial, que indica [o
modo] como seria desenhado o traçado geométrico. Como as locuções adverbiais são introduzidas
por preposição, deve-se assinalar a alternativa “b”. Apesar de “régua” ser um substantivo feminino,
não se usa crase porque o substantivo “compasso” não aparece determinado por artigo. Caso o
referido substantivo viesse determinado por artigo, haveria crase em “a régua”. Assinale-se, pois, a
alternativa “b”.
16. UFOP 2009/1
questão 06
As alternativas que se seguem apresentam reescritas do trecho As máquinas agrícolas
acabavam de pentear o solo em sulcos uniformes. Assinale a opção em que NÃO há
alteração de sentido.
As máquinas agrícolas acabavam de arar a terra.
As máquinas agrícolas acabavam de fazer colheitas.
As máquinas agrícolas acabavam de dividir terrenos.
As máquinas agrícolas acabavam de pulverizar as lavouras.
17. SOLUÇÃO COMENTADA
questão 06
Trata-se de uma questão que envolve sinonímia e compreensão de linguagem figurada. Arar,
segundo definição do dicionário Caldas Aulete é: Revolver (o solo) com arado, preparando para o
plantio. A alternativa que mais se aproxima do sentido dicionarizado é a letra “a”.